O ICMS Ecológico no Brasil - Revista de Administração Municipal - Edição 277 - IBAM

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O ICMS ECOLÓGICO NO BRASIL E

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Revista de Administração Municipal – MUNICÍPIOS IBAM Abril/Setembro 2011 Ano 57

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ARTIGOS •฀ICMS฀ECOLÓGICO฀ •฀TRIBUTOS฀IMOBILIÁRIOS฀ •฀NEPOTISMO฀ •฀PLANO฀DIRETOR฀ •฀RECICLAGEM฀NA฀CIDADE฀DE฀CUIABÁ฀

E฀MAIS •฀FINANÇAS฀MUNICIPAIS •฀PARECERES฀E฀JURISPRUDÊNCIA •฀EM฀FOCO •฀PERGUNTE฀AO฀IBAM


EDITORIAL

Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM

OS EDITORES

Nesta edição, a Revista trata

a instituição e o ônus dos chamados

Plano Diretor do Instituto Superior

de assuntos variados. Porém, nada

tributos imobiliários: IPTU, Taxas de

de Educação do Rio de Janeiro (PD-

demais destacar que os tributos con-

serviços públicos (TSP) e Contribui-

-ISERJ): Algumas Questões.

tinuam sendo tema de real impor-

ção de Melhoria (CM) e de Ilumi-

E os autores Roberto Naime,

tância para a administração em razão

nação Pública (CIP), demonstrando

Eduardo Figueiredo Abreu e Sér-

de gerar recursos financeiros que se

que, cobrados ou não no mesmo

gio Carvalho, em Avaliação preli-

destinam a possibilitar a execução

documento de arrecadação, são

minar do potencial de reciclagem

dos programas de trabalho. Por isto,

exigidos da mesma pessoa. Também

na cidade de Cuiabá (MT), fazem

incluem-se dois textos tributários.

analisa o peso da respectiva carga tri-

diagnóstico da situação atual da

butária e sua influência no potencial

reciclagem no aterro sanitário

tributável do Município.

de Cuiabá. E executam a partir

Os autores Vanessa Marcela Nascimento, Hans Michael Van Bellen, Christiano Coelho e Marcelo

Alice Barroso de Antonio, em O

destes dados uma avaliação do

Nascimento analisam a metodologia

nepotismo sob a ótica da Súmula

potencial de reciclagem dos resí-

de rateio do ICMS Ecológico utilizado

Vinculante nº 13 do STF: críticas e

duos sólidos urbanos domiciliares

pelos Estados brasileiros e aprofun-

proposições, investiga os aspectos

(RSUD). Tendo por base os dados

dam o conhecimento destas expe-

controvertidos do nepotismo não

do relatório de gestão de 2008 da

riências em O ICMS ecológico no

apenas no âmbito do Direito, no qual

cooperativa dos trabalhadores e

Brasil, um instrumento econômico

se discute sua legalidade e cons-

produtores de materiais recicláveis

de política ambiental aplicado aos

titucionalidade, mas sobretudo no

de Mato Grosso Ltda., demons-

Municípios. Esta metodologia prevê

locutório popular, em que a reflexão

tram os principais itens passíveis

a inclusão de critérios ecológicos na

assume nuances éticas.

de reciclagem.

Leo Name e Priscylla Freiria Valla-

Esta edição ainda apresenta as

dares trazem as principais questões

seções Finanças Municipais, Em

José Rildo de Medeiros Guedes,

relacionadas à recente elaboração do

Foco, Pergunte ao IBAM e Pareceres.

no artigo Tributos imobiliários: carga

Plano Diretor do Instituto Superior de

tributária, tece considerações sobre

Educação do Rio de Janeiro, no artigo

determinação do índice de rateio para a cota-parte do ICMS.

Boa leitura!

Missão฀da฀Revista฀ A missão da Revista é ser um meio de difusão de informação, de estudos, de resultados de pesquisas inéditas e um fórum de debate sobre temas de interesse nacional e internacional relacionados ao federalismo, à descentralização, ao desenvolvimento da capacidade institucional dos governos municipais, à construção de uma sociedade democrática e à valorização da cidadania.

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ÍNDICE

Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM

EXPEDIENTE A Revista de Administração Municipal – MUNICÍPIOS é uma publicação do Instituto Brasileiro de Administração Municipal – IBAM, de periodicidade trimestral, indexada à Qualis CAPES Internacional, depositada na Reserva Legal da Biblioteca Nacional e no Centro Brasileiro do ISSN, IBICT sob o n.° ISSN 0034-7604. Registro Civil de Pessoas Jurídicas n.° 2.215.

ARTIGOS E REPORTAGEM ฀/฀ARTICLES AND REPORTAGE

05 O ICMS Ecológico no Brasil, um Instrumento Econômico de Política Ambiental Aplicado aos Municípios / The ICMS Ecological in Brazil, an Instrument of Economic Environment Policy Applied to Municipalities Vanessa Marcela Nascimento, Hans Michael Van Bellen Christiano Coelho, Marcelo Nascimento

Editores Heraldo da Costa Reis – Editor Técnico Sandra Mager – Produção Gráica Ana Kelly de Jesus – Apoio Editorial Conselho Editorial Ana Maria Brasileiro (UNI FEM/ONU /Washington/Estados Unidos), Celina Vargas do Amaral Peixoto (FGV/Rio de Janeiro/RJ), Emir Simão Sader (CLACSO /Buenos Aires/ ARGENTIN A), Fabrício Ricardo de Limas Tomio (UFPr/Curitiba/PR), Jorge Wilheim (Consultor em urbanismo, São Paulo/ SP ), Paulo du Pin Calmon (UNB/CEAG/Brasília/DF) e Rubem César Fernandes (VIVA RIO/Rio de Janeiro/RJ). Conselho Técnico Alexandre Santos, Heraldo da Costa Reis e Marlene Fernandes. Esta publicação consta do indexador internacional Lilacs – América Latina e Caribe e nas seguintes páginas: • FEA/USP - Departamento de Administração • FGV - Biblioteca Mário Henrique Simonsen • UNB - Biblioteca Machado de Assis • Biblioteca Nacional • Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia Catálogo Coletivo Nacional (CCN) • Association of Research Libraries • Latin Americanist Research Resources Project • Institut des Hautes Études de l’Amérique Latine - Centre de Recherche et de Documentation sur l’Amérique Latine • Facultad de Ciencias Juridicas y Politicas - Universidad Central de Venezuela • HACER - Hispanic American Center for Economic Research ASSINATURAS Tel.: (21) 2536-9711/ 2536-9712 • revista@ibam.org.br Valor da assinatura anual: R$ 48,00 Tiragem: 2 mil exemplares

17 Tributos imobiliários: carga tributária / Real state tax: tributary burden José Rildo de Medeiros Guedes

37 O nepotismo sob a ótica da Súmula Vinculante nº 13 do STF: críticas e proposições / Nepotism in the view of the binding precedent of the Supreme Court No. 13: criticisms Alice Barroso de Antonio

54 Plano diretor do Campus Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro: planejamento físico-territorial e identidade em um espaço para o ensino / Territorial planning and identity in a space for educational practices Leo Name, Priscylla Freiria Valladares

REDAÇÃO Coordenação Editorial Edição 1 – Comunicação & Serviços Ltda. • Telefax: (21) 2462-1933 Jornalista responsável: Mauricio S. Lima (MTb 20.776) Jornalismo: Ana Cristina Soares Revisora gramatical: Lucíola M. Brasil Programação visual: Virgilio Pinheiro Foto de Capa: sxc.hu

74 Avaliação do Potencial de Reciclagem na Cidade de Cuiabá (MT) / Preliminary assessment of potential for recycling in the city of Cuiabá (MT) Roberto Naime Eduardo Figueiredo Abreu, Sérgio Carvalho

DEPARTAMENTO COMERCIAL Contato: (21) 2462-1933 Os artigos reletem a opinião de seus autores. É permitida a sua reprodução desde que citada a fonte. IBAM – Edifício Diogo Lordello de Mello Largo IBAM, 1 – Humaitá – Rio de Janeiro, RJ CEP 22271-070 Tel.: (21) 2536-9797 www.ibam.org.br Conselho de Administração Edson de Oliveira Nunes (Presidente), Edgar Flexa Ribeiro, Edvaldo Brito, Henrique Brandão Cavalcanti, João Pessoa de Albuquerque, Luiz Antonio Santini, Maria Terezinha Saraiva, Mayr Godoy, Paulo Alcântara Gomes e Tito Bruno Bandeira Ryff Conselho Fiscal Aguinaldo Helcio Guimarães, Paulo Reis Vieira Roberto Guimarães Boclin (Suplente) Superintendência Geral Paulo Timm REPRESENTAÇÕES São Paulo Avenida Ceci, 2081 • Planalto Paulista, São Paulo • SP • CEP 04065-004 • Tel/Fax: (11) 5583-3388 • Ibamsp@ibam.org.br Santa Catarina Rua Sete de Setembro, 483 - sl. 01 - Edifício Ipiranga - Centro - Blumenau - SC - CEP 89010-201 • Tel/Fax: (47) 3041-6262 • Ibamsc@ibam.org.br

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PARECERES E JURISPRUDÊNCIA / REPORTS AND JURISPRUDENCE

82 Princípio da segurança jurídica e a decadência da prerrogativa da Administração de anular seus próprios atos 87 Reestruturação financeira do SAAE SEÇÕES / SECTIONS

52฀– FINANÇAS MUNICIPAIS / MUNICIPAL FINANCES 89฀– EM FOCO / HIGHLIGHTING 90 – PERGUNTE AO IBAM / ASK TO IBAM ERRATA

Na edição anterior número 276 mencionamos o artigo “Tributos imobiliários: carga tributária” no editorial, no entanto, o mesmo não foi publicado.

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ICMS ECOLÓGICO

O ICMS Ecológico no Brasil, um Instrumento Econômico de Política Ambiental Aplicado aos Municípios Vanessa Marcela Nascimento Especialista-Contadora Secretaria de Estado da Fazenda de Santa Catarina Programa de Pós-Graduação em Contabilidade Universidade Federal de Santa Catarina vanessanasci@yahoo.com.br Hans Michael Van Bellen Professor Doutor Universidade Federal de Santa Catarina Programa de Pós-Graduação em Contabilidade Universidade Federal de Santa Catarina hansmichael@cse.ufsc.br Christiano Coelho Professor Mestre Universidade Federal do Acre Programa de Pós-Graduação em Contabilidade Universidade Federal de Santa Catarina floripacoelho@gmail.com Marcelo Nascimento Professor UNIBAN Programa de Pós-Graduação em Administração Universidade do Sul de Santa Catarina mn_marcelo@yahoo.com.br

RESUMO O objetivo desta pesquisa foi evidenciar a metodologia de rateio do ICMS - Ecológico utilizado pelos Estados brasileiros e aprofundar o conhecimento dessas experiências. A metodologia prevê a inclusão de critérios ecológicos na determinação do índice de rateio para a cota-parte do ICMS. O imposto representa percentual expressivo na participação das receitas dos Municípios. São apresentados os resultados da análise da legislação de cada Estado brasileiro e suas formas de rateio do ICMS. Palavras-chave: Instrumentos Econômicos; ICMS - Ecológico; Gestão Ambiental.

INTRODUÇÃO A chamada questão ambiental diz respeito às diferentes maneiras como a sociedade se relaciona com o meio físico natural. A partir da relação entre os seres humanos e o meio físico natural surge o que se denomina meio ambiente. No entanto, esta concepção não é suficiente para direcionar uma análise e reflexão que permita entender toda a complexidade envolvida, sendo necessário o entendimento da totalidade da vida em sociedade.

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Deste contexto surge a necessidade de se praticar a gestão ambiental pública (Quintas, 2006). A gestão ambiental tem a função de planejar, coordenar, controlar e formular ações para alcançar objetivos estabelecidos para determinado local, sendo importante prática para alcançar o equilíbrio dos diversos ecossistemas (Theodoro et al., 2004). Deriva de um processo de mediação de interesses e de conflitos entre os atores sociais que atuam no meio físico natural, definindo e redefinindo como os

atores por meio de suas práticas alteram a qualidade do meio ambiente e distribuem custos e benefícios decorrentes de suas ações (Quintas, 2006). Neste contexto, surgem as políticas públicas para regular as ações governamentais como instrumento e para direcionar o mercado conforme os objetivos da administração pública. Tais políticas destinam-se a promover o bem estar social por intermédio da resolução de problemas relacionados com a sociedade, a exemplo de saúde, educação e meio ambiente.

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Os Municípios que investem em projetos ambientais, sejam de ordem quantitativa ou qualitativa, recebem um percentual da arrecadação total do ICMS a eles destinada, atualmente variando de 1,0% a 13%

Os gestores das políticas públicas podem fazer uso de uma gama de instrumentos, tais como regulamentações para utilização de recursos naturais, emissões de poluentes, permissões de extração e manejo, pagamentos pela redução de emissões, pagamentos pelo direito de poluir, rótulos “verdes”, dentre outros (João, 2004). Os instrumentos de políticas públicas podem ser agrupados em duas classes distintas: o sistema regulatório e o sistema de incentivos. Este artigo tratará de um instrumento do sistema de incentivo, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), adicionado sob perspectiva ambiental. O imposto representa um percentual expressivo na participação das receitas dos Municípios, sendo que quanto menor for o Município mais dependente ele se torna do imposto estadual (João, 2004). Em 15 Estados brasileiros é utilizado e conhecido como ICMS

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- Ecológico, ou Ambiental ou Socioambiental ou Verde. Trata-se de uma metodologia que prevê a inclusão de critérios ecológicos na determinação do índice de rateio para a receita pública. Em alguns casos, vem sendo usado como incentivo financeiro direto à preservação dos recursos naturais. Sua implantação derivou-se da questão de que de um lado é importante preservar e por outro a questão do rateio justo da arrecadação, situação que chega a um impasse em relação a quem precisa receber mais: o município que produz bens e serviços ou aquele que cuida do bem público. Assim, os Estados que implantaram o ICMS - Ecológico geralmente seguiram o mesmo caminho para a criação de sua lei, que foram a junção da pressão dos prefeitos dos Municípios que cederem partes de seus territórios para áreas de conservação, sem nenhum tipo de compen-

sação financeira, e a participação dos parlamentares no processo. Outro ponto é a divulgação do movimento na mídia televisiva e impressa (Veiga, 2000). Deve haver, portanto, interação entre os vários interessados para que o processo de criação da lei consiga obter êxito. Caso contrário, ocorrerá como em vários Estados, onde o processo não conseguiu evoluir pela falta de pressão suficiente das partes. Acredita-se que a forma de distribuição e de cálculo do ICMS - Ecológico pode ser estudada e ainda fomentar reflexões sobre os critérios de rateio observados empiricamente. O objetivo geral desta pesquisa foi evidenciar a metodologia de rateio do ICMS Ecológico utilizado pelos Estados brasileiros e aprofundar o conhecimento destas experiências. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA A fundamentação teórica foi dividida em cinco seções. Primeiro foram apresentados os instrumentos de política pública; em seguida, discorreu-se sobre o ICMS - Ecológico; depois, foram descritos os critérios qualitativos e quantitativos. Já no terceiro tópico foi apresentada a metodologia. O quarto item trata dos Estados que adotam este instrumento de repasse. Por último, foram feitas as considerações finais. Instrumentos de política pública Os instrumentos de comando e controle – conhecidos também como regulação direta – buscam o estabelecimento de padrões de emissão de poluentes, o licenciamento e as sanções administrativas e penais. Estão fundamentados numa legislação

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ICMS ECOLÓGICO

em nível estadual com maior êxito. A segunda maneira é mais recente e engloba dois tipos de mecanismos, os royalties e o ICMS - Ecológico. Os royalties são definidos pela Constituição brasileira, que assegura a participação dos Estados, dos Municípios e da União nos resultados da exploração de petróleo ou gás natural, na produção de hidroeletricidade e de outros recursos minerais (Constituição do Brasil, 1988. art. 20, § 1°). A seguir, será tratado o ICMS - Ecológico. Em quinze Estados brasileiros é utilizado e conhecido como ICMS - Ecológico, ou Ambiental ou Socioambiental ou verde

sólida, que tem com objetivo alcançar um manejo ambiental sustentável (João, 2004). Já a classificação do sistema de incentivos, também chamado de instrumentos econômicos, tem como característica induzir mudanças no comportamento dos agentes em relação ao ambiente natural, em função de modificações nos preços relativos. Busca, assim, a internalização dos custos e benefícios ambientais (Costanza et al., 1997). Este mesmo entendimento é compartilhado por Tupiassu (2004). Segundo o autor, ao se utilizar instrumentos econômicos com finalidade ambiental está-se suprindo a demanda de recursos para o desenvolvimento sustentável e incentivando as políticas preservacionistas, fornecendo compensação financeira em contrapartida à não degradação. Os instrumentos econômicos possuem algumas características, em função do seu diferencial em relação aos instrumentos regulatórios (João & Bellen, 2005): •฀ existência฀ de฀ estímulo฀ financeiro;

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•฀ possibilidade฀ de฀ ação฀ voluntária; •฀intenção฀de,฀direta฀ou฀indiretamente, melhorar a qualidade ambiental. Assim, este instrumento é amplamente considerado como alternativa economicamente eficiente e ambientalmente eficaz para complementar as abordagens estritas de comando e de controle. Ao fornecer incentivos ao controle da poluição ou de outros danos ambientais, os instrumentos econômicos permitem que o custo social de controle ambiental seja menor e podem ainda fornecer aos cofres do governo local a receita de que tanto necessitam (Seroa da Mota et al., 1996). Suas formas mais utilizadas de aplicação são as taxas, os subsídios, o sistema de depósito-reembolso e a criação de mercados. Para Veiga (2000), a utilização de instrumentos econômicos na política ambiental tem ocorrido de duas maneiras. A primeira delas foi com a criação das taxas florestais, criadas em nível federal, tendo menor sucesso, e levadas

ICMS Ecológico

ICMS - Ecológico ou ambiental ou socioambiental ou verde Um dos princípios dos instrumentos de políticas públicas é o protetor-recebedor, aplicado pela redistribuição do Imposto sobre Circulação de Mercadorias Bens e Serviços (ICMS). Segundo este mecanismo, os estados fornecem compensações financeiras às municipalidades, por possuírem espaços especialmente protegidos em seus territórios (João, 2004). O ICMS - Ecológico surgiu de uma possibilidade deixada pela Constituição Federal em seu artigo 158, inciso IV, que permite aos Estados definir em legislação específica alguns dos critérios para o repasse de recursos ICMS, a chamada cota-parte, a que os Municípios têm direito. Enquanto o poder público estadual sentia necessidade de modernizar seus instrumentos de políticas públicas, os municípios observavam suas economias prejudicadas por restrições em suas áreas de preservação, mananciais de abastecimento, áreas inundadas, reservatórios de água, terras indígenas, áreas com resíduos sólidos, entre outros (Loureiro, 2001).

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Surgiu, portanto, sob o argumento da compensação financeira para os Municípios que possuíam restrições em seus territórios no uso do solo, para o desenvolvimento de atividades econômicas. Possui a função de prover condições que busquem minimizar/eliminar os problemas ambientais, pois se embasa num incentivo dado aos municípios, que buscam alternativas de gestão ambiental. Não é um aumento da alíquota já existente ou um novo tributo, mas uma alternativa para aumentar o repasse da cota-parte do ICMS a partir da preservação ambiental (Vicente, 2004). O ICMS - Ecológico surgiu no Brasil em 1991, no Estado do Paraná, pela aliança do Poder Público Estadual e de municípios, com o intermédio da Assembléia Legislativa. Tendo em vista a realidade evidenciada por intermédio de resultados positivos da experiência vivenciada pelo Paraná, vários Estados da nação criaram leis que contemplam critérios ambientais para o rateio da cota-parte do ICMS (Assis, 2008). Alguns deles fizeram suas Legislações praticamente idênticas à do Paraná. Com caráter extrafiscal, diversos outros Estados brasileiros já implantaram, por meio de lei estadual, o ICMS - Ecológico ou Ambiental. Com parcela proveniente do resultado da divisão do imposto, destinando aos municípios pelo remanejamento de receitas um valor proporcional ao seu compromisso ambiental (Nadir, 2006). Sua desvantagem em potencial é o “jogo de soma zero”, pois quanto mais e mais Municípios aderirem ao índice, e criarem unidades de conservação em seu território, menor será o

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retorno financeiro, o que torna um fator limitante do ICMS - Ecológico (João, 2004). De acordo com o definido em cada legislação estadual, os municípios que investem em projetos ambientais, sejam de

O Paraná foi o primeiro Estado da Federação a aplicar o princípio recebedor pela redistribuição do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços

ordem quantitativa ou qualitativa, recebem um percentual da arrecadação total do ICMS a eles destinada, atualmente variando de 1,0% a 13%. Critérios qualitativos e quantitativos Na definição de suas legislações, alguns Estados adotam critérios quantitativos ou qualitativos, sendo que alguns adotam ambos. Os critérios qualitativos levam em conta a qualidade da conservação ambiental de uma área, da água, e do manejo, como forma de incentivar a preservação. Para Franco e Figueiredo (2007), os Municípios deveriam privilegiar a qualidade dos recursos hídricos, o planejamento, a manutenção e a interação com a comunidade, considerando assim critérios qualitativos no repasse do ICMS - Ecológico. O mesmo

autor sustenta que haja uma mudança escalonada no percentual de repasse, e que os valores sejam vinculados à utilização na questão ambiental. Para Loureiro (2001), ao se utilizar critérios qualitativos para o rateio cria-se um instrumento de proteção à biodiversidade, como também a sustentabilidade econômica e ambiental. Segundo João (2005, p. 15), os critérios qualitativos deveriam ser inseridos na avaliação das unidades de conservação, “para alcançar a escala sustentável pretendida, e para desfavorecer o aparecimento de unidades insatisfatórias, que não cumprem seu papel de geradoras de matéria e de energia com baixa entropia”. Já o critério quantitativo, de restrição territorial constante na formulação do índice ecológico, é um mecanismo para compensar a perda de movimentação econômica (João, 2005). Leva em conta a superfície da área protegida na relação com a superfície total do município onde estiver contida (Loureiro, 2001). METODOLOGIA O trabalho classifica-se como pesquisa exploratória, devido ao caráter recente e ainda pouco procurado do tema escolhido (Marconi & Lakatos, 2007). Com abordagem predominantemente documental e qualitativa, chegou-se a uma compreensão detalhada das características das situações apresentadas (Richardson, 2009). A pesquisa foi realizada em todos os estados da República Federativa do Brasil. Para isto, foram utilizados dados das legislações recentes dessa área, bem como documentos e referências que tratassem do tema.

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ICMS ECOLÓGICO

Quadro 1. Estados Analisados Região

Estados ICMS - Ecológicos

Ano da lei

Sul

Paraná Rio Grande do Sul

1991 1993

Sudeste

São Paulo Minas Gerais Rio de Janeiro

1993 1995 2007

Centro-Oeste

Mato Grosso do Sul Mato Grosso Goiás

1994 2000 2007

Nordeste

Ceará Pernambuco Piauí

1996 2000 2008

Norte

Rondônia Amapá Tocantins Acre

1996 1996 2002 2004

Fonte: Legislação do ICMS de cada Estado

As limitações são referentes à disponibilidade de dados pelos estados, muitas vezes não sendo possível determinar de maneira clara as alterações subsequentes realizadas nos dispositivos legais. Como alterações e revogações de leis e de decretos e a não disponibilização nos sites oficiais, como os da Assembléia Legislativa, do Ministério Público, da Procuradoria ou no próprio site de cada ente federado. Outra limitação é referente ao estágio de implantação de cada Estado. O primeiro deles, o Paraná, tem a Legislação desde 1991 e o do Piauí a criou apenas em 2008. Foram analisadas as experiências de 15 estados e o grau em que se encontra cada um limita a análise da pesquisa. Embora outras unidades da Federação possuam projetos de lei encaminhados para a criação deste sistema, estes Estados não foram considerados na análise, uma vez que ainda não finalizaram o processo legal. ANÁLISE DOS RESULTADOS Serão apresentados os resultados do levantamento das prin-

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cipais características, dos quinze Estados da Federação, conforme Quadro 1, que utilizam critérios ecológicos para a distribuição da cota parte (25%) do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços. Estados do Sul O Paraná foi o primeiro Estado da Federação a aplicar o princípio recebedor pela redistribuição do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços. A Lei Complementar Estadual no 59/91, regulamentada pelo Decreto Estadual n.o 974/91 e pelo Decreto Estadual no 2.791/96, disciplinou os critérios de repasse com base em indicadores ambientais. O índice de repasse adotado foi 5% dos 25% da cota-parte do Município. O rateio utilizado foi 50% para Municípios com mananciais de abastecimento e 50% para Municípios com unidades de conservação ambiental, incluindo terras indígenas. Os critérios se fundamentaram em duas dimensões, uma qualitativa e outra quantitativa. A quantitativa leva em conta a superfície

ICMS Ecológico

da área protegida na relação com a superfície total do município onde estiver contida. A qualitativa considera, além de aspectos relacionados à existência de espécies da fauna e flora, insumos necessários disponibilizados à área protegida, visando à manutenção e à melhoria do seu processo de gestão (Loureiro, 2007). Segundo estudos do Instituto Ambiental do Paraná, houve aumento de 160% na superfície das áreas de conservação no período de 1991 a 2005 (IAP, 2007). Já em relação aos mananciais de abastecimento, a qualidade da água captada também faz parte da análise. O Rio Grande do Sul implementou o ICMS - Ecológico em 1993, com a promulgação da Lei Estadual nº 9.860. Entretanto, por equívocos de ordem constitucional e insuficiente vontade política, apenas por intermédio da Lei nº 11.038/97 foi possível regulamentar a questão (Loureiro, 2001). Assim, a lei determina que a distribuição de 7% do ICMS dos Municípios seja realizada com base na relação percentual entre a área do Município, multiplicando-se por três as áreas de

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preservação ambiental, as terras indígenas e aquelas inundadas por barragens (Marchiori, 2009). Estas alterações trouxeram para o cálculo as áreas de terras indígenas. No entanto, revogaram dispositivos que enfatizavam a questão da qualidade de vida da população, como Municípios com menor taxa de evasão escolar e menor coeficiente de mortalidade infantil. Nesta também não há observância a respeito de critérios qualitativos, em relação a manejo e manutenção de áreas de conservação ambiental (Scaff & Tupiassu, 2006). Estados do Sudeste O Estado de São Paulo foi o segundo a criar, em 1993, sua legislação sobre o ICMS - Ecológico. A Lei complementar nº 8510/93 destinou 0,5% dos recursos para Municípios que possuíssem reservatórios de água destinados à geração de energia elétrica, outros 0,5% para os que possuíssem unidades de conservação. Já o fator área cultivada, com 3%, critério que busca incentivar a produção agrícola, foi o que teve o maior impacto em função de alteração nos critérios de distribuição do ICMS (João & Bellen, 2005). A forma apresentada para este cálculo não demonstra de forma clara a relação com a efetiva preservação das unidades de conservação. Assim, não explicita critérios qualitativos para a preservação das áreas protegidas, gerando pouco impacto na melhoria ambiental do Estado de São Paulo (Assis, 2008). Com a criação da Lei do ICMS - Ecológico no Estado de São Paulo, verificou-se aumento da receita em torno de 23% nos Municípios que adotaram

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os critérios ecológicos. Muitos passaram a ter, pelos critérios do ICMS - Ecológico, a maior parcela de seus recursos, o que resultou em ganho considerável para o seu desenvolvimento (Scaff & Tupiassu, 2006). O Estado de Minas Gerais, por meio da Lei nº 12.040, mais conhecida como Lei “Robin Hood”, criou em 1995 seu dispositivo, onde incorporou o critério ambiental de distribuição do ICMS aos Municípios. Contemplou critérios (qualitativos e quantitativos), a exemplo de educação, patrimônio cultural, número de habitantes por município, produção de alimentos, 50 municípios mais populosos, saúde, área geográfica, receita própria municipal, além do próprio critério ambiental (Fernandes, 2008). O Estado promoveu diversas alterações em sua legislação. Atualmente, os critérios de distribuição estão definidos na Lei nº 18.030 de 2009, a chamada terceira versão da lei Robin Hood. Nesta lei, podem ser observados os diversos critérios qualitativos e quantitativos adotados. As alterações trazidas pela atual legislação em relação às anteriores foram redução no critério de distribuição do Valor adicionado fiscal (VAF), no critério população (relação população Município/ Estado), na receita própria e nos Municípios mineradores. Houve ainda a criação de novos critérios, como recursos hídricos, Municípios sede de estabelecimentos penais, esportes, turismo, ICMS solidário (com o maior percentual) e mínimo per capita. Em relação ao critério meio ambiente, o percentual de rateio da cota-parte dos Municípios passou de 1% para 1,1%, em 2011, sendo distribuído com base em indicadores ambientais. Deste

valor, 45,45% vai para o total de Municípios que investirem em saneamento ambiental, onde será levado em conta o fator de qualidade. Outros 45,45% terão como base no Índice de Conservação do Município, onde se inclui também o fator qualidade, e consideram-se as unidades de conservação estaduais, federais, municipais e particulares e área de reserva indígena. Por último, há a parcela de 9,1% do total, para os que possuírem área de ocorrência de mata seca (Lei nº 18.030/09). Já no critério Municípios Mineradores houve redução significativa no percentual, que passou de 0,11% para 0,01%. O critério recursos hídricos foi introduzido, tendo como percentual de repasse 0,25%, e leva em consideração a área alagada por reservatório de água destinado à geração de energia (Lei nº 18.030/09). Em relação aos repasses, conforme Botelho et al. (2007), foram identificados 36 municípios mineiros que apresentam unidades de conservação integral, sendo que a soma das atividades agrossilvopastoris teve compensação financeira variável. Ou seja, em alguns casos o ICMS - Ecológico compensou os valores advindos dessas atividades e em outros foram abaixo. Assim, Minas Gerais adota um sistema analítico e diferenciado, ao incluir gradualmente novos indicadores e inúmeros critérios para o repasse de 25% da parcela do ICMS pertencente aos municípios. No Estado do Rio de Janeiro, com a edição da Lei nº 5.100 de 2007, regulamentada pelo Decreto nº 41.844 de 2009, houve a definição da alocação do percentual a ser distribuído aos Municípios em função do

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ICMS ECOLÓGICO

O Estado de São Paulo foi o que menos destinou recursos aos critérios ambientais, apenas 1%

ICMS - Ecológico. De acordo com o decreto, ficou estabelecido que, em 2011, 2,5% da distribuição da cotaparte do Município seja feita com base nos critérios de conservação ambiental acrescido. Tem-se que 1,125% dos recursos devem ser distribuídos aos municípios com unidades de conservação, 0,625% aos que possuem tratamento de esgoto e lixo e 0,75% aos que possuem recursos hídricos. Estados do Centro-Oeste O Estado de Mato Grosso do Sul criou o ICMS - Ecológico. Pela Lei Complementar nº 77/94, no entanto, a implementação veio somente pela Lei nº 2.193/00. Alterada posteriormente pela Lei nº 3.019 de 2005, define que os Municípios que detenham unidades de conservação, sejam elas instituídas pelos Municípios, pelo Estado e pela União, incluindo as áreas de terras indígenas, ou aqueles com mananciais de abastecimento público, receberão

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sua respectiva parcela. O índice utilizado foi 5% da cota-parte. As unidades de conservação foram fortalecidas, quando se criou os dois critérios, já que a captação de água é feita a partir de poços artesianos (Simioni, 2009). Sua implantação teve caráter de gradualidade. Num primeiro momento, foram utilizados apenas critérios quantitativos, e numa etapa posterior evolui para critérios qualitativos (Hempel, 2008). Ressalta-se que, como em alguns Estados, a implementação demorou a ocorrer. Ou seja, houve atraso de sete anos a partir da ideia da Casa Legislativa. Sua forma de aplicação vem gerando certa polêmica, vez que a adoção de um único critério vinculado às unidades de conservação beneficia uns Municípios em detrimento de outros (Scaff & Tupiassu, 2006). Em 2002, primeiro ano de implantação, foram atendidos 44 Municípios e, em 2005, 49 beneficiados com a parcela a título de critério ambiental (João & Bellen, 2005). Neste sentido,

ICMS Ecológico

as experiências com o ICMS Ecológico em Mato Grosso do Sul demonstram que se trata de um instrumento positivo, em que aos poucos os administradores municipais conseguem perceber que as unidades de conservação se tornam oportunidade de geração de renda e não empecilho ao desenvolvimento (Nadir, 2006). No Mato Grosso, o ICMS Ecológico é inserido no momento de uma reformulação nos critérios de rateio da cota-parte dos Municípios ao ICMS, ocorrida em 2000. Na primeira versão da Lei Complementar nº 73 de 2000 os seguintes critérios são observados: 5% para os que detenham unidades de conservação/terra indígena, e 2% para os que possuam saneamento ambiental, que engloba captação e tratamento de água, tratamento e disposição do lixo e sistema de esgotamento sanitário. O Estado teve atuação marcante ao criar, em 2001, o Programa Estadual do ICMS - Ecológico, cuja finalidade era “aumentar a superfície de áreas protegidas, melhorar a qualidade da sua conservação e aplicar a justiça fiscal, implantando programa de apoio às ações dos municípios para conservação da biodiversidade”. (Hempel, 2008). A implantação do ICMS - Ecológico demonstrou excelentes resultados, beneficiando Municípios desde o primeiro ano, quando apenas o critério unidades de conservação era utilizado (Assis, 2008). Assim, o ICMS - Ecológico beneficiou, no primeiro ano de vida, 78 municipalidades, mais da metade dos 139 municípios do Estado (João & Bellen, 2005). Com o advento da Lei nº 157 de 2004 pode-se perceber a retirada do fator saneamento ambiental, e a inclusão

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do coeficiente social. Destaca-se que 11% desse novo coeficiente corresponde ao calculo do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de cada Município. Sua implantação foi realizada de forma gradual. Numa primeira etapa, foram utilizados apenas critérios quantitativos e num segundo momento foi introduzido o critério qualitativo (Nery, 2006). O Estado de Goiás definiu, por intermédios da Emenda Constitucional nº 40 de 2007, que 5% da cota-parte do Município seja distribuída de acordo com lei estadual específica, relacionadas com os preservação do meio ambiente. No entanto, até o presente momento, encontra-se em fase de elaboração de critérios (Antonio, 2009). Estados do Nordeste O ICMS - Ecológico foi criado no Estado do Ceará pela Lei nº 12.612 de 1996, em que o índice de repasse ambiental determinado foi de 2%. Posteriormente, foram editados os Decretos nº 29.306/08 e 29.981/09, que dispõem sobre os critérios de apuração dos índices percentuais destinados ao rateio de 25% pertencente aos Municípios. Assim, ficou estabelecido que o Índice Municipal de Qualidade do Meio Ambiente levará em consideração o Sistema Integrado de resíduos sólidos. As unidades de conservação serão incluídas a partir de 2012, pela integração de indicadores na avaliação de gestão ambiental que compõe o Índice de Sustentabilidade Ambiental (ISA) dos Municípios, e que é obtido anualmente pelo Programa Selo Município. Selo este com as mesmas características do Estado do Piauí. Segundo Hempel (2008), o Ceará possui 58 áreas protegidas,

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sendo sete de proteção integral e 51 de uso sustentável, distribuídas em 77 municípios. Assim, atendendo as condições exigidas, os municípios terão seus rendimentos aumentados. Segundo o autor, as partes envolvidas, ao se comprometerem com um modelo de desenvolvimento ambientalmente sustentável, terão possibilidade real de mudança, rumo à “equidade com prudência lógica”. Outros indicadores são utilizados, tal como a qualidade da educação (18%) e a qualidade na saúde (5%). Como no Estado de Pernambuco, por ter abordagem abrangente, passou a se chamar ICMS Socioambiental. O Estado do Pernambuco criou sua legislação do ICMS Ecológico com a Lei nº 11.899 de 2000, alterada posteriormente pelas Leis nº 12.206/02 e 12.432/03, que redefinem os critérios de distribuição da parte do ICMS que cabe aos municípios. O índice utilizado foi de 3% distribuído em 1% para os Municípios com base em seus índices de conservação, incluindo o grau de conservação do ecossistema protegido, e 2% aos Municípios que tenham licença prévia para Unidade de Compostagem ou de Aterro Sanitário (Lei nº 12.432/03). Por ser considerada abrangente, passou a ser chamada de ICMS Socioambiental, já que incluía também critérios sociais, como saúde (2%) e educação (2%). O ICMS Socioambiental, assim como o ICMS - Ecológico, tem como objetivo a conservação e a proteção do meio ambiente, por meio de um instrumento econômico, representando avanço na tentativa de encontrar um modelo de gestão ambiental entre os Estados e Municípios brasileiros (Assis, 2008).

