#008 NEWSLETTER Fevereiro . 2010 www.dau.iscte.pt
GONÇALO
BYRNE
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Índice 02 Noticias 03 Entrevista: Gonçalo Byrne 04 Intervenções no Património 05 Caros Arquitectos, estou doente das vossas merdas 06 Diário: Viagem a Coimbra 07 Fotografia 08 ... 09 Agenda A capa deste mês foi realizada por Áron Nagy. Oriundo da Hungria, formou-se em design, na Universidade de Belas-Artes. Fez parte do programa Erasmus, no ano 2008/09, na Hochschule de Darmstadt.
O NAU-ISCTE agradece a colaboração e disponibilidade de todos os participantes nesta edição. Colaboradores Annie Choi, Áron Nagy, Filipa Nunes, Filipa Fiúza, Gonçalo Byrne, Hugo Coelho, Hugo Oliveira, João Cardim, João Pedro Borba, José Luís Saldanha, Nuno Mendes, Nuno Pereira, Renato Carreira e Rita Portela Design Nuno Pereira
http://garbages.deviantart.com
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© GAD
Noticias Besiktas Fishmarket / GAD Istambul . Turquia
© Toshiyuki Yano / Nacasa & Partners
Localizado num dos bairros mais populosos e diversificados de Istambul, o Fenerbahçe é um espaço eclético, com uma aldeia, como a atmosfera que está em processo de renovação urbana. O Mercado do Peixe Besiktas está localizado em um espaço triangular. É um local icônico onde muitos habitantes e visitantes comprar peixe fresco diáriamente. A construção do antigo mercado de peixe tinha uma construção muito precária e precisava de ser substituída. A solução encontrada foi manter a sua presença de bairro icônico, ao mesmo tempo, reafirmando o seu sentimento de boas-vindas. GAD projecta um reservatório em forma triangular de betão que cobre todo o lugar com grandes aberturas ao nível da rua. A casca fornece uma coluna de espaço interior livre, otimizando necessidades programáticas do projecto. O novo design injecta uma solução pragmática contemporânea e, ao mesmo tempo preservar a história do mercado de peixe.
A House Made of Two / naf architect & design Kanagawa . Japão Este é um projecto para uma família que vive em duas casas construídas ligeiramente afastados uma da outra. Um grande volume de uma casa que cobre todo o plano. Esse volume foi esculpido, em uma curva, em três segmentos com dois volumes em ambas as extremidades sendo construídas duas casas no local. As estruturas de madeira e os materiais usados para os de acabamentos das duas casas são padronizados, com ênfase às relações dos dois volumes, sendo originalmente de "um grande volume". O volume esculpido no meio tornou-se um pátio central para a abordagem de duas casas. Sendo uma das casa para filmes à noite, hóspedes ou para trabalhar, permitindo que os habitantes tenham a liberdade de fazer o que quiserem no momento que eles quiserem. Este projecto é uma experimentação para permitir mais opções de estilos de vida baseado na vida, na área urbana.
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Gonçalo Byrne Esta entrevista foi realizada no âmbito da unidade curricular, de projecto final de arquitectura, pela aluna Filipa Nunes, no ano 2009. Filipa: Sobre o quarteirão em Leiria. Arquitecto Gonçalo Byrne: Não está construído. O terreno vazio é uma ruína, era uma tipografia que entretanto estava abandonada há muitos anos e a câmara comprou. Já estava tudo praticamente no chão. F: A área do lote surpreende. GB: É mínima! Aquilo é uma pracinha pequenina, mas no meio daquele espaço público, que é todo tão estreito e capilar, aquilo é uma festa de vazio. F: O projecto espelha a ideia do espaço público como elemento protagonista da arquitectura. GB: É uma preocupação que eu sinto frequentemente. Na arquitectura nós normalmente projectamos as paredes e os espaços objectuais, mas depois habitamos os vazios. E então na cidade é no espaço público que a vida urbana se processa. A história é que eu recebi um telefonema da Dra. Isabel Damasceno, Presidente da Câmara de Leira, a dizer “gostava que cá viesse. Tenho um trabalho que gostava muito que fizesse.” Fui lá com ela e o Vereador da Cultura e iam me explicando os problemas que têm no centro histórico. Está bastante abandonado, como todos os centros históricos neste país, perde população e a que lá vive é essencialmente idosa, pouca gente nova. Se bem que a criação do Politécnico em Leiria ajudou neste aspecto. O Vereador disse que tinham o compromisso de fazerem um teatro e uma zona de acolhimento à terceira idade porque há muitos velhotes no bairro e portanto é bom terem um salão com algum apoio, uma área de convívio onde eles possam almoçar, mas muito informal. A ideia é que eles circulem por ali e depois, se quiserem, se sentem a ler o jornal… e o cibercafé (mediateca, para os computadores). Interessa-nos muito os poucos jovens que vivem aqui. Têm imensos problemas e, por isso, é importante ter aqui um centro com computadores. Eles vão para ali, trabalham, navegam. F: De alguma maneira o programa também surgiu como propulsor. GB: Exactamente. E do ponto de vista da regeneração urbana da zona é um excelente programa. Mas colocou-se a questão: “o terreno é grande, dá para fazer isso tudo”? E a presidente disse: “bom não é muito grande mas talvez dê”. Entrámos dentro do lote que estava todo vazio. De repente viro-me para trás e digo: “eu não
acredito”. Porque o castelo de Leiria, que é muito bonito, de repente estava tudo aqui dentro, porque as ruas são todas tão estreitinhas que raramente se vê a não ser da praça Rodrigues Lobo, que é a praça principal. Aquela praça deve ser relativamente antiga, deve ter sido a praça da feira, a praça do mercado. Bem, comecei a ver, isto é uma oportunidade única de fazer uma pracinha e mais nada. E a senhora presidente arranjou o terreno para fazer o teatro, é pena! Se isto estivesse construído e usado, eu ainda diria que seria/talvez fosse um bocado violento demolir para fazer uma praça, mas como já cá está, era deixá-la e arranjá-la. Eu expliquei isto à presidente e disse-lhe: “já reparou, não tem nenhum outro sítio a não ser na praça Rodrigues Lobo, onde tem esta vista espantosa e, ainda por cima o castelo é muito bonito, porque é um contínuo construído sob uma colina, é quase uma coroa com uma fachada virada para o castelo que era do Paço”, “senhora presidente, isto aqui dava uma praça fantástica e fazem o teatro noutro sítio”, “não posso, tenho de fazer aqui”. Foi a partir dessa historia que eu disse “então olhe deixe-me pensar, vamos lá ver…”. E apresentei-lhe este programa, de que gostou muito, porque no fundo mete o programa que ela queria, mas ainda faz uma praça com uma inclinação relativamente suave. Nós temos sempre um certo receio das praças inclinadas e é verdade porque, por exemplo, se quiser ter uma esplanada e meter mesas cá fora os copos caiem, não é? Bom, mas 6% não é nada do outro mundo, e há belíssimas praças públicas… em Portugal há algumas. Em Itália há uma que é fantástica, fica em Siena, tem a forma de anfiteatro, incrível, com o palácio em frente. É dos espaços urbanos mais extraordinários do renascimento neste momento, que eu conheço muito bem, porque tenho dois projectos lá em Siena e vou lá com muita frequência. Essa praça tem um declive que chega aos 15%. F: Toda ela? GB: Ela tem uma forma arredondada, tem o palácio em baixo, em frente do palácio tem uma espécie de meia-lua com uma enorme grelha, para quando chove receber toda a água, e é muito grande. Tem um pavimento em tijolo e é um enorme auditório mas o declive não é regular porque, se fizer um corte, aquilo é uma linha curva. Em cima tem uma rua enorme, com uma fachada urbana compacta, e nesta rua são tudo esplanadas. É uma das praças mais turísticas de Itália. É um anfiteatro impressionante, mesmo de Inverno, a não ser quando chove muito. Está cheio de gente, sobretudo gente jovem. Muitos italianos vão ali ao fim da tarde e sentam-se no chão! É um auditório espectacular. E na famosa festa do Palio, que acontece duas vezes ao ano, no Verão, eles enchem aquilo, são milhões de pessoas no centro e nas fachadas todas, que vão assistir a uma corrida de cavalos histórica,
© Márcio Lameirão
Entrevista
Gonçalo Sousa Byrne (Alcobaça 1941) diplomou-se em Arquitectura na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa em 1968. Foi professor convidado em Itália, Áustria, Espanha, Suíça, Estados Unidos e Portugal. Desde 2008 é Professor Catedrático convidado no Departamento de Arquitectura e Urbanismo do ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa. Do seu vasto currículo, constam dezenas de obras, em Portugal e no estrangeiro, incluindo habitação, renovação urbana, equipamentos urbanos, laboratórios e universidades. Recebeu o Prémio Nacional de Arquitectura em 1988 e 1993, a Medalha de Ouro 2000 da Academia de Arquitectura de França e o Prémio Valmor 2000. Autor de uma vasta obra, várias vezes premiada a nível nacional e internacional. A sua produção tem mostrado particular relevo nos planos patrimonial e cultural. Professor catedrático, convidado em Portugal e no estrangeiro, recebe em 2005 o título Honoris Causa pela Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa, e é condecorado pelo Presidente da Républica com a Grande Ordem de Santiago da Espada.
