hingrid fernandes
[ R E ] Po resgate E R TdaErelação N Cdo indivíduo I M Ecom NT O: a cidade
dezembro 2016
hingrid fernandes
orientador: daniel corsi
trabalho final de graduação apresentado à faculdade de arquitetura e urbanismo mackenzie como requisito parcial na obtenção do título de arquiteta e urbanista
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A faculdade de arquitetura é uma jornada. Por vezes o meu caminho foi permeado por diversas experiências, nas quais conheci e aprendi com muitas pessoas a olhar o mundo e entendê-lo de formas diferentes. Talvez essa pluralidade de lugares e experiências tenham me despertado o interesse em querer sempre buscar esssa conexão mais profunda com as cidades. Certamente, devo às cidades onde morei - São Paulo, Madrid e Graz - essas noções; que foram influências diretas na forma com a qual a minha leitura e relação com a cidade se estabelece hoje. Contudo, as conexões pessoais, acabam por ser as mais importantes e influênciadoras, e sem essas, de nada valeria tal jornada. Portanto, meu muito obrigada, primeiramente à minha base, minha família: ao meu pai, pela paciência e constante apoio; ao meu irmão, pelas novas perspectivas de mundo. Aos meus tios, pelo acolhimento e viagens. Aos mestres, por educar com sabedoria o olhar, orientar e sempre instigar a curiosidade: Daniel Corsi, Tito Lívio e Pedro Paulo de Melo Saraiva. À Milica Tomić, pelas conversas sobre a relação da arte com as pessoas.
Aos meus colegas, arquitetos e futuros arquitetos, que trilharam esse caminho comigo, pela paciência, pela força, pelas conversas e trocas; pelos cafés, pelos almoços, pelas horas, pelas noites mal dormidas, pelas ajudas de ultima hora. Aos meus amigos por compreender minhas ausências, por sempre acreditarem em mim e pelo apoio constante. OBRIGADA
À minha mãe, minha maior saudade.
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Se podes olhar, vĂŞ. Se podes ver, repara. JosĂŠ Saramago
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15 despertar [paisagem, espaço e como o indivíduo se comporta meio a este] 16 23 34 39 45 52 56
ser natural
a retomada da cidade como paisagem espaço urbano caminhos e espaços possíveis e invisíveis cidade x lazer
augusta
eixo augusta - explorações possíveis
97 permanecer [o indivíduo modifica a cidade de acordo com suas necessidades, seja no âmbito público ou privado] 98 ser urbano 100 vazio 102 respiros urbanos
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65 percorrer [o indivíduo é parte da cidade, coletiva e individualmente pertence e se identifica] 68 73 80 94
ser social
A rua como organizadora de espaços Arte (e a) arquitetura
espaços de interações e convergências entre arte e arquitetura
111 hipóteses 112 116 120 134 136
projeto - lugar e deriva
arquivo
considerações finais bibliografia índice de imagens
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resumo
A complexidade em se debater sobre apropriação de espaços na cidade é uma inquietação presente neste trabalho. Ao se levar questões sobre pertencimento na cidade e, quais são as formas prováveis as quais elas se dão, há uma infinidade de relações possíveis, já que essas experimentações são quase que completamente subjetivas. A cidade contemporânea, no Brasil, e neste caso, especificamente, São Paulo, oferece uma complexidade de ações e reações do território nem sempre identificáveis; dado a velocidade com que nos acostumamos a percorrer. Ao longo dos anos, a cidade se tornou suporte para grandes avenidas, estradas e viadutos, que em sua maioria quase absoluta, não consideram ou são inacessíveis aos pedestres, e por sua vez, acabam 12
por produzir uma série de espaços residuais sem possibilidade de apropriação ou relação com os indivíduos. Dado esse panorama como ponto de partida, esse trabalho busca entender a dissociação possível onde se encontra o estar público, a permanência na cidade.
O ensaio busca por espaços possíveis de experimentações sensoriais, provenientes de percursos e identificações, a fim de construir imagens da cidade, utilizando-se da arte como elemento transformador da paisagem urbana.
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1.
1.
despertar [paisagem, espaço e como o indivĂduo se comporta meio a este]
ser natural
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O mundo contemporâneo se tornou uma rede de informações. Somos por elas bombardeados todo o tempo sem ao menos ter plena consciência de que ao ver tudo estamos, na verdade, vendo nada. Ao nos conectarmos a tudo ao mesmo tempo, não estabelecemos vínculo com nada, já que o virtual é vazio de existência, pois não abre espaço para a reflexão. A recuperação de uma interação mais profunda com o espaço a partir da compreensão de que as coisas são percebidas e pensadas, condição para que existam, é fundamental para que possa haver o resgate da relação de pertencimento do indivíduo com a cidade.
Antes de tudo, o indivíduo é um ser natural e vivente, dotado de curiosidades e impulsos. O despertar dos sentidos por meio de sua existência manifesta sua própria natureza e sua busca por descobrir o que o cerca. O caminhar é preciso. Há a necessidade de percorrer os sentidos dispersos. Despertálos é redescobrir os percursos rotineiros sob a perspectiva do novo, transcendendo a percepção primária e óbvia. Uma reflexão contínua sobre o cotidiano revela que a expressão visual é usada como objeto de interpretação do mundo e construção dos significados. Tal reflexão, presente de forma envolvente, revela a inerência do uso do raciocínio através da visão. E é através das múltiplas imagens 17
captadas - as quais podem ser apenas apreendidas sensorialmente em um primeiro momento -, e somente após serem apreendidas intelectualmente, que a sedução acontece e são constituídas as paisagens de forma a impressionar, expressar e construir. O objeto observado é visto e estimula a retina. É sentido, provoca uma emoção. E é construtivo, pois tem um significado próprio, tem valor simbólico e capacidade de construir uma linguagem que comunique uma ideia. “Para os errantes - praticantes voluntários das errâncias - são sobretudo as vivências e ações que contam, as apropriações feitas a posteriori, com seus desvios e atalhos, e estas não precisam necessariamente 18
ser vistas, mas sim experimentadas, com os outros sentidos corporais. Os praticantes da cidade, como os errantes, realmente experimentam quando os percorrem e, assim lhe dão “corpo” pela simples ação de percorrê-los” (JACQUES, 2008) Com isso, é inevitável deixar-se ser seduzido pela busca em se misturar ao ambiente, recolhendo fragmentos de uma experiência plurisensorial a fim de encontrar sua essência e assim definir sua humanidade ao buscar se identificar com o meio.