Para Loureiro (2007), a exemplo de outros estados, Pernambuco deverá potencializar nos próximos anos a adoção de fórmulas de cálculo que utilizem as variáveis qualitativas. Dentre os 15 Estados que possuem implementados o ICMS - Ecológico o último foi o Estado do Piauí. A recente Lei nº 5.813 aprovada pelo Estado em 2008, contempla os Municípios que se destacam na proteção ao meio ambiente e recursos naturais. Nesta Lei foi criada a figura do Selo Ambiental, que é um documento de certificação ambiental, e onde condicionasse a participação dos Municípios no ICMS - Ecológico ao recebimento do selo. Existem três categorias de selo – A, B ou C – e definiu-se em 5% o índice a ser repassado, a partir de 2011. Os municípios que forem enquadrados como A ficarão com 2% do valor total, os da categoria B, com 1,65% e os da C contarão com 1,35%. Sua classificação ocorrerá de acordo com o número de itens atendidos num total de nove requisitos. Os Municípios que atenderem seis requisitos do total de nove são classificados na categoria A; os que tenham se adequado a quatro, estarão classificados na categoria B; e, se cumprirem apenas três estarão no grupo C. Os itens analisados serão unidades de conservação ambiental, resíduos sólidos, educação ambiental, controle e combate às queimadas e política Municipal de meio ambiente (Antonio, 2009). Embora esta Lei ainda não tenha sido regulamentada, o Piauí inovou ao criar um mecanismo de certificação para os Municípios. Por outro lado, suas premissas são semelhantes às adotadas pelos outros Estados

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brasileiros que implantaram o ICMS - Ecológico. Acredita-se que esta lei tende a colaborar para que cidades inóspitas do Piauí sejam beneficiadas ao adotar critérios de preservação ambiental e qualidade de vida. Estados do Norte O Estado de Rondônia foi o primeiro da Região Norte a instituir o ICMS - Ecológico, pela Lei Complementar nº 147 de 1996, a qual destinou 5% para serem distribuídos aos Municípios que dispõem de unidades de conservação, incluindo terras indígenas, sejam no âmbito federal, estadual ou municipal. Com a inserção desse critério, houve redução de 5% no índice igualitário que era 19% e passou para 14%. Em Rondônia o ICMS - Ecológico tem caráter compensatório, pelo fato da área considerada protegida ser aproximadamente de 30%, mais do que em qualquer Estado que tenha esta metodologia implantada (Hempel, 2008). Segundo a pesquisa, que no que se refere ao incentivo gerado pelo instrumento para 28 municípios rondonienses, com baixa produtividade do setor primário e pequena movimentação econômica, a existência de Unidades de Conservação é mais importante do que a participação na distribuição do ICMS com base no Valor Adicionado Fiscal do município (Hemple, 2008). O Estado do Amapá criou a Lei nº 322 de 1996. Na ocasião, fez ampla reforma nos critérios de rateio do ICMS. A exemplo do que realizou o Estado de Minas Gerais, assim foi estabelecido o ICMS - Ecológico. A implantação se deu de forma gradual no período de 1998 a

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ICMS ECOLÓGICO

2002, sendo que os percentuais de redistribuição diminuíram os impactos prejudiciais e adversos para os Municípios, o que possibilitou sua adaptação de acordo com os percentuais praticados, em especial aqueles que tiveram redução no repasse de recursos. Ao se incluir critérios quantitativos e qualitativos, aperfeiçoou e cumpriu as expectativas dos instrumentos econômicos (Simioni, 2009). O critério ambiental contempla 1,4% da quota-parte distribuída aos Municípios, sendo destinados àqueles que possuem unidades de conservação federais, estaduais ou municipais. Em relação às Unidades de Conservação segue o modelo de cálculo dos índices realizados no Estado do Paraná (Volpato, 2008). Em Tocantins, a criação do ICMS - Ecológico ocorreu em 2002, pela Lei nº 1.323, regulamentada pelo Decreto nº 1.323/02. É a legislação que atribui o maior percentual de repasse do ICMS por conta do critério ecológico com 13%, o que representa valor bem significativo para os Municípios que atenderem aos critérios estabelecidos na legislação (João, 2004). Além das unidades de conservação, tratamento de água e coleta de lixo, as parcelas de distribuição foram direcionadas à proteção do meio ambiente, m que as inovações foram a inclusão de critérios de combate às queimadas e critérios vinculados à conservação do solo urbano e rural. Os municípios que instituam e implementem a política municipal do meio ambiente, visando efetivar e elaborar a agenda 21 local, também serão beneficiados pela Lei (Nery, 2006). O ICMS - Ecológico no Estado do Tocantins tem como finalida-

ICMS Ecológico

de incentivar os municípios, na perspectiva da melhoria do meio ambiente e da qualidade de vida. O Instituto Natureza e a Secretaria de Estado do Planejamento e Meio Ambiente de Tocantins desenvolvem projetos para capacitar e orientar os funcionários das Prefeituras sobre o ICMS - Ecológico (Marchiori, 2009). O Acre criou por meio da Lei nº 1.530 de 2004, o ICMS Verde, destinando 5% (percentual em 2014) da arrecadação deste tributo para os Municípios com unidades de conservação ambiental ou que sejam diretamente influenciadas por elas. A sua regulamentação se deu a partir de 2009, pelo Decreto nº 4.918, estabelecido de forma progressiva o índice a ser repassado. Dentre os critérios previstos na legislação acreana cita-se a existência de unidades de conservação ambiental, incluindo terras indígenas; unidades produtivas rurais; e propriedades com passivo ambiental florestal regularizado. Além disso, são consideradas outras variáveis, como educação, saúde e taxa de mortalidade infantil (Decreto nº 4.918/09). Há uma inovação na lei, pois definiu onde devem ser aplicados os recursos, determinando que sejam utilizados exclusivamente na elaboração de projetos de desenvolvimento sustentáveis. Análise de todos os Estados Os aspectos referentes à aplicação do ICMS - Ecológico nos Estados do Paraná, Rio Grande do Sul, São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Pernambuco, Ceará, Piauí, Rondônia, Amapá, Tocantins e Acre são apresentados resumidamente do Quadro 2.

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No Estado de Tocantins foram destinados 13% ao ICMS - Ecológico. Foi, portanto, o Estado da Federação com maior percentual para repasses aos Municípios. Outro ponto a ser destacado foi a inovação da legislação ao estabelecer o percentual de 2% aos que implementarem sua Agenda 21. O Estado de São Paulo foi o que menos destinou recursos aos critérios ambientais, apenas 1%. O

maior impacto foi gerado em virtude da destinação de 3% para as áreas cultivadas, o que incentivou a produção agrícola. Assim, o ICMS - Ecológico beneficiou 169 municípios paulistas em 2002, dez a mais do que no ano anterior, num total de R$ 39,6 milhões. No entanto, o repasse não pode ser considerado significativo para um Estado como São Paulo (Hempel, 2008). Em relação ao Acre há uma

inovação significativa na Lei, pois foi o único que definiu onde os recursos devem ser aplicados, determinando que sejam utilizados exclusivamente na elaboração e na execução de projetos de desenvolvimento sustentáveis, vinculados à melhoria das variáveis descritas na Lei. Em Minas Gerais, já com a sua terceira versão da Lei Robin Hood, a diminuição do peso

Quadro 2. Critérios de rateio do ICMS – Ecológico em todos os Estados Estado Ano/ Lei

Ano Implentação

Critérios

Critérios Qualitativos

Fator Terra % de repasse Indígena

PR

1991

1992

- Un. de conservação - Mananciais de abastecimento

Sim

Sim

5%

RS

1993

1998

- Un. preservação ambiental - Áreas de terras indígenas - Áreas inundadas por barragens

Não

Sim

7%

SP

1993

1994

- Reservatórios de água para geração de energia elétrica - Un. de Conservação Ambiental

Não

Não

1%

MG

1995

1996

- Meio Ambiente - Municípios Mineradores - Recursos Hídricos

Sim

Sim

1,36%

RJ

2007

2009

- Un. preservação ambiental

Sim

Não

2,5%¹

MS

1994

2002

- Un. de Conservação - Mananciais de abastecimento

Não

Sim

1%

MT

2000

2001

- Un. Conservação Ambiental - Terras Indígenas

Não

Sim

5%

GO³

2007

----

- Preservação do meio ambiente

---

----

5%

CE

1996

1997

- Resíduos sólidos - Serão integrados indicadores do Programa Selo Município em 2012.

Sim

Não

2%

PE

2000

2002

- Un. de conservação - Saneamento

Sim

Não

3%

PI

2008

A ser regulamentada

- Resíduos sólidos - Educação ambiental - Preservação da mata - Proteção dos mananciais - Poluição

Sim

Sim

5%¹

RO

1996

1997

- Un. de conservação

Não

Sim

5%

AP

1996

1997

- Un. de conservação

Não

Sim

1,4%

TO

2002

2003

- Política de meio ambiente - Un. de conservação e terras indígenas - Controle de queimadas - Saneamento ambiental - Conservação da água e solo

Sim

Sim

13%

AC

2004

2010

- Un. de conservação

Sim

Sim

5%²

¹percentual em 2011.² percentual em 2014.³ legislação não regulamentada. Fonte: Legislações estaduais especíicas.

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do critério de valor adicionado beneficiou a maior parte dos municípios mineiros, principalmente os menores. Assim, de acordo com os critérios da Lei, aproximadamente 90% dos municípios tiveram perdas no montante de recursos recebidos, mas os 200 municípios mais pobres do Estado tiveram um aumento no ICMS per capita de 56%. O que leva a crer que os aspectos negativos na redução de receitas podem ser minimizados se o critério ecológico for parte integrante de um pacote de novos de cunho ambiental e social (GRIEG - GRAN, 2000). Uma característica de dez Estados da amostra foi a inclusão do critério terras indígenas. Neste sentido, Baines (2001) refletiu: “Se se consegue preservar a comunidade indígena no contexto da cidade ou se a comunidade é engolida no meio urbano?”. Para os Municípios que possuem áreas indígenas em seus territórios, e que são contemplados pelo ICMS - Ecológico, a resposta indica que é possível manter as comunidades preservadas nos perímetros urbanos.

ICMS ECOLÓGICO

CONSIDERAÇÕES FINAIS Este trabalho levantou as principais características da aplicação do ICMS - Ecológico, analisando os 15 Estados da nação em que este tipo de sistema de incentivo ambiental foi implantado. Como foi demonstrado no estudo, o ICMS - Ecológico tornou-se importante instrumento na proteção da biodiversidade, pois proporciona ganhos financeiros aos Municípios que possuem áreas de conservação ambiental e/ou mananciais de abastecimento e mantêm sua qualidade de preservação. Com a inserção do critério ecológico, pela redução de critérios econômicos, afeta os Municípios que possuem expressiva movimentação econômica, com pouca ou nenhuma dependência da cota fixa, prejudica também as municipalidades mais pobres e que têm grande dependência deste critério. Portanto, os mais diversos cenários devem ser realizados para que seja possível promulgar novas leis com este critério (João e Bellen, 2005).

Os critérios qualitativos foram utilizados por oito dos 15 Estados pesquisados. Este critério representa avanço na busca da otimização do ICMS -Ecológico em favor da consolidação das unidades de conservação, a fim de alcançar a escala sustentável que se pretende. Assim, há necessidade de se contar com a efetiva participação dos Municípios na gestão ambiental, em parceria com os Institutos Ambientais, realizando trabalhos para informar e esclarecer, em reuniões, as comunidades envolvidas. Somente assim se pode diminuir a rejeição em relação às unidades, por parte das comunidades, pois elas teriam a consciência de que as unidades estão trazendo benefícios materiais (Loureiro, 2007). Diante do exposto, o ICMS – Ecológico, apesar de ser instrumento ambiental incipiente, demonstra ser abordado por políticas públicas de maneira alternativa para auxiliar na gestão ambiental, mas não se constitui na solução de todos os problemas ambientais dos Estados brasileiros.

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ABSTRACT The ICMS Ecological in Brazil, an Instrument of Economic Environment Policy Applied to Municipalities The objective of this research was to demonstrate the methodology for apportionment of the Ecological ICMS used by Brazilian states and deepen the understanding of these experiences. This methodology provides for the inclusion of ecological criteria in determining the rate of division for the quota-share of the ICMS. Since this tax represents a significant percentage share of revenues in the municipalities. Presents the results of the analysis of the laws of each Brazilian state and its forms of allocation of ICMS. Keywords: Economic Instruments; ICMS - ecological; Environmental management

RESUMEN El ICMS Ecológica en Brasil, un Instrumento de la Política de Medio Ambient Economico Aplicada a Municipios ICMS Ecológico utilizados por los estados brasileños y profundizar la comprensión de estas experiencias. Esta metodología se prevé la inclusión de criterios ecológicos en la determinación de la tasa de división de la cuota-parte del ICMS. Dado que este impuesto representa un porcentaje importante de los ingresos en los municipios. Presenta los resultados de los análisis de las leyes de cada estado brasileño y sus formas de asignación de ICMS. Palabras clave: Instrumentos Económicos; ICMS - Ecológica, Gestión Ambiental

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TRIBUTOS IMOBILIÁRIOS

Tributos imobiliários: carga tributária José Rildo de Medeiros Guedes Consultor na área de gestão tributária municipal. Autor do livro Política e Gestão Tributária Municipal Eficiente, integrante da Série: O que os gestores municipais devem saber, gerida e editada pelo IBAM. Rio de Janeiro, 2007, de onde foram extraídos alguns conceitos e dados utilizados neste trabalho. j.rildo.guedes@gmail.com

RESUMO Este trabalho pretende expor algumas considerações sobre a instituição e o ônus dos chamados tributos1 imobiliários: IPTU, taxas de serviços públicos (TSP)2 e contribuições de melhoria (CM) e de iluminação pública (CIP), pelo simples fato de que, cobrados no mesmo documento de arrecadação, ou não, são exigidos da mesma pessoa. Também são analisados o peso da respectiva carga tributária e sua influência no potencial tributável do Município. No final, são apresentadas algumas sugestões para aprimorar o sistema tributário municipal, ante sua importância para o desenvolvimento institucional do Município. Palavras-chave: Tributo Imobiliário; Taxa de Serviço Público; Carga Tributária; Crédito Tributário.

INSTITUIÇÃO E ÔNUS DOS TRIBUTOS IMOBILIÁRIOS Os tributos imobiliários decorrem da lei que os institui, observados os cânones estabelecidos na Constituição Federal (CF), no Código Tributário Nacional (CTN) 3, na Lei Orgânica do Município (LOM), na doutrina e nos costumes locais. Oneram, anualmente, praticamente todos os habitantes do Município que sejam proprietários, titulares do domínio útil ou possuidores de imóveis localizados na zona urbana ou de expansão urbana, independentemente de renda, natureza da pessoa (física ou jurídica) e da atividade econômica exercida. Isto é, o contribuinte do IPTU é o mesmo da TSP e da CIP, ainda que elas sejam cobradas em separado. O valor do IPTU é calculado mediante a aplicação das alíquotas estabelecidas no Código Tributário Municipal (CTM) sobre os valores

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venais dos respectivos imóveis. As mais usuais se incluem nos seguintes limites: Imóveis edificados, de 0,5 a 1,0%; imóveis não-edificados, de 1,0 a 3,0%. Em alguns Municípios, as alíquotas são diferenciáveis, também, em função de outros fatores, tais como setorização (setor fiscal 1, 2 etc.), se o terreno está murado, ou se existe calçada, ou não. Já os valores da TSP e da CIP são fixados aleatoriamente e expressos em tabelas anexas ao CTM. Quando muito, rateia-se o custo dos serviços respectivos (coleta de lixo, por exemplo) em função de alguns parâmetros, como a área edificada de cada imóvel ou o consumo de energia elétrica, conforme o caso. A variação entre seus valores é mínima e sem nenhuma vinculação com a do valor venal do bem imóvel. A carga tributária resultante do IPTU, calculada com a aplicação de alíquotas fixas, é, em princípio, proporcional4. Quan-

do os valores da TSP e da CIP lhe são adicionados, essa carga assume caráter regressivo porque seus montantes têm participação cada vez menos significativa nos respectivos valores venais, à medida que eles crescem. Por isso, constituem fatores de regressividade. É o que se observa na maioria dos CTMs. Para ilustrar a avaliação da carga tributária dos tributos imobiliários (IPTU + TSP), partimos de um estudo de caso envolvendo alguns dados e práticas tributárias de determinado Município, de médio porte, com 280.000 habitantes, localizado na Região Sudeste do País. O estudo foi realizado com base no rol de lançamento do IPTU e da TSP, referente ao exercício de 2006, emitido pela empresa responsável pelo processamento eletrônico de dados da Fazenda Municipal, do qual foram selecionados exclusivamente os imóveis residenciais.

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O trabalho teve início com a distribuição dos imóveis em 15 faixas estabelecidas em função de seus valores venais. Cada uma delas explicita a quantidade de lançamentos, os valores lançados de cada espécie tributária e do total e as respectivas participações percentuais. O agrupamento possibilitou a individualização do ônus tributário médio, por faixa, mediante a divisão dos valores lançados do IPTU, da TSP e da respectiva soma, pelo número de lançamentos. Em sequência, foi calculada a relação percentual entre o ônus e o valor venal médio. Ou seja, foi definida a alíquota efetiva representativa da carga tributária incidente sobre o imóvel de valor médio de cada faixa. Todos esses elementos estão explicitados no quadro I, juntamente com o número total de lançamentos e o produto financeiro da receita esperada. A leitura ressalta, em primeiro plano, a estratificação genérica do patrimônio imobiliário bastante condensada nas faixas de números 3 a 8, cujas frequências respondem por cerca de 91% do total, e o

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ínfimo valor venal médio, inferior a R$ 25.000, indício claro de subavaliação do patrimônio imobiliário. Em segundo, a distorção da carga tributária, muito influenciada pelo peso da TSP, proporcionalmente bem superior nos imóveis de menor valor econômico, situação que vai se invertendo à medida que se atinge as faixas de valores maiores. Basta notar que os valores lançados da TSP superaram os do IPTU em cada uma das seis primeiras faixas, ao contrário do que ocorre nas demais. Note-se que a maior alíquota efetiva correspondente à TSP (1,24%) está na primeira faixa, enquanto a menor (0,12%) se situa na última. O fato sugere que, nesse Município os valores da TSP não mantêm nenhuma vinculação com o valor venal do imóvel e que, portanto, eles constituem fatores de regressividade da carga tributária, conforme pode ser visualizado no gráfico I. A carga tributária do exemplo é altamente regressiva até a quarta faixa de valores, dada a forte influência da TSP na sua composição; levemente progres-

siva até a sétima; proporcional até a décima primeira e volta a ser regressiva nas quatro últimas. Por ser cobrada juntamente com a fatura de consumo de energia elétrica emitida pela concessionária, sem que o Fisco do Município tenha acesso ao respectivo banco de dados, não foi possível incorporar os valores da CIP5 ao referido lançamento. Essa prática impediu a avaliação do nível e da distribuição da carga tributária total, embora, a priori, seus valores, a exemplo dos da TSP, deverão agravar o nível de regressividade demonstrado acima. Influência Legal As curvas representativas das alíquotas efetivas relativas ao IPTU são suavemente crescentes, enquanto são decrescentes as correspondentes à TSP. O pressuposto é de que a fixação das alíquotas nominais do IPTU e dos valores das taxas (definidos no CTM) não foi precedida de análises dos efeitos da incidência dos tributos imobiliários no desembolso total dos contribuintes, nem nos cofres municipais. A

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observação empírica do autor tem constatado que esse status quo não destoa muito do observado em Municípios de variados portes, distribuídos pelas nossas regiões distintas geográficas. A observação coincide com o constatado no estudo efetivado por Pedro Humberto Bruno de Carvalho Jr., Técnico do IPEA6, onde ele destaca o grau de regressividade do IPTU, com base em pesquisa na POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares/IBGE) 2002-2003. Nela relaciona o pagamento desse tributo com o gasto médio familiar mensal, por faixa de renda média mensal, de cerca de 8.787 unidades de consumo da POF, que tinham computado gasto com o IPTU. Os dados estão reproduzidos no quadro II. Embora não se tenha informado se no valor pago de IPTU estava incluída, ou não, parcela de TSU, se sobressai o alto índice de regressividade.

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O destaque fica com a disparidade observada na Região Sudeste entre os 2,37% suportados pelos contribuintes de menor renda e os 0,54% desembolsados pelos de maior renda. Ou seja, o equivalente a 4,4 vezes a distância entre ambos. Dito de outra forma, a maior carga representa somente 0,23% da menor. Os quantitativos correspondentes ao Brasil como um todo retratam uma realidade que requer, no mínimo, estudos e debates para avaliar, com maior nível de detalhes, sua performance no cenário tributário municipal. Influência operacional Após instituídos por lei, cabe à administração tributária efetivar a constituição dos créditos tributários7 correspondentes aos tributos imobiliários. Ela se dá por meio do lançamento direto

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ou de ofício. Ao Fisco, portanto, compete coletar e manter as informações atualizadas relativas às características físicas e jurídicas de cada imóvel e, com base nelas, calcular a matéria tributável (valor venal do imóvel), notificar os contribuintes8 e envidar esforços para evitar ou, no mínimo, atenuar a inadimplência. Apuração dos valores venais Os valores venais que servem de base de cálculo do IPTU são definidos, como o faz a grande maioria dos Municípios brasileiros, na Planta Genérica de Valores. A PGV contempla, de modo geral, os valores-base do m² do terreno e do m² da edificação. Para os terrenos, os respectivos valores são estabelecidos em função de fatores extrínsecos, tais como localização, conformação geográfica (aclive, declive etc.), serviços e equipamentos públicos

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disponíveis, vizinhanças etc. Aqui se busca captar a valorização potencial do bem imóvel como um todo. No caso das edificações, em função de fatores intrínsecos mediante a ponderação dos distintos atributos que sintetizam seus diversos padrões (popular, médio, luxo etc.), com o objetivo de obter o custo de reprodução das benfeitorias. O valor venal do imóvel9, quando edificado, resulta da soma desses dois valores10. O processo, em tese, está apoiado na realidade local retratada no mercado imobiliário: idênticas edificações têm o mesmo custo de reprodução em qualquer região da zona urbana, enquanto o valor final do bem depende de sua localização e dos demais fatores extrínsecos. Não obstante, tem-se evidenciado grande divergência

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entre os valores venais e os de mercado. A distância entre eles vai se alargando à medida que aumenta o tamanho econômico dos imóveis, dada a ínfima consistência técnica no escalonamento do valor da terra nua e na classificação das edificações com base na errática ponderação diferenciada de partes da sua estrutura (paredes, pisos, acabamentos, estado de conservação etc.)11. Essas deficiências geram duas graves incongruências finais: a fixação de um piso e de um teto para os valores venais atribuídos aos m²s dos terrenos e das edificações e, por conseguinte, aos imóveis. A ocorrência da primeira (piso) resulta na apuração de um valor venal, quando não maior, bem parelho

com o valor de mercado. No geral, abarca patrimônios imobiliários de pequeno porte econômico, não raro um exíguo teto localizado na periferia. Reflete-se na maior participação do valor do terreno no valor total do imóvel. Na segunda (teto), a ocorrência se dá porque os valores do m² fixados nas tabelas atingem seu limite superior quando referenciado às benfeitorias enquadradas no padrão “luxo, ótimo etc.”, o que força a aplicação desse valor naquelas dotadas de características especiais e mais valorizativas. A frequência da subavaliação se adensa à medida que o valor de mercado da edificação se torna bem mais representativo no valor total do imóvel.

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Os servidores que atuam no setor, em sua maior parte, têm consciência da existência dessa assimetria, mais visível nos imóveis unifamiliares (casas), embora ela esteja presente nos multifamiliares (apartamentos) 12. O autor, no desenvolvimento do estudo de caso, guiado por técnicos do órgão tributário responsáveis pelo lançamento e conhecedores do mercado imobiliário local, participou de levantamento informal, envolvendo imóveis distribuídos por praticamente toda a malha urbana com o intuito de identificá-la. Depois de relacionados, os servidores estimaram os valores de mercados para cada imóvel. A seguir, extraíram, dos registros cadastrais, os valores venais dos terrenos e das edificações utilizados no cálculo do imposto. O conjunto foi disposto em ordem crescente dos valores de mercado. Após, foram calculados os percentuais entre os dois valores e entre os valores venais dos terrenos e os respectivos valores venais dos imóveis. Os resultados estão explicitados no quadro III. A “amostra” não é expressiva em termos estatísticos nem,

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evidentemente, permite, a priori, estabelecer parâmetros capazes de referendar as diferenças entre os dois valores. No geral, se constata que, à medida que os valores de mercado aumentam, mais cresce a distância entre eles. Em sentido contrário, diminui a representatividade do valor do terreno no valor venal do imóvel. Embora seja prematuro identificar a “lei” que comanda o fenômeno, não deve ser descartada a má formação dos valores venais, como variável determinante. O gráfico II seguinte possibilita a visualização das respectivas curvas e a inferência de seus efeitos. Se a hipótese evidenciada for verdadeira, isto é, caso possa ser estendida a todo o patrimônio imobiliário, constata-se que parte significativa dos lançamentos, especialmente os referentes aos imóveis de maior potencial econômico do Município, teve por base de cálculo apenas parcela e não a totalidade do valor venal. A discrepância, além de concorrer para incrementar o nível de regressividade da carga tributária, constitui falta grave da administração tributária. Adicione-se a essa discrepância a concepção, ainda vigente

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na doutrina e na jurisprudência, sobretudo na primeira instância do Poder Judiciário Estadual, segundo a qual a definição dos valores venais deve ser objeto de lei municipal específica. A concepção gera, na maioria das vezes, duas consequências: ou se remete o correspondente projeto de lei à Câmara Municipal ou se efetua, via decreto editado pelo Poder Executivo, a correção monetária dos valores estabelecidos no ano anterior, nos termos do § 2º do art. 97 do CTN13. O autor tem constatado que essa segunda hipótese é amplamente predominante, transformando-se, na prática, em mais um instrumento de desbalanceamento dos valores venais. Um exemplo corriqueiro esclarece a assertiva: se determinada rua da cidade for pavimentada (fator extrínseco de valorização), ao longo de determinado exercício, os valores dos respectivos lotes, edificados ou não, até então equivalentes aos da rua vizinha, que permanece sem pavimentação, serão acrescidos da mais valia decorrente da conclusão da obra. Se, no lançamento do IPTU do exercício seguinte, os respectivos valores venais fixados

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no exercício anterior forem corrigidos exclusivamente com base no índice de inflação do período, o IPTU dos contribuintes da via pavimentada ficará menor do que o dos contribuintes da via não pavimentada. Substancialmente, contraria o princípio da isonomia consagrado no inciso II, art. 150, da CF, ao conferir tratamento igual entre contribuintes que se encontram em situações distintas. Se o prefeito do hipotético Município estiver convicto de que, em prol da isonomia, deve editar decreto de aprovação dos valores venais com a incorporação da valorização decorrente da pavimentação, há fortes evidências, caso seja motivo de contestação judicial, de que a decisão, infelizmente, o reconheça como ilegítimo. Porém, se nova planta de valores aprovada por lei, no exercício anterior, para ser aplicada no seguinte, mantiver os mesmos valores originais, o procedimento estará, certamente, imune a quaisquer constatações. Isto porque, no primeiro caso, decisões desse teor se apóiam na premissa de que tais alterações dos valores implicam em “modificação da base de cálculo do imposto, tornando-o mais oneroso, em desacordo com o § 1º do art. 97 do CTN”14. Já no segundo, quem se aventurará a declarar que a manutenção, por lei, dos idênticos valores, constitui descumprimento desse dispositivo? Ademais, não faltarão os que, menos desavisados, ou não, argumentarão que a lei local é detentora dessa faculdade. Ora, se a interpretação não se ativer ao cerne do princípio constitucional que veda a exigência ou aumento de tributo sem lei que o estabeleça (CF, 150, I), data vênia, se amesquinha. De fato,

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reconhecer que a incorporação de qualquer parcela excedente a que decorra da variação do poder aquisitivo da moeda (inflação), quando ela de fato existe, na atualização do valor monetário da base de cálculo, fere legítimos direitos dos contribuintes apoiado § 2º do mesmo art. 97, estar-se-á invertendo o polo prejudicado. No caso, a sociedade detentora dos direitos à educação, à saúde, à assistência social etc., garantidos pela CF. Em sã consciência, não se deve olvidar que a correção monetária nada mais é do que um simples instrumento de manutenção do poder aquisitivo da moeda e que, consequentemente, o valor corrigido apenas mantém a equivalência patrimonial do bem, em datas distintas. É possível, em prol da razoabilidade, admitir que, caso no período não tenha ocorrido nenhum fator intrínseco ou extrínseco capaz de impactar o valor anterior, a simples correção monetária poderá ser considerada uma atualização. Em sentido inverso, ao não se efetivar a atualização se estará descumprindo não o § 1º do art. 97 mas, diretamente, o art. 33 do CTN15 e, indiretamente, o art. 146 da própria CF, porque a lei ordinária municipal, assim como a federal ou a estadual, não tem poderes para modificar o CTN. Da mesma forma, o setor tributário estaria laborando em equívoco se, na conclusão do trabalho de apuração dos valores venais, não tiver considerado, por hipótese, eventual fator de desvalorização do bem imóvel. As normas gerais de ordem tributária, contidas nesses dois parágrafos do art. 97 do CTN, só se justificam se se inferir que seu objetivo é impedir eventuais descaminhos do Poder Executivo.

