newsletter #4 outubro/novembro2008
Paulo Tormenta Pinto Manuel Tainha Eduardo Arroyo Robert Venturi
Índice
PAULO TORMENTA PINTO A Cápsula
03
MANUEL TAINHA O Fazedor
05
EDUARDO ARROYO Mephisto Testing
09
ROBERT VENTURI Não é Modernismo, é maneirismo
11
AGENDA
12
No passado ano lectivo foi criado o Núcleo de Arquitectura e Urbanismo, que iniciou a sua actividade com a intenção de desenvolver projectos para uma melhor integração e debate entre os alunos, com um especial destaque às edições da nossa Newsletter, à conferência com o Atelier Embaixada, e à exposição dos trabalhos desenvolvidos no ano anterior. Foram também organizados os habituais jantares de curso e um Workshop de fotografia Pinhole, integrado na semana cultural da Associação de Estudantes, a abertura da sala B307 e a reorganização dos cacifos, a que agradecemos o apoio do Departamento. No arranque de mais um ano lectivo, o NAU inicia a sua actividade com o lançamento da Newsletter nº4. Pretendemos abordar esta edição de uma forma diferente das anteriores, recorrendo a ensaios publicados (sugeridos pelos seus próprios autores), assim como à transcrição de algumas das apresentações feitas aquando da abertura deste ano lectivo, numa tentativa de provocar algum debate em torno do grande tema ARQUITECTURA. Resta-nos salientar que o Núcleo é agora constituído por dois elementos de cada ano. Assim sendo, pertencem à direcção: João Fonseca e Inês Amaro (1º ano), João Pedro Borba e Luís Martins (2º ano), Catarina Simões e Samuel Dias (3º ano), Eduardo Filho e Hugo Coelho (4º ano), Hugo Oliveira e Ana Castanho (5º ano). Desejamos a todos um excelente ano lectivo
nau@iscte.pt
Ensaio
Paulo Tormenta Pinto A Cápsula
Introdução feita pelo Professor Paulo Tormenta Pinto a propósito da palestra dada pelo Professor Manuel Tainha
Na década de 60 o tema da «Cápsula» emergiu no universo da arquitectura, alguns factores proporcionaram essa atenção a um imaginário que se considerava não explorado. Sem dúvida que as conquistas espaciais e científicas ocorridas nessa década potenciaram a atenção para um imaginário povoado por objectos sem arestas, ergonómicos e altamente versáteis. A «Cápsula» adquiria uma dimensão conceptual, que pela sua versatilidade permitia uma desterritorialização, possibilitando um diálogo constante entre, uma macro-escala (tangência da desmesura), e uma micro-escala (o acutilante olhar do indivíduo). A «Cápsula» enquanto parcela mínima continha em si mesma a aura de um mundo novo, contribuindo, num certo sentido para o consumar de uma ideia de libertação em relação a um anterior paradigma, totalitário e centralizado. A descentralização, ou melhor a desmaterialização de uma ideia totalitária de centro, permite um olhar renovado sobre a sociedade e por conseguinte sobre o modo como se edifica a arquitectura. Este conceito de desmaterialização das estruturas sociais e urbanas encontra ecos na inquietude social que se viveu também naqueles anos, que culminaram nos distúrbios de 68 em Paris. O papel da arquitectura neste período é, também, de grande transformação, uma vez que existe uma pertença libertação de um anterior paradigma liderado naturalmente pelos mestres dos CIAM, sendo o congresso do Team X, de 1959, o acontecimento mais relevante no processo de transformação do modo de pensar a arquitectura e a cidade. Nos meandros de todos estes acontecimentos, pairava no imaginário geral as cúpulas de Buckminster Fuller, e as Case Study Houses, do casal Ray e Charles Eames, tão interessantemente interpretadas por Alison e Peter Smithson. Buckminster Fuller, é uma figura de grande relevo na construção do imaginário destes anos. O seu conceito de Dymaxion (Dymanic – Maximum – Tension), permitiu-lhe ainda na década de 20, projectar uma casa estruturada num único pilar central, tão económica e fácil de construir que podia ser acessível a todos, tal como o automóvel que também desenvolvera. Mas o maior legado de Bukminster Fuller são as cúpulas, construídas com estruturas aligeiradas, baseadas em formulações matemáticas, que o próprio Fuller desenvolvia. Foi sob a cúpula que projectara para a exposição universal de Moscovo em 1959, que os Eames exibiram em multi-ecráns o seu filme Glimpses of the USA, demonstrando na capital soviética «a day in the life of the United States». Este entendimento de uma estética do quotidiano, fazia parte do modo de estar dos Eames, consertando-se também com a própria época descrente dos grandes acontecimentos, mais sensível ao improvável e à participação do próprio individuo na leitura das coisas, reagindo assim a uma ideia institucional de interpretação tanto do presente, como do passado.
