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ANDRÉ SARDET MÚSICO “Basta viver compor”para
pouco mais do que um simples concerto, mas sim uma grande parte da minha vida e algo que me deixa muito feliz. Embora nunca tenha estado em Macau, tenho familiares próximos que viveram lá muitos anos e tenho um universo imaginário em torno de Macau. A minha tia paterna, por exemplo, casou em Macau e eles traziam-me uns brinquedos incríveis de lá. Tenho esse mistério, de como será Macau e o que vou conhecer e encontrar.
Começou a sua carreira nos anos 90, contando com muitos êxitos que ainda passam nas rádios portuguesas. Que balanço faz?
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É positivo, valeu a pena. Se assim não fosse provavelmente não tinha chegado aqui. Nem todos os anos
“O que vou levar a Macau é um pouco mais do que um simples concerto, mas sim uma grande parte da minha vida e algo que me deixa muito feliz.” ou momentos foram tão felizes como gostaria, porque toda a gente que tem uma carreira quer ter sucesso e reconhecimento, e infelizmente durante alguns anos isso não aconteceu, mas a certa altura houve uma grande viragem na minha carreira e tenho tido muito boas experiências. Tenho sentido o carinho do público desde o momento em que as coisas aconteceram.
O que levou a que essa viragem tenha acontecido?
Aconteceu quando uma série de músicas que tinha, e em relação às quais eu achei que não tinha sido feita justiça, por não terem sido reconhecidas, foram gravadas num álbum ao vivo em Coimbra, no Teatro Académico Gil Vicente, e depois teve oito platinas, o que faz deste álbum o mais galardoado dos últimos 17 anos. Foi um álbum que ficou na história, pois fez com que músicas como “Foi Feitiço” ou “Quando eu te falei em amor” tenham passado muito na rádio. “Foi Feitiço” foi a música mais tocada na década de 2000 nas rádios portuguesas, de entre músicas portuguesas e estrangeiras, o que é um feito que só descobri há pouco tempo. Mas eu não quero viver só do passado e este álbum dos 25 anos é exactamente um olhar para a frente. Quero que novas músicas cheguem a um novo público e às pessoas que já me acompanham há algum tempo.
Daí o nome do novo álbum, “Ponto de Partida”? É uma nova fase da sua carreira?
No fundo é dizer que é uma prova de vitalidade criativa. Tinha duas opções: ou gravava um “Best Off” olhando para trás ou olhava para a frente. Encontrei um equilíbrio que foi regravar três músicas, mas
“Tinha duas opções: ou gravava um “Best Off” olhando para trás ou olhava para a frente. Encontrei um equilíbrio que foi regravar três músicas, mas olhar para a frente, e dizer que estou aqui para continuar.” gerações que tenham talento. Fui buscar uma pessoa que homenageei no primeiro álbum, o Jorge Palma, para cantar “O Azul do Céu”, gravada também no meu primeiro álbum, e se calhar não o fiz antes por timidez ou porque achava que ele não ia aceitar, mas o que é facto é que ele aceitou à primeira. Foi muito agradável cantar com ele. Passou há dias uma reportagem na televisão sobre esse momento e aquilo que ele diz sobre mim é algo que me deixa muito feliz. A Carolina Deslandes é das pessoas da nova geração com mais talento. Além de cantar muitíssimo bem é uma cantora de canções que eu respeito e admiro. Mas fui também buscar uma cantora emergente, a Bianca Barros, com quem gravei um tema. algumas músicas em casa para brincar com a minha filha e onde entravam personagens inventadas. A verdade é que isso resultou num conjunto de canções que achei que fazia sentido partilhar com o público porque sou um bocadinho autobiográfico a compor, nem sempre, e não escrever sobre uma das fases mais bonitas da minha vida era estranho. olhar para a frente, e dizer que estou aqui para continuar.
Voltando ao início da carreira, quando percebeu que a música era mesmo o seu caminho? Foi quando comecei a compor. Aí senti que não era só cantar, mas sim uma forma de comunicar, de chegar às pessoas, de as tocar, e isso teve uma importância maior. Decidi aí que ia meter o pé no acelerador.
Neste álbum o André trabalhou com músicos portugueses da nova geração, como é o caso da Carolina Deslandes, mas também com músicos da chamada ‘velha guarda’, como Jorge Palma. É um olhar sobre as duas perspectivas da música portuguesa?
