Folha do IAB 160

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IAB NA VANGUARDA DO DIREITO DESDE 1843

Folha do JORNAL DO INSTITUTO DOS ADVOGADOS BRASILEIROS

Nº 160 - SETEMBRO/OUTUBRO - 2020

Meio ambiente inseguro A revogação de normas de proteção ambiental, sem incluir outras para ampliar as regras de transição, deixou a sociedade entregue à insegurança jurídica. Este foi o entendimento do plenário do IAB sobre a decisão do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) de revogar três resoluções do órgão que tratavam da proteção de restingas e manguezais, de empreendimentos de irrigação e da faixa mínima de distância ao redor de Áreas de Preservação Permanente (APPs). No sentido de contribuir para o estabelecimento de regras uniformes e seguras, o IAB vai elaborar anteprojeto de um novo Código de PÁGINAS 4 e 5 Meio Ambiente.

n Desenhada por Niemeyer, Medalha Luiz Gama foi entregue a uma acadêmica e dois juristas, em sessão virtual PÁGINA 3

n Parecer da Comissão de Igualdade Racial estabelece aspectos jurídicos que amparam a reparação da escravidão PÁGINA 6

n E NTREVISTA Adilson Rodrigues Pires fala das medidas para não interromper a produção jurídica na pandemia PÁGINA 8


Mensagem da presidente

H

O IAB tomou outra decisão igualmente à altura da sua tradição jurídica: irá elaborar, com a contribuição dos membros da Comissão de Direito Ambiental, projeto para um novo Código de Meio Ambiente

istoricamente comprometido com a preservação do estado democrático de direito, indispensável à aplicação dos direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal, o IAB não poderia, de forma alguma, se eximir do dever de analisar detidamente uma recente decisão tomada pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Resoluções editadas pelo órgão nos anos de 2001 e 2002, com o propósito de proteger o meio ambiente, especialmente as restingas e os manguezais, foram inapelavelmente revogadas no final de setembro. Diante das gravíssimas consequências da deliberação do órgão governamental, decidi criar a Comissão Especial e Transitória sobre Análise da Resolução do Conama, que, em caráter de urgência, produziu um irretocável parecer. A argumentação, que demonstrou ser “ilegal” e “inconstitucional” a determinação do Conama, foi aprovada em sessão ordinária por 90% dos presentes no plenário virtual, após profunda discussão em que prevaleceu o respeito à pluralidade de ideias. Diante do atual cenário de descalabro público no âmbito ambiental, marcado pelo desmantelamento dos órgãos de fiscalização e a consequente expansão incontrolável das queimadas, o IAB, duas semanas antes da aprovação do parecer, tomou outra decisão igualmente à altura da sua tradição jurídica: irá elaborar, com a contribuição dos membros da Comissão de Direito Ambiental, projeto para um novo Código de Meio Ambiente. Conforme o art. 225 da Constituição, “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”. A preservação do meio ambiente, portanto, está intimamente ligada ao direito à vida. Assim, mais uma vez, o IAB cumpre a sua missão, ao oferecer opinião jurídica qualificada para o aperfeiçoamento do Direito e, especialmente, em defesa da vida. Rita Cortez

Expediente Diretoria Estatutária Presidente: Rita de Cássia Sant’anna Cortez 1º vice-presidente: Sergio Francisco de Aguiar Tostes 2º vice-presidente: Sydney Limeira Sanches 3º vice-presidente: Carlos Eduardo de Campos Machado Secretária-geral: Adriana Brasil Guimarães Diretor secretário coordenador do setor administrativo: Antônio Laért Vieira Júnior Diretor secretário coordenador das comissões: Adilson Rodrigues Pires Diretora secretária responsável pelas publicações oficiais: Katia Rubinstein Tavares Diretor secretário responsável pelas relações institucionais e coordenador das representações estaduais: Jorge Rubem Folena de Oliveira Diretor financeiro: Arnon Velmovitsky Diretora cultural e de apoio à Esiab: Leila Pose Sanches Diretora de biblioteca: Márcia Dinis