Retoma-se num certo sentido, as considerações sobre a história de Walter Benjamin a propósito de um quadro de Paul Klee – Em Agelus Novus, a figura angustiosa do anjo com o rosto dirigido ao passado, penitencia-se por não poder reconstruir os fragmentos amontoados pela tragédia do progresso. Benjamin critica o historicismo factual, em vez disso uma historiografia de pequenos momentos, de fragmentos, de mónadas, ideia que recupera do iluminismo de Leibniz. A mónada, ou parcela mínima vem a interessar também a Gille Deleuze permitindo-lhe já na década de 70 elaborar com Félix Guattari o livro Kafka para uma literatura Menor, onde aborda o agenciamento através da mente tortuosa do escritor Judeu, que viveu em praga e que escreveu em alemão. A pequena parcela de onde se pode ver o mundo é também um convite a uma introspecção do individuo e da sua própria existência, num registo de desterritorialização, que permite uma leitura, ora de dentro, ora de fora. Foi muito nesta linha de pensamento que os Smithson se dispuseram a estudar os pequenos aglomerados urbanos ingleses discorrendo a sua auto-suficiência, apesar da imprecisão da sua implantação. Os «clusters» são comunidades que cresceram espontaneamente, aos Smithson interessava-lhes a morfologia destes aglomerados, estudando-os tanto isoladamente como de um modo mais abrangente. A sensibilidade dos Smithson ao tempo é também notória na «House of the Future», projectada para a exposição do Daily Mail, onde o olhar indiscreto dos visitantes, viola o quotidiano recriado por figurantes, num cenário de superfícies fluidas e lisas, que se dispõem em torno de um pátio. Esta casa que recorda uma nave, ou num sentido mais terreno o interior de uma caravana, não parece ter lugar fixo, sendo tão somente um espaço que armazena, a banalidade de um quotidiano por vir. É na relação entre a macro e a micro-escala que reside a discussão intelectual sobre a organização social, e é este o tema que levou, também nesses mesmos anos a extrapolações fantásticas, ainda que revestidas de uma certa ironia, como as do grupo Archigram, com a proposta para a torre de cápsulas, ou mesmo com a walking city. Seria contudo interessante, uma libertação do período histórico onde a ideia de «Cápsula» obteve tão grande entusiasmo, colocando a imagem poética da Boule de Savón (de 1867) de Edouard Manet, onde a ingenuidade de uma criança parece produzir um novo universo, afinal instável, que deambulará sem se saber por onde, espelhando de um modo distorcido o mundo que o rodeia. Em Boule de Savón conseguimos também resumir o processo criativo, tanto pelo desejo de conseguir produzir algo com a liberdade de acção de uma criança, como pela «Cápsula» para onde urge entrar, sendo certo que uma vez no seu interior, conseguimos por momentos parar o tempo e habitar num outro mundo, protegido apenas por finas paredes de sabão que a qualquer momento irão rebentar. Abrindo agora espaço para a conferência do Arq. Manuel Tainha, gostaria de terminar esta apresentação com uma imagem que traduz uma reflexão recorrente na sua obra, a «Cápsula», que nos permite num momento improvável observar de fora a fachada de um edifício.
