NAU Newsletter 06 (Mar 2009)

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notícias Nuno Brandão Costa vence Prémio Secil de Arquitectura O arquitecto Nuno Brandão Costa, é o vencedor do Prémio Secil Arquitectura com o edifício administrativo e de “show-room” dos Móveis Viriato, na Rebordosa, Porto. O júri, presidido pelo arquitecto Duarte Nuno Simões - e constituído pelos arquitectos Álvaro Siza Vieira, Eduardo Souto de Moura, Pedro Ravara, Raúl Hestnes Ferreira, Ana Vaz Milheiro e Armindo Alves Costa - afirma sobre o edifício premiado que demonstra a «capacidade da arquitectura transformar a envolvente», referindo-se à zona industrial onde ele está integrado; é, ainda, um edifício com fins comerciais, situação que só por vezes é objecto de projecto de arquitectura.

índice Notícias 01 Prémio Secil Universidades 02 Conversa com Sérgio Fernandez 03 Reflexão Eduardo Arroyo 12 Transgénicos – Álvaro Domingues 16 Fotografia 20 Agenda 22

O NAU-ISCTE agradece a colaboração e disponibilidade de todos os participantes nesta edição. Colaboradores Catarina Dias, Sérgio Fernandez, Guilherme Rosa, Josué Santos, Kaputt, Eduardo Arroyo – tradução de Hugo Oliveira e Álvaro Domingues.

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kaputt recebem menção Honrosa no concurso internacional de arquitectura "House of Arts and Culture", Beirute O Ministério da Cultura libanês promoveu recentemente um concurso a nível internacional para o projecto de arquitectura de um centro cultural em Beirute. Este edifício, patrocinado pelo Sultanato de Oman, será a primeira estrutura deste tipo a construir neste país. Os seus 15000 m2 de área útil estão distribuídos por salas de trabalho para artistas residentes e convidados, salas de exposição, auditórios, biblioteca, cinemateca, restaurante e espaços públicos exteriores. Com este edifício pretende-se dar expressão física à longa tradição criativa e multi-cultural deste país, bem como cumprir a função de ponte cultural nesta região. Para este concurso inscreveram-se 757 equipas de 63 países e 388 projectos foram submetidos à apreciação do jurí internacional.


notícias Alunos de Arquitectura do ISCTE ganham Prémio Secil Universidades Os alunos Josué Valente Santos e Guilherme Rosa, finalistas do Mestrado Integrado em Arquitectura do ISCTE, foram premiados no Concurso Prémio Secil Universidades, ambos com projectos para casas destinadas a agro-turismo turismo na Quinta da Azinheira Velha, antiga feitoria da Telha, no município do Barreiro.

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uilherme Rosa

O projecto realizado para a quinta da Azinheira Velha, local da antiga seca do Bacalhau situada no Barreiro, partiu de várias premissas de abordagem ao tema. Primeiro que tudo, houve a necessidade de descortinar a localização que melhor se adequava ao programa. O local escolhido não revela uma particular situação de destaque no território, mas tenta colocar-se em posição de comunicação quer com os antigos edifícios da seca do bacalhau, quer com os elementos naturais já existentes na quinta. A localização do projecto situase assim no espaço intersticial do edifício da Seca Artificial com o sapal nascente.

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osué Santos

O desenvolvimento de uma casa de Hospedaria para agro-turismo na Quinta da Azinheira Velha apoia-se na projecção de um edifício em torno das Caldeiras. Toma como principal referencia os muros préexistentes que determinam a implantação do percurso formado por novos muros de betão branco. Prevê-se conseguir uma intervenção integrada no território que viva da exploração das relações com a quinta e o rio. O habitat, ora conduzido ora libertado neste percurso beneficia de uma sucessão de espaços que fazem a gradação entre interior e exterior. Os elementos préexistentes revelam um forte potencial estético, mas mais importante, são evocativos da memória do passado. Reforçam a vocação turística daquele lugar, alimentando a crescente consciência publica para a importância dos vestígios de vidas anteriores.


Conversa com o Arquitecto

Sérgio Fernandez por Catarina Dias

O que pensa da frase do Arquitecto Bruno Taut? “A habitação é o reflexo mais imediato e extraordinário de cada indivíduo.” É uma pergunta difícil, porque parte do pressuposto da identificação do indivíduo com a habitação, e cada vez menos o indivíduo é o autor da habitação, ou ligado à concepção da habitação. Cada vez mais a relação entre as pessoas que habitam e a parte projectual é mais distante. Em algumas épocas, mas sempre, fundamentalmente em construções exemplares o Palácio do Risco ou o Palácio do Rei, talvez tenha sido limitados ou condicionados pela vontade de quem lá vivia, ou quem diz um palácio, diz um solar ou a casa de não sei quem e nessa altura é um bem que é construído em abstracto, não se sabe quem é o utente, sabe-se qual o tipo, o estatuto social, o estatuto económico, o programa familiar e pouco mais. Apesar de tudo acho que mesmo nesses casos à alguma relação, mesmo quando nós, que não é o meu caso já vou explicar porquê, quando nós escolhemos um andar para viver, ESCOLHEMOS, fazemos uma opção. De certo modo há reflexos, que traduzem o gosto, o nível cultural, o tipo de vida que se pretende. Aí a frase começa a ser um pouco verdade. Na casa que está a estudar é evidentemente o Palácio do Rei, sem Rei nem Palácio. Neste caso é mais ainda, porque não é muito comum, a maior parte do nosso trabalho é para outras pessoas, não é muito comum os autores serem os donos, é muito pouco comum, no meu caso, por coincidência quer a minha casa no Porto, que não é uma casa é um andar, quer a de Caminha, são desenhadas por mim, aí podemos dizer que esse postulado do Taut, talvez tenha alguma razão de ser, mais na de Caminha do que na outra, o edifício no Porto foi feito para um grupo de vinte pessoas não diria amigas, mas mais ou menos conhecidas entre si e alguns amigos meus, e chegamos a um consenso para estabelecer que tipo de casa é que queríamos, eu acho que o resultado traduz se não o meu tipo de casa pelo menos o tipo de casa meu e de algumas pessoas mais. No caso de Caminha, foi muito engraçado, são duas casas, eu quis fazer uma casa, eu não tinha ideia nenhuma de como seria assim ou de outra maneira qualquer, não fazia a mínima ideia, comprei o terreno e vamos ver como é que se faz.

Mas uma coisa era verdade, o dono da outra metade do terreno com quem eu comprei em comum era um senhor que já morreu, um médico conhecido, com uma capacidade económica astronomicamente diferente da minha e que além do mais já tinha uma casa óptima, enorme cá em baixo. E eu às tantas quando comecei a pensar fazer uma casa para mim, para já não tinha dinheiro, ou tinha muito pouco, e por outro lado o que eu queria era uma casa de férias, e isso era uma coisa que estava claríssima na minha cabeça, não conhece a minha casa no Porto, mas a minha do Porto está superlotada com tudo o que há e eu queria exactamente uma coisa completamente diferente. E eu disse ao senhor: “Olhe que eu vou fazer uma casa muito esquisita” e ele: “Não tem mal! Eu quero uma casa esquisita igual à sua”. O cliente tinha dois filhos e ele sempre pensou que esta casa ficava para um dos filhos, portanto a casa podia ser esquisita. Portanto pus-me a olhar para aquilo, pus-me a olhar de lá de baixo para o terreno, passei lá muitas tardes neste terreno e realmente o que me pareceu é que aquela paisagem era irresistível, que eu queria uma coisa que de certo modo representasse uma libertação da vida do quotidiano na cidade, que tivesse um contacto muito directo com o exterior, que usufruísse o mais possível daquele exterior, daquela paisagem, e depois eu era e sou solteiro, mas naquela altura eu pensava em constituir família, mas não constitui e por tanto queria uma coisa que me permitisse que fosse muito simples que não implicasse muito trabalho e mobiliário, nem coisas esquisitas e que permitisse apesar de tudo albergar um agregado familiar corrente, um casal e dois filhos, e daí apareceram estas três células para dormir. Mas pensei também que um casal com dois filhos, ou um só, ou eu com uns amigos ou etc.


