A Menina que Viu Deus

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ʘ Existe no Oceano Pacífico uma ilha feita de duas montanhas. É como se alguém tivesse colado dois grandes montes de terra no meio do mar. A maior chama-se Tristeza e a menor, Alegria. ʘ



ʘ Dizem que há muitos anos atrás a Alegria era maior e mais alta que a Tristeza. Dizem também que, por causa de um terremoto, parte da Alegria caiu no mar e afundou, deixando a montanha do jeito que está hoje. Ninguém sabe se isso é mesmo verdade. ʘ



ʘ Verdade é que ao pé desses dois cumes, exatamente onde eles se encontram, moram uma menina chamada Aletéia e sua avó. Aletéia e a avó são como as montanhas: duas pessoas que estão sempre juntas. ʘ



Hoje Aletéia é menor, mais baixa que sua avó; acontece que daqui a algum tempo, ninguém sabe quando, Aletéia vai acordar e estará mais alta que a avó. Aletéia vai crescer e eu acho que, quando esse dia chegar, elas ainda estarão juntas. Igual às montanhas da ilha. Um dia Aletéia perguntou: “Vovó, quem fez o mundo?”, e sua avó respondeu: “Deus”. - “Todo ele?”.


- “Sim, todo”. - “Sozinho?”. - “Sim, sozinho”. ʘ



Aletéia saiu da sala com aquela conversa na cabeça. Não estava convencida. Pensou muito a respeito do assunto. Para raciocinar melhor, saiu para caminhar e caminhou muito pela ilha. Pensava sozinha, pensava em voz alta e começou a dividir seus pensamentos com as coisas que lhe apareciam pelo caminho: folhas, árvores, pedras, formigas, grilos, etc. Deus tinha criado o mundo sozinho?



ʘ Até que depois de muito discutir com as pedras, com as árvores, com o rio e com os sapos da ilha, Aletéia disse à avó: “É mentira. Deus não fez o mundo”. ʘ



A avó assustou-se: “E porque você acha que não?”. - “Porque deus não existe” – respondeu a menina. - “Não?". - “Não”. - “E como você sabe?”. - “Eu não o vejo em lugar nenhum e eu já olhei por tudo”. - “Nem uma pista?”. - “Nada”. A avó pensou um pouco e perguntou: “Se você o ver, vai acreditar?”.


- “Sim” – respondeu Aletéia, porque as crianças sempre querem acreditar nas coisas bonitas, desde que façam algum sentido. - “Então, amanhã vou levá-la para ver Deus”. Ao ouvir essas palavras o rosto da menina se iluminou. - “Verdade, vovó?”. - “Sim”. - “Promete?”. - “Prometo”. Aletéia quase não conseguiu dormir pensando em


como seria Deus, sua pele, seu rosto, seu cabelo. Pensou que talvez não fosse gente, fosse bicho, mas achou doidice. Provavelmente era grisalho e barbudo. Imaginava-o com vários braços e várias mãos e vários dedos para conseguir fazer tudo o que existe no mundo. Deus provavelmente tinha asas e voava. Talvez tivesse olhos na nuca e nas palmas das mãos para cuidar de tudo, sempre.


AletĂŠia queria saber como era a voz do Criador, porque desejava fazer-lhe algumas perguntas. Imaginou mundos e fundos atĂŠ cair no sono.



No dia seguinte acordou bem cedo e sua avó lhe perguntou: “Está pronta para ver Deus?”. - “Sim!”. - “Então vamos” – apressou-a a avó – “Nós temos que subir a montanha”. - “Qual delas?” – quis saber Aletéia, que era um pouco preguiçosa e não gostava de ficar subindo montanhas. - “A Tristeza”. - “Justo a maior? Por que nós não subimos a Alegria?”.