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a paisagem é mais do que o simples arranjo das imagens sobrepostas. é mais que a pura forma capturada. já que depende de um conjunto de sensações subjetivas, apreendidas somente com a experimentção do território. 01. Oblivion, David Maisel e Kim Keever
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a retomada da cidade como paisagem
1. O conceito de paisagem é plural e pertence às mais diversas disciplinas. O recorte estabelecido entre geografia, filosofia e arquitetura permite um entendimento das relações existentes entre cidade e indivíduo. Ou seja, se preocupa em como este entende e é entendido por ela. Ao buscar pela definição etimológica da palavra paisagem, apesar de apresentar um sentido amplo, essa nos direciona para um sentido de percepção, condicionado à visão. 1. Extensão de território que se abrange com um lance de vista. 2 Desenho, quadro, gênero literário ou trecho que representa ou em que se descreve um sítio campestre. Porém o conceito de paisagem por vezes se funde ao de cultura. O termo paysage, em francês, do qual o vocábulo português “paisagem” tem origem, tem seu
As transformações e noções de escala e, por consequência, de tempo, em algumas metrópoles contemporâneas, como é o caso de São Paulo, através dos seus sistemas de comunicação e transporte, impõem um ritmo acelerado no qual a prioridade tornou-se a de ganhar tempo. Como consequência dessa fragmentação imagética acelerada e sem espessura, o percorrer transformou-se em esquecer, transformou-se no somente reter as informações úteis no momento, ou seja, terminou permitindo que a fragmentação e o caos distorçam a capacidade de experienciar a cidade e apreender as paisagens. O conceito de paisagem1, dotado de caráter mutável, altera-se de acordo com o conhecimento e a consciência do contexto no qual estamos inseridos. A paisagem é um acontecimento natural ao mesmo tempo em que é uma representação de um imaginário ideali-
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zado. Compõe-se por meio de um esquema de percepção da realidade e por meio das modificações do ambiente em que o indivíduo vive. O entendimento dela não se constrói somente em olhar para objetos, mas em compreender a realidade da composição, isto é, na relação que construímos com o ambiente. Apesar de muito abrangente, é possível estabelecer uma correlação e interdependência entre os elementos compositivos do quadro que se oferece enquanto paisagem na qual nos entrelaçamos.
“A paisagem, contudo, é um elemento transformador: transforma a realidade em imagem para em seguida a imagem transformar a realidade. “ (CAUQUELIN, 2007) Ao se pensar em cidade contemporânea, são atribuídas diversas qualidades que a caracterizam. Caos, sobreposições de camadas, barreiras, velocidade, tempo. Para cada uma dessas é possível que sejam atribuídas imagens e referências correspondentes, e essas, por sua vez em conjunto, compõem a paisagem urbana. 24
No momento em que a realidade define a
significado conectado às técnicas renascentistas, e seu radical pays significa, ao mesmo tempo, “habitante” e “território”. Essas percepções espaciais mais amplas revelam que a paisagem é um conjunto muito mais complexo e transformador do que esta condição estática de um espaço observado por um indivíduo. “A paisagem é uma criação artificial e estética que representa a contemplação e a observação prazerosa do homem em relação à natureza, revela a sua necessidade de imprimir uma percepção ordenada do mundo e a tomada de consciência de si, como sujeito“ (MADERUELO, 2007).
cidade, sua imagem correspondente a fixa como verdade. Apesar desse processo parecer simples, essa experiência é intimamente subjetiva, revelando para cada indivíduo uma composição única de paisagem, sugerida através do sentimento de apropriação. Esses conjuntos de valores, ordenados principalmente pela visão, estabelecem a perspectiva através da análise detalhada de seus complexos fatores constituintes.
2. Os conceitos de janela e moldura dentro da paisagem fazem referência ao ideal artístico, Uma paisagem dentro de uma caixa de vidro, pendurada na parede. A partir do Renascimento, com o surgimento da perspectiva, as coisas passam a ser percebidas como distribuídas no espaço, ou seja, o olhar avança em profundidade, percorrendo todos os planos. Ao contrário, tanto na janela, quanto na moldura, tudo o que existe, enquadrado, é percebido simultaneamente.
São estes valores que, quando atribuídos à paisagem, a transformam em espaço geográfico, pois o fato de existir simplesmente enquanto forma não basta. É necessário um entendimento mais amplo, abrangendo distância, contemplação e ordenação – para os quais se introduz conceitos de janela e moldura2, ou ainda de relatos, narrativas e metáforas, utilizados de forma diferente, uma vez que seu conteúdo pertence a sociedade. Assim, poderíamos dizer, a paisagem se torna espaço porque permite a construção de conteúdos.
“Não existe dialética possível das formas enquanto formas. Nem a rigor entre paisagem e sociedade. A sociedade se geografiza através das formas,
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as sobreposiçþes urbanas provocam a perda de identidade
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atribuindo-lhe uma função que vai mudando ao longo da história. O espaço é a síntese sempre provisória entre o conteúdo social e as formas espaciais. A contradição é entre sociedade e espaço.”(SANTOS, 2002) Anne Cauquelin entende que a composição de paisagem que hoje possuímos depende de muitos elementos, os quais acumulamos ao longo da vida, como as experiências pessoais, de caráter sempre mutável e plural, uma vez que variam de um indivíduo para o outro de acordo com suas vivencias, de acordo com os deslocamentos dentro de um determinado recorte temporal em que se vive; por esse motivo as percepções são subjetivas e diversas construções de paisagens são possíveis, seja a partir de imagens, sons, leituras ou de estratos do território. São esses conjuntos, 02. Paris Rooftops, 3 Michael Wolf os artefatos , dotados de valores históricos e cruzamentos de diferentes espaços e tempos 3. Conceito idealizado por Aldo que criam possibilidades para se estabelecer Rossi, no qual “artefatos urbanos” são entendidos como o único as paisagens e reconhecer a cidade como a programa capaz de encarnar os estrutura espacial e temporal da experiência.
valores históricos da arquitetura, cujos referenciais racionais devem advir analogicamente do vernáculo, da memória coletiva, das necessidades do cotidiano e assim construir o local através das formas estruturais. .
A paisagem é, portanto, um estado, um modo de ser e de estar entre as partes de um todo em um dado momento; além disso, ela é um
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modo que se comunica. A articulação de diversos pontos de vista e suas variações, dentro deste cenário imagético confuso, cria uma superfície temporal repleta de informações densas que são percebidas através do campo visual e convertidas em superfície. Desprovida de profundidade, ou seja, diante dos elementos apenas justapostos, a paisagem demanda a necessidade de novos pontos de vista e variações do entendimento de linguagem para que não se torne um cenário automático, um quadro estático. E isso se dá uma vez que as complexidades estabelecidas no cenário contemporâneo vão além do que se permite nessa inerte e superficial cena: deve-se atentar para o universo composto pelas diversas camadas infinitamente complexas que se arrolam na composição da paisagem, como as manifestações culturais, sociais, políticas e econômicas que, além de influenciarem suas próprias esferas, interferem ativamente em todas as outras.
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Nas metrópoles contemporâneas como São Paulo, a construção dessa paisagem é influenciada e formada pelas mais diversas manifestações entrelaçadas, sejam essas a pintura, a fotografia, cinema e a música, compondo um extenso campo artístico que
4. O palimpsesto é uma imagem arquetípica para a leitura do mundo. A palavra grega surgiu no século V a.c., depois da adoção do pergaminho para o uso da escrita. Palimpsesto veio a significar um pergaminho do qual se apagou a primeira escritura para reaproveitamento por outro texto. Há uma superposição de camadas de experiência de vida que incitam ao trabalho de um desfolhamento. Uma espécie de arqueologia do olhar, para a obtenção daquilo que se encontra oculto, mas que deixou pegadas, talvez imperceptíveis, às quais é preciso descobrir. Esta acumulação de marcas de historicidade deixadas no tempo se amplia para além dos traços materiais ou de escrita, pois se estende ao plano das recordações, onde muitas lembranças jazem na esfera do inconsciente, podendo ser recuperadas..
se entrelaça com as interações sociais. Essas criações artificiais e que se pretendem estéticas são, todavia, adotadas como forma de expressão político cultural, têm como intenção provocar um novo olhar sobre o existente e revelar ao homem sua necessidade de uma visão ordenada do mundo, pela qual são enxergados os diversos extratos compositivos da paisagem separadamente. Permeando estas manifestações, encontra-se a arquitetura. Ela se insere em um cenário saturado de traços de memórias, monumentos e o imaginário idealizado. É aí que as paisagens se transformam em palimpsesto4, com a sobreposição de camadas de materiais e construções acumuladas: se instaura um embate com o olhar, onde tudo é textura.