Que devia ter uma grande capacidade de mobilidade, de alteração, etc. e daí isto ser no projecto inicial estas três alcovas iguais e eu depois no fim do projecto, não foi na obra, resolvi pôr uma porta num dos quartos, percebi que se calhar merecia um espaço mais especial. De facto isto foi usado toda a vida e ainda continua a ser, com a maior liberdade, sem problema nenhum, também porque é uma casa onde se está relativamente pouco tempo, imagino se eu vivesse nesta casa teria outras exigências como os períodos que lá passo são sincopados, relativamente curtos, o programa adapta-se bem. Em relação à casa e à identificação do projecto com o habitante, neste caso o proprietário, eu acho e achei sempre e acho cada vez mais, quanto mais arquitectura vou vendo, acho que a arquitectura não é uma espécie de exibição pessoal no sentido de marcar presença, eu estou aqui, vejam só, uma coisa espantosa. Acho que a arquitectura sem ser anónima, porque acho que ela tem

tipo, casas unifamiliares, porque há uma relação muito mais directa com o cliente, com quem vai viver e usar e portanto isso dá uma certa capacidade que um edifício de habitação colectiva não permite, porque realmente os edifícios de habitação colectiva são de um modo geral sujeitos a padrões, a padrões do tipo de clientes e portanto não dá para fazer uma coisa completamente estapafúrdia, como eu disse a este senhor: “Eu vou fazer uma casa esquisita”, não posso dizer a cinquenta pessoas que nem conheço: “Vou fazer um prédio esquisito”. Isso realmente deu alguma capacidade de se fazerem coisas que significaram avanços na arquitectura, não quer dizer que agora não haja muitas outras obras importantes, sempre houve, mas aqui em Portugal era muito claro, na minha geração e na geração que nos precedeu as experiências mais interessantes eram em torno da habitação e normalmente habitação individual, era mais directa essa relação.

que ter carácter e tem que traduzir isso, o que vai pelo menos na alma do arquitecto, acho que não deve ser um produto gritante, um produto que se afirme, naquele caso ainda mais porque aquele monte quando eu comprei o terreno estava completamente virgem se é que se pode chamar assim, não tinha construção e eu achava que as duas casas deviam diluir-se o mais possível naquela paisagem, porque o facto de nós podermos usufruir daquela paisagem não nos devia autorizar a estraga-la e daí aquela solução muito simples, muito despretensiosa, eu já disse quando nós fizemos a visita e é verdade isto é um mau projecto e uma boa casa, de facto é das poucas coisas que fiz de que gosto. De um modo geral não gosto do que faço Quando digo que é um mau projecto, não é de todo um mau projecto, mas é um projecto sem pretensões, relativamente até descuidado depois também havia a coincidência da casa ser concretizada por um construtor que eu conhecia muito bem, que era um homem muito interessante, era e é que ainda é vivo, muito cuidadoso, etc. e que além do mais me ensinou muita coisa de construção que na altura eu não sabia, e tinha essas condicionantes ser muito barata, ser muito simples, ser muito maleável, estar muito metida no terreno, quer na relação da casa com o terreno, quer na relação da paisagem com a casa, ou seja ela não tem muita presença e é um pouco a razão de ser deste projecto. Se calhar a frase do Arquitecto Bruno Taut tem alguma razão de ser pelo menos nalguns casos.

Acredita que a casa é ainda um abrigo? Eu acho que a casa é um abrigo. É engraçado porque eu quando falava com os meus alunos, dizendo o que disse agora, que acho que a paisagem deve ser preservada e respeitada, o que não quer dizer que seja intocável, porque não há arquitectura sem mexer na terra, devemos intervir nela em muitos casos podemos até enriquecer, devemos enriquecer a paisagem, estava-me a lembrar da tcanhan do Frank Lloyd Wright, aquela dunazinha sem aquela casa não tinha, provavelmente, interesse nenhum ou teria um interesse relativo, portando aí há contributos que enriquecem a paisagem. A verdade é que os arquitectos têm como função fundamental lutar contra a natureza, isto é uma espécie de paradoxo, mas realmente a casa, o edifício, o escritório seja o que for é uma luta contra a natureza, é estarmos aqui não nos está a chover, não termos frio. De facto a missão do arquitecto e de quem constrói é lutar contra a natureza. É claríssimo faço um tecto para não me chover em cima, faço umas paredes para não haver corrente de ar, e portanto é uma luta contra a natureza. E depois compete-nos nesta luta contra a natureza saber valorizar o que ela tem de melhor o que é uma coisa paradoxal. Mas eu acho que a casa é um abrigo, a raiz da casa é um abrigo ou caverna.

O projecto de uma casa unifamiliar constitui o momento ideal de experimentação? De um modo geral (não estou a falar da casa de férias) as grandes afirmações agora menos talvez, mas houve uma época pelo menos em que as grandes afirmações arquitectónicas eram quase sempre experiências desse

O Arquitecto Álvaro Siza Vieira diz que a ideia está no sítio. Partilha da mesma opinião? Partilho, mas é engraçado porque agora mesmo o Alexandre Alves Costa teve esta manhã com o Siza, que tem dificuldades de saúde e não pode viajar muito porque tem problemas de coluna, não quer dizer que não viaje mas evita. E o Álvaro estava a dizer: A ideia está no sítio e agora como não vou aos sítios como é que eu faço? A verdade é que ele fez os projectos da Coreia e não foi lá, mas


evidentemente que se documentou o mais possível, e hoje em dia, sempre foi possível fazer os projectos à distância, mas hoje em dia mais, porque os meios de comunicação são de tal maneira espantosos. É diferente estar e vê-lo, mas apesar de tudo é possível.

Bom, isto para dizer que a ideia está no sítio é um pouco verdade, eu acho que o sítio sugere-nos sempre uma proposta de solução, o que não quer dizer que seja de identidade com o sítio, pode ser de contraste, pode ser o que se quiser, mas eu acho estranhíssimo fazer arquitectura em abstracto, não entendo, não sei como é que se faz. Eu creio que sem um suporte me mexo muito mal. Agora como é que esse suporte é adquirido se é uma invenção mental, ou se as pessoas imaginam uma paisagem e fazem para lá mas eu acho que há sempre um suporte, acho que há sempre um sítio que legitima o valor. Bom neste caso (casa Alcina) por exemplo como eu disse à bocado, aquela pendente enorme, aquilo tudo a casa foi só subir um bocadinho do chão para o tecto e deixar tudo na mesma, salvaguardando as devidas distâncias, foi muito feita em relação ao sítio aliás até com problemas de habitabilidade, se quiser, eu não tenho nenhum mas esta casa é muito ao contrário daquilo que se possa recomendar, os quartos estão todos voltados a poente, o que é completamente anormal ou há grandes envidraçados a poente o que é muitíssimo pouco recomendável porque o sol de poente não tem protecção possível e então a solução que está tão dependente do sítio. Bom depois temos é que pesar o que são uma coisa e outra, e eu não ia perder a paisagem para obedecer aos cânones da habitação e depois por outro lado percebi que a vivência desta casa é fundamentalmente

