A Casa do Tipo - Um percurso histórico do projeto gráfico editorial

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Um percurso histórico do projeto gráfico editorial A historical trajectory about editorial graphic project

Flexor, Carina; Especialista; Universidade Salvador – UNIFACS carina.andrade@unifacs.br Kalid, Renata; Especialista; Universidade Salvador – UNIFACS renata.kalid@unifacs.br Rocha, Cleomar; PhD; Universidade Salvador – UNIFACS cleomarrocha@gmail.com

Resumo O artigo percorre a história do livro, buscando elementos que norteiam a compreensão de seu desenvolvimento, evidenciando a noção do projeto gráfico. Avalia o grau de interdependência da história do livro com a história da tipografia e das tecnologias gráficas, implicando, em cada alteração em uma área, reações nas outras, tendo a tecnologia enquanto motor de transformações históricas. A reação na ordem do projeto, e acomodação dos elementos internos, constitui a conclusão do texto, que diz, não só sobre questões que integram a natureza estrutural, como também de princípios que tangem a arquitetura gráfica de objetos editoriais, como o livro. Palavras chave: design editorial, projeto gráfico, história do livro.

Abstract The article goes through the history of the book, seeking for elements that lead to the comprehension of its development, proving by reasoning the graphic project’s notion. It estimates the degree of the interdependence of the books history with the typographic history and the graphic technologies, causing in each alteration in one-area reactions in the other areas, leaving the technology as the motor of the historical modifications. The reaction on the project order and the arrangement of the inner elements established the conclusion of the text, that discuss not only about issues that integrates the structural nature of the book, but also about the principles that converge to the graphic architecture of the objects of this nature. Keywords: editorial design, history of the book, graphic project. 7° Congresso de Pesquisa & Desenvolvimento em Design


Considerações Iniciais Buscando compreender a noção de projeto gráfico editorial, este artigo percorre a história do livro, destacando aspectos, momentos e personagens que nortearam a compreensão do seu desenvolvimento. A partir desse percurso histórico, evidencia-se a evolução do livro, em termos de noção projetual, amparada em questões que integram a sua estrutura, como, também, balizas culturais que estabelecem princípios que tangem a arquitetura gráfica de objetos dessa natureza. Frente a esta investigação, é clara a interdependência da história do livro com a história da tipografia e das tecnologias gráficas, implicando, em cada alteração em uma área, reações nas outras. Desse modo, é importante registrar que o objeto livro evoluiu, juntamente com a necessidade da escrita, moldando-se aos limites materiais e tecnológicos, da mesma forma que sempre buscou superações em prol de uma maior velocidade, funcionalidade e economia. Como afirma Hallewell (2005, p. 26): O livro existe para dar expressão literária aos valores culturais e ideológicos. Seu aspecto gráfico é o encontro da estética com a tecnologia disponível.

Alguns recursos e componentes do projeto gráfico de livros surgiram por demandas técnicas de épocas passadas, mantendose, muitas vezes na atualidade, mesmo que as referências iniciais não existam mais. A compreensão da origem do livro, e as sucessivas mudanças por que passou, auxilia o designer na tomada de decisão, notadamente ao distinguir necessidades reais de preceitos históricos aos quais estão vinculados. Essa consciência permite ao designer focalizar a gênese do projeto gráfico editorial, ampliando sua desenvoltura no ato da projetação, principalmente se for considerado que, atualmente, em meio a tanta profusão de recursos, cada vez mais acessíveis, é preciso ter conhecimento sobre a história do livro, das razões da sua forma, estrutura e organização, para se encontrar a harmonia entre a experiência acumulada e a criatividade. Seguindo o método lógico indutivo, que parte do fenômeno para a teoria, com conclusão, como conseqüência de uma proposição, este artigo seguiu as fases de coleta de dados com sistematização, análise e síntese de dados históricos, além de estabelecer comparações, quando fossem pertinentes, a fim de compreender os fenômenos do design editorial. Os dados teóricos, colhidos em publicações impressas e eletrônicas, são validados qualitativamente. Foram mantidos os critérios epistemológicos, de orientação histórico-descritiva, os metodológicos, já citados, e os operacionais. A partir da metodologia adotada, toma-se, para o desenvolvimento deste artigo, o avanço tecnológico, como

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elemento motriz das transformações do projeto gráfico editorial e, assim, destacam-se dois períodos de grande relevância.

