Rui Baromeu

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rui baromeu o construtor de

sonhos

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Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009.

Copyright 2024 by Rui Baromeu

Idealização

Rui Baromeu

Supervisão editorial

Ilda Castro e Jadna Duque

Texto e edição

José Roberto Santos Neves

Texto inicial e entrevistas

Bartolomeu Boeno

Projeto gráfico e editoração eletrônica:

Higor Ferraço

Revisão

Mária Lacerda Santos Neves

Fotos

Acervo Rui Baromeu

Para a minha esposa Sandra, meus filhos

João Resegue, Ruy Filho e Carlos Eduardo, e minha neta Laurinha.

Vocês são presentes de Deus.

Com amor, Rui.

PREFÁCIO

Às vezes o caminho se confunde com veredas. A sabedoria é não priorizar as veredas em detrimento do caminho.

Rui Carlos Baromeu, com este livro, nos mostra que priorizou os caminhos e não deixou que as veredas atropelassem o seu objetivo de vida. Nessa linha, ao escrever sobre o livro “Rui Baromeu, o Construtor de Sonhos”, é mais fácil falar sobre o pós-fácil do que o “pré-fácil”.

No prefácio estão suas lutas, dificuldades e incompreensões. No pós-fácil está a saga de um empresário que teve conquistas e se tornou político. Seja como empresário ou político, Rui venceu as veredas e priorizou o caminho.

Aí está sua marca. Precoce é afirmar que seu caminho é de um vencedor, mas é absoluto dizer que as etapas a percorrer serão sempre em cima de determinação, lutando para que as veredas iluminem seu caminho.

O livro “Rui Baromeu, o Construtor de Sonhos” não nos leva a conhecer uma biografia, mas nos capacita a viver as lutas e as vicissitudes de um homem que tinha alternativas, mas escolheu a comunicação como uma determinação de vida.

A comunicação como saber; a comunicação como interagir. E a comunicação como forma de certeza de criar um novo homem, em um novo espaço de vida.

Estamos certos de que ele, como nós que o conhecemos, deixará frutos desse caminhar.

Stélio Dias é um advogado, professor, economista e político brasileiro. Exerceu o mandato de deputado federal constituinte em 1988. Casou-se com Rita de Cássia Resende Dias, com quem teve duas filhas. Foi um membro, vice-presidente regional e vice-líder do Democratas, antes conhecido como PFL.

APRESENTAÇÃO

O ROMANCE DA VIDA REAL DE UM PERSONAGEM MÚLTIPLO

Existe um ditado que diz que um homem não vem à vida a passeio, e sim a trabalho. Este certamente é um dos lemas que conduzem a jornada de Rui Carlos Baromeu Lopes. Empresário de sucesso, pai de família, homem religioso e determinado, Rui Baromeu tornou-se um dos empreendedores mais bem-sucedidos do Espírito Santo seguindo o que considera ser um misto de predestinação e missão divina: construir meios para o desenvolvimento do estado para o qual se mudou com a família quando tinha apenas um ano de idade, vindo da Bahia. Um estado que ele aprendeu a amar ao longo de décadas de trabalho incansável, traduzido em pelo menos uma centena de empresas criadas nos mais diversos segmentos, gerando emprego e renda para a sociedade capixaba. Talvez o melhor adjetivo que defina Rui Baromeu seja mesmo o de construtor: o construtor de empresas, de negócios, de oportunidades, o construtor de sonhos que se tornam realidade por meio do seu olhar intuitivo e visionário. O homem que construiu literalmente o próprio nome – como se verá nas páginas a seguir - soube se antecipar às principais possibilidades de crescimento no mercado capixaba, seja no setor de madeiras, de transporte de cargas, em locadoras de automóveis e caminhões, nas atividades de comércio supermercadista, em concessionária de veículos multimarcas, na área de viagens e turismo e, naturalmente, na área da comunicação.

Neste setor, ao qual se dedica movido por uma paixão que acalentava desde a infância, Rui Baromeu imprimiu a sua assinatura por meio da Rede Sim – Sistema Integrado Multimídia -, que ele transformou em um dos mais potentes grupos de comunicação do Espírito Santo e à qual se refere, orgulhosamente, reiterando que “essa é da terra”. Uma rede em expansão que reúne mais de 25 rádios, cinco emissoras de TV e um portal que abrange praticamente todos os 78 municípios do Estado. É correto afirmar que a sua história de vida se relaciona com a evolução das comunicações no Estado do Espírito Santo, com especial atenção para a democratização do acesso popular à informação e ao entretenimento.