“A leitura da forma da cidade vai tornando-se difícil, à medida que seu tamanho e aparência resultam de um aglomerado sem feições nítidas e identidade própria: são imagens cada vez mais abstratas. ” (SASSEN 1998) A relação do homem com o modo de vida urbano pautado pela pós-modernidade, através das dinâmicas responsáveis pelas manifestações, permite e faz desejável que haja ape-
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“A cidade se define pelos seus contrastes, quer sempre explodir, não suporta estéreis regras... uma cidade inesquecível é um acervo imenso de imagens”. (Win Wenders)
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03. MoMA, Michael Wesely
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nas um contato superficial, já que tudo passa despercebido diante da velocidade à qual é condicionado a viver. Essa estruturação da experiência de coletividade toma forma de cidade e é o primeiro esboço de urbanidade. É através da reapropriação do território e da ideia de que a cidade é um espaço que deve ser vivido coletivamente que é possível estabelecer uma relação entre meio geográfico e o comportamento afetivo, recuperando a relação do homem com sua natureza humana e retomando o ideal de paisagem como habitat.
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A paisagem urbana é sempre fruto de uma paisagem social, resultado da ação da cultura sobre a natureza, quer dizer, da capacidade do homem em transformar o meio. Dentro deste meio, com o passar do tempo, são alteradas as formas, o que se dá seja pela destruição das mais antigas - entendidas como superadas, anacrônicas, não funcionais ou suficientemente desgastadas para serem substituídas -, seja pela adaptação e composição com novas formas - quando fachadas modernas ocultam velhas estruturas-, ou ainda pela atividade, regeneradora ou destrutiva, de uma preocupação de pre-
servação - que entende tais elementos do espaço construído como patrimônio. Construindo e reconstruindo memórias, esse processo se desenvolve gerando infinitas combinações possíveis. É algo do qual fazemos inevitavelmente parte e que está repleto de complexidades no que se refere ao experienciar e ao agir em várias dimensões e em vários níveis do cotidiano. É a manifestação de nossa condição, é nossa circunstância. É a natureza em que nos encontramos.
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espaço urbano
O espaço urbano contemporâneo é marcado por bordas que delimitam seu território, criando fronteiras visíveis e invisíveis, gerando separações e suturas. São limites, margens. O comportamento social e seus processos aleatórios e imprevisíveis proporcionam uma inerente necessidade do estar público, como projeto, uma vez que o indivíduo se relaciona com a cidade através do seu envolvimento com o espaço.
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O espaço público é, por definição etimológica, um espaço social e geralmente aberto, um território específico dotado de marcas e signos próprios, acessíveis a todas as pessoas . Porém é de extrema importância refletir sobre a representação deste espaço - como uma fonte geradora da cidade, como um produto ou prática, ou seja, dotado de significados e resultados sociais, políticos e culturais - uma vez que essa experiência urbana atual
é bem mais desordenada e complexa do que a simples aglutinação das arquiteturas da cidade. Assim, tal roteiro se impõe uma vez que esse espaço se forma e fluxos citadinos são condicionados pelos deslocamentos e rupturas, desconstruindo sua própria fixação e inércia.
5. A definição botânica de rizoma ganha nova conotação dentro da filosofia através de Deleuze e Guattari pela subversão do conceito original, concedendo-lhe a conotação de um modelo estético-político baseado em linhas agenciadas dentro de uma multiplicidade de escolhas possíveis, o qual está aberto para as experimentações. É como um mapa que se espalha em todas as direções, estando nele encontradas todas as possibilidades.
As atividades no espaço público são desestabilizadoras, introduzem uma temporalidade selada por acelerações e desacelerações, num movimento que pode ser chamado espontâneo. Ora locais de fluxo, ora locais de pausa, e independente de sua temporalidade, podendo sempre comportar esses acontecimentos simultaneamente. São criadas, assim, descargas pulsionais de corpos e objetos, trânsitos e deslocamentos não previsíveis e de forma rizomática5. Porém o conceito de espaço público pode não só ser limitado às operações cenográficas em ruas, praças e parques. Podem ser criados como políticas destinadas a melhorar a qualidade ambiental das cidades em relação às atividades dos habitantes, de forma a propiciar o estímulo ao ócio, a fim de reverter as deformações causadas pelos investimentos imobiliários de crescimento
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exponencial. Os atuais processos de dispersão, gentrificação e divisão da cidade intensificam a percepção do espaço público como uma dimensão desestabilizada e errática, aumentando o distanciamento entre espaço e esfera pública. O domínio urbano deve ser compreendido como um sistema capaz de abranger diversas conexões, sejam essas sensoriais ou físicas, que por diversas vezes desencadeiam ações aparentemente pontuais e aleatórias no tecido urbano, mas que na verdade estão relacionadas por completo com a cidade.
“Além disso, as esferas públicas ainda estão muito ligadas aos espaços concretos de um público presente. Quanto mais elas se desligam de sua presença física, integrando também, por exemplo, a presença virtual de leitores situados em lugares distantes, de ouvintes ou espectadores, o que é possível através da mídia, tanto mais clara se torna a abstração que acompanha a passagem da estrutura espacial das interações simples para a generalização da esfera pública” (HABERMAS, 2003). 36
A interpretação da esfera pública torna precisa a ênfase na dimensão política da vida social, e assim caracteriza o espaço público metropolitano em seus territórios geradores de centralidade - lugares geográficos nos quais é produzida uma fixação espaço-temporal de formas, usos e significados com caráter de mediação entre a sociedade e o Estado, porque é lá que se tornam vivas expressões políticas e públicas de cidadania de acordo com as diferentes formas de associação e de conflito. Esfera pública: um lugar democrático marcado pela sociabilidade, pela convivência e pela troca social, que é, ao mesmo tempo, caracterizada por um uso particular do espaço, tanto em um nível material quanto simbólico. Isto é, um espaço público é um espaço concebido como um elemento promotor de socialização e articulações pessoais, como aquele que possibilita inúmeras perspectivas e é capaz de criar as possibilidades de imaginação do mundo no contexto urbano, para que possa ser (re)construída a realidade. Portanto a esfera pública nos possibilita viver em um mundo comum, no qual o convívio humano é ocasionado por meio da relação
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objetiva entre as pessoas. Esta realidade precisa ser construída no âmbito da presença de diferentes tipos de pessoas que estejam genuinamente dispostas a pensar na coletividade e não em si mesmas, assim como a promover ações que transcendam a duração da própria vida. De tal modo, assim como foi, tanto para os antigos gregos, com a pólis, quanto para os romanos, com a res publica, a esfera pública é o artefato transformador da sociedade, capaz de tirar os indivíduos da futilidade e da insignificância da vida individual e privada e dar sentido à vida, imortalizando-a por meio dos pensamentos compartilhados e dos objetos construídos. A esfera pública, portanto, supera o espaço público, sendo este o terreno concebido e organizado de forma a abrigar a vida pública; é o lugar que possibilita o encontro, o debate, a convivência. É onde se pode ver e ser visto e, portanto, onde a política e a vida social podem acontecer. É, em suma, a convergência entre os espaços urbanos e a esfera pública que cria a possibilidade do encontro e da troca de valores. 38
caminhos possíveis e invisíveis Durante as explorações possíveis para a definição de um local relevante para que o desenvolvimento do conjunto projetual contemplasse uma convergência de interações sócio-culturais, fez-se necessário a identificação de um vazio no cheio. O vazio, que neste caso é entendido como a necessidade de um espaço para o encontro, para a pausa. Esse, por sua vez não poderia existir sem o cheio, os fluxos e as conexões, e a própria cidade construída. A pertinência de questões relacionadas a noção de pertencimento do indivíduo com a cidade, constituíram um papel fundamental no traçado de uma área mais ampla. As sobreposições dos estratos da cidade facilitam perda de noção da constituição de paisagem; alçada pelo modo de vida contemporâneo, regido pela velocidade. 39
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Foram realizados 3 percursos a fim de reconhecer os vazios existentes na área escolhida. A partir dessas, e da análise das necessidades do território, foi possível elencar alguns pontos de possíveis intervenções e desenvolver possíveis programas.