Do manuscrito à Imprensa Conforme afirma Spina (1977, p. 23), a escrita tem duas tradições: primeiro a manuscrita, que vem de épocas imemoriais até o aparecimento da imprensa no século XV e, em um segundo momento, a impressa, a partir daí até os tempos modernos. Ainda, segundo o mesmo autor, as formas de apresentação do texto escrito conheceram sua representação pelo volume, pelo códice e pelo livro, sendo os dois primeiros pertencentes à tradição manuscrita (ARAUJO, 1986, p. 39). Todas estas formas de apresentação do texto se deram, entretanto, em função de avanços significativos na produção do suporte e, principalmente, em conseqüência da evolução dos sistemas de reprodução gráfica. Assim, é oportuno discorrer, a partir desse período, sobre esses avanços, observando, sobretudo, aspectos que se referem ao projeto gráfico editorial. O suporte e o projeto gráfico O surgimento dos elementos conhecidos na contemporaneidade, enquanto formadores do projeto gráfico editorial, está vinculado à invenção da escrita que, por sua vez, sempre esteve atrelada ao suporte sobre o qual foi possível sobreviver. Por conseguinte, a evolução desse suporte material acabou por determinar a própria forma da página impressa que se conhece nos dias de hoje. Segundo Martins (1957, p. 103): A Idade Média consagra a substituição do rolo pelo codex, da mesma forma por que substitui o papiro pelo pergaminho e, já na transição para a Renascença, o pergaminho pelo papel.

Atribui-se ao papiro uma importante contribuição para a forma do livro, conforme afirma Spina (1977, p. 26), na medida em que se deve a ele o início da verdadeira história do livro na Antiguidade, já que o mesmo, além de se apresentar em volume, pôde, num segundo momento, ser dobrado de modo a constituir, junto com outras páginas, o chamado códice. Após larga utilização do papiro, iniciada no Egito, desde o 2º milênio, largamente utilizado pelos gregos e romanos, durante o domínio destes, passou a competir com o pergaminho, que o suplantou. Muito embora tenha sido considerado um suporte mais resistente, o pergaminho sempre foi muito oneroso, propiciando o aparecimento, desde o século VII, do uso do palimpsesto1. De acordo com o mesmo autor (Spina, 1977, p. 27), a falta de suporte ocasionou também uma grave crise no material bibliográfico dos séculos VII ao IX, levando ao desemprego inúmeros copistas e artistas gráficos. Apesar disso, o pergaminho teve larga utilização na Idade Média, especialmente nos conventos e mosteiros que mantinham scriptorium, 7° Congresso de Pesquisa & Desenvolvimento em Design


oficinas de copistas, que se encarregavam de multiplicar, sobretudo, cópias da Bíblia. Segundo Martins (1957, p. 31), o trabalho consistia na preparação do pergaminho, isto é, na sua redução a um tamanho comum – quadratio – para, posteriormente, serem marcadas as linhas, obtendose intervalos exatamente iguais, através de marcações nas suas bordas. Conforme Spina (1977, p. 31), executada a tarefa do copista, o caderno escrito passava por um revisor, que fazia a confrontação com o original para, em seguida, os rubricadores e miniaturistas se ocuparem de inserir os títulos, as epígrafes, as letras capitais ou maiúsculas iniciais e outras notas. O iluminador ornava o livro com iluminuras e miniaturas2. Para finalizar, o copista inseria o colofão, registrando o título do livro. O pergaminho ainda trouxe significativa contribuição para a conformação atual do livro já que propiciou a escrita dos dois lados, opistógrafo, diferentemente do papiro que só permitia o registro no reto, anopistógrafo, dada a sua consistência (Spina, 1977, p. 30). Segundo Martins (1957, p. 65), a escrita no reto e no verso deu nascimento ao antepassado imediato do livro, mudando de forma determinante o aspecto da matéria escrita e das bibliotecas. Acrescenta, ainda, que embora opistógrafo, tenha se conservado, até os fins da Idade Média, o hábito de apenas numerá-las no reto, quer dizer que a noção de página apareceu somente no fim desse período. O papel, por sua vez, inventado pelos chineses, no ano de 105 da Era Cristã (BAER, 1999), penetrou na Europa por volta do século XII. Embora se destinasse a superar o alto custo do pergaminho, este ainda lhe fez concorrência durante muito tempo, até mesmo depois do aparecimento da imprensa (ARAÚJO, 1986, p. 44). Ao contrário do pergaminho, e mesmo do papiro, que mantinham regularidade apenas de largura, o papel possibilitou a sistematização de formatos, a partir de preocupações de produção, possibilitando aprimorar o desenvolvimento do projeto gráfico editorial. Araújo (1986, p. 413) registra que os suportes da escrita que, direta ou indiretamente, influíram na disposição da página impressa, adotaram, na maioria das vezes, a forma retangular vertical. E acrescenta: Já se sustentou que a eleição desse formato como ideal para a transmissão da palavra escrita se deveu a uma certa semelhança com a proporção física do corpo humano enquadrado como figura geométrica, mas soluções práticas parecem ter sido o verdadeiro móvel de tal escolha, a melhor acomodação de linhas mais regulares na largura e a maior facilidade de obtenção, por meio de cortes e dobras, do retângulo sobre as outras formas.

Esse formato retangular possibilitou enxergar o livro enquanto unidade, mantendo relações internas regulares, principalmente quanto à mancha. Muitos autores, dentre eles Sauté (2004) e Martins (1957), afirmam que Aldo Manúzio3 foi o responsável por enxergar, pela primeira vez, a página dupla enquanto unidade formal. Isso, sem dúvida, deu origem a preocupações em relação à margem e, conseqüentemente, ao contra-grafismo, contribuindo para o surgimento de orientações gerais de

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organização da página. Iniciou-se, ainda durante esse período, a preocupação com formatos de mais fácil manuseio e transporte, principalmente em função do surgimento de pequenas bibliotecas particulares e de centros de estudos. É atribuído ao período da Renascença, entre os séculos XIV e XV, uma grande contribuição nesse sentido, já que durante esse período o homem passou a buscar, através de relações geométricas, tanto na arte, como na arquitetura, formas tidas como harmônicas. Sauté (2004, p. 28) pontua que: No espaço branco ou suporte de impressão (o papel) as áreas que limitam a mancha impressa (a coluna de texto e as ilustrações) têm proporções muito especiais. As dos manuscritos, incunábulos e clássicos em geral, mais escrupulosamente fiéis às regras áureas (da divisão medieval de Villard de Honnecourt à Proporção Áurea renascentista, e desta às proporções de Le Corbusier), atingem uma superfície equivalente, aproximadamente, à mancha impressa, de modo que a parte branca e a parte preta são matematicamente iguais.

É verificável, dessa maneira, que o projeto gráfico, desde então, herdou da arte e da arquitetura pressupostos de ordenação de elementos em dado espaço físico, no caso a página impressa. Esse paralelo entre o livro e a arquitetura, largamente discutido por Araújo (1986), Ferlauto (2000), Hendel (2003), Bringhurst (2005) já se fazia presente antes mesmo do Renascimento, muito embora este período tenha propiciado maiores discussões. Sauté (2004, p. 25) afirma que a relação entre arquitetura e livro vem de muito tempo. Alguns elementos constitutivos do livro preservam, inclusive, antiga terminologia arquitetônica, como falso frontispício, frontispício, que era freqüentemente decorado, entre os séculos XVI ao XVIII, com desenhos arquitetônicos envolvendo títulos e legendas, friso, quando a vinheta tinha o formato de orla de cercadura, margens, blocos ou colunas, etc. Dessa relação se manteve a denominação de arquitetura gráfica4, até hoje utilizada, quando da necessidade de se referir à ordenação e disposição dos elementos na página. O tipo, nesse período, foi marcado por transformações no seu desenho. As modalidades de escritos, denominadas greco-romanas foram suplantadas pelas minúsculas carolíngeas, tipos nacionais franceses, que se tornaram dominantes nos trezentos anos que sucederam ao reinado de Carlos Magno. Estes tipos, desde o século X, manifestavam inclinação para formas modernas. No século seguinte surgiram, como outra forma nacional, os tipos góticos, que mantiveram sua supremacia até o aparecimento da imprensa. Os sistemas de reprodução Muito embora se deva ao papel a grande contribuição para a evolução dos livros manuscritos para os impressos, não se pode esquecer dos avanços significativos no modo de reprodução dos escritos.