Este livro é um sonho antigo de Rui Baromeu – aliás, mais um que ele tem a satisfação de realizar em vida, após completar 72 anos em 2023, 57 destes dedicados à carreira empresarial e 47 à radiodifusão. O projeto chegou a ser iniciado há pelo menos dez anos, mas foi adiado porque o seu personagem principal volta e meia dedicava sua energia a outras iniciativas que ele considerava urgentes.

Os fatos presentes nesta biografia foram relatados por Rui Baromeu aos jornalistas Ilda Castro, Jadna Duque e Bartolomeu Boeno, em uma série de entrevistas nas quais o empresário resgatou passagens relevantes da sua trajetória. Contada em forma de livro-reportagem, a narrativa revela os múltiplos aspectos de sua personalidade: o cidadão, o chefe de família, o pai e o avô; o empreendedor arrojado e de sucesso; o patrão que valoriza os colaboradores; o político que se elegeu prefeito de sua cidade do coração; o desportista apaixonado por futebol e automobilismo; o jornalista e comentarista esportivo; enfim, o homem que acima de tudo acredita no potencial do Espírito Santo e que se dedica de corpo e alma aos negócios que empreende. Os fatos de sua história se entrelaçam, até porque muitos aconteceram ao mesmo tempo, mostrando, sobretudo, uma característica de sua natureza: ser arrojado no que faz. Rui cita uma ou outra data sem fazer questão de precisar em que mês ou ano ocorreram. Os episódios estão presentes na sua memória afetiva, e ao que parece isso lhe basta.

No decorrer dessas páginas, o leitor verá que a história de Rui Baromeu muitas vezes assemelha-se a um romance da vida real, com seus momen-

tos de vitórias e adversidades, alegrias e dissabores, desafios e conquistas, às quais o protagonista deste enredo enfrentou com obstinação para seguir o que o seu coração mandava e fazer o que tinha a certeza de que deveria ser feito. Sempre movido pelo lema que virou uma marca de seus discursos: “Vox Populi, vox Dei. Voz do povo, voz de Deus”.

O HOMEM QUE CRIOU O PRÓPRIO NOME

Em 1947, Luiz Gonzaga fez sucesso estrondoso em todo o país com a música “Asa Branca”, simbolizando a seca que castiga os homens, a vegetação e os animais no Nordeste. Escrita por Humberto Teixeira, a letra da canção era inspirada em uma ave muito comum na região, também conhecida como pomba-pedrês ou pomba-trocaz. A fuga da asa branca para outras paragens era sinal de que tão cedo não haveria chuva no sertão.

Alguns anos antes, entre 1941 e 1944, os municípios da Bahia viveram um drama com a longa estiagem, que provocaria sérios reflexos sociais e econômicos nos anos seguintes. O verde que dá vida à natureza desaparecera, e a terra ardia “qual fogueira de São João”, comprometendo o cultivo das plantações. A aridez do solo e a falta de perspectivas obrigaram milhares de nordestinos a deixar a sua terra natal e migrar para outros estados em busca de trabalho e prosperidade. Entre essas famílias estava o casal de agricultores

Rosálio Gonçalves Lopes e Maria de Deus Lopes, que morava no norte da Bahia. Rosálio era de origem árabe, e Maria de Deus provinha de família miscigenada, uma mistura étnica do índio nativo com o negro africano e o branco europeu colonizador.

Rosálio e Maria tiveram o primeiro filho, Rosevalto de Deus Lopes (in memoriam), em 22 de setembro de 1945. Em seguida veio Maria das Graças Lopes, em 08 de janeiro de 1948. Quando nasceu o terceiro filho, Carlos

Lopes, em 04 de novembro de 1951, o casal vivia no município de Santaluz, cidadezinha distante cerca de 260 quilômetros de Salvador e cuja economia gira em torno da pecuária e da produção expressiva de sisal, milho, feijão, mandioca e hortaliças.

A escolha do nome do recém-nascido foi uma história à parte; Maria de Deus queria chamá-lo de Rui, em homenagem ao famoso jurista e político baiano Ruy Barbosa, que teve papel fundamental nos primeiros anos da República brasileira. Rosálio, por sua vez, insistiu em manter a tradição familiar de batizar o bebê com nome de santo, conforme o calendário dos santos, ou a Folhinha do Sagrado Coração de Jesus. Como 04 de novembro era a data de nascimento de São Carlos Borromeu, o desejo do pai foi atendido, e a criança foi registrada com o nome de Carlos.