Ensaio
Manuel Tainha O Fazedor
Texto proferido pelo Professor Manuel Tainha a propósito da conferência introduzida pelo Professor Gonçalo Byrne e enquadrado no workshop de abertura do ano lectivo 2008-2009 do Mestrado Integrado em Arquitectura
© José Saldanha
Certo dia um poeta cujo nome agora não me recordo, abria-se com o seu amigo Stéphane Malarmé, também ele poeta, dizendo: “Não consigo terminar o meu soneto. E não é por falta de ideias” acrescentava. Ao que Malarmé tranquilamente respondeu: “Os versos não se fazem com ideias, fazem-se com palavras”. Os versos fazem-se com palavras. Tal como a música se faz com sons, a pintura com cores. Cada arte tem ao que parece os seus “materiais” próprios com os quais constrói mundos imaginários. E a Arquitectura? Quais os “materiais” com que ela se faz? Sabendo nós que a grandeza de uma obra reside na elevada qualidade da sua matéria arquitectónica e não na natureza das ideias? Nada é mais contrário à realidade da Arquitectura do que considerar que ela é a realização de uma ideia: a IDEIA, conceito abstracto e racional sem qualquer correspondência com algum objecto sensível. Existem, sim, ideias ou pensamentos arquitectónicos tal como existem ideias musicais, pictóricas, fílmicas, etc. Porém não se chega a uma ideia arquitectónica senão pela arquitectura e nunca por fora dela. Há todas as probabilidades de uma figura, uma coluna, um perfil nos sugerir uma ideia, mas nunca o contrário, isto é, encontrar um perfil, uma coluna, uma figura a partir de uma ideia. Pois bem, mesmo que se aceite que uma ideia arquitectónica esteja na origem de um design, a sua realização está de tal modo sujeita às circunstâncias reais em que a obra acontece – o cliente, o programa o sítio, o limite orçamental, os colaboradores – que nenhum arquitecto está em condições de predizer o resultado. Como dizia Jonh Cassavets em relação ao filme “nós só conhecemos o final quando lá chegamos” Embora um projecto seja por natureza um acto eminentemente finalístico – pôr uma casa em pé – ele é sempre contingente, condição esta de que nenhum arquitecto se liberta ou passa ao lado. Pelo contrário ele vê-se sempre confrontado com uma pluralidade de dados da realidade em que está a operar, ao ponto de por vezes se ver investido na pele do gestor, do homem de negócios, do contabilista, do advogado, do confessor, do pedagogo, do construtor, quer ele tenha ou não jeito para isso. Disse-nos Claude Bernard que “as matemáticas representam as relações entre as coisas nas condições de simplicidade ideal”. Ao que eu acrescentarei que as artes representam as relações entre as coisas nas condições da sua complexidade real; e a arquitectura é uma arte. Porém essa complexidade, além de se nos apresentar em cada caso em edição original, ela não se deixa descrever na sua totalidade. E mesmo que isso alguma vez fosse possível, isso não chegaria pois é necessário que dela se retire um SENTIDO, sem o qual nenhuma acção se inicia. Então perante esta dificuldade insanável, duas coisas podem acontecer. Ou o arquitecto toma de empréstimo um modelo de eficácia reconhecida e já comprovada em circunstâncias semelhantes – não há que ter preconceitos acerca disso – ou então, criativo como é, ele vê-se compelido a apreender a realidade complexa em que vai actuar por vias estranhas ao entendimento e às suas construções verbais; penetrando directamente no inconsciente. Já Poincaré nos dizia que “a Intuição (pois é disso que se trata) é o instrumento da invenção”.
