Expedições
Tolosa em D maior 21/11/2009 – Maximo Antes deste ano eu não tinha ouvido nem falar do tal de Tolosa. Como Isabel já tinha tentado ele antes, ela me convenceu a voltar pois segundo ela tínhamos uma boa chance em chegar ao cume. Ela descreveu a montanha como sendo muito fria e que tinha um glaciar colgante muito grande. Ao ver fotos da montanha, imediatamente já comecei a subestimar a escalada. O glaciar lembrava muito o colgante Morado no Chile, onde estivemos em 2006 com Pedro Hauck. Imaginava que iria ser fácil. A idéia era escalar a montanha de 5400m, que fica pertinho da fronteira do Chile, em 2 dias. Teríamos que escalar um glaciar de 1000 metros em um dia e dormir numa plataforma a 5000 metros e no dia seguinte teríamos que chegar ao cume e descer pelo outro lado. Como não existem informações sobre a montanha, fiz todo o mapeamento por Google Earth antecipadamente, e depois transferi as informações para o GPS. A montanha fica incrivelmente acessível desde Mendoza. Em apenas 4 horas de ônibus, você chega à Las Cuevas, a última cidade argentina, onde o trekking começa. No entanto, por algum motivo, quase ninguém escala ela. Chegamos lá às 3 da tarde meio a um forte vento que lembrava o zonda, no qual conhecemos atrás. quase
A
umas
semanas
montanha que
estava
totalmente
encoberta e estava nevando quando chegamos. Bandeira após meses de vento. Muito
duvidosos
escalada,
da
começamos
a
aproximar a montanha até estabelecermos uma base perto da língua glaciária. No caminho, uma imensa massa branca
negra ao
e
outra fundo,
começaram a cobrir o pequeno horizonte que enxergávamos. Era ele, o glaciar del Hombre Cojo e o cume rochoso do lado. Demoramos quase 3 horas em fazer o trekking
até
3800
metros
de
altitude.
O vento soprou forte à noite, o que nos fez mudar de idéia para sair no dia seguinte. Decidimos deixar tudo ali na base do glaciar e voltar até Mendoza até o tempo melhorar. Segundo os moradores locais, uma tempestade de 4 dias se aproximava. Em Mendoza, escutamos notícias de que a estrada chegou a ser fechada de tanta neve! Segunda chance Depois de checar bem a previsão do tempo, saímos novamente em direção ao Tolosa. Desta vez carregamos pouco peso e fizemos a aproximação em apenas 2 horas. A neve estava fofa, sinal da tempestade de alguns dias atrás. Eu ficava imaginando o que teria acontecido se aquela tempestade nos tivesse pêgo no alto do glaciar… Não fez frio à noite, e poucas rajadas de vento sopraram. Decidimos sair às 5 da manhã, carregando tudo e escalar o glaciar até 5000 metros em um puxão só. Uma grande mancha azul-escuro tomou conta do nosso panorama norte, era o glaciar. Era um tanto assustador caminhar na direção daquilo com as nossas pequenas lanternas. Demoramos quase 1 hora até chegarmos ao glaciar. A aproximação tinha trechos de neve dura de até 45 graus e era um tanto complicado caminhar ali com 20kg nas costas. Uma canaleta de neve nos conduziu até um grande degrau de rocha. Dali, enquanto preparávamos os equipamentos de rocha, contemplamos um lindo amanhecer. Começou tons
com
de
depois
violeta,
de
alarajado
azul, e
amarelo. Foi muito bonito, preciso
mas
era
prestar
muita atenção na rocha! Com o amanhecer, vieram rajadas fortes de vento e nuvens. Muita neve era carregada glaciar acima pelo vento. Era preciso se programar entre as rajadas e estar bem esperto para uma destas fortes rajadas não te pegar despreparado.
Continuamos a escalada por 3 degraus de rocha e uma canaleta mixta que levava a uma plataforma de gelo. Para agilizar as coisas, não coloquei nenhuma proteção no começo. Isabel tampouco montou uma parada, pois fazia muito frio e tínhamos 1000 metros por diante. Ela estava de pé numa pequena mancha rochosa e eu estava escalando uma canaleta com rocha dos dois lados a 20 metros dela. Uma rachadura na minha esquerda revelou uma boa proteção. Nesta só caberia um camalot Nº2. Fiquei com muita raiva ao lembrar que não tinha levado aquela peça para economizar peso. Tive que continuar sem colocar proteção alguma. Uma coisa leva à outra e eu continuei a escalada, que ficou cada vez pior. O degrau provou ser mais difícil do que parecia e a mochila complicou as coisas bastante. Aos xingos, consegui passar o lance sem cair. Porém, com muito arrependimento, olhei para baixo pensando que teria matado os dois se tivesse caído. Continuamos
subindo
em simultâneo. Cravado bem
as
piquetas
e
crampons, deixei a corda bem esticada para que Isabel
não
tivesse
problemas no trecho de rochas.
Senti
vários
trancos e escutei alguns xingos, mas ela conseguiu. Dali em diante estávamos entre o glaciar e a rocha. Pelas nossas observações, teríamos que entrar à esquerda em algum ponto e subir no glaciar por onde não haveriam mais seracs. O vento soprava cada vez mais forte e meus pés e mãos ficaram frios. O topo do glaciar, de onde deveria ter vindo o sol, ficou cheio de nuvens e bloqueou o sol. Isso piorou as coisas um pouco. A 4300 metros encontramos uma entrada ao glaciar. A primeira coisa que lembro ter visto, foi uma grande parede de gelo azul a provavelmente 4600 metros. Os dois paramos para observar a cena, mas os dois respiramos fundo e continuamos escalando sem falar uma palavra. Uma canaleta de neve do lado esquerdo do glaciar era uma possibilidade, pois tínhamos observado isso lá de baixo 5 dias antes. A 4400 metros de altitude, tivemos que tomar a decisão de seguir pelo glaciar ou entrar na canaleta.
Uma cachoeira de neve pó no glaciar deu o veredito e entramos na canaleta. Esta parecia ser escalável, tinha rocha do lado esquerdo e uma barreira de seracs negativos na direita. Começamos a escalada em simultâneo. Eu ia colocando uma peça a cada 10 metros e Isabel vinha recolhendo todo o material até toda a minha proteção acabar. Aos 4550 metros montamos uma reunião e bebemos o primeiro gole de água do dia. Estava realmente frio, não havia sol, e sem percebermos, estávamos sendo jateados pela neve solta no ar. Ao
avaliar
a
situação, concluímos que a parede tinha mais que 65 graus de inclinação e estava muito
perigoso
continuar aquilo em simultâneo e ainda por cima, carregando as mochilas. Decidimos que Isabel ficaria na reunião me dando segurança e eu continuaria protegendo a cordada. Continuei a escalada pelo estreito corredor até encontrar uma barreira de seracs que
me
levou
direita.
à
Sempre
protegendo no gelo à minha esquerda, subi até
encontrar
verglass e rocha que dominavam corredor
o por
completo. Percebi
ter
ficado
sem parafusos e tive que voltar até o meu último parafuso justo naquela parte. Desescalar aquele trecho foi uma odisséia a parte, mas consegui montar uma parada para fazer uma segurança para que Isabel subisse. A reunião foi num parafuso mesmo... A cada movimento que fazíamos, chegávamos a gritar de frio. Uma cachoeira de neve quase constante começou a cair pela canaleta. Isabel teve sérios problemas
para manter a concentração e trabalhar na parede e tirar parafusos. Milagrosamente, consegui tirar a câmera do bolso e filmar esta cena. Um colo estava surgindo no nosso panorama superior toda vez que conseguíamos olhar sem ter a cara jateada. Já estávamos escalando há 11 horas! Eu não sentia vários dedos das mãos e um pé inteiro. Isabel disse o mesmo sobre uma de suas mãos. Com muita esperança em encontrar um lugar plano para montar uma barraca tomou conta de mim. Escalei a seguinte cordada bem rápido apesar desta ser uma das mais técnicas. Bati no verglass de 80 graus com muita força para afirmar as minhas piquetas e consegui progredir com certa rapidez. Fixei 2 parafusos no gelo no caminho, mas ao chegar na neve que estava acima, constatei que aquele colo era na verdade muito afiado para suportar uma barraca e não suportaria mais do que uma pessoa de pé. Sem dizer nada, continuei escalando a neve dura que tinha a mesma inclinação do gelo. A esmo, sem pensar no que eu estava fazendo, continuei subindo e cavando meus degraus. Usei uma estaca de neve e enquanto eu martelava ela, avistei algo diferente à direita, na parte superior. Parecia uma crista no fundo havia azul do céu (e neve jateada). Fui naquela direção com muita esperança, mas tive que parar há 10 metros pois a corda esticou. Eu estava realmente com frio e achava ter congelado 2 ou 3 dedos. Não sentia mais o meu pé direito nem que eu chutasse o gelo com força. Montei uma parada com 2 parafusos para segurar Isabel. Os 10 minutos seguintes que fiquei ali sem escalar, duraram uma eternidade. Eu quase não tinha mais força nem para tremer. Fiquei meio que pulando e dançando, até ela chegar. Em gestos rápidos, dei a corda para ela, assim eu podia subir logo e parar de congelar. Tomado pela esperança em ter uma plataforma de pelo menos 1,50 metros, escalei os próximos 10 metros rapidamente. Ao passar a crista, me deparei com uma série de escaladas em gelo complicadas. Pensei muito em como iria ser dali para frente com uma mão ou um pé congelado, porém escalei mais uns 20 metros para não congelar enquanto isso. Pouco antes de olhar para baixo e gritar para Isabel que não havia
nada,
reparei
numa linha escura na neve, há 12 metros de mim. Esta parecia ser uma
greta.
Resolvi
escalar e checar. Isabel já tinha gritado que eu só tinha mais 10 metros de corda, mas eu tinha que checar aquilo. Já preparado para xingar o vento e a montanha, adentrei a greta. Uma fina barreira separava uma afiada crista que conduzia ao interior de uma greta escura com neve, gelo e rocha. Mas ao olhar à esquerda, havia uma pequena plataforma, suficiente para comportar 2 pessoas sentadas. Pensei: “É aqui mesmo!” Um novo lar Dali mesmo, fiz segurança para Isabel. Fiquei ancioso para contar a ela que achei um lugar para dormir. Quando a cabeça dela apareceu na borda da greta 20 minutos depois, eu contei a novidade. Os ombros dela até cairam do alívio. Ela também contou que estava congelando e não podia continuar naquelas condições. No meio das rajadas de neve, nivelei o interior da greta com o meu capacete. O fundo dela continuava, mas eu joguei o mais que pude de neve para não continuar caindo. Quebrei a parede lateral da greta, empurrando com as costas. Esta cobria do céu e oferecia um pouco de proteção, porém não deixava muito espaço para os dois. Após meia hora de trabalho, peguei a barraca da mochila e ainda ancorados, montamos pequena
a barraca
com muito cuidado. Um
terço
dela
ficou suspenso no interior da greta, mas os dois terços que ficaram apoiados eram suficientes. Tive que cortar e tirar muita
neve
para
as
varetas
caberem
no
reduzido
espaço
da
greta.
Pouco antes do pôr do sol, com mais vento ainda, conseguimos entrar na barraca para fugir daquele dia péssimo e fazer algo para podermos nos esquentar. Isabel esquentou um pouco de chá com leite. Aquilo desceu muito bem. Eu estava tão desidratado que mal conseguia esquentar os meus pés dentro do saco de dormir e dentro da jaqueta. Tínhamos escalado por mais de 13 horas. Tirei as luvas com muito medo pois continuava sem sentir alguns dos meus dedos. Nenhum deles estava azulado ou muito esbranquiçado, mas a pele de 4 dedos da mão direita estava totalmente dormente. Fiquei muito preocupado, mas desmaiei de sono enquanto pensava nisso.
Depois de dormir dentro de uma greta O vento continuou durante a noite e ficamos muito preocupados em ter que ficar ali mais uma noite. Acordamos por volta das 7 da manhã pois não conseguiríamos desmontar aquele acampamento à noite. Nos hidratamos mais um pouco e comemos 500gr de purê de batatas antes de começarmos a desmontar as coisas e escalar novamente. As rajadas de vento começaram cedo e eu esperava o pior. Por volta das 10 da manhã, a luz chegou onde estávamos e o vento diminuiu a intensidade. Fiquei muito contente em poder usar minhas luvas. Decidimos contornar um imenso serac de uns 50 metros e dar a volta por ele. Foi uma cordada inteira só para poder virar ele. Naquela cordada inteira, eu só pude colocar 1 parafuso de gelo de 22cm e uma estaca de neve. O resto do terreno estava instável demais para proteger. Virei o serac com muito temor em achar algo muito grande para ter que escalar. Eu sabia que o glaciar acabaria ali perto, mas não sabia onde. Já estava a 4850 metros quando avistei uma crista com uns 50 graus de inclinação. Escalei os 20 metros que eu tinha até ela e ao colocar o meu primeiro pé, avistei um grande colo quase plano há pouco mais de 100 metros acima da crista. Fique muito contente e gritei para Isabel escalarmos em simultâneo, assim não perderíamos mais tempo. O dia provou ser bem mais calmo que o dia anterior e eu até podia andar sem jaqueta de plumas. Isabel chegou até o platô onde eu estava, ali comemos balas e comemoramos um pouco. Até nos demos ao luxo de tirar os bastões de trekking da mochila. Percorremos os próximos 150 metros de neve dura até fialmente chegarmos a um lugar que tinha brita
e
platôs
vários planos
onde se podia montar
uma
barraca. Pudemos
até
escolher um lugar muito
bom,
no
final do pequeno