A situação, porém, estava longe de ser resolvida: movida pelo amor materno, Maria manteve a sua posição e continuou chamando o filho de Rui, no que foi seguida pela família e pelos amigos. O terceiro filho do casal passaria, então, a atender por dois nomes: um “oficial” e o outro completamente diferente, fruto da herança afetiva da mãe.

Durante anos esse impasse geraria um incômodo que Carlos somente iria resolver na maturidade. Com 40 anos, ele adotou uma atitude marcante que simboliza a sua personalidade forte: com o suporte de um amigo advogado, ingressou com pedido de retificação de registro cívil na Justiça para mudar o próprio nome. Mais: além de oficializar o nome de Rui, aproveitou a oportunidade para inventar o sobrenome Baromeu, criando uma nova família que iria levar sua descendência para a posteridade. Nascia, naquele momento, Rui Carlos Baromeu Lopes, o homem que construiu o próprio nome, em sentido figurado e literal. Os reflexos dessa e de outras decisões, que demonstram a coragem de Rui Baromeu diante dos desafios impostos pela vida, serão expostos mais à frente nesta cronologia. Por enquanto, estamos ainda no começo da década de 1950, período marcado pela tensão geopolítica da Guerra Fria entre os Estados Unidos e a União Soviética. O Brasil atravessava um misto de turbulência política e transformações sociais. Após a ditadura do Estado Novo, Getúlio Vargas voltara ao poder por eleições diretas, iniciando seu mandato

em 1951. Com a inauguração da TV Tupi, o primeiro canal de televisão da América Latina, os lares brasileiros foram apresentados à magia da telinha. Nos esportes, aquele começo de década ficaria marcado pela euforia da realização da Copa do Mundo, no Brasil, e pela comoção nacional provocada pela derrota da Seleção para o Uruguai, na final da competição, no episódio que ficou conhecido como “Maracanaço”.

O casal Rosálio Lopes e Maria de Deus Lopes não dispunha de muito tempo para acompanhar o noticiário; afinal, tinham que trabalhar duro para sustentar a família, que seria ampliada com o nascimento do quarto filho, Antonio de Deus Lopes (Toninho), em 13 de junho de 1959.

Quando Rui havia completado um ano de vida, eles se mudaram para o Espírito Santo, mais precisamente para o território onde se localiza hoje a cidade de Pedro Canário, no norte do Estado, distante cerca de 260 quilômetros de Vitória. Na bagagem, levavam o sonho de encontrar terra fértil para plantar e colher os frutos da lavoura.

Em 1952, a área geográfica de Pedro Canário pertencia ao município de Conceição da Barra. Parte da família já havia se transferido para a região, instalando-se no lugar chamado Picadão da Bahia (estrada que faz divisa entre os estados da Bahia e do Espírito Santo).

Os primeiros anos de vida na nova morada não seriam nada fáceis, com uma estiagem que teria durado de 1952 a 1956. Contudo, as adversidades não desanimaram a família, que havia adquirido uma grande propriedade em um lugar praticamente isolado, em meio a extensas florestas e cujo acesso era possível somente por trilhas ou pela via fluvial, através do Rio Itaúnas. Tais florestas logo se tornariam um grande atrativo para madeireiras que se estabeleceram na região.

A família de Rosálio Gonçalves Lopes foi a responsável por desbravar o lugar, juntamente com os clãs da senhora Júlia Bonelar e do senhor Pedro Canário Ribeiro, que chegaram ao local em 1942. Eles deram início ao povoamento da localidade, chamada a princípio de Morro Dantas, depois Morro da Escola, Novo Horizonte e, finalmente, Pedro Canário. Superadas as dificuldades iniciais, em pouco tempo essas famílias iriam prosperar graças à movimentação crescente na região, a partir da abertura de estradas,

construção de pontes e instalação de madeireiras, serrarias e de outras empresas do gênero, que atraíam grande contingente de trabalhadores. Os negócios eram diversificados. Júlia Bonelar Dutra instalou uma pequena pensão e um comércio de cereais, e o baiano Pedro Canário Ribeiro, que viera para o local com o objetivo de administrar as terras herdadas pela família, montou em 1949 uma hospedagem que se tornou referência e lugar de descanso para viajantes que seguiam para Nanuque (MG). Chamado de Parada Pedro Canário, o lugar foi crescendo até virar distrito e dar nome ao município de Pedro Canário, que conquistou a sua emancipação política em 23 de dezembro de 1983.