Esse desenvolvimento de uma primeira ideia de programas possíveis, visava a criação de gentilezas urbanas, que promovessem o encontro e a interação na cidade.
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Para o indivíduo contemporâneo, o meio tornou-se a cidade. Essa engoliu a natureza andante do indivíduo, transformando o caminhar pela cidade em algo quase obsoleto, não sendo nem vivenciado nem reconhecido. Encarcerando os indivíduos dentro de veículos e oferecendo velocidade com articulações desconexas, um movimento contínuo acelerado, que afasta o olhar do meio, distanciando-o de sua própria natureza e das noções de paisagem. Deixado desamparado no jogo comandado pela especulação do capital, o crescimento da cidade acabou por consagrar desigualdades e contradições, tornando a cidade um espaço 42
que repele aqueles que procuram usufruir do espaço, que buscam o estar público e as permanências na cidade. Impede a busca de espaços possíveis de experimentações sensoriais, provenientes de percursos e identificações e cria barreiras para as conexões humanas. Todavia, ao se caminhar pela cidade com um olhar mais atento, é possível redescobrir interações e conexões existentes com a cada parte da cidade, de forma singular.
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cidade x lazer
A cidade enquanto espaço construído é também significado e possuí valores e entendimentos fixados pelo homem, com espaços dotados de sentidos e correspondências históricas com seu tempo. Por eles se exprime todas as facetas dessa materialidade construída que se abre em sociabilidade e sensibilidade. O tecido traçado ao longo do tempo se desdobra no imaginário, construindo enredos e caminhos compositivos. Uma cidade nunca é uma só coisa, contém muitas outras cidades dentro de si.
04. Stadt, Thomas Bayrle
A criação dos espaços urbanos de qualidade foi tardia em países como o Brasil, uma vez que a preocupação era o atendimento de necessidades básicas de infra-estrutura para uma população em pleno crescimento demográfico. Os processos de planejamento urbano, ditados pelo discurso ultra-modernista criaram os modelos atuais de crescimento.
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A falta de planejamento foi fator decisivo para a criação tardia de espaços públicos. Também regidos pelas lógicas modernistas, os planos diretores implantados não colaboravam para efetivas mudanças que humanizassem os espaços. Ao invés disso aplicava-se a máxima ditada pelos modernistas, que valorizavam construções estandardizadas, arquiteturas repetitivas e sem caráter afetivo ou interessadas na cidade, ou seja, preocupadas apenas em adensar o máximo possível no menor espaço disponibilizado, principalmente em função das altas margens de lucro adquiridas através deste tipo de prática. O desenvolvimento das cidades brasileiras, em particular, acabou sendo pautado pela falta de incentivo de políticas públicas e econômicas, sem que houvesse o empreendimento de incentivos para o desenvolvimento de espaços mais democráticos, seja através de revitalizações ou processos de requalificação.
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A cidade do século XX foi marcada pelo surgimento de novos lugares voltados para o espetáculo e entretenimento. As ruas, as calçadas, as praças e toda uma variedade de espaços públicos tradicionais na história
urbana foram resignificados, ou seja, ganharam novas conotações simbólicas e valores. Com a intenção de devolver a cidade moderna à coletividade, expropriada ao longo do processo de constituição das grandes aglomerações urbanas contemporâneas, a partir de meados dos anos 60 arquitetos e urbanistas voltaram-se a uma verdadeira obsessão pelo lugar público como forma de conseguir modificar aquilo que fora idealizado para cidade funcional e que se negligenciava esses espaços. Pois se a arquitetura acaba por ser imposta a diversas condicionantes, nela se absorve a vitalidade das cidades, de onde se observa a transformação do espaço público em espaço subutilizado e a consequente valorização do espaço privado. Isso tudo é feito esvaziando ruas, induzindo e favorecendo o uso do veículo privado, o que possibilita inúmeras implicações sistêmicas. Tais implicações poderiam se realizar de forma não tão espetacular, mas apenas e simplesmente quando ocorresse uma apropriação popular e democrática do espaço público. O que evidentemente não pode ser completamente planejado, predeterminado ou formalizado, mas pode, porém, ser favorecido.
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A maior questão das intervenções não estaria na requalificação do espaço físico em si, na pura construção de cenários, mas sim no tipo de uso que se faz do espaço público, ou seja, na própria apropriação pública desses espaços. Somente através de uma presença efetiva o espaço público pode deixar de ser cenário e se transformar em verdadeiro palco urbano: um espaço de trocas, conflitos e encontros. Ora espaço como receptáculo e palco dos acontecimentos, o entendimento do espaço passa a ser elemento ativo e dinâmico na constituição e transformação da sociedade. Espaços esses, dos convívios sociais e que se compenetram e se superpõem. Não se limitam uns pelos outros, já que o espaço social é o encontro, a simultaneidade, a reunião de tudo que há no espaço, de tudo que é produzido, seja pela natureza, seja pela sociedade.
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05. Play Scapes, Aldo van Eyck
o lugar, ao ser redescoberto, é mais do que o espaço físico de implante da situação – algo em sim mesmo e desprovido de significação-, e embora seja dependente deste suporte material, de fato, este se concretiza através de sua pregnância, qualificando-o ao convertê-lo num fato único, sobrecarregado de sentido com suas camadas de significações – histórico, psicológico, social e político.
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Para captar profundamente a vivência na cidade parece ser preciso compreender o indivíduo como flâneur, como um novo tipo de observador. Alguém que a contempla através de um novo panorama, alguém para quem a percepção parece se dar diante daquilo que é transitório. Porém aqui não é o caso de simplesmente se lamentar a diante da transitoriedade, mas fazer dela alimento e modo de apreço, de forma a dela criar abrigo em meio à caótica urbanidade, tecendo articulações através de múltiplos pontos de vista, criando uma narrativa dos atrativos da cidade e envolvendo-se em um reconhecimento das coisas e das pessoas no contexto dos desencontros e dos mais variados cenários urbanos possíveis.
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Envolvido pelas mais diversas experimentações possíveis de paisagens, o flâneur instaura um modo de visão complexo, construído através das sobreposições, associando as diferentes formas de imagens e espaços, transformando a rua num dispositivo do olhar onde tudo se justapõe. Envolver significa encantar, conquistar, atrair. A complexidade das sobreposições imagéticas, formadas pelas convergências de novos espaços e tecnologias presentes na cidade, envolvem
e conquistam o usuário. Por outro lado, envolver-se significa expor-se a, misturar-se, deixando de lado a postura contemplativa. O usuário, ao mesmo tempo em que se encanta com a cidade, mistura-se a ela e ao se misturar, dela participa.