© Gonçalo Byrne
uma competição entre os vários bairros da cidade. É uma coisa impressionante. A televisão transmite sempre todos os anos em directo. É um daqueles grandes acontecimentos italianos. Com mais impacto que o Carnaval de Veneza. É impressionante, porque estão milhares de pessoas lá dentro. Aquilo são corridas de cavalos, cada cavalo pertence a um bairro, num sistema de eliminatórias. Eles põem um chão de saibro, por cima do tijolo para os cavalos não escorregarem. E correm sem celas. É uma corrida violentíssima. E por exemplo há uma curva em baixo, que é uma curva de gancho, fechada, eles forram a fachada do palácio com colchões. Faz lembrar o encerro de Pamplona, com os touros a correrem pelas ruas. Aqui não é tão violento. Bom, uma praça inclinada pode ter algumas dificuldades de uso, mas por outro lado pode ser um pequeno auditório. F: Mas, de alguma maneira, a praça inclinada surge como consequência da construção subterrânea, de um auditório ou anfiteatro, ou era já uma intenção, essa inclinação tem alguma… GB: Tem. Se continuasse a fazer este corte verifica que a Rua Direita tem aqui o casario depois a colina e o castelo lá em cima, a poente. Durante o dia o sol faz este trajecto e ao fim do dia está tão baixo que como tem a colina grande não interfere na fachada em vidro que propomos. O que quer dizer que durante o dia, a fachada do castelo está com uma luz intensíssima e esta fachada tem sombra. Uma fachada envidraçada em sombra, sem luz dentro, é um espelho. Assim conseguimos o retrato do castelo reflectido na fachada de vidro. De noite, é uma coisa também muito curiosa, porque embora haja luz aqui dentro, e nós temos de controlar para que não seja uma luz muito forte, o café é pequeno e tem uma esplanada cá fora e como o castelo tem uma iluminação potentíssima tenho a certeza que mesmo de noite vai ver-se o castelo reflectido, se calhar com um pouco da luz interior do café, mas isso até tem uma certa graça. Eu acho que estas praças não têm que ter muita luz. Temos um projecto em Lisboa, num quarteirão do Chiado, cujas lojas nunca abriram. A ideia lá em cima era ter uma série de esplanadas e bares em volta daquele jardim que só se vê as Copas do Gado, que é um jardim privado. Porque à noite é um espaço lindíssimo, em que se vê a lua e as estrelas, porque não tem os candeeiros da rua, esses estão fora. Nós fizemos uma iluminação muito baixa, mas não tem poluição luminosa. Se tiver uma luz muito baixa essa luz é suficiente, os cafés põem uma vela a arder e é uma questão de habituação. E continuam a ver as estrelas. E o importante é que não interessa ter muita luz nessa praça. Isto depende muito do uso que tiver, mas de qualquer maneira a ideia era um pouco essa.
Ora bem, se esta praça for ligeiramente inclinada, eu não só consigo potenciar mais esta vista, como se eu estiver no café ou na esplanada, como eu subi, eu tenho uma vista melhor sob o castelo. E, por exemplo, para não dizer os velhotes que estão cá em cima, esses então têm uma vista fabulosa sob o castelo, não é? E portanto, esta pequena inclinação que obviamente também deu jeito para meter o programa, porque não obriga a enterrar tanto, é a parte cara da obra. Do ponto de vista da construção não tem segredo nenhum, é uma coisa que se faz, custa um pouco de dinheiro, mas faz-se. E consegue-se manter o programa que a presidente da câmara queria. O teatro aqui, a mediateca aqui, que também pode ter uma vista para trás, para a praça, pode ter uma certa piada. Porque esta rua é tão estreitinha, que a vista para a rua não existe praticamente, e o centro dos idosos cá em cima com uma vista fabulosa e o café pode, quando têm bom tempo, trazer cá para fora uma esplanada. F: O argumento do castelo e toda esta questão de tentar trazer o castelo à praça, até que ponto dar esta primazia ao espaço público, faria sentido, neste contexto da cidade histórica, densa. Seria sempre esta uma opção, privilegiar este vazio público? GB: Não lhe posso dar uma resposta que sirva para todos os casos, acho-o neste caso concreto muito ocluso, muito fechado, as ruas são muito estreitas, e a noção que eu tenho é que quando no meio de um tecido deste há uma expansão do espaço público, do vazio, mesmo que não tenha vista, já é uma coisa muito boa. Mas por exemplo, estou a lembrar-me que em Barcelona, no bairro China, que está ao lado do bairro Gótico, aqui há uns anos atrás a câmara demoliu o quarteirão inteiro para fazer uma praça, porque era uma coisa muito regrada, mas com ruas estreitas. E a ideia era fazer um jardim nesta praça e ao mesmo tempo aproveitar e meter um estacionamento por baixo. Este projecto em Barcelona foi muito criticado e eu percebo que o tenha sido, embora os edifícios estivessem arruinados, mas acho que não resultou, na minha opinião, porque o projecto é mau. Um problema destes bairros são as suas características morfológicas, as ruas muito estreitas, as casas sombrias, aquilo que no final século XVIII e princípios do século XIX levou a demolir uma data de centros históricos e zonas insalubres, portanto húmidas porque não entrava o sol. Esse problema hoje em dia, não é problema porque é possível refazer uma casa e torná-la salubre, sem estar a demolir. Tem de se fazer uma boa ventilação. O problema é que as casas são pequenas, mas se for um bocadinho maior faz-se um pátio no meio e têm sol não da rua mas do pátio. Ou então têm meios artificiais para corrigir. Até agora a política que tem havido cá é não se fazer nada e todos os centros históricos estão em perda e são potencialmente uma ruína.