E será aí que com todas as probabilidades se constrói com o auxilio da imaginação o “ângulo de visão” que põe tudo em relação com tudo o resto sem obedecer a uma hierarquia previamente estabelecida. Ângulo de visão que é afinal o SENTIDO sem o qual, como disse atrás, nenhuma acção se inicia em direcção à solução do problema. “Do fundo da inconsciência Da alma sobriamente louca Tirei poesia e ciência, E não pouca” (Poemas dramáticos/F.Pessoa) Aqui para nós, estou em dizer que o mais das vezes são as duas modalidades que acontecem: nem sempre se é seguidor, nem sempre se é inventor, e o seguidor tem um papel tão importante como o inventor na construção do saber e da cultura. Disso não tenho dúvidas. (Seria interessante submeter esta questão do sentido e da hierarquia na percepção e assimilação dos dados da realidade a estudo aprofundado, mesmo que no final venhamos a dar de caras com um novo rosto de Vitrúvio. Só teríamos a ganhar com isso). Depois, há que verificar se tudo na solução/resposta ao problema está em conformidade com a realidade tal como a conhecemos. Primeiro vem a solução, depois, os problemas da solução (a balança foi utilizada muito antes de se conhecer a teoria da alavanca). Aí, onde a teoria não existe, o estudo de casos é o recurso ideal, na perspectiva de que na obra em observação a realização é sempre mais importante do que o realizado, embora seja no realizado que se descobre a sua realiza-ção, e nunca fora dele. Considerada em si mesma a obra não explica nada, não exprime nada, não diz nada a ninguém. Dá-se como puro ente, como disse Carlo Giulio Argan. O fim único da obra é instituir uma ordem, o que necessariamente requer uma construção. Feita a construção, alcançada a ordem, tudo está dito, tudo está feito. E não há teoria que explique o que se sugere, exactamente porque a obra de arquitectura é sempre um facto contingente. Mas tal como não podemos esperar por uma explicação da vida para a viver, também não podemos esperar pelos dias da teoria para fazer arquitectura; ainda que não possamos fazer menos do que procurá-la. Alguma coisa nos move a fazê-la, e a fazê-la da melhor maneira que sabemos e podemos. Será instinto? Será premeditação ou a simples necessidade? É bem conhecido o alto grau de premeditação que o sentimento da individualidade põe, hoje, nas suas obras. E o instinto, aptidão natural da personalidade, esse, não passa de uma “máquina de lembranças”. O instinto não cria, apenas reproduz; não inova, apenas repete. Enfim, seja destino, seja premeditação o que é certo é que a composição arquitectónica é sempre um processo experimental, em que as experiências são feitas, não com conceitos (isso é próprio da filosofia), mas com imagens. E aí eu estou em casa, pois tenho para mim que a imagem é o instrumento de incontornável valor prático e poético do trabalho do arquitecto. (Devo dizer que de momento não é tanto, ou sequer, a natureza da imagem que me interessa, quanto o seu estatuto, a sua função no interior do processo da criação arquitectónica). O elevado grau de liberdade que a imagem concede permite-nos realizar um número ilimitado de operações intelectuais – combinações, transformações, deformações, e mesmo transgressões – que o objecto real nunca nos permitiria, a não ser num estudo próximo da insanidade (consta que Hitler, que se tinha por arquitecto, compunha sobre construções reais, em tamanho natural). É esse tipo de “raciocínio visual” que dá lugar ao uso corrente de metáforas tais como “o olho inteligente”, a “inteligência de vistas largas”, “o olho inocente” de Ruskin, etc. O processo de concepção/composição consiste precisamente em ir reduzindo sucessivamente os níveis de liberdade que as imagens proporcionam até se ficar apenas com uma; aí se configurando a solução do problema como uma clarividência única. Agora, sendo um instrumento privilegiado no processo formativo do objecto arquitectónico, a imagem como representação ideal de um futuro possível detém o poder de projectar a imaginação e a memória numa pluralidade de sentidos, de mundos densos de vida e de acontecimentos. E daí que se deva dizer que a imagem não é uma coisa, é um acto. Quando uma emoção, um estado ou movimento se associa à imagem, esta adquire pelo dinamismo da memória o poder de provocar aquela emoção, aquele estado ou sugerir aquele movimento. De facto a imagem visual não esgota toda a realidade da Arquitectura. Tal como o prisma decompõe a luz solar nas cores principais do espectro, também a arquitectura ao vivo desperta a nossa sensibilidade para tantas impressões e sensações quantas as recolhidas pelos sentidos – visuais, sonoras, tácteis, cinéticas, e, porque não, olfactivas (os cheiros que os lugares têm): o tecido sensorial da percepção. O que nos leva a dizer que a percepção