Quando se comemoram 25 anos de carreira obviamente que pensamos nas pessoas que nos influenciaram e que foram referências para nós, e pensamos também nas novas
O single de lançamento do álbum, “Pudesse eu Mudar”. Sim. Quando olho para a Bianca lembro-me como foi começar. Achei que tinha de convidar alguém com talento, mas que não foi ainda suficientemente reconhecido, mas penso que ficará certamente na música portuguesa.
Como foi esse seu início? Sendo de Coimbra, afastado da capital, onde as coisas acontecem, foi mais difícil?
Foi um desafio muito grande e é algo que me faz ter muito trabalho e estar constantemente na estrada. Muitas vezes penso nisso, como seria a minha carreira se estivesse longe de Coimbra, em Lisboa. Não consigo chegar a nenhuma conclusão, porque se calhar não estou tão presente em algumas situações, mas a verdade é que, ao mesmo tempo, guardo alguma distância e tem vantagens. É uma cidade fácil de percorrer, onde tenho os meus filhos, se calhar Coimbra é o meu ponto de equilíbrio. Não ganho umas coisas, mas ganho outras.
Esteve alguns anos sem editar, lançando em 2008 “Um Mundo de Cartão”, mais virado para o universo infantil? Porquê este interregno e esta mudança?
Esse álbum saiu dois anos depois daquele álbum que teve oito platinas, não foi um interregno muito grande. “Um Mundo de Cartão” representa uma fase da paternidade, muito importante da minha vida. Sem pensar que poderia dar um álbum comecei a compor
Como olha hoje para a música portuguesa? Tem novas sonoridades, considera que é mais ouvida pelo público português? Vejo com grande interesse e felicidade. Acho que há uma nova geração de músicos, e como em tudo na vida, nem tudo eu acho bom. Mas isso acontece em todas as gerações de músicos, pintores ou arquitectos. Noto que há muita gente com muito talento, que leva isto a sério e que trabalha muito. Estão a fazer subir a qualidade da música e dos espectáculos. O que é facto é que nós antes da pandemia tínhamos uma quota de música portuguesa [para passar nas rádios] de 25 por cento, e hoje é de 30 por cento. Felizmente, hoje em dia, cada vez temos mais concertos e cada vez estão mais cheios.
“’Foi Feitiço’ foi a música mais tocada na década de 2000 nas rádios portuguesas, de entre músicas portuguesas e estrangeiras, o que é um feito que só descobri há pouco tempo.”
Já disse que na hora de compor é muito autobiográfico. Quais são as suas influências?
Posso ser influenciado por uma história que me contam, por exemplo. Muitas vezes as histórias dão músicas sem que as pessoas saibam disso. São coisas que me inquietam, frases, filmes, ideias de livros que me ficam na cabeça. No fundo, costumo dizer que os músicos têm a capacidade de descodificar, em música, os sentimentos que toda a gente sente. Costumo dizer que basta viver para compor. Andreia Sofia Silva
O primeiro título e os seus muitos significados
A história de Mazu 媽祖, a deusa chinesa dos marinheiros, faz parte do passado de Macau e tem sido repetidamente mencionada na comunicação social local e em publicações académicas. Muitas destas obras discutem a ascensão do culto de Mazu e a história de cada um dos templos que lhe são dedicados. De acordo com os textos tradicionais, o seu culto começou no início do período Song, numa pequena ilha chamada Meizhou 湄洲, perto da costa de Fujian. Ao que parece, esta divindade era então simplesmente conhecida como Meizhou xiannü 湄洲仙女, e / ou por outros nomes, e só recebeu o popularizado nome de Mazu muito mais tarde. Hoje em dia as pessoas também se lhe referem como Tianfei 天妃 e/ ou Tianhou 天 后 (Tinhau em cantonês), mas no presente artigo, por uma questão de conveniência, chamar-lhe-emos apenas Mazu.
Há uma razão simples para chamar novamente a atenção para esta divindade, na presente edição do Hoje Macau: Em 1123, há cerca de 900 anos, o Governo chinês, pela primeira vez, honrou Mazu com a concessão de um título oficial. Isto significa que, desde então, Mazu ascendeu à esfera das divindades oficialmente reconhecidas. Ter-lhe atribuído um título implicou também que o culto local fosse elevado a um assunto de importância nacional. Por outras palavras, o ano de 1123 marcou o crescimento da crença no poder protector de Mazu.