F: Mas é de alguma maneira uma actualização em termos programáticos? GB: Porquê? Porque todos aqueles edifícios foram, pouco a pouco, metendo um elevador, metendo casas de banho, abrindo uns pátios lá em cima. Foram-se actualizando em termos de condições de habitabilidade, e portanto é excelente. Mas há um problema, não podem ter o carro lá ao pé porque as ruas são estreitíssimas. Mas é muito importante, se não pode levar o carro aqui, sempre que há um largo um bocadinho maior, e sobretudo próximo da zona periférica, eles fizeram estacionamentos e esses estacionamentos não são para os turistas, são para os moradores. Porque hoje em dia, ninguém dispensa o carro, não pode ter o carro aqui, é óbvio, mas convém que tenha um espaço disponível a duzentos metros, e mesmo assim já há muitos que vão protestar, porque se eu pudesse tinha o carro na cama ou sei lá onde. E repare como um dos factos que leva a esta desertificação do centro é que normalmente a casa de uma família, os pais são velhotes, acabam por morrer e os filhos já têm outro tipo de vida, têm o seu carro. Preferem mil vezes comprar um lote na periferia, onde fazem uma pequena moradia, têm um jardim e pelo menos metem um carro e mais tarde dois, e têm tudo ali. E por isso as cidades estão a torna-se nesta coisa disparatada do crescimento descontrolado destes pavilhões todos iguais enquanto os centros históricos estão a morrer, quando há imensas condições no centro histórico que a periferia não tem. É aqui que estão os teatros, alguma actividade comercial, apesar de hoje os centros comerciais não ajudarem muito porque criam outras “centralidades” fora. Mas se se pretende inverter e reforçar a centralidade das cidades históricas tem que se arranjar condições para que estas actividades não se vão embora, e sobretudo para que a habitação não se vá embora e isso só é possível reciclando o centro histórico. A ideia de que basta restaurar o velho e não fazer mais nada não vai a lado nenhum. Mata os centros históricos. Não chega! Quer dizer, poderá fazer alguma coisa, mas não chega. Por outro lado, a outra coisa que se sabe hoje é que vale a pena investir fortemente na requalificação do espaço público, e isso foi a grande lição de Barcelona. Porque se estes espaços públicos começarem a ganhar qualidade, começa a haver muito mais procura para reabilitar as casas. As pessoas gostam de viver em bons espaços públicos, estão é muito mal habituadas. Nos últimos 20 anos foi a degradação dos espaços públicos.
O grande sucesso da estratégia de Barcelona foi quando no princípio dos anos 80 os primeiros projectos de aplicação de financiamento público serviram para recuperar com qualidade o espaço público: praças, largos, cinturões, parques, etc. No fundo para responder à sua pergunta, este projecto tem os dois lados. Por um lado aqui não se trata de fazer a habitação, mas trata-se de pôr equipamento que é também importante como complemento da habitação e do comércio e tudo, e ao mesmo tempo requalificar o espaço público. O chamado projecto 2 em 1.
© Gonçalo Byrne
Isso tem a ver com quê? A qualidade do construído. A primeira coisa fundamental que é, e a cidade de Siena é exemplo notável disso, uma cidade histórica absolutamente extraordinária do ponto de vista do património arquitectónico, que está totalmente habitada e não por turistas mas por gente que vive lá, trabalha lá, estuda lá.
Eu não sei se este projecto vai para a frente, a câmara está muito entusiasmada, a Presidente está muito entusiasmada. Mas eu já ouvi uma crítica. Os serviços técnicos dizem que o projecto é caro, a construção é cara. De facto a construção é cara, mas não se esqueçam que estão a construir 3 coisas. Não estão só a construir uma praça, um equipamento, estão a construir um teatro, um centro de jovens e uma praça. O que não estão habituados é a juntar tudo num projecto. Portanto é óbvio que isso tem custos, mas se calhar vale a pena. Eu não sei, vamos lá ver, eu tenho muita esperança. Até agora eu tenho tido um grande estímulo, quer da Presidente da Câmara quer do Vereador da Cultura. O projecto de licenciamento está praticamente aprovado. Já foi aos bombeiros, já foi ao IPPAR e foi aprovado. Portanto, agora estamos a fazer o projecto de execução para ver se, logo que eles tenham condições, lançar o concurso para a obra. F: Qual é a materialização da obra? GB: Boa pergunta. Vidro, eu sei. O resto ainda não tenho a certeza, quer dizer, a ideia que há neste momento é que estas caixas, em princípio, são estruturas em betão e com muito vidro. Na mediateca, a minha ideia é ter um material translúcido, eventualmente uma parede de vidro ou pelo menos para a rua, uma pele translúcida. E a ideia que há à partida é que este pódio da praça seja uma espécie de grande plano em pedra. É um problema muito complicado para uma praça inclinada, que é conseguir que os skaters não dêem cabo dela. Isso é terrível porque obriga a fazer pavimentos que não dêem para os skaters, portanto pavimentos rugosos, que são desagradáveis porque são incómodos para andar a pé. Os skaters ficam furiosos porque não conseguem andar, não é? Hoje em dia, faz-se um plano inclinado na cidade e estão lá caídos os skaters no dia seguinte. Outra coisa são os graffiters. Com os graffitis tenho usado uma maneira que de facto é eficaz e aqui estamos a pensar fazer isso. Fundamentalmente isto é ou betão e vidro, ou betão, vidro e pedra. Há umas guardas metálicas. F: Acha que de alguma maneira, com a arquitectura, é possível reanimar alguns valores perdidos, nesta questão da possibilidade de promover espaço para a cidadania? Promovendo este espaço publico? GB: O que chama renovar valores perdidos? F: De alguma maneira, quebrar com alguma individualidade, promover relações de vizinhança, por exemplo. GB: Sim. Sobre essa matéria, houve uma altura em que estava convencido que sim, que a arquitectura tinha capacidade para mudar o
mundo. Hoje, estou perfeitamente convencido que não chega, ou seja, quanto muito pode criar condições e deve para que, questões como a solidariedade, a cidadania, etc., se possam desenvolver. Mas por si só não chega, ou seja, é profundamente uma questão cultural e política. Eu hoje tenho visto espaços de uma enorme generosidade que estão totalmente partidos e vandalizados. E no entanto o projecto tinha uma aposta extremamente generosa e até muitas vezes com qualidade e por razões que a arquitectura não controla, são destruídos e vandalizados. E depois há muitas hipóteses e dizer que não há polícia que chegue, está bem, mas também não se resolve um problema à custa da polícia. Também é verdade, por exemplo, estas manifestações, estou a lembrar-me em França, as juventudes emigrantes e destes choques violentos, normalmente vêem associados a zonas urbanas muito descuidadas, onde não há manutenção, onde o espaço público é mau ou é mal tratado. E portanto, pode haver aí algum efeito recíproco. Eu tenho um projecto que é um bom exemplo disso, é aqui um edifício em Lisboa, chamado Pantera cor-de-rosa. Esse edifício, por exemplo, que foi feito nos anos 70, assim que foi ocupado, foi destruído em pouco tempo. Uma agressividade impressionante. E depois é claro que apareceram logo uma data de artigos, e sobretudo os políticos, que tinham culpa no cartório, a dizer que aquilo era tudo motivado porque o projecto não funciona, porque as galerias nos pisos elevados não funcionam. Pode haver aí alguma verdade, e eu conheço casos de edifícios com tipologias muito parecidas na Inglaterra, por exemplo. Um dos exemplos que eu fui visitar na altura, quando estava a fazer o projecto e que na altura era considerado um bom exemplo de uma arquitectura de habitação social, acabou dinamitado porque tem um processo de degradação muito violento. Eu não digo que não possa haver alguma relação pela positiva ou pela negativa. Mas a verdade é que por exemplo, em Chelas, toda a outra história ninguém a contou. Quando o edifício estava supostamente acabado, mas de facto não estava. A construção estava pronta, mas não tinha electricidade, não tinha água, não tinha esgotos. O senhor Presidente da Câmara e os senhores vereadores decidiram ir a um bairro de barracas, ali ao lado Avenida Gago Coutinho, e disseram que no próximo mês iam lá com uma série de camionetas e que iam distribuir as casas da Pantera cor-de-rosa, e em dois fins-de-semana cada núcleo familiar ocupa uma casa. Aquelas famílias chegam ali, e são famílias que estão habituadas a construir a sua própria barraca, portanto a relação entre o espaço onde cresceram e viviam era totalmente produzida por outros. É um hábito muito arreigado. Mudam-se para ali e viveram praticamente 6 meses às escuras, sem água, sem esgotos. A violência era brutal, os elevadores foram
A arquitectura, deve criar condições para que em circunstâncias culturais positivas, sociais ou económicas, se possa dar um passo em frente em termos de sociabilidade, de intervenção, de criatividade, de partilha, de tudo aquilo que faz a vida da cidade, não é? E para isso é importante novamente a questão do espaço público. É no espaço público que a cidade se joga. Por exemplo, um tema que hoje se fala muito: a cidade da exclusão. É muito importante que o espaço público e espaço da cidade sejam atractivos. Mas a verdade é que às vezes não basta porque os fenómenos de exclusão muitas vezes acontecem em cidades onde há bons espaços públicos. Porque é que se formam os guetos nas cidades? Por razões económicas. Os centros históricos abandonados por exemplo em Portugal, nalguns sítios, são tendencialmente os que acabam por ser invadidos e ocupados pelas populações que têm mais problemas, que têm menos poder económico, a emigração que não tem trabalho. Há histórias absolutamente impressionantes, casas com três quartos onde vivem vinte pessoas. F: Na obra Geografias Vivas, o arquitecto Gregotti reporta-se à importância do espaço público enquanto elemento protagonista da arquitectura. O arquitecto reconhecia uma diferença desta vivência na sociedade oriental e ocidental. Entendo que na oriental o espaço público não fazia sentido, uma vez que a massa se suplantava ao vazio.