ao vivo e em movimento da arquitectura é feita com o corpo todo. E esse é o carácter distintivo da arquitectura, em oposição à escultura. Ítalo Calvino, o escritor, percebeu isto como ninguém, tal como nos mostra no seu livro “Sob o Sol Jaguar”, cujo capítulo “O Rei à escuta” nos dá uma lição magistral de como compreender a Arquitectura.Deste ponto de vista, a composição arquitectónica ganha todo o sentido como tentativa de tornar inteligível uma experiência puramente física. E neste “inteligível” cabem: a razão, a emoção, a memória e a imaginação, as faculdades que nos foram dadas para compreender o mundo. Por que meios realiza a arquitectura esse milagre? E aqui estamos caídos na questão inicial que como estão lembrados é a de saber quais os “materiais” com que se faz / se compõe arquitectura: o nosso equivalente aos “materiais” com que se compõe o verso, a música, o filme, etc. e que em meu entender constitui a sua verdadeira substância, o campo de reflexão próprio a que tem direito. A minha experiência diz-me que sendo a Arquitectura o lugar onde decorre a parte grande dos actos da nossa existência, aquilo que o arquitecto inventa são unidades de espaço – tempo – movimento. Este seria o carácter distintivo da obra arquitectónica: a sua identidade. Porém, a unicidade sui-generis desta coligação espaço – tempo – movimento não pode ser pensada, só pode ser experimentada passionalmente, isto é, subjectivamente, emocionalmente. O mesmo é dizer esteticamente. E a estética abomina o vago, o impreciso, o abstracto; pelo contrário, alimenta-se do concreto do que tem existência real. (Quando aqui me refiro à estética não é a estética dos estetas, do belo e do sublime, mas à estética como componente orgânica do pensamento arquitectónico, uno e indiviso, porta aberta ao acto artístico. Por isso digo que renunciar à estética será (parafraseando Marx) cortar o galho em que nós arquitectos estamos sentados). Mas então pergunto : não será o tempo um certo modo de pensar durações, ritmos, frequências; não será o espaço pensável como distâncias, extensões; e o movimento como mudança de posições no espaço e no tempo? Se a resposta for sim, então eu já tenho na mão, já disponho de entidades sensíveis, concretas, mensuráveis com as quais posso trabalhar na formação das imagens, que são o domínio soberano da intuição estética. Em primeira aproximação poderíamos então aceitar que distâncias, extensões, durações, ritmos, frequências, mudanças de posição determinadas pelos actos da nossa actividade, são os materiais de primeira linha na criação arquitectónica. Todavia eles só ganham existência efectiva quando submetidos à lei das grandezas, que governa o mundo real, dos seres e das coisas isto é, quando lhe são impostos limites físicos, materiais: o acto arquitectónico é sempre uma experiência do limite. Não foi Nikolai Lobachevsky quem nos disse que as propriedades geométricas do espaço dependem das propriedades físicas da matéria? Pois bem, mudando de escala, isto é, transpondo, não sem algum risco, esta noção do plano microfísico em que se situava Lobachevscky, para o plano macrofísico do espaço de experiência, o espaço empírico onde decorrem os actos e os acontecimentos das nossas vidas, e onde se situam os objectos que produzimos, ter-se-á (penso eu) encontrado o fio lógico que liga indissociavelmente o espaço à matéria; não se podendo pensar um sem a outra. O espaço deixa assim de ser aquela entidade autónoma e enigmática – “o protagonista da Arquitectura” como lhe chamava Bruno Zévi, como se tivesse vida própria – para ser relativizado como facto contingente. Como porém é sempre difícil aplicar uma ideia simples a um fenómeno complexo, o arquitecto, realista e astuto como é, e possuidor de uma vista inteligente, no seu trabalho umas vezes coloca o espaço antes da matéria e só depois é que pensa nos seus limites materiais físicos e sensíveis – e aí o espaço é uma COISA; outras vezes começa pela matéria, dela deduzindo a geometria do espaço – e então este é uma FUNÇÃO. Devo dizer em abono da verdade que o acto criativo do arquitecto báscula incessantemente entre a abordagem do espaço como coisa e o espaço como função. Não pode é em nenhum caso prescindir de qualquer das duas versões. Se prescindir da primeira – a coisa – fica-se aquém da arquitectura no domínio da mera construção; se prescinde da segunda – a função – então a coisa não passa de um sonho que na hora da verdade que é a construção da obra se transforma num pesadelo. Chegado a este ponto, e para me aproximar mais do senso comum pergunto : não será o espaço o outro nome dado ao VAZIO, em oposição ao CHEIO que é a matéria? Não será este o pivot em torno do qual gira todo o sistema do pensamento arquitectónico; seja à escala do edifício seja à escala da cidade, seja à escala conjectural do Universo ? Descontado o conteúdo filosófico – religioso – mítico que este duo CHEIO / VAZIO possa ter – e o Panteão de