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Durante o período medieval, os livros eram reproduzidos manualmente, através do trabalho dos copistas, tornando o processo lento, além de oneroso. Inicialmente, os copistas eram remunerados por folha copiada, o que acabou trazendo entrelinhas e letras avantajadas para a organização da página, já que, com isso, o seu número aumentava. Isso forçou uma mudança, passando os copistas a serem remunerados por linhas copiadas, e não mais por páginas, o que os levou a adotar o entrelinhamento mais reduzido. Com o passar do tempo a demanda cresceu e, com a demora da reprodução, surgiram os incunábulos, reproduções feitas também por copistas, mas que não tinham preocupações maiores com a qualidade da cópia e sim com custos menores. A folha de rosto era utilizada nesse período justamente para proteger estas reproduções. Essa mesma demanda por mais e novos livros tornou indispensável uma produção em maior escala. A técnica da xilogravura, muito embora já tivesse sido utilizada pelos chineses no período que antecede a era cristã, foi largamente difundida na Europa nos inícios do século XV. Esta foi, segundo Ribeiro (1998, p. 43), inicialmente empregada para a reprodução de ilustrações com pequenas legendas e, mais tarde, para livros, embora estes só pudessem ser impressos de um só lado, por conta da grande pressão característica do próprio processo. Martins (1957, p. 146) diz ainda que Na Europa, esse processo representa, por um lado, uma espécie de projeção do manuscrito na técnica de impressão e, por outro lado, uma transição entre o manuscrito e a imprensa propriamente dita.

Esse cenário propiciou a introdução do procedimento tipográfico de vez que, este usava, também, o recurso da impressão por relevo, como na xilogravura. Araújo (1986) fala que se, por um lado, na xilotipia os caracteres achavam-se presos ao bloco de madeira, na tipografia as letras eram soltas e, por isso, móveis, podendo ser trocadas ou reutilizadas à vontade.

De Gutenberg ao Offset A Europa do século XV reunia as condições tidas como ideais, para a invenção da imprensa: a produção do papel que barateou o custo do suporte, o surgimento de universidades e de bibliotecas, que ampliaram a demanda por livros, além do desenvolvimento de técnicas de reprodução de textos e métodos de gravura. Quanto à dimensão técnica, a tipografia, que suplantou a “indústria” do manuscrito, tinha como objetivo eliminar os problemas de distorções dos originais manuscritos, além de contribuir para a velocidade de reprodução dos livros. A imprensa, não só não conseguiu liquidar esse problema, como também, passou a apresentar distorções na composição da linha tipográfica, assim como erros técnicos de impressão. Em relação às orientações projetuais, já nas primeiras impressões do processo tipográfico, percebe-se uma retomada dos princípios

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organizacionais aplicados aos manuscritos, impressos em xilogravura, o que se verificou no uso do tipo, no trato das imagens e, ainda, nos aspectos de sua composição. De acordo com Martins (1957, p. 146) Com efeito, é sabido que durante alguns anos o livro impresso imitou conscientemente o aspecto material do manuscrito. Quanto a isso, Araújo (1986, p. 418) diz que, tanto Gutenberg, quanto Schoeffer e Fust, os pais do livro impresso, adotaram, em suas publicações, o cânone secreto de construção das páginas manuscritas, dos fins da Idade Média, a proporção áurea. Se se fizer a análise da morfologia do objeto livro, como destaca Sauté (2004, p. 20), poucas mudanças ocorreram nos cinco séculos e meio de sua história, a ponto das fórmulas, anteriormente utilizadas, poderem, ainda, ser aplicadas a livros do passado, do presente e talvez do futuro. Entretanto, é importante considerar que, ainda assim, o aperfeiçoamento da tipografia passou a exigir novos padrões e definições, substituindo a riqueza intrínseca dos manuscritos por um aspecto gráfico diferenciado. Com isso, de acordo com Araújo (1986, p. 46), algumas soluções gráfico-estéticas foram criadas. Recapitulando, rapidamente, em 1457, com Johann Fust e Peter Schoffer, imprime-se o primeiro livro que constava a data, colofão e letras capitulares a cores. Em 1460 a oficina de Gutenberg produz um livro de vocabulário da língua latina com um prefácio; nove anos depois, Johann von Speyer utilizou uma fonte de tipos cujo corpo originou o termo cícero para designar o ponto como medida tipográfica. Em 1472 Johann Koelhoff introduziu o uso de assinaturas, letras e, mais tarde, números, indicando a seqüência de cadernos e, finalmente, em 1476, Erhard Ratdolt apresentou a primeira folha de rosto completa, com nome do autor, título da obra, nome do impressor, cidade e data de publicação. Ainda, quanto aos aspectos estruturais, Araújo (1986, p. 431) também destaca a falsa folha de rosto, surgida nos fins do século XVI, e tida como uma inovação do livro impresso, assinalando que esta, inicialmente tinha o propósito de proteger o rosto, passou, em meados do século seguinte, a reproduzir o título no reto, com localização no centro óptico da página, valorizando a área de contragrafismo, assim como continuou a articular-se no ante-rosto contemporâneo. No que respeita, mais especificamente, às questões que envolvem o uso de tipos, uma série de inconvenientes técnicos vieram à tona, passando a exigir novas conformações morfológicas. Foi o caso da eliminação dos elementos ornamentais de certos tipos e melhor definição de counters. Aliava-se a isso as preocupações técnicas, como o padrão estético, adotado no Renascimento, de cunho objetivista. Isto pode ser percebido nas romanas de Jenson, desenvolvidas no século XV, que motivado pelo que se pode considerar como um início, se comparado com o que se tinha até então, de popularização do livro, apresenta aperfeiçoamentos morfológicos que atendem às questões relacionadas à legibilidade e conforto visual. Daí, até o século XVIII, pequenas alterações foram se somando aos tipos, com