Folha do IAB

Nos meses de setembro e outubro, um magistrado e 11 advogados foram empossados virtualmente pela presidente nacional do IAB, Rita Cortez, como membros da Casa de Montezuma. Na sessão extraordinária do dia 23 de outubro, tomou posse como membro honorário o juiz do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) Antonio Aurélio Abi Ramia Duarte, que também é 2º vice-presidente da Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (Amaerj). Na mesma ocasião, ingressaram no Instituto, como membros efetivos, os advogados Alexandre Oheb Sion, André Alves de Almeida Chame, Talden Queiroz Farias e Vanessa Suhett Esteves Azevedo. Na sessão ordinária realizada no dia 7 de outubro, Alessandra de Barros Wanderley e Daniella Meggiollaro Paes de Azevedo entraram para o IAB. “É uma honra fazer parte desta academia que, desde 1843, vem defendendo a advocacia e hoje tem na presidência Rita Cortez, que eu tanto admiro”, disse Alessandra de Barros Wanderley, no seu discurso de posse. Na sessão extraordinária do dia 4 de setembro, foram empossados Marisa Gaudio, vice-presidente da Caixa de Assistência da Advocacia do Estado do Rio de Janeiro (Caarj) e diretora de Mulheres da OAB/ RJ; Miguel Luiz Barros Barreto de Oliveira, presidente da Comissão Direito do Consumidor do Instituto Brasileiro de Pesquisa e Estudo Jurídico (Ibrapej); André Gonçalves Zipperer, Célia Regina Pereira Dantas e Luiz Guilherme Moraes Rego Migliora.

Acompanhe o IAB nas redes sociais Orador oficial: José Roberto Batochio Diretor financeiro adjunto: Luiz Felipe Conde Diretor adjunto para apoio às relações institucionais: Eurico de Jesus Teles Neto Diretora adjunta responsável pelos convênios e parcerias: Ana Tereza Basilio Diretor adjunto de apoio à realização de eventos em parceria: André Luís Mançano Marques Diretor Executivo de Tecnologia e Inovação: Bernardo Gicquel

IABnacional

Representantes estaduais

Diretoria Executiva

Álvaro Fernando da Rocha Mota (PI), Andre Augusto Malcher Meira (PA), Aniello Miranda Aufiero (AM), Aristoteles Dutra de Araujo Atheniense (MG), Claudio Araujo Pinho (MG – adjunto), Auriney Uchôa de Brito (AP), Carlos Pessoa de Aquino (PB), Carmela Grüne (RS), Christiane do Vale Leitão (CE), Ana Paula Araújo de Holanda (CE – adjunta), Francilene Gomes de Brito (CE – adjunta), Fábio Arthur da Rocha Capilé (MT), Fabio Túlio Barroso (PE), Luciana Barcellos Slosbergas (SP), Luis Antônio Camargo de Melo (DF), Luiz Claudio Silva Allemand (ES), Paulo Nicholas de Freitas Nunes (AL) e Sergio Francisco Carlos Graziano Sobrinho (SC).

Procuradores: Paulo de Moraes Penalva Santos e João Theotonio Mendes de Almeida Júnior Ouvidor: Mario Antonio Dantas de Oliveira Couto Representante nas entidades internacionais: Paulo Malta Lins e Silva Diretor de pesquisa e documentação: Hariberto de Miranda Jordão Filho Diretor de apoio administrativo e apoio aos sócios: Paulo Maltz

Av. Marechal Câmara 210, 5º andar - Centro Rio de Janeiro - RJ - CEP 20.020-080 Telefax: (21) 2240-3173 www.iabnacional.org.br | iab@iabnacional.org.br

Publicação bimestral do Instituto dos Advogados Brasileiros

SETEMBRO/OUTUBRO 2

Onze advogados e um juiz tomam posse

Jornalista responsável: Fernanda Pedrosa (MT 13511) Redação: Ricardo Gouveia Projeto gráfico e diagramação: Daniel Tiriba