“O espaço é resultado da soma e da síntese, sempre refeita, da paisagem com a sociedade através da espacialidade. A paisagem tem permanência, e a espacialidade é um momento. A paisagem é coisa, espacialização é funcional, o espaço é estrutural. A paisagem é relativamente permanente, enquanto a espacialização é mutável, circunstancial, produto de uma mudança estrutural ou funcional” (SANTOS, 2008. pg. 80)
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O local escolhido para a implantação do projeto faz conexão entre duas ruas de grande importância nesse cenário contemporâneo de cidade: a rua Augusta e a rua Frei Caneca. Apesar da proximidade, as duas ruas assumiram ao longo de sua existência características distintas, ao menos, na faixa em que há a conexão contemplada pelo projeto. Após a identificação das portencialidades do eixo, esse terreno foi escolhido para a intervenção, uma vez que está inserido de forma central, e possibilitando uma melhor conexão entre ruas, em uma das maiores quadras do eixo, com 380 metros de extensão.
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06. Rua Augusta
augusta
Há anos é possível dizer que a Rua Augusta é berço da diversidade paulistana. Quem olha para essa vitalidade da rua hoje, principalmente no trecho no qual se estendem cinemas, bares e casas noturnas, não enxerga o processo de esvaziamento pela qual ela passou, juntamente com grande parte do centro da cidade de São Paulo, deixando grande parte da sua infraestrutura e espaços subutilizados.
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A Augusta é dotada de grande importância urbana e histórica na cidade de São Paulo, sobretudo o trecho que faz a comunicação entre o centro e uma das mais importantes e movimentadas avenidas da cidade, a Paulista. Esta via arterial tem como função, aliás, conectar o centro da cidade à Marginal Pinheiros. Apesar disso, ela manteve durante todos esses anos somente um caráter local. Note-se que a rua passou, ademais, por di-
versas mudanças ao longo de sua história, indo de rua “chique” à rua subversiva que hoje se observa. Sua parte central se apresenta como rua boêmia, caracterizada por suas manifestações artísticas e culturais, é repleta de vida 24 horas por dia, como nenhum outro lugar na cidade. Viveu seu apogeu nas décadas de 50 e 60, quando abrigava algumas das lojas mais elegantes da cidade, e que nos anos 70 era frequentada pelo público jovem boêmio que por ela desfilava com suas motos e carros. Nessa época surgiram as galerias, centros comerciais, bares e discotecas. A partir daí o comércio começou a perder força, e a rua a perder seu público, dando início a um esvaziamento e posterior decadência. Já há alguns anos, a rua tem passado por um processo de recuperação, com a facilidade de acesso ao ônibus e ao metrô, além de bares, restaurantes e casas noturnas que ali se fixaram, começando a atrair jovens de diferentes grupos urbanos. Hoje, ao se caminhar por cada quarteirão, desde a Avenida Paulista em direção ao centro, é possível reconhecer as mais dife-
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07, 08, 09. Baixo Augusta em 3 momentos.
rentes tribos, coexistindo em um espaço que se tornou plural e ao mesmo tempo acolhedor. Desde pessoas ligadas ao universo da moda e das artes, roqueiros, ambulantes e LGBT, até a composição desse espaço na cena noturna, com profissionais do sexo e dançarinas de strip-tease. Transformando a extensão da rua em um local onde se articulam circuitos diferentes, com frequentadores abertos ao convívio e sociabilidades entre os grupos, como é o caso da Estação Consolação e da escadaria do Banco Safra, onde grupos diferenciados de frequentadores esperam para descer a Rua Augusta. Há um enlace entre diferentes grupos sociais, sendo que cada um relaciona com seu próprio local. Aqueles que alguma vez ali estiveram sabem que é quase inevitável criar com a Augusta uma relação com o lugar, seja frequentando alguns de seus bares, passeando por suas calçadas ou convivendo com seus frequentadores. Dotada do caráter de palco e praça, é fácil perceber a rua em seus modos de apropriação, que se nota não apenas no fato de estar cheia de gente sentada em seus diversos bares ou passeando pelos mais variados
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tipos de comércio. A apropriação se dá em um outro nível, em uma feição mais legítima: trata-se do espraiamento das pessoas para o meio fio, pessoas que vão tomando o lugar dos carros, transformando a rua em um grande calçadão. As identificações não representam somente escolhas simbólicas diante da grande oferta que a metrópole oferece, mas são resultados de relações dos indivíduos e de grupos que estão em posições específicas no contexto socioeconômico, profissional e etário. É esta uma das virtudes da rua: está ao alcance de todos, tem opções para todos, pode ser usufruída por todos. É uma rua, por fim, democrática. Nela, cenas se diferenciam e se complementam, só existindo em contraste, porém também abrangem espaços de interação e contato, de vivências conjuntas de códigos e valores. O retorno ou o saldo de ocupação desta área tem, contudo, sido explorado pelo mercado imobiliário e grandes construtoras, dando início a um processo de gentrificação e descaracterização da rua.
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É certo que alguns pontos do cenário cultural ainda resistem, como é o caso do Teatro Augusta, reinaugurado em 1999. Este espaço
da rua é mais incomum, frequentado pelos jovens, mas também por um público de fora do circuito, que vai às apresentações teatrais. Nesse caso pode-se estabelecer uma ligação com outro pedaço urbano, já fora do chamado Baixo Augusta, na frente da Praça Roosevelt, formado pelos teatros e companhias ali existentes, como o do Parlapatões, os Satyros e outros, que também fazem teatro de improviso. Porém a rua em si, se comporta como um grande palco, que abriga os mais distintos enlaces e manifestações, principalmente de natureza artística. Esse comportamento abre espaço para que se resgatem e se estabeleçam novas conexões, físicas ou virtuais, que utilizem esse espaço como tela, e também com alguns espaços de arte já existentes, sejam estes mais formais e consolidados, ou independentes.
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Vazios ocupáveis identificados durante levantamento na Rua Augusta. O trecho demarcado em cinza destaca a área com maior potencial de intervenção.
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2.
.
2.
percorrer [o indivĂduo ĂŠ parte da cidade, coletiva e individualmente pertence e se identifica]
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10. Thomas Bayrle, Frankfurter Tapete
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ser social
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O indivíduo que vive apenas na esfera privada não existe, uma vez que não mostra nem divide suas ideias. Não vê nem é visto; não ouve nem é ouvido pelos outros. Não debate e divide suas ideias, não compartilha da pluralidade humana. Não constrói matéria nem memória, não tem vivência do espaço e está adormecido diante da percepção de mundo. É privado da realidade e de realizar algo mais permanente que a própria vida. As marcas deixadas são contadas através da memória coletiva e dos artefatos. “O espaço deve ser considerado como um conjunto indissociável de que participam, de um lado, certo arranjo
de objetos sociais, e, de outro a vida que os preenche e os anima, ou seja, a sociedade em movimento” (SANTOS, 2008. pg28) A cultura é marca da ação humana no lugar, superando o espaço físico, através da atividade simbolizadora do indivíduo. Torna, portanto, o ambiente em produto do esforço do imaginário e da memória coletiva, que se realizam por meio das obras construídas quando o sujeito se defronta com o mundo e, por consequência, com a sociedade. A arquitetura como lugar simbólico está de alguma forma sempre ligada à construção e reconhecimento da memória coletiva,
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aos valores de um determinado grupo, que eleva este lugar à dimensão do simbólico, convertendo sua percepção de paisagem em estética, de forma que se adquire consciência da qualidade figurativa da imagem.