em tempos de lazer e de férias, é assim de Verão estar voltado a poente é muito quente andamos sempre cá fora o dia todo, neste espaço conformado pelo L, deixamos tudo aberto para arrefecer por isso já não há esse problema, no Inverno é ao contrário quando está frio o calor é bem vindo e portanto eu não tenho problemas com isso, e rapidamente inverti o raciocínio e portanto respeita de facto, é muito feita em relação ao sítio, é muito feita em função do sítio, estou de acordo com isso. Embora eu acho que às vezes possa haver excepções. Haverá programas arquitectónicos que não estão tão dependentes do sítio, por exemplo se tiver que fazer uma torre, não sei para onde, muito provavelmente ela pouco tem a ver com o que está à volta. Aliás o Movimento Moderno fartou-se fazer edifícios caracterizados por isso, a produção arquitectónica independente do sítio e nem por isso deixa de ser muito boa arquitectura. Não sei essas coisas nunca são verdades ultimas, mas nesse caso eu acho que pode funcionar assim. Li que em 1961 terminou o curso e em 1965 recebeu o diploma, esta diferença era por causa da prova final? Não, não era por causa da prova. Era porque nós não tínhamos preocupação nenhuma em acabar o curso e portanto trabalhávamos, viajávamos e depois quando tínhamos tempo e vontade fazíamos a prova final. Havia eventualmente menos concorrência do que há agora, não sentíamos essa necessidade, não éramos nada apressados. Acho que não havia ninguém que acabasse o curso e fizesse a prova. Mas também havia uma coisa que hoje em dia é muito mais difícil, nós começávamos a trabalhar muito cedo, no terceiro/ quarto ano já estávamos todos a trabalhar, e normalmente enredávamo-nos em trabalhos, etc. e depois muitas vezes acontecia que nos davam algum trabalho e nós íamos fazendo por conta própria ou pelo menos apadrinhados pelo escritório, e a prova ia ficando e não tínhamos problema nenhum com isso. Eu creio que neste momento, não é que fosse mais fácil a situação até porque não era, os projectos assinados por arquitectos, assinados não queria dizer que fosse de autor, eram da ordem do um vírgula qualquer coisa por cento, portanto o arquitecto era visto abaixo de cão, era uma profissão completamente considerada de segunda ordem e portanto a dificuldade em afirmarmo-nos era muito pior do que era agora. O que agora há é muito mais concorrência entre os próprios arquitectos e portanto faz com que haja uma certa pressa, as coisas alteraram-se um pouco creio que vocês principalmente com Bolonha vão ter que pagar os anos todos que estiveram à espera para fazer, no nosso tempo não era assim eu não paguei nada enquanto andei cá fora, andei feliz da vida, fiz o que me apetecia e portanto era vulgar, e depois os que tinham trabalho, havia o estágio tinha que se fazer na mesma e essa prova final, era uma prova que implicava naquela altura fazer um projecto, ou melhor, não sei se era porque o Nuno Portas, aqui a Escola do Porto abriu a hipótese de se fazer uma tese meramente teórica, a prova do Nuno Portas não foi aceite em Lisboa e veio fazer a prova final aqui por causa disso mesmo. Mas eu fiz uma daquelas provas que eram mais ou menos dentro dos limites tradicionais que era fazer um projecto e portanto eu escolhi para tema do fim de curso fazer um projecto que era uma coisa estranhíssima, utópica, quixotesca, romântica que foi o que é que podia fazer um arquitecto no meio de uma aldeia, que não estava nada preparada para receber um menino universitário, que naquela altura nem era universitário era a Escola de Belas Artes mas tirei um ano para Rio de Onor, que é uma aldeia lá


em cima do distrito de Bragança, que era uma aldeia que vivia num regime comunitário, uma aldeia sem electricidade, sem água, sem estradas, não tinha nada e o que é que aconteceu, qual era a missão de um arquitecto num contexto destes e portanto foi um trabalho muito longo, maravilhoso e é um período de que tenho imensas saudades, onde participou aliás imensa gente da escola, passou por lá uma data de gente que me foram ajudar a fazer levantamentos, etc., e isso também prolongou um bocado o tempo mas isso não era nada de anormal. Por exemplo o Siza acabou depois de mim e é mais velho do que eu, eu até lhe assinei os primeiros projectos. Isso era recorrente, era completamente diferente. Agora à distância eu não sei bem o que é que nós sentíamos, eu lembro-me de ter a preocupação que era: quando eu acabar o curso o que é que eu vou fazer, mas não me lembro dessa ansiedade, de todo nem eu nem muita gente não me lembro e agora toda a gente tem que acabar, quer acabar e eu até incentivo os alunos a acabar. Mas de facto não havia essa urgência, eu também vivia em casa dos meus pais não havia o problema do dinheiro, não era só meninos ricos, não era só gente bem instalada, era toda a gente havia muito menos pressa, nós íamos trabalhando e ganhando algum dinheiro. Eu trabalhei muitos anos no Arquitecto Viana de Lima, desde o terceiro ano e depois quando ele tinha coisas pequenas, e ele não queria cá coisas pequenas e eu e a filha dele fazíamos o trabalho e ganhávamos alguma… não diria independência mas pelo menos autonomia e pronto. E depois fui trabalhar para o Arquitecto Losa e depois o primeiro projecto grande que fiz não tinha ainda o diploma quando acabei o projecto, era o projecto do prédio onde eu moro, era eu e o Pedro Ramalho que trabalhávamos juntos e o Arquitecto Losa que também tinha lá um andar, que era uma espécie de consultor que nos dava cabo da cabeça, achávamos nós, algumas coisas com razão outras sem ela, ainda hoje não estamos de acordo com algumas coisas que ele dizia, no fundo esse grupo de dos tais 20 foi organizado pelo Losa, ele era uma espécie de chefe do grupo, e portanto imponha nos algumas coisas arquitectónicas que nós não estávamos muito de acordo, outras sim. Mas na altura que foi em 63 eu acho que terminamos em 65, eu ainda nem sequer tinha acabado o curso, andávamos no convívio nem pensava nisso, agora imagino que seja muito mais complicado. Nós tínhamos muita experiência de atelier, antes de acaba o curso, eu acho até se pode dizer que ninguém, não havia ninguém que saísse da escola sem ter trabalhado num atelier. Para dizer a verdade nem sei como nós tínhamos um horário horrível, nós tínhamos aulas ao Sábado, não é com vocês, eu não sei como nós desencantávamos tempo para trabalhar, mas desencartávamos. Era um regime diferente. Quando visitámos a Casa do Moinho do Arquitecto Belém Lima, em Esposende, falou-nos da importância do Arquitecto Le Corbusier e especialmente do Modulor na concepção da casa. Isso teve repercussões nesta casa especificamente? Não se houver é por mero acaso, o Arquitecto Viana de Lima de facto era completamente fã do Corbusier e a prova disso é que recorria sempre ao Modulor, coisa que nós achávamos um bocado caricato, nós os colaboradores porque nessa altura a boa mão-de-obra já tinha ido para França ou outros países, e por tanto era impossível meter as medidas do Modulor na cabeça do senhor, na prática não se conseguia aplicar e eu achava aquilo um bocadinho excessivo. Admito que tenha ficado algum resquício das construções mas mentalmente, não de uma forma consciente.

A organização da casa é feita por patamares. Gostava que comentasse essa opção. Bom, toda a casa segue o terreno, até tem aqui uma coisa que eu costumava criticar aos meus alunos que eu aquilo que eu chamo escada de palhaço, não sei se sabe o que é… o Arquitecto Távora chamava assim. É aquela história havia dois palhaços com um escadote no meio, de um lado está o palhaço rico, do outro o palhaço pobre e quando o palhaço rico quer falar com o pobre sobe a escada, desce a escada e vai falar com o pobre. E o pobre que é mais inteligente normalmente dá a volta à escada. Isto era para dizer que não se podia fazer escadas a subir quando tinha que se descer, ou o contrário. Mas a minha casa tem aqui uma escada que desce e outra que sobe para ir para os quartos e eu costumava mostrar isto aos alunos para mostrar que esses postulados nem sempre são verdade e eu acho que, por exemplo, o facto de haver uma compartimentação com uma escala muito diferente e com funções diferentes pode ser suficiente para que isso não tenha importância nenhuma. Os patamares são totalmente condicionados pela topografia e tão condicionados são que, isto é um pequeno pormenor, esta casa, a casa que está ao lado tem menos degraus, na diferença de patamares, do que a minha, porque o terreno era diferente os patamares foram feitos em função disso. A cobertura inclinada reproduz o declive… A cobertura inclinada na prática reproduz o declive, o que nalguns casos me pareceu excessivo no interior, o tecto falso também é inclinado, mas nem sempre acompanha a pendente do telhado, nas alcovas por exemplo e na sala também, mas na sala a razão fundamental é porque existe uma viga ao meio, no meio da sala. Nos quartos tem a ver com a dimensão dos contraplacados, que não davam mais alto do que isto, de qualquer maneira achei que aquilo era demasiado “a pique”.


Aquilo, não sei se se lembra, tem uma telha horrível, que é uma telha de argibetão, é o mais emigrante e o mais feio possível. E foi o mais emigrante e o mais feio possível por duas razões, uma porque era relativamente barata, mas a razão fundamental nem foi por causa do preço, foi porque ela era da cor do monte e eu queria que não se visse, que se visse o menos possível. Agora a casa tem alguma visibilidade porque tem aquelas portadas que estão pintadas de vermelho mas não tinha, no projecto inicial não tinha portadas. Aquelas portadas foi um recurso porque a madeira da caixilharia não sei se cheguei a falar nisso… era em cedro, só que era um cedro mau e portanto começou a estragar-se toda e ficava mais barato fazer umas portadas para proteger a caixilharia, não é para fazer a segurança, que aquilo não segura nada, é para proteger a caixilharia, que entretanto mesmo assim eu já substitui, porque a madeira original estragou-se. O porquê do encarnado das portadas? Achei que já que tinha que ter ao menos que se visse, mas não tinha inicialmente, não teve durante bastante tempo, durante alguns anos. Eu estava a falar da cor da telha, eu queria que aquilo desaparecesse na paisagem, porque como eu já disse nós éramos as primeiras casa ali naquele monte, depois acabamos por não ser, porque demoramos mais tempo a construir e um senhor fez uma grande casa ao lado. Porque antes não havia ali casas nenhumas e eu achava que era um atentado desfazer aquela paisagem, agora está muito diferente, mas na altura não estava assim.