Roma de Apollodoro, por exemplo, tem-no em elevado grau – é na relação de oposição dialéctica (ou dialógica) entre esses dois termos que nas suas infinitas combinações se joga o destino da Arquitectura desde que o homem foi expulso do Paraíso – onde a arquitectura não era precisa para nada – até ela ser o que é hoje, quando está a ganhar estranhas conotações. Aceitando, para não ir mais longe, que um edifício é um sólido, qualquer que seja a geometria por que se rege – euclidiana, ou não euclidiana – e qualquer que seja o estado de existência da matéria que lhe dá corpo – a pedra, o adobe, o tijolo, o vidro, o aço, o plástico, o betão, para o efeito considerados nas suas propriedades físicas e sensíveis (peso, densidade, elasticidade; textura cor, etc. – ele como sólido goza das propriedades ditas estereométricas que são: o volume, a superfície, a linha que contém e definem o vazio. Estes serão no seu conjunto os “materiais” de segunda linha, mas nem por isso menos importantes, com que se compõe arquitectura, a sua matéria pensante. E aqui se verifica mais uma vez que há aqueles arquitectos que como Frank Lloyd Wiright privilegiam o espaço interior, o vazio; enquanto outros privilegiam o sólido, a casca, o cheio, como Le Corbusier para quem, como se lembram, a arquitectura é “o jogo sábio e magnifico dos volumes sob a luz”; o que o aproxima do escultor que ele realmente foi, e para o que inventou um código de leitura próprio que se chamou Purismo. Ao conferir grandezas a estas propriedades em nome do princípio da funcionalidade, da construção p.d., e/ou da intencionalidade estética que é um dos sintomas da Arte, o arquitecto debate-se com a dificuldade maior que consiste precisamente em converter em quantidades aquilo mesmo que é concebido em termos de qualidades. Por outras palavras ele tem que adaptar a medida à sensação desejada afim de obter o resultado de produzir a sensação, a emoção de maneira constante e idêntica. Isto porque, queiramo-lo ou não, na sua concepção a arquitectura é sempre uma construção imaginária feita com sensações e emoções reais. Para isso ele dispõe de um conjunto de instrumentos intelectuais que lhe permitem gerir e regular inteligentemente o mundo das grandezas: o ritmo, a proporção, a escala, a luz em movimento etc.1 É o conhecimento destes meios instrumentais que lhe permite prever e construir mundos possíveis, por vezes sem se preocupar com o assunto, o tema da obra, ou a mecânica geral da sua arte. É que há momentos no acto da concepção em que “the matter don’t matter”, aí se configurando o domínio próprio e absolutamente seu da Arquitectura.
Manuel Tainha Lisboa, Setembro de 2008
1 – Na música o ritmo significa a repetição de tons de uma medida periódica fixa, uma simples regularidade sobre a qual se tece a trama musical. Na arquitectura, passa-se o mesmo. O conceito de ritmo é aí tido no sentido de repetição de dimensões modulares uniformes, ou elementos tais como vãos em geral, estruturas, alturas ou outras dimensões principais; obedecendo a um princípio de serialidade e de modularidade. Na actividade e na mente das pessoas as estruturas rítmicas expressam antes do mais uma sequência de actos no tempo e no espaço; fazendo sempre um apelo à memória do corpo na experiência da distância. Por seu turno a proporção é uma relação entre grandezas, que tende a submeter o subjectivo (a sensação, a emoção) à norma, ao número, à geometria. Quer dizer, ela pode ser o resultado de uma operação aritmética, algébrica ou da simples intuição geométrica. O seu instrumento histórico privilegiado é o traçado regulador cuja construção tomou por base sistemas que vão desde o pentágono de Pitágoras até ao Modulor,, passando pelo rectângulo de ouro e Fibonacci ou os traçados de Leonardo, Villar de Honnecomt, etc. Coisas que neste momento estão fora de moda dando lugar à simples vontade ou intencionalidade expressiva das individualidades, por vezes suportadas por verdadeiras proezas tecnológicas com que assombram o mundo.