Rosálio Lopes, por sua vez, montou uma fazenda em cuja área localiza-se hoje o centro da cidade de Pedro Canário e onde desenvolvia a produção agrícola e pecuária. Mas as suas propriedades se estendiam até o município de Mucuri (BA), vizinho a Pedro Canário, situado no extremo-sul da Bahia.

Naquela região incrementou a agropecuária e implantou um laticínio, o que acabou projetando-o como uma liderança influente no lugar, qualidade que seria herdada pelo terceiro filho do casal.

Conhecido e querido na cidade, Rosálio incursionou na política, elegendo-se vereador por Mucuri. Como presidente da Câmara Municipal, chegou a assumir o comando da Prefeitura por um período, em razão da morte do prefeito. Somando-se às atividades agrícolas e pecuárias, na indústria e na política, o patriarca passou a investir no setor imobiliário, loteando a área de sua fazenda onde viria a tornar-se o centro da cidade de Pedro Canário. Mais tarde, após o desbravamento do lugar, a Rodovia BR-101 passaria por dentro de sua propriedade.

Empreendedor, Rosálio Lopes também montou uma fábrica de farinha e uma empresa de transporte de cereais. Ele constituiu uma frota de caminhões e vendia gêneros alimentícios diversos para todo o Estado da Bahia e o Nordeste, à frente de empresas sólidas e que geravam muitos empregos. Através da ampliação dos negócios, tornou-se também o pioneiro na implantação do sistema mecanizado de fabricação de farinha de mandioca no Espírito Santo, respondendo por uma produção inédita. Até então, as farinheiras eram operadas de forma tradicional, com processo artesanal, e

movidas por tração animal. Rosálio visitou um produtor de Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro, para trazer ao Espírito Santo o modelo de um sistema mecânico de produção de farinha de mandioca. Para que se tenha uma ideia dos benefícios proporcionados pelo novo sistema, com a mecanização a produção diária de sacos de farinha mais do que triplicou.

A primeira fábrica de farinha de Rosálio foi montada em Pedro Canário, dentro de sua propriedade, onde ele criou a estrutura necessária para a expansão do negócio. O produto era empacotado em diferentes espaços, inclusive no Estado de Minas Gerais, com a marca Santa Rosa, singela homenagem do marido à esposa, conhecida na região como Dona Santa.

Profundamente religiosa e dona de um coração do tamanho do mundo, Maria de Deus recebeu o apelido de Dona Santa em função da fé inabalável e do papel social que exercia junto aos mais necessitados, especialmente às crianças desamparadas. Muitas delas chegavam a Pedro Canário acompanhando parques e circos, e não tinham lar nem família. Compadecida diante do abandono desses meninos e meninas, Dona Santa os acolhia como se fossem seus filhos. Rui Baromeu emociona-se ao recordar a dedicação da mãe ao amparo e proteção das pessoas necessitadas de alimento, agasalho, moradia, e de toda forma de ajuda.

“Minha mãe era uma mulher fora do eixo. Tinha o nome de Maria, mas todos a chamavam de Santa porque ela socorria as pessoas; era uma mulher sensibilizada com os menos favorecidos. Dona Santa adotou e criou cerca de 25 crianças que hoje são adultos, chefes de família, residem em vários estados e têm por ela uma gratidão toda especial”, afirma o empresário. Dispondo de recursos necessários, com laticínios, farinheira e fartura de alimentos, Dona Santa praticava a caridade como um gesto natural de amor ao próximo, o que a tornou conhecida em Pedro Canário, São Mateus e nas cidades vizinhas. “Minha mãe era a mulher da minha vida, o meu espelho; ela nos deixou um legado muito grande, assim como meu pai, um homem empreendedor; um empresário de sucesso”, reconhece Rui.

Para perpetuar o legado da mãe, Rui Baromeu criou a Fundação Cultural Santa Maria de Deus, que desde o ano de 1994 desenvolve destacado trabalho social no norte do Estado, com sede em São Mateus.

Voltando à farinha Santa Rosa, o processo mecanizado e o acondicionamento do produto em pacotes proporcionou uma nova dinâmica ao setor. Tudo era novidade, e o tino de Rosálio para os negócios revelava-se certeiro. Com a produção em crescimento, a farinha Santa Rosa passou a ser vendida em vários estados brasileiros, motivando outros empresários e famílias do norte capixaba a investir nesse ramo. Alguns dos quais, inclusive, permanecem no mercado até hoje.