- “Simples, porque do alto da Tristeza nós vemos toda a Alegria, mas do alto da Alegria nós só vemos um lado da Tristeza. Vamos, Deus está esperando”. Aletéia não entendeu muito bem a explicação, mas seguiu a avó e as duas começaram a subir a montanha. Logo após os primeiros passos a avó perguntou: “De que cor é a Alegria?”. Aletéia olhou para a montanha. Ainda era cedo, fazia


frio e a montanha estava coberta por uma densa névoa branca; além disso, como o sol estava baixo, a sombra da Tristeza cobria toda a Alegria. Então a menina respondeu: - “Ela é branca e cinza”. A avó concordou e continuaram subindo. ʘ



Andaram por mais algum tempo e, lentamente, a névoa foi se dissipando. A Alegria ainda estava sob a sombra quando a avó de Aletéia perguntou: “E agora, de que cor é a montanha?”. A menina olhou para a Alegria e viu que ela estava azulada: - “É azul”. A avó concordou e continuou subindo.



A esta altura Aletéia já estava cansada: “Quando é que nós vamos ver Deus?”. - “Quando chegarmos ao topo. Tenha paciência” – disse a avó. Mas as crianças são sempre impacientes porque não é fácil aprender a esperar. A menina queria desistir, mas estava curiosa. A avó continuou a subida. Apesar da idade ela parecia ter muito mais disposição e energia que a jovem neta. Por isso


existe um ditado que diz: “A vontade remove montanhas”. Não é a juventude, ou a força, mas a vontade. ʘ



Andaram muito até que o Sol saiu de trás da Tristeza e iluminou a Alegria. Mais uma vez a avó parou e perguntou: “De que cor é a Alegria?”. A montanha, coberta pela floresta, agora estava verde, completamente verde. Aletéia estava um pouco enfadada com aquelas perguntas sobre cores, mas respondeu: “Verde, vovó, a montanha está verde”. A avó concordou e voltaram a andar.



O dia esquentava rapidamente, então as duas acharam melhor parar um pouco para comer. - “Vovó, o que Deus está fazendo lá em cima?”. - “O mesmo que ele faz em todos os outros lugares”. - “Se ele faz a mesma coisa em todos os lugares, porque nós temos que escalar a Tristeza?”. - “Para você enxergar melhor”.


- “E por que você fica me perguntando a cor da Alegria?”. - “Para acostumar os seus olhos”. Aletéia finalmente parou de fazer perguntas e comeu o seu lanche. Pensou que talvez Deus fosse colorido. Já passava do meio-dia quando voltaram a caminhar. De novo a avó perguntou: “De que cor é a Alegria?”. Agora, com o sol a pino, as cores eram evidentes.


- “Continua verde” – foi a resposta de Aletéia. - “E quantos tons de verde você consegue ver?”. Aletéia parou, prestou atenção e viu que existiam muitos e muitos tons de verde cobrindo a Alegria. Verde claro, quase branco, verde amarelado, verde alaranjado, verde azulado, verde avermelhado, verde verde, verde escuro, quase preto verde musgo, verde amarronzado... Era tanto verde


que seu confundia.

cérebro

ʘ

até

se



A menina nunca havia percebido como as cores mudavam e como elas eram tão diferentes durante o dia. A avó e a neta só foram chegar ao topo da montanha no final da tarde. Lá em cima a avó perguntou qual era a cor da Alegria. O Sol já estava quase se pondo e Aletéia viu que a montanha estava avermelhada. A avó concordou.



Então Aletéia, vendo que estavam sozinhas ali no alto da Tristeza, perguntou: “Onde está Deus, vovó?”. - “Antes de eu te mostrar onde Ele está, você tem que me responder mais uma coisa”. - “O quê?”. - “Qual é a verdadeira cor da Alegria?”. - “Não sei” – disse – “depende da hora do dia”. - “Então, qual é a cor do dia?”.


Aletéia não sabia a resposta, porque o dia não tinha cor, mas também tinha todas as cores. - “Deus é como a cor do dia” – disse a avó – “Nós não enxergamos, mas por causa dela vemos tudo ao nosso redor, porque ela está em todos os lugares, mostrando tudo”. Aletéia entendeu: Deus era luz. Não a luz do sol, mas a luz da alma e do coração. Veio a noite e, enquanto olhava para o céu estrelado,


Aletéia enxergou Deus em cada uma das estrelas. Sua avó cumprira a promessa e a menina, agora, acreditava que o mundo era feito por Deus. ʘ



Na manh達 seguinte desceram a Tristeza e puderam ver toda a Alegria.



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