GB: Ele tem um projecto que eu diria que é uma coisa quase absurda. Uma cidade totalmente nova na China para cem mil habitantes, e agora está a construir os edifícios. Julgo que aquilo não está a ter tanto sucesso, mas ele dizia que era uma experiência que nunca lhe tinha passado pela cabeça, que um dia iria ter e que o tinha impressionado muito a relação que existe entre a cultura dos povos e as pessoas, a cidade e o espaço público. Dizia que havia grande diferença entre o Ocidente e o Oriente. É claro que ele também está a falar do Oriente hoje.
© Gonçalo Byrne
totalmente escavacados, as armaduras de iluminação estavam lá e tinham lâmpadas e foi tudo partido à pedrada. O que é que aquilo está ali a fazer? Chega a noite e está tudo às escuras, é perigoso! Vou chegar a casa e sou assaltado, não há segurança nenhuma. O edifício tem um plano inclinado em baixo que são as traseiras das lojas que abrem para o outro lado. E as pessoas começaram a fazer despejos pela janela, como se fazia na cidade medieval. No dia em que eles ligaram a electricidade avisaram-me e fui lá à noite. Uma noite de Verão, em Julho. Parei o carro naquela praceta e fiquei à espera. E então foi impressionante, estava toda a gente na rua, nas galerias. E quando chega a electricidade a malta desatou a chorar e a bater palmas, uma coisa impressionante. Tenho pena de não ter gravado. Estiveram ali 4 meses a viver muito pior que nas barracas. Nas barracas eles acabam por criar hábitos, ajustam-se, vão às bocas-de-incêndio, onde têm acesso a água. Portanto, sem rejeitar que há alguma relação, o que acho é que essa relação não é unívoca.
De facto, o fenómeno das grandes cidades chinesas diria que o é desde a Idade Moderna. Portanto, não é muito frequente considerar que um espaço público é uma peça de arquitectura e o Gregotti é talvez dos primeiros arquitectos que escreve e teoriza sobre isso, num famoso livro A Cidade e o Território, um livro dos anos 70. Ele diz que a arquitectura está muito para lá da peça, do objecto e deve reivindicar não só o projecto do vazio do espaço público como até do próprio território. Nas escolas portuguesas esta visão não é nada linear. Em Coimbra passo a vida a ter discussões com os meus colegas professores, que continuam a dizer que só lhes interessa o objecto finito (a casinha, o quarteirão). Esta é também muito a visão da escola Italiana do Rossi e de todo o movimento historicista. Ainda por cima considera que a cidade ou é a cidade tradicional da quadricula ou então a cidade hoje é uma coisa que já não interessa à arquitectura porque é todo um jogo de especulação e portanto estes conceitos hoje em dia não são universais, há uma série de tendências. Mas eu estou totalmente de acordo com o Gregotti porque acho que
os arquitectos deviam reivindicar o exercício da sua profissão, o fazer parte do projecto do território, da cidade, do espaço público, para além dos projectos dos edifícios. Acho que é um aspecto muito negativo os espaços de arquitectura terem esquecido essa dimensão. Nos anos 70, 80 dizia-se que isso era urbanismo, mas quando dizem isto estão a entregar o urbanismo aos engenheiros e na melhore das hipóteses aos arquitectos paisagistas e sobre uma serie de agentes técnicos que por um lado não estão preparados do ponto de vista da gestão da forma e da síntese. Mas que é certo é que os arquitectos, a maior parte das vezes, também não estão preparados para isso. Fizeram o seu curso só a desenhar casinhas, objectos, edifícios de equipamento e pouco mais. Eu penso que é um problema complicado, penso que o que acontece é que entre o projecto da casa e do território há saltos muito grandes. Esta ideia, muito do movimento moderno, em que projectar um banco ou o território é exactamente a mesma coisa porque tudo é uma decisão de design é uma ideia muito perigosa quanto a mim, porque quando se dão saltos de escala deste tipo os fenómenos tornam-se cada vez mais complexos. Projectar um banco é uma coisa relativamente pequena, controlada, projectar uma casa já é complicado porque já há um cliente, um dono da casa que passa a vida a chatear o arquitecto. Quando
passa para um espaço público já tem os agentes da câmara, os tipos todos que trabalham com as infra-estruturas, têm cada vez mais os cidadãos a opinar e assim sucessivamente. As intervenções vão tornando-se cada vez mais complexas e portanto também cada vez mais problemático o que é que o arquitecto pode fazer em cada uma destas situações. O que eu penso que acontece é que
quanto maior é a escala, mais ele [o arquitecto] está inserido numa rede de decisões onde está obviamente cada vez menos isolado. O trabalho em rede é muito mais complexo. No entanto, o que acho é que este trabalho não deve dispensar o arquitecto e o que acontece é que não tem estado, não está preparado para estar e muitas vezes nem quer sequer ouvir falar nisso. Houve um exemplo aqui há tempos num debate na televisão sobre a nova ponte sobre o Tejo, em Lisboa. Os arquitectos nunca estão nessas coisas. Nessa altura havia um, suponho que o próprio Presidente da Ordem dos Arquitectos, que a certa altura quando lhe perguntaram o que é que ele achava sobre a ponte, depois de os engenheiros terem feito, refeito e decidido tudo sobre a ponte, algumas coisas que mereciam ser contestadas, porque os engenheiros olham para a ponte como um objecto funcional, e não percebem que a ponte tem implicações paisagísticas, urbanas e a resposta do arquitecto foi desde que ponte seja bonita tanto se me dá. Está bem, mas não acrescentou infelizmente, ao debate. Quando se debateu, por exemplo, as consequências das decisões sobre o aeroporto de Lisboa, nunca vi um arquitecto presente no debate e, no entanto, há muitas coisas para dizer sobre questões de qualidade espacial. Podem não ser questões de arquitectura, mas a paisagem é arquitectura. Um aeroporto é potencialmente um motor urbano que vai, bem ou mal, gerar uma cidade à sua volta. E já se fala um pouco do espaço público em Portugal. Aqui há poucos anos ninguém falava. Eu acho que o arquitecto, aquando da formação académica, no mínimo deve estar consciente disso, mesmo que não o possa treinar, exercitar. F: No seu entender faz-se muito o culto da arquitectura objecto? GB: Eu acho é que se faz cada vez mais. E isso é dramático na arquitectura. Porquê? Os arquitectos cada vez têm menos trabalho, a cidade está a ser construída pelos especuladores imobiliários, ou seja, os promotores. De vez em quando aparece um promotor que é um pouco mais iluminado ou uma entidade do estado.