Eu penso que a cobertura inclinada enfatiza a ideia do abrigo e de protecção. É verdade, mas é uma solução discutível e eu percebo um bocado, como é que eu hei-de de dizer?... Pode provocar e provoca em algumas pessoas, alguma sensação de instabilidade, que é uma ideia contrária ao abrigo. Porque

como é tudo a cair pelo monte abaixo…, eu tenho um amigo que dizia: Eu cá não durmo aqui nem uma vez na vida, vou ter pesadelos que estou a cair pelo monte abaixo! Bom fartou-se de lá dormir e não teve problema nenhum. Mas eu percebo isso, se calhar a casa acentua demasiado essa relação. Porque motivo optou por fechar a Casa a Nascente e abrir a Poente? Bem, fechar a Nascente tem uma razão, nós queríamos que… havia aquele caminho que está num estado que não era assim, era mais baixo, tinha uma cota mais baixa um bocadinho, mas de qualquer maneira havia lá ao lado, onde está uma casa abandonada, existia um miradouro público e eu achava que da casa não se devia ver o miradouro, nem o caminho, e portanto eu queria proteger-me do caminho porque se via tudo para dentro, porque estava na cota mais alta do terreno. E então pensei em fechar completamente, mas pensei que fechar todo aquele muro e não deixar pelo menos uma abertura para que se visse que lá em baixo havia paisagem era mal feito. Mas fechei por opção para não se ver o interior. Gostava que me falasse da importância dos materiais na caracterização da atmosfera interior (confortável) e exterior (rugoso, denso). Ora bem, eu não tinha dinheiro. A minha primeira ideia da casa, para a constituição das paredes era fazer uma estrutura de betão e tijolo, e depois cheguei à conclusão que ficava mais barato fazer em pedra, naquela altura ainda era muito barato fazer em pedra, mais do que fazer em betão. Eu até era para fazer com blocos de cimento, mas já tinha tido más experiências com esse tipo de soluções. Quando percebi que era mais barato fazer em pedra, toca a fazer as coisas em pedra. O que beneficiou a questão da integração. É uma pedra com a qual eu não tive nenhuma preocupação, nem de desenho, nem de requinte, é uma pedra como se faz lá em muitas casas, até com o cimento à vista que nem sequer é muito bonito, mas eu achei que devia ser como todas as outras e assim se fez. Aquilo é uma parede do mais ordinário que há em relação ao problema da temperatura, designadamente no Inverno, aquilo é uma parede simples de pedra, não tem mais nada, depois é estucada na zona da sala, a cozinha tem azulejo, e no projecto eu achei que queria alguma coisa que me desse algum calor, pelo menos intelectual, e portanto decidi pôr aquele tecto em madeira muito à imagem da casa Alcino Cardoso do Siza, que eu tive a oportunidade de acompanhar com ele, que também é muito forrada com madeiras nas paredes e eu achei que aquilo era muito confortável e pensei que era engraçado estabelecer esse contraste entre a zona de dormir, muito aconchegada e o resto mais liberto. Em que a sala era toda estucada e os quartos todos forrados a contraplacado de madeira, mas não tem mais nada, não tem isolamento, não tem nada, tem um vaguíssimo isolamento na cobertura que é uma porcaria não isola nada, e mais nada. Naturalmente a casa no Inverno é razoavelmente fria. Mas como eu pensei que no Inverno ia lá passar pouco tempo, embora às vezes vá para lá trabalhar, não fico lá muitos dias seguidos, chego lá acendo a lareira, ligo os aquecedores eléctricos todos e pronto. E lá estou eu. Mas não é bem feita do ponto de vista da construção. Depois o pavimento tal como na casa Alves Costa, é em mosaico hidráulico era o mais barato que havia na altura, agora é caríssimo não percebo porquê, escolhi porque achei bestial, é prático, lavase e não há problema nenhum, e era o mais barato.


aquecer a casa, e por outro para ser uma espécie de vida, e é até demais, eu sou pior com a lareira do que as pessoas com a televisão, fico ali chapado a olhar para aquilo é um horror. A lareira não aquece suficientemente a casa. A sala como tem um pé direito muito alto o ar quente vai para cima e não aquece suficientemente bem, mas aquece bastante psicologicamente, é uma companhia, para mim até é demais, é uma obsessão. O fogo está muito relacionado com a ideia de abrigo e da caverna primitiva.

Entretanto surgiu a história da madeira de cedro mais outra coisa relativamente barata para aproveitar e foi o que eu fiz. Isto foi muito feito, e efectivamente eu acho que não se pode reproduzir, porque o cliente não é o arquitecto normalmente, com base na experimentação e isso deu-me uma grande liberdade. Eu dizia ao empreiteiro, durante a obra: chegue isso um bocadinho mais para aí, etc. Sem problema nenhum, como quem está em casa a construir qualquer coisa, a fazer um bolo, leva mais uma pitadinha de não sei quê. Foi um bocadinho assim. O exterior é rugoso e denso, isso faz com que… Desapareça. O interior é muito confortável, transmite muito calor. Pelo menos no dia que visitamos a casa, já estava no fim do dia e o pôr-do-sol criava um ambiente que me marcou muito… Sim de facto aquilo tem uma luz muito bonita e com as madeiras fica muito bem. É quente no interior e por fora desaparece, era essa a intenção. E de facto eu além do mais pensava e vou com muita frequência lá, vou para lá trabalhar, às vezes quando tenho uma coisa chata para escrever meto-me lá e realmente eu queria que tivesse um certo ambiente… diferente da rotina, uma espécie de refúgio. A lareira ocupa um lugar central na casa, podemos relacionar com a ideia do fogo no abrigo? Eu aqui no Porto também tenho lareira, é uma coisa que eu gosto muito. Eu achei que a lareira, vocês viram a casa já com sofás e cadeiras, mas não tinha nada disso. Aquilo tinha umas almofadas grandes no chão e nós sentávamo-nos, e eu acabei com a idade, eu nunca gostei muito de me sentar no chão, mas com a idade passei a gostar menos e portanto arranjei uns sofás. Mas eu tinha umas almofadas grandes e a malta sentava-se, prolongando o espírito das células, portanto isto agora está um pouco mais formal do que era. Mas eu pensei sempre em ter uma lareira, por um lado para

De onde surgiu a ideia das alcovas? Eu queria uma coisa que fosse muito pequena, que fosse suficientemente pequena para não gastar dinheiro, mas que permitisse apesar de tudo alguma privacidade, não queria uma sala única ou um T0. Mas eu não tinha dinheiro, nem queria, que a casa fosse um T3. E esta questão das alcovas solucionava o problema, porque isto tem uma área mínima, quando se fecham as cortinas a área de dormir é uma cama, e como sabe no Minho é o que há mais, as casas rurais têm todas alcovas e foi natural, não havia premeditação nenhuma, achei que isto solucionava as duas coisas e solucionou. Tanto solucionou que esta casa, não sei se falei lá nisso, até há poucos anos não pagava imposto, era considerado um barraco, não tinha quartos, não tinha nada. E eu achava óptimo, agora é que mudaram de ideias e agora pago, mas realmente aquilo não tinha quartos. Isso realmente, agora menos, eu costumava ir para lá com os meus sobrinhos, eles agora já são pais de filhos, mas era muito engraçado ver os miúdos porque eles identificavam-se com escala, brincavam, sentavam-se, etc. e isto era como uma espécie de células que funcionavam com alguma independência e isso tinha alguma graça.