Fotografia: Arquivo IAB Impressão: Gráfica Rio DG Tiragem: 2.100 exemplares


Homenagem

Medalha Luiz Gama é entregue a dois juristas e uma acadêmica Destinada àqueles que se destacam na defesa do estado democrático de direito, a Medalha Luiz Gama foi entregue à acadêmica Ligia Fonseca Ferreira e aos juristas Hélio das Chagas Leitão Neto e Maria Helena Diniz, numa emocionante Sessão Plenária Solene virtual conduzida, no dia 23 de setembro, no canal TVIAB no YouTube, pela presidente nacional do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), Rita Cortez. A medalha foi desenhada especialmente para o IAB pelo arquiteto Oscar Niemeyer, em 2009, aos 101 anos de idade. “A entrega da comenda é uma homenagem àqueles que, ao defenderem o estado democrático de direito, consequentemente, lutam pela liberdade e pelos direitos humanos”, ressaltou Rita Cortez. Ligia Fonseca Ferreira possui doutorado pela Universidade de Paris 3 – Sorbonne, com tese sobre a vida e a obra de Luiz Gama. Nascido em Salvador (BA), em 1830, Luiz Gonzaga Pinto da Gama era filho de mãe negra livre e pai branco, mas foi feito escravo aos 10 anos de idade e permaneceu analfabeto até os 17. Conquistou judicialmente a própria liberdade e passou a atuar na advocacia em prol dos cativos. Aos 29 anos, já era considerado “o maior abolicionista do Brasil”. A saudação à professora foi

A Sessão Plenária Solene no canal TVIAB no YouTube feita pelo presidente da Comissão de Igualdade Racial do IAB, Humberto Adami. “Honra, alegria e emoção por receber esta homenagem, especialmente por ser uma medalha que leva o nome de Luiz Gama, que cumpriu o rigoroso dever de lutar pelos desvalidos deste País”, afirmou a acadêmica. A representante institucional adjunta do IAB no Ceará, Ana Paula Araújo de Holanda, saudou Hélio das Chagas Leitão Neto, membro do IAB e conselheiro federal pela OAB/CE. Visivelmente emocionado, o homenageado

disse: “Receber a Medalha Luiz Gama é motivo de lisonja e gáudio para quem ama o Direito, como eu”. A jurista Maria Helena Diniz, doutora em Teoria Geral do Direito e Filosofia do Direito pela PUC/SP, foi cumprimentada pelo representante institucional titular do IAB no Pará, André Augusto Malcher Meira. Por meio de mensagem gravada em vídeo e transmitida na sessão, a jurista se disse muito grata com a homenagem e citou o IAB como “referência da cultura jurídica nacional”.

“ “

A entrega da comenda é uma homenagem àqueles que, ao defenderem o estado democrático de direito, consequentemente, lutam pela liberdade e pelos direitos humanos

Rita Cortez

Instituto relança a Revista Digital A sessão foi marcada também pelo relançamento da Revista Digital, edição especial 177 anos do IAB, apresentada pela diretora responsável e coordenadora, Kátia Rubinstein Tavares. Com 21 artigos, oito pareceres e duas resenhas, a revista está dividida em dois volumes e traz uma saudação de Rita Cortez aos leitores. “Devo dizer que o desafio foi encarado com muita pujança e extrema competência pela nossa qualificadíssima diretora Kátia Rubinstein Tavares”, destaca a presidente. A diretora, que contou com o apoio da coorde-

nadora assistente, Larissa Clare Pochmann da Silva, afirmou que “a revista traz o pensamento crítico indispensável à construção de uma sociedade livre de todos os tipos de preconceitos e ao afastamento das manifestações de ódio e intolerância dos tempos difíceis da atual conjuntura política brasileira”. Kátia Tavares informou que a publicação passou a seguir rigorosamente os critérios de avaliação estabelecidos pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), fundação vinculada ao Ministério da Educação (MEC).

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Parecer

Decisão do Conama

ÓRGÃO REVOGOU RESOLUÇÕES QUE RESTRINGIAM O DESMATAMENTO E A OCUPAÇÃO EM ÁREAS DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL DE VEGETAÇÃO NATIVA, COMO RESTINGAS E MANGUEZAIS

O ministro do Meio Ambiente, ao revogar normas de proteção ambiental, sem incluir outras para ampliar as regras de transição, deixou a sociedade entregue à insegurança jurídica

Paulo de Bessa Antunes e Jorge Folena, em parecer conjunto

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Parecer contrário à decisão do Conama é aprovado com 90% dos votos

É

ilegal e inconstitucional a decisão do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) de revogar três resoluções do órgão que tratavam da proteção de restingas e manguezais, de empreendimentos de irrigação e da faixa mínima de distância ao redor de Áreas de Preservação Permanente (APPs). Este foi o entendimento da maioria do plenário do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) ao aprovar com 90% dos votos, na sessão ordinária virtual de 7 de outubro, o parecer produzido pelos relatores Paulo de Bessa Antunes e Jorge Folena, da Comissão Especial e Transitória sobre Análise da Resolução do Conama, criada pela presidente nacional do IAB, Rita Cortez. Para Paulo de Bessa Antunes e Jorge Folena, “o ministro do Meio Ambiente, ao revogar normas de proteção ambiental, sem incluir outras para ampliar as regras de transição, deixou a sociedade entregue à insegurança jurídica, apenas sob o argumento de que o atual Código Florestal já teria regulamentado o tema das APPs”. Na sessão ordinária, também foi aprovado o ingresso do IAB no Supremo Tribunal Federal (STF) com pedido para atuar como amicus curiae no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 747, protocolada pelo PT, em questionamento à decisão do Conama. O parecer foi encaminhado a todos os ministros do

STF; aos ministros das 1ª e 2ª Turmas do Superior Tribunal de Justiça (STJ), competentes em matéria ambiental; à Advocacia-Geral da União (AGU); à presidência do Conama; à 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (MPF) e à Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados. Ao apontar a “ilegalidade” do ato do poder público, Paulo de Bessa Antunes ressaltou na sustentação oral que “o parecer é um documento estritamente jurídico”. Para o advogado especialista em meio-ambiente, “a decisão do Conama, tomada no dia 28 de setembro, por meio da Resolução 500/2020, representou um grave desvio da sua função institucional de proteger e assegurar o meio ambiente saudável”. Ele disse ainda que “também deve ser levado em consideração que a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, bem como a Lei da Liberdade Econômica, estabelece a necessidade de exame do impacto econômico e social dos atos administrativos sobre o mundo real, o que não foi feito”. Jorge Folena destacou a “inconstitucionalidade” da decisão. Ele sustentou que “o Conama revogou três resoluções importantíssimas para o meio ambiente, renunciando à sua competência de dar efetividade às leis ambientais”. Ao ressaltar a relevância da questão, o advogado constitucionalista disse que “o direito ambiental tem uma relação direta com os direitos humanos”.


é inconstitucional Novo Código A Comissão de Direito Ambiental do IAB vai elaborar projeto para um novo Código de Meio Ambiente. Lançada no encerramento do Ciclo de Palestras de Direito Ambiental, no dia 25 de setembro, a ideia foi abraçada pela presidente da comissão, Vanusa Murta Agrelli, e apoiada pela presidente nacional do IAB, Rita Cortez. “A política atual do Instituto é fortalecer os trabalhos técnicos produzidos pelas comissões temáticas”, afirmou Rita Cortez. Vanusa Murta Agrelli disse que “os membros da comissão vão se debruçar sobre o projeto de um novo Código de Meio

Ambiente, com vistas a contribuir para o estabelecimento de regras uniformes e seguras, tanto para o empreendedor, quanto para o órgão ambiental”. Na sua palestra, o jurista Edis Milaré, pioneiro da advocacia ambiental no Brasil, defendeu a criação de um novo Código de Meio Ambiente. Paulo de Bessa Antunes, que também é presidente da União Brasileira da Advocacia Ambiental (UBAA), por sua vez, sugeriu que o projeto fosse produzido pelo IAB, na condição de “academia jurídica do País”. No encerramento do evento, que foi transmitido pelo canal TVIAB no YouTube, Rita Cortez ressaltou a qualidade das palestras

‘Déficit democrático’ No parecer, os relatores criticaram também a atual composição do Conama: “Há um déficit democrático, já que os representantes dos estados, municípios e setores da sociedade civil são suplantados pelos designados pelo Poder Executivo Federal, bem como por inúmeras associações empresariais”. O plenário apreciou também o voto-vista do consócio Edis Milaré, contrário aos argumentos do parecer e favorável à revogação das resoluções. Edis Milaré disse que a proposta de manutenção das resoluções era uma “tentativa de ressuscitar um cadáver”. No debate, a presidente da Comissão de Direito Ambiental do IAB, Vanusa Murta Agrelli, classificou as resoluções como “natimortas”. Na discussão, o diretor Hariberto de Miranda Jordão Filho e o consócio Roberto Reis discordaram do voto-vista e, além disso, defenderam um viés político no encaminhamento jurídico da questão ambiental. Membro da Comissão de Direito Ambiental e autora da indicação para elaboração do parecer, junto com a presidente Rita Cortez, Leila Pose afirmou: “Os dois pareceres apresentaram importantes análises, mas considero que mencionar fatos da política ambiental não traz prejuízo algum aos posicionamentos jurídi-