Um exemplo seria, equivocadamente, admitir qualquer outro procedimento fiscal cujo resultado final não vislumbre apurar o valor venal do imóvel em consonância com sua potencialidade econômica, para adequá-lo à realidade sobejamente reconhecida pela ciência econômica: os valores de todos os bens econômicos estão sujeitos, ao longo do tempo, a constantes modificações, que se refletem nos seus valores de mercado16. E como assim tem ocorrido desde os primórdios da civilização, da mesma forma continuará a ocorrer enquanto a propriedade privada estiver assegurada. Ao fim, há que se louvar a interpretação do § 1o do art. 97 do CTN pelo E. Supremo Tribunal Federal. A Suprema Corte entendeu que, quando não há propriamente planta de valores estabelecida por decreto, mas procedimentos que tenham acompanhado rigorosamente a lei municipal que fixou critérios de cálculo do valor venal do imóvel, não se há de falar em obrigatoriedade de lei, no sentido estrito da palavra, facultado ao Poder Executivo, por intermédio de ato de sua alçada, promover a atualização daquele valor. Esse é o teor, por exemplo, dos julgados referentes aos Recursos Extraordinários nos 109.301-MG e 111.471-MG17. Como se vê, não é a lei, em sentido formal, que aprova os valores o instrumento adequado para solucionar o problema, sobretudo quando encampa práticas generalizadas capazes de produzir anomalias que fazem o IPTU de uns, indevidamente, ser maior do que o de outros, ferindo o princípio da equidade fiscal, contribuindo para a regressividade da carga tributária e proporcionando menor ingresso

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de recursos financeiros, em detrimento do fortalecimento do Município, que se apequena frente aos seus compromissos institucionais. Arrecadação do Crédito Tributário O crédito tributário decorre da obrigação principal e constitui um patrimônio público de elevado interesse para a população em geral, sobretudo para a menos favorecida em termos financeiros18. Por exemplo, quando no início do exercício é efetuado o lançamento do IPTU, fica latente a perspectiva potencial de ingresso de todos os valores lançados nos cofres municipais para ser aplicado, em prol da comunidade, nos projetos ou atividades eleitos prioritariamente pelos agentes políticos e expressos na lei orçamentária anual. O mesmo ocorre quando é efetuado o lançamento dos demais tributos19. O antecedente Quadro I Carga Tributária Média - explicita que o lançamento de 2006 do IPTU e da TSU incidente sobre os imóveis residenciais produziu os montantes de R$ 7.925.301 e R$ 6.091.570, totalizando R$ 14.016.872. Ao adicionar a es-

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ses valores os correspondentes aos imóveis não edificados e edificados não-residenciais, os valores totais lançados em 2006 alcançaram, respectivamente: R$13.641.142, R$ 10.245.001 e R$ 23.886.143. No mesmo estudo foi constatado que, em 2005, os valores lançados somaram R$ 12.052.896, R$ 6.618.233, e R$ 18.671.129, enquanto a arrecadação do IPTU gerou R$ 7,1 milhões, a da TSU R$ 4,9 milhões e a soma R$ 12 milhões. A perda de R$ 6,7 milhões indica que somente foram arrecadados pouco mais de 64% do valor lançado ou, vista de outro ângulo, cerca de 36% não ingressaram nos cofres municipais por conta a inadimplência20. O panorama da arrecadação tributária do Município, no quinquênio 2001/05, exposto no quadro IV, oferece elementos mais propícios para subsidiar análises do conjunto. A receita tributária de R$ 36,8 milhões, no primeiro exercício, evoluiu para os R$ 44,9 milhões arrecadados em 2005, o maior valor da série, totalizando R$ 201,6 milhões. Isoladamente, o ISS constituiu a principal fonte individual da receita tributária,

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sobretudo pelo incremento obtido no último biênio, resultando na média anual de R$ 11,8 milhões, seguido do IPTU, cujo ápice ocorreu em 2001 - R$ 8,5 milhões – patamar, a partir do qual inicía-se seu declínio nos exercícios seguintes. A situação se agrava ainda mais se se considerar a superveniência de novas edificações ao patrimônio imobiliário local no referido qüinqüênio. Não obstante, a média anual da arrecadação dos chamados tributos imobiliários - IPTU mais a TSP e a taxa de iluminação pública – esta nos dois primeiros exercícios e como CIP, no último triênio –, se eleva para R$ 19,8 milhões, lhe conferindo o título de principal fonte de receita tributária do Município. Esse aspecto fica mais acentuado se a ele for agregada a receita da dívida ativa e das penalidades moratórias porque seus maiores devedores são aqueles cujas obrigações correspondentes relacionam-se com a propriedade imobiliária que lhes dá origem. Proporcionaram a média anual de R$ 5,3 milhões, bem acima da do ITBI (R$ 3,3 milhões), por exemplo, e, apesar de representar um reforço do caixa, deveria ter sido arrecadada em anos anteriores.

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Infelizmente não estavam disponíveis informações suficientes para quantificar os níveis de inadimplência presentes na arrecadação do universo tributário. Entretanto, os 36% apurados acima, se aplicados sobre os R$ 202 milhões arrecadados no período, indicariam uma evasão da ordem de R$ 73 milhões, algo próximo da arrecadação total dos dois exercícios iniciais. A constatação resulta em flagrante descumprimento do mencionado artigo 11 da LRF (vide nota 19) e na consequente redução de serviços que deveriam ter sido prestados à comunidade. POTENCIAL TRIBUTÁVEL DO MUNICÍPIO Conformação institucional O primeiro artigo da CF, talvez o mais expressivo, prescreve que a união indissolúvel dos Municípios, do Distrito Federal e dos Estados forma a República Federativa do Brasil. Esta, por sua vez, constitui-se em Estado Democrático de Direito. No art. 30, ao listar suas competências, mescla: capacidade legislativa no seu território, competência tributária ativa e obrigações perante os munícipes. Dentre elas, destacam-se: •฀ legislar sobre assuntos de interesse local; •฀ organizar e prestar os serviços •฀manter programas de educação pré-escolar e ensino fundamental; •฀ prestar serviços de atendimento à saúde da população; •฀ promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e

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controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano. Para cumprir sua missão institucional, a CF assegurou aos Municípios os recursos financeiros estabelecidos no regime constitucional anterior: dotou-lhes de capacidade para instituir e arrecadar os tributos de sua competência (arts. 145 e 156) e o elegeu beneficiário de parcelas originadas da arrecadação de alguns impostos federais e estaduais (arts. 158/9), o que permite individualizar suas fontes perenes de recursos: Tributos municipais; Transferências institucionais21: Do Estado: parcelas dos impostos sobre a circulação de mercadorias e prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação (ICMS) e sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA); Da União: por meio do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), amplamente beneficiado pela CF atual, constituído de parcela dos impostos de renda (IR) e sobre produtos industrializados (IPI). A confrontação entre os vários dispositivos da CF que listam as obrigações do Município perante sua comunidade e os que lhes asseguram perenes fontes de receita para dotá-lo dos recursos humanos, tecnológicos e materiais indispensáveis ao financiamento dos seus deveres institucionais molda sua conformação institucional: esfera de governo com expressivo grau, no seu território, de autonomia política, legislativa, administrativa, financeira e patrimonial. Esse arranjo constitucional expressa a dimensão socioeconômica do Município no contexto nacional. Não será, pois, exagero conferir-lhe status de ente governamental dotado

de capacidade institucional para exercer as funções clássicas do Estado: Alocativa: aplicação dos recursos arrecadados das diversas fontes, visando atender as demandas sociais; Distributiva: possibilitar a equidade na alocação dos recursos, com o intuito de minimizar as grandes disparidades sociais; Estabilizadora: embora de cunho macroeconômico, pode concorrer para atenuar conflitos entre agentes econômicos locais e entre estes e a população. Composição da receita municipal As fontes de receitas são indispensáveis para suprir o permanente processo de dispêndio financeiro do Município. Sua explicitação ficará mais evidente com a visualização (quadro V) da arrecadação do Município, no quinquênio 2001/05. As receitas tributárias, examinadas anteriormente, ocupam a segunda posição no escalonamento das fontes individuais de receita do Município. Nas transferências institucionais destacam-se a cota-parte do ICMS, sua principal e expressiva fonte individual de receita (R$ média anual de 67,1 milhões), e o Fundo de Participação dos Municípios - FPM, que obteve o terceiro lugar na ordem de importância (média anual de R$ 23,5 milhões). As transferências do IPVA garantiram ingresso anual médio (R$ 12,1 milhões) bem superior, individualmente, ao do IPTU (média anual de R$ 7,8 milhões), fato que deve exigir análise circunstanciada, em vista das disparidades entre a quantidade e o tamanho econômico dos veículos

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licenciados no Município e o dos imóveis. O IRRF (média anual de R$ 3,4 milhões) rendeu o equivalente ao ITBI (média anual de R$ 3,3 milhões). As demais receitas correntes, embora em montantes significativos (média anual de R$ 92,2 milhões), compreendem o somatório de várias parcelas. No conjunto, destacam-se a receita das suas aplicações financeiras, as transferências para o Sistema Único de Saúde (SUS), o Fundef e outros programas compartilhados pelas três esferas de Governo. Como é fácil observar, na sua maioria, compõem as chamadas “receitas carimbadas”. Suas aplicações são vinculadas aos respectivos objetivos e, conseqüentemente, não permite sua livre disponibilização pelo Governo Municipal. Todos os valores destacados estão representados, sob a forma de percentuais, no gráfico III. Eles confirmam que, em média, cerca de 60% da receita orçamentária estão distribuídos entre a receita tributária (18%)

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e às cotas-partes do ICMS, do FPM, do IPVA e às restantes transferências institucionais (42%). Os 40% restantes provêem das demais receitas. Os quantitativos e percentuais destacados no gráfico III permitem posicionar a receita municipal, quanto a sua origem, em dois grandes blocos: Receitas perenes: Tributárias (RT) e Transferências institucionais (TI); Receitas aleatórias. O primeiro bloco incorpora as fontes perenes da receita municipal. Seu ingresso é automatizado pelas regras que dispõem sobre a instituição e distribuição das receitas tributárias compartilhadas, sobretudo dos impostos. Se somente existisse esse bloco, os percentuais acima, no Município em tela, se elevariam, respectivamente, para 30% e 70%. Embora o fluxo das TI não possa ser interrompido unilateralmente, o quadro se agravará se os montantes das receitas originadas de impostos estaduais e federais que lhes dão origem forem reduzidos mediante a concessão,

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por exemplo, de qualquer forma de renúncia fiscal estabelecida em lei estadual ou federal22. A situação se tornará mais crítica se houver redução, unilateral, nas receitas aleatórias. Esta concepção não se altera mesmo que a arrecadação municipal seja mantida nos níveis atuais, caso em que as correspondentes alocações se manterão inalteradas. Isto não é suficiente para o gestor do fluxo de caixa do Tesouro permanecer tranquilo. Ao contrário, deve manter-se atento porque o comportamento da principal fonte pode ocasionar-lhe transtornos, visto que a magnitude do seu ingresso independe quase que totalmente da ação do Governo Municipal. Porém, se a sociedade requerer mais ações do Governo Municipal, incrementos estruturais na receita são indispensáveis. A única hipótese plausível, caso haja necessidade de aumentar o bolo, somente será viável se a política tributária for consentânea com a capacidade contributiva dos seus habitantes e com o

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consequente fortalecimento da gestão tributária. Sob esse aspecto, é imperativo que os agentes políticos tenham plena consciência de que a tributação é muito mais do que um fim em si mesmo: constitui importante instrumento para o desenvolvimento institucional do Município, na medida em que as políticas eleitas por eles gerem ações capazes de minimizar sua dependência financeira e propiciar mais quantidade e qualidade na prestação dos serviços públicos de sua alçada. Dentre elas, a que resulta no aumento da receita tributária, única fonte de recursos financeiros subordinada às suas decisões. Estimativa do potencial tributável O incremento das receitas do Município depende de ações específicas nos campos legislativo e operacional. O desafio inicial consiste em mensurar o potencial tributável, tendo presentes os limites e condicionantes impostos pela Carta Magna. A singularidade de que, no rol das principais obrigações impostas pelo Município aos seus munícipes, incluem-se

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as de natureza tributária, constitui o ponto de partida básico para essa mensuração porque ele não pode abdicar do direito de instituir os seus tributos23. Dentre eles, destacam-se os impostos, por serem de competência privativa. Os demais são de competência comum. O seu conjunto está sintetizado esquema I: Aliomar Baleeiro (Direito Tributário Brasileiro, Forense, 11ª ed.,

efetiva (mais valia) de imóvel localizado na área de influência da obra pública que a proporcionou, enquanto a contribuição de iluminação pública deve custear os respectivos serviços. Em face da definição conceitual e legal das espécies tributárias, as respectivas obrigações assumem as seguintes características: impostos: seus fatos geradores independem de qualquer

Esquema I

1999, revista e complementa por Misabel Abreu Machado Derzi, 1999, p. 198) ensina que o imposto difere da taxa, conceituada no artigo 77 do CTN, porque independe de qualquer prestação estatal específica ao contribuinte ou por ele provocada. A atividade específica, atual ou potencial, solicitada ou provocada pelo contribuinte, dá a tônica da taxa. Do mesmo modo, a contribuição de melhoria decorre da valorização

atividade estatal específica, relativa ao contribuinte. Logo, seu lançamento não está sujeito a nenhuma ação governamental específica; taxas e contribuições: decorrem do exercício regular do poder de polícia ou da utilização, efetiva ou potencial, de serviço público, específico e divisível, prestado ao contribuinte ou da realização de obras públicas ou da disponibilização dos serviços

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de iluminação pública. Logo, seu lançamento deverá estar subordinado à premissa de que elas configuram um quid pro quo, isto é, algo para alguém, em troca de uma retribuição pecuniária correspondente, em princípio, ao custo operacional da atividade que lhes dá origem; Os im0postos24, ante essas considerações, constituem fontes de financiamento da atividade municipal, enquanto as taxas e as contribuições são, quando muito, fontes de ressarcimento de custos de determinada atividade ou de realização de obras. O § 1º do art. 145 da CF reforça esse entendimento ao ditar que os impostos deverão assumir caráter pessoal e ser graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte. Aliomar Baleeiro (p. 201) edita: “A Constituição brasileira, não obstante adotando a melhor técnica, como alerta F. Moschetti, restringe a obrigatoriedade do princípio (da capacidade contributiva, complementamos) aos impostos, conforme dispõe o art. 145, § 1º. É que, enquanto a base de cálculo dos impostos deve mensurar um fato-signo, indício de capacidade econômica do próprio contribuinte, nos chamados tributos vinculados – relativos às taxas e contribuições – ela dimensiona o custo da atuação estatal ou a vantagem imobiliária auferida pelo contribuinte, advinda da obra pública”. Mais adiante, (p. 255) assevera: “Na verdade, a progressividade (fiscal) em que as alíquotas sobem, à medida que se eleva o valor venal do imóvel, é a mais simples e justa das progressividades. Trata-se simplesmente de cobrar mais de quem pode pagar mais, para

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que os economicamente mais pobres paguem menos. Mas ela somente interessa, por tais razões, àquela camada da população humilde e desinformada, que nem sempre se faz ouvir”. (Grifos nossos). O constitucionalista Sacha Calmon Navarro Coelho (Comentários à Constituição de 1988, Ed. Forense, p. 256), discorrendo sobre as formas de progressividade que prevê incrementos temporais em prol da obtenção de outros fins independentemente dos resultados financeiros (extrafiscalidade) e a consagrada no § 1º, art. 145 da CF, ensina com proficiência: “No primeiro caso, a meta optata é remover obstáculos ao plano diretor. Na segunda, procura-se, em função da pessoa do proprietário (imóveis mais valorizados, número de imóveis possuídos, tamanho da propriedade imóvel etc. (destacamos) fazer atuar o princípio da capacidade contributiva. Agora, se o suposto rico tiver imóveis, mas não capacidade econômica, a sua alíquota pode ser contestada em juízo”. (os grifos são do original). A progressividade do IPTU está insculpida explicitamente na Emenda Constitucional nº. 29, de 13/09/200025, da qual se transcreve o seu art. 3º: “Art. 3º O § 1º do art. 156 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação: Art. 156. ........................................ § 1º Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4º, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá: I - ser progressivo em razão do valor do imóvel; e II - ter alíquotas diferentes de

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acordo com a localização e o uso do imóvel”. Se o propósito implícito na definição da carga tributária dos tributos imobiliários for atribuir-lhe caráter progressivo, esse elenco deverá ser reduzido exclusivamente ao IPTU, com a consequente exclusão da TSP e da CIP, reconhecidamente fatores da regressividade26. Ao se transformar no único tributo imobiliário, irá responder por aporte significativo no financiamento das ações municipais. Logo, a fixação das alíquotas respectivas constitui o instrumento adequado para definir o ônus do IPTU porque, como visto, sua base de cálculo é valor venal do imóvel. A graduação da carga tributária resultante requer a busca de um ponto de equilíbrio para adequar-se às diferenças socioeconômicas e culturais da sociedade residente no Município. A estrutura e a diversidade do patrimônio imobiliário local refletem, em princípio, essa desigualdade a qual, em síntese, constitui elemento-chave no planejamento e na implementação da ação governamental. Esse contexto econômico social local sugere que a amplitude e a diversificação da carga tributária, se atenham, dentre outros, aos seguintes princípios: •฀equidade - a carga tributária resultante deve estar relacionada com o princípio da capacidade contributiva, baseado na premissa de ser decrescente a utilidade marginal da renda. Ou seja, quanto maior a renda do contribuinte menor, em termos relativos, é a parcela que ele destina à satisfação das suas necessidades básicas27; •฀ produtividade - a arrecadação tributária, como fonte de financiamento das ações gover-

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namentais, deve contribuir com recursos financeiros em montantes adequados para atender às crescentes demandas; • eficácia - a simplicidade do sistema, aliada à perfeita identificação dos fatos imponíveis e dos respectivos contribuintes, deve reduzir, de um lado, a sonegação e a inadimplência e, de outro, o custo da administração de toda a atividade tributária. A mensuração dos impactos resultantes das alíquotas, tanto nos bolsos dos contribuintes quanto no caixa do Município, deve se apoiar em cenários capazes de ajudar na definição da política tributária que mais se

destinados aos investimentos e às amortizações da dívida (item 9). Os valores alocados aos investimentos, em 2004, se sobressaíram aos aplicados nos demais exercícios, em contraponto à menor poupança amealhada no período (R$ 16 milhões). A realização da mais expressiva operação de crédito no quinquênio (R$ 13,3 milhões) não impediu a ocorrência do maior déficit orçamentário anual (R$ 5 milhões). Em resumo, os resultados orçamentários de cada exercício, exceto os do biênio 2003/4, registraram superávits. O de 2005 constituiu reforço substancial para restaurar o equilíbrio fiscal.

sido mais favorável, se o nível da inadimplência de 34% da receita tributária, estimada neste trabalho, gerador de uma perda de R$ 72 milhões, tivesse sido reduzido, por exemplo, para apenas cerca de 10% do valor arrecadado. O impacto resultaria num acréscimo de R$ 22 milhões na arrecadação tributária do período, que a elevaria para R$ 224 milhões, com igual aumento na receita total. Esta passaria para R$ 1.240 milhões. Se desse novo valor fossem excluídas as operações de crédito realizadas (R$ 19,3 milhões) e se, mesmo assim, permanecessem os desembolsos com as amortizações (R$ 11,1 milhões) e os R$ 7,3 milhões de

ajuste aos interesses da sociedade. É provável que a avaliação da execução orçamentária do Município em foco, por exemplo, possa fornecer algumas pistas (quadro VI). Os fluxos de receitas e despesas correntes propiciaram, ano a ano, a formação de poupança corrente (item 3), com destaque para o expressivo valor obtido em 200528, em contraposição ao valor dos demais exercícios. A poupança, acrescida das receitas de capital, gerou os recursos

No período, sua soma algébrica (R$ 17,8 milhões) foi inferior à do valor acumulado das operações de crédito realizadas (R$ 19,3 milhões), denotando, na realidade, um déficit orçamentário de R$ 1,5 milhão e um passivo de R$ 8,2 milhões, representado pelo montante das operações de crédito deduzido das amortizações (R$ 11,1 milhões). Ademais, o Município pagou R$ 7,3 milhões de juros no período. A avaliação atual dessa execução orçamentária poderia ter

juros, a situação fiscal se manteria equilibrada, com pequeno superávit, sem necessidade de recorrer ao mercado financeiro. De maneira mais eficaz, teria permitido transformar o que foi pago a título de juros em serviços mais adequados à população, e evitado o decréscimo de aproximadamente R$ 20 milhões no patrimônio líquido municipal. O fato de ter havido operações no mercado financeiro significa, no mínimo, que houve necessidade de efetuar ajustes no fluxo

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de caixa. Em 2004, elas tiveram o objetivo de financiar os altos investimentos realizados. No geral, tanto os gastos correntes quanto os de capital apresentaram tendência ascendente, não obstante o viés, em relação a esses últimos, verificado em 2004. Essa constatação indica que é razoável assentir a necessidade de incrementar as receitas municipais. Esse incremento somente poderá ser concretizado, de forma segura e permanente, como já exposto, através de reforço da receita tributária. Logo, surgem, ao menos, duas indagações: Qual o nível adequado de dispêndio para satisfazer à demanda da sociedade? Quais os limites da elasticidade da carga tributária, observados os primados da razoabilidade? A resposta exata à primeira questão é de difícil mensuração, mesmo porque no limite dependeria de indagações a cada um dos habitantes do Município. De qualquer forma, ela ficaria amarrada à resposta da segunda questão, cujos limites são mais previsíveis. Para avançar na argumentação, nos socorremos de estudo da lavra de Andréa Lemgruber Viol29. Ela identifica, no geral, dois gaps presentes nos sistemas tributários: potencial, correspondente à diferença entre o potencial estrutural do valor a ser tributável e o definido legalmente na instituição dos tributos; e o tributário causado pela ineficácia da administração tributária, na medida em que permite ou não consegue evitar a ocorrência de evasões fiscais. O desenho está especificado no gráfico IV. Andréa Lemgruber assevera que quanto mais eficaz for a administração tributária em

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reduzir a evasão, menor será o gap tributário. Isto é, a diferença entre a arrecadação efetiva e a arrecadação potencial (legal), e mais próxima da meta estará a administração tributária que cumpre sua missão. No Município mencionado neste trabalho estão presentes os dois gaps. O primeiro, configurado na própria carga tributária regressiva, e, o segundo, na subavaliação da base tributável e no elevado índice de inadimplência. A eliminação de ambos exige a participação dos agentes políticos integrantes, respectivamente, dos Poderes Legislativo e Executivo. Ação legislativa A ação para modificar o nível e a distribuição da carga tributária, no âmbito do Poder Legislativo, normalmente se inicia com base em projeto de lei encaminhado pelo chefe do Poder Executivo. O projeto deve estar acompanhado de justificativas apoiadas em elementos concretos capazes de convencer, além das lideranças civis do Município, os ilustres vereadores que compõem a Câmara Munici-

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pal. Embora seja amplo o leque de possíveis proposições para a política tributária, envolvendo os tributos imobiliários, caso o objetivo seja atribuir grau de progressividade à carga tributária, sobreveem novas premissas: •฀substituir todas as isenções subjetivas (por exemplo a concedida a aposentados possuidores de um único imóvel)30 por isenções objetivas (atribuir alíquota zero a todos os imóveis de menor valor); •฀eliminar as atuais TSP e as contribuições, por constituírem fator de regressividade da carga tributária31; •฀ dimensionar a carga tributária segundo a capacidade contributiva; •฀ graduar as alíquotas em função do valor venal, conjugado com as seguintes situações relativas aos diversos tipos dos Imóveis: edificados, residenciais, não residenciais e não edificados. A busca de alternativas para estabelecer o nível de progressividade da carga tributária se torna mais palatável, caso se considerem alguns pressupostos

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inerentes ao estado físico e ocupacional dos imóveis: não edificados: quanto menor o número de imóveis disponíveis, maior a valorização obtida, sobretudo nos setores mais densamente ocupados, sem que seu proprietário desenvolva nenhum esforço para tal. Provável acréscimo da carga tributária representa uma maneira de ratear esse benefício com a sociedade, verdadeira responsável por esse acréscimo patrimonial; edificados: que podem ser: residenciais - empiricamente observa-se uma correlação bastante forte entre o padrão de renda e o valor econômico do imóvel utilizado para residência pelo seu proprietário, fator suficiente para justificar a imposição de algum grau de progressividade à carga tributária; não residenciais: nos imóveis nos quais se exploram atividades econômicas, o ônus dos tributos imobiliários, em princípio, são transferidos para os clientes, dando-lhes a característica de impostos indiretos32, vez que integram a planilha de custos operacionais das empresas. Ademais, como despesa do estabelecimento, concorre para diminuir o lucro tributável e, consequentemente, o montante a ser pago do respectivo imposto de renda. A graduação das alíquotas encontra forte amparo logístico

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nesses pressupostos. Resta definir a estrutura para as alíquotas marginais a serem estabelecidas na lei33. Dentre as mais usuais, a fórmula utilizada pela União para cálculo do imposto de renda devido pelas pessoas físicas pode ser aplicada no cálculo do IPTU, como já fazem alguns Municípios. O quadro VII contém um exemplo. Aceitas essas premissas, resta superar as dificuldades presentes nos momentos de definição das alíquotas e das respectivas parcelas a deduzir. Levantamentos individualizados, começando com a estratificação do patrimônio imobiliário, inicialmente distribuído pelos seus três principais vetores – terrenos, imóveis residenciais e não residenciais –, são fundamentais para possibilitar comparações entre os valores venais e os de mercado. Se a eles forem adicionadas informações disponíveis (séries históricas etc.) dos impactos nos respectivos ônus tributários, ter-se-á, após exaustivas simulações, a base técnica para avaliação e escolha das propostas. O uso de ferramentas adequadas da TI (Tecnologia da Informação) certamente ajudará bastante. A proposta-exemplo apresentada a seguir se restringe aos imóveis residenciais, do referido Município, os quais foram redistribuídos em grupos definidos por faixas de

valores venais. Em seguida, foram comparados os impactos da situação vigente com os da nova carga tributária, tanto nos bolsos dos contribuintes, medidos pelas respectivas alíquotas efetivas, quanto nos cofres do Tesouro Municipal. O resultado está explicitado no quadro VIII. Pela proposta, os proprietários dos 18.966 imóveis enquadrados no Grupo R1, correspondentes a cerca de 22% do total, serão totalmente desonerados, independentemente de qualquer requerimento, pela isenção objetiva. Neles, em princípio, está incluída parte significativa dos prováveis beneficiários das isenções subjetivas estabelecidas no CTM atual. Os dos Grupos R2, R3 e R4 – pouco mais de 66% do total – terão, respectivamente, sua carga tributária reduzida ao redor de 14, 11 e 9%. Como se vê, quase 88% dos contribuintes serão beneficiados, com reflexos na redistribuição da renda desse contingente. Dos 12% restantes, os do Grupo R5 – 9,5% do total – sofrerão pequeno acréscimo na carga tributária (8%), enquanto para os do Grupo R6 e R7, respectivamente 2,2% e 0,16% do total, os futuros acréscimos serão de 94% e 81%. Objetivam corrigir o viés em vigor materializado na elevada iniquidade fiscal vigente. Com essa finalidade, doravante

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passarão a ser tributados, em média, pelas alíquotas efetivas de 0,64% e 0,65%, ainda bem inferiores à atual alíquota efetiva de 0,75% suportada pelos contribuintes do Grupo R1. Tanto é assim que, no cômputo geral, os valores lançados relativos aos imóveis residenciais sofrerão um incremento de apenas 5%. O gráfico V evidencia a redistribuição da carga tributária proposta, em substituição à vigente, fortemente regressiva. Os argumentos apoiados nos quadros e nos gráficos apresentados expõem as premissas implícitas na formulação da política tributária em relação aos tributos imobiliários, merecendo destaque: a progressividade observada em todos os estratos; a isenção objetiva (alíquota 0), beneficiando os contribuintes de pequena renda; a definição de nova carga tributária, tendo como referência inicial a vigente; a existência de um único tributo (IPTU) a ser lançado e cobrado; a variação contínua do ônus tributário, mesmo com a mudança da alíquota marginal, em contraposição ao sistema em vigor; a redução futura nos custos do lançamento (eliminação de 22% dos carnês e respectivas cobranças etc.). Esse exemplo demonstra que as premissas arroladas proporcio-

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nam novo paradigma tributário condizente com os postulados da razoabilidade. Sua conformação final deverá ficar subordinada a exercícios semelhantes, envolvendo todo o patrimônio imobiliário e os demais tributos, basicamente o ISS e o ITBI. Ação administrativa Aperfeiçoamento do processo de apuração dos valores venais A correção das anomalias presentes no processo de apuração dos valores venais dos imóveis, vistas anteriormente, caso sejam comprovadas em trabalhos mais específicos do setor tributário, requer, de um lado, a edição de lei específica, apoiada na jurisprudência do STF, contendo as regras que orientarão a ação do Fisco. E, de outro, a implantação de metodologia que incorpore pesquisas sistemáticas junto ao mercado imobiliário e a fontes institucionais34. A finalidade é estabelecer parâmetros que possibilitem a busca de perfeita correlação entre os dois valores. Seguir a lição de Aliomar Baleeiro (p.249) é, mais uma vez, altamente recomendável: valor venal é aquele que o imóvel alcançará para compra e venda à vista, segundo as condições usuais do mercado de imóveis. O

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preço da venda a prazo incorpora normalmente juros realísticos e a previsão de perda de poder aquisitivo da moeda. O próprio mestre ensina como o Fisco deve operacionalizar a busca do valor venal: a repartição o apurará, segundo as circunstâncias, conforme a localização, existência de serviços públicos, possibilidades de comércio etc., e, sobretudo, quando possível, pelo confronto com as alienações mais recentes de imóveis semelhantes, no local. Não contraria ao CTN a elaboração de tabelas, ajustadas periodicamente, segundo os dados acima e outros razoáveis, para cada área da zona urbana35. Embora singela e digna de ser seguida, a implementação da recomendação do ministro Aliomar Baleeiro exige, a priori, a profissionalização do órgão responsável por essa incumbência. Para tanto, os servidores do setor, incluindo os gestores e os técnicos em quantidade suficiente e capacitação adequada, deverão contar com recursos tecnológicos (hardware e software) e operacionais (espaço físico, veículos etc.) necessários. Além desses insumos, é fundamental a predisposição para atuarem como equipes multidisciplinares sob a óptica do planejamento, nele compreendidas as fases de elaboração dos planos de trabalho, de acompanhamento

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da execução e de avaliação dos resultados. O objetivo primordial das equipes deve ser conhecer, em detalhes, a estrutura física do heterogêneo patrimônio imobiliário36, corretamente disposta graficamente nas chamadas plantas geral, setoriais e de quadra. Além da distribuição das suas unidades imobiliárias por estratos resultantes das descrições específicas dos respectivos atributos das edificações, similares a memoriais descritivos sintéticos. Tudo com o intuito de aumentar a probabilidade de atenuar a existência das disparidades decorrentes da “pontuação” dos atributos das edificações, que resultam nos chamados “padrões”; e criar mecanismos para que os imóveis, sobretudo os dos grupos V em diante do quadro VI, possam ser objeto de extratos mais detalhados37. Paralelamente, integrar as pesquisas de mercado às tarefas diárias do setor, porque a realidade evidencia que cada imóvel pertencente ao patrimônio imobiliário local, ao ser submetido ao mercado38, será objeto de avaliação. A avaliação deve contemplar todos os seus atributos, do que