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a rua como organizadora de espaços A própria forma do espaço urbano não permite facilmente o pleno controle da cidade: a rede de ruas é uma criação capaz de expandir possibilidades de acesso entre lugares. É na rua que se resgata a experiência da diversidade. As ruas surgem de forma desordenada, crescem exponencialmente junto com o crescimento das cidades. O espaço público, em qualquer que seja a sua escala, assume nas grandes metrópoles características de espaços de passagem para a maioria dos habitantes e raramente espaços de convivência e lazer. Entretanto uma visão mais atenta poderá perceber que a diversidade dos usos de determinados espaços torna-os peculiares e com características próprias adquiridas por uma forma de posse, não física, mas cultural. O caos urbano, a velocidade dos automóveis
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11. Rua Nova Barão
e da vida agitada das metrópoles modernas, aliados à falta de segurança das ruas, criaram um novo ambiente urbano muito pouco favorável à vida comunitária nos lugares públicos, cristalizando, no século XX, a tendência já iniciada cem anos antes de interiorização da vida, marcada pelo surgimento de lugares que se voltam mais para si e menos para a cidade. Na rua estão as pessoas, que a transformam e ampliam seus usos. O passeio pode não ser apenas uma passagem, mas tornar-se um espaço de convívio e permanência. Quando vivenciada, experimentada pelos pedestres, a rua vira lugar. Pode bastar como destino, sem precisar de portas, sem ter que pagar para usar. Para conhecer as verdades de uma cidade, é necessário ser pedestre, enxergar o que está noticiado nas esquinas e nas pessoas. Cada trecho de quadra tem algo a contar, cada nome de rua traz seu modo único de acontecer. Por vezes a rua extrapola sua configuração original e adentra nos edifícios através de
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manifestações, sejam espontâneas ou planejadas. Como no caso da Galeria Pivô, um espaço multicultural que abriga exposições de artistas independentes, nascido de forma espontânea na cidade. O espaço ocupa uma área reservada de três andares na ponta do térreo do edifício Copan, e ali articula exposições, workshops, ateliês temporários, residências, atividades educativas. Surgiu num período de plena efervescência cultural e retomada do centro expandido da cidade como local de interações possíveis, exprimindo um movimento pelo qual se procura trazer o centro para dentro e o dentro para o centro, ou de volta ao centro. Época de resgate das interações com meio, de espraiamento, de atuações mais humanas dedicadas às particularidades do meio em que está inserida, criando interações e interlocuções com o complexo contexto social da região e com o próprio edifício.
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Em contribuição ao importante momento que vive esta região, há a reativação de certos espaços por meio da cultura, e a Galeria Pivô certamente orquestra e exemplifica com maestria a intenção de se fazer essa ponte entre o social e o artístico. Essas novas dinâ-
micas inerentes à formação desse novo cenário artístico contemporâneo independente explicitam o paradoxo entre o processo de revitalização, o qual o centro da cidade vem passando, já que visa resgatar uma identidade desconexa, e o encontro e a vivência na cidade, esquecida pela especulação do capital. A arte abre espaço para a construção de novas imagens da cidade, que, após certo tempo, passam a fazer parte da própria paisagem urbana.
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12, 13, 14. Galeria PivĂ´
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a arte (e a) arquitetura
A arte por vezes extrapola sua forma expositiva tradicional e projeta-se para fora dos museus, dissolvendo tradicionais fronteiras disciplinares com o intuito de provocar novas consciências e visões do mundo contemporâneo. É através dessas extrapolações e, como essa reage aos elementos do mundo, pelas quais se provoca uma variação, que se torna mais evidente a relação com o contexto, ou seja, as relações com a cidade e a arquitetura. Apesar dessa relação envolver um aspecto muito amplo e por vezes contraditório, é possível, através de recortes, estabelecer pontos convergentes.
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“Quando a escultura adentra o campo da não-instituição, quando ela deixa a galeria ou o museu para ocupar o mesmo lugar que a arquitetura, e redefine esse espaço e lugar em termos de necessidades escultóricas, os arquitetos
se aborrecem. Pois seu conceito de espaço está sendo não apenas transformado, mas na maior parte dos casos criticado. ” (WISNIK, 2012)
A estrutura sensorial da cidade, composta por acontecimentos não orquestrados, pelo convívio social entre os mais diversificados tipos de indivíduos, pelas manifestações culturais e políticas, juntamente com um emaranhado de ações e acontecimentos espontâneos, permite que a arte estabeleça uma interação mais profunda e diversa com os lugares e as pessoas. As artes possuem um papel ativo na construção do mundo, criando outras geografias por não se conformarem em apenas apresentar uma outra imagem possível de cidade, de um lugar. Elas percebem a força poética dos lugares e extraem o sublime da rotina, fazem surgir aquilo que ninguém vê. São construídas ali, configurando uma produção rica em novas imagens da cidade, capazes de nos fazer refletir sobre as paisagens que compõem a cidade. Cada imagem é a própria criação de um espaço outro, pois é no momento em que a imagem coloca em desvio aquilo que era
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15. Neu NationalGalerie, Berlim
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16. Galeria Leme, SĂŁo Paulo
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habitual que o espaço se torna o inesperado e abre-se para todas as possíveis espacialidades. A obra “Tilted Arc” de Richard Serra exemplifica claramente essa relação imposta entre obra e fluxo. Criando uma experiência sensorial e de percepção do espaço muito mais rica do que a simples contemplação estética. As relações entre obra e espaço, particularmente inerentes a essa obra, decorrem da inquietação e provocação por ela causada, uma vez que ultrapassa a constituição formal e material.
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Tendo em vista a instalação da obra em meio a uma grande praça, a Federal Plaza em Manhattan, dotada de um intenso e consolidado fluxo de pessoas e cercada por grandes avenidas, a escultura insere uma estranheza à medida que quebra a dinamicidade rotineira, impondo uma barreira, não apenas visual, mas física. Assim, acaba interferindo no modo com o qual os indivíduos, antes acostumados com as rápidas e superficiais dinâmicas de influência mútua, interagem e se relacionam com o local. Aplicando o conceito de obra site-specific, um modelo que considera as dimensões físicas do lugar, entende e estabelece uma relação direta com a vida e com a realidade, tomando, muitas vezes, a
cidade como lugar intermediário dessas relações. O grande objeto escultórico em aço cria uma curva que contraria o desenho do piso, estendendo seus mais de 36 metros de envergadura a fim de criar um obstáculo, uma barreira física que abre perspectiva para outras ordenações visuais e para a criação de um novo contexto. A inquietação estimulada por Serra através desse elemento implantado em um espaço público como esse, no qual são exploradas todas as dimensões – física, cultural, política, social- , é despertada junto com a curiosidade do indivíduo para novas experiências espaciais, determinando as reações diante da obra ao elaboram um novo contexto de espaço.
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17. Tilted Arc, Richar Serra
“É preciso conceber novos museus fora dos limites estreitos e de prescrições da museologia tradicional, organismos em atividade, não com o fim estreito de informar, mas de instruir, não uma coleção passiva de coisas, mas uma exposição contínua e uma interpretação de civilização” (BARDI, Pietro M. 1951) A adoção de espaços da vida cotidiana revela a vontade de reaproximação entre o sujeito e o mundo. Esse novo lugar, conquistado pela arte, não seria possível caso não fosse a Revolução Industrial, que conduziu a uma progressiva substituição da mão-de-obra artesã pela proletária e pelo trabalho mecânico em vista da produção em série.
