A fita azul como símbolo da luta da comunidade surda Alejandro Oviedo
Durante vários anos, vários grupos da comunidade surda, especialmente nos países que se fala a língua inglesa (Estados Unidos, Austrália e Inglaterra) vem utilizando uma fita azul como identificação. O seu uso foi proposto formalmente durante o XIII Congresso Internacional da Federação Mundial de Surdos ", realizado na cidade de Brisbane, Austrália, entre 25 e 31 de julho de 1999. No encerramento do evento foi realizada uma cerimônia, conhecida como The Blue Ribbom Ceremony (“Cerimônia da Fita Azul”), que reuniu em um palco sete pessoas, surdas e ouvintes, em um ritual comemorativos às línguas e culturas das pessoas surdas. Cada um dos participantes assinou um pedaço de texto escrito por Paddy Ladd, inglês, teórico da cultura surda e ativista. Vou citar aqui o que foi proposto, então, depois de algumas linhas sobre o que tem o símbolo em questão.
significado
A fita como símbolo No mundo todo se utiliza uma fita vermelha dobrada como símbolo da campanha contra a propagação do HIV (AIDS) e atenção especial às pessoas que tenham contraído esta doença. A adoção da fita azul pela comunidade surda está relacionada com esta iniciativa. A cor azul há muito tempo foi adotada pelos surdos franceses, próprio desta comunidade. Essa escolha tem uma razão histórica: o governo nazista usou de 1933 à 1945, para identificar pessoas surdas suspeitas de portar o Gen da surdez. Segundo uma lei aprovada na Alemanha em 1933, todas as pessoas transmitiram aos seus descendentes algum tipo de doença, eram obrigados a esterilizar-se (entre muitos outros, mais de 15.000 surdos tiveram este destino)1 . Nos Estados Unidos foi fundada também, por iniciativa de organizações do Estado de Indiana (o único estado deste país que favorece a educação bilingue para os Surdos), um movimento chamado A Liga da fita azul2, que reconhece e monitora os trabalhos de escolas para crianças surdas neste país. A fita azul não é apenas utilizada pela comunidade surda. Numerosas organizações de ativistas políticos também elegeram como símbolo. Entre eles há grupos que lutam contra a censura no ciberespaço3 (espaço sideral), grupos pacifistas dos estadounidenses contra a guerra
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As leis sobre esterilização forçada (não somente em casos de doenças transmissíveis geneticamente, mas também nos casos de pessoas com problemas de criminalidade ou de comportamento social violento, por exemplo) não foi uma invenção dos nazistas, nem se limitaram a este período obscuro da história na Europa: desde o Século XIX vários Estados no E.UA (mais de 25 deles, segundo Mirzoeff, 1995) têm leis federais contudo vigentes e muito semelhantes às que foram apresentadas no âmbito do rigor do governo de Hitler. Também teve nos países escandinavos (onde se aplicava porém há duas gerações) e estão em vigor em muitos outros lugares do mundo. 2
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Ver http://www.indygov.org/eGov/Mayor/Education/Education_Award/recipients_2002.htm Ver http://en.wikipedia.org/wiki/User:Piecraft
no Iraque4 e associações contra abuso infantil5, entre muitos outros. Entre eles está o denominador comum de base e desigualdades contra o abuso de poder.
A Cerimônia da Fita Azul Melhor que adicionar mais comentários é permitir que o leitor leia por si próprio o que foi dito durante a referida cerimônia. Para isso vou traduzir e transcrever o texto na íntegra apresentado lá. A versão que estou traduzindo é o texto em inglês original, escrito por Ladd. A cerimônia foi realizada em Língua de Sinais Internacional (International Sign). Existe uma versão em vídeo, com legenda em inglês, que pode ser adquirido através da Associação de Surdos em Brisbane, na Austrália (os dados sobre o seu site se encontram abaixo nas referências): Cenário: Um grande auditório onde se encontram milhares de pessoas surdas e ouvintes de mais de 80 países diferentes. Foi solicitado a todos os intérpretes de língua de sinais que saíssem do palco .O que segue é explicado, será apresentado em Língua de sinais internacional, a fim de que cada um dos participantes possam compreendê-lo. As luzes se reduzem e, em seguida, entram na sala sete figuras, carregando velas acesas. As telas de vídeo localizadas atrás do palco nos permitem acompanhar a evolução das pessoas e a subseqüente narração. As telas localizadas nas laterais do palco também permite acompanhar de perto o que acontece. As sete figuras são dispostas em um semicírculo. Cada uma delas, por turnos, caminha ao até o centro do cenário e quando termina de recitar sua peça, retorna ao seu lugar na sombra. Cada narrador traduz seu próprio fragmento do texto original, que foi escrito em Inglês e transcritas em seguida: Narrador 1 (Colin Allen): Conseguimos nos reunir esta semana para comemorar as nossas vidas e nossas comunidades surdas. Eles testemunharam que agora está diante dos nossos olhos, surdos de todas as partes do mundo, de todas as idades e de todas as raças, esta diversidade reunida em união. Celebramos com orgulho nossa história, nossas artes e nossas culturas. E vamos festejar a nossa sobrevivência. Apesar das adversidades e