Manisfesto
Eduardo Arroyo Mephisto Testing
Há duas maneiras de não sofrer o inferno que entre todos construímos. A primeira é fácil: aceitá-lo e voltarmo-nos de maneira a que cheguemos a um ponto em que deixamos de o ver. A segunda é arriscada e exige uma atenção e aprendizagem contínuas: procurar e saber quem e que coisas não são tormentos, fazer com que perdure e dar-lhe espaço Marco Polo
© No.mad
Na perplexidade a que nos associámos pela incapacidade de escolhermos o mais conveniente e devido às dificuldades exibidas nos factos e circunstâncias que circundam a arquitectura deste tempo, o arriscado é tomar partido do mais honesto. Uma Incerteza ou uma certeza? Benoit Mandelbrot, nos seus trabalhos relacionados com a produção de geometrias – mediante sistemas arriscados – referia-se à incerteza como sendo um mecanismo poderoso na criatividade e identificava-a como um processo gradual de afinidade relativamente àquilo que vamos descobrindo. A base da sua vocação descobridora associava-o à manifestação recorrente e involuntária daquelas certezas que já tinha dominado. As novas questões apenas se resolvem de maneira precisa com a arquitectura que desconhecemos. Um Princípio ou uma metáfora? Albert Einstein distinguia muito claramente os Princípios (que para ele representavam um grau superior da compreensão do mundo) dos acontecimentos metafóricos nascidos de um pragmatismo sem desejo de compreensão da realidade e com perigosas pressuposições da verdade. Os Princípios insinuam a existência de vários significados na arquitectura enquanto que a metáfora é simples aparência em si mesma e invariável diante dos contextos mais diversos.
© No.mad
É exógeno ou asséptico? James Clerk Maxwell com o seu célebre demónio (Demónio de Maxwell) esclarece-nos o carácter informativo de tudo o que existe no mundo através de uma contínua troca de dados que provoca desequilíbrios necessários para os sistemas evolutivos. O intercâmbio das condições com o externo protege a vontade transformadora e possibilita a própria definição dos limites da arquitectura sem habitar um conformismo asséptico. É Homogéneo ou descontínuo? Karl Popper alertou para a necessidade de estudar as nuvens em comparação com os relógios devido à presença de propriedades homogéneas e constantes em variação da sua forma. Isto confere-as características energéticas mais próximas do funcionamento do real que a corda mecânica utilizada até ao presente. A arquitectura surge quando se excita o vazio, onde antes não existia nada agora há tensão e propriedades consistentes e contínuas entre superfície e volume. É Informal ou complicado? Ilya Prigogine recorda-nos que nas trocas de fase de essência, ao adicionar informação a um determinado sistema se chega a um ponto em que se entra num novo e surpreendente regime de trabalho em que as suas qualidades, forma e aparência variam. A complexidade assim descoberta é instintivamente próxima já que está dentro do nosso ser, e a sua presença produz ressonância. A dificuldade é demonstrada por um uso superficial da imagem da complexidade e implica a ausência das suas propriedades de funcionamento. A forma e a imagem a ela associada não são a vocação primordial da arquitectura e aparecem como resultado de propriedades informais orientadas pelos Princípios. Mephisto Testing E assim, num fulgurante teste, a honestidade é revelada naquela arquitectura que resolve as incertezas através de princípios exógenos e homogéneos geradores de uma informalidade complexa.
Eduardo Arroyo, 2007
Ensaio
Robert Venturi
Hoje não é Modernismo,
é Maneirismo
© Fotografia de Rollin LaFrance para Venturi, Scott Brown & Associates, Inc.