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Os objetos produzidos pela indústria, com sua característica de indistinção, tornaram-se cada vez mais distantes dos produzidos pelas mãos de um artista. Nesses se pode encontrar claramente traços distintivos a separar as obras de um autor das de outro, ou mesmo a separar uma obra de outra em um mesmo atelier. Cada uma delas é um objeto único, marcado pelo mistério da genialidade, esse atributo do inominável, que passou a distinguir a criação artística. Especialmen-
te na França nas décadas seguintes à Revolução Francesa, surgiu o que designamos como o espaço de “publicitação” da arte, um neologismo que une as ideias de espaço público e laico, e de exibição. A arte pública tem papel relevante neste processo, tendo-se em vista a sua inserção na cidade e a sua relação direta e imediata com as pessoas. Estas obras-manifestações não possuem o seu valor estético aderente à forma, mas sim à sua condição de acontecimento-efêmero, em que a participação do público se faz muitas vezes relevante e, simultaneamente, imperceptível. A arte pública interage de tal modo com a realidade da cidade e os seus fluxos que não é percebida como tal. A desmaterialização da arte é fruto das reflexões contemporâneas sobre o seu papel e lugar. A cidade como lugar da vida cotidiana, do coletivo, do fluxo de ações, dos acontecimentos e temporalidades e da acumulação histórica, oferece uma reflexão estética ao se converter em parte das obras-manifestações de arte pública.
“Quando a Arte deixou o Museu em busca de um público maior, tornou, consequentemente, e de forma mais
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incisiva, ‘pública’ a presença da arte e do artista. O artista ‘público’ contemporâneo trabalha in situ, ou seja, analisa meticulosamente as condições do lugar (a escala, o usuário e a complexidade do contexto), visto que o sucesso da obra depende da recepção do observador. Com isto, o artista ampliou seus meios e passou, também, a construir incorporando novas fontes de referência como a ciência, a biologia, a construção, a iluminação, a decoração, o som, a moda, o cinema, os computadores etc. A transição das instalações efêmeras para as construções permanentes estabelece aproximação com a arquitetura, principalmente no que se refere ao modo de conceber o espaço e a sua psicologia de uso. Os limites entre a Arte e a Arquitetura tornam-se difusos à medida que, tanto uma quanto outra, inspiram-se na experiência física do sujeito determinada pela natureza do lugar. A Arquitetura sempre foi, por definição, pública, contudo, as transformações contextuais dos últimos vinte anos levaram esta disciplina a um processo de adaptação (tal qual a Arte) ”. (CARTAXO, 2006)
A ruptura com determinados condicionamentos da arte moderna e a adoção de novas posturas e procedimentos, baseados na experimentação do território e nas experiências sensoriais possíveis, fizeram inaugurar, na década de 1960, o que hoje entendemos por arte contemporânea.
Os espaços institucionais (galerias, museus etc.) passaram a ser vistos como modelos ideais que expressavam a si mesmos colaborando no distanciamento entre o espaço da arte e do mundo exterior. Daniel Buren acreditava que qualquer trabalho, independe do local em que está exposto, é contaminado pelo lugar, portanto, de acordo com o artista, se ele não enfrenta e considera tal influência converte a obra num modelo autorreferente. Para Buren, a arte é, antes de tudo, política, existindo a partir da consideração dos seus limites formais e culturais. (CARTAXO, 2006)
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Metaforização do espaço da arte na cidade através da obra literal de Alexey Kondakov. A gritante ironia brinca com o imaginário metafísico, trazendo a arte “culta” para um cenário não usual, a qual reconhece e é reconhecida pelo meio urbano, estabelecendo uma nova possibilidade de identificação. Ao analisar a inserção sob uma ótica dadaísta é possível estabelecer uma relação de identidade crítica, ou seja, o conceito de arte pela arte, desconstruído por Andrè Breton “qualquer objeto pode ser elevado ao patamar de obra de arte por mera escolha do artista, e apenas adquire esse status pelo meio em que está inserido” (tradução livre do Dicttionàire Abrégé du Surréalisme)
18. The Daily Life Of Gods, Alexey Kondakov
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Com a possibilidade de alterar fluxos, e criar novos pontos de vista, a inserção da galeria colaborativa no espaço aberto, propicia não só uma interação mais direta entre público e obra, mas cria novas dinâmicas; além de inserir uma pausa no contexto urbano. O térreo do terreno onde se encontra essa galeria, é deixado completamente aberto, permitindo a interação de pessoas com o local a qualquer hora do dia; usufruindo dessa característica diversificada da rua, os diferentes usos em diferentes horários, no mesmo local.
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3.
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3.
permanecer [o indivĂduo modifica a cidade de acordo com suas necessidades, seja no âmbito pĂşblico ou privado]
ser urbano
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Apenas se conhece verdadeiramente a cidade quando nela se perde. O ato de percorrer a cidade sem rumo definido, por caminhos que não rotineiros, ou mesmo desconhecidos, enriquece a experiência sensorial de se vivenciar o trajeto. A cidade é passível de ser interpretada e reinterpretada diversas vezes pelos indivíduos. Essas possibilidades só se dão devido às reflexões e modificações que extrapolam o meio físico que a abrange. É por meio de errâncias e derivas que a leitura da cidade vem a se tornar mais rica, e o indivíduo mais pertencente. No território está inscrita a condição humana
dos habitantes de uma cidade. Narrativas espaciais da realidade social que contĂŠm.
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vazio
Ao crescer de forma desordenada e aleatória, é possível identificar na cidade diversos espaços que compõem vazios. Esses, também formados pelos esvaziamentos e abandono de construções, acabam por se tornar pontos chave na reestruturação de áreas degradas por possuírem potencial no desenvolvimento do novo. Sob a forma de apropriações, esses vazios tomam forma sem perder sua memória. A ausência de uma ocupação funcional e interesse social sugere que estes espaços sejam caracterizados como ociosos na cidade, como uma ausência do espaço construído. São essas reminiscências urbanas que, compostas com os espaços construídos, criam o desenho da cidade, instituindo equilíbrio.
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Dotados de diversas características únicas e de possibilidades nem sempre identificáveis
a uma primeira leitura, muitos destes espaços carregam valores como localizações estratégicas na cidade, além de uma série de símbolos constituído, por exemplo, pelos fatos ocorridos ali. Este é o espaço que se faz necessário: o comunitário. Espaço de pensamento e de encontro dos mais variados grupos que compartilham de valores e se expressam dentro dessa visão contemporânea de sociedade, no imaterial. A infinidade de composições e situações do imaginário tecem possibilidades para ocupações efêmeras, atendendo a essa flexibilidade temporal. Os usos de espaços vazios transformados de forma inusitada, possibilitando com que sejam praça e lugar de encontro, quebram o paradigma de desenho único, estático e funcional da cidade. Quando projetados, esses vazios assumem um papel como parte integrante da cidade, como um lugar que se modifica com o tempo e de acordo com as necessidades, como um espaço que pode ser utilizado por todos, ou seja, com um espaço no qual pode haver uma maior interação da população. 101
respiros urbanos
A cidade, que é espaço para ser vivido coletivamente, é palco dos experimentos sensoriais, que afetam ativamente o comportamento afetivo dos indivíduos. Essa fusão de arte e cidade proporciona comportamentos alternativos, donde vermos que a utilitas pode dar lugar ao ócio, elevando a arte para fora do patamar banal na cidade e oferecendo aos artistas uma nova possibilidade de agir sobre a ela.
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O movimento situacionista, com sua teoria da psicogeografia, sugere uma investigação psicológica dos ambientes da cidade através de caminhadas feitas à deriva, muitas vezes com o “auxílio” de mapas impossíveis e absurdos. A experiência psicogeografica é diretamente ligada ao ato da deriva e através desta o indivíduo se aproxima da cidade de forma lúdica, usando o espaço de forma coletiva e para o próprio aprazimento.
Os princípios da deriva situacionista buscavam a construção de novas territorialidades através do nomadismo, como forma de manifestação ante a monotonia da vida moderna, visando a participação ativa de todos os indivíduos. O meio urbano possui papel fundamental nesse movimento, uma vez que é este o território da ação e da produção de novas formas de intervenção. Estamos aqui, note-se bem, diante de um modelo de apreensão urbana através de experiências efêmeras, tais como a psicogeografia e a deriva. Essas caminhadas previam a criação de uma “cartografia cognitiva”, ou seja, a produção de mapas demarcando lugares que possuem significados especiais para cada um. O experimento criado por Guy Debord intitulado Naked City, na cidade de Paris em 1957, propunha um entendimento e experimentações outros da cidade. Era o que se buscava na realização de uma cartografia subjetiva, idealizada por meio de recortes desconexos em preto e branco da malha da cidade com indicações em setas vermelhas de possíveis conexões entre esses diferentes fragmentos,
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com distâncias criadas e imaginadas. Colocadas de forma aletória nesse novo mapa, esses fragmentos explicitam o ideal de deriva, da urgência de uma vivência mais profunda e cognitiva, do que é puramente espacial.
“A brusca mudança de ambiência numa rua, numa distância de poucos metros; a divisão patente de uma cidade em zonas de climas psíquicos definidos; a linha de maior declive – sem relação com o desnível – que devem seguir os passeios a esmo; o aspecto atraente ou repulsivo de certos lugares; tudo isso parece deixado de lado. Pelo menos, nunca é percebido como dependente de causas que podem ser esclarecidas por uma análise mais profunda, e das quais se pode tirar partido. As pessoas sabem que existem bairros tristes e bairros agradáveis. Mas estão em geral convencidas de que as ruas elegantes dão um sentimento de satisfação e que as ruas pobres são deprimentes, sem levar em conta nenhum outro fator” (DEBORD, Guy. ab JACQUES, P. B., 2003) 104
A crítica situacionista questiona a posição
modernista, que ignora a função psicológica das cidades. O moderno de reconheceria por construções que são meros objetos, que cercam os lugares de forma homogênea em uma concepção estática e não participativa. A cidade, fluxo de velocidades, monotonia e homogenia, já teve sua face transformada pelo movimento Dadá com a intenção de desmascarar a farsa da cidade burguesa e provocar a cultura institucional. Mas há, entretanto, uma mudança na escala de preocupação da prática situacionista, que se interessa em ultrapassar os padrões existentes da arte moderna, propondo uma migração para o entendimento de que a integralidade da arte buscada só poderia ser alcançada no meio urbano, onde existe a espontaneidade das motivações comportamentais e atos não coreografados.
“Inventamos a arquitetura e o urbanismo que são irrealizáveis sem a revolução da vida cotidiana; insto é, sem a apropriação do condicionamento por todos os homens, para que melhorem indefinidamente e se realizem” (VANEIGEM, R e KOTÁNYI, A ab JACQUES, P. B., 2003)
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19. Naked City, Guy Debord
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A cidade passava então a ser vista como uma rede de relações diacrônicas e sincrônicas, na qual o lugar aparece no corte estrutural de espaço e tempo como condensação simultânea de vários tempos e valores históricos. Daí a discussão passava inevitavelmente à questão tipológica, ou seja, às invariantes arquitetônicas ao longo da história e às suas relações com a morfologia urbana, com a configuração do lugar, o qual, embora represente um corte horizontal no processo de transformação da cidade, surge como se fosse um eixo rígido: organiza essas relações, dando-lhes sentido. O verdadeiro avanço é feito pela descontinuidade, pela desarticulação, mas ele tal aspecto só se define enquanto tal em relação a algo, isto é, em relação à sedimentação histórica do presente.
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hipรณteses
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projeto
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O terreno, proveniente da desapropriação de um mini mercado e um estacionamento, rasga o miolo de uma das mais extensas quadras dessa região. Contando com o pouco desnível de terreno – de apenas 1 metro de diferença entre as calçadas – aquilo que é idealizado se volta para a promoção de encontros através dos fluxos de pessoas, ou seja, ganhando força na imaterialidade com a manutenção do térreo predominantemente livre, o qual deve ser ocupado apenas por acessos e pela presença da estrutura metálica que suporta os blocos superiores.
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De uma ponta à outra, é possível caminhar através do bloco mais expressivo, a biblioteca vagão com 105m de comprimento e a 7,5m de altura do nível da rua, e que compreende, no seu pé direito de 10m, dois pavimentos, interligados por uma rampa externa. Rampa essa, levemente descolada do edifício, e que também é lâmpada, por ser inteiramente translucida. No espaço interno compreendido pela biblioteca, é possível se ter visuais para o conjunto do projeto e para a rua, através dos recortes proporcionados pelos caixilhos piso-teto. Apoiado transversalmente neste, está o bloco que abriga os ateliês, com grandes portas divisórias que permitem a livre disposição do espaço, tornando-o mais versátil.
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Na porção voltada para a rua Frei Caneca, disposto paralelamente ao bloco da biblioteca, com proporções reduzidas se a ela comparado, encontra-se o bloco que abriga a galeria de arte experimental; essa conta com 4 pavimentos, sendo o térreo, com um pé direito de 7,5m, ocupado pelo acesso e um café, que se espraia para fora do bloco incorporando-se à passagem. No subsolo, um auditório para 160 pessoas com camarins e foyer que se
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abre para a praça formada. Essa, pode ainda valer-se da área do projeto como foyer ou como teatro aberto experimental. Ainda no subsolo, conta-se com um espaço para cursos. O ideal deste tipo de espaço é possibilitar o livre fluxo de pessoas e introduzi-las à arte que por sua vez estará entrelaçada com o meio urbano. Objetiva-se criar novas interações através da produção cultural, além de proporcionar um espaço plural para que esta produção seja realizada.
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considerações finais
As sobreposições dos extratos da cidade acabam por ser absorvidas de forma superficial, rasa e inerte, por já não existir o tempo necessário para a compreensão de suas camadas compositivas. Porém, é possível passarmos a compreender a cidade de forma diferente ao diminuirmos a velocidade, já que se torna possível uma melhor compreensão do meio que nos circunda, e uma absorção mais clara dessas diversas camadas do território.
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As interações sociais provenientes desse afastamento da velocidade, colaboram para o entendimento da sociedade, e consequentemente, da cidade. Uma vez que a cidade é fruto de uma rede compositiva, dotada de espaços, nem sempre tão óbvios e que muitas vezes, são difíceis de ser determinados e identificados. Todavia, são respiros destinados ao convívio, ao encontro e o estimulo
do ócio. A inserção da arte como elemento modificador desse meio altera as percepções rotineiras e abre uma nova perspectiva para o espaço, alterando fluxos e reativando o território. É possível que essas modificações interfiram de forma ativa na vida dos indivíduos, e sejam possivelmente necessárias; a fim de tornar o ato de olhar passível de uma compreensão mais ampla de todos a complexidade, fazendo com que o indivíduo seja novamente parte pertencente e modificadora daquele local.
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arquivo
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