da opressão ainda estamos aqui e somos mais fortes do que antes. Mas é preciso recordar o que significa estar unida aqui, viva, como uma parte da colorida diversidade da raça humana. E lembre-se que muitos de nós e nossos antepassados foram vítimas nas mãos daqueles que acreditavam que não deveríamos estar aqui. Também estamos aqui para lembrá-los. Narrador 2 (Libby Pollard): Lembramo-nos daqueles surdos que foram confinados em clínicas psiquiátricas simplesmente porque eram surdos, e foram condenados a permanecer isolados e sem comunicação para o resto de suas vidas. E lembremo-nos também aqueles surdos com os quais foram realizadas experiências para convertê-los em ouvintes, uma prática que todos sabem, está surgindo novamente, ganhando força a cada dia, de modo que, em alguma parte do mundo, neste exato momento, estão sendo feitos experimentos com outra criança surda 4 5
Ver WWW.troopsRibbon.com Ver WWW.preventchildabuse-ri.org/
. Narrador 3 (Hank L. Stack): Lembramo-nos daqueles surdos vítimas da educação oralista, que lhes foi negado suas línguas de sinais e o direito a ter professores surdos, e em lugar forçá-los a ouvir e a falar, uma realidade que sofrida pela maioria dos que estão aqui. E lembramos todos aqueles que sofreram e estão sofrendo lavagem cerebral para semear o medo de aproximar-se das comunidades surdas e foram rejeitados em busca de obter um lugar no mundo ouvinte, como pessoas ouvintes, e não conseguem, e desse modo passarão o resto de suas vidas no isolamento. Recordamo-nos as constantes tentativas de eliminar ou evitar nossos nascimentos, a fim de impedir os surdos que se casem entre si, através da esterilização forçada. Estamos todos conscientes de que este fantasma não desapareceu com o nazismo, mas ganhou forças novas através da sedução imoral da engenharia genética. Narrador 4 (David Wallace e Levi): Lembramo-nos daqueles surdos que foram separados de suas famílias pelo oralismo. Lembramo-nos do sofrimento dos nossos pais ouvintes, com seus cérebros lavados e confusos, incapazes de comunicar-se com seus próprios filhos surdos. E também de lembramo-nos dos nossos próprios filhos ouvintes, que sofrem cotidianamente a opressão que deriva de serem pertencentes à famílias surdas. Recordamos com a responsabilidade de ter que traduzir cotidianamente para seus pais ouvintes e viam-se obrigados a amadurecer demasiadamente rápido, em um mundo que não reconhece a sua própria identidade. Narrador 5 (Laurène Gallimore): Mas, enfatizamos a importância de estarmos aqui reunidos! Oferecemos ao mundo um exemplo dos cidadãos Surdos de todo o mundo. Nossas línguas de sinais são possíveis uma comunicação em todo o globo, para além das fronteiras do nacionalismo estreito. Estamos em nossa surdez, e somos fortes e positivos como pessoas surdas. Narrador 6 (Liisa Kaupinnen): Estas experiências e crenças nos reúnem sob o símbolo da fita azul. A fita representa a memória de todos aqueles que sofreram opressão. E azul era a cor atribuída aos surdos pelos nazistas. Encorajamos a todos vocês a portar a fita azul no regresso as suas casas e disseminarem esta mensagem por todo o mundo, através das suas próprias maneiras, em suas próprias associações, em suas próprias escolas. Levem esta mensagem aos meios de comunicação, a fim de que seja divulgada rapidamente. Portar a fita azul é dedicarse a vocês mesmos, não somente aqueles que sofreram mas também aqueles que estão sofrendo agora. E é dedicar-se a si mesmo a lutar para terminar com essa opressão, por todas as crianças surdas do mundo e os outros que ainda virão. No final, os narradores se deslocam para o centro do palco em um semicírculo fechado, com a criança surda (que é um dos narradores) situado no meio e na frente. Após uma breve pausa, todos olham para a criança. Fazem uma pausa e então olham para a platéia. Mantém por um instante o olhar e logo se retiram. (Ladd, 2003:469-471) Abaixo o esboço de um comentário escrito por pessoas surdas que assistiram o Congresso:
Velas foram acesas, as luzes se apagaram. Nossa história foi feita, começando assim com a opressão dos surdos. Fomos forçados aprender a falar e proibiram a língua de sinais. Era esperado de nós, que assimilássemos o mundo ouvinte e isso nos isolou. Mas nos surdos são sobreviventes. Podemos nos comunicar uns com os outros através da língua de sinais, não importa de onde viemos. Somos fortes e estamos nos fazendo mais fortes. Os nazistas utilizaram a cor azul para identificar os surdos, e agora estamos usando a fita azul como símbolo da nossa diversidade e nossa união. A fita azul lembranos a manter nossa luta por nossos direitos. A cerimônia foi muito comovente, que quando terminou era difícil conter as lágrimas (Natalie Mundy e Karen Lloyd 6 6).
Referências
Ladd, Paddy. 2003. Understanding Deaf Culture: In Search of Deafhood. Sydney: Multilingual Matters. Mirzoeff, N. 1995. Silent Poetry. Deafness and Visual Culture in Modern France. Princeton: Princeton University Press. Website de la comunidad Sorda de Brisbane, Australia: http://www.deafnation.com/
Tradução feita por Irene Lagranha
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6 http://www.deafnation.com/coverage/wfd1999/blueribbonceremony.html