Cada vez mais a arquitectura é uma técnica de fazer um bom embrulho. O que lá está dentro até pode não ser muito bom, desde que tenha uma bela fita, um papel bestial e de preferência uma marca, um carimbo qualquer.
Portanto o arquitecto, que de algum modo pode estar envolvido numa certa qualidade de cidade, com critérios de exigências, porque novamente não está tudo na mão dele, como é que ele se articula no meio deste mundo da globalização? E o que é isto da globalização? É importante, no mínimo, que o arquitecto tenha essa consciência. Que perceba que a sua profissão é um pouco mais do que estas duas coisas e o interessante é que cada uma destas duas coisas tem aspectos positivos. O facto de a arquitectura ter um estímulo muito grande por uma obra ser de qualidade, ter presença e,
© Gonçalo Byrne
Os grandes projectos urbanos em Itália estão todos nas mãos de macro gabinetes de engenheiros que depois decidem tudo com o dono da obra, fazem a sua engenharia financeira e quando chegam ao fim está o edifício construído, a praça construída, o jardim construído e tudo decidido por essa gente. O arquitecto entra no fim de linha para alindar estas coisas e até aí segue os modelos que o promotor diz que vende. Isso quer dizer que o protagonismo do arquitecto é nulo, ele intervém na cadeia das decisões e intervém no fim da linha e não diz nada. E mais, se não faz aquilo que o promotor quer, vai para a rua. Portanto, onde é que aqui joga a suposta autonomia da arquitectura? Onde é que a arquitectura pode ter alguma coisa a dizer? Eu diria, no mínimo dos mínimos, tentar perceber aquelas regras do jogo e dentro delas fazer o seu melhor e tentar interferir. Para já, à partida, está limitadíssimo. Depois obviamente nem isso faz. E então estas sociedades de engenharias têm os seus arquitectos, que fazem aquilo que eles dizem. Mas como os arquitectos têm alguma consciência que não se trabalha assim, têm duas saídas, ou vão para o ensino porque não têm trabalho ou têm a sorte, se forem talentosos e bons, de se transformarem em alfaiates de moda. Porque aí há um mercado para eles. O mercado do político megalómano, do investidor que acha que apesar de tudo vale a pena gastar mais uns cobres e ter uma coisa que vende, porque é inovadora ou inesperada. E este é o arquitecto que em grande parte as revistas potenciam. As revistas potenciam imagens cada vez mais supostamente espectaculares e inéditas. O desafio da criatividade, que eu acho ser uma coisa importante, mas que não deve ser a única coisa da arquitectura, o desafio do não visto, da novidade. Ou seja, o objectivo da arquitectura passou a ser o objectivo do estar na frente do que se consome, isto é, no produto de luxo do consumo. E portanto, é a isto que eu chamo uma situação tendencialmente esquizofrénica. E o arquitecto, que tira o seu curso, que estudou, que tem a sua preparação, mais cedo ou mais tarde cada vez mais está entre essas duas situações. Ou faz por isso e desata numa competição desalmada e consegue insinuar-se, entrar no mundo das revistas e fazer a sua carreira, que cada vez mais irá ter o seu mercado mais especializado, mais reduzido, ou então não faz isto e, na melhor das hipóteses irá trabalhar num gabinete de engenharia.
© Gonçalo Byrne
de algum modo, a inovação ser o experimentalismo na arquitectura. Eu acho que são dimensões muito importantes, como também o é a memória, a herança que se segue. É um dos aspectos que está nesta espécie de arquitectura de ponta. Os arquitectos estrelas, os das nossas revistas, na minha opinião, de uma maneira geral, são pessoas que têm mérito, não são pessoas estúpidas. Muitos deles têm consciência do que estão a fazer e dos mecanismos que estão por trás. E trabalham que se fartam, vestem que se fartam, investigam, e portanto há aspectos positivos. Como também há aspectos positivos na produção da cidade do ponto de vista da racionalidade de algumas tecnologias, do ponto de vista dos padrões, portanto uma série de regras que têm mais a ver com a cidade não objectual do espaço público, que são temas que muitas vezes na arquitectura nem sequer entram. E o que é importante é que os arquitectos tentem gerir o melhor do que há aqui dentro. A partir do momento em que têm o canudo na mão é que começam os problemas. Não é fácil, mas se calhar por isso é que esta profissão é tão fascinante. As coisas fáceis nunca foram muito interessantes. Vocês cada vez têm um mundo mais competitivo. Um tipo diz: o mundo global é um desastre, é uma chatice. Eu não tenho nada contra a globalização, acho que é uma característica inevitável da nossa cultura e do nosso tempo e francamente interessante. O único problema da globalização, quanto a mim, é que está muito longe de ser completa. Porque a única globalização de que se fala hoje é da económica, a partir do momento em que se fale também da globalização da solidariedade eu acho que a globalização começa a ser mais completa. E estamos longe dela. E eu acho que isto sempre existiu na história da cultura. Às duas por três o tipo pensa que o caminho é só aquele e começa a perceber que há uma serie de coisas que vão aparecendo ao lado e que são exactamente ao contrário. F: Como encara o vazio urbano na cidade contemporânea? De que forma podemos olhar para ele? Da cidade que ao fim ao cabo acaba por ir morrendo. A cidade industrial, e a cidade histórica. GB: Eu acho que o vazio urbano na cidade contemporânea no fundo segue os mesmos caminhos que a própria cidade contemporânea.
O que é a cidade contemporânea? É uma cidade onde coexistem uma série de padrões urbanos, se quiser até morfológicos de forma urbana, de todo o tipo
de contraditórios, onde existem relações de continuidade espacial ao lado de grandes rupturas. É uma situação de caos, porque há de tudo. Há de tudo de uma maneira muito pouco conhecida, muito pouco sistematizada, muito pouco dominada do ponto de vista do conhecimento. É muito frequente ouvir a expressão “a cidade contemporânea é a cidade onde já não se percebe onde termina a cidade e começa o campo”, porque está tudo muito misturado, onde as ruas tradicionais com o seu passeio e a zona do peão, do carro, coexistem com a grande auto-estrada, com a via-rápida, etc. Esta espécie de coexistência de toda a espécie de modelos em todos os domínios acredito ser uma característica da cidade contemporânea. Nós ainda dizemos os “centros das cidades”, que são os velhos centros históricos, mas eu diria que cada vez são menos em Portugal.