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resultará o seu tamanho econômico. Para tanto, devem ser selecionadas as ofertas que, ao longo do tempo, reflitam valores com desejável grau de simetria, como se as partes fossem: um vendedor desejoso, mas não constrangido, que vende para um comprador desejoso, mas não constrangido, ambos se achando inteirados das possibilidades econômicas da coisa a ser negociada39; E permitir que os valores de mercado pesquisados relativo a um imóvel pertencente a determinado estrato se aplique a todos os imóveis do estrato, atenuando a atomização da oferta. Como produto final, sugerese que anualmente o órgão tributário, apoiado em disposição expressa da lei (CTM), elabore proposta de decreto, acompanhado de tabelas contendo os valores unitários estabelecidos para o m² do logradouro, ou parte dele, e para o m2 de área da edificação, por estrato. Em seguida, deve ser submetida, pelo secretário de Finanças/Fazenda, até 30 de novembro de cada ano, à aprovação do prefeito, para servir de base de cálculo do IPTU no exercício seguinte40. A fundamentação deverá ser

acompanhada de demonstrações que: I – comprovem a correlação significativa entre os valores propostos e os de mercado; II – fundamentem os níveis e as prováveis causas de variação, positiva ou negativa, dos valores propostos em comparação com os do período anterior; III – indiquem as fontes de pesquisas do mercado imobiliário e de publicações técnicas (agentes financiadores de habitação, sindicatos de construção civil e outras entidades) e sua periodicidade. Gestão do crédito tributário As ações para transformar o crédito em numerário, independentemente de sua origem, devem integrar as obrigações de órgão específico da administração tributária e dotá-lo dos instrumentos operacionais para realizar, ininterruptamente, a cobrança efetiva de todos os débitos até sua quitação. O cadastro de devedores de tributos (CDT) constitui o instrumento operacional que abarcará o registro individual de todos os devedores, de tal

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forma que, diariamente, possa ser explicitada, em seus mínimos detalhes, a situação fiscal de cada um. O montante dos débitos conforma o estoque do crédito, susceptível de variações diárias decorrentes dos fluxos de ingressos e egressos. A proposição irá garantir o registro de débito por devedor, seja ele contribuinte ou responsável, situação que ocorre, por exemplo, no caso de um menor (contribuinte) ser proprietário de um imóvel sujeito ao IPTU, quando o pai (responsável) detém a obrigação de pagar o débito. Para garantir a correta identificação do sujeito passivo, deve-se referenciá-lo a um elemento que seja “universal”, como o código de inscrição do Cadastro de Pessoa Física da União (CPF), ou de Pessoas Jurídicas (CNPJ). Como é imperativo transformar todos os créditos tributários em numerário, são imprescindíveis vários esforços operacionais durante a implementação do permanente e contínuo processo de cobrança. A produtividade dos esforços será beneficiada, ao longo do tempo, se for mantido canal permanente de comunicação com o contribuinte. São eles: avisos, anúncios em jornais, campanhas de publicidade para sensibilização, centro de chamadas (call center) etc. Ela se materializa quando o contribuinte, qualquer que seja ele, que não tiver quitado seu débito no vencimento for, imediatamente, lembrado da ocorrência. Essa ação não pode falhar! É factível supor que se determinado contribuinte for lembrado, via call center, que um débito seu, no dia seguinte, será acrescido de juros de mora, digamos, de 1%41, certamente

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lhe acrescentará algum nível de preocupação. Se não for suficiente para ele decidir efetuar o pagamento, demonstrará a certeza de que o Fisco detém o conhecimento da sua situação fiscal e, consequentemente, dispõe de outros instrumentos para inclusive promover a execução judicial do seu débito. As ações para ativar o canal de comunicação devem considerar as características do crédito tributário. Estas permitem várias classificações. Por exemplo, os originários do lançamento do IPTU podem ser distribuídos sob diversas formas: por valor individual de cada débito (entre o menor e o maior, são inúmeros os valores intermediários); por devedores (muitos contribuintes são titulares de um único imóvel, enquanto outros detêm a posse econômica de vários) etc. Outra forma de classificação engloba pessoas sujeitas a várias obrigações, como o profissional autônomo que seja contribuinte duplo do IPTU (residência e escritório), do ISS e da taxa de licença. Todos objetos de lançamentos efetivados por uma ou mais unidades funcionais do órgão tributário. Caso existam devedores relutantes, adotar providências ulteriores, a exemplo da inscrição na dívida ativa – passo inicial do processo de execução judicial do débito –, em tempo hábil, para evitar a ocorrência da prescrição do direito de cobrança e suas danosas consequências. É essencial realizar as cobranças administrativas nos limites de tempo disponíveis. Estes se iniciam após a notificação do contribuinte e se findam imediatamente antes de se esgotar o prazo de prescrição da ação para

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sua cobrança judicial (art. 174 do CTN). CONCLUSÃO Com base nas análises, demonstrativos e comentários precedentes, é razoável supor que a ação tributária analisada está eivada de duas impropriedades que impactam, negativamente, a arrecadação da receita originada dos tributos imobiliários. De um lado, a regressividade da carga tributária e, de outro, a discrepância entre os valores venais e de mercado e os elevados índices de inadimplência. Tais constatações, por si só, não conduzem a nenhuma melhora no sistema tributário municipal, salvo se houver a predisposição de avaliá-lo segundo as especificidades institucionais, econômicas e sociais inerentes ao Município, com vistas às reformulações capazes de adequá-lo aos legítimos interesses da sociedade. No Município referenciado nesse trabalho, as duas determinações requerem várias providências: ajustes na definição da carga tributária; melhoria dos processos de apuração dos valores venais dos imóveis e cobrança dos créditos tributários. Nos ajustes da carga tributária, assim como na instituição dos seus tributos, é preponderante a participação efetiva e imprescindível dos dois Poderes Municipais, sobretudo a do Legislativo. Para dar forma e conteúdo ao projeto de lei, é recomendável que o Executivo, apoiado em estudos técnicos, formule e justifique proposições que, no caso dos tributos imobiliários, atribua caráter progressivo à respectiva carga tributária.

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Já a melhoria dos processos de arrecadação, a cargo do Poder Executivo, envolve o pleno exercício das duas funções básicas de qualquer administração tributária: constituir o crédito tributário correspondente aos tributos elencados no CTM; e envidar esforços para que o seu montante seja materializado, sob a forma de recursos financeiros, nos cofres municipais. A melhoria de ambos os processos requer uma administração tributária eficiente e eficaz. Tal exigência somente será satisfeita se houver predisposição do Governo Municipal em profissionalizá-la. Esta proposição sugere um questionamento: pode o GM agir discricionariamente a respeito, como se fora outra atividade qualquer, a exemplo da fiscalização das posturas municipais? De imediato, convém esclarecer que ambas as atividades são caracterizadas por sua submissão e sua vinculação aos princípios constitucionais e legais que regem a administração pública (art. 37 da CF) 42. Porém, a tributária se insere no rol das atividades privativas do Estado, o que lhe confere, no mínimo, dimensão temporal permanente, conforme explicitam os incisos XVIII e XXII43, do art. 37, da CF verbis: “XVIII - A administração fazendária e seus servidores fiscais terão, dentro de suas áreas de

competência e jurisdição, precedência sobre os demais setores administrativos, na forma da lei.” (Grifamos). “XXII - As administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, atividades essenciais ao funcionamento do Estado, exercidas por servidores de carreiras específicas, terão recursos prioritários para a realização de suas atividades e atuarão de forma integrada, inclusive com o compartilhamento de cadastros e informações fiscais, na forma da lei ou convênio.” (Grifamos). O caminho escolhido para fortalecer institucionalmente a administração tributária está expresso na EC nº. 42, quando exclui da vedação à vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, de que trata o inciso IV44, do artigo 167, da CF, os recursos prioritários, referidos no transcrito inciso XXII. Esse espectro institucional confere à lei municipal o poder de estabelecer a vinculação anual de determinado percentual da receita oriunda dos impostos municipais para financiar as ações ou providências indispensáveis à manutenção e ao aperfeiçoamento permanentes da administração tributária. A nosso ver, a bem-vinda norma constitucional é imperativa, porque a execução das complexas atividades tri-

butárias é obrigatória, inadiável e condicionada a vários aspectos: •฀ legal: a atividade tributária, por determinação constitucional e da legislação infraconstitucional, especialmente dos Códigos Tributários Nacional e Municipal, deve ater-se às disposições deles emanadas; •฀ administrativo: o órgão encarregado da atividade tributária deve estar estruturado de modo que a materialização do crédito tributário se faça ao menor custo possível e cause o mínimo de desconforto ao contribuinte; •฀social: o Município é detentor de uma série de responsabilidades perante a sua população, cujo cumprimento se subordina ao ingresso de recursos financeiros. Dentre eles, os tributos municipais concorrem com parcela significativa, ao longo dos tempos futuros. Inversamente ao que se possa imaginar, os frutos da administração tributária eficiente e eficaz se traduzem em benefícios para toda a coletividade – permite a aproximação entre os gastos possíveis e demandados. Em consequência, se for comprovada a correspondência entre os recursos tributários arrecadados e as realizações resultantes, tanto em obras quanto em prestação de serviços, ela pode e deve refletir a valorização dos governantes municipais.

NOTAS 1 Os tributos, com ênfase nos impostos, propiciam historicamente a principal fonte de financiamento da atividade estatal, não obstante a resistência e, muitas vezes, as repulsas que desencadeiam. Como não se vislumbra, pelo menos a médio prazo (dezenas e, quem sabe, centenas de anos), outra alternativa, convém alinhavar alguns cuidados a serem observados quando do seu dimensionamento financeiro.

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2 Definição genérica das taxas devidas em função da utilização de determinados serviços públicos prestados pelos Municípios. A maioria embute o ressarcimento dos custos dos serviços de limpeza pública e coleta domiciliar de lixo. 3 O art. 150, I, da CF veda a exigência ou aumento de tributo sem lei que o estabeleça e com o objetivo de conferir unicidade ao Sistema Tributário Nacional (STN) estabelece os princípios gerais, discrimina os impostos de cada esfera de governo e confere à lei complementar (art. 146, III, a, b e c) a incumbência de definir as normas gerais de direito tributário, especialmente as que dispõem sobre: definição dos tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos de todas as esferas de Governo do País, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; e adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas. Para Sacha Calmon (1998, p. 118), a lei complementar é utilizada, agora sim, em matéria tributária para fins de complementação e atuação constitucional. Adiante discrimina sua importância nacional e serventia: (a) complementar dispositivos constitucionais não auto-aplicáveis; (b) conter dispositivos constitucionais de eficácia contida (ou contível); e (c) fazer atuar determinações constitucionais consideradas importantes e de interesse de toda a Nação, razões pelas quais as leis complementares requisitam quorum qualificado. A Lei no 5.172, de 25/10/66, que instituiu o Código Tributário Nacional (CTN), e respectivas alterações, foi assumida, pela jurisprudência e pela doutrina, como a lei complementar referida no art. 146 e, portanto, constitui a base da legislação municipal sobre os seus tributos. Possível dúvida quanto à recepção do CTN, pela atual Constituição, é dirimida por Marcos Flávio R. Gonçalves, ex-Consultor Jurídico do IBAM, in Nota Explicativa nº. 5/94, julho/94. O autor destaca que o assunto já foi objeto de vasta controvérsia, inclusive porque, há alguns anos passados, discutia-se a legitimidade de a União legislar de modo a restringir a autonomia dos Municípios em questões tributárias e o Supremo Tribunal Federal eliminou a dúvida, decidindo pela competência federal (vide, por exemplo, RTJ 113, p. 1.388 e seguintes). 4 Para os especialistas em finanças públicas, o pagamento dos tributos recebe, genericamente, a denominação de carga tributária, medida, no plano individual, pela alíquota efetiva expressa pelo quociente da divisão entre o valor do(s) tributos e a(s) renda (s) do contribuinte, o que permite sua classificação como: proporcional: alíquota efetiva igual, independentemente das rendas ou patrimônios tributáveis; regressiva: alíquota efetiva diminui enquanto aumentam as rendas ou patrimônios tributáveis; e progressiva: alíquota efetiva aumenta em proporção maior que o acréscimo das rendas ou patrimônios tributáveis. Hugh Dalton, ex-chanceler do Tesouro Britânico, (p. 127), assevera que um sistema de impostos regressivos tenderá a aumentar a desigualdade das rendas. O mesmo se pode dizer de sistema de impostos proporcionais ou mesmo levemente progressivos. Entretanto, sistema mais fortemente progressivo tenderá a reduzir a desigualdade, e quanto mais forte for a progressão, mais forte será também esta tendência. 5 A prática de cobrar tributos embutidos nos preços de mercadorias e serviços, sem que eles fiquem bem visíveis aos olhos dos contribuintes, infelizmente aprovada por grande maioria dos agentes políticos, se aplica, integralmente à CIP. O veredicto é de que se trata, no mínimo, de um ato contra a cidadania. 6 “IPTU no Brasil: Progressividade, Arrecadação E Aspectos Extra-Fiscais”, publicado no Texto para Discussão Nº 1251 – IPEA, dez. 2006. 7 Embora o art. 142 do CTN atribua, privativamente, essa competência à administração tributária, é antiga a discussão sobre a expressão “constituir o crédito tributário pelo lançamento” adotada por ele. O argumento contrário afiança que o “lançamento, no sistema jurídico brasileiro, é apenas declaratório e não constitutivo do crédito, vez que este nasce com a obrigação que lhe dá origem e preexiste ao lançamento propriamente dito”. Esclarecimentos adicionais poderão ser obtidos em Celso Cordeiro Machado. Crédito Tributário, Forense, RJ, 1984, p. 14 e seguintes. 8 Art. 149, I, do CTN. 9 O Código Civil instituído pela Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, em vigor desde 11/01/2003, estabelece no seu art. 79: “São bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente”. 10 Também costumam ser usados, em complementação, os chamados fatores corretivos, tipo pedologia, esquina, obsolescência etc. Os respectivos valores (positivou ou negativos) são fixados, quase sempre, arbitrariamente. Não raro, aumentam a distorção no valor final do imóvel. 11 Pedro Humberto (2006) acrescenta, no trabalho mencionado, outras causas do fenômeno reportadas por autores citados por ele: Forte pressão política por parte das construtoras, imobiliárias e proprietários de imóveis mais valorizados que têm maior organização e incentivo a lobbies, graças à extração de mais-valia que o imposto pode causar e ao alto valor de mercado dos imóveis que refletiria num imposto pago mais alto. Além disso, os contribuintes mais ricos têm maior poder de contestação judicial. 12 Nesses casos há que se considerar outras variáveis tais como o número de unidades, as respectivas frações-ideais etc. 13 § 2º: “Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo.” 14 § 1º do art. 97 do CTN: “Equipara-se à majoração do tributo a modificação de sua base de cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso.” 15 Note-se que a base de cálculo – valor venal do imóvel – está definida no art. 33 do CTN, o que impede o Município de modificá-la, salvo se, por absurdo, incluísse o valor do espaço aéreo ou mesmo do subsolo na sua composição. 16 Os seguidores das teorias objetivas defendem ser o trabalho aplicado na produção de um bem o principal elemento determinante do seu valor, conduzindo a análise para o campo da oferta, em função dos custos de produção. Já os adeptos das teorias subjetivas, mais recentes, argumentam que a escassez relativa dos bens, conjugada com sua utilidade, aliadas às escalas das preferências individuais, são os efetivos determinantes do valor, deslocando a análise para o terreno da procura. “IPTU. Critérios de reajustamento da base de cálculo do imposto. Lei no 3.681, de 27.12.83, do Município de Belo Horizonte. A Lei no 3.681, do Município de Belo Horizonte, ao estabelecer critérios objetivos para a apuração do valor venal dos imóveis, viabiliza a definição da base de cálculo do imposto em cada exercício financeiro, sem necessidade de nova lei. Precedente do Plenário: RE 108.774-9. Recurso Extraordinário não conhecido (Relator Ministro Carlos Madeira)” (RTJ 125, p. 1242). 17 “IPTU. Aumento. O Plenário desta Corte, ao julgar, entre outros, os RREE 111.643, 111.137 e 111.665 - que tratam de questão análoga à presente - não os conheceu, por maioria de votos, por entender que, no caso, não havia propriamente planta genérica de valores, uma vez que existia lei municipal estabelecendo os critérios de cálculo do valor venal de cada imóvel, e o valor apurado para cada um não poderia ser discutido em mandado de segurança. Por isso, considerou que não se configura hipótese semelhante à dos inúmeros precedentes deste Tribunal. Recurso extraordinário não conhecido (Relator Ministro Moreira Alves)” (RTJ 126, p. 310). 18 Entendemos que o crédito tributário, depois de constituído pelo lançamento, é passível de registro individual no Ativo Financeiro do Município. Para Marcos Flávio R. Gonçalves, o crédito tributário é: inalienável: gera a impossibilidade de sua transferência, salvo quando a lei autoriza sua desafetação; impenhorável: não está sujeito a qualquer ônus, exceto por disposição legal; e imprescritível, a não ser nas hipóteses de prescrição previstas em lei. 19 O artigo 11 da Lei Complementar nº. 101/2000, mais conhecida com Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), estabelece que a efetiva arrecadação de todos os tributos municipais constitui requisito essencial da responsabilidade na gestão fiscal. 20 O cálculo é aproximado por ser provável que a arrecadação de 2005 tenha incorporado valores lançados em exercícios anteriores. 21 Estão listadas somente as transferências mais significativas e de livre movimentação, observadas as vinculações às áreas de saúde e de educação. 22 Na visão do autor, práticas como essa, concorrem para desestabilizar o pacto federativo. 23 Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada (art. 3º do CTN). A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la: I - a denominação e demais características formais adotadas pela lei; II - a destinação legal do produto de sua arrecadação (art. 4º do CTN). Os tributos são impostos, taxas e contribuições de melhoria (art. 5º do CTN). 24 No geral, a principal fonte de receita dos Municípios, sobretudo dos pequenos e dos médios, está nas transferências originadas da União e do Estado, garantidas pelo princípio da repartição das receitas tributárias (arts. 157 a 162 da CF). Quando elas ingressam nos cofres Municipais são classificadas como transferências sem que, contudo, seja desqualificada sua origem como imposto. 25 Altera os arts. 34, 35, 156, 160, 167 e 198 da Constituição Federal e o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para assegurar os recursos mínimos a serem aplicados no financiamento das ações e serviços públicos de saúde. 26 Não se deve esquecer que essas taxas estão descritas na maioria dos CTMs, de forma totalmente diversa das características presentes no art. 79 do CTN, que lhes são inerentes. A inobservância tem provocado sua condenação pela doutrina e pela jurisprudência. O mesmo deve ser dito em relação às contribuições, por se tratar de tributo cuja arrecadação deve ser afetada aos gastos que justificaram sua instituição. 27 Como é notório, há várias teorias que vão de encontro a essa assertiva. 28 Vide Quadro V – Fontes de Receita para identificar os incrementos, sobretudo o advindo da cota-parte do ICMS. 29 A Definição e o Cômputo da Arrecadação Potencial. Análise do Potencial Econômico-tributário e de seus Condicionantes. Disponível em http://www.joserobertoafonso.ecn.br/ 30 Somente se efetivam após reconhecimento do direito individual, pela autoridade municipal competente, segundo as condições estabelecidas no CTM. 31 A coleta domiciliar de lixo deve ser encarada como ação preventiva na área da saúde e proteção ambiental, enquanto a iluminação pública, além de concorrer para a segurança pública, oferece oportunidade de trânsito das pessoas com maior conforto. Configuram serviços gerais e não específicos, por não serem passíveis de divisibilidade individual. 32 Característica observada principalmente nos impostos sobre vendas de mercadorias. O vendedor, contribuinte de direito, cumpre a obrigação de recolher aos cofres governamentais, o valor incluído no preço pago pelo adquirente – contribuinte de fato. 33 Não esquecer que, por força da EC nº 42/03, a vigência da nova lei deve observar, além do princípio da anualidade, o da noventena. Para tanto, seu texto deverá estar publicado até 30/09/x0 para produzir efeitos a partir 01/01/x1. 34 Órgãos de licenciamento de edificações e de execução de obras públicas da Prefeitura, incorporadoras, agentes financiadores, sindicatos da construção civil etc. 35 A propósito, merecem transcrição os comentários de dois renomados mestres do Direito Tributário expostos na reunião onde se discutia a repercussão do princípio constitucional da legalidade do procedimento fiscal adotado por alguns Municípios, (publicado em Comentários ao Código Tributário Nacional. São Paulo, Rev. dos Tribunais, 1984, p. 81): “Prof. Rubens Gomes de Souza: Parece-me que dentro da linha de pensamento, que estamos aqui seguindo, a norma tem utilidade, mas precisaria ser formulada, de modo a deixar claro que a atualização do valor monetário, a que se refere este § 2o do art. 97, é aquela que seja prevista ou autorizada em lei e não simplesmente aquela que decorra de um ato administrativo. Para citar um exemplo: as atualizações de plantas de valores que a Prefeitura faz. Prof. Geraldo Ataliba: Sem base na lei. Porque se a lei autorizar, ou determinar que serão atualizados os valores das plantas, eu aceito.” 36 A heterogeneidade resulta, no geral, da estrutura física da divisão espacial e respectivos equipamentos urbanos e, no particular, da existência, em determinadas regiões do território municipal, de imóveis de alto gabarito e, noutras, de baixo padrão, enquanto nas demais predominam variações entre o padrão “alto” e o padrão “baixo”. Nos de alto gabarito, seus habitantes dispõem de inúmeros itens de conforto: amplos espaços definidos em projetos arquitetônicos individuais, alguns identificados por denominações alienígenas (living, suite, hall, boite, kitchen etc.), ao lado de equipamentos como piscina, sauna, garagem para seus automóveis etc. Nos de baixo padrão, as construções, na maioria das vezes, ocupam pequeno espaço, são conjugadas, pelo menos de um lado, e, quando muito, obedecem a um mesmo “típico projeto arquitetônico” disponibilizado, em muitos Municípios, pela própria Prefeitura. Nada mais que um abrigo que possibilite aos seus moradores um mínimo de privacidade, para satisfazerem suas mais íntimas necessidades fisiológicas. 37 Para tanto, deve-se utilizar os projetos arquitetônicos, estrutural, elétrico, hidráulico etc. que devem estar arquivados no setor encarregado do licenciamento e aprovação de obras particulares da própria Prefeitura.

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Tributos Imobiliários

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38 O próprio mercado é fortemente influenciado por fatores implícitos (monopólio, oligopólio, livre concorrência etc.) e explícitos (políticos, sociais e institucionais etc.) que interferem sobre os respectivos valores. 39 Visa minimizar o que os estudiosos da matéria costumam chamar de parcela de subjetividade, não susceptível de quantificação, presente em qualquer método de avaliação. Porém, mesmo nos mercados mais ativos, a oferta é restrita a uma pequena parcela do universo, restrição que pode ser minimizada com a distribuição estratificada do patrimônio imobiliário. 40 Prática semelhante é adotada pelos governadores dos Estados quando editam decreto estabelecendo o valor venal dos veículos, para efeito de cálculo do IPVA e pelo Secretário da Receita Federal (3º escalão da Administração Federal) mediante instrução normativa que fixa o valor da terra nua sobre o qual se calcula o ITR, editada com suporte no § 2º, art. 2º da Lei Federal nº. 8.847/94, que dispõe sobre esse imposto. Ambos, a exemplo do IPTU, de natureza patrimonial. 41 Mormente se a comunicação acrescentar que tanto a poupança quanto as aplicações nos tradicionais fundos de renda fixa estão rendendo, atualmente, menos de 1% ao mês, sobretudo quando forem superiores a 2%... 42 O artigo 37 da CF elege os seguintes princípios: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. 43 Adicionado pela Emenda Constitucional nº. 42 (Reforma Tributária). 44 “IV - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo”. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº. 42, de 19.12.2003).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Baleeiro, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro, Forense, 11ª ed., revista e complementa por Derzi, Misabel Abreu Machado, 1999; Coêlho, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988, Forense, 7ª ed., 1998; Carvalho Jr, Pedro Humberto Bruno. IPTU NO BRASIL: PROGRESSIVIDADE, ARRECADAÇÃO E ASPECTOS EXTRA-FISCAIS”, publicado no TEXTO PARA DISCUSSÃO Nº 1251 – IPEA, dez. 2006; Dalton, Hugh. Princípios de Finanças Públicas, trad. de Maria de Lourdes Modiano, FGV, 4ª ed., 1980; Gonçalves, Marcos Flávio. R. Dívida Ativa Municipal: Como evitar seu crescimento, IBAM, 3ª ed., 2004; Guedes, José Rildo de Medeiros. Política e Gestão Tributária Municipal Eficiente, editado pelo IBAM. Série: O que os gestores municipais devem saber. Rio de Janeiro, 2007; Machado, Celso Cordeiro. Crédito Tributário, Forense, Rio de Janeiro, 1984; Viol. Lemgruber. A Definição e o Cômputo da Arrecadação Potencial. Análise do Potencial Econômico-tributário e de seus Condicionantes. 2008. Disponível em http://www.joserobertoafonso.ecn.br/.

ABSTRACT Real state tax: tributary burden The author presents considerations on the real estate taxes namely: IPTU, public services taxes (TSP), betterment taxes (CM) and public lighting (CIP), which are imposed by the Municipalities to the same person. The article also analyses the respective tributary burden on the contributors and its influence on the tributary potential of the Municipality. Finally, the author gives some suggestions to improve the municipal tributary system , considering its importance to the institutional development of the Municipality. Keywords: real state tax; public services taxes; tributary burden.

RESUMEN Tributo Inmobiliario: carga tributaria El autor presenta consideraciones sobre la institución y de los tributos inmobiliarios, a saber: IPTU – impuesto sobre bienes raíces, tasas de servicios públicos (TSP) , contribuciones de mejorías (CM) y de iluminación público (CIP), los cuales son cobrados – en documentos distintos o no - de una misma persona. Por igual, son analizados el peso de la carga tributaria y su influencia sobre el potencial tributario del Municipio. Al fin, son presentadas sugerencias para perfeccionar el sistema tributario municipal, ante su importancia para el desarrollo institucional del Municipio. Palabras clave: tributo inmobiliario; tasa de servicio público; carga tributaria; crédito tributario.

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NEPOTISMO

O nepotismo sob a ótica da Súmula Vinculante nº 13 do STF: críticas e proposições Alice Barroso de Antonio Graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Pós-graduada em Direito Municipal pelo Instituto de Direito Municipal (IDM). Advogada e consultora jurídica da JN&C Advocacia. alice@jnc-adv.com.br

RESUMO Etimologicamente, a palavra nepotismo tem origem no latim nepos, que significa neto, descendentes a posteridade, e nepotis, sobrinho.O presente estudo destina-se a investigar os aspectos controvertidos do nepotismo não apenas no âmbito do Direito, no qual se discute sua legalidade e constitucionalidade, mas, sobretudo no locutório popular, onde a discussão assume nuances éticas. Diante da Súmula Vinculante foram previstas na Constituição da República, por meio da Emenda Constitucional nº 45/04, como instrumento de pacificação de controvérsias jurisprudenciais, emanando de reiteradas decisões do Supremo Tribunal Federal sobre alguma matéria constitucional. Palavras-chave: nepotismo, direito, legalidade e constitucionalidade, Súmula Vinculante.

INTRODUÇÃO O presente estudo destina-se a investigar os aspectos controvertidos do nepotismo. Trata-se de ocorrência antiga em várias sociedades, que, todavia, compreende diferentes enfoques, ora benéficos ora pejorativos, conforme o contexto histórico, social e econômico em que se situa. Assim, o que ora se pretende é auferir e explanar o mais isento conceito de nepotismo, destacando deste as faces variáveis, que deformam o seu verdadeiro sentido. O tema vem ganhando papel de destaque, não apenas no âmbito do Direito, no qual se discute sua legalidade e constitucionalidade, mas sobretudo no locutório popular, onde a discussão assume nuances éticas. Motivada por tais efervescências é

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que a presente pesquisa ganhou corpo, no intuito de trazer luz e racionalidade ao emaranhado de impressões vagas e subjetivas sobre a prática do nepotismo. A empreitada, inserida no campo jurídico do conhecimento, perpassa, como não poderia deixar de ser, pela análise das normas e da jurisprudência atinentes ao nepotismo, em especial da recém-editada Súmula Vinculante nº 13 do Supremo Tribunal Federal. Ao longo da pesquisa, verificou-se escassez normativa a respeito do tema. Tendência alterada apenas recentemente, todavia sem grande precisão e de forma esparsa. Como expoentes do tópico, destacam-se as resoluções do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, Regimentos Internos de Tribunais e Estatutos

de Servidores Públicos de entes federativos, que não se aplicam de forma geral, mas apenas pontualmente, para destinatários específicos. Paralelamente, o Supremo Tribunal Federal, editando a Súmula Vinculante nº 13, demonstrou posicionamento a respeito do tema, impondo severas restrições à prática do nepotismo. Todavia, tal entendimento não consagra exatamente aquele exposto nos atos normativos precedentes, consistindo em verdade em nova interpretação de dispositivos constitucionais já consolidados no Ordenamento Jurídico. Assim, revela-se um paradoxo: de um lado, a ausência de instrumentos normativos e doutrinários a delimitar o nepotismo, e de outro a severidade e a imperatividade do posicionamento manifesto pela Suprema Corte.