e dos debates travados nas seis semanas anteriores. “Após uma profunda discussão sobre a legislação e a política ambiental praticada nos estados, hoje, no 11º e último painel do ciclo, reunimos a nata do Direito Ambiental para debater os instrumentos usados pela União na gestão ambiental”, afirmou. Também participaram do painel de encerramento o 3º vice-presidente da comissão, Marcelo Buzaglo Dantas; o ex-secretário especial do Meio Ambiente Roberto Messias Franco, que ocupou em 1985 o cargo que hoje equivale ao de ministro do Meio Ambiente, e o diretor de Licenciamento Ambiental do Ibama, Jônatas Trindade.

cos”. Apenas 8% dos presentes na sessão votaram contra o parecer, enquanto 2% se abstiveram. Os relatores explicaram que a Resolução 284/2001, uma das três revogadas, classificava os empreendimentos de irrigação em categorias e exigia a apresentação de estudos dos seus impactos ambientais. Segundo eles, ela abrangia obras que dependem de licenciamento ambiental, como barragens e diques, canais para drenagem, retificação de curso de água e projetos agrícolas. De acordo com o parecer, “como vários estados possuem legislação voltada para o licenciamento ambiental de projetos de irrigação, a revogação da resolução é um fator de desestabilização da ordem jurídica”. A Resolução 302/2002 determinava que os reservatórios artificiais mantivessem faixa mínima de 30 metros ao seu redor, como forma de evitar ocupações e garantir a proteção da água. A Resolução 303/2002 previa uma faixa de proteção em torno das APPs, formadas por dunas, manguezais e restingas, que têm função fundamental na dinâmica ecológica da zona costeira. Conforme o parecer, “desde a edição do novo Código Florestal, em 2012, há uma importante discussão sobre a sua suposta incompatibilidade com as resoluções, mas boa parte da jurisprudência brasileira tem reconhecido as resoluções como legítimas”.

Os membros da comissão vão se debruçar sobre o projeto de um novo Código de Meio Ambiente, com vistas a contribuir para o estabelecimento de regras uniformes e seguras, tanto para o empreendedor, quanto para o órgão ambiental

Vanusa Murta Agrelli

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Sessão histórica

O objetivo da reparação da escravidão é reconstruir o modo de funcionamento da democracia brasileira e garantir a igualdade étnica-racial no exercício da cidadania

Comissão de Igualdade Racial

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Casa de Montezuma é favorável à reparação da escravidão “Foi uma sessão histórica”, destacou a presidente nacional do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), Rita Cortez, no dia 9 de setembro, ao final da sessão ordinária virtual em que foi aprovado, por aclamação, o parecer produzido pela Comissão de Igualdade Racial estabelecendo os aspectos jurídicos que amparam a reparação da escravidão. A medida é considerada fundamental para eliminar as situações de desigualdade e discriminação racial ainda presentes na sociedade brasileira. O documento propõe a responsabilização dos autores das violações de direitos humanos, a reparação financeira às vítimas e a prevenção à recorrência dos crimes. O parecer foi relatado pelo presidente da comissão, Humberto Adami, e subscrito por seus membros. A presidente nacional do IAB encaminhou o documento aos presidentes do Senado, Davi Alcolumbre, da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB), Felipe Santa Cruz; ao ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, e ao ministro-chefe da Casa Civil, general Braga Netto.

“O objetivo da reparação da escravidão é reconstruir o modo de funcionamento da democracia brasileira e garantir a igualdade étnica-racial no exercício da cidadania, tendo como base o respeito à dignidade humana e o reconhecimento dos traumas da escravidão negra”, destaca a Comissão de Igualdade Racial. No parecer, os membros ressaltam que realizaram uma profunda análise jurídica da causa e das consequências do racismo estrutural e institucional. O parecer é assinado por André Fontes, Carlos Alves Moura, Cezar Britto, Cinthia Polliane Camandaroba da Silva, Edmée da Conceição Ribeiro Cardoso, Euclides Lopes, Flávia Pinto Ribeiro, Helio Rosalvo dos Santos, Janaína Muniz da Silva, João Manoel de Lima Junior, José Antônio Seixas da Silva, Luiz Viana Queiroz, Marcia Cristina Xavier de Souza, Marcus Vinicius Furtado Coelho, Marco Aurélio Bezerra de Melo e Nelson Joaquim (in memoriam). Humberto Adami agradeceu às professoras Maria Sueli Rodrigues e Simone Henrique pelas contribuições prestadas para a elaboração do documento.

Redes sociais

Instagram do IAB dobra de tamanho

A audiência no perfil do IAB no Instagram mais que dobrou em 2020. O total de seguidores chegou a 9.405 no final de setembro, num aumento de 117,8%, considerando que, em dezembro de 2019, o perfil era acompanhado por 4.319 pessoas. Além disso, os 5.086 novos seguidores que surgiram de janeiro a setembro superaram em 143% os 2.092 que passaram a seguir o Instituto em todo o ano de 2019. O aumento de seguidores, não somente no Instagram, mas também no Facebook e no Twitter, está dire-

tamente relacionado aos 60 eventos on-line e gratuitos, entre lives e webinares, realizados durante a pandemia. Os eventos virtuais trouxeram a facilidade de reunir pessoas de vários estados e até de outros países, sem maiores custos e sem necessidade de organizar com muita antecedência. “O crescimento significativo nas redes sociais é fruto do esforço coletivo dos profissionais da Diretoria Cultural, da Assessoria de Imprensa e da recém-criada Diretoria de Tecnologia e Inovação”, afirmou Rita Cortez.

AUMENTO DE SEGUIDORES 2019 x 2020 @iabnacional

143%

5.086

2.092

2019

2020*

*(JANEIRO A SETEMBRO)


Notas

Clube-empresa

Estante Espaço de divulgação de livros doados à Biblioteca Daniel Aarão Reis BATISTA, Nilo; BÉZE, Patrícia Mothé Glioche. Denunciação caluniosa. Rio de Janeiro: Revan, 2020.

“A administração dos clubes no Brasil é amadorística”, afirmou o presidente da Comissão de Direito Desportivo da OAB Nacional, Tullo Cavallazzi Filho, ao participar no dia 22 de setembro, no canal TVIAB no YouTube, do webinar sobre ‘O clube-empresa e a experiência internacional’. O evento reuniu palestrantes da Espanha, Portugal e Itália. Organizado pela Comissão de Direito Desportivo do IAB, presidida por Mauricio Corrêa da Veiga, e aberto pela presidente nacional, Rita Cortez, o webinar foi realizado no momento em que se discute no Congresso Nacional a transformação dos clubes de futebol em empresas. Estão sendo analisados os PLs 5.082/16 e 5.516/19, de autoria, respectivamente, do deputado federal Pedro Paulo (DEM/RJ) e do senador Rodrigo Pacheco (DEM/MG).

Apoio à OAB O IAB manifestou irrestrito apoio, no dia 1º de outubro, à OAB na sua atuação perante o STF para reverter o voto do ministro Marco Aurélio Mello no Recurso Extraordinário 1.182.189/BA. Na condição de relator, o ministro votou a favor de que as contas e a movimentação financeira da OAB sejam submetidas à fiscalização do Tribunal de Contas da União (TCU). Rita Cortez encaminhou ofício, subscrito por sete ex-presidentes, ao presidente da OAB, Felipe Santa Cruz. “A submissão ao controle externo mediante a fiscalização por parte de uma instituição que integra a organização política brasileira, o TCU, num momento no qual a advocacia vem sendo hostilizada e agredida em suas prerrogativas por algumas autoridades e agentes públicos, ademais do patente descompromisso com a Constituição Federal por parte de dirigentes da Nação, é motivo de extrema preocupação”, diz o documento.

A partir de um rico levantamento histórico, com dados, inclusive, da Grécia Antiga, os autores tratam da denunciação caluniosa e das inúmeras alterações na tipificação do crime no Código Penal, além de promoverem uma reflexão sobre legislações de outros países.

JUNQUEIRA, André Luiz. Condomínios: direitos e deveres. Rio de Janeiro: Auriverde, 2014. O livro é o resultado de uma extensa pesquisa na legislação, doutrina e jurisprudência brasileiras sobre condomínios, como também de um estudo comparativo com o tratamento dispensado ao tema em Portugal, na Itália, Argentina e França.

SCHMIDT, Gustavo da Rocha. Arbitragem na administração pública. Curitiba: Juruá, 2018. O autor explica o crescimento da arbitragem na administração pública, que vem ampliando o mercado profissional para advogados e não advogados. Ele propõe uma regulamentação geral da atividade que sirva de modelo para a União, os estados e municípios.

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Entrevista|Adilson Rodrigues Pires

‘Não podíamos parar as atividades’ E

“ “

O uso das plataformas digitais tem permitido a participação de membros residentes em vários estados, o que não ocorria antes, quando as reuniões eram presenciais

m entrevista à FOLHA DO IAB, o diretor secretário coordenador das comissões do IAB, Adilson Rodrigues Pires, ao falar da adaptação às novas tecnologias para que a produção jurídica não fosse interrompida durante a pandemia, disse que, “de início, houve uma certa dificuldade”. Mas, de acordo com ele, “com o tempo, quase todos foram se adaptando”. A respeito da retomada das atividades presenciais, quando não houver mais a necessidade do isolamento social, Adilson Rodrigues Pires acredita que a nova realidade deverá estabelecer “um meio termo entre as atividades presenciais e as virtuais”.

A pandemia tem prejudicado a produção jurídica das comissões? Não. Em certo sentido, pelo contrário. O uso das plataformas digitais tem permitido a participação de membros residentes em vários estados, o que não ocorria antes, quando as reuniões eram presenciais. Hoje, os consócios se sentem mais integrados às atividades institucionais, agregando ideias e contribuindo para o enriquecimento das discussões. Dadas as peculiaridades de cada região, novos e interessantes argumentos foram acrescidos aos pareceres. Como foi a adaptação das comissões às novas tecnologias? De início, houve uma certa dificuldade, tendo em vista a natural acomodação às condições existentes até então. A tecnologia, na verdade, já se encontrava à nossa disposição, mas, habituadas às relações diretas com clientes, alunos e consociados, as pessoas não percebiam as facilidades que essa tecnologia poderia proporcionar. Porém, com o tempo, quase todos foram se adaptando e, hoje, vemos que grande parte das comissões já tem reuniões agendadas, pelo menos, até o fim deste ano. As plataformas digitais trazem benefícios? Sem dúvida. As plataformas aproximam as pessoas, independentemente de onde estiverem. Mesmo após a pandemia, alguém que esteja, por exemplo, em Brasília, despachando processo, em sustentação perante um

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tribunal ou, ainda, em uma cerimônia de posse, poderá participar das reuniões das comissões, assim como das plenárias do Instituto, sem qualquer problema. Como foi a retomada virtual das sessões e das discussões e votações de pareceres? Não foi uma decisão simples e espontânea. Em março, quando se iniciou a quarentena, imaginava-se que em dois ou três meses todas as atividades voltariam ao normal. Contudo, era consenso entre os integrantes da Diretoria que não podíamos parar as atividades. Fizemos algumas reuniões em que o assunto foi discutido, e a nossa presidente decidiu retomar as sessões plenárias. Depois de 12 ou 13 plenárias, observa-se que a participação dos associados de vários estados tem sido bastante expressiva. Num cenário de controle sanitário, sem necessidade de isolamento, todas as atividades do IAB voltarão a ser presenciais? Essa é uma pergunta difícil de ser respondida. Muito se especula sobre como será o “novo normal”, uma expressão que, literalmente, não expressa o seu verdadeiro significado. A normalidade, a meu ver, não mudará, mas sim a forma como serão exercidas as atividades após a pandemia. Acredito que devemos nos situar em um meio termo entre as atividades presenciais e as virtuais. Posses e assinatura de convênios, mais solenes no meu modo de ver, penso que devam ser presenciais. Outras, talvez, não. Vamos ver. O tempo dirá.


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