04
Intervenções no Património
Comecemos pelo primeiro projecto, cujas premissas são absolutamente diferentes das dos restantes. Aqui, o Atelier 15 é chamado a orientar a sua acção em dois momentos principais: a construção do edifício do museu propriamente dito, que os arquitectos implantam no exterior da antiga cerca do convento, de modo a não comprometer escavações arqueológicas futuras – de carácter francamente contemporâneo, até no modo como «não quis competir nem “aproximar-se” do monumento, pelo que tem um carácter fortemente abstracto e unitário, anulando-se na transparência da sua fachada norte, ou transformando-se num espelho da própria cena que observa»1; o segundo momento trata-se da disponibilização do antigo convento como monumento arruinado, aberto à descoberta e à contemplação livres, sem a pretensão de «restaurar, repor, recuperar ou reutilizar»2 – uma ruína no sentido romântico do termo. Toda a extensão dos terrenos do convento que é deixada desocupada entre estes dois momentos tende a permitir a convivência natural entre o antigo e o novo, e ambos ajudam a consolidar uma memória. Num contexto completamente diferente e provavelmente com um programa demasiado extenso para o espaço disponível para a sua concretização, surge uma intervenção cuja linha de acção é completamente distinta do exemplo anterior. Gonçalo Byrne descreve o Museu Machado de Castro como um «edifício de
Das três intervenções de João Mendes Ribeiro que visitámos, talvez a Casa das Caldeiras seja um exemplo paradigmático neste domínio – «um futuro caso de estudo»7. O edifício, inicialmente destinado a acolher o Centro de Estudos de Fotografia da universidade, acabou por ser entregue à Faculdade de Letras para os cursos pós-graduados de Estudos Artísticos. No entanto, como frisa o próprio arquitecto, apesar desta alteração, «as características fundamentais do projecto foram integralmente mantidas»8. Este desenvolve-se em dois corpos – a remodelação de um edifício existente e a construção de um novo edifício – que se
© S. Fernandez © Gonçalo Byrne
fragmentos»3, que nos mostra «não um mas vários edifícios que se continuavam, ou sobrepuseram ou se cruzaram, destruindo-se ou fragmentando-se, gerando residualidades, hesitações, firmezas, abusos, grosserias, ou revelações fantásticas, fascinantes, belíssimas»4. A intervenção de Byrne toca de maneira expressiva todos os recantos do edifício, apagando alguns dos “fragmentos” que o arquitecto, formado numa geração em movimento contrário às directrizes comuns promovidas durante o Estado Novo, não considera autênticos (como a intervenção da Direcção Geral dos Monumentos Nacionais), procurando uma leitura da tal justaposição de memórias, valores, usos, etc., através de um toque contemporâneo que pretende unificar o conjunto. No entanto, a ampliação construída para aumentar a funcionalidade do museu parece destinada a gerar grande polémica. Pretendendo valorizar o resultado de «dois mil anos de história concentrados num conjunto urbano-arquitectónico»5, Gonçalo Byrne procura «uma nova escala de referência para o edifício, para o que contribui a cobertura alta do pátio da Capela do Tesoureiro e a criação da plataforma avançada do novo corpo e respectivo volume cúbico sobre ela»6. A colunata quinhentista atribuída a Filipe Terzi, um dos momentos mais celebrados do edifício, deixa de ser um limite para passar a ser um elemento de transição para um acrescento metálico que, além de recriar a linha limítrofe original do criptopórtico romano, alberga toda a maquinaria necessária à climatização do edifício. A panorâmica que se disfruta da varanda passa a contar com um elemento contemporâneo, o volume de vidro assente no novo corpo do museu, salientando-se na paisagem urbana da Alta de Coimbra. O conhecimento da história do edifício – completado pelas escavações que foram sendo realizadas aquando da intervenção – serve então de suporte teórico para dotar a intervenção de um sentido unitário, através de um discurso poético. Byrne compara o trabalho do arquitecto ao do arqueólogo, promovendo o “destapar” das sucessivas camadas temporais que, unificadas segundo um traço vincadamente contemporâneo, possibilitarão a necessária e urgente revitalização dos centros históricos.
© Gonçalo Byrne
No passado dia 28 de Novembro, no pátio do recentemente renovado Museu Machado de Castro, gerou-se uma conversa sobre as diferentes abordagens à recuperação do património construído, tendo como fontes algumas das intervenções que visitámos ao longo da nossa viagem a Coimbra. Esse foi o ponto de partida para a elaboração deste artigo, que não pretende ser mais do que a exposição de pontos de vista sobre a diferentes maneiras de intervir no nosso património. Acreditamos existirem diversos graus de qualidade na recuperação de edifícios existentes, e os exemplos que vamos referir demonstram vários caminhos que este tipo de projectos pode tomar. A professora referiu então três casos distintos de actuação neste campo, em certa medida contraditórios entre si, que tivemos a oportunidade de conhecer durante a nossa viagem: a valorização do Mosteiro de Santa Clara-a-Velha (Atelier 15: Alexandre Alves Costa, Sérgio Fernandez e Luís Urbano; 20042008), o Projecto de Remodelação e Ampliação do Museu Nacional Machado de Castro (Gonçalo Byrne, 1999-), e três intervenções de João Mendes Ribeiro, que explicitam a sua forma de interpretar esta temática, a Casa das Caldeiras (1991-1999, com Cristina Guedes), o Centro de Artes Visuais (1997-2003), e o Laboratório Chímico (2001-2006, juntamente com o Atelier do Corvo).
© S. Fernandez
Algumas notas acerca de três projectos em coimbra
© J. Mendes Ribeiro © J. Mendes Ribeiro
complementam visual e funcionalmente. A intervenção no primeiro corpo, correspondente à Central Térmica do Hospital da Universidade de Coimbra, caracteriza-se, nas palavras do arquitecto, «por uma intervenção minimal [que] consistiu, apenas, no restauro do edifício, na preservação da maquinaria estrutural das caldeiras e na criação de condições de climatização e iluminação adequadas ao novo programa, nomeadamente, ao funcionamento da cafetaria e livraria»9. É então no segundo corpo, construído de raiz, que são instalados a biblioteca, as salas de aulas e de reuniões e os gabinetes de trabalho. Construído em betão aparente e desenvolvendo-se na vertical, foi concebido «segundo uma linguagem deliberadamente neutra de modo a destacar o volume principal do edifício das Caldeiras»10. Para além disso, a sua implantação – aparentemente destacada em relação ao edifício existente – e a sua configuração em torre, dotam o conjunto de um valor urbano notável: não só o edifício degradado dá lugar a “dois” edifícios que, conjugados, permitem a transição temporal – «entre a modernidade da sede da Associação Académica (Alberto José Pessoa com João Abel Manta, 1958) e a monumentalidade histórica dos Colégios das Artes e dos Jerónimos»11 – e a transição física – através da reabertura da rua adjacente, bem como do próprio percurso pelo interior do “edifício-torre” – entre a cota baixa da cidade de Coimbra e a sua Alta. Todas estas intenções são resumidas por João Mendes Ribeiro numa única frase: «O projecto permitiu, por um lado, requalificar o edifício existente, valorizando-o no contexto histórico da arqueologia industrial e, por outro lado, clarificar a sua integração no tecido urbano»12. Estamos então perante três intervenções de forte carácter, que resultam de maneiras bastante distintas de pensar a requalificação do património edificado. Apesar das diferenças relacionadas com os arquitectos em si – a sempre presente questão geracional, bem como período e local de formação e experiências vividas – e com o seu respectivo processo projectual, verificamos que todos propõem uma abordagem contemporânea – o juntar mais uma camada às outras precedentes –, que procura ser livre de condicionalismos ditados a priori, dispondo essencialmente da sua sensibilidade e experiência para dotar os antigos edifícios de uma renovada vitalidade. No entanto, pensamos ser imperativo colocar a questão do que é ser exactamente um “arquitecto contemporâneo”, e o que é uma “intervenção contemporânea” no momento arquitectónico actual, em que os arquitectos são chamados cada vez mais a intervir em edifícios existentes ou em conjuntos urbanos consolidados – cujo valor, cremos, depende muito mais das características ambientais13 do conjunto em si do que de um ou outro edifício em particular.