O menino Rui observava os passos do pai com um misto de atenção e admiração; o dinamismo empreendedor e o sucesso de Rosálio nos negócios, aliado ao espírito humanista da mãe, serviriam de modelo para o filho. Era como se Rosálio representasse um farol a iluminar os caminhos que ele iria seguir na vida.

“Meu pai foi, de fato, um desbravador daquele território. Suas áreas entre Pedro Canário e Mucuri eram grandiosas, e ele colaborou para o crescimento de toda a região. Era reconhecido como um homem dinâmico, trabalhador, muito querido e possuidor de uma incomum visão de negócios”, define o empresário hoje, com os olhos marejados, ao descrever o espírito empreendedor do pai.

O PRIMEIRO OLHAR SOBRE OS NEGÓCIOS

A distância entre Pedro Canário e a cidade mineira de Nanuque é de cerca de 80 km. Hoje, de carro, este percurso dura, em média, 1h45. Na segunda metade dos anos 1950, não havia estrada asfaltada na região. Em busca de uma escola qualificada para a formação dos filhos, a família decidiu matricular Rui Baromeu e a irmã Maria das Graças (Gracinha) no colégio interno Santo Antônio, em Nanuque. Era o lugar mais próximo de Pedro Canário e oferecia uma escola que era referência em qualidade. A temporada em Nanuque durou pouco, e logo Rui seguiu com a irmã para estudar o curso primário em São Mateus, na Escola Amâncio Pereira, cujo nome homenageia o professor Amâncio Pinto Pereira (1862-1918), o mais importante

escritor capixaba de sua época e um dos patronos da Academia Espírito-santense de Letras.

Segundo município mais antigo do Espírito Santo, fundado em 21 de setembro de 1544, São Mateus é considerado um marco na colonização do solo capixaba. É conhecido também por concentrar o maior contingente da população negra do Estado, uma herança do Porto de São Mateus, que até a segunda metade do século XIX era uma das principais portas de entrada de negros escravizados da África para o Brasil. O cenário histórico de São Mateus, representado pelo casario do Porto, que remonta ao período colonial, e o potencial econômico e turístico da cidade encantaram Rui desde a mais tenra infância. Em São Mateus, ele sentia-se literalmente em casa. Os pais tinham residência na cidade, assim como parentes igualmente vindos da Bahia, entre os quais os primos John, Aldair (Dadai), Moacir e Hebes Guimarães. Rui passou boa parte da infância em São Mateus e, praticamente, todos os mateenses de sua idade hoje foram seus colegas de escola. Na adolescência, o estudante que fez o curso de Admissão no Colégio Estadual Ceciliano Abel de Almeida - mais uma referência a um capixaba ilustre, que se notabilizou como engenheiro, professor e prefeito de Vitória - provavelmente não imaginava que um dia seria eleito o prefeito de São Mateus. Por volta dos 15 anos, Rui estava mais preocupado em canalizar a energia juvenil para os jogos estudantis. Praticava esportes de quadra, como vôlei, handebol e futebol de salão, mas sua paixão era mesmo o futebol de campo, ao qual se dedicou mais tarde, chegando a atuar em times amadores. A rotina de estudos era intercalada com os passeios a Conceição da Barra. Como o acesso à praia de Guriri era precário, e exigia dos banhistas que atravessassem o Rio Mariricu de canoa e seguissem pelo mato, por um areal, os mateenses preferiam frequentar a praia do município vizinho. Para Rui, isso nunca foi problema, uma vez que sua família também tinha residência em Conceição da Barra e ele passou parte da sua vida desfrutando da beleza daquele balneário.

Depois de passar pelo chamado curso de “Admissão”, Rui foi estudar em Carangola (MG), no Carangolense, considerado um dos melhores colégios internos da época. Nessa instituição, teve a oportunidade de cursar o Clás-

sico e o antigo Científico, simultaneamente. Àquela época, o futuro empresário acalentava o sonho de seguir carreira como diplomata. O curso Clássico era adequado para este fim, pois contemplava em sua grade curricular o estudo de duas línguas e a preparação profissional dos alunos. Nesse sentido, Rui vislumbrava a possibilidade de fazer o curso de Direito, opção natural para a diplomacia.

Escola Amâncio Pereira, onde Rui estudou na década de 1960.

Colégio Carangolense, onde Rui estudou e iniciou as atividades empreendedoras.