Apesar de serem espaços muito flexíveis, existe uma definição clara entre espaço público e privado… Existe. Existe, porque apesar de tudo, esta ala (dos quartos) está distanciada do resto. E também é uma questão de conforto, por exemplo quando estão miúdos a dormir nós estamos na sala a conversar, a ouvir música, ou seja lá o que for, e era chato. Assim os miúdos vão para o quarto, nós ficamos na sala a conversar e há uma certa distância que sempre me pareceu importante. Assim o espaço de circulação é também um prolongamento das alcovas… Pois, pois a ideia foi essa. Inicialmente, lembro-me que andou pelos esquiços um corredor mais estreito, mas depois achei que era bem melhor ter aqui um espaço mais generoso que permitisse…enfim que isto respirasse, do que ser só para servir as alcovas. Como funciona a outra casa? … Funciona pior do que a minha, eu digo isto à vontade porque as duas casas foram projectadas e depois sorteadas. Quando se fez o projecto existia um percurso até à entrada da segunda casa, para não devassar este quarto, mas nunca se fez isso. Mas os senhores do lado acharam esta porta para o quarto muito bem, e que não tinha importância nenhuma, porque ao contrário da minha, que é envidraçada, esta é opaca e eles fartam-se de entrar e sair, e pôr e tirar, daqui para o carro e do carro para aqui e não vão dar a volta. A entrada é por cima, mas eles utilizam imenso esta (a do quarto), sem problema nenhum.

Alpendre espaço de distribuição das duas casas… É, é um pouco. Isto era um pouco para estabelecer a separação entre as duas casas, mas aqui havia um percurso que contornava a outra casa e um portão de entrada, mas nunca se fez. E a minha não precisava disso, não havia problema nenhum, a minha casa foi a primeira a ser construída e eles tiveram ocasião de ir vendo. Isto realmente é mais para estabelecer a separação entre as casas.

Porto, 13 de Maio de 2008


Eduardo Arroyo Relógios enevoados longes do equilíbrio “Depois de se ter estudado os relógios devemos estudar as nuvens.” Karl Popper

Museu de Belas Artes em Lausanne - no.mad©

Respostas de uma lógica apaixonada O nosso habitat sucumbiu à confrontação entre um tipo de construção regido por um pragmatismo determinista e hiper-legislado e um indivíduo desinformado que impossibilita a reconciliação a curto prazo da criatividade humana com as pressões financeiras, de forma a conseguir descrever o espaço do nosso futuro com esperança. A distinção que graças ao determinismo económico propõe um mundo diferenciado entre factos previsíveis e imprevisíveis, não é válido e, tal como afirma Karl Popper, esta falta de apreço ocorreu num momento em que fomos capazes de compreender as leis internas das nuvens com o mesmo rigor que tínhamos pelos relógios. Descobrimos então que os relógios não são tão razoáveis como pensávamos e, ao estudá-los com o nosso grau de conhecimento actual encontrámos novas propriedades relativas à dissipação de calor ou aos efeitos da ressonância da massa que afectam a suposta infalibilidade da sua precisão. A conclusão é estimulante: dois relógios de fabricação idêntica nunca darão a mesma hora de forma

indefinida e, se isso sucedesse significaria que os ajustes feitos modificariam o seu aspecto aos nossos olhos. De uma vez por todas, todas as máquinas deterministas teriam perdido a sua imagem de engenhoca material com leis mecânicas previsíveis, para passar a ser um sistema físico de propriedades energéticas que a aproxima do m undo variável das nuvens. Algo parecido acontece com a estabilidade aparente quando sabemos que a ruptura da linearidade “causaefeito” gera aparências arriscadas (durante muitas décadas a turbulência era considerada um símbolo de desordem), conservando uma elevadíssima organização a um nível invisível. Este tipo de ordem não reside apenas nas propriedades reconhecíveis pelos nossos sentidos e necessita de um maior aprofundamento de forma a se estender às condições não contempladas pelos sistemas estéticos. Não obstante, o indeterminismo não poderá explicar tudo; tudo a história ou a economia e as sociedades que são instáveis e representam respondem a tantos factores que é falacioso pensar numa teoria que acomode a profecia de um modelo futuro. Assim, a precisão de um benefício colectivo será determinado pela definição de um pensamento

curioso baseadas em perguntas muito específicas e na escolha de propriedades mais concretas nas respostas. A explicação global do mundo que os movimentos de vanguarda pretenderam validar não serviu para um melhor entendimento do mesmo e obscurantismo informativo da diletância hedonística que não faz mais nada senão silenciar a necessidade dessas perguntas particularizadas. Para formulá-las classificamos os objectos do nosso pensamento referentes a fenómenos da vida humana em “factos” histórico-sociais seguidos de uma sistematização segundo “leis genéricas”, utilizando as técnicas científicas e por último as proposições criativas em forma de “actos de ficção”. No nosso modelo de trabalho estes três grupos não estão claramente definidos e participam num campo de pensamento cada vez mais indiscriminado onde factos, leis e ficções alternam o seu desenvolvimento linear dentro da procura por perguntas e respostas. As ficções criativas formam-se através de actos de paixão ou actos de lógica e podem ser convenientemente distinguidos pela premeditação da sua execução; alguns sob o pretexto da expressão e outros na utilização do


irrefutável pensamento filosófico. Entre esta dualidade situase timidamente o nosso pensamento criativo, uma espuma de lógica apaixonada e inesperada que “conforma” as perguntas e respostas do nosso trabalho neste século tão difuso. Os excessos de razão/racionalidade moderna e o seu método axiomático levou a que pensássemos que as teorias teriam de ser formuladas sem ambiguidades baseadas numa coerência que implicaria a não existência de contradições (algo e o seu oposto não podem existir ao mesmo tempo), estimulando um pragmatismo superficial que acompanha e define todo o formalismo. A um nível mais relaxado, a coerência propõe um estado das coisas cujos componentes formam grupos comuns, permitindo ligações e relações múltiplas, assim como gradientes de variação dentro de qualquer sistema. Isto pressupõe uma igualdade de importância para o improvável e o provável, o impossível e o possível, o irreal e o real. As nossas respostas procuram coerência, não consistência.

Museu de Belas Artes em Lausanne - no.mad©

Museu de Arte e História na Estónia - no.mad©

Podemos agrupar os processos criativos contínuos em conjuntos que, por um lado, respondem ao fenómeno de auto-referência, consequência da potência e capacidade expressiva de uma linguagem que combina os seus elementos de uma forma original, e por outro lado, ao repertório de estilo que extrai – através da cópia – elementos reconhecíveis que atravessam diversos objectos no tempo. O primeiro refere-se ao “original” como exigência primordial para a criatividade, enquanto que o segundo fala-nos de um simulacro com uma redução exponencial do risco no processo criativo. O actual sucesso do simulacro baseia-se na leitura fácil de uma imagem superficial do recordado conta a interpretação do conteúdo memorizado. Isto colocanos perante a escolha do reconhecível que sabemos ser

colectivamente aceite e contra os ecos que nos fazem pensar e reflectir com um esforço imaginativo. As nossas respostas procuram auto-referência, não o repertório. O criador da rebeldia aparece como uma reivindicação da clareza e expressa a aspiração à defesa do que se é num combate em prol da integridade do homem. Nasce contra o espectáculo da ilógica e face à injustiça de um tempo em que nada é verdade e portanto, tudo é permitido. Contudo, o revolucionário atrai um ressentimento amargo ao invejar o que não é, transformando-se rapidamente num arrivista profissional e socialmente dependente de dinheiro e ao serviço de todo o tipo de autoridades. É um profissional que abraça a divisa revolucionária da estética do momento, consentindo a uma ordem totalitária do mundo que está degradado ao invés de distinguir o que está bem ou mal. As nossas respostas procuram a rebeldia, não a revolução. Longe do equilíbrio existem nuvógios O equilíbrio não é um estado normal no mundo; pelo contrário, a sua duração é rara e precária; a sua procura como promessa de estabilidade provoca ilusões temporárias à nossa volta. Consideremos o desequilíbrio como a norma que rege as nossas vidas assumindo a matéria, a energia, o espaço e as pessoas têm comportamentos insólitos, longes do equilíbrio que definem a maioria dos estados do quotidiano, situações entrópicas com tendência para a desordem (meio-ambiente e transportes) ou sistemas de intercâmbio instáveis (economia e geopolítica). Num sistema que esteja longe do equilíbrio – e carente de toda organização específica – algumas acções criativas podem conseguir – através de propriedades activas – transformar-se num sistema organizado, persistente e temporalmente instável, através da manutenção de uma aparência desordenada. Porém, de forma a organizar-se, necessita de gastar uma quantidade de energia proporcional ao grau de ordem pretendido, e ainda mais energia para conseguir mantê-lo ao longo do tempo – já que estaremos a trabalhar no sentido contrário da entropia. Este seria o caso de uma ordem latente, permanente no tempo; existem outros tipos de ordem de carácter activo que expressam as suas propriedades através de funções menos ávidas por energia, precisamente devido à possibilidade de adaptação ao imprevisível. Tendo em conta que o que conhecemos é uma parte muito pequena do que existe, e sabendo que apenas é previsível aquilo que conhecemos, compreendemos que, do ponto de vista da criatividade, o imprevisível ou o desconhecido é infinitamente mais importante, e portanto, concentra todos os nossos esforços. Há uma clara diferença entre um sistema de criação fechado – onde se procura um processo de relação e aproximação já aprovada colectivamente – e um método sinergético que permite analisar a evolução das estruturas complexas quando estas tendem para um estado que é menos provável e, portanto, imprevisível. No primeiro trabalha-se com ordens conhecidas enquanto que, no segundo caso nós poderemos ter acesso a um gradiente ou parâmetro de ordem que define o estado e variação das flutuações e da instabilidade de cada momento. Relacionando estas transições, a tipologia considera iguais os objectos que se obtêm um do outro sem se quebrar, incluindo aqueles inscritos na conjectura da geometrização. Para se reconhecer um objecto com estas características há que trabalhar deformando certas propriedades, como fazem os matemáticos com as equações de desenvolvimento em derivadas parciais, sempre com o propósito de homogeneizar o que descrevem como sendo “o mais belo”. Isto significa que a análise das propriedades características destes objectos requer um distanciamento


dos rígidos axiomas da razão ao introduzir uma condição subjectiva de sensibilidade dentro do processo de reconhecimento da homogeneização.Entre estes objectos não se encontram aqueles edifícios que, ao deformá-los de alguma das suas propriedades se quebram, dando a entender que as suas características não são variáveis ou dependentes da sua forma. No entanto, existem edifícios que conservam as suas propriedades nessas transformações por serem independentes e encontrarem-se ao mesmo nível de importância que a forma. Designamos o primeiro grupo de “relógios”; neles, uma pequena deformação altera o seu funcionamento preciso levando-os a incorrectas leituras da realidade medida. O segundo agrupa os edifícios “nuvem”, onde qualquer deformação aplicada não produz nenhuma incoerência no seu funcionamento, sendo que, por vezes mostra a uma propriedade a mais daquelas que tinha. Essa classificação requer uma atenção cuidada pois existem edifícios que, apesar da sua aparência informal são relógios camuflados com uma propriedade principal que reside na condição estética da sua forma, sendo esta perdida ao longo das transformações de comprovação. A este grupo pertencem edifícios como o terminal TWA em Nova Iorque (1956-1962) de Eero Saarinen ou a Opera de Sidney (1956-1973) de Jørn Utzon, mas também outros intuitivamente mais directos como a Neue Nationalgalerie em Berlim (19621968) de Mies van der Rohe. No extremo oposto estão as “nuvens” camufladas de “relógios”, onde a forma é apenas um limite programático ou um

Jardim Infantil em Sondika (1997-1998) - no.mad©

limite orçamental que alberga as propriedades internas informais, como por exemplo o Kunsthal de Roterdão (1987-1992) de Rem Koolhaas e a Mediateca de Sydney (1995-2000) de Toyo Ito, mas também outros directamente mais “enevoados” como a Capela de Ronchamp (1950-1953) de Le Corbusier ou o Restaurante Dipoli em Otaniemi (1964-1966 1966) de Reima Pietitä. E assim, podemos estabelecer que, aqueles edifícios tendem para a homogeneização das suas propriedades em todo o seu volume se aproxima das “nuvens”, enquanto que aqueles que criam uma relação entre parte autónomas com propriedades distintas tendem a ser “relógios”, ou, aprofundando um pouco mais a nossa classificação, alguns são energéticos e outros mecânicos. Mas o tipo de objecto que interessa no nosso estudo mantém uma estranha relação de distância com as categorias anteriores, afastando-se dos relógios pela procura de uma homogeneização das propriedades e aproximando-se das nuvens pelo seu distanciamento da ideia de um equilíbrio consensual e convencional. convencional Desta forma, algures equidistantes estão os “nuvógios” como produtos dessa espuma de pensamento, que se podem deformar relativamente a algumas das suas propriedades – mas não de todas – que são convertidas em entidades direccionais de importância. importância As suas características têm uma importância selectiva e tornam--se mais disponíveis para a sua função, permitindo-nos concentrar a nossa atenção na resposta especifica a um “lugar-questão”, abandonando assim os pensamentos arquitectónicos genéricos ou “desterritorializados””. Este é o fio que

percorre o nosso trabalho na última década na no.mad, com as estruturas dissipadoras no território, os processos de desequilíbrio, as geometrias temporalmente energéticas ou o campo de probabilidades de carácter sensorial, todos eles procurando estados urbanos que respondam de forma precisa às condições de espaço e tempo em que se desenrolam. Denominamo-los por PHs devido ao sistema criativo usado na sua configuração através de processos lineares de hibridação e uma mistura de conceitos que classificamos como: temporais, espaciais ou espaciotemporais, dependendo da sua propriedade principal. No “PH001Galindo” é introduzida a intuição do território como um sistema complexo de superfícies energéticas, activadas por diferentes usos que provocam – na sua relação com o existente – a presença de um potencial relativamente à repulsa ou atracção. A sua continua interacção gera uma estrutura de aparência desordenada sem preconceitos urbanos. “No PH005Sarajevo” é desenvolvida parte da teoria das catástrofes com uma generalização do problema de máximos e mínimo associado ao gradiente de funções que se geram por se situarem num lugar concreto. Isto implica o aparecimento de montanhas e vales para cada propriedade com que filtramos o território e à definição de separadores geométricos para as transições das tais propriedades. O conjunto de lugares de máxima intensidade ou de tensão de alteração é utilizado como sistema de localização de arquitectura onde as questões colocadas podem ser resolvidas.


No “PH006Paris” utilizaramse parâmetros sensíveis externos como “leme” através dos quais se controlava e conduzia o processo de localização e formalização da arquitectura, dentro de um sistema cujo grau inicial de ordem é nulo e onde a importância reside no controlo de relação entre distâncias e durações. A estrutura final organiza-se tetradimensionalmente, formando uma paisagem de instantes com uma ordem escondida que necessita do factor tempo para ser compreendido. “No PH015Seul” a estrutura geométrica – obtida através de uma leitura paramétrica do território – adquire maior relevância e começa a manifestar propriedades de troca com o exterior, provocando um processo de auto-organização organização e transformação como resposta a novas trocas. Não se trata de uma estrutura reconhecível gerada numericamente, mas é fruto do desenvolvimento da própria geometria inicial cuja desorganização aumenta ao introduzir as quantidades de programas na direcção de um estado imprevisível de desequilíbrio e de não-forma. No “PH019Durango” a organização emerge esporadicamente de uma nova fase de troca – através da introdução das condições de programa e volume – exigindo a delineação de um precursor da nova forma. Trata-se de uma forma de morfogénese onde se tomam decisões em cada bifurcação, decisões que contêm – durante as fases de transição – a memória da evolução da forma instável precedente. Cada nova informação introduzida no sistema de trabalho vai qualificando e seleccionando aquelas partes que, em princípio teriam um carácter genérico em algo particularizado que as faz insubstituíveis. Estes são alguns dos “nuvógios”, atravessados por um equilíbrio dinâmico surpreendente que direcciona a transformação de um sistema de trabalho noutro sistema, de um objecto noutro objecto familiar, como se, algures, uma promiscuidade de pensamento – afastado do formalismo estilístico – estivesse a ser constantemente produzida. Teria sido uma irresponsabilidade criativa ter vagueado por estes estados com maneirismos herdados e referenciados, e o reflexo de que juntos, na sua diversidade produzida é suficiente para recordarrecordar me todos os dias que, no equilíbrio, na matéria, nas pessoas e nas suas criações se tornam inertes e impossibilitam as suas próprias possibilidades. Definamos novos e complexos paradigmas sobre o carácter probabilístico num pensamento afastado do equilíbrio que reconsidera as metodologias da arquitectura. Poderemos então adoptar estruturas diferentes daquelas adoptadas pelas convenções e alheias a essa imagem eternamente anunciada pela propaganda e pela publicidade como sendo a linha de flutuação da existência criativa. Salvemo-nos da sua violência e manipulação de conceitos com que este texto lida: a beleza, o acaso, a instabilidade, o estímulo, a troca ou a procura, e, chegado a esse momento, vamos definir urgentemente os seus significados e lutemos por eles contra essa nova ordem que os deprecia e insulta.

Edifício de Apartamentos, Durango - no.mad©

Praça Deserto em Barakaldo, Espanha (1999-2002) - no.mad©

Complexo Desportivo Municipal, Dinamarca (1999) - no.mad©


“Transgénicos” Álvaro Domingues (fotografia de Filipe Jorge, cortesia de Argumentum in Portugal Visto do Céu, Lisboa, Argumentum, 2007)

Perante uma imagem como esta é difícil conservar a serenidade: nem cidade, nem campo, nem urbano, nem rural... Parece, por isso, que a primeira questão é a de encontrar uma codificação, uma palavra – um conceito, para os mais desejosos de cientificidade - que identifique uma qualquer identidade designável e que possa ser partilhada. A abordagem mais comum é de ver aqui uma “não coisa”: - a não-cidade para os que com isso entendem uma ideia de cidade como um “interior”, um artefacto construído confinável, com formas e limites mais ou menos legíveis e estáveis. Por simplificação, quando a construção se espalha, quando o urbano se torna extensivo e fragmentário, quando não se intui imediatamente um princípio de ordem, chama-se a isso periferia ou subúrbio, como modo de exorcizar a inquietação, separando a boa da má cidade, a bonita da feia, a cidade perfeita da imperfeita. Em todo o caso, parece ainda que com este nome ou adjectivação se intui que essas designações se aplicam a coisas, morfologias que possuem um certo estado de flutuabilidade, em direcção a uma estabilização que mais tarde ou mais cedo tomará formas canónicas e “estruturadas”; é engano... - o não-rural, cujos traços genéticos e identitários ainda são visíveis no impropriamente chamado “verde”: o verde dos campos e das bouças de pinhal, o castanho das terras lavradas, as vinhas, os rios. Quem assim vê, vê com nostalgia, com lembranças de um mundo idealizado onde a sociedade (rural) e a economia (agrícola), compunham um quadro pitoresco e bucólico, uma paisagem de calendário algures numa Arcádia de mundos perfeitos e paraísos mais ou menos perdidos. Também não. Quando a actividade agrícola muda e ao mesmo tempo se perdem as longas estabilidades que caracterizaram as paisagens e as sociedades rurais, também já não se sabe bem que coisa seja o “rural”. A actividade agrícola, essa pode oscilar entre aquilo que faz um empresário agrícola dentro de uma estufa genérica, o que fará um outro na paisagem patrimonializada do Douro Vinhateiro, ou um “novo rural” à volta com as suas cogitações biológicas e

sustentáveis dentro de um talhão de hortas num parque urbano. Aqui na foto há muita horta em quintais de traseiras, algumas vinhas especializadas e, algures, um turismo rural que já não vive da agricultura, e algumas torres de alta-tensão a calcar nos campos; -a outra possível “não-coisa” é a indústria, sobre rio, sobre a estrada ou mais ou menos arrumada num parque industrial. Não se vislumbra nenhum cenário de “cidade industrial” para alimentar o imaginário convencional da industrialização fazedora de cidades, a drenar mão de obra dos campos para a depositar nos bairros operários da cidade, cavando assim o fosso entre o rural (abandonado) e o urbano (congestionado). Trata-se de uma industrialização in situ, herdeira do tempo em que as indústrias procuravam fontes de matéria prima (o linho) e factores de produção (água e trabalho), e depois escoavam produto final pelo caminho de ferro que segue a margem do rio. - outra não-coisa são as vias, estradas, caminhos, viasrápidas, intrincados sistemas capilares que constituem o principal suporte infraestrutural do território e que tanto podem ser traçados recentes como lentas reciclagens de (ex)caminhos rurais, estradas entre freguesias, estradas nacionais. Nada que se pareça com as regularidades habituais e a clareza dos traçados, talhando quarteirões ou zonamentos modernistas, cruzando-se ou alargando-se em praças, avenidas e alamedas. Existe, no entanto uma malha, uma rede de conexão constituída por suportes infraestruturais que vão organizando os materiais diversos das construções, dos assentamentos; - uma última não-coisa pode ser a “natureza”, reduzida a citações residuais sem as grandes construções da estética arrebatadora e sublime das montanhas, desfiladeiros, grandes espaços, florestas, mares encapelados ou desertos. Aqui só há um rio desencantado, uns renques de pinhais e eucaliptos, uns terrenos onde cresce mato e urtigas. Mal dá para se perceber que é uma veiga, umas terras baixas de fundo de vale e umas colinas mal definidas. Pouco sustentável, como dirão muitos, com a má consciência a fugir para o discurso sobre a predação, a poluição, o estragamento.


A facilidade da deslocação e a velocidade, anularam o atrito territorial que produzia a compactação e o confinamento; o espaço dos lugares cede a favor do espaço das relações; o enraizamento convive com a relação fugaz; a homologação dos estilos de vida reproduz até ao infinito as mesmas formas e referências; socialmente é cada vez mais difícil construir grandes consensos e quando os há (a consciência ambiental, por exemplo), pode-se partilhá-los de múltiplas maneiras e em torno de muitas causas, globais ou locais; o cosmopolitismo que ambicionamos, confronta-se de muitas maneiras com localismos que não podem ficar incólumes e congelados no tempo; realidade e imagem/simulacro convivem sem grandes traumas; liberto das suas amarras, o genius locci, foi para Las Vegas e parece não pensar voltar ou volta tão “estrangeirado”, exótico e diferente como nós próprios gostamos de ser no jogo constante e contraditório de identificação e distinção. Contudo, a discussão sobre toda banalidade e desregramento que impera sobre o urbano e a edificação, obriga-nos a reflectir e a nos interrogarmos constantemente sobre uma idéia de “cidade” qualquer que ela seja, e que será algum modo de partilhar e de nos revermos sobre padrões e normas socialmente partilháveis. Identidades, afinal. O uso do adjectivo “sustentável” é, para já e quase que até à exaustão, um desígnio que vemos repetido até ao quase vazio de sentido. Queremos espaços urbanos sustentáveis, ambiental e socialmente equilibrados, economicamente competitivos, não descaracterizados, bonitos, etc., e o que mais abunda nos textos da especialidade. Queremos talvez demasiado face ao que colectivamente estamos em condições de assegurar. Não basta denunciar feísmos e predação na maioria do que vemos, nem, como também acontece, relegar e aceitar tudo numa atitude pós-moderna de sedução pelo banal, pelo espontâneo. De pouco me serve atirar a cidade excepcional contra o urbano genérico (são do mesmo mundo), lamentar a desagregação dos tipicismos do rural tradicional odiado por quem nele viveu quase sempre miserável e oprimido (mas bonito, segundo ilustrações de fotografias de calendários, relatos pictorescos de viajantes de ontem e prospectos turísticos de hoje). Ao atraso na produção de nova infra-estrutura, a dinâmica económica e populacional respondeu com a colonização, o uso intenso da infraestrutura mínima do território: casas e fábricas construíram-se onde havia estradas naEdifício fabril abandonado; Fábrica do Rio Vizela, Vila das Aves, St.º Tirso (foto Filipe Jorge, Arquitectura em Lugares Comuns, Ed. Dafne, Porto, 2008) cionais e caminhos rur-

Uma não-coisa é uma identidade construída pela negativa, sem qualidades, insistentemente referenciada pelo rol das disfuncionalidades, dos desvios e das perdas. As cidades deixaram de ser apenas pontos ou círculos desenhados num mapa e revelam-se agora como manchas descontínuas e fragmentadas. A “cidade”, como escreveu Françoise Choay, deu lugar ao “urbano” e essa mutação não é apenas de escala territorial ou de forma. Mudou a verdadeiramente a “condição urbana”, acompanhando a própria mudança social e as transformações nos modos de se produzir, distribuir, consumir e movimentar-se, etc., nos modos de habitar. A sociedade contemporânea é estruturalmente, como diz Daniel Innerarity, “centrífuga”, e o processo de urbanização parece demonstrar isso mesmo. A cidade, enquanto modo social de relação e de organização da política (polis), dos indivíduos e dos seus campos de pertença, já não é uma forma estável, exclusiva e homogénea de conter os lugares, as instituições, os espaços do estar colectivo, da partilha, das práticas quotidianas ou ocasionais do “estar em público”. Por aí se pode também verificar que o “espaço público” é um conceito que denomina cada vez menos os espaços físicos assim tipificados ou catalogados, sendo, cada vez mais, o espaço físico ou imaterial da esfera pública por onde se difunde e transaciona aquilo que é socialmente partilhado, das práticas de cidadania, ao gesto mais banal do quotidiano. Existe um certo “des-confinamento” entre a organização social (fluída) e o território (fixo). Mais do que a perda da forma ou dos limites (territoriais), é essa questão que mais se sente quando se pergunta aos indivíduos de que lugares é que são ou de que modo estabelecem relações de identidade e de pertença com o território. Os mapas mentais que daí resultam são cada vez mais variados e menos consensuais.

A cidade extraordinária diluiu-se então na imensidão das formas edificadas da cidade ordinária (ou genérica, como refere Rem Koolhaas para denominar o que resulta das formas globalizadas da sociedade, do mercado, das referencias e práticas culturais), espalhando-se tudo da mesma maneira em todo o lado, desde as auto-estradas, aos condomínios residenciais de luxo, aos centros comerciais, ou à pequena casa onde se habita.

ais que ligavam campos e paróquias (freguesias), onde chegava a electricidade e o telefone, onde era possível ter água do rio ou de um poço. A infraestrutura arterial veio tarde e subitamente rasgando este mosaico denso e capilar, pressionando ainda mais as terras baixas e povoadas dos vales e das veigas agrícolas. Quase ao mesmo tempo veio a regulação urbanística que não existiu durante séculos ou que se praticou apenas no velho burgo.


O espaço delimitado da cidade histórica é uma ínfima parcela disto tudo, quase estatisticamente desprezível não fosse o conteúdo admirável do que lá está. Quase tudo o resto é, como se dizia há pouco, inconfinável e sem uma grelha conceptual de aproximação como a que existe (e é bastante consensual) para estudar e intervir na cidade canónica: a industrialização intensa não produziu a “cidade industrial” que vem nos livros; o espaço rural quase não tem agricultura economicamente relevante e sempre se organizou no âmbito do minifúndio e da agricultura promíscua; os valores naturais são banais e profundamente transformados por séculos ou milénios de presença humana; etc. No meio disto tudo, este território sempre foi relegado para uma espécie de purgatório, nunca reconhecido por ser urbano (hoje dizemos que é difuso), nem por conter qualquer padrão-tipo de paisagem tradicional. Feio, portanto, e de difícil compreensão para os tecnólogos e burocratas do zonamento sem “moderno”, da regulação sobre territórios que tem que se encaixar sempre em conceitos disjuntos: urbano, rural, industrial, natural, ou o que seja. O desafio agora é, por isso, o de projectar o “território transgénico”, nem rural, urbano ou industrial ou não-coisa. A urbanística sempre procurou algumas metáforas férteis na biologia, na medicina, nas biomédicas: o metabolismo, o pulmão verde, o híbrido, a ecologia urbana, a cidade-corpo com os seus equilíbrios, doenças e anomalias. Vejam-se as ideias de PatricK Geddes, um biólogo, geógrafo, urbanista que escrevia assim a propósito da metrópole londrina:

Plano das Margens do Ave, St.Tirso, planta de localização. A Fábrica do Teles é o polígono amarelo localizado dentro de perímetro do plano

This octopus of London, polypus rather, rather is something curious exceedingly, a vast irregular growth without previous parallel in the world of life – perhaps likest to the spreadings of a great coral reef. Like this, it has a stony skeleton, and living polypes – call it, then, then a “man-reef” if you will (...) if such interpretation of the main grouping of our cities, twons, villages into conurbations overflwoing or absorbing the adjecent country be a substantially correct description of the general trend of present-day evolution, then we may expect to find something or the same process in analogous city-regions regions elsewhere. Patrik GEDDES, Cities in evolution, Routledge, 1997, p.27. (1.ª ed., 1915)

A metáfora do transgénico pode servir, pelo menos, para nos afastarmos das metáforas do híbrido – rururbano ou urbanização rural –, buscando outras razões e visões para interpretar e projectar, sem referencias demasiado impositivas sobre a boa forma urbana ou rural, procurando fazer (como sempre o urbanismo e o planeamento procuraram) com que o território seja mais funcional ou racional, mais regulável, menos predatório de recursos, mais confortável. Se for bonito, melhor! Álvaro Domingues

Fábrica do Teles, estado actual (foto Filipe Jorge, Portugal Visto do Céu, Ed.Argumentum, Lisboa, 2007)

Texto da comunicação apresentada ao II Fórum Internacional sobre o Feísmo, Galiza, Maio 2007. Patrik GEDDES, Cities in evolution, Routledge, 1997, p.27. (1.ª ed., 1915) Actualmente este texto faz parte da obra “Arquitectura em Lugares Comuns” livro publicado em 2008 pela Editora DAFNE, Porto Imagens gentilmente cedidas pelo autor


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1 Auto Europa Francisco Vieira de Campos Palmela 2005 Luís Martins (2008) 2 Edifício Liberty Seguros Av. Fontes Pereira De Melo, Lisboa João Pedro Borba (2006) 3 Pavilhão do conhecimento J.L. Carrilho da Graça Parque das Nações, Lisboa 1998 Bruno Ferreira

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agenda Exposição «Pancho Guedes – Vitruvius Mozambicanus» | Museu Colecção Berardo – Arte moderna e contemporânea | 18 Maio a 16 Agosto Grande parte dos edifícios que Pancho Guedes concebeu estão em Moçambique e datam das décadas de 50 e 60 do século XX. Esta é uma exposição retrospectiva sobre a obra vasta deste arquitecto, que abrange arquitectura, desenho, escultura e pintura.

Álvaro Siza Vieira | casa da música, Porto | 23 Abril 2009 Che cosa ho imparato dall''architettura? (o que aprendi com a arquitectura) é o título da iniciativa com que a revista Casabella celebrou o seu octogésimo ano de publicação (1928-2008), que incluiu uma série de encontros - uma escolha "in modo non ingenuo" como afirmou Francesco Dal Co na apresentação - de alguns dos mais importantes arquitectos contemporâneos em lugares evocativos.

Assembleia da República | exposição sobre o Arqto. Ventura Terra | 25 de Março a 31 de Julho. Por ocasião da reabertura da Sala das Sessões, a Assembleia da República promove a exposição “Arquitecto Miguel Ventura Terra(1866-1919) ”, em homenagem ao autor do projecto original do Hemiciclo inaugurado em 1903. A exposição está dividida em quatro núcleos fundamentais que pretendem caracterizar diferentes aspectos da actividade de Ventura Terra e aprofundar o conhecimento da história do edifício-sede edifício do Parlamento. VISITAS GUIADAS À EXPOSIÇÃO: Segundas e terças-feiras: 10h, 11h, 15h e 16h. Quartas e quintas-feiras: quintas 10h e 11h. Sextas-feiras: 15h e 16h. What Are You Doing? Doing Na primeira semana de cada mês a ordem dos Arquitectos convida uma personalidade da arquitectura à qual se juntam três participantes que expõem publicamente os seus trabalhos – um projecto, um concurso, uma ideia que estejam a desenvolver. desenvolver Trata-se de um espaço dedicado à partilha de experiências, debate de ideias e de projectos. Convidados das primeiras sessões: 2 de Abril – Pedro Domingos | 8 de Maio – José Adrião | 5 de Junho – Cristina Veríssimo + Diogo Burnay | 2 de Julho – Maximina Almeida + Telmo Cruz

Exposição «Praças da Europa, Praças para a Europa» | Picoas Plaza, Rua Viriato, 13 | até 30 Abril A mostra «Praças da Europa, Praças para a Europa» apresenta cinco casos de renovação do espaço público em países da União Europeia considerados «representativos de boas práticas de design e preservação das praças no contexto urbano». Esta exposição, com entrada livre, é uma iniciativa de cinco países (Espanha, França, Grécia, Itália e Polónia). Terreiro do Paço: um local que está sempre à «espera de requalificação» Segunda a sexta-feira, 10h-20h.


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