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Vale dizer, sob o manto de intérprete oficial da Constituição da República, que o Supremo Tribunal Federal assumiu posição que compete ao Senado Federal, a fim de sistematizar e vedar o nepotismo na Administração Pública. Daí questionar-se o exato âmbito de aplicação do enunciado sumular, uma vez que a proibição precede a própria definição do nepotismo. Indaga-se, ainda, considerando os fatores motrizes da edição da Súmula Vinculante, se de fato atingirá seus fins sociais, uma vez que a moralização da Administração Pública vai muito além da simples contenção de certas práticas. Partindo-se de um levantamento conceitual, passando pela análise crítica da estrutura normativa e jurisprudencial vigente, chega-se à conclusão de que o nepotismo, afastado de conceitos subjetivistas, é método, é forma de exercer a Administração Pública. Por si só, não é ato imoral, mas pode servir a intuitos desonestos, assim como qualquer instituto, jurídico ou não. Destarte, é imprescindível a delimitação dos matizes do instituto, para que se possa distinguir quais são indesejados e passíveis de coerção pelo Direito e quais são úteis para a melhor gestão da coisa pública. Com efeito, destacam-se duas situações ocasionadas pelo nepotismo: uma imoral, e devidamente rechaçada pela Súmula Vinculante, e outra plenamente antenada com os princípios constitucionais, em especial o da moralidade administrativa. Assim, na empreitada que se segue, buscou-se, em breves linhas, demonstrar que a aplicação cega e genérica do verbete vincu-

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lante é impossível, demandando análise de cada caso concreto, a fim de se concluir quais configuram improbidade administrativa e quais revelam inofensivo nepotismo. Prescindir de tal exame implica violação a princípios, os mesmos que se pretendeu resguardar com a edição da Súmula Vinculante nº 13 do STF. O NEPOTISMO: ORIGEM TERMINOLÓGICA E CONCEITO Para o correto entendimento do tema abordado, imprescindível se faz inicialmente compreender o termo nepotismo, sua origem etimológica e seu sentido contextualizado. Etimologicamente, a palavra nepotismo tem origem no latim nepos, que significa neto, descendentes a posteridade, e nepotis, sobrinho. Tal configuração se deve ao surgimento do termo, que se deu para expressar as relações de concessão de privilégios entre o Papa e seus familiares. No período do Renascimento, os papas e outras autoridades da Igreja Católica, por não terem filhos, protegiam seus sobrinhos, nomeando-os a cargos importantes dentro da Igreja. Assim, explica Emerson Garcia: A divulgação do vocábulo (ao qual foi acrescido o sufixo ismo), no sentido hoje difundido em todo o mundo, em muito se deve aos pontífices da Igreja Católica. Alguns papas tinham por hábito conceder cargos, dádivas e favores aos seus parentes mais próximos, terminando por lapidar os elementos intrínsecos ao nepotismo ...1 Até hoje, recorrendo ao dicionário Aurélio da língua por-

tuguesa, é possível encontrar o seguinte significado para a palavra nepotismo: “Autoridade que os sobrinhos e outros parentes do Papa exerciam na administração eclesiástica”.2 Todavia, atualmente o termo, em sentido amplo, significa favorecimento e abrange qualquer concessão de benesses a parentes ou a outras pessoas ligadas ao beneficente por laços de amizade ou de confiança. Mais uma vez, aponta-se a exposição acertada de Emerson Garcia: O nepotismo, em alguns casos, está relacionado à lealdade e à confiança existente entre o “benemérito” e o favorecido, sendo praticado com o fim precípuo de resguardar os interesses daquele. Essa vertente pode ser visualizada na conduta de Napoleão, que nomeou seu irmão, Napoleão III, para governar a Áustria, que abrangia a França, a Espanha e a Itália. Com isto, em muito diminuíam as chances de uma possível traição, permitindo a subsistência do império napoleônico. Em outras situações, o “benemérito” tão-somente beneficia determinadas pessoas a quem é grato, o que, longe de garantir a primazia de seus interesses, busca recompensá-las por condutas pretéritas ou mesmo agradá-las. Como ilustração, pode ser mencionada a conduta de Luiz XI, que presenteou sua amante Ana Passeleu com terras e até com um marido (João de Brosse), o que permitiu que fosse elevada à nobreza.3 Inobstante os variados sentidos que o termo pode ter, importa para o presente trabalho o nepotismo entendido como o favorecimento de parentes de agentes públicos. Mais especifi-

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camente, o emprego no serviço público de parentes de agentes públicos sem o crivo do concurso público. Com esse sentido, identifica-se o nepotismo no Brasil desde os primórdios, conforme registrado por Telmo da Silva Vasconcelos:

Fato é que, em 29 de agosto de 2008, como última novidade sobre o tema, fora publicada no Diário Oficial da União a Súmula Vinculante nº 13, do Supremo Tribunal Federal, visando o combate ao nepotismo no âmbito do serviço público federal, estadual, municipal e do Distrito Federal

A breve história da nação brasileira, já em seus primórdios, registra a primeira manifestação de tal prática, ocorrida pela pena de Pero Vaz de Caminha, escrivão de Pedro Álvares Cabral, ao dar conta ao Rei de Portugal das maravilhas que se descortinavam na terra nova: “E nesta maneira, Senhor, dou aqui a Vossa Alteza conta do que nesta vossa terra vi. E, se a algum pouco alonguei, Ela me perdoe, que o desejo que tinha de vos tudo dizer mo fez assim pôr pelo miúdo. E, pois que, Senhor, é certo que assim neste cargo que levo, como em qualquer outra coisa que de vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por

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me fazer singular mercê, mande vir da Ilha de São Tomé Jorge de Osório, meu genro, o que d’Ela receberei em muita mercê.”4

tismo é associado à imoralidade, assumindo sentido pejorativo, como bem explica Ivan Barbosa Rigolin:

De fato, verifica-se, ao longo de toda a história do Brasil e até os dias atuais, a nomeação de inúmeros servidores aparentados de autoridades dos Poderes Públicos. Tal ocorrência é praxe no âmbito municipal, estadual e federal da Administração Pública e serve perfeitamente para o ingresso de servidores em cargos comissionados, cuja nomeação é livre. Não obstante, a sistematização normativa do nepotismo evoluiu muito pouco ao longo da história brasileira. Em verdade, em nenhuma das Constituições do Brasil constou o termo nepotismo, nem para vedá-lo, nem para autorizá-lo, como assevera Ivan Barbosa Rigolin:

A primeira vocação do cidadão, o seu primeiro ímpeto ou o seu arroubo inercial é a de convictamente entender que sempre qualquer nepotismo é inadmissível e inaceitável por imoral por injustamente personalístico, anti-isonômico. E conhecendo um pouco a espécie humana tristemente reiteramos: é mais forte aquele reproche espontâneo quando o nepotismo é alheio e beneficia a outrem, exatamente como asseverava o conhecido moralista profissional que não suportava privilégios, muito em especial quando deles não participava. Assim, se para cada parente beneficiado mil cidadãos não o são, natural resulta que a opinião pública seja a dos mil e não a do único — e tenderá a ser desfavorável à prática.6

Nem uma breve referência a esse tema consta de modo explícito, ou mesmo implícito, da Carta de 1988. O assunto é-lhe por completo estranho e inusitado — como de resto o é desde a primeira Constituição brasileira, que como todas até o presente jamais se abalançou a restringir nepotismos na Administração.5 Apenas recentemente, têmse verificado algumas normas pontuais e de efeitos limitados versando quanto ao nepotismo, tais como as Resoluções do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Estatuto dos Servidores Públicos da União (Lei nº 8.112/90), Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, dentre outros. Em que pese o vazio legislativo, na noção popular, o nepo-

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Todavia, sendo expressão de estudo técnico jurídico, o presente trabalho não pode adotar como conceito impressões sociais, impregnadas de subjetivismo e afastadas de qualquer amparo no Direito Positivo. Assim, desde já se rechaça a conotação depreciativa que envolve o tema do nepotismo, para que se proceda a uma análise o mais imparcial possível de seus aspectos, que é o objeto do presente trabalho. A SÚMULA VINCULANTE Nº 13 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Aspectos Formais Originalmente, as Súmulas Vinculantes foram previstas na Constituição da República, por

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meio da Emenda Constitucional nº 45/04, como instrumento de pacificação de controvérsias jurisprudenciais, emanando de reiteradas decisões do Supremo Tribunal Federal sobre alguma matéria constitucional. Disciplinada no art. 103-A da Constituição da República, a Súmula Vinculante foi regulamentada pela Lei nº 11.417/2006, com período de vacatio legis de três meses, portanto, em pleno vigor a partir de 19 de março de 2007. A previsão constitucional restou assim expressa: Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta ou indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. §1º A Súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. (...) O dispositivo constitucional supratranscrito não deixa dúvidas quanto às hipóteses que ensejam a edição da Súmula Vinculante pelo Supremo Tribunal, caracterizando situações específicas, nas quais se verificam reiteradas decisões a respeito de determi-

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nada norma jurídica, sobre a qual exista controvérsia entre órgãos judiciários ou entre estes e a Administração Pública. Somente nesse caso, expressamente definido pelo art. 103-A, o Supremo Tribunal Federal poderá editar Súmula Vinculante, visando pacificar entendimento a respeito de matéria constitucional. Abordando o procedimento de edição, revisão e cancelamento de Súmulas Vinculantes, o Procurador Federal Leonardo Vizeu Figueiredo assim conclui: Da análise dos diversos dispositivos da referida lei, depreendese que se trata de procedimento objetivo de competência originária e exclusiva do Supremo Tribunal Federal, de natureza objetiva, uma vez que versará, exclusivamente, sobre a validade, interpretação e eficácia de normas jurídicas em face do texto constitucional.7 Destarte, além de outros requisitos formais, indispensável à edição da Súmula Vinculante pelo STF é a existência de norma jurídica sobre a qual haja controvérsia entre os órgãos jurisdicionais ou entre esses e a Administração Pública e a relevante multiplicação de processos sobre a mesma questão. Nesse sentido, também aponta Dayse Coelho de Almeida, em artigo sobre as Súmulas Vinculantes: A generalidade sobre a qual poderia o legislador ter adotado com relação à sumula vinculante foi evitada, conforme podemos observar no artigo 103-A, §1º da CF/88, o qual restringe a súmula vinculante a estabelecer validade, interpretação e eficácia sobre normas determinadas (valendo lembrar que apenas em matéria constitucional) onde existam

controvérsias atuais nos órgãos judiciários e entre estes e a Administração Pública, ressalvando a intervenção apenas nos casos de insegurança jurídica e possibilidade de multiplicação numérica de processos sobre a mesma questão.8 Nessa esteira, a Súmula Vinculante nº 13 veio a lume para sanar a polêmica existente quanto ao nepotismo, especialmente quanto à sua adequação aos ditames constitucionais. Todavia, divergindo da sistemática imposta pelo art. 103-A da CR/88, a Súmula Vinculante nº 13 não fora editada tendo em vista norma jurídica determinada, cuja eficácia, validade ou interpretação estivesse sendo questionada em face da Constituição da República, em diversos julgados anteriores. A Súmula Vinculante nº 13 expressou o entendimento do Supremo Tribunal Federal a respeito de um fato, de uma prática usual na Administração Pública, qual seja o nepotismo, que, inobstante, não conta com nenhuma previsão normativa constitucional, salvo em Resoluções do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público. Vale dizer, a Súmula Vinculante nº 13 não derivou de controvérsia referente à norma jurídica, mas sim de controvérsia a respeito da constitucionalidade de ato jurídico entendido como ação humana que cria, modifica ou extingue relações ou situações jurídicas. Entretanto, conforme disposição literal do art. 103-A, somente controvérsia a respeito da validade, interpretação e eficácia de normas determinadas pode ser objeto de Súmula Vinculante. Conclui-se, então, que a Súmula Vinculante nº 13 do STF diverge

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do comando constitucional, configurando situação sui generis. Com efeito, o objeto da mencionada Súmula Vinculante é o nepotismo, matéria que não fora normatizada no Texto Constitucional. Sobre o tema destacam-se apenas, de âmbito nacional, Resoluções do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, que não têm caráter geral. Inexistindo norma jurídica determinada sobre a qual recaia controvérsia acerca de sua interpretação, validade e eficácia, não se configura hipótese ensejadora de Súmula Vinculante. Como já dito, o nepotismo não poderia ser objeto de Súmula Vinculante, mesmo havendo polêmica quanto a sua constitucionalidade. Não se pode negar a existência de diversos julgados, em todos os Tribunais, a respeito do tema. De fato, havia e há discussão a respeito da constitucionalidade do nepotismo, que, por inúmeras vezes, fora submetida à apreciação do Poder Judiciário, inclusive do Supremo Tribunal Federal. As reiteradas decisões do STF em determinado sentido já são paradigma para todas as decisões dos demais Tribunais. Todavia a atribuição de efeito vinculante somente ocorreria em casos excepcionais, quando se verifica controvérsia acerca da validade, interpretação e eficácia de normas determinadas, mas não de atos jurídicos. Em que pesem tais considerações, não se duvida que a edição da Súmula Vinculante nº 13 pelo Supremo Tribunal Federal deve-se muito mais aos anseios populares, inflamados pela mídia, que associa o nepotismo à corrupção e o considera como empecilho à democracia, do que à

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configuração da hipótese prevista no art. 103-A da Constituição da República. Fato é que, em 29 de agosto de 2008, como última novidade sobre o tema, fora publicada no Diário Oficial da União a Súmula Vinculante nº 13, do Supremo Tribunal Federal, visando o combate ao nepotismo no âmbito do serviço público federal, estadual, municipal e do Distrito Federal. Destarte, a partir do dia 29 de agosto daquele ano, a Súmula Vinculante nº 13 do STF já vem operando seus efeitos, subme-

enunciado do STF, representando simples debruçamento sobre questões pontuais. Inicia-se a empreitada transcrevendo-se os exatos termos do mencionado enunciado sumular: Súmula Vinculante nº 13: A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício

O nepotismo, além de reletir um gesto ilegítimo de dominação patrimonial do Estado, desrespeita os postulados republicanos da igualdade, da impessoalidade e da moralidade administrativa

tendo os órgãos do Judiciário e a Administração Pública às suas determinações. Aspectos Materiais Superados os aspectos formais da Súmula Vinculante nº 13 do Supremo Tribunal Federal, resta adentrar ao estudo de seu conteúdo material, buscando auferir seu verdadeiro sentido e âmbito de aplicação. Entretanto, em que pesem os esforços, esse estudo não esgota o conteúdo do

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de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal. Analisando-se detidamente a redação da Súmula Vinculante nº 13, infere-se que a conduta considerada contrária à Constituição é a nomeação, para o

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exercício de cargo em comissão ou de confiança ou ainda de função gratificada na Administração Pública Direta ou Indireta, de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor público da mesma Pessoa Jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento. Primeiramente, defina-se o parentesco como a relação entre pessoas pertencentes a um mesmo grupo familiar. As ligações de parentesco abrangidas pela Súmula Vinculante nº 13 podem ser as consanguíneas, em que as pessoas descendem de uma origem familiar, ou as por afinidade, que resultam do casamento. Contudo, não são todos os parentes consanguíneos e afins da autoridade nomeante e de servidores da mesma pessoa jurídica investidos em cargo de direção, chefia ou assessoramento que são destinatários do texto sumular, mas apenas os parentes até o terceiro grau. O Código Civil Brasileiro — Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 — prescreve a forma de contagem dos graus de parentesco em seus artigos 1.592 e 1.594, in verbis: Art. 1.592. São parentes em linha colateral ou transversal, até o quarto grau, as pessoas provenientes de um só tronco, sem descenderem uma da outra. Art. 1.594. Contam-se, na linha reta, os graus de parentesco pelo número de gerações, e, na colateral, também pelo número delas, subindo de um dos parentes até ao ascendente comum, e descendo até encontrar o outro parente. Conforme determinação do Código Civil, os pais e os filhos

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da autoridade nomeante e de seu cônjuge, bem como do servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento e de seu cônjuge são parentes de 1º grau, os irmãos; avôs e netos são parentes de 2º grau; e os bisavôs, tios, sobrinhas e bisnetos são parentes de 3º grau. Portanto, todos esses estão incluídos na vedação sumular e não podem ser nomeados para exercer cargos comissionados ou funções de confiança. Veja-se que a vedação é bem específica e dirige-se aos parentes consanguíneos ou afins que sejam nomeados para exercer cargos em comissão, de confiança ou função gratificada. Aqueles nomeados para exercer cargos de provimento efetivo ou contratados não foram mencionados pelo texto sumular, mesmo que sejam cônjuges, companheiros ou parentes até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor público investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento da mesma Pessoa Jurídica. Com razão, a proibição limita-se aos cargos cujo provimento prescinde de processo seletivo público, sendo livre a escolha de seus titulares pelas autoridades nomeantes. É que a contratação temporária de pessoal e a nomeação para exercício de cargo efetivo dão-se mediante procedimento seletivo público, seja ele simplificado ou concurso. Assim, garante-se, para o provimento de cargos efetivos e para a contratação de pessoal, a observância do princípio da isonomia entre os interessados. Diferentemente, o princípio da isonomia não é relevante para o ingresso em cargos públicos comissionados de direção, chefia ou assessoramento,

ou para funções de confiança, residindo aí a celeuma a respeito do tema. A distinção na forma de provimento dos cargos públicos explica-se em virtude da natureza das funções que seus titulares exercem. Com efeito, os servidores públicos titulares de cargos em comissão e funções de confiança desempenham atribuições de coordenação dos demais serviços prestados pela Administração Pública, bem como do próprio funcionamento da máquina administrativa, tais como direção, chefia e assessoramento. Os servidores públicos que exercem tais cargos e funções sujeitamse somente ao administrador público, seja ele municipal, estadual ou federal, subordinando tantos outros servidores públicos hierarquicamente inferiores. Por isso, os titulares de cargos comissionados e de funções de confiança devem ser pessoas de confiança do gestor público, que comunguem da sua ideologia e o auxiliem na condução da Administração Pública. Assim sendo, nada mais natural do que deixar ao arbítrio da autoridade nomeante a escolha daquele que irá exercer os cargos comissionados e as funções de confiança. Vale dizer, o exercício dos cargos em comissão e das funções de confiança traz consigo a ideia de confiança como nota característica. Logo, em razão das atribuições que encerram, requerem os cargos em comissão e as funções de confiança alto grau de confiança depositada pelo administrador naquele que irá preenchê-lo, pelo que consequentemente conferese a ele a liberdade de nomeação e de exoneração. Nessa esteira, não vigora, para o ingresso em cargos comissionados e funções de confiança,

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a exigência constitucional de concurso público, prescrita pelo art. 37, inciso II, in verbis:

A sua natureza tende à recepção de um ocupante que permaneça no cargo em caráter transitório.9

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) (...)

Também José dos Santos de Carvalho Filho assevera:

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998). Assim leciona Walter Brasil Mujalli, distinguindo os cargos em comissão e os cargos de provimento efetivo: Cargo em comissão ou de provimento em comissão é aquele predisposto ou vocacionado a ser preenchido por um ocupante transitório, da confiança da autoridade que o nomeou, e que nele permanece enquanto durar essa confiança. Assim, fica desde logo entendido que para o provimento de cargo em comissão não há a necessidade de concurso. A nomeação é livre como também a exoneração. Cargo efetivo ou de provimento efetivo é aquele predisposto a ser preenchido sem transitoriedade, ou seja, em caráter definitivo.

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Os cargos em comissão, ao contrário dos tipos anteriores, são de ocupação transitória. Seus titulares são nomeados em função da relação de confiança que existe entre eles e a autoridade nomeante. Por isso é que na prática alguns os denominam de cargos de confiança. A natureza desses cargos impede que os titulares adquiram estabilidade. Por outro lado, assim como a nomeação para ocupá-los dispensa a aprovação prévia em concurso público, a exoneração do titular é despida de qualquer formalidade especial e fica a exclusivo critério da autoridade nomeante. Por essa razão é que são considerados de livre nomeação e exoneração (art. 37, II, CF).10 E Hely Lopes Meirelles completa, abordando as funções de confiança: Em face da EC 19, as funções de confiança, que só podem ser exercidas por servidores ocupantes de cargo efetivo, destinam-se, obrigatoriamente, apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento (CF, art. 37, V), que são de natureza permanente. Tal comando independe de lei, uma vez que o exame desse art. 37, V, revela que para as funções de confiança ele é de eficácia plena, ao reverso do que ocorre em relação aos cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, como ali está dito. Essas funções, por serem de confiança, a exemplo

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dos cargos em comissão, são de livre nomeação e exoneração.11 Aponte-se ainda a título de esclarecimento, nos dizeres de Celso Antônio de Mello, a diferença entre a função de confiança e o cargo em comissão, visto que a própria Constituição da República o fez, em seu art. 37, V. In verbis: Funções públicas são plexos unitários de atribuições, criados por lei, correspondentes a encargos de direção, chefia ou assessoramento, a serem exercidas por titular de cargo efetivo, da confiança da autoridade que as preenche (art. 37, V, da Constituição). Assemelham-se, quanto à natureza das atribuições e quanto à confiança que caracteriza seu preenchimento, aos cargos em comissão. Contudo, não se quis prevêlas como tais, possivelmente para evitar que pudessem ser preenchidas por alguém estranho à carreira, já que em cargos de comissão podem ser prepostas pessoas alheias ao serviço público, ressalvado um percentual deles, reservado aos servidores de carreira, cujo mínimo será fixado por lei.12 Como se vê, as funções gratificadas são sempre exercidas por servidores públicos titulares de cargo efetivo. Por outro lado, os cargos em comissão podem ser exercidos tanto por titulares de cargos efetivos quanto por pessoas que não tenham vínculo com a Administração Pública. Traço característico de ambos é o vínculo de confiança que perpassa o seu preenchimento, permitindo livre nomeação e exoneração. Por outro lado, não se pode impedir que os aprovados em

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processo seletivo sejam contratados ou nomeados para exercer cargos efetivos apenas pelo fato de possuírem vínculos consanguíneos ou de afinidade com as autoridades nomeantes ou com outros servidores de confiança, sob pena de afronta aos princípios da isonomia e da universalidade de acesso aos cargos e funções públicas, insculpidos na Constituição da República. Nesse diapasão, a Constituição da República de 1988 consagra o princípio da isonomia, expressamente, no caput do artigo 5º, ao mencionar que: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Trata-se da igualdade de direitos em todas as esferas, em decorrência da qual se afasta qualquer forma de discriminação.

Assim, a única medida capaz de moralizar as nomeações de servidores públicos, afastando qualquer traço tendente a violar os princípios da moralidade, da impessoalidade e da isonomia, seria a institucionalização do concurso público como requisito para ingresso em qualquer cargo público. Se todos são iguais perante a lei, não se pode diferenciar aqueles que têm relações de parentesco com determinados agentes públicos. Por isso, proibir parentes dos agentes públicos de serem contratados, nomeados ou designados para ocupar cargos da Administração Direta e Indireta

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promove nítida violação de direitos fundamentais. Ademais, o princípio da universalidade de acesso ou ampla acessibilidade aos cargos públicos constitui direito de todos os cidadãos, de buscar oportunidade de trabalho independentemente de qualquer laço de parentesco com agentes públicos. Portanto, a disposição sumular está adstrita apenas às nomeações para exercício de cargos comissionados ou de funções gratificadas. Os servidores públicos que exercem cargos de provimento efetivo e os contratados por tempo determinado não são destinatários da Súmula Vinculante nº 13. Todavia, se o servidor público parente, por afinidade ou consanguinidade, da autoridade nomeante ou de outro servidor público de confiança, é titular de cargo efetivo, mas está exercendo cargo comissionado ou função gratificada, enquadra-se na vedação da Súmula e, por isso, deve retornar ao exercício apenas do seu cargo efetivo, que não é afetado em virtude das relações de parentesco. Não obstante, em relação aos cargos de secretário e de ministros, cumpre asseverar que embora sejam, via de regra, de provimento em comissão, seus titulares estão excluídos do âmbito de incidência da Súmula Vinculante nº 13 do STF, pois são agentes políticos. Nesse sentido, pronunciou-se o Presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, em entrevista concedida à Rádio Justiça: “Haveria a exceção de cargos políticos, nas funções de secretários municipais, de Estado ou ministros do Executivo. Em princípio, o tribunal disse que essa é uma função política que não estaria submetida ao critério.”13

E o Ministro Carlos Ayres Britto confirmou, segundo consta nas notícias do STF do dia 21 de agosto de 2008, que “Somente os cargos e funções singelamente administrativos são alcançados pelo artigo 37 da Constituição Federal”.14 Finalmente, o Tribunal Pleno do STF, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 579.951-4, que foi precedente para a Súmula Vinculante nº 13, considerou hígida a nomeação de parente de Vereador para exercer atribuições de Secretário Municipal, conforme se depreende do voto do eminente Ministro Carlos Britto: Então, quando o artigo 37 refere-se a cargo em comissão e função de confiança, está tratando de cargos e funções singelamente administrativos, não de cargos políticos. Portanto, os cargos políticos estariam fora do alcance da decisão que tomamos na ADC nº 12, porque o próprio Capítulo VII é Da Administração Pública enquanto segmento do Poder Executivo. E sabemos que os cargos políticos, como, por exemplo, os de Secretário Municipal, são de agentes do Poder, fazem parte do Poder Executivo. O cargo não é em comissão, no sentido do artigo 37. Somente os cargos e funções singelamente administrativos — é como penso — são alcançados pela imperiosidade do artigo 37, com seus lapidares princípios. Então, essa distinção me parece importante para, no caso, excluir do âmbito da nossa decisão anterior os Secretários Municipais, que correspondem a Secretários de Estado, no âmbito dos Estados, e Ministros de Estado, no âmbito federal. E, após a publicação da Súmula Vinculante nº 13, o Supremo

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Tribunal Federal, julgando a Rcl 6.650-MC-AgR/PR, posicionou-se claramente a respeito da celeuma, conforme consta no voto do eminente Ministro Cézar Peluso, in verbis: Trata-se, portanto, de questão ligada à interpretação e, evidentemente, ao alcance da súmula. E digo mais: nesse debate, foi consignada expressamente a posição, que ressalvei, quanto à extensão da conclusão de que o alcance da súmula não atingiria os agentes políticos. É que os agentes políticos exercem atribuições diversas das dos servidores públicos e, portanto, estão ligados à Administração Pública por vínculo diferenciado. Segundo José dos Santos de Carvalho Filho, acompanhando o entendimento manifestado por Maria Sylvia Di Pietro e Celso Antônio Bandeira de Mello, in verbis: São estes agentes que desempenham os destinos fundamentais do Estado e que criam as estratégias políticas por eles consideradas necessárias e convenientes para que o Estado atinja seus fins. (...) Caracterizam-se por ter funções de direção e orientação estabelecidas na Constituição e por ser normalmente transitório o exercício de tais funções. (...) Por outro lado, não se sujeitam às regras comuns aplicáveis aos servidores públicos em geral; a eles são aplicáveis normalmente as regras constantes da Constituição, sobretudo as que dizem respeitos às prerrogativas e à responsabilidade política. São eles os Chefes do Executivo (Presidente, Governador e Prefeito), seus auxiliares (Ministros e Secretários Estaduais

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e Municipais) e os membros do Poder Legislativo (Senadores, Deputados Federais, Deputados Estaduais e Vereadores).15 Posição idêntica adota o Controlador Geral do Município de Belo Horizonte, Luciano Ferraz, afirmando: “Excluem-se da vedação apenas os agentes políticos, tais como secretários municipais, por conta da natureza política do cargo que ocupam.”16 Note-se que o entendimento majoritário é no sentido de que os agentes políticos são espécie do gênero agente público, mas não se encaixam no conceito de servidores públicos, que é uma categoria à parte, também dentro do gênero agente público. Daí surgiria a dúvida se estaria vedada a nomeação de parentes consanguíneos ou afins dos secretários para o exercício de cargos em comissão ou função gratificada. Com efeito, a Súmula Vinculante faz menção expressa ao “cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica (...)”. Interpretando-se literalmente o dispositivo sumular, somente não poderá exercer cargo comissionado ou função gratificada aquele que detém relação de consanguinidade ou afinidade com a autoridade nomeante ou com outro servidor público. Não sendo o Secretário a autoridade nomeante, nem servidor público, não incidiria a vedação aos seus parentes consanguíneos ou afins. Da mesma forma, não se pode deixar de concluir o mesmo quanto aos membros do Poder Legislativo, que também são agentes políticos, e não servidores públicos em sentido

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estrito. Portanto, também não estaria vedada a nomeação, para exercer cargo em comissão, de confiança ou função gratificada, de parentes consanguíneos ou afins dos senadores, deputados e vereadores. Entretanto, o raciocínio não se aplica ao presidente da Câmara ou Senado, nem ao prefeito, governador ou presidente, pois embora sejam agentes políticos eles são autoridades nomeantes, condição prevista expressamente no texto sumular. Não obstante a lógica exposta, o aclaramento completo do verdadeiro sentido e alcance do verbete vinculante somente pode ser dado por seus criadores, quais sejam os nobres magistrados do Supremo Tribunal Federal. Assim, a partir do julgamento de casos concretos, gradualmente, restará exatamente definido o âmbito da vedação compreendida na Súmula Vinculante nº 13 do Supremo Tribunal Federal. CRÍTICAS E PROPOSIÇÕES À APLICAÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE Nº 13 DO STF Analisando-se detidamente os precedentes da Súmula Vinculante nº 13 do Supremo Tribunal Federal, infere-se que o nepotismo fora considerado inconstitucional por afronta aos princípios da moralidade, da igualdade e da impessoalidade, insculpidos no art. 37 da Constituição da República. Assim consignou o eminente ministro Ricardo Lewandowski em seu voto no Recurso Extraordinário nº 579.951-4/RN: Estou afirmando, no meu voto, a partir de um caso concreto que realmente os princípios são autoaplicáveis, que a vedação ao nepotismo decorre exatamente

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da conjugação desses princípios da Constituição, com o etos prevalente na sociedade brasileira. E o ilustre ministro Celso de Mello, em seu voto proferido no mesmo julgamento, corrobora o entendimento: O nepotismo, além de refletir um gesto ilegítimo de dominação patrimonial do Estado, desrespeita os postulados republicanos da igualdade, da impessoalidade e da moralidade administrativa. E esta Suprema Corte, senhor presidente, não pode permanecer indiferente a tão graves transgressões da ordem constitucional. Concluo o meu voto. E ao fazê-lo reafirmo o meu entendimento de que o nepotismo se mostra incompatível com o sistema constitucional, impondose, por isso mesmo, a vedação de sua prática a todos os Poderes da República e a todos os níveis em que se estrutura o Estado Federal brasileiro. Torna-se necessário banir, definitivamente, de nossos costumes administrativos, a prática inaceitável do nepotismo, porque, além de infringente da ética republicana, transgride os postulados constitucionais da igualdade, da impessoalidade, da transparência e da moralidade administrativa. Assim sendo, a partir da publicação da Súmula Vinculante nº 13, toda nomeação de parentes da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento passou a ser entendida como afrontosa aos princípios constitucionais que regem a Administração Pública. Consagrou-se violação apriorística dos princípios da impessoalidade, da isonomia e da moralidade,

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decorrente de nomeação de parentes para cargos administrativos, ainda que de provimento em comissão. Em que pese a força normativa da Súmula Vinculante, inevitáveis alguns questionamentos quanto à sua aplicação cega a todos os casos, por simples subsunção do fato à norma, sob pena de violação a outros princípios, em especial o da razoabilidade, da eficiência, da supremacia do interesse público e, até mesmo, ao próprio princípio da isonomia, que tanto se busca resguardar com a edição do verbete vinculante. É inconcebível considerar-se que a nomeação de indivíduo aparentado a agente público, independentemente das circunstâncias do caso concreto, fere, per se, os princípios constitucionais norteadores da Administração Pública. Para que se configure ato ímprobo, violação a princípios, passível de repressão pelo Direito, imprescindível a comprovação objetiva de que, no caso concreto, o servidor goza das benesses de seu cargo, sem contudo realizar suas atribuições com dedicação e competência, em igualdade de condições aos demais servidores, apenas fazendo parte dos quadros da Administração, por ser parente de autoridade, sem, de fato, fazer jus à respectiva remuneração. Por óbvio, a capacitação do servidor para provimento do cargo ou função não é dispensável. Por isso, se o parente desempenhar satisfatoriamente suas atividades não há razão para cunhar negativamente de nepotismo e atribuir violação ao princípio da moralidade administrativa à sua nomeação, quando ademais a confiança neste caso se estabelece em grau máximo! É que o nepotismo gera duas situações. Uma é totalmente mo-

ral, adequada ao Ordenamento Jurídico e não pode ser abarcada pela vedação sumular. Trata-se das nomeações de pessoas hábeis, eficientes, vocacionadas, que trabalham duro e desempenham bem suas funções na Administração Pública, e mais, são parentes da autoridade nomeante, gozando, por isso, de relação de confiança com ela. Estes servidores são perfeitos para exercerem cargos em comissão ou funções de confiança, nos termos previstos pela Constituição da República. De forma alguma pode-se dizer que suas nomeações atentam contra o interesse público e o princípio da eficiência. Sendo determinado indivíduo capacitado para a função e detentor da confiança do administrador, não há no ato má-fé, desonestidade ou desvirtuação da finalidade pública. Ao contrário, a finalidade pública pode ser amplamente atendida no caso de o servidor comissionado, em que pese ter relação de parentesco com quem o nomeou, cumprir satisfatoriamente suas funções, em estrita observância ao princípio da eficiência. Diferentemente, o nepotismo pode promover a realização de interesses particulares, em detrimento do interesse público, empregando pessoas no serviço público que não detêm as qualidades necessárias. Essa situação caracteriza indisfarçável imoralidade e justificou a edição da Súmula. Corroborando tal entendimento, o eminente desembargador Reynaldo Ximenes Carneiro, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, assim ressalta em seu voto: ... é preciso que se distinga o nepotismo que representa o

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aproveitamento daqueles que são ligados ao Administrador e que só vão receber o seu vencimento, do nepotismo em relação à contratação de pessoas de confiança.17 Na mesma linha, o desembargador Mauro Soares de Freitas, também do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em brilhante decisão assevera: Afirma-se ser o nepotismo gritante ofensa a princípios da administração pública, previstos no artigo 37, da Constituição Federal e, portanto, vedado. Afirmase, até mesmo, ser ofensivo à moralidade. Faço duas perguntas indispensáveis: a primeira, o que se entende por nepotismo? A segunda, o que se entende por moral? O termo nepotismo deriva-se da palavra “nepote”, que designava o sobrinho do Papa, por isto entende-se “nepotismo” como sendo a influência que o sobrinho e outros parentes exerciam na administração eclesiástica. Seria, também, patronato, favoritismo e compadrio. Entretanto, a influência pode ser boa ou má, positiva ou negativa; se boa, nada a recriminar; se má, deve ser extirpada, após indispensável constatação e é dentro desta ótica que deve ser o termo analisado. Quanto à “moral”, o que vem a ser esta? Muitos filósofos já procuraram defini-la, mas a definição que melhor se adequa é a de que “moral é a regra da boa conduta, da distinção que fazemos entre o que é bom e o que é ruim para nós e para os outros”. Utilizando um exemplo milenar daquele que se considerava Mestre, Jesus Cristo, dizia Ele: “façamos aos outros somente o que queremos que eles nos

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façam”. Esta definição e este ensinamento são universais, não se aplicam apenas ao Brasil, e independe do credo religioso, da formação cultural, da posição social ou política do ser humano. Como se observa, nada há de religioso ou político no sentido de obedecer os dogmas desta ou daquela corrente de pensamento e a moral está neste terreno como valor da alma, que todos entendem, quando a questão é analisar os valores éticos do comportamento. Um homem moralizado vale mais do que uma multidão de intelectuais. Por isto a questão moral há de ser analisada, caso a caso, pelo comportamento individual de cada pessoa. Foi muito cômodo tachar o Prefeito de “imoral”, pelas nomeações feitas, sem uma análise do comportamento de cada um. Como foi fácil tachar de “imoral” todos os juízes que tinham parentes trabalhando em seus gabinetes, quando imoral seria a nomeação para não trabalhar, sendo até de se perguntar se isto foi apurado. Se o nomeado prestava serviço à administração, se produzia, se honrava o cargo, se, numa linguagem coloquial, “vestia a camisa da instituição”, a questão há de ser vista de outra forma, com os olhos da moralidade e da ética, na prática de atos sérios, verdadeiros, transparentes, praticados por homens educados moralmente. Educação moral é aquela que se volta para a formação do homem voltado para o bem, seja do seu próprio, seja do próximo, nunca se esquecendo da regra, sugerida pelo Cristo, que é fazer aos outros aquilo que gostaria que os outros lhe fizessem. Dentro deste diapasão, qual regra constitucional tem mais valor? A do artigo 37 citado ou a

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do artigo 5º, que dispõe que todos são iguais perante a Lei, sem distinção de qualquer natureza? Aqui, a inconstitucionalidade é muito mais gritante, porque, no Judiciário, o parente de um magistrado tornou-se mais discriminado que um leproso nos tempos de antanho. Terá de mudar de atividade profissional ou de país, porque na rede pública não conseguirá trabalho. Há ou não distinção? E distinção injusta, porque há cargos de confiança a serem ocupados, onde as normas da confiança, que envolvem escolha pelos padrões da competência e da confiabilidade, estão dentro das regras que conduzem a moral.18 Não se pode generalizar questão tão subjetiva, mormente em se tratando de cargos cujo preenchimento pauta-se na relação de confiança com o servidor. Há que se vislumbrar a relação de confiança que a autoridade guarda com o nomeado e sua essencialidade para o exercício do cargo ocupado, a plena consecução das atribuições a ele inerentes, levando-se em consideração cada caso concreto, conforme posicionamento externado pelo Desembargador Nicanor Silveira do Tribunal de Justiça de Santa Catarina: Ação Civil Pública - Improbidade Administrativa - Nomeação para Cargo Comissionado - Assessor Parlamentar Municipal - Esposa do Presidente da Câmara de Vereadores - Ato de Nepotismo - Princípio da Moralidade Administrativa - Ausência de Lei Vedando a Contratação de Parentes - Descaracterização de Ato que Importe em Improbidade Administrativa - Recurso Conhecido e Provido.