A rotina no Colégio Carangolense era intensa e compreendia a dedicação às aulas, aos exercícios e a outras atividades, como as práticas esportivas de que Rui tanto gostava. Porém o tino comercial falou mais alto e foi ali, em Carangola, longe de casa e da família, que o jovem de 16 anos enveredou pela carreira empresarial de forma criativa e inusitada.

Ao conhecer a estrutura do Colégio Carangolense, Rui notou que a escola abrigava um espaço de datilografia desativado. Havia mais de 40 máquinas de escrever e mimeógrafos parados. Rui considerou aquilo tudo um grande desperdício e pediu ao diretor do colégio uma oportunidade para mostrar que ele seria capaz de recolocar o espaço em funcionamento. Inicialmente o diretor relutou, alegando que o processo era difícil e que não daria certo. Rui insistiu: “Disse a ele que me responsabilizaria por tudo, que pagaria o professor, recuperaria as máquinas e daria 20% de todo o rendimento para a instituição. Diante desses argumentos, ele acabou concordando”, observa Rui.

Na época, o curso de datilografia era uma das principais exigências das empresas para contratação de funcionários. Com a anuência da direção, o jovem Rui comandou o conserto das máquinas, preparou a sala, as mesas e as cadeiras, e colocou a escola para funcionar. Conforme ele previa, a demanda de alunos foi imediata, e, aos poucos, o espaço estava operando a todo vapor. Lembremo-nos de que nos anos 1960 havia poucas gráficas e a impressão era um serviço custoso. Assim, os mimeógrafos passaram a ser amplamente usados para a produção de apostilas, de provas e para os mais diversos documentos impressos, como regulamentos de concursos, campeonatos e estatutos de clubes, atendendo também a clientes externos. A escola de datilografia tornou-se uma área avançada do colégio, foi um grande sucesso e proporcionou a Rui um bom dinheiro na juventude. Com o lucro obtido na gestão do negócio, somado aos ganhos com as aulas particulares que ele dava, o jovem tinha recursos de sobra para cobrir suas despesas, entre as quais o abastecimento e a manutenção do Fusquinha 1966, presente do pai para o seu aniversário de 17 anos.

Mais do que o aspecto financeiro, o êxito na escola de datilografia representou uma conquista simbólica para Rui Baromeu: por meio dessa experiên-

cia, ele provara para si próprio e para os que estavam ao seu redor – inclusive para a sua família – que a partir daquele momento a vocação e habilidade para os negócios seriam elementos indissociáveis do seu destino. Rui nascera para empreender, e em breve chegaria a hora dele voar.

O EMPREENDEDOR DE SUCESSO

No Brasil, o ano de 1968 ficou marcado pelo recrudescimento da ditadura militar iniciada em 1964, com a instauração, em 13 de dezembro, do Ato Institucional Nº 5, que fechou o Congresso Nacional e instituiu a censura prévia aos meios de comunicação. A tensão mundial provocada pela Guerra do Vietnã contrastava com uma série de acontecimentos que levaram a uma ebulição raramente vista na história contemporânea.

Apesar dos pesares, 1969 chegou e, junto com o novo ano, tinha-se a sensação de que o Brasil e o mundo jamais seriam os mesmos – e a melhor forma de expressar esse caldeirão de mudanças se daria no dia 20 de julho, quando o homem pisou na lua pela primeira vez por meio da missão espacial concluída com êxito pelos astronautas norte-americanos Neil Armstrong e Edwin Aldrin.

Com o viço jovem de quem tem entre 17 e 18 anos, Rui Baromeu acompanhava o noticiário à distância. Estava perto de finalizar os cursos Clássico e Científico no Colégio Carangolense, e ideias e sonhos fervilhavam na sua cabeça. Em 1969, ele passava férias na propriedade da família, em São Mateus, quando ocorreu uma tragédia: seu pai havia sofrido um grave acidente de carro ao colidir com um caminhão na estrada de chão onde anos mais tarde seria construída a BR-101. Junto com ele estavam a irmã de Rui,

Gracinha, e o marido. O casal ficou ferido e foi transportado de avião para um hospital, em Belo Horizonte, onde conseguiu se recuperar. Infelizmente Rosálio não teve o mesmo destino: o patriarca sofrera traumatismo no tórax e morreu enquanto conversava com Rui, nos braços do médico Carlos Cassiano dos Santos.

Ao revisitar a fatalidade, lágrimas escapam dos seus olhos. Rui tinha 18 anos, e a morte trágica do pai representou um divisor de águas na sua vida.

Seu Rosálio significava, para ele, uma referência de ética e altruísmo, a quem procurava seguir os passos com respeito e admiração. Repentinamente, o jovem que estava prestes a ingressar no curso de Direito se viu obrigado a deixar os estudos de lado para assumir os negócios da família no norte do Espírito Santo.

Ainda consternado pela dor e saudade do pai, Rui começou a amadurecer em sua mente uma decisão que tempos depois iria comunicar à família. Passado o período de luto, ele avisou à mãe e aos irmãos que decidira abrir mão da fazenda e de tudo a que teria direito na herança. “Eu disse a eles que não queria nada e que iria começar a minha vida do zero”, contou.

COMEÇAR DE NOVO 1

Com os negócios da família organizados, é possível afirmar que poucos hoje agiriam como Rui diante daquela situação. Afinal, o que seria mais seguro: cuidar das fazendas da família ou aventurar-se em uma empreitada solo?

Rui Baromeu, que nunca teve medo de desafios, escolheu a segunda opção. Arrumou as malas e mudou-se para Vitória, onde, com o tempo, montaria suas primeiras empresas.

Vitória tinha o charme de ser a capital do Estado e uma cidade mais propícia a investimentos e abertura de negócios. Como se sabe, o Espírito Santo

1 O título deste capítulo é uma referência à música “Começar de Novo”, dos compositores Ivan Lins e Vitor Martins, gravada pela cantora Simone em 1979 e que virou tema de abertura do seriado “Malu Mulher”, da Rede Globo.

é um dos estados da federação no qual o desenvolvimento econômico se deu mais tardiamente; a princípio, com a cultura do café, no final do século XIX, e de forma mais consistente com o processo de industrialização, iniciado na década de 1960. A chegada de Rui a Vitória, na virada dos anos 1960 para 1970, coincide com a expansão da atividade econômica no Estado, provocada pela instalação de grandes indústrias como a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), a Companhia Siderúrgica Tubarão (CST), a Aracruz Celulose, a Companhia Ferro e Aço de Vitória (Cofavi) e a Usina de Pelotização Samarco. Após décadas de dependência da cultura cafeeira, o Espírito Santo diversificava suas fontes de riqueza e olhava para o futuro com um otimismo inédito diante do que ensinara a sua tradição – “Se as glórias do presente forem poucas acenai para nós, posteridade!”, diz um trecho do hino oficial do Estado.

Porém, o surto de desenvolvimentismo esbarrava nos deslocamentos entre os municípios do norte e a capital, que ainda eram demorados, caros e perigosos. De Pedro Canário a Vitória, por exemplo, apenas um pequeno trecho era pavimentado com asfalto. Os atoleiros eram constantes; as viagens, cercadas de dificuldades e incertezas.

Essa realidade começou a mudar com a abertura da Rodovia BR-101, que passou a interligar 11 estados brasileiros de norte a sul, permitindo a conexão terrestre entre portos, grandes centros consumidores e zonas turísticas. Considerada uma das maiores rodovias brasileiras, a BR-101 foi construída em etapas pelo Exército entre as décadas de 1950 e 1970. Rui estava no lugar certo e na hora certa quando se iniciaram as obras para construção do trecho que iria ligar o Espírito Santo ao Estado da Bahia. Antes mesmo de completar os 20 anos, sua intuição indicava que o advento desta estrada teria impacto positivo para a construção de sua carreira empresarial. Em 1970, ano em que a Seleção Brasileira conquistava o sonhado tricampeonato da Copa do Mundo, no México, Rui ampliava a aproximação com o engenheiro português Felisberto Siqueira. Amigo do pai de Rui, Felisberto estivera à frente da companhia Geovia e depois havia trabalhado na empresa Fama, que fora incumbida de executar as obras de abertura da BR-101, no trecho compreendido entre Vitória (ES) e Porto Seguro (BA). Desde a pre-

paração de terraplanagem até a aplicação da pavimentação asfáltica, todas as atividades relacionadas àquele trecho estavam sob a responsabilidade da Fama.

Com a morte de Rosálio, Felisberto manteve os laços com a família, tornando-se amigo de Rui. “Eu era jovem ainda e conversava muito com ele”, lembra Rui. Nesses diálogos, Felisberto fazia questão de transmitir a ele a sua experiência como empresário bem-sucedido e a orientá-lo sobre as oportunidades de negócios que surgiriam na região a partir da construção da BR-101. Entre as possibilidades que se descortinavam estava a exploração de madeira na área situada no entorno da rodovia. Empolgado com a possibilidade de abrir grandes negócios, Rui não perdeu tempo e abraçou a ideia. O primeiro passo para colocá-la em prática foi a compra do seu primeiro caminhão, um Mercedes LP 321, conhecido como “Cara Chata”. A aquisição se deu na Linhares Diesel, em Linhares, cujo proprietário era o empresário Almir Sponfeldner. Nessa concessionária Rui adquiriu também o seu primeiro trator – tudo na base da confiança. Embora ele tenha abdicado da herança, a família tinha nome consolidado no mercado, uma empresa de transportes e um lastro de crédito.

Fusquinha 1966 branco, modelo idêntico ao que Rui ganhou do pai. Foto ilustrativa

O primeiro caminhão de Rui era um Mercedes Cara Chata como este modelo (Foto ilustrativa).

Seguindo as dicas de Felisberto, Rui foi a campo. Sua tarefa consistia em comprar as glebas de terra, desbravar e colher as madeiras e cuidar das vendas, utilizando-se da estrutura de transportes que ele montara para o negócio. “As glebas eram baratíssimas”, destaca. Depois de colher as madeiras, ele preparava a terra, plantava capim, fazia uma base para a agricultura, vendia e seguia em frente. Foi seguindo essa rotina de trabalho até a região baiana de Monte Pascoal, onde estabeleceu uma fazenda.

Paralelamente, Rui montou empresas madeireiras e serrarias onde passou a fazer o beneficiamento das madeiras de lei, como o cedro, o jacarandá e a peroba. Ao olhar para trás, ele próprio se surpreende com os resultados obtidos naquele tempo. “Tudo foi dando certo; eu, novinho ainda, cheguei a um patamar de exportador de madeiras”, admira-se, contando que passou a vender madeira para a grande empresa Atlantic Veneer, na Serra (ES), que começava a operar, e para empresas de outros estados, como a Códega, de Curitiba (PR).

Rui reitera que, na época, o extrativismo de madeira era uma atividade econômica legal e até estimulada pelo mercado, mediante o cumprimento de regras determinadas pelo poder público. A construção da BR-101 era um exemplo dessa tendência. Não havia a consciência ambiental para proteção e preservação das florestas da forma como existe hoje. Se por um lado Rui

extraiu as madeiras na região por onde passaria a rodovia, por outro lado, anos mais tarde, ele iria se dedicar ao plantio de árvores nativas, protegendo nascentes e córregos em suas propriedades. A atividade envolvendo o empreendimento das madeireiras e serrarias, com beneficiamento, transporte e exportação de madeiras, gerou ganhos importantes e muitos empregos. Essa rica experiência iria conectá-lo a outros ramos. Sua primeira empresa, criada em 1969, chamava-se Transcopel, e operava com o transporte de cargas. Logo Rui teria outras empresas na área de veículos, atuando com vários parceiros nos negócios em que manteve participação societária. Ele orgulha-se de ter trazido para o Espírito Santo as marcas Hyundai e Kia, iniciativas que fazem parte de sua história empresarial, assim como a criação de agências de locação de automóveis e de concessionárias multimarcas, como a da Volkswagen.

DIÁRIOS DE MOTOCICLETA2

O sonho de conhecer o mundo sobre duas rodas há décadas inspira o cinema e a literatura. No filme “Easy Rider” (traduzido no Brasil como “Sem Destino”, 1969), marco na filmografia da contracultura, dois motociclistas viajam pelo sul e o sudoeste dos Estados Unidos com o objetivo de alcançar a liberdade pessoal. Rui Baromeu tem em comum com essas obras a paixão pela motocicleta e pelas viagens. Nos anos 1970, quando ainda era solteiro, ele viajou por todo o Brasil em uma motocicleta. Fez questão de conhecer todas as capitais, e as cidades que considera mais importantes, indo do “Oiapoque ao Chuí”, conforme ilustra. “Pode escrever aí que eu aproveitei a vida”, diverte-se o nosso biografado. Em seguida, visitou cada um dos países da América Latina, a exemplo do ator Gael Garcia Bernal no filme “Diários de Motocicleta” (2004). Em

2 O título deste capítulo é uma referência ao filme “Diários de Motocicleta”, dirigido por Walter Salles, lançado em 15 de janeiro de 2004, baseado nos diários de viagem de Ernesto Che Guevara.

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