vale, onde havia outro glaciar. Depois de acampar dentro daquela greta, o glaciar que estava há poucos metros da barraca e os destroços de um grande bloco que caiu recentemente não nos impressionaram nem um pouco. Ao caminhar um pouco ao redor do lugar até achamos uma pequena poça de água, congelada é claro, onde pudemos quebrar e retirar 2 garrafas de água. Mal acreditávamos quando montamos a barraca e pudemos deitar totalmente esticados e sem temer uma queda ao usar o banheiro. Dormimos e comemos muito bem naquela noite. De manhã ficamos tão preguiçosos que acordamos às 8 da manhã. Achávamos porém, que aquele dia seria curto pois só tínhamos que ir ao cume e descer. Dia do cume As mochilas acabaram ficando bem pesadas, pois aquela parafernália de escalada, como proteção de rocha, cordas e piquetas não estava mais nas nossas cadeirinhas. Tivemos que carregar tudo nas costas mesmo. Uma crista rochosa ao norte aparecia no horizonte e pelo que sabíamos aquilo era o cume. Cruzamos um glaciar na transversal e chegamos a um platô a 5100 metros. Do platô seguimos o que foi marcado no GPS e pegamos uma crista rochosa um tanto incômoda. Várias montanhas grandes apareceram no horizonte. O Tupungato, o Juncal, o Mercedário, entre outros, podiam ser vistos. Contrastando com o céu azul aparecendo ao fundo, um objeto estranho apareceu no meu horizonte. Parecia uma marcação feita com pedras empilhadas. Finalmente, depois de tanto tempo ali, parecia eu
que estava
vendo
algo
feito
por
algum humano que esteve ali antes. Eu já estava a 5400 metros quando sentei do
lado
da
pequena torre de
pedras
para contemplar a vista. A parede sul do Aconcágua estava muito perto e era possível
ver todos os detalhes. Ficamos inclusive com muita vontade de ir para lá. Como havia outro cume mais ao leste e este parecia ser mais alto, acabamos gastando outra meia hora para chegar até lá. A comemoração ficou meio abafada pela preocupação em descer e chegar a um lugar plano para poder dormir. Ficamos
realmente
impressionados com a sorte que tivemos naquele
dia.
tempo
O
esteve
impecável. Não havia muito vento ou uma nuvem sequer no céu. Decidimos
nos
apressar e descer para
aproveitar
aquilo. Tivemos que voltar ao primeiro cume para pegar as mochilas e descer para o outro lado, pois de acordo com o que pudemos observar nas imagens de satélite, a crista oeste e o vale em que ela desembocava, eram caminháveis. Conseguimos no entanto, caminhar apenas 50 metros pela crista. Um imenso abismo apareceu na esquerda e acabava na Plaza Ancha do Aconcágua. Optamos por uma rampa na direita que conduzia ao que parecia ser parte do vale sudoeste. Já eram 4 da tarde e começamos a ficar preocupados se íamos chegar a um lugar plano ou não. A rampa era de pedras soltas e tinha 600 metros de desnível. Esta nos conduziu a uma canaleta rochosa um tanto exposta. Tivemos que desescalar 30 metros
e
nos
encontramos numa outra rampa
com
algumas
centenas de metros de desnível. Claramente
podíamos
ver que a rampa não nos levaria a um lugar plano e talvez
teríamos
montar
alguns
para
sair
dali.
que rapéis Uma
canaleta a oeste me deu muita esperança, mas quando cheguei nela, reparei que o começo era muito inclinado e não podia ser desescalada. Quando Isabel chegou, contei que teríamos que rapelar mas ela me perguntou sobre a canaleta que estava do nosso lado. Ao olhar, vi um acesso pela neve e uma continuação
por
uma
grande
rampa
de
neve.
Fiquei
muito
contente!
Com muito cuidado desescalamos os 50 metros rochosos da canaleta e chegamos a um paltô de 2 metros de neve dura. De tão cansados, nem nos encordamos e começamos a desescalar a grande rampa de neve que estava abaixo. Ignoramos os 50 ou 60 graus de inclinação e os centenas de metros de queda. Desescalando de costas, continuamos numa diagonal para a esquerda. Seguimos por pelo menos 150 metros naquele estilo. Ao passar uma linha rochosa, a inclinação diminuiu e conseguimos ficar de pé. Continuamos monótona
a
descida
por mais 600 metros de
desnível
até
finalmente às 7 da noite, chegarmos a uma linha de morenas que era acampável. Nos hidratamos e curtimos os últimos raios de sol olhando para as paredes to Tolosa pensando que estivemos no ponto mais alto dele. Foi uma escalada bem longa. No dia seguinte ainda tivemos que percorrer os últimos 7km por vales até chegarmos à estrada mais próxima que nos levara de volta à civilização.