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Enquadrar o nepotismo como infração à Lei de Improbidade Administrativa é trabalho bastante tortuoso, uma vez que a própria lei não traça diretrizes para que se possa delimitar seu alcance em referência aos atos praticados pelos administradores para enquadrar, em específico, a imoralidade administrativa. Ocorrendo a prática do nepotismo, deve-se levar em consideração as causas, o preenchimento dos requisitos do cargo, a remuneração compatível recebida por quem foi nomeado e o cumprimento do dever por possuir o nomeado aptidão para a profissão que desempenha. “A partir da aferição desses elementos, será possível identificar a possível inadequação do ato aos princípios da legalidade e da moralidade, bem como a presença do desvio de finalidade, o que será indício veemente da consubstanciação de ato de improbidade” (Emerson Garcia).19 É indispensável aferir, no caso concreto, se de fato a nomeação revela mera concessão de vantagem indevida, favorecimento ilegítimo, sendo por isso contrária à Constituição da República. Indevida a presunção de que todo parente de agente público ingressa em cargos de comissão ou funções de confiança, apenas em virtude de seu vínculo familiar, sem preencher nenhuma outra condição para o exercício do serviço público. Tal análise é preconceituosa, taxando de antemão de corruptos todos os parentes de agentes públicos, e exclui da Administração Pública pessoas competentes, por mero laço consanguíneo ou de afinidade. Exonerar servidores públicos e vetar a contratação de pessoal, em virtude de relações de pa-

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rentesco ou de afinidade com ocupantes de cargos públicos, acarreta inegável discriminação, consubstanciando afronta ao princípio da isonomia, bem como violação ao princípio da universalidade de acesso dos brasileiros aos cargos e funções públicas. Considerando-se aprioristicamente toda nomeação de parentes de agentes públicos como inconstitucional, constituirse-á uma sociedade em que ser parente de autoridade pública seja mácula impeditiva ao acesso à Administração Pública, mesmo nas hipóteses previstas em lei. A família, que hoje é vilipendiada em vários aspectos, passaria a ter mais um perverso obstáculo à sua reafirmação. Nessa senda, afirma Roberto Wanderley Nogueira: No entanto, tratando-se de um costume entre nós histórico e que data do próprio descobrimento, não se teria como erradicá-lo de modo seletivo e pronto mediante afetação ao princípio isonômico, constitucionalmente agasalhado pela Ordem Jurídica e que não se compraz de igual sorte a todos os segmentos do próprio Estado ao qual se diz proteger em se tendo combatido até então o expediente no âmbito exclusivo do Poder Judiciário bem como por reduzir determinado grupo de pessoas (os parentes na linha de vedação) a algum tipo de cidadania mitigada, como se o parentesco fosse capaz, por si só, de retirar de uns e de outros suas faculdades humanas e a sua própria compostura ética (senso de responsabilidade).20 Por outro lado, se um aparentado da autoridade nomeante ou de outro servidor investido em cargo de direção, chefia ou

assessoramento é nomeado para exercer cargo efetivo, entende-se como hígida a nomeação, por ter se submetido a concurso público. Seguindo tal raciocínio, somente as nomeações submetidas ao crivo do concurso público não seriam imorais, satisfazendo plenamente os princípios constitucionais. Conclui-se, portanto, que o que incomoda e é sumariamente considerado como ato imoral é a livre nomeação, prerrogativa concedida às autoridades públicas, em se tratando de cargos em comissão e funções de confiança. Assim, a única medida capaz de moralizar as nomeações de servidores públicos, afastando qualquer traço tendente a violar os princípios da moralidade, da impessoalidade e da isonomia, seria a institucionalização do concurso público como requisito para ingresso em qualquer cargo público. Todavia, tendo em vista a relação de fidúcia que deve existir entre o que exerce o cargo comissionado ou a função de confiança e a autoridade do Poder Público, não se pode condicionar o ingresso apenas à aprovação em concurso público, sob pena de se esvaziar as suas atribuições, que são de grande responsabilidade. Por isso é que a Constituição da República, em seu artigo 37, incisos II e V, garante a livre nomeação para tais cargos e funções, ao alvedrio da autoridade competente. Desse modo, nada mais natural que o nepotismo ocorra nas nomeações para cargos comissionados e funções de confiança, porque os parentes gozam entre si de laços de confiança. Rodrigo Andreotti Musetti elucida que: Decorrência lógica e constitucional (e, portanto, autorizado

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pela lei máxima do País) da livre nomeação é a escolha de parentes (esposa, pai, irmão, filho) para ocuparem cargos de confiança ou em comissão, salvo casos excepcionais em que o detentor do poder tenha mais confiança em alguém fora da família do que nela própria!21 Além dos requisitos exigidos para o ingresso nos cargos efetivos, quais sejam competência para o exercício das atribuições e respeito aos princípios regentes da Administração Pública, é indispensável que quem exerce cargo comissionado ou função de confiança detenha bom conceito junto à autoridade pública, seja pessoa de sua plena confiança. Nesse sentido, continua o precitado autor: O fundamento histórico e prático desses cargos é a necessidade, reconhecida pelo Poder Constituinte, dos chefes dos poderes possuírem pessoas de sua extrema confiança para ocuparem cargos de direção, chefia e assessoramento a eles subordinados. Se assim não fosse, ou seja, se o Poder Constituinte não garantisse a existência destes cargos de confiança, a qualidade do serviço público e a estabilidade político-administrativa do Poder Público estariam em constante perigo, à mercê de inúmeras investidas por parte de funcionários que, embora estáveis e concursados, poderiam estar comprometidos com interesses político-partidários mesquinhos, sem nenhum compromisso como o bem comum — finalidade da Administração Pública. É por este motivo que o requisito constitucional direto para a investidura deste cargo é a livre nomeação; o indireto é a plena confiança

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na pessoa que irá ocupá-lo (art. 37, II da CF). Frise-se e reitere-se que a Lei maior do País dispõe que estes cargos serão de livre nomeação; o requisito indireto é apresentado pela doutrina. Segundo a doutrina clássica do Direito Administrativo, cargo em comissão destina-se às funções de confiança dos superiores hierárquicos; não confere estabilidade a seu ocupante, podendo este ser demissível ad nutum a critério do poder público.22 A relação de confiança, que caracteriza os cargos de comissão e as funções gratificadas e justifica a livre nomeação e a livre exoneração, é também a causa do nepotismo. Destarte, para se erradicar o nepotismo, necessário seria vedar a livre nomeação, impondo para todos os ingressos no serviço público o concurso público. Em sendo assim, todavia, não mais existirá a relação de confiança entre o servidor que exerce cargo em comissão ou função de confiança e a autoridade pública e as atribuições desses cargos e funções estarão equiparadas, em grau de responsabilidade, às dos cargos efetivos. Assim, levando-se às últimas consequências a vedação do nepotismo por si só, restariam extintos, na estrutura funcional do Estado, os cargos em comissão e as funções de confiança. Somente assim se impediria que as autoridades nomeantes empregassem seus parentes no serviço público, atitude que per se tem sido considerada ilícita e imoral. À mesma conclusão chegou o já citado Roberto Wanderley Nogueira, in verbis: Com efeito, se se quiser de verdade eliminar da cena insti-

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tucional brasileira a prática do nepotismo só há duas alternativas igualmente esclarecidas e potencialmente eficazes a seguir: a primeira delas diz respeito à eliminação, na estrutura funcional do Estado, em todos os seus segmentos e hierarquias, da figura jurídica do “cargo comissionado” ou “de confiança”; ...23 Medida tão drástica, contudo, embora eficaz para as nomeações de cargos e funções públicos, não atingiria o objetivo desejado, qual seja evitar o empreguismo, o aproveitamento de parentes em serviço público e o favorecimento indevido de poucos em detrimento da coletividade. É que a causa da imoralidade administrativa, no enfoque ora estudado, não reside apenas na prerrogativa de livre nomeação e exoneração de servidores, mas no caráter das pessoas investidas de Poder Público. Não importa quantos entraves o Direito possa criar à conduta ilícita, imoral e corrupta, sempre se pode subverter a ordem vigente, como aduz Roberto Wanderley Nogueira: Mesmo agora em que o STF decidiu por conferir elastério à vedação para valer em todos os segmentos da estrutura do Estado brasileiro, sucede que não será jamais possível evitar o fenômeno, porque ele pode ser invariavelmente travestido. Exemplo disso é a possibilidade de “troca” com a iniciativa privada. O parente do agente público vai trabalhar em alguma empresa do conhecimento daquele que ocupará o cargo comissionado no serviço público e o quadro continuará, portanto, rigorosamente inalterado. O salário daquele pode, inclusive, ser bancado por este. Nesse caso, quem haverá

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de regular também esse espaço afeto à autonomia da vontade? Quais os mecanismos de resistência contra uma tal forma de nepotismo disfarçado?24 Por isso, é imprescindível a análise de cada caso concreto, não apenas de nomeação de servidores públicos, mas de todos os atos administrativos, perquirindo suas especificidades, suas finalidades e seus efeitos. Apenas dessa forma aproxima-se de um controle mais eficaz da moralidade na Administração Pública. Note-se que não se trata de controle apriorístico, feito pela edição de normas e súmulas gerais e abstratas, aplicáveis a todas as hipóteses indefinidamente, mas sim de exame apurado de cada situação fática. Tal controle perpassa ainda pelo princípio da razoabilidade, apurando-se, em cada caso, o que está, ou não, dentro dos limites do aceitável. Nos dizeres de Celso Antônio Bandeira de Mello: Enuncia-se com este princípio que a Administração, ao atuar no exercício de discrição, terá de obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em sintonia com o senso normal de pessoas equilibradas e respeitosas das finalidades que presidiram a outorga da competência exercida. Vale dizer: pretende-se colocar em claro que não serão apenas inconvenientes, mas também ilegítimas — e, portanto, jurisdicionalmente invalidáveis —, as condutas desarrazoadas, bizarras,

incoerentes ou praticadas com desconsideração às situações e circunstâncias que seriam atendidas por quem tivesse atributos normais de prudência, sensatez e disposição de acatamento às finalidades da lei atributiva da discrição manejada.25 Assim, a moralidade das nomeações de servidores para cargos em comissão ou funções de confiança pode ser aferida pela sua razoabilidade. Na análise de cada caso, deve-se indagar se é ou não razoável a nomeação. Em outras palavras, no caso concreto, se é aceitável ou não a nomeação de um parente da autoridade nomeante ou de servidor investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento para exercer cargo comissionado ou função de confiança. Haverá casos em que a imoralidade será patente, seja pelo número exacerbado de parentes que ocupam cargos públicos em determinado ente federativo seja pela incapacidade e inabilidade gritante do servidor para o exercício das atribuições do seu cargo ou por outros motivos que revelem a irrazoabilidade da nomeação. Roberto Wanderley Nogueira, acompanhando o raciocínio, assevera, como forma de mitigação das imoralidades envolvendo o nepotismo, “o princípio constitucionalmente ativo da razoabilidade, pelo qual se reclama que a maior gravidade se situa no plano dos abusos, motivo pelo qual comporta disciplinar a possibilidade dessa prática para

que dela não se venha abusar sob alegação de lacuna ou obscuridade do próprio sistema jurídico”.26 Por todo o exposto, resta-nos concordar com as conclusões de Ivan Barbosa Rigolin: O nepotismo desenfreado ou descontrolado, à luz do direito, sem direito ou apesar do direito, é um mal — o que se imagina fora de discussão. Determinados exercícios de nepotismo entretanto, ante o direito objetivo e desapaixonado que precisa informar o juízo crítico de todo profissional da área jurídica, não padece da mesma negativa configuração — amparados expressamente como estão pelo próprio texto constitucional. E investir de forma indiscriminada e generalizante contra todo e qualquer ato de nepotismo, a julgar pelo só que existe até este momento em nosso ordenamento jurídico parece-nos constituir atitude pouco técnica, e perigosamente tendente a um moralismo que nem sempre conduz à técnica, fria, constitucional e, para nós, verdadeira moralidade.27 Assenta-se que a conduta guerreada por todos não é o nepotismo, mas sim os abusos que o cercam, a corrupção, a concessão de vantagens indevidas, o empreguismo. Atos estes que são combatidos não apenas com a edição de leis e súmulas vinculantes, mas com controle efetivo encabeçado pelo Judiciário, que deve proceder à análise circunstanciada de cada caso.

NOTAS 1 GARCIA, Emerson. O nepotismo. JAM Jurídica, Salvador, ano 11, n. 4, p. 1-9, abr. 2006. 2 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa, século XXI. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. 2127 p. 3 GARCIA, ob. cit. 4 VASCONCELOS, Telmo da Silva. O princípio constitucional da moralidade e o nepotismo. L&C Revista de Direito e Administração Pública, Brasília, ano 5, n. 50, p. 27-30, ago. 2002. 5 RIGOLIN, Ivan Barbosa. Sobre o nepotismo: uma reflexão sobre moralidade e moralismo. Fórum Administrativo – Direito Público – FA, Belo Horizonte, ano 7, n. 80, p. 10-15, out. 2007. 6 RIGOLIN, ob. cit.

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7 FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Súmula Vinculante e a Lei nº 11.417, de 2006: apontamentos para compreensão do tema. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, Belo Horizonte, ano 5, n. 16, p. 111-123, jan./mar. 2007. 8 ALMEIDA, Dayse Coelho de. Súmula Vinculante. ADV Seleções Jurídicas, Rio de Janeiro, p. 13-17, jul. 2005. 9 MUJALLI, Walter Brasil. Administração pública: servidor e serviço público. Campinas: Bookseller, 1997. v. 1, p. 142. 10 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 16. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 516. 11 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 417-418. 12 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 18. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 236. 13 MENDES, Gilmar Ferreira. Disponível em: <http://www.radiojustica.gov.br/home/#> Acesso em: 02 set. 2008. 14 BRITTO, Carlos Ayres. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=94714>. Acesso em: 02 set. 2008. 15 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 16. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 498. 16 FERRAZ, Luciano de Araújo. Ofício CTGM 164/2008. Belo Horizonte, 01 set. 2008. 17 Processo Crime de Competência Originária nº 1.0000.05.426832-1/000, Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Rel. Desembargador Reynaldo Ximenes Carneiro, DJ, 21 mar. 2007. 18 Agravo nº 1.0344.07.037232-3/001, Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Rel. Desembargadora Maria Elza, DJ, 05 ago. 2008. 19 Apelação Cível nº 2003.025558-3, Primeira Câmara de Direito Público, Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Rel. Desembargador Nicanor Silveira, DJ, 24 nov. 2005. 20 NOGUEIRA, Roberto Wanderley. Constituição federal não veda a prática do nepotismo. Consultor Jurídico. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2008-set-30/constituicao_federal_nao_ proibe_pratica_nepotismo>. Acesso em: 13 jan. 2008. 21 MUSETTI, Rodrigo Andreotti. O nepotismo legal e moral nos cargos em comissão da administração pública. Revista de Direitos Difusos, São Paulo, v. 2, n. 10, p. 1355-1363, dez. 2001. 22 MUSETTI, ob. cit. 23 NOGUEIRA, ob. cit. 24 NOGUEIRA, ob. cit. 25 MELLO, ob. cit. 26 NOGUEIRA, ob. cit. 27 RIGOLIN, ob. cit.

ABSTRACT Nepotism in the view of the binding precedent of the Supreme Court No. 13: criticisms Etymologically, the word nepotism comes from the Latin Nepos, which means grandson, descended to posterity, and nepotism, sobrinho.O present study aims to investigate the controversial aspects of nepotism not only within the law, which concerns its legality and constitutionality, but especially popular in the parlor, where the discussion takes ethical nuances. Given the binding precedent was established in the Constitution of the Republic, by Constitutional Amendment No. 45/04, as an instrument of pacification of disputes in case law, emanating from repeated decisions of the Supreme Court on some constitutional matters Keywords: nepotism law, legality and constitutionality, binding precedent

RESUMEN El nepotismo en el punto de vista de los precedentes vinculantes de la Corte Suprema N º 13: críticas y propuestas Etimológicamente, el nepotismo palabra viene del latín Nepote, lo que significa nieto, descendió a la posteridad, y el nepotismo, sobrinho.O presente estudio tiene como objetivo investigar los aspectos polémicos de nepotismo no sólo dentro de la ley, que se refiere a su legalidad y la constitucionalidad, pero sobre todo popular en la sala, donde la discusión se lleva matices éticos. Teniendo en cuenta el precedente vinculante establecido en la Constitución de la República, por 45/04 Enmienda Constitucional N º, como un instrumento de pacificación de los conflictos en la jurisprudencia, que emana de las reiteradas decisiones de la Corte Suprema sobre algunas cuestiones constitucionales Palabras clave: ley sobre el nepotismo, la legalidad y constitucionalidade, los precedentes vinculantes

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FINANÇAS MUNICIPAIS

Os créditos extraordinários. Os passivos contingenciais – A reserva de contingência Heraldo da Costa Reis Professor da Faculdade de Administração e Ciências Contábeis da UFRJ Coordenador do Centro de Estudos Interdisciplinares de Finanças Municipais ENSUR/IBAM

A constante incidência, em diferentes áreas do nosso país, de enchentes, de secas e de outros fatos nos entristecem. Embora sejam realidades e não resultem, na maioria das vezes, da ação volitiva do homem, traduzem problemas que afligem populações urbanas e não urbanas dos nossos Municípios, com efeitos graves sobre as finanças locais e, por extensão, às demais esferas governamentais. Nestas horas, em vez de atacar ou de apontar erros dos governos, não importando a esfera em que se localizem, deve-se indicar caminhos que levem a soluções que possam pelo menos minorar as consequências funestas e prevenir para que esses fatos não venham a abalar o espírito do cidadão. Apesar do cumprimento de suas obrigações tributárias, ele se vê dependendo da mobilização dos que se mostram solidários com o seu sofrimento, como se testemunha ultimamente. Que tipo, então, de enfrentamento é possível indicar para um problema atribuído quase exclusivamente a alterações climáticas, como os que vêm ocorrendo em várias regiões do país, afligindo a população brasileira? A Lei Complementar nº 101/2000 dispõe, no seu artigo 5º, III, sobre a obrigatoriedade da constituição de uma reserva de contingência orça-

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mentária. A forma de utilização e o montante, definidos com base na receita líquida, serão estabelecidos na Lei de Diretrizes Orçamentárias do Município, destinados ao atendimento de passivos contingentes e a outros riscos e eventos fiscais imprevistos. A lei menciona duas situações distintas que podem ser atendidas pela reserva de contingência, quais sejam: passivos contingentes e outros riscos e eventos fiscais imprevistos. Os primeiros podem decorrer da imprevisibilidade e os demais, das imprevisões. Entretanto, não basta a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) estabelecer a regra. A LDO não tem a força de uma lei ordinária para poder dispor sobre a obrigação de se incluir tal programa de trabalho, como faz a própria Constituição da República no que respeita à obrigatoriedade de aplicações mínimas nas áreas da educação e da saúde. Evidentemente, está-se falando de atuação governamental na área das políticas voltadas ao problema que ora se enfoca, as quais se refletirão no orçamento e nas finanças governamentais. Isso implica conhecimento prévio da situação e dos recursos de que a administração poderá dispor para a concretização do objetivo de evitar que tragédias de proporções semelhantes, ou até

mesmo em dimensões menores, venham a ocorrer. As ações resultantes das políticas estruturadas para o problema podem ser assim classificadas: a) as que se destinam a implementar soluções para a situação já existente; b) as que se destinam a prevenir e evitar tragédias, como as presenciadas em ocasiões diversas. Para as primeiras, a legislação pertinente indica o crédito extraordinário, conforme se verifica na Lei nº 4.320/64, no capítulo dos créditos adicionais, e no art. 167, § 3º da Constituição da República, que implica providências urgentes, por parte do Poder Executivo, de qualquer esfera governamental, em ato próprio, o Decreto ou outro normativo definido em lei, para a sua abertura, quais sejam: •฀ caracterização฀ do฀ fato฀ como฀ calamidade pública ou situação de emergência, o que dependerá da sua extensão; •฀ diagnóstico฀ dos฀ efeitos฀ do฀ fenômeno identificado; •฀deinição฀das฀ações฀pertinentes฀ à situação; •฀ previsão฀ de฀ custos฀ para฀ as฀ ações que se fizerem necessárias

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ao atendimento da situação caracterizada; •฀ elaboração฀ do฀ programa฀ de฀ trabalho a ser executado; •฀previsão,฀em฀dispositivo฀próprio฀฀ no Decreto, de abertura do crédito extraordinário, de autorização para abertura de crédito adicional suplementar, com estabelecimento de limite em percentual ou em valor absoluto, caso as dotações provisionadas para as despesas sejam insuficientes para as respectivas realizações. Evidentemente, por se tratar de uma situação de exceção, a realização dos gastos previstos no crédito extraordinário independe de outras formalidades exigidas pela legislação em situação normal, o que não significa que a administração se descuidará do necessário controle que deve manter sobre os gastos. Uma vez atendida a situação, o prefeito deverá preparar a respectiva prestação de contas – cuja composição será formada pelo ato de abertura e pelos documentos comerciais comprobatórios das despesas realizadas –, e apresentá-la ao Poder Legislativo respectivo da unidade Federativa para submetê-la ao crivo e à aprovação daquele órgão, para a transformação em lei. A vigência do crédito extraordinário vai da data da sua abertura ao dia 31 de dezembro do exercício financeiro de origem, salvo se o ato de abertura se der em um dos últimos quatro meses desse exercício. Sendo assim, poderá ter a sua vigência estendida para o exercício seguinte para o qual poderá ser transferido. É certo que a situação excepcional produzirá efeitos negativos sobre a receita da entidade governamental, o que implicará providências da sua administração no sentido de absorver o impacto sem prejudicar a execução de outros gastos necessários à manutenção e ao funcionamento das suas atividades administrativas.

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FINANÇAS MUNICIPAIS Daí os gastos do crédito extraordinário poderem ser absorvidos pela reserva de contingência, que já deverá estar autorizada no orçamento do exercício financeiro para o qual fora elaborado, de acordo com as normas estabelecidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias ou em lei ordinária, conforme se recomendou. Outras providências poderão ser adotadas no sentido de preservar o equilíbrio nas contas governamentais, tais como redução de gastos de menor prioridade e, constatada a possibilidade, não assumir novas obrigações de pagamento. Para as ações classificadas no item b, no que respeita às situações decorrentes de alterações climáticas, já há estudos que indicam caminhos da prevenção, o que leva a refletir sobre as justificativas da não inclusão de programas de trabalho no orçamento para esse tipo de problema. Em realidade, defende-se aqui um planejamento prévio e sério, que envolva todas as situações – problemas que possam vir a ocorrer no Município. No que respeita à situação aqui enfocada, são necessários alguns passos para que as ações governamentais possam constar já do orçamento governamental, tais como se descreve a seguir. Primeiro, dependendo da região em que se localize, é preciso diagnosticar a natureza do problema que se quer enfrentar – seca ou enchente – e o período em que se concretiza. Após a identificação das causas do problema, estruturar as possíveis ações preventivas (contenção de encostas, construção de moradias, de represas ou de açudes, e outras), que serão programadas com metas de curto, de médio e de longo prazos, nas respectivas execuções, incluídos os recursos destinados à mão de obra, equipamentos, materiais e outros itens que possibilitem evitar, prevenir ou, pelo menos, minimizar os castigos que a natureza vem aplicando a parcelas cada vez maiores da população.

Finanças Municipais

É evidente que se fala de um programa de trabalho que deve ser elaborado obrigatoriamente pelas esferas governamentais envolvidas e de forma integrada. Entretanto, sabe-se que um plano não pode ser executado apenas porque se quer, ainda que incluídos os recursos mencionados. É necessário fazer a previsão de recursos financeiros que possibilitarão a execução do programa. Mas, aqui, chega-se a um dilema: de onde tirar esses recursos? Instituir impostos? Taxas de prevenção de secas ou de enchentes? Buscar os recursos nas transferências constitucionais ou em outras fontes? A decisão cabe à esfera governamental responsável pelo programa de trabalho. No que respeita à vinculação de parcelas de impostos ao programa de trabalho de prevenção tratado neste texto, deve-se observar o prescrito no art. 167, IV, da Constituição Federal, o que não impede o Congresso de votar uma Emenda no sentido de instituir a vinculação, como ocorre com as demais vinculações ali autorizadas. Concretizada, por lei, a vinculação de certas receitas ao programa de trabalho, a gestão financeira das entidades envolvidas cuidará de formalizar o banco onde os recursos financeiros serão depositados para a formação do lastro financeiro necessário aos pagamentos das obrigações surgidas com a execução do programa de trabalho. Conclui-se portanto que, apesar da nobreza dos gestos de solidariedade que se constatam nas ocasiões de sofrimento e de dor de parcelas da população, estes não podem ser a ajuda principal para quem for vitimados por qualquer imprevisto. Os poderes públicos, sim, é que possuem os mecanismos disponíveis para pelo menos atenuar as consequências que possam advir de situações como as que serviram de motivação para a elaboração deste texto.

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PLANO DIRETOR

Plano diretor do Campus Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro: planejamento físicoterritorial e identidade em um espaço para o ensino Leo Name Arquiteto e urbanista, doutor em Geografia (UFRJ), professor adjunto do Departamento de Geografia da PUC/Rio e professor substituto do Departamento de Urbanismo da UFF leoname@terra.com.br Priscylla Freiria Valladares Arquiteta e urbanista, mestranda em Engenharia Urbana (Poli-UFRJ) e assistente de Coordenação do Instituto Terrazul pfreiria@gmail.com

RESUMO Este artigo tem por objetivo apresentar as principais questões relacionadas à elaboração e ao conteúdo do “Plano Diretor do Campus Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro (PD-ISERJ)”. Tendo em vista ordenamento físico-territorial do Campus, o referido plano diretor objetiva resgatar a identidade (social e espacial) do educador profissional e a missão de “laboratório pedagógico” que é inerente ao projeto original do Campus, sob influência do ideário do movimento que ficou conhecido como “Escola Nova”. Para isso, o plano diretor define objetivos e diretrizes que claramente nos próximos anos irão guiar as ações projetuais de arquitetura (inclusive projetos de restauração) e paisagismo. Palavras-chave: plano diretor, ISERJ, identidade, planejamento físico-territorial.

INTRODUÇÃO O presente artigo objetiva apresentar algumas questões relativas ao Plano Diretor do Campus do Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro (PD-ISERJ). Com aproximadamente 37.000 m2 e localizado à Rua Mariz e Barros, 273, no bairro da Tijuca, cidade do Rio de Janeiro, trata-se de um bem tom-

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bado pelos órgãos de patrimônio estadual e municipal. O Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac) decretou tombamento do campus em 1965, enquanto o tombamento da Secretaria Extraordinária de Promoção, Defesa, Desenvolvimento e Revitalização do Patrimônio e da Memória Histórico-Cultural da Cidade do Rio de Janeiro (Sedrepahc) é mais recente, de 2001, contemplando

suas edificações originais. Exigido por estes órgãos, que há tempos vinham percebendo sua necessidade, o PD-ISERJ foi concluído em março de 2009 por equipe do Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM),1 que executou o trabalho por assessoria técnica doada à Fundação de Apoio à Escola Técnica (Faetec), a mantenedora do ISERJ.2 O PD-ISERJ é o instrumen-

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to básico de ordenamento do espaço físico do Campus ISERJ e de orientação para a preservação do patrimônio tombado, caracterizando-se como documento essencial para a gestão e a tomada de decisões pelas instituições direta ou indiretamente vinculadas a este espaço. É um importante instrumento que orienta as práticas projetuais e administrativas no Campus ISERJ desde o momento de sua conclusão. Se por um lado o PD-ISERJ, por sua vinculação a uma instituição, não é apresentado em forma de lei (como no caso dos planos diretores municipais exigidos pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Cidade), o que lhe daria um caráter mais explícito de norma, por outro é instrumento norteador de qualquer intervenção física futura. Ele é um documento elaborado por meio de um profícuo diálogo com os variados setores da instituição, a mantenedora (Faetec) e os órgãos de patrimônio (Inepac e Sedrepahc). Neste sentido, deve ser entendido como o resultado de um pacto social que, por isso, condiciona que quaisquer projetos ou intervenções nas áreas de arquitetura (inclusive restauro) ou de paisagismo obrigatoriamente o tenham como referência. Em outras palavras, mesmo que não tenha sido concebido para ser um plano que defina explicitamente projetos e obras, o PD-ISERJ é o norteador principal justamente destes projetos e obras, por explicitar desejos, conflitos e expectativas em relação ao espaço em foco, que se desdobram em várias diretrizes e ações, pactuadas por todos. Nesse sentido, o processo de pesquisa de documentação e de levantamentos de campo, à época da fase de diagnóstico do

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PLANO DIRETOR PD-ISERJ, apontou para a definição de diretrizes e de ações visando à retomada do campus como laboratório pedagógico. Essa função fora desejada desde seu projeto e construção, mais ainda no exercício das suas atividades, por conta de estreita vinculação com o ideário da Escola Nova – o que será esclarecido ao longo do artigo. Para isso, o PD-ISERJ indica diretrizes de acessibilidade, de unidade e de legibilidade – preocupando-se com circulação livre de obstáculos em todas as áreas do Campus, de modo que seu conjunto, com muitas edificações de extrema diversidade tipológica e arquitetônica, e implantadas em espaço relativamente reduzido, possa de fato ser vislumbrado. Além disso, delimita duas áreas que poderão abrigar atividades que necessitem ser transferidas e novas edificações para futuras demandas. O PD-ISERJ também define os respectivos critérios de ocupação a serem considerados nestas áreas, de modo a permitir que seja estimado o potencial construtivo máximo do Campus. Dito de outro modo: se não projeta espaços exteriores nem edificações, o PD-ISERJ alimenta futuras intervenções paisagísticas (consideradas prioritárias, inclusive visando à valorização do conjunto tombado) e claramente determina o quanto e onde se pode construir. Primeiramente, será apresentada a rede física do Campus e o espaço construído correlacionado ao histórico do Movimento dos Pioneiros da Escola Nova. Em seguida, exibidos os desafios considerados no Plano Diretor no que diz respeito à escala do Campus como um todo, seguindo-se a apresentação dos desafios na escala das edificações. Por fim, serão elencadas as principais propostas do Plano Diretor do

Plano Diretor

Instituto Superior de Educação (PD-ISERJ). CARACTERIZAÇÃO DA REDE FÍSICA DO CAMPUS ISERJ A ESCOLA NOVA E A CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE E DE UM LABORATÓRIO PEDAGÓGICO Ainda chamando-se simplesmente Escola Normal, que em anos anteriores havia se instalado de forma provisória e até mesmo improvisada em edifícios preexistentes da então capital federal, o Instituto de Educação passou a funcionar no atual campus em 1930, quando foi ocupado o expressivo conjunto de edifícios construído a partir do projeto dos arquitetos José Cortez e Ângelo Bruhns, vencedores de concurso público organizado pela Prefeitura dois anos antes. Trata-se de valoroso exemplo arquitetônico do movimento denominado “neocolonial”:3 Sua edificação hoje referida como “Edifício Principal”, assim como seus anexos (Anexo do Teatro e Anexo do Ginásio), com certeza são, junto com a imagem da normalista, o mais expressivo capital simbólico do Instituto de Educação, seja por ser valor comumente reconhecido por professores e funcionários seja pela cristalização de sua imagem junto aos habitantes da cidade do Rio de Janeiro e até mesmo do restante do país. O que, não seria exagero dizer, foi intensificado por uma influência midiática externa: quando a Rede Globo exibiu a minissérie Anos Dourados,4 em 1986, o Instituto de Educação se tornou ainda mais notório. Marco da televisão brasileira, que obteve grande audiência à época, a minissérie contribuiu para a projeção da

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imagem da instituição – inclusive de sua função primordial de formação de professores. Dessa forma, ficaram ainda mais conhecidos o até hoje famoso uniforme das normalistas e as formas e as instalações de sua arquitetura (Figura 1). As instalações originais expressam clara preocupação em se ter uma arquitetura de excelência voltada especificamente ao ensino, ecoando os ideais em voga que, dois anos após sua ocupação, em 1932, norteariam o chamado “Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova”, marco da história da educação no Brasil. Tal filosofia de educação possuiu clara dimensão espacial, concretizada por meio dos muitos Institutos de Educação implantados Brasil afora, e, particularmente, na defesa de que suas edificações e espaços exteriores deveriam configurar um “laboratório pedagógico”. Isto é, deveriam ser locus para a prática e para a experimentação voltadas ao ensino. O intuito é se distanciar ao máximo do ensino religioso e do modelo das salas-auditório ocupadas por alunos passivos, a maioria das vezes instaladas em quaisquer edificações não planejadas para o uso educativo. Esta dimensão espacial do “laboratório pedagógico” foi o que em grande medida definiu, e que até hoje define, a identidade do educador profissional e a missão da formação de professores. Ao longo dos anos, o Campus ISERJ foi ocupado por uma série de novos edifícios5 – a Figura 2 apresenta a rede física do Campus, também esclarecida pelo subsequente Quadro I. A Figura 3 é colagem de fotos de algumas de suas principais edificações. Alguns desses edifícios mantiveram a destinação educacional e

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Figura 1 Imagens da minissérie Anos Dourados, que tinha como principal locação o Campus ISERJ.