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vistas à melhoria de leitura, sendo que ainda neste século observa-se uma preocupação com a qualidade de impressão de livros, através da tipografia, com avanços de alguns projetos, como os realizados por William Caslon e John Baskerville. Após o advento da imprensa uma série de mudanças se sucederam, principalmente quanto aos meios de reprodução da imagem e, conseqüentemente, do setor gráfico. Uma das contribuições trata da padronização de formatos de produção de papel, já na primeira metade do século XVIII, a partir da utilização da máquina contínua para a sua produção. Esta substituiu a produção manual folha-a-folha pelas grandes bobinas e, ainda, tornou viável fabricar as folhas nos mais variados tamanhos. Por conta desses e outros avanços, em 1922 instituiu-se o formato DIN (Deutsche Industrie Normen), aceito até os dias atuais, sendo adotado por instituições como a ISO e a ABNT Ainda, no final do século XVIII, segundo Araújo (1986, p. 511), foi inventado mais um processo de gravação e reprodução de imagens que revolucionou a ilustração e, mais tarde, as artes gráficas em geral: a litografia. Este processo consistia na gravação em plano, cujo princípio era a repulsão recíproca entre uma substância gordurosa e a água sobre um tipo de pedra. Já com a primeira Revolução Industrial, separaram-se nitidamente as funções do publicador, impressor ou tipógrafo e o livreiro, fazendo emergir o profissional de comunicação visual que se voltou menos para a técnica e muito mais para questões relativas ao projeto. Ainda, neste período, transformações no desenho tipográfico foram adotadas, caracterizadas pela simplificação da sua forma, com forte avanço dos tipos lineares e tipos com serifas retas (slabs e filetes). A Revolução Industrial acelerou as melhorias técnico-reprodutivas, além de promover a maior produção de livros devido a inúmeros estudos no campos das ciências exatas e sociais. No caso tratado, em 1812, Frieddrich Konig criou a prensa mecânica, movida a vapor e, dois anos depois, imprimia o jornal, The Times, na primeira rotativa movida a vapor, o que permite uma significativa redução no tempo de impressão. Richard Hoe, por sua vez, lançou a máquina rotativa com os caracteres dispostos sobre um cilindro. Ottmar Mergenthaler, em 1880, desenvolveu o linotipo, primeiro sistema mecânico de composição e fundição de tipos. Concorrendo com este processo surgiu, em 1887, a monotipipia, que fundia os caracteres separadamente para posterior organização em linhas. Mas, ainda nesse século, a grande contribuição viria com a introdução da fotografia no campo da impressão com o desenvolvimento da fotogravura, que veio abrir caminho para o surgimento do sistema offset. Há ainda de se ressaltar que dentre as inovações introduzidas pelos movimentos modernos, entre múltiplos exemplos pode-se citar as contribuições de Herbert Bayer e sua produção na Bauhaus e Jan Tschichold que, embora voltados para a tipografia, deram contribuições significativas à composição gráfica da página. Influenciados pelos movimentos suprematista e construtivista introduziram o uso da