O que é uma obra contemporânea? Simplesmente um edifício construído recentemente? O que é ser contemporâneo quando uma obra de Le Corbusier pertence tanto à História como uma catedral gótica francesa? O que nos sobrou do pensamento pós-moderno e das dúvidas que saudavelmente instalou nas (nossas) cabeças de arquitectos? Não será hoje em dia tão “contemporâneo” fazer um edifício “neo-racionalista” ou um “neo-tradicional”? Ou será que estamos demasiado agarrados a estes conceitos estilísticos e já não podemos fazer somente a distinção entre edifícios com qualidade e edifícios medíocres? O arquitecto tem um papel fundamental nas questões da recuperação do património, mas não, pensamos, como o “actor principal” nem como técnico de restauro, mas sim como detentor de uma profissão não especializada que tem como finalidade unir todas as especialidades num conjunto sensível, fazendo a ponte entre a História, a técnica e a estética. Assim, as intervenções contemporâneas devem integrar-se harmoniosamente no todo, num equilíbrio que enriqueça e que nunca ponha em causa o edifício existente, uma vez que a diferença entre destruir esse edifício ou adicionar um corpo que o inferiorize completamente é a nosso ver praticamente nula. Estamos perante um momento particularmente sensível, numa época transitória em que os centros históricos “viajam” entre o abandono progressivo – com intervenções esporádicas ou desastrosas – e a possibilidade de uma recuperação efectiva. Cabe-nos também a nós fazer com que essa transição se efectue da melhor maneira possível. Realizado por Filipa Fiúza e João Cardim
1 FERNANDEZ, Sérgio; ALVES COSTA, Alexandre; URBANO, Luís. “Out of the Water – Valorização do Mosteiro de Santa Clara-a-Velha”, Arquitetura Ibérica, n.º 30, Fevereiro de 2009, [Casal de Cambra: Caleidoscópio], p. 86 2 Idem 3 BYRNE, Gonçalo. Fonte directa [Conferência no ISCTE] 25 de Março de 2009 4 BYRNE, Gonçalo. “Projecto de Remodelação e Ampliação do Museu Nacional Machado de Castro” [Descrição]. Consultado em 29/12/09, disponível em: <http://www.byrnearq.com> 5 Idem 6 Museu Nacional Machado de Castro. Consultado em 29/12/09, disponível em: <http://mnmachadodecastro.imcip.pt/pt-PT/Default.aspx> 7 MILHEIRO, Ana Vaz, “A Casa das Caldeiras”, Arquitectura 21, n.º 3, Abril de 2009, [Rinchoa: Be Profit], p.74 8 RIBEIRO, João Mendes; GUEDES, Cristina. “A Casa das Caldeiras – Notas do Autor”, Arquitectura 21, n.º 3, Abril de 2009, [Rinchoa: Be Profit], p.77 9 Idem 10 Idem 11 MILHEIRO, Ana Vaz. “A Casa das Caldeiras”, Arquitectura 21, n.º 3, Abril de 2009, [Rinchoa: Be Profit], p.73 12 RIBEIRO, João Mendes; GUEDES, Cristina. “A Casa das Caldeiras – Notas do Autor”, Arquitectura 21, n.º 3, Abril de 2009, [Rinchoa: Be Profit], p.77 13 Ambiente aqui deve ser lido como o ambience inglês, mais relacionado com a “atmosfera” indefinível e característica de certos locais.
05
Caros Arquitectos, estou doente das vossas merdas Annie Choi (Uma carta aberta)
“Uma vez, há muito tempo atrás, nos dias de antanho, tive um amigo que estudava arquitectura para se tornar, presumivelmente, um arquitecto. Este amigo apresentou-me a outros amigos, que também estudavam arquitectura. Estes amigos tinham outros amigos que eram arquitectos – arquitectos a sério, que faziam arquitectura a sério, coisas como projectar edifícios luxuosos muito parecidos com dildos de vidro. E estes arquitectos a sério conheciam outros arquitectos a sério e, agora, as únicas pessoas que conheço são arquitectos. E todos projectam dildos de vidro nos quais nunca heide trabalhar ou viver e que servem apenas para impedir que veja Nova Jérsia da janela. Não me interpretem mal, arquitectos. Gosto de vocês como pessoas. Acho que são simpáticos, cheiram bem na maior parte do tempo e gosto dos óculos que usam. Têm cabelo maluco e, se tiverem sorte, a maior parte estará na vossa cabeça. Mas não me interessa a arquitectura. Estas são as coisas que me interessam: - comida mexicana - ouriços-cacheiros - café Como vêem, a arquitectura não faz parte da lista. Acho que a arquitectura vem algures entre o pé de atleta e uma colonoscopia invasiva na lista de coisas que me interessam. Talvez se me interessasse mais se não falassem tanto sobre o assunto. Quando apontam um cilindro de vidro e dizem, com orgulho: ei, foi o meu escritório que projectou aquilo, rio-me e digo que parece um cachimbo de água para fumar marijuana. Voltam a cara, enojados e envergonhados. Pensam: é óbvio que ela não percebe. Que sabe ela? É só uma escritora. Não é nenhuma arquitecta. Respeita vogais e não pilas de vidro. Depois dizem que estão a trabalhar num centro de qualidade de vida e eu pergunto o que é e dizem que é um sítio onde se disponibilizam bens, serviços e oportunidades de negócio e pergunto se é um centro comercial e dizem que não. É um centro de qualidade de vida. Acho que parece um centro comercial. Venho do Valley, sacanas. Sei reconhecer um centro comercial. Arquitectos, não vou mentir. Confundem-me. Trabalham sessenta, oitenta horas por semana e, no entanto, nunca deixam de ser pobres. Porque não me pagam copos? Onde está a vossa riqueza? Talvez a tenham gasto em Merlot. Talvez a tenham gasto em putas e coca. Não sei ao certo. É um mistério. Permitirei que
sejam os cientistas a desvendá-lo. Os arquitectos adoram discutir as suas horas de sono. Um diz que esteve no escritório até às cinco da manhã e que voltou duas horas depois. Depois, outro dirá: ah, isso não é nada. Não durmo há uma semana. E outro dirá: eu nunca dormi na vida. Caros arquitectos, o vosso esforço e o produto do vosso trabalho não pode ser medido pelas horas de sono que perderam. Ouviram falar de Rem Koolhaas? É um arquitecto famoso. Sei que é porque vocês me dizem que é um arquitecto famoso. Ouvi dizer que Rem Koolhaas está sempre a dormir. Suponho que estará a dormir agora mesmo. E ouvi dizer que consegue fazer coisas. Também ouvi dizer que, num golpe de génio, está a trabalhar num edifício que não se parece com uma pila de vidro, mas sim com uma vagina de betão. Quando se dorme mais, obtém-se vagina. Podem aprender todos uma lição valiosa com Rem Koolhaas.
Annie Choi nasceu e foi criada em Los Angeles, no vale de São Francisco. Ela recebeu o seu B.A. pela Universidade de California, Berkley, e o seu MFA pela Universidade de Columbia. O seu livro Happy Birthday or Whatever (HarperCollins) foi publicado em 2007. Ela vive na cidade de Nova York num apartamento de 17 metros quadrados. Ela publica os seus posts no seu site pessoal. www.annietown.com
Compreendam que a minha vida é difícil. Os arquitectos são uma parte importante da minha existência. Ligam-me às onze da noite, dizem que acabam de sair do trabalho e perguntam se tenho fome. © Nuno Pereira
Publicado originalmente em Pidgin Magazine, Princeton School of Architecture.