O título concedido a Mazu foi escrito numa prancha de madeira, posteriormente oferecida a um templo local de Fujian. A inscrição consistia apenas em dois caracteres: shunji 順濟. O significado preciso destes dois caracteres permanece vago porque, por si só, aparecem em diferentes contextos e combinações. Shun indica conceitos como “obediência”, “prosperidade”, “conveniência”, etc. De um modo mais geral, contém componentes semânticos, que transportam a ideia de “concordar com”, ou “estar em conformidade com”. Quanto a ji, em muitos casos trata-se apenas de um verbo: “ajudar”, “salvar”, “aliviar”, etc. Por exemplo, podemos traduzir a frase verbo-objecto ji chuan 濟 川 por “atravessar uma corrente” e a ideia subjacente será “resolver uma grande crise”. No Budismo podemos encontrar o termo ji du 濟度, ou “ajudar [alguém] a atravessar [um mar de tristeza] (kuhai 苦 海)”; de novo, num sentido lato significa “ajudar [alguém em perigo]”. “Completar um assunto” pode ser grafado em chinês como ji shi 濟事. Além disso, segundo alguns estudiosos, o termo moderno jingji 經濟 (economia) deriva de jing shi ji min 經世濟民, literalmente “gerir / criação de regras / o mundo e ajudar pessoas”. Sequências relacionadas aparecem nos primeiros textos. Assim, no período Sui (581–618) podemos encontrar a seguinte equação: jingji zhi dao 經濟之道 (a forma de gerir e ajudar) = jing guo ji min 經國 濟民 (governar o país e apoiar o povo). Tomados no seu conjunto, estes exemplos sugerem que podemos de facto associar muitos significados à combinação shunji. Mas, não há dúvida, que implica “a vontade de ajudar”, tanto em sentido genérico, como quando se aplica a “ajudar quem atravessa os mares”. A segunda opção alude à esfera Budista (através do não nomeado “mar de tristeza”), e claro que também pode ser relacionado com o mundo oficial da política, de forma metafórica: “dispostos a ajudar [o Governo].”
Outros aspectos interessantes dizem respeito à gramática: Shunji pode querer dizer “[A Deusa está] disposta a ajudar [alguém]”, “[Ela tem sempre] vontade de ajudar [os outros]”, ou podemos ver a frase como um apelo: “Possa [a Deusa] ajudar [os que estão em perigo /ao atravessar o mar]!” Em qualquer dos casos, o sujeito gramatical não está claramente manifesto; é por isso que aparece entre parênteses. Além disso, o tempo permanece indefinido.
Uma outra possibilidade seria tratar shun e ji como duas entidades distintas: “obediência” e “auxílio”. Podemos expandir esta interpretação para: “Sê obediente e auxilia [nos]!” ou “[Ela] obedientemente presta (presta/prestará) auxílio”. E, em termos políticos: “Obedientemente apoiou [o Governo]!” Várias destas sugestões submetem implicitamente a divindade em questão à autoridade do Estado, a menos que argumentemos que o elemento “obediente(mente)” se reporta à hierarquia dos deuses e deusas: Por outras palavras, Mazu obedecia às ordens de uma divindade superior e, consequentemente, prestava auxílio.
Concessão de títulos a divindades: motivos e antecedentes
É claramente difícil traduzir muitos dos títulos e nomes que a corte imperial atribuía a divindades e a instituições religiosas, porque as suas dimensões semânticas são bastante “flexíveis”. A combinação shunji é um exemplo típico do que acabámos de dizer. Os leitores também terão reparado noutro aspecto importante ligado às interpretações possíveis de shunji. Falo das expectativas e pontos de vista do Governo. Antigamente, a concessão de um título estava frequentemente condicionada por algumas variáveis. Em primeiro lugar, as autoridades imperiais tinham de se certificar que a divindade em questão tinha auxiliado ou salvo um indivíduo em particular, ou um grupo de pessoas, de forma eficiente. Em segundo lugar, o Governo não estava por aí além interessado em casos de ajuda divina a pessoas comuns, nem na realização dos seus desejos; em vez disso, o que realmente contava, era a ajuda divina no interesse do Estado, quer esta ajuda fosse prestada à administração pública, ou ao exército. A questão-chave era que o “milagre” realizado fosse em benefício do Estado. Em terceiro lugar, quando o Governo concedia um título a uma divindade, não só demonstrava a sua gratidão pela ajuda recebida, como implicitamente expressava a esperança ou expectativa de que a mesma divindade continuasse a auxiliar o Estado no futuro. Em termos metafóricos, tinha sido celebrado uma espécie de “acordo” entre a esfera secular e a esfera divina: A divindade realizaria futuros milagres e o Governo premiá-la-ia simbolicamente.