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composição assimétrica e inclinada e aconselhavam o uso da tipografia em caixa baixa para facilitar a leitura. Os anos de 1970 trouxeram inovações consideráveis, porque quebravam com todas as normas da composição gráfica tradicional, especialmente o estilo suíço, que se caracterizava pela ausência de ornamentos, por espaços brancos, tipos sem serifa e uso da grade, conforme afirma Hollis (2001, 201). Ainda segundo o mesmo autor, o que estava sendo rejeitado não era a racionalidade da grade ou o uso de técnicas de solução de problemas, esses métodos continuaram sendo essenciais. O que se combatia, e foi o que os movimentos underground fizeram, era o formalismo árido e a quase fórmula articulada pelos modernistas. Enfim, nesses quase cinco séculos, desde a invenção da imprensa com Gutenberg até o advento do sistema offset, significativas evoluções nos meios técnicos reprodutivos e na morfologia e produção de tipos foram observadas, ao passo que poucas foram as alterações relevantes em relação ao aspecto estrutural dos livros com seus princípios de organização da página, e em relação ao tipo de suporte utilizado na confecção dos mesmos.

Conclusões A partir da investigação histórica acima traçada é possível enxergar contribuições concretas, trazidas pelos aspectos técnicos e culturais, no modo como se compreende, na contemporaneidade, o objeto livro, envolvendo questões, tanto estruturais, quanto organizacionais. Fica claro ainda, que das tantas mudanças técnicas havidas, algumas foram de fato experienciadas no campo do design editorial. Tal constatação aponta para uma orientação geral de que a dimensão técnica promove o que se pode chamar de “aceleração”, enquanto que a dimensão cultural tende a apresentar-se como “freio”, favorecendo a manutenção de padrões anteriores, em detrimento de uma revisão em razão das novas possibilidades trazidas pelos tempos modernos.

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Referências ARAÚJO, Emanuel. A construção do livro. 4ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. BAER, Lorenzo. Produção gráfica. São Paulo: Senac, 1999. BRINGHURST, Robert. Elementos do estilo tipográfico. Tradução de André Stolarski. São Paulo: Cosaf Naify, 2005. FERLAUTO, Cláudio. O tipo da gráfica e outros escritos. São Paulo: Cachorro Louco, 2000. HALLEWELL, Laurence. O livro no Brasil: sua história. Tradução: Maria da Penha Villalobos, Lólio Lourenço de Oliveira e Geraldo Gerson de Souza. 2 ed. São Paulo: Edusp, 2005. HENDEL, Richard. O design do livro. Tradução de Geraldo Gerson de Souza e Lúcio Manfredi, São Paulo: Ateliê Editorial, 2003. HOLLIS, Richard. Design gráfico: uma história concisa. Tradução de Carlos Daudt. São Paulo: Martins Fontes, 2000. MARTINS, Wilson. A palavra escrita. São Paulo: Anhembi, 1957. RIBEIRO, Milton. Planejamento visual gráfico. Brasília: Linha Gráfica, 1998. SATUÉ, Enric. Aldo Manuzio. Editor. Tipógrafo. Livreiro. Tradução de Cláudio Giordano. São Paulo: Ateliê Editorial, 2004. SPINA, Segismundo. Introdução à edótica: crítica textual. São Paulo: Cultrix, 1977. TSCHICHOLD, Jan. Grandes maestros de la tipografia. Capturado na Internet www.unostiposduros.com/paginas/maes11.html. 8 jul. 2006. (Footnotes) 1 Consistia em lavar a escrita primitiva da membrana, ou mais freqüentemente, raspá-la, para ser reutilizada (Spina, 1977, 27), 2 Por miniaturas entende-se como um tipo de ilustração dos manuscritos medievais, mais especificamente, o desenho de certas letras de fantasia ou simples ornamentos, traçados, inicialmente, com tinta vermelha (Spina, 1977, p. 27), extraída de um molusco e que denominavase mínio.. 3 Deve-se a Manúzio, conforme Sauté (2004, p.23), uma significativa contribuição em relação aos aspectos que integram a natureza gráfica e orgânica do livro atual. Atribui-se a ele a letra cursiva, o formato de bolso, o livro ilustrado, o impulso definitivo aos tipos de fundição do estilo romântico, a capa de couro sobre papelão, a lombada quadrada, a gravação de ouro a quente, além de tantas outras.

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Segundo Sauté (2004, p. 22), a arquitetura gráfica do livro é uma expressão cunhada pelo arquiteto Walter Gropius, fundador Bauhaus, pioneira em racionalizar atividades relacionadas com o projeto, até então consideradas como ações artísticas, e entre as quais se incluiu a confecção do livro. 4

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