Fonte: Captura do DVD original da minissérie.

a excelência construtiva, mesmo que por diferentes tipologias arquitetônicas. Outros, porém, são edificações precárias, seja pela inadequação do uso em relação às atividades fim do Campus ou à tipologia da edificação, por serem acréscimos ou elementos contrastantes em relação ao conjunto, seja por sua baixa qualidade construtiva. Soma-se a tudo isto certo

descuido dos espaços exteriores e sua compartimentação por meio de muros, de grades e de variados tipos de limites físicos, o que torna o percurso externo por todo o espaço e a contemplação do seu acervo arquitetônico e paisagístico praticamente impossível. O ano de 1930, da ocupação do Edifício Principal e seus anexos, é marcante na história bra-

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Quadro I: Síntese da Caracterização das Ediicações do Campus ISERJ

Fonte: PD-ISERJ

sileira. Foi nesse momento que o movimento armado, liderado por forças políticas dos estados do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais, conduziu a tomada do poder por Getúlio Vargas. Justamente por isso, o edifício precisou ser ocupado às pressas, pois boatos contavam que tropas

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da “revolução” se instalariam em qualquer edificação vazia que encontrassem. A década anterior assentara o terreno para situações de conflito dessa natureza, que se estenderiam por muitos anos. Como apontado por Lopes (2003), a década foi marcada por diversos

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fatos, como a Semana de Arte Moderna (1922), o Movimento dos 18 do Forte (1922), a Revolta Tenentista (1924) e a Coluna Prestes (1924 a 1927), e conformou um embate interno de uma geração de intelectuais de visões ideológicas distintas. Eles colocavam em lados opostos a

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(continuação do Quadro I)

manutenção da ordem e da tradição e a opção pelo novo e pelo moderno. Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira e Lourenço Filho foram três dos muitos intelectuais que, ao lado daqueles que desejavam este “novo” e “moderno”, visavam moldar nova identidade nacional que pudesse levar o país à “modernidade” cada vez mais almejada. Também foram três dos

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principais nomes – no total de 26 signatários – que em 1932 assinaram o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. Chamados também de “renovadores”, os intelectuais da Escola Nova uniram saberes tão distintos quanto o jurídico e o médico e concepções tanto de esquerda quanto de direita no projeto coletivo de uma nova forma de educar.

Os renovadores eram os representantes, na área da educação, dos muitos movimentos intelectuais que, na primeira metade do século XX, procuravam libertar certo Brasil tradicional e rural de seus inerentes arcaísmos, inserindo-o no processo “civilizatório” e fazendo-o rumar para uma feição mais “universal”, “moderna”, “industrial” e “urbana”. Eclodiam

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(continuação do Quadro I)

várias idealizações para uma nova identidade nacional para o país, cuja meta era o progresso contínuo e da qual necessariamente seriam retirados os elementos do passado colonial. Mesmo que imbuídos de algum nível de eurocentrismo,6 por terem a esmagadora maioria de seus alicerces políticos e teóricos na Europa e/ou nos Estados Unidos, os educadores ao mesmo tempo defendiam um ideário de nação cuja espinha dorsal seria justamente a educação pública, laica, obrigatória, gratuita e igual para todos. A renovação nacional se daria, inclusive no que diz respeito à nova construção identitária, por meio da educação (Almeida Filho, 2006). Nunes (1998) aponta que para esta geração a universidade não era o local exclusivo nem muito menos o mais importante da formação intelectual, mas

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sim a escola, que deveria ter seu monopólio retirado das instituições católicas. Acreditava-se também que a criança deveria ser nela inserida não por mera iniciativa da família que quisesse lhe conceder mais erudição, mas como desejo de um Estado que pensava um futuro melhor para o país a partir de cidadãos livres e mais preparados. Nesse sentido, a figura do educador profissional surge como a do executor de missão renovadora da sociedade brasileira, tendo como locus de atuação o Instituto de Educação – modelo que não se restringiu somente ao Rio de Janeiro –, cujos currículos e instalações, em clara contraposição ao ensino religioso, eram preenchidos por todas as conquistas da ciência do século XIX, particularmente os equipamentos e os saberes da Biologia, Psicologia e Estatística aplicadas ao ensino, somadas ao

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ensino da arte em aulas de desenho e de pintura nas chamadas salas-ambientes (Figura 4).7 Toda esta filosofia da educação se materializa nos espaços do Instituto de Educação carioca, que serviu de modelo para outros do país. A despeito de sua expressão arquitetônica, que representa claramente os conflitos de diferentes ideários políticos, estéticos, educacionais e arquitetônicos do período,8 o edifício do Rio de Janeiro tinha como meta uma mudança do habitus pedagógico: seu currículo previa 16 anos de estudo – o aluno entraria no jardim de infância e sairia da escola professor. E, para além dessa excelência na formação de professores cidadãos, a transformação também deveria se realizar por boa forma dos espaços, planejados para tal fim, e também do seu aparelhamento tecnológico. Espaços exteriores e

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Figura 2 Rede Física do Campus ISERJ.

Fonte: PD-ISERJ.

construídos como os do Instituto de Educação do Rio de Janeiro eram, por um lado, a tradução física de um ideário, e, por outro, condicionantes para a gradativa construção, simbólica mas nem por isso desprovida de força e permanência, da identidade social do educador profissional brasileiro. Evidentemente, não há existência concreta ou material das identidades, mas elas podem muito bem ser percebidas, definidas, buscadas e combatidas. Necessariamente tratam de relações de poder, semelhanças ou igualdades, que levam a caracterizações e hierarquizações. Ao mesmo tempo, apenas se definem em relação a outras iden-

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tidades, por meio de interações variadas e de valorizações ou desvalorizações mútuas (Haesbaert, 1999, p. 173-175). Têm relação também com uma indissociável busca por reconhecimento que somente se faz frente à alteridade (Taylor,1994): dá-se no encontro e no embate com o Outro, tanto no diálogo quanto no conflito. Nesse sentido, a identidade do educador profissional idealizada pela Escola Nova se realiza por intermédio do contato constante com outros educadores profissionais e com os alunos nos espaços escolares, sempre em contraposição à forma de ensino notadamente religioso e/ou em espaços improvisados anteriormente ministrada no

Brasil colonial e do Império. Tal nova identidade se alinha à idealização de uma também nova e moderna identidade nacional que se assenta sobre desejos de modernização e progresso, tanto no sentido do aprimoramento pessoal e intransferível, mas muito mais fortemente da sociedade brasileira como um todo.9 Em nome da educação nova, rejeita-se a instrução abstrata, artificial e verbal, e apela-se à participação efetiva da criança, a partir da inserção, no espaço construído especialmente para as novas escolas, de atividades manuais, intelectuais e sociais que serão parte do currículo e do cotidiano do aluno (Azevedo, 1930, p. 167172; Teixeira, 1997 [1935]). A

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Figura 3

De cima para baixo e da esquerda para a direita: a fachada principal à Rua Mariz e Barros, do Edifício Principal; construção irregular e de baixo padrão construtivo sobre colunata de edifício principal, que abriga o Refeitório; área de recreação junto ao edifício da Pré-Escola; vista da entrada da Vila Machado Bastos; vista dos fundos do Pavilhão Anísio Teixeira; Arquibancada, tendo ao fundo o Anexo do Ginásio; edifício da Manutenção. Fonte: Centro de Memória Institucional do ISERJ /IBAM.

vida ao ar livre é também parte do ensino, havendo adaptações de acordo com o contexto físico da localização das escolas: pesca em escolas litorâneas; agricultura em escolas rurais; passeios nas cidades das escolas mais urbanas – o ensino que prepara o cidadão para a democracia

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não se dá somente em espaços fechados. Em outras palavras, a escola seria um grande laboratório pedagógico e, para isso, seus espaços externos e internos – onde se devem cultivar tanto o pensamento individual quanto o trabalho em cooperação, tanto a conduta e a ação individuais

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quanto os esportes coletivos – deveriam ser preparados e utilizados para tal fim. Diante de quadro tão contundentemente espacial, é possível se afirmar que a identidade social do educador profissional também foi construída como uma identidade espacial, por sua vez apoiada em dois espaços em escalas distintas: por um lado, ela se construiu pelo referente simbólico central que eram os Institutos de Educação sob o controle de um projeto de renovação; por outro, se direcionou à transformação da nação, influenciando e auxiliando o Estado no desenvolvimento de seu território e povo. Mas, se à época da Escola Nova a figura do educador profissional se estruturava a partir da invenção do novo e da projeção do futuro, esta mesma identidade, tanto social quanto espacial, se apresenta hoje no ISERJ, tanto como apego ao passado quanto como necessidade cada vez mais legítima e eminente de (re)construção de uma tradição. Pois como argumenta Hall (2006 [1992]), as identidades se apresentam com mais clareza justamente nos momentos em que se encontram ameaçadas ou em crise. Nossa observação de campo e as entrevistas com diversos funcionários, sobretudo professores, tornaram claro que boa parte desta sensação de crise tem estreita relação com o precário estado de conservação das edificações do Campus, seus espaços internos e externos, seja por falta de manutenção seja por intervenções físicas consideradas equivocadas (inclusive novas edificações e edículas). Do mesmo modo, é perceptível no desejo de organização territorial do Campus, traduzido pelo Plano Diretor, certo movimento de reconstrução identitária.

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Figura 4 Getúlio Vargas em visita a laboratório no Instituto de Educação (1934)

espaço, vivido e percebido como deteriorado, é entendido tanto como causa quanto efeito do enfraquecimento da identidade do educador profissional, ao passo que o movimento de ordenamento e revalorização espacial do Campus pela oportunidade do PD-ISERJ traz embutido o desejo de ordenamento e de revalorização dessa identidade. DESAFIOS A VENCER: SEGMENTAÇÃO DOS ESPAÇOS EXTERIORES E SUA CONFIGURAÇÃO COMO ESPAÇOS RESIDUAIS

No primeiro plano, uma normalista está diante dos, para a época moderníssimos, materiais e objetos de química Fonte: CPDOC/FGV. Arquivo Anísio Teixeira.

Por um lado, o estado atual dos espaços é efeito de processos que solapam a identidade do educador profissional: pouco investimento em educação ao longo de décadas na escala nacional; baixo repasse de verbas especificamente ao ISERJ na escala estadual; conflitos interinstitucionais; ataques e boicotes externos ao curso normal (hoje tendo sido elevado ao nível de graduação, mas ao mesmo tempo com sua abertura de vagas em vestibular

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paralisadas) e excessivo contingente de alunos são alguns dos muitos fatores que têm ocasionado efeitos considerados catastróficos. Por outro lado, a convivência cotidiana com o crescente abandono, o mau uso e a deterioração dos espaços contribui para a sensação também de abandono e de deterioração desta identidade. Pior ainda, a experiência destes espaços naturaliza a ideia de eminente extinção do educador profissional. Em outras palavras, o

O Campus ISERJ é conformado tanto por edificações quanto por espaços livres. Ou seja, por “cheios” e “vazios”, espaços construídos e não-construídos. Esses “vazios” são jardins e áreas esportivas e de recreação que, em geral, têm pouco uso e se encontram em estado de conservação muito ruim. Na concepção original do projeto, os espaços exteriores foram conscientemente projetados e posicionados de forma a entremear os edifícios. Esta conformação ofertava áreas de iluminação e de respiro por todo o Campus, como suspiros de luz e de ventilação que garantiam a qualidade para a oferta de atividades ao ar livre exigidas pelo ideário da Escola Nova. Atualmente, os espaços exteriores são, visivelmente, o resultado da disposição em momentos distintos de mais e mais edificações neste ambiente um tanto apertado. Jacobs (2007 [1961]) argumenta que a existência em si de um espaço livre – um parque, uma praça, uma área de lazer ou qualquer outro espaço exterior onde circulem pessoas – não garante a sua vitalidade e o seu uso, nem mesmo dos seus espaços circun-

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dantes. Um dos elementos valorizados pela autora é a complexidade dos espaços, referindo-se à diversidade de usos e de pessoas que confeririam diversidade de horários e de propósitos para sua utilização. Pode-se dizer que o Campus possui tal complexidade: a riqueza espacial se apresenta desde a variedade tipológica das edificações e a diversidade na utilização, pelas muitas atividades existentes no Campus, o que de fato propicia a circulação de uma rica multiplicidade de usuários. Entretanto, a diversidade de usos não se expressa tão claramente nos espaços não construídos por conta da distribuição dos fluxos no Campus: como consequência do bloqueio de determinados acessos à rua e do fechamento de alguns portões internos, a circulação se dá primordialmente por dentro do Edifício Principal, que distribui quase todos os fluxos para o exterior10 (Figura 5). Um segundo elemento considerado por Jacobs é a centralidade, que se refere a um elemento espacial central ou, mais precisamente, com hierarquia superior aos demais, para atuar como referência no espaço. Ele atua como polarizador dos usos e da legibilidade do espaço, sendo reconhecido por todos como o elemento de destaque. No Campus ISERJ, esse elemento é, mais uma vez, o Edifício Principal, visível na maioria dos espaços exteriores e que de fato serve como referência de localização para quem está dentro ou nas proximidades do Campus. Por fim, a autora afirma que a delimitação espacial é fator preponderante: os espaços exteriores são e devem ser conformados pelos edifícios, e não simplesmente formados a partir dos resíduos deixados pelas configurações dos espaços fechados. Pode-se afirmar

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PLANO DIRETOR que a despeito de no processo de expansão do Campus do Instituto de Educação ter havido em alguma medida a busca por oferecimento de edifícios de qualidade voltados especificamente para a educação, sobretudo no que diz respeito ao atendimento dos programas arquitetônicos refletidos na configuração e disposição dos compartimentos, alguns edifícios acrescidos ao longo do tempo foram dispostos e construídos sem que houvesse preocupação com a integração dos mesmos entre si e com os vazios por eles formados. Além disso, a utilização de cada uma das edificações se dá quase sempre de forma autônoma e segmentada. Os espaços e suas atividades são “voltados para dentro”, havendo também a segmentação do uso no cotidiano. Entre outros inúmeros problemas, chama atenção a concentração da recreação em espaços utilizados quase sempre apenas por um segmento específico do alunado. Por fim, somada à disposição aleatória dos edifícios ao longo do tempo e ao uso fracionado dos espaços, a farta utilização de muros e de grades cria fronteiras e descontinuidades visuais, impossibilitando um percurso contínuo nos espaços exteriores. Desse modo, o Campus se apresenta, hoje, como uma fragmentada e desconexa “colcha de retalhos” (Figura 6). Dito de forma sintética: Os espaços exteriores são espaços residuais. São o resultado de ações descontínuas e não planejadas, muitas visando ao atendimento de setores ou de atividades específicas, sem a menor preocupação com a conectividade com os demais espaços. Pode-se concluir que ao longo do tempo o estatuto das áreas exteriores passou de um valor inestimável, intrínseco

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à concepção de ensino, para um resquício deteriorado e subutilizado entre as edificações. Tais questões revelam também um gravíssimo problema de acessibilidade no Campus ISERJ: a impossibilidade de um percurso de forma fluida e contínua pelos espaços exteriores é inerente a qualquer usuário. A fragmentação dos espaços promove a segregação (de atividades, faixas etárias, educadores) e a exclusão (de determinados espaços a determinados grupos) naturalizadas, sendo inerentes ao cotidiano dos segmentos escolares que vivem encastelados em seus pequenos fragmentos do Campus. Além disso, da forma como hoje se apresenta, inacessível a qualquer pessoa que queira conhecê-lo por inteiro, o Campus ISERJ é ilegível como unidade, algo particularmente preocupante em se tratando de um bem tombado. MAIS DESAFIOS A VENCER: OS COMPARTIMENTOS INTERNOS TAMBÉM DETERIORADOS E SEGMENTADOS Durante o processo de trabalho foram realizados levantamentos minuciosos nos compartimentos das edificações do Campus, objetivando observar seu estado de conservação e o uso e as atividades exercidas. Avaliou-se sua equidade e a necessidade de ações projetuais referentes à manutenção e à recuperação física. As atividades foram avaliadas na sua forma de ocupação do espaço, observando-se sua relação ou não com as deteriorações encontradas. O resultado final do levantamento gerou plantas esquemáticas que apresentam os usos e as atividades em cada compartimento

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Figura 5 Acessos e Fluxos Atuais do Campus ISERJ.

Fonte: PD-ISERJ.

de cada edificação e o grau de conservação de cada um deles.11 Os levantamentos apontaram vários problemas. Foi percebido, como o principal deles, que as obras executadas ano a ano, sobretudo pintura de paredes e tetos, são utilizadas como disfarce para infiltrações de toda ordem, o que é, além de tecnicamente ineficiente, desperdício de verba pública. Outro fator importante: os compartimentos em pior estado de conservação eram aqueles localizados justamente em acréscimos, espaços compartimentados de forma inadequada, sem nehum tipo de planejamento, ou naqueles que mudaram de uso sem a adaptação apropriada.

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Sobretudo no Edifício Principal, a depredação é o resultado de desmembramento ou de compartimentação de salas e da instalação de atividades que por sua natureza depredam o espaço em que se localizam e ajudam a promover o sucateamento do espaço físico. Por fim, viu-se um movimento de utilização “privativa” do espaço de salas de aulas e salas ambientes, que se tornaram “escritórios” e deixaram de exercer suas funções originais, resultando na redução de espaços de ensino para o alunado – ao passo que, no desenrolar histórico, o contingente de alunos aumentou enormemente. Juntam-se a tudo isto problemas graves de patologia da construção, sobretudo no

Edifício Principal, que inclusive conformam risco ao patrimônio e à segurança dos usuários.12 Percebe-se, portanto, que a deterioração, a fragmentação, a segregação, as ações voluntárias ou involuntárias de exclusão espacial e o encastelamento de setores e atividades se repetem no espaço interno das edificações. UM LABORATÓRIO PEDAGÓGICO A RECONSTRUIR: RESUMO DAS PRINCIPAIS PROPOSTAS DO PD-ISERJ As seções anteriores apontaram o fato de que desde sua implantação original, em 1930,

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Figura 6 Espaços Residuais Atuais do Campus ISERJ.

Fonte: PD-ISERJ.

o Campus ISERJ foi concebido para o cumprimento pleno da atividade de ensino e, mais especificamente, da missão da formação de professores no exercício do educador profissional. Os edifícios e as áreas livres originais foram projetados e implantados especificamente para o ensino, refletindo o ideário da Escola Nova em voga, que se mantém na memória coletiva por intermédio da icônica figura da normalista, e é ainda valorizado por educadores, por funcionários, por alunos e por pais. A ocupação gradativa do Campus contou com edificações com variedade de estilos e tipologias arquitetônicas. No que diz respeito ao programa arquitetônico, em sua maioria

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mantiveram a preocupação na excelência de espaços voltados para a educação. Ou seja, reforçaram e enriqueceram a premissa do laboratório pedagógico. Entretanto, no que diz respeito a sua relação com o espaço exterior, pecaram por não preverem a boa integração entre espaços e edificações. Ao longo dos anos, a qualidade dos componentes físicos do Campus ISERJ foi comprometida por uma série de ações: há novas edificações e, sobretudo, anexos inadequados – de tipologia e de qualidade construtiva precária, por exemplo. Além disso, a manutenção dos espaços internos e externos é deficiente, pontual e descontínua. Há, também, grande

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compartimentação dos espaços exteriores, pelo cercamento inapropriado de frações por muros, grades, portões trancados ou outros limites físicos, movimento de fragmentação e (auto-) segregação espacial de usos e atividades – o que se repete internamente, nos compartimentos dos edifícios. A situação atual do Campus ISERJ, portanto, é resultante do conflito entre a excelência arquitetônica e paisagística intrínseca aos seus espaços físicos projetados de modo a promover práticas, e atingir objetivos específicos no campo da educação, e o acúmulo de anos de deterioração e de má gestão dos espaços, o que afeta

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diretamente o exercício do ensino e, portanto, a valorização da identidade do educador profissional. Desse modo, definiu-se como objetivo fundamental do Plano Diretor a retomada do caráter de laboratório pedagógico do Campus ISERJ, sua finalidade original. Foi pactuado que devolver ao Campus seu caráter de laboratório pedagógico é meta viável para o futuro. Mesmo deteriorado, ele ainda possui as diversidades arquitetônica e paisagística necessárias a esta finalidade e a notória excelência de seus educadores: o alcance deste objetivo dependeria em princípio em se focar em diretrizes, estratégias e ações voltados especificamente para sua requalificação. Esta relação entre ordenamento territorial e recuperação da identidade não está sendo aqui entendida apenas pelas características físicas e ontológicas que o espaço do Campus possa ter (seja por meio de sua conformação atual ou da resultante de intervenções físicas a serem elencadas pelo Plano Diretor) para necessariamente causar efeitos perceptivos (visuais, estéticos) e até mesmo psicológicos sobre seus usuários. Ao se definirem objetivos e diretrizes, as preocupações do PD-ISERJ se direcionaram ao que “[n]a arquitetura importa, isto é, tem efeitos sobre o que fazemos, e como interagimos no espaço” (Netto, 2006). Convém esclarecer que de maneira alguma a ideia central deste pensamento é a de um determinismo arquitetônico. Isto é, a ilusão de previamente se determinar, por meio do espaço, um ou mais comportamentos em relação ao mesmo,

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mas sim o inverso: constatou-se que determinados padrões espaciais em concomitância com demais ações institucionais, políticas, culturais e até mesmo aleatórias, ao longo do tempo produziram determinados padrões de sociabilidade e de uso no espaço (e dificultaram ou impediram outros). O resultado atual parece corroborar para o distanciamento do Campus ISERJ de suas funções originais e até hoje valorizadas. Por isso, deseja-se suprimir tais configurações constatadas como negativas e valorizar e reproduzir as que se julgar mais positivas. Busca-se, assim, maior aproveitamento do espaço, contribuindo para uma ampliação de seus usos sob determinados pressupostos. Há, portanto, graus diferenciados de planejamento e de imprevisibilidade que não se repelem ou se excluem, porque são próprios a este tipo de intervenção. SETORIZAÇÃO DO CAMPUS E PROJETO DE PAISAGISMO, QUALIFICAÇÃO E ORDENAMENTO DOS ESPAÇOS Diante da definição do objetivo fundamental, o PD-ISERJ definiu como ação estratégica a execução e a implantação do que nomeou como “Projeto de Paisagismo, Qualificação e Ordenamento dos Espaços do Campus ISERJ”. Foram definidas diretrizes para ações projetuais no Campus. O objetivo foi promover a integração dos espaços exteriores e das edificações, conferindo-lhes unidade e legibilidade, além de boas condições de acessibilidade ao conjunto do bem cultural.13 O Plano delimita, como base espacial para o projeto, uma se-

torização de áreas, com diretrizes específicas para cada uma delas, a serem parcial ou integralmente atingidas pelo projeto de paisagismo, conforme representação cartográfica da Figura 7 e a descrição subsequente: a) Área de Estruturação e Integração dos Espaços – formada pelo conjunto de espaços ao ar livre. Nela deverão ser direcionadas ações para a conversão da atual fragmentação e compartimentação em espaços residuais para integrados e com acessibilidade, embelezamento, unidade e legibilidade. Devem promover a fluidez espacial, a valorização do conjunto edificado tombado e a ligação eficiente entre as edificações; b) Área para Transferência de Atividades – onde se direcionarão ações para aproveitamento de áreas ociosas e/ ou subutilizadas destinadas à construção de uma ou de mais edificações novas. Elas receberão atividades indicadas pelo Plano Diretor como passíveis de transferência. Serão também direcionados esforços para a promoção da acessibilidade, da integração com o patrimônio edificado e do embelezamento paisagístico; c) Área de Reserva para Atividades Futuras – corresponde à área da Vila Machado Bastos e do estacionamento utilizado por funcionários do ISERJ. Nela serão direcionadas ações jurídico-administrativas para a investigação e a regularização fundiárias, por meio de estudos fundiários e de ações jurídicas (integração de posse) e administrativas (cancelamento de cessão) para a ocupação gradativa das edificações liberadas, com posterior requalificação pelo ordenamento e ampliação de vagas para estacionamento,

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Quadro II Síntese das Remoções Sugeridas

Fonte: PD-ISERJ

possíveis remoções de edificações e anexos indevidos e construção de novos edifícios. d) Área Compartilhada – corresponde à área do Campus ISERJ onde se localiza o Colégio Estadual Antônio Prado Junior. Nela deverão ser direcionados esforços imediatos para a abertura ao diálogo e à negociação entre

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esta instituição e o ISERJ, visando à definição comum de estratégias para utilização e desejável integração de espaços, usos e atividades. Pelo projeto, ganham destaque no texto do PD-ISERJ, as ações relacionadas a remoções de edificações existentes, mudanças de uso e transferências

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de atividades. 14 No que diz respeito às sugestões para remoção, foram descritos os tipos de inadequação que esclarecessem a necessidade de remoção – o Quadro II esclarece esse aspecto. Quanto às transferências de atividades e à construção de novas edificações, em acordo com os setores da instituição

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Quadro III: Síntese das Propostas para a Área para Transferência de Atividades

Fonte: PD-ISERJ

e, sobretudo, com os órgãos de patrimônios, determinou-se que novas edificações a serem construídas no Campus ISERJ devam estar localizadas somente na Área para Transferência de Atividades ou na Área de Reserva para Atividades Futuras, respeitando-se critérios de ocupação estabelecidos pelo PD-ISERJ, representados cartograficamente nas Figuras 9 e 10 e sintetizados nos Quadro III e IV.15 Outro elemento de destaque no escopo do projeto é a provisão do Campus de rotas acessíveis (Figura 8) que percorram os principais espaços do Campus, garantindo o percurso

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livre de obstáculos e o acesso às principais edificações. Em outras palavras, a remoção, a transferência de atividades e as mudanças de uso e atividade têm tripla função: melhorar a qualidade da ambiência do Campus com a intervenção físico-territorial o que tem estreita relação com o resgate de sua capacidade em ser um laboratório pedagógico e valorizar a identidade do educador profissional; segundo, prover os espaços exteriores de circuitos formados por fluxos contínuos que, em conjunto, possibilitem o vislumbre de toda a diversida-

de arquitetônica e paisagística do Campus, reforçando sua unidade pela melhoria de sua legibilidade; terceiro, realocar as atividades, inclusive em novas edificações, visando a um melhor rendimento pedagógico, e, também, à redução de intervenções físicas nos compartimentos de edificações voltadas ao ensino que venham a comprometer o bem tombado. PROJETOS DE INFRAESTRUTURA E DE ARQUITETURA Ainda no que diz respeito à escala do Campus como um

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Quadro IV: Síntese das Propostas para a Área de Reserva para Atividades Futuras

Fonte: PD-ISERJ

todo, o PD-ISERJ exige a execução de projetos de infraestrutura. O objetivo é a articulação das instalações individuais das edifi-

cações com as áreas externas do Campus e a rede pública, quando necessário. São eles: projeto para sistema hidrossanitário do Cam-

pus; projeto para sistema elétrico do Campus; sistema de condicionamento de ar de grande porte, único e para todo o Campus.

Figura 7 Indicações para Projeto de Paisagismo, Qualiicação e Ordenamento.

Fonte: PD-ISERJ.

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Figura 8 Rotas Acessíveis e Acessos do Campus ISERJ.

Fonte: PD-ISERJ.

No que diz respeito à escala das edificações, no intuito de se conseguir a melhor gestão e a devida manutenção dos seus espaços, o PD -ISERJ exige a execução de projetos de arquitetura específicos para cada uma das edificações existentes no Campus (desconsiderando-se, é claro, aquelas que sugere serem removidas). Estes projetos de arquitetura, por edificação, visam à identificação e à solução de todos os problemas de ordem estrutural, infraestrutural, estética, a indicação de problemas de arquitetura (inclusive de restauro) e, por fim, a previsão de orçamento global para a solução de problemas de

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cada uma das edificações. O que se quer é evitar a ação pontual, provisória ou ineficiente, que não resolve os problemas da edificação na maioria dos casos e, pior ainda, gera desperdícios de orçamento. Cumpre esclarecer que as intervenções podem se relacionar com o conteúdo pedagógico tão valorizado pelo PD-ISERJ: o documento sugere, por isso, que durante as obras sejam realizadas visitas guiadas a qualquer interessado. A finalidade é o entendimento da necessidade específica de intervenção em relação à valorização do bem como um todo, explicar a meta de se recuperar a função de

laboratório e expor ao visitante a intrínseca história da Escola Nova, dentre outros fatores. Além disso, a instalação de novos sistemas infraestruturais é importante mecanismo para a compreensão tanto do funcionamento das redes elétrica, hidrossanitária e de condicionamento de ar, quanto das maneiras que se pode intervir em bens culturais tombados para a instalação de redes tão complexas. Isto é particularmente interessante pelo fato de o ISERJ possuir hoje, além da educação infantil e fundamental, o ensino médio e o normal superior, cursos de ensino técnico e profissionalizante. É relevante apontar que os cursos

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Figura 9: Critérios de Ocupação para a Área de Transferência de Atividades do Campus ISERJ.

Fonte: PD-ISERJ.

técnicos são de maior interesse da Faetec, dada a sua natureza, ainda que inúmeras disputas e conflitos ocorram por conta deste fato. Ordenar o espaço a partir do conceito de laboratório pedagógico é uma maneira de dar unidade a todas estas modalidades de ensino presentes no Campus. CONSIDERAÇÕES FINAIS O Plano Diretor do Instituto Superior de Educação do Rio de

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Janeiro (PD-ISERJ) foi encerrado em março de 2009, com a expectativa de que este espaço tão importante para a cidade do Rio de Janeiro e para o Brasil volte gradativamente a cumprir sua função educadora, portanto social. Mais especificamente, que resgate a ainda tão valorizada missão de formar professores e o significado de laboratório pedagógico do Campus, atualizando-se a filosofia da Escola Nova para o contexto atual.