Apropriado para hoje: Maneirismo – não Modernismo – ou o neo-Modernismo que impera no “chic arquitectónico” do nosso tempo. O pragmatismo de que se fala presentemente em Nova Iorque é apropriado mas parece não haver qualquer conexão entre a teoria de que falam e a arquitectura que os mesmos desenham e admiram. O pragmatismo como método e o maneirismo como estilo representam aquilo que nós estivemos a falar e a desenhar – e também a admirar. A Porta Pia de Miguel Ângelo é representada na capa da primeira e segunda edições de Complexidade e Contradição em Arquitectura e, obviamente, o próprio título poderá ser a mais pura expressão da ideia de maneirismo. Há também uma frequente referência à arquitectura italiana do século XVI. Escrevi também sobre a minha paixão e admiração e a minha aprendizagem pela arquitectura histórica britânica, através da qual encontro traços significantes do maneirismo que percorrem via naiveté e sofisticação na arquitectura Isabelina e Jacobeana de Inigo Jones, Sir Christopher Wren, Sir John Vanbrugh e Nicolas Hawksmoor, Green Thompson, Charles Renee Macintosh, Sir Edwin Lutyens, entre outros. Para a nossa era de intenso multiculturalismo e com o aparecimento intensivo de novas tecnologias, os arquitectos deveriam reconhecer e acomodar estéticas complexas e contraditórias – justapondo: ordem e desordem, unidade e desunião, claridade e ambiguidade, consistência e inconsistência, harmonia e dissonância, extraordinário e ordinário, belo e feio, novo e velho, abstracção e iconografia, função e ornamento, clímax e anti-climax, monotonia e fanfarra, originalidade e convenção (e convenção com um twist), representação e sobreposição, excepções nos ritmos par excellence, derrubando regras mas não de forma arbitrária, e viva o circunstancial! – em vez da ideologia! Novamente: hoje não é Modernismo, é maneirismo. Viva o maneirismo que adopta a iconografia e a electrónica – assim como o pragmatismo evitando a ideologia! Robert Venturi, FAIA, Int. FRIBA | Director do Venturi, Scott Brown and Associates, Inc | www.vsba.com
Agenda Peter Zumthor: Edifícios e Projectos 1986-2007 | LX Factory | até 2/Nov | visitas@experimentadesign.pt
Nasceu de uma iniciativa do Kunsthaus Bregenz (KUB) em colaboração com a Experimenta Design. Compreende 29 projectos e edifícios apresentados através de um impressionante acervo documental proveniente dos arquivos do Atelier Zumthor: desenhos, esquiços, plantas e maquetas. Pelo seu poder representativo e impacto físico, destacam-se seis maquetas de grande escala e duas instalações vídeo que propõem uma nova forma de mostrar e ver arquitectura num contexto expositivo.
Espaços Sensíveis | Museu Colecção Berardo | até 2 Nov | 21 361 2400
Uma selecção de grandes instalações da Colecção de Arte Contemporânea da Fundação “la Caixa”, que configura um trajecto para sentir, reflectir e emocionar-se. Luz, imagens, espaço e tempo são os meios explorados pelos artistas representados nesta selecção de obras.
Habitar Portugal 2003/2005 | Centro Cultural de Ílhavo | até 12 Out | 234 397 260
Esta exposição apresenta 77 obras de 60 autores e representou Portugal na Bienal de Veneza de Arquitectura. É considerada a síntese da melhor produção arquitectónica do início deste século em Portugal. A exposição é constituída por um conjunto de painéis que apresentam as 77 obras seleccionadas, organizadas pelas seis regiões em que se estruturou a sua escolha. A complementar os painéis expositivos são apresentadas maquetas e suportes de imagem, diaporamas e vídeos.
Juan Muñoz | Museu Serralves | 31/Out a 31/Jan | informacoes@serralves.pt
Esta exposição documenta o carácter extraordinariamente inovador e abrangente da obra de Muñoz em domínios vários – escultura, instalação e desenho. Entre outras séries, serão exibidos os esboços da famosa série Raincoat Drawings [Desenhos em impermeável].
Weltliteratur. Madrid, Paris, Berlim, São Petesburgo, o Mundo! | Fundação Calouste Gulbenkian | até 4 Jan | 21 7823700
A expressão de Goëthe, associada ao verso de Cesário Verde, para mostrar a literatura portuguesa do Mundo, numa exposição singular que conta com o comissariado de António M. Feijó e a concepção dos arquitectos Francisco e Manuel Aires Mateus. Textos literários, documentos e obras de arte apresentados em 11 salas autónomas que mostram a literatura e os autores da geração de Fernando Pessoa. (Ciclo de conferências a decorrer no auditório 3, às 18:00 (entrada livre. Lista de oradores no site da fundação)
World Architecture Festival | Barcelona | 22-24/Out | www.worldarchitecturefestival.com
Este festival irá reflectir a natureza cada vez mais internacional da arquitectura. 256 apresentações serão feitas, havendo posteriormente a entrega dos prémios. Várias exposições para serem vistas.
Seminários do Departamento de Arquitectura e Urbanismo do ISCTE | ISCTE - Auditório B104 | 14:30 (sextas-feiras) | 21 7903060 10/Out 17/Out 24/Out 31/Out 14/Nov 21/Nov
Manuel Salgado Jorge Freitas Branco Álvaro Domingues/Nuno Portas Rui Furtado (a confirmar) Eduardo Souto de Moura (a confirmar) Deolinda Folgado