© Nuno Assis
Ouçam, é quase meia-noite. Jantei horas antes. Há tanto tempo que, por acaso, até estou com fome outra vez. Por isso, sim, acabo por ir. Depois, descubro outros arquitectos a falar sobre atalhos de AutoCAD e sobre qualquer coisa relacionada com painéis eléctricos, que foi a única coisa que fizeram no dia todo, que chatice. Olho à volta da mesa para os pobres, cansados e famintos e penso: só me resta uma bala na pistola. Quem será o eleito? Tenho um amigo que é médico. Arranja-me medicamentos. Gosto deles. Tenho um amigo que é advogado. Ajudou-me a processar o meu senhorio. Os meus amigos arquitectos não me dão nada. Nem medicamentos, nem conselhos médicos. E não sabem como se escreve «usucapião». Um amigo arquitecto calculou que o meu apartamento media dezassete metros quadrados. Foi simpático. Muito obrigada. Suponho que alguém poderá perguntar o que uma pessoa como eu oferece a arquitectos como vocês. Ofereço alegria. Grito-lhes quando começam a falar de arquitectura. Forço-os a discutir temas mais interessantes, como ovos de peru. Porque comemos ovos de galinha, mas não comemos ovos de peru? São maiores. E as pessoas gostam muito de peru. Estão a ver? Não tenho medo de fazer as perguntas difíceis. Por isso, caros arquitectos, vou ficar por perto, mas apenas por algum tempo. Espero que, um dia, alguns de vocês se tornem médicos e advogados ou consigam tratar-me dos impostos. E riremos ao pensar nos dias em que passavam a noite inteira a falar de um europeu que nunca conheceram que projectou um edifício que nunca verão porque estão demasiado ocupados a trabalhar em alguma coisa que nunca será construída. Mas, mesmo que esse dia nunca chegue, liguem-me na mesma. Estou livre. Atenciosamente, Annie Choi”
Traduzido por Renato Carreira
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Diário: Viagem a Coimbra 27-28-29 Novembro 2009 . Fotografias de João Borba
Evolvente do Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça, 2005, Gonçalo Byrne e João Pedro Falcão de Campos, Alcobaça
Igreja da Santíssima Trindade, 2007, Alexandros Tombazis, Fátima
Casa das Caldeiras, João Mendes Ribeiro, Coimbra
Laboratório Chímico da Universidade de Coimbra, 2006, João Mendes Ribeiro, Coimbra
Valorização do Mosteiro de Santa Clara-a-Velha, Alexandre Alves Costa, Sérgio Fernandez e Luís Urbano, Coimbra
Liceu D. João III | Liceu Nacional Dr. Júlio Henriques | Escola Secundária José Falcão, Carlos C. Ramos, J. Segurado, A. Nunes, Coimbra
Museu Machado Castro, Gonçalo Byrne, Coimbra
Pavilhão Centro de Portugal| pavilhão de Portugal, Expo 2000, Hannover, Germany, Álvaro Siza Vieira e Eduardo Souto Moura, Coimbra
Residências Universitárias do Instituto Politécnico de Coimbra, 2003, Gonçalo Afonso Dias e Daniela Antunes, Coimbra
Casa de Chá, João Mendes Ribeiro, Montemor-o-Velho
Biblioteca Municipal, Pedro Maurício Borges, Montemor-o-Velho
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Fotografia Nuno Mendes
Museu Paula Rego .
Eduardo Souto Moura
Escola Superior de Educação .
Álvaro Siza Vieira
Centro Cultural de Sines . Aires
Pousada de Stª M. do Bouro .
Mateus
Eduardo Souto Moura
Museu Serralves . Álvaro
Pousada de Stª M. do Bouro .
Siza Vieira
Eduardo Souto Moura
Museu SCHAULAGER . Herzog
Therme Vals . Peter
Zumthor
& De Meuron
Serpentine Gallery 2009 . SANAA
TATE Modern . Herzog
Capela . Peter
Capela . Peter
Zumthor
& De Meuron
Zumthor
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...
No Verão de 2007, o Alexandre Silva ingressou no Mestrado Integrado de Arquitectura do ISCTE, que frequentou nos dois anos seguintes. Com mais ou menos sobressaltos, cumpriu o primeiro ano do curso nesse ano lectivo. No ano seguinte, o seu desempenho agravouse – não sem que o aluno me tivesse convidado para conhecer o seu bairro. Visitamos a feira quinzenal que lá decorre, comemos pão com chouriço e tomamos café. Apresentou-me amigos e conhecidos e mostrou-me a sua casa: um elegante apartamento onde vivia com a mãe, decorado com arte africana e um aquário com peixes. No seu quarto mostrou-me desenhos, pinturas, e um berimbau que tocava quando participava em sessões de capoeira. No Centro Social do bairro, ensinava essa dança aos miúdos da vizinhança. Por fim, fomos a uma galeria de arte com peças que interessavam muito o Alexandre. Um dia, sugeri-lhe que deixasse de ter a mania que era diferente, e tentasse antes ter a mania que «era igual». Penso que aceitou o desafio, mas não conseguiu colocá-lo em prática. Nos meses seguintes, a sua assiduidade reduziu-se drasticamente. Como as pessoas tendem para recear o que desconhecem, os colegas tinham uma relação cada vez mais distante com o Alex – o que é natural. Se é previsível que os alunos estranhem os colegas diferentes, isso também sucede com os docentes. A verdade é que não tornei a procurá-lo. No passado mês de Agosto, o Alex resolveu deixar o ISCTE, a capoeira, a guitarra, a motorizada que comprara para entregar pizzas, o kick-box e tudo o mais. O que podemos, alunos e docentes no DAU, aprender com isso?! Talvez possamos tentar receber com mais paciência aqueles que são diferentes de nós, procurar compreender e aceitá-los.
José Luís Saldanha
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Asier Mendizabal (Ordizia, Espanha, 1973) tem vindo a problematizar no seu trabalho o lugar político da arte a partir de uma crítica radical da ideologia (nos campos da cultura e da política) enquanto domesticação da potência do signo por um conjunto de significados estabelecidos e consensualizados nos quais um determinado colectivo se revê. Recusando o simplismo didáctico de uma arte de denúncia, assim como o papel do artista como representante (ou porta-voz) de grupos minoritários e marginais, Mendizabal aborda questões complexas relacionadas com o estatuto do documento, a relação entre signo e representação, ou as articulações entre consciência individual e consciência colectiva, tomando frequentemente como referência determinadas subculturas nos campos da música e da política.
Jane e Louise Wilson: Tempo Suspenso Gulbenkian Centro de Arte Moderna . Lisboa . De 22/01 a 18/04/2010 A mais vasta exposição individual das gémeas britânicas Jane and Louise Wilson, que incluirá a sua primeira obra em filme Hypnotic Suggestion 505 (1993), mas também obras inéditas como uma série de esculturas que jogam com a arquitectura do CAM e o vídeo Songs for My Mother (2009). A mostra transporta-nos, tanto no sentido psicológico como histórico, para um universo suspenso entre épocas, narrativas e arquitecturas. Um mergulho numa dimensão transtemporal e em imagens que simultaneamente seduzem e esmagam tem, no entanto, em muitos casos, como ponto de partida a realidade social e política actual.
Lourdes Castro e Manuel Zimbro: A Luz da Sombra Serralves . Porto . De 06/03 a 13/07/2010 Esta exposição reúne antologicamente pela primeira vez os trabalhos de Lourdes Castro e de Manuel Zimbro, companheiros e colaboradores na vida e no trabalho ao longo de mais de três décadas. Lourdes Castro (Madeira, 1930) parte das suas pesquisas sobre a sombra de flores, pessoas e objectos para construir uma obra singular com a qual redefine uma relação da obra de arte com o mundo de que faz parte. Na segunda metade da década de 1970 produz, primeiro com René Bertholo, depois com Manuel Zimbro, um Teatro de Sombras onde junta cenas do quotidiano a outras situações onde o maravilhoso e o fantástico se revelam. Manuel Zimbro (Lisboa, 1944 – Madeira, 2003) apresentou em exposições projectos como “Torrões de Terra” e “História Secreta da Aviação”. Agora, para além destes projectos e das suas colaborações com Lourdes Castro, serão também apresentados pela primeira vez outros trabalhos da sua autoria.
© A. Mendizabal
Asier Mendizabal . and/or Culturgest . Lisboa . De 6/02 a 18/04/2010
© Jane & L. Wilson
Composto em grande parte por objectos, esculturas e fotografias, o trabalho de Koenraad Dedobbeleer (Halle, Bélgica, 1975) procede de uma atenta observação da realidade urbana, da arquitectura e de objectos funcionais, mas também dos espaços expositivos e das convenções que presidem à apresentação da arte. O artista apropria-se de formas e objectos que encontra, submetendo-os a transformações, por vezes mínimas, através dos materiais que emprega na sua recriação, da associação a outros objectos e formas, de alterações de escala ou da utilização da cor. Mesmo quando os modelos apropriados se mantêm reconhecíveis, os diferentes modos de manipulação e descontextualização (entre os quais se conta a judiciosa inscrição das obras no contexto expositivo) conferem às suas obras uma qualidade eminentemente abstracta.
© Lourdes Castro
Koenraad Dedobbeleer . A Privilege of Autovalorization Culturgest . Lisboa . De 6/02 a 18/04/2010
© K. Dedobbeleer
Agenda
nĂşcleo de alunos de arquitectura e urbanismo do iscte