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Não há dúvida de que ao se resgatar estas função, identidade e missão está-se protegendo de forma efetiva o patrimônio, seja o imaterial, representado por sua própria missão (formação de professores), seja o material, representado pela paisagem formada pelas edificações e espaços exteriores, as edificações isoladamente, com seus valores específicos, o mobiliário ou o acervo bibliográfico, documental e de objetos ligados ao ensino. Ao longo deste artigo, foi explorado o aspecto da relação entre intervenção físico-territorial com o patrimônio e a identidade socioespacial, tentando explicitar que as intervenções sugeridas pelo PD-ISERJ, tanto na escala do Campus quanto na das edificações e seus compartimentos, não se restringiram apenas a dar melhor qualidade estética aos espaços, nem à recuperação e ao restauro dos mesmos. Ambos são, de fato, fatores importantíssimos e direta ou indiretamente contemplados pelo Plano Diretor em vários níveis. No entanto, se o objetivo principal do PD-ISERJ foi o da recuperação do Campus como laboratório pedagógico, a meta exige entender que a ação projetual é algo mais amplo: produz significados, gera topofilias e topofobias; é instrumento de cumprimento (ou não) de expectativas; relaciona-se com conteúdos emocionais e com disputas político-institucionais sobre o território; necessariamente enseja a transformação, o melhor futuro. Por isso mesmo, é preciso afirmar que o PD-ISERJ, por ser um conjunto de diretrizes

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Figura 10

para inúmeras ações projetuais, tem como qualquer plano diretor físico-territorial certo caráter utópico. Um plano diretor tenta dar conta, de uma só vez, de projeções futuras e ideais de várias pessoas – todas elas com receios, angústias, além de desejos de realização e felicidade. Mas não por isso o PD-ISERJ deve ser entendido como algo messiânico nem muito menos desprovido de eficácia. As realizações no tempo e no espaço se dão de forma fragmentada e descontínua. São feitas de encontros e de desencontros, um pouco de voluntarismo e um pouco de acaso – o que parece assustador, mas é o que há de mais natural na existência. Ter um pacto, materializado por um documento, que define estratégias que visem ao maior atendimento possível de anseios e seja ao menos um caminho bem definido a se seguir, torna a utopia mais possível, o que no fundo é parte do desejo de todo arquiteto-urbanista e de todo educador.

Critérios de Ocupação para a Área de Reserva para Atividades Futuras do Campus ISERJ. Fonte: PD-ISERJ.

NOTAS 1 A equipe era formada por Leo Name (coordenação técnica) e Priscylla Freiria Valladares, tendo como estagiários Felipe Miranda e Vinicius Philot (alunos da EAU-UFF). Foram consultores: Andréa Pitanguy (resíduos sólidos), Felippe de Rosenburg (marketing cultural), M. Graça Neves (gestão), Karin Segala (resíduos sólidos), Luis Felipe Pacheco (uso de energia elétrica), Luciana Hamada (conforto ambiental) e Ronaldo Daumerie (patologia da construção). 2 Tal doação foi contrapartida firmada através de instrumento assinado pelo Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM) e a Globo Comunicação e Participações S.A., que repassou o valor da proposta para a execução do serviço. 3 O neocolonial a esta época era estilo utilizado com intenção clara: seu objetivo era revelar, a partir de diversas manifestações artísticas, a ideia de uma nação brasileira. Neste sentido, vale frisar que a escolha de um edifício com estas características não foi fruto meramente do gosto de uma banca avaliadora: no edital do concurso público foi exigido que os projetos apresentados adotassem o “estilo colonial brasileiro”, inspirando-se na “arquitetura tradicional brasileira”. 4 Dirigida por Denis Carvalho e com texto de Gilberto Braga, a minissérie tinha sua narrativa localizada na década de 1950 e sua protagonista era uma normalista do Instituto (vivida pela atriz Malu Mader). Muitas cenas foram gravadas dentro do Campus e, além disso, na abertura da minissérie eram exibidas imagens das fachadas e demais detalhes arquitetônicos do Edifício Principal, que diariamente invadiam as telas de televisão de todo o país, feito poucas vezes conseguido por um bem arquitetônico tombado. Cumpre esclarecer que a disposição da Rede Globo em dispor a verba necessária para a realização do Plano Diretor está diretamente relacionada à importância que a minissérie e o Instituto têm para a história da dramaturgia produzida pela emissora. 5 Uma síntese visual do histórico foi produzida em um vídeo que se tornou anexo digital do documento final do PD-ISERJ e está disponível no YouTube: http://www.youtube.com/ watch?v=eFBFf03ZjqM. 6 Para se entender a inerência do eurocentrismo, algo expressivo da colonialidade do poder, mas até hoje inerente a saberes, ensinos e formas de produção cultural, ver Name (2009) e Wallerstein (2002). 7 A busca pela aplicação pedagógica das inovações técnico-científicas era tamanha que os educadores Venâncio Filho (1930) e Serrano (1930), 35 anos após a invenção do cinematógrafo, e apenas três anos após a produção do primeiro filme falado – O cantor de jazz (The Jazz Singer, Alan Crosland, EUA, 1927), debatiam no Boletim de Educação Pública a pertinência do uso pedagógico do cinema e o direcionamento de gastos para a aquisição de filmes e de maquinário específico para as escolas. Também eram instalados, desde os primeiros Institutos de Educação, gabinetes médicos e odontológicos, não apenas na perspectiva de cuidar melhor e mais de perto da saúde do alunado como também para serem difusores de saberes sobre higiene (Clark, 1930). 8 O edifício funde tanto o estilo neocolonial de uma suposta identidade brasileira moderna e progressista e os mais modernos espaços da prática científica, como os laboratórios de química, de biologia e de física (introduzidos no país na década de 1910), à tipologia da pedagogia jesuítica que extraía dos conventos a disposição de quatro corredores formando um claustro e a divisão disciplinar e metódica de compartimentos uniformemente distribuídos ao longo desses corredores. Por sua vez, o estilo neocolonial, tão desejoso em expressar um ideal brasileiro, não deixava de utilizar toda a linguagem do classicismo eurocêntrico, que permeia praticamente toda a história da arquitetura ocidental desde o Renascimento (Summerson, 1994 [1980]), notadamente perceptível na adoção de três ordens distintas, uma em cada pavimento. 9 Ressalta-se, desse modo, que o conceito de patrimônio relaciona-se diretamente com o conceito de identidade: ambos só existem plenamente quando reconhecidos, absorvidos e transmitidos

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PLANO DIRETOR

pelas comunidades que neles se espelham (ou até mesmo se contrapõem): o tombamento, portanto, é uma forma de preservação e reprodução da(s) identidade(s) relacionada(s) ao bem. 10 Tal situação é percebida claramente pela realização de dois vídeos utilizando o processo da visão serial definido por Cullen (1996 [1971]). Eles foram realizados como procedimento metodológico à etapa do diagnóstico e definição de propostas para o PD-ISERJ e estão disponíveis no YouTube através dos seguintes endereços: http://www.youtube.com/watch?v=3q3flOHAtOY e http:// www.youtube.com/watch?v=hky1sDDxAFM. 11 Os usos foram organizados em cinco tipos de atividades – atividades pedagógicas (aulas em salas do tipo auditório), atividades pedagógicas (aulas em salas ambientes, forma espacial valorizada pela concepção de laboratório pedagógico da proposta original do Campus), atividades administrativas, atividades administrativo-pedagógicas (coordenações de ensino, salas de serviço de orientação, salas de pesquisa e outros ambientes de trabalho que complementam a atividade de ensino) e atividades de apoio (banheiros, cozinhas, refeitórios, vestiários e depósitos), que também receberam representação gráfica esquemática por cor. Já o estado de conservação foi avaliado a partir de cinco elementos: piso, parede, teto, esquadrias e instalações elétricas aparentes nos níveis bom, regular e ruim, sendo preenchidas fichas de levantamento que, ao longo do processo, geraram plantas esquemáticas que utilizavam cores distintas para “bom”, “médio” e “ruim”. Tais adjetivos, por sua vez, receberam pontuações que compuseram o que chamamos de “graus de conservação” – “crítico”, “semicrítico” e “aceitável” – que também por cores definiram novas plantas esquemáticas por edificação. 12 Dois exemplos de riscos à edificação e aos usuários: um abalo na estrutura do térreo do Edifício Principal, que põe em risco de desabamento um refeitório de péssima qualidade construtiva erguido sobre a marquise de um alpendre; e o guardacorpo de uma sala de professores, em vias de desabamento sobre o pátio interno chamado de Cafua. 13 O PD-ISERJ sugere que o Projeto de Paisagismo, Qualificação e Ordenamento dos Espaços do Campus ISERJ seja objeto de concurso público de projetos, tendo como bases seus condicionantes, diretrizes e propostas. Também sugere que o concurso seja organizado por instituição idônea e de notório saber comprovado, de modo a assegurar a excelência do projeto e a divulgação do próprio Campus ISERJ para a sociedade. 14 Outras ações que o PD-ISERJ definiu para serem cumpridas pelo Projeto de Paisagismo, Qualificação e Ordenamento dos Espaços têm como escopo acessos; estacionamentos e circulação interna; áreas verdes; sinalização; iluminação externa. 15 A equipe do IBAM preparou um vídeo de forte conteúdo didático, que inclusive se tornou anexo digital do próprio Plano Diretor e pode ser acessado no YouTube: http://www.youtube.com/ watch?v=stVcEVD4I-g

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS de ALMEIDA FILHO, Orlando José. O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932: memória e imagens do manifesto nos livros didáticos de História da Educação. Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação, 6. Uberlândia, abril de 2006. de AZEVEDO, Fernando. A socialização da escola. Boletim de Educação Pública, Ano 1, nº 2, abril-junho de 1930, p. 167-184. CLARK, Oscar. Clínicas escolares. Boletim de Educação Pública, Ano 1, nº. 2, abril-junho de 1930, p. 202-215. CULLEN, Gordon. A paisagem urbana. Lisboa: Edições 70, 1996 [1971]. HAESBAERT, Rogério. Identidades territoriais. In: ROSENDAHL, Zeny & CORRÊA, Roberto Lobato. Manifestações da cultura no espaço. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1999, p. 169-190. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2006 [1992]. IBAM. Plano Diretor do Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro (PD-ISERJ). Rio de Janeiro, 2009. JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: Martins Fontes, 2007 [1961]. LOPES, Sonia Maria de Castro Nogueira. A oficina de mestres do Distrito Federal: História, memória e silêncio sobre a Escola de Professores do Instituto de Educação do Rio de Janeiro (1932-1939). 2003. Rio de Janeiro, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (Tese de Doutorado). NAME, Leo. O eurocentrismo está em toda parte: sobre orientalismos, ocidentalismos e outras imprecisões geográficas. GeoPUC. Revista do Departamento de Geografia da PUC-Rio, 2009, vol. 1, nº. 2. Disponível na INTERNET via http://publique.rdc.puc-rio.br/geopuc/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=20&sid=12. Arquivo consultado em 20 de junho de 2009. NETTO, Vinicius. O efeito da arquitetura: impactos sociais, econômicos e ambientais de diferentes configurações de quarteirão. Arquitextos, vol. 79, texto especial 397, 2006. Disponível na INTERNET via http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp397.asp. Arquivo consultado em 20 de junho de 2009. NUNES, Clarice. Historiografia comparada da escola nova: algumas questões. Revista da Faculdade de Educação, vol. 24, n.1, jan-jun 1998. SERRANO, Jonathas. O cinema educativo no Districto Federal. Boletim de Educação Pública, Ano 1, nº. 2, abril-junho de 1930, p. 185-201. SUMMERSON, John. A linguagem clássica da arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 1994 [1980]). TAYLOR, Charles. Multiculturalisme. Paris: Aubier, 1994 [1992]. TEIXEIRA, Anísio. Educação para a democracia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1997 [1935]. VENANCIO FILHO, Francisco. O cinema e as sciencias physicas. Boletim de Educação Pública, Ano 1, nº. 2, abril-junho de 1930, p. 216-221. WALLERSTEIN, Immanuel. Eurocentrismo e seus avatares. In: O fim do mundo como o concebemos. Ciência social para o século XXI. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2002, p. 205-221.

ABSTRACT Territorial planning and identity in a space for educational practices This paper aims to present the main issues related to the preparation and content of the “Plano Diretor do Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro (PDISERJ)”. In view of a territorial planning of the campus, this master plan aims to revive the (social and spatial) identity of “Brazilian professional educator” and the mission of “pedagogical laboratory” that is inherent in the original design of the campus, under the influence of the ideology of the so called “Nova Escola” movement. For this, the master plan sets goals and guidelines that in next few years will guide the architectural and landscape design actions (including restoration projects). Keywords: master plan, ISERJ, identity, territorial planning.

RESUMEN Ordenación del territorio y identidad en un espacio para la enseñanza Este artículo tiene como objetivo presentar las principales cuestiones relacionadas con la preparación del“Plano Diretor do Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro (PDISERJ)”. En vista de la planificación física de la ISERJ Campusterritorial, este Plan Director pretenderescatar la identidad (social y espacial) del educador profesional brasileño y la misión de “laboratorio de enseñanza” que es inherente en el diseño original de la escuela bajo la influencia de las ideas del movimiento que se conoció como Escola Nova. Para ello, PDISERJ trata de definir los objetivos y directrices que en los próximos años va a guiar las acciones de diseño arquitectónico(incluyendo los proyectos de restauración) y el paisajismo. Palabras clave: plan maestro, ISERJ, identidad, planificación física y territorial.

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RECICLAGEM NA CIDADE DE CUIABÁ

Avaliação do Potencial de Reciclagem na Cidade de Cuiabá (MT) Roberto Naime Professor do Mestrado em Qualidade Ambiental e da Engenharia Industrial Química rnaime@feevale.br Eduardo Figueiredo Abreu Engenheiro Florestal da Sema-MT eduardoambiental@uol.com.br Sérgio Carvalho Coordenador do Mestrado em Qualidade Ambiental da Feevale sergiocarvalho@feevale.br

Não é possível separar o econômico do ambiental, como não é possível separar o social do político e do cultural. Washington Novaes

RESUMO Este trabalho realiza um diagnóstico da situação atual da reciclagem no aterro sanitário do município de Cuiabá e executa, a partir desses dados, uma avaliação do potencial de reciclagem dos resíduos sólidos urbanos domiciliares (RSUD). Tendo por base os dados do relatório de gestão de 2008 da Cooperativa dos Trabalhadores e Produtores de Materiais Recicláveis de Mato Grosso Ltda., demonstra quais são os principais itens passíveis de reciclagem. Inicialmente, é realizada a contextualização dos materiais recicláveis e depois uma exposição da situação do gerenciamento dos resíduos sólidos urbanos domiciliares em todo estado do Mato Grosso. O trabalho exibe as condições de trabalho que a cooperativa encontra no aterro sanitário de Cuiabá. A seguir são apresentados os dados obtidos com a compilação do relatório de gestão da cooperativa dos trabalhadores e produtores de materiais recicláveis de Mato Grosso. Posteriormente, com base em informações obtidas no aterro sanitário e nas referências bibliográficas é realizada uma projeção do potencial de recicláveis do município em estudo. Finalizando, são feitas observações sobre inserção da questão dos resíduos sólidos no contexto do desenvolvimento sustentável e sobre a importância socioambiental que a reciclagem representa para todos os atores envolvidos no processo e para a própria economia ambiental do mundo. Palavras-chave: resíduos sólidos, reciclagem, aterro sanitário

INTRODUÇÃO Nos resíduos sólidos urbanos de uma determinada região existe um potencial para reciclagem que pode ser quantificado. Neste estudo, foi realizado levantamento econômico do potencial de reciclagem do aterro sanitário da cidade de Cuiabá, a partir da análise dos dados do relatório de gestão da Cooperativa dos

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Trabalhadores e Produtores de Materiais Recicláveis de Mato Grosso Ltda. (Coopermar) e das premissas das quantidades de materiais disponibilizados para reciclagem do total dos resíduos coletados na cidade de Cuiabá. Os estudos também foram apoiados pelas referências bibliográficas existentes sobre a quantidade existente de resíduos sólidos recicláveis nos

resíduos sólidos domésticos totais coletados na maioria das municipalidades brasileiras. Em Cuiabá, atualmente existe um aterro sanitário em condições de saturação, no qual estão instaladas cinco esteiras de catação antes das valas de disposição de resíduos. Estas esteiras permitem o trabalho de um número de catadores que oscila entre 120 e 150, dependendo das condições

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de trabalho do guincho içador de resíduos, das próprias esteiras de triagem e do preço de comercialização dos resíduos resultantes da triagem. Os principais resíduos que podem ser submetidos a triagem e disponibilizados para comercialização na reciclagem de forma simplificada são o alumínio, o cobre, os metais não ferrosos, papel branco, papelão, polietileno de alta densidade (PEAD), polietileno de baixa densidade (PEBD), polietileno tereftalato (PET), PET azul e PET óleo, sucatas de plásticos diversos e vidros. O alumínio tem versões diferenciadas de aproveitamento, em bloco, resultantes de latinhas de alumínio ou do tipo panela. A maior quantidade sempre é originada dos alumínios resultantes de latinhas. No entanto, devido ao bom valor de comercialização geralmente existente para este resíduo, frequentemente as quantidades são pequenas na central de triagem do aterro sanitário de Cuiabá, porque agentes ambientais (catadores) autônomos recolhem estes materiais em condomínios que exercem coleta seletiva ou mesmo nas ruas da cidade. O cobre é um metal presente em sua forma natural na crosta terrestre e é essencial para o desenvolvimento da vida. É o metal mais antigo utilizado pelo homem. As primeiras moedas de cobre datam de 8700 A.C. As reservas naturais de cobre estão estimadas em 2.3 bilhões de toneladas. O uso eficiente deste recurso permite economizar energia e cuidard o meio ambiente, que é constantemente ameaçado. Por exemplo: 43% das necessidades de cobre na Europa são supridas pela reciclagem. Atualmente, os principais setores que utilizam o cobre são o da energia e da cons-

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RECICLAGEM NA CIDADE DE CUIABÁ trução. Seu uso se divide em eletricidade e em energia (que inclui cabos da indústria construtora) com 65%; construção (incluindo arquitetura e tubulações) com 25%; transporte com 7% e outras (moedas, desenho, escultura etc.) com 3%. Os metais não ferrosos consistem naqueles que não contenham ferro em suas composições como elemento principal, tais como cobre e suas ligas, bronze e latão, alumínio, zinco, magnésio, estanho e chumbo. São amplamente recicláveis e reciclados, com um mercado muito firme. A grande diferença na reciclagem do papel branco e do papelão é a qualidade do papel e o tamanho das fibras que o compõem. O papel é feito de inúmeras fibras que se cruzam e são responsáveis pela resistência. Dependendo do tipo de polpa usada para fazer o papel (pode ser pinho, eucalipto ou até outras fibras vegetais, a exemplo de algodão, linho, etc.) terá fibras mais longas ou curtas e será mais ou menos resistente. Por isso, papel branco é mais caro e até mesmo a apara (resto de papel) branca alcança maior valor no mercado. E cada vez que se recicla diminui o tamanho das fibras, ficando pouco mais fraco. Por isso que para reciclar muitas vezes o mesmo papel é necessário colocar um pouco de fibra virgem para aumentar a sua resistência. Outro problema são os pigmentos presentes no papel. Para fazer papel branco, a polpa (de fibra virgem ou de papel já usado) deve passar por um processo químico de branqueamento. Assim, quanto mais pigmento um papel tem mais difícil fica reciclá-lo e conseguir um papel branco. O plástico, em seus diversos tipos (PEAD, PEBD e PET de vá-

Reciclagem na cidade de Cuiabá

rios tipos, além de polipropileno (PP) e outros), é geralmente tido como material altamente poluente. Entretanto, isto somente ocorre se houver queima indevida, pois durante a sua combustão são liberados gases e substâncias químicos prejudiciais ao meio ambiente. Como qualquer outra matéria sólida, o plástico contribui para a poluição visual. Hoje já é possível reduzir desperdícios, utilizando-se vários métodos de reaproveitamento a partir dos sistemas de separação de materiais plásticos. Atualmente, são recuperados cerca de 20% dos resíduos plásticos, embora tecnologicamente seja possível reaproveitar cerca 90%, por meio da reutilização, reciclagem (mecânica e química) e valorização energética (MANCINI, 2000). O Brasil produz em média 890 mil toneladas de embalagens de vidro por ano, usando cerca de 45% de matéria-prima reciclada na forma de cacos. Parte deles foi gerada como refugo nas fábricas e parte retornou por meio da coleta. Os Estados Unidos produziram 10,3 milhões de toneladas em 2000, sendo o segundo material em massa mais reciclado, perdendo apenas para os jornais. O principal mercado para recipientes de vidros usados é formado pelas vidrarias, que compram o material de sucateiros na forma de cacos ou recebem diretamente de suas campanhas de reciclagem. Além de voltar à produção de embalagens, a sucata pode ser aplicada na composição de asfalto e de pavimentação de estradas, construção de sistemas de drenagem contra enchentes, produção de espuma e fibra de vidro, bijuterias e tintas reflexivas. Cerca de 46% das embalagens de vidro são recicladas no Brasil, somando 390 mil ton/ano. Desse

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total, 40% é oriundo da indústria de envaze, 40% do mercado difuso, 10% do “canal frio” (bares, restaurantes, hotéis etc.) e 10 % do refugo da indústria. Nos EUA, o índice de reciclagem gira em torno de 40%, correspondendo a 2,5 milhões de toneladas; na Alemanha, em 2001, foi de 87%, correspondendo a 2,6 milhões de toneladas; na Suíça (92%), na Noruega (88%), na Finlândia (91%) e na Bélgica (88%). MATERIAIS E MÉTODOS O trabalho foi realizado tendo como fonte de dados o relatório de gestão do ano de 2008 da Cooperativa dos trabalhadores e produtores de materiais recicláveis de Mato Grosso Ltda. (Coopermar), em Cuiabá (MT). Neste relatório constam as quantidades de materiais recicláveis obtidos com as triagens nas esteiras antes da destinação dos resíduos para os aterros sanitários e também os valores auferidos com a comercialização dos recicláveis. Constam do relatório, inclusive, uma série histórica de quantitativos e de valores, que não foi utilizada neste trabalho. Foram compilados os dados disponíveis sobre a natureza dos recicláveis e as quantidades segregadas nas esteiras e os valores obtidos com a comercialização dos materiais. Em item próprio, considerando os dados disponíveis e conhecidos sobre as quantidades disponibilizadas para as atividades de separação dos agentes ambientais (catadores) da Coopermar, é feita estimativa do potencial da reciclagem nos resíduos sólidos urbanos domiciliares (RSUD) coletados na cidade de Cuiabá, capital do estado do Mato Grosso.

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Este trabalho não faz a avaliação da coleta informal também procedida na cidade, cujas dimensão e amplitude são de difícil mensuração. TRABALHOS ANTERIORES Lixo, ou resíduo, é qualquer material considerado inútil, supérfluo, e/ou sem valor, gerado pela atividade humana, que precisa ser eliminado. É qualquer material cujo proprietário elimina, deseja eliminar ou necessita eliminar (http://pt.wikipedia.org). Lixo é todo e qualquer resíduo proveniente das atividades humanas ou gerado pela natureza em aglomerações urbanas (ABNT, 2004). Comumente, é definido como aquilo que ninguém quer. Porém, é preciso se reciclar este conceito, deixando de enxergá-lo como coisa suja e inútil em sua totalidade. CALDERONI (2003) define o termo “resíduo” (do latim residum): “Substantivo masculino: aquilo que resta de qualquer substância; resto, “Rubião”, calado, recompunha mentalmente o almoço, prato a prato; via com gosto os copos e seus resíduos de vinho, as migalhas esparsas”. O autor define também a palavra “lixo” como: “Aquilo que se varre da casa, do jardim, da rua e se joga fora; entulho; por extenso tudo que não se presta e se joga fora; sujidade, sujeira, imundície; coisa ou coisas inúteis, velhas, sem valor. “os resíduos sólidos que são descartados e que não têm mais utilidade são denominados ‘lixo’”. Os profissionais encarregados de sua coleta e do seu destino final são chamados genericamente de lixeiros ou de garis. No início do século passado, os serviços de limpeza urbana foram entregues à iniciativa privada, quando então

os Irmãos Garys assumiram a companhia industrial do Rio de Janeiro, por autorização do governo municipal, para desempenhar os serviços de coleta, transporte e destino do lixo. Desde então, os trabalhadores da coleta de lixo passaram a ser denominados pelo nome genérico de seus patrões: garis (BRINGHENTI, 2004). A questão dos resíduos sólidos precisa ser resolvida de forma satisfatória, para a proteção da saúde pública e da economia ambiental. É preciso incentivar as ações de reciclagem e de reaproveitamento de materiais, tanto pela geração de emprego e renda e inclusão social que produz quanto pela economia de matérias primas, otimização do uso dos recursos hídricos e eficiência energética (CALDERONI, 2003). No Município de Cuiabá são coletadas diariamente cerca de 450 a 500 toneladas de lixo domiciliar, resultantes das atividades de uma população de 600 mil habitantes. A empresa terceirizada Qualix é responsável por todo o sistema de coleta, de triagem e de destinação final do lixo na cidade, trabalhando com uma frota de dezenas de veículos compactadores e basculantes, com um corpo em torno de 120 a 150 trabalhadores, variando sazonalmente, para o processo de triagem, que funciona anexa ao aterro sanitário (CAPOROSSI, 2002). Existe tratamento de efluentes líquidos coletados nos aterros, e isto é essencial para evitar a contaminação dos lençóis freático e subterrâneo (TCHOBANOGLOUS, 1979). No Estado do Mato Grosso, existem aterros sanitários ou aterros controlados apenas em nove municípios e a situação no Estado é caótica e dramática. Por isso, é necessário um levantamento e diagnóstico da situação

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para orientar ações corretivas e de remediação e diretrizes de gestão ambiental dos resíduos sólidos específicas e adaptadas para a realidade de cada um dos municípios (CAHYNA, 1990). O Estado do Mato Grosso possui extensão territorial de 901.420 km2, sendo a terceira maior Unidade Federativa do Brasil, localizado entre os paralelos 8º e 17º sul e meridianos 50º e 60º de longitude oeste. Limita-se ao norte com Amazonas e Pará, ao sul, com Mato Grosso do Sul, a leste com Tocantins e Goiás, e a oeste com Rondônia e com a Bolívia. Os principais centros urbanos são a capital Cuiabá, Várzea Grande e Rondonópolis. Mato Grosso apresenta baixa densidade demográfica, com população muito dispersa, em função da área do território. Caso fosse distribuída igualmente por todo o Estado, daria apenas 2,78 hab./km². A maior concentração populacional localiza-se na porção sul do Estado, equivalente quase metade de sua população, correspondendo às regiões da Baixada Cuiabana e Rondonópolis. O norte do Mato Grosso tem a menor taxa de ocupação do Estado. Quase todas as cidades que compõem o Estado do Mato Grosso passam por acelerado crescimento populacional, cujo processo de desenvolvimento praticamente se iniciou na década de 1960. Assim, pode-se verificar uma crescente evolução das aglomerações urbanas. A pesquisa nacional de saneamento básico, realizada pelo IBGE no ano 2000, indicou que 82,3% dos domicílios do estado eram atendidos por sistema de coleta dos resíduos sólidos. Dos resíduos gerados, 78,5% eram dispostos em vazadouro a céu aberto ou em lixão superior, enquanto no Brasil esta forma de disposição

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RECICLAGEM NA CIDADE DE CUIABÁ inadequada chega a 71,5%. Com referência ao levantamento dos resíduos sólidos realizado pela Fema (antiga Fundação Estadual do Meio Ambiente, hoje Secretaria Estadual do Meio Ambiente), objeto deste documento, constatou-se que a coleta atingiu, em dezembro de 2000, aproximadamente 71% e 90% da população total e urbana, respectivamente. Entretanto, o transporte de resíduos sólidos se faz, na maioria dos casos, de forma sanitariamente insatisfatória. Quanto ao tratamento, como forma de diminuição do impacto de disposição dos resíduos, são poucas as iniciativas. A disposição final, em aterros sanitários planejados e construídos sob licenciamento do órgão de controle ambiental do Estado (Fema), representa 27,4% dos resíduos sólidos gerados pela população urbana, sendo os 72,6% restantes, dispostos em depósitos a céu aberto, são os responsáveis direta e indiretamente pela poluição dos recursos hídricos do Estado do Mato Grosso. COSTA (2002) realizou levantamento da situação dos resíduos sólidos no Mato Grosso. Nesse trabalho, foram pesquisados 34 Municípios que responderam um questionamento sobre a quantidade de catadores. Assim foi montada uma relação média de catadores/habitantes. O autor verificou uma relação média de 1,15 catador para cada 1.000 habitantes para a população total e 1,46 catador para cada 1.000 habitantes residentes na área urbana. A maior relação de catadores é observada em municípios com menos de 10 mil habitantes, estimando-se em 4,2 catadores para cada 1.000 habitantes urbanos (COSTA, 2002). Assim, estima-se que a quantidade seja de 3.667 catadores no

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Estado, fazendo a coleta seletiva de papel, plástico, papelão, vidro, alumínio e metais. Dos 3.667 catadores, 45% (1.650) são crianças, que vivem do/e no lixo, elas estão presentes em 45% dos Municípios que responderam os questionários, concentram-se em 85% dos Municípios com população de até 35 mil habitantes (COSTA, 2002). Nenhum Município informou a existência de “Cooperativa de Catadores” na época da realização deste trabalho e Costa (2002) asseverou: “Sendo que este tipo de trabalho vem sendo realizado de forma informal nas ruas das cidades ou nos lixões”. A reciclagem dos materiais ditos “secos” dos resíduos domésticos urbanos domiciliares (RSUD) é uma atividade do maior interesse, porque gera emprego e renda para os agentes ambientais, antigamente denominados catadores, e porque produz economia ambiental para toda a sociedade. Economiza matérias primas in natura, gera diminuição no consumo de água, otimizando os recursos hídricos, e produz elevação na eficiência energética (NAIME, 2005). SITUAÇÃO DA RECICLAGEM NO ATERRO SANITÁRIO DE CUIABÁ O aterro sanitário de Cuiabá é concebido mais em função da destinação final dos resíduos sólidos urbanos domésticos para colocação em valas do que de reciclagem, inclusão social com geração de emprego e renda para agentes ambientais (catadores) ou otimização da economia ambiental com economia de matérias primas recicladas com sua consequente redução de consumo de água e melhorias na eficiência energética produzida

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pela reciclagem dos materiais. Existe praticamente um consenso na sociedade de que o caminho a seguir na questão dos resíduos sólidos, tanto urbanos domésticos quanto industriais ou específicos do setor de saúde ou postos de combustíveis, é adotar práticas que reduzam a produção de resíduos e estimulem a reutilização e a reciclagem, com vistas a atingir um estágio de sustentabilidade tanto econômica quanto social e ambiental (NAIME, 2005). A cidade de Cuiabá ainda não pratica coleta seletiva, mas muitos condomínios da cidade e até mesmo bairros inteiros são parcialmente induzidos pelos agentes ambientais a praticarem segregação na origem (separação dos resíduos sólidos secos e recicláveis, dos orgânicos), facilitando a tarefa dos agentes ambientais em produzir ocupação e renda com os resíduos recicláveis. Já foram apresentados e discutidos os principais itens passíveis de reciclagem. Obviamente é muito mais adequado aos agentes ambientais separar papel, papelão, metais ferrosos ou embalagens PET que não estejam misturadas com restos orgânicos de alimentos em diferentes estágios de putrefação. A matéria orgânica caracterizada pelos restos de alimentos contém gordura e sal, sendo a maior responsável pela geração do chorume que vai precisar passar por tratamento antes de ser encaminhado de volta aos mananciais hídricos, tanto superficiais quanto subterrâneos, de forma que possa se integrar sem gerar contaminação. A matéria orgânica poderia passar por processos de compostagem e se transformar em adubo orgânico de alta eficiência a ser utilizado em parques e jardins públicos e fornecido por

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venda ou por doação para estimular a formação de um cinturão verde que abastecesse as áreas metropolitanas da cidade em hortifrutigranjeiros diversos. O objetivo do presente trabalho é realizar um levantamento do potencial econômico representado pelos resíduos sólidos “secos” existentes no conjunto dos resíduos sólidos urbanos domésticos da cidade de Cuiabá. Mesmo sem coleta seletiva, ou seja com a cooperativa de trabalhadores e produtores de materiais recicláveis recebendo os resíduos misturados e em péssimas condições sanitárias para exercer sua função, a figura 1 mostra os principais materiais obtidos nas triagens em cinco esteiras antes da destinação final dos resíduos em aterros sanitários.

A expressiva quantidade, mesmo não havendo coleta seletiva, indica a importância socioambiental da atividade, permitindo a inclusão social de muitos agentes ambientais, que têm nesta atividade seu principal foco de obtenção de renda. Sem contar as vantagens ao disponibilizar materiais para reprocessamento industrial, com economia de matérias primas, de água e de energia. Por isso, é essencial a implantação de coleta seletiva sistêmica e permanente na cidade para potencializar o trabalho dos agentes ambientais. Coleta seletiva não é perfeita em nenhum lugar do mundo, mas é processo que vai se aprimorando com o tempo e tem valor social e ambiental intangível para a humanidade. Na figura 2, é apresentada a

Figura 1: Principais materiais segregados nas esteiras da cooperativa dos trabalhadores e produtores de materiais recicláveis de Mