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1. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

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INTRODUÇÃO

INTRODUÇÃO

sistema de fichas, após os edifícios, na categoria Obras de Arte. Os dados apurados visam compor um material de catalogação para enriquecimento do acervo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.

No século XIX São Paulo sofre uma explosão demográfica e começa a extrapolar o triângulo central histórico, hoje delimitado pelas ruas Direita, São Bento e XV de Novembro. Paisagens antes ocupadas por chácaras e grandes vazios dão lugar a loteamentos e arruamentos, por iniciativa inclusive dos proprietários, já cientes da valorização de terras em virtude da crescente urbanização. (HOMEM, s/d, p. 25).

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Os loteamentos de terras tornam-se frequentes, especialmente nas regiões próximas ao centro. Em 1880, nasce então o bairro de Higienópolis, produto dessa prática capitalista. Inicialmente constituído por grandes chácaras, de propriedade da elite paulistana, somente se formará de fato na década seguinte por intermédio de dois nomes ligados ao capital de especulação imobiliária, os alemães Martinho Burchard e Victor Nothmann. (HOMEM, s/d, p. 26).

Famílias tradicionais da elite paulistana já habitavam nas encostas do espigão da Avenida Paulista, anteriormente aos loteamentos, junto a estrangeiros atraídos pelo clima típico de serra, tido como saudável. Assim, com o significado de “Cidade ou lugar de higiene”, o bairro recebe o nome de Higienópolis. Até então a paisagem observada era muito homogênea, de enormes chácaras.

Para dar continuidade a história, serão adotadas fases baseadas no estudo desenvolvido por Macedo (1987, p. 23), segundo o qual podem ser observadas três formas de organização da paisagem do bairro, a saber:

1. Paisagem chácaras (1884-1895): paisagem típica dos últimos decênios do século XIX, durante os quais se encontra um cinturão de chácaras residenciais ao redor da cidade de São Paulo;

2. Paisagem horizontal (1895-1940): paisagem característica dos bairros destinados às elites sociais, onde as edificações – grandes casas – são construídas em meio a jardins e parques,

junto a ruas arborizadas e praças. Possuem espaços livres amplos, plantados e reduzido grau de utilização.

3. Paisagem vertical (1940-1980...): paisagem caracterizada pelo predomínio de altos volumes edificados. Edifícios de apartamentos misturados às residências baixas, implantados em lotes redivididos ou não, de fase anterior, ocupados por camadas altas e médias da população.

Nothmann e Burchard compram e iniciam o loteamento das terras que vão desde o lado ímpar da Avenida Higienópolis, então Rua do Pacaembu, até a Avenida Paulista, entre o Vale do Ribeirão do Pacaembú e a Rua da Consolação. Em 1895 era o chamado Boulevard Burchard, embrião do bairro de Higienópolis. A intenção dos alemães era a de construir um bairro de uso exclusivamente residencial, destinado às camadas altas da população. Buscaram dotar a região de completa infraestrutura, como instalações de água, luz e transporte. Os atrativos cênicos e climáticos da região são utilizados então como propaganda de venda dos terrenos. Este loteamento marca o inicio da subida em direção ao espigão da Avenida Paulista.

Figura 1 – Logomarca do Boulevard Burchard, nome original do loteamento de Higienópolis.

Fonte: Monolito 19, 2014.

Este período é básico na configuração da paisagem de Higienópolis, pois define sua estruturação através dos seus lotes, da forma de implantação do edifício e finalmente da sua característica puramente habitacional. Ocorrem mudanças drásticas no uso do solo com a eliminação das velhas chácaras, na configuração do sítio com a modelagem do terreno para acomodação dos novos loteamentos, nos volumes construídos e espaços livres que perdem suas características rurais para estruturas tipicamente urbanas, e na vegetação primitiva que dá lugar aos parques e jardins. (MACEDO, 1987, p. 33).

Leis urbanísticas foram decisivas para a configuração do bairro, e vale destacar a lei n.º 355, assinada em 1898,

[...] segundo a qual as construções de casas nas Avenidas Higienópolis e Itatiaia (atual Avenida Angélica) eram obrigadas a respeitar seis metros entre o alinhamento e a frente da casa, pelo menos, para jardim e arvoredos, e bem assim, um espaço não menor de dois metros de cada lado. Tal legislação significava sofisticação, o fato da libertação das casas e sobrados construídos sobre o alinhamento das vias públicas e sobre os limites laterais dos terrenos (configuração típica e característica nos demais setores da cidade). (HIROYAMA, 2010, p. 129).

Essas leis marcaram algo que seria forte característica entre os bairros da elite na época, os jardins. Toda casa teria um jardim frontal. O Boulevard Burchard dá inicio a fase de paisagem horizontal, na qual vão predominar gradativamente os casarões das famílias abastadas, em meio à farta vegetação. Homem (s/d, p. 84) aponta que no final no século XIX seus moradores eram majoritariamente anglo-saxões ou descendentes, e grande parte das edificações eram chalés, mas também se viam algumas de traços neoclássicos. Até então apenas a Rua Maranhão e a Avenida Higienópolis eram procuradas para serem erguidas as residências. Dentre elas, destacava-se na paisagem o casarão de D. Veridiana.

As novas terras vão atrair mais brasileiros, empresários do café, principalmente aqueles que se dedicavam majoritariamente às atividades urbanas como a indústria, o comércio e a administração. Outras chácaras, do lado par da Avenida Higienópolis, começam a ser loteadas no inicio do século XX e o bairro é então totalmente ocupado. (HOMEM, s/d, p. 84).

Quanto à arquitetura observada, Homem (s/d.) aponta que

Repetiam-se os estilos conhecidos da cidade: chalés, casas neoclássicas, as térreas com porão e platibandas (geralmente casas geminadas e de aluguel), e de influência francesa (com telhados de ardósia, e mansardas), ou a mistura destes na mesma obra [...]. Esse tipo de casa proliferou por São Paulo e ainda hoje se encontra facilmente. Mas surgiria um outro estilo trazido pela nova geração, importado diretamente de Paris – o “art nouveau” – que, de Higienópolis se estendeu aos bairros vizinhos: Vila Buarque, Santa Cecília, etc. e daí a toda a cidade, embora de forma impura, pois acabaria por se mesclar aos anteriores. (HOMEM, s/d, p. 84).

O bairro então era povoado por grande parte da elite, que aspirava seguir um modelo europeu de hábitos, cultura e também arquitetura. O conjunto edilício do

bairro era representativo do Ecletismo vigente e realizado pelos mais importantes arquitetos.

Os casarões em meio aos jardins exuberantes, e suas largas ruas bem iluminadas e arborizadas, lembravam muito determinadas regiões da Europa. De fato, almejavase o requinte de um bairro europeizado, com todas as qualidades. Higienópolis tornou-se referência em elegância em estilo de vida.

Mas essa influência da Europa termina com o fim da Primeira Guerra Mundial, após a qual se consolidou a hegemonia norte-americana por todo o mundo.

Figura 2 – Cena de Família de Adolfo Augusto Pinto, pintada por Almeida Jr. A obra mostra um pouco do cotidiano de uma típica família paulistana no final do século XIX.

Fonte: http://pt.wikipedia.org

Houve um grande crescimento da cidade de São Paulo, que não foi prejudicado mesmo em meio às crises e revoluções da década de 1920 e 1930, o que elevou a demanda por moradia. A construção civil torna-se uma atividade muito rentável então. As novas técnicas construtivas permitiram o início da verticalização da cidade.

O processo de transformação de Higienópolis não ocorre de maneira homogênea. Primeiramente desenvolve-se uma fase longa de quase 20 anos, em que surgem nas áreas mais antigas uma série de edifícios que, lentamente, aumentando em numero e proximidade, alteram o seu entorno. Pouco se modificam os usos dos espaços livres do bairro e existe a predominância dos volumes baixos. (HIROYAMA, 2012, p. 128).

No que se refere à expansão vertical, as primeiras iniciativas partiram dos moradores ou dos proprietários em Higienópolis, tanto visando a exploração para renda quanto para uso das próprias famílias. Os prédios para grandes famílias foram vários e davam sequência ao costume que se observava entre as mesmas de residirem em torno da autoridade patriarcal, constituindo-se verdadeiros clãs. (HOMEM, s/d, p. 154).

O Edifício Alagoas, localizado na rua de mesmo nome, esquina com a Avenida Angélica, foi o pioneiro no processo de verticalização. Com duas lojas no térreo e mais cinco andares, em 1933 foi erguido com o propósito de alugar os apartamentos, de quatro quartos cada. Em seguida vieram os edifícios Santo André, na esquina da Avenida Angélica com a Rua Piauí, em frente ao Parque Buenos Aires e Augusto Barreto, na Avenida Angélica também, vizinho do anterior.

No início da década de 30, Higienópolis contava quatro edifícios erguidos; com alturas modestas (não ultrapassando dez andares), em diferentes estilos, sem ligação alguma com os postulados “corbusianos”. Por tais características, não romperam a identidade coesa do restante do bairro. (HIROYAMA, 2010, p. 130).

O fortalecimento da indústria propicia a expansão da classe média e esta inicia uma ocupação vertical do bairro de Higienópolis, o que resultou na perda da exclusividade residencial unifamiliar, representada pelos casarões da antiga elite. Os arranha-céus se consolidaram, e com eles o comércio e a classe média.

Após a Segunda Guerra Mundial, há um acúmulo de capital proporcionado pela ampliação do mercado interno e ocorre uma grande difusão da casa própria e do hábito de residir em apartamento. Em face desse contexto, o mercado imobiliário volta suas atenções ao bairro de Higienópolis, que possuía atrativos tais como lotes amplos, proximidade com o centro, além de ser dotado de farta rede de transportes.

Mas o fator mais importante de atração dessa classe média foi a marca consolidada de prestígio do bairro. Essa transformação dá-se devido ao capital imobiliário promovido pela iniciativa privada, bem como aos arquitetos brasileiros, e muitos estrangeiros, que já traziam um forte repertório de ideias e conceitos de vanguarda.

Na década de 1950 aparecem os grandes projetos comerciais de conjuntos residenciais em forma de condomínio. Os primeiros condomínios foram o Condomínio Bretagne, localizado na Avenida Higienópolis, e o Parque das Hortênsias, na Avenida Angélica, projetados por Artacho Jurado.

Figura 3 – Vista da piscina e do salão de festas e área comum localizados no térreo do Edifício Bretagne. O conjunto inaugurou o conceito de condomínio com áreas de lazer comuns e teve a primeira piscina da história dos edifícios residenciais de São Paulo.

Fonte: FRANCO, Rui Eduardo Debs. Artacho Jurado: Arquitetura Proibida.

Os casarões cedem cada vez mais espaço aos grandes edifícios de concreto armado, e

Outras antigas residências passaram a escolas ou pensões. Nesse momento, as que escaparam das picaretas tornaram-se pronto-socorros, clinicas médicas, restaurantes e bancos. Poucas persistiram com sua função residencial. (HOMEM, s/d, p. 164).

Os edifícios vão tomando conta da paisagem e o mercado imobiliário cada vez mais ávido na especulação dos lotes existentes, baseando sua forte propaganda no status atingido pelo bairro, com grande apelo à arborização da região. Hoje em dia ainda se observa especulação, porém de certa maneira limitada, tendo em vista a não existência mais de inúmeros lotes disponíveis como antigamente.

Estas novas edificações seguiam como experimentações dos ideais modernistas. A racionalização e industrialização da arquitetura satisfaziam perfeitamente os interesses do mercado imobiliário: padronizava-se o modo de construir e produzia-se em maior escala e mais rápido, sem exigir mão-de-obra especializada. Condições asseguradas pelo uso do concreto armado.

Bortolli Jr.1, citando Hiroyama (2010, p.21), conta que a partir dos anos 1950 arquitetos locais atuam em Higienópolis pondo em prática alguns dos preceitos modernistas, como:

- A ordenação estrutural, a partir dos avanços da técnica do concreto armado, otimizando o uso de formas dos canteiros, permitindo o aumento de vãos dos intercolúnios;

- A estrutura independente dos vedos e dos arranjos internos, e consequente aplicação dos pilotis ao nível do térreo;

- A padronização dos elementos compositivos dos edifícios: a caixilharia, revestimentos e equipamentos de instalações prediais de hidráulica e elétrica, advindas da produção industrial brasileira;

Além desses aspectos apontados pelo autor, a organização funcional concentra as prumadas hidráulicas, buscando clareza nos fluxos. As amplas janelas ocupam os vãos, buscando a melhor orientação, nas quais em alguns casos são aplicados os elementos de proteção solar em suas diversas maneiras: uma delas a madeira que fora explorada para interdisciplinaridade e experiências

1 http://www.docomomo.org.br/seminario%209%20pdfs/059_M11_RM-

UmPercursoEmUmBairroModerno-ART_ricardo_kambara.pdf – acesso em 10 de fevereiro de 2014.

em documentação e preservação do patrimônio recente conter a inclemente insolação do clima tropical de altitude. As adoções deste material criando brise-soleils, muxarabis ou persianas, produzem nítida impressão de tecer rendados de sombras nas fachadas.

Para a construção dos arranha-céus e seus subsolos de garagem, deu-se muita modificação principalmente na parte interna dos lotes. Entretanto, os espaços livres de uso público do bairro permaneceram quase inalterados.

A paisagem de cada rua, delimitada por construções de altura modesta (casas) colocadas fronteiras umas às outras transforma-se, com a substituição destas por edifícios, de rua corredor ou rua vitrina em ruas desfiladeiro. (MACEDO, 1987, p. 184)

Macedo (1987, p. 191) aponta que em fins da década de 1970 tem início o gradeamento dos edifícios, e estes perdem a sua relação com o entorno, e principalmente com o espaço público. Edifícios que antes harmonizavam com as vias e passeios largos e vegetação tornaram-se prédios cercados (e isolados) em seu lote.

Outra característica observada com o passar do tempo e a chegada da “modernidade” é o grande prejuízo representado pela perda das características originais de muitos dos casarões ainda existentes, dentre eles a Vila Maria e a Vila Penteado (atual sede do curso de Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo). Em relação aos que não existem mais, é lastimável a perda desse patrimônio arquitetônico. Segundo Maria Cecília Naclério Homem, obras significativas de arquitetos como Carlos Ekman e Victor Dubugras, bem como outras que representavam muito bem o Art Nouveau, o Art-Déco ou o Ecletismo simplesmente ficaram para trás.

As poucas residências que restam em Higienópolis são inexpressivas em sua maioria porque são exatamente as que ocuparam lotes menores e portanto sem grandes possibilidades de transformarem-se em aranha-céus. (HOMEM, s/d, p. 173).

O bairro passa de residencial unifamiliar para de múltiplo uso, e agora seu caráter residencial é multifamiliar, e possui alta densidade demográfica. Problemas naturalmente advindos são a poluição do ar, o maior trânsito de veículos e pessoas e também a poluição sonora e visual. Os anos mostraram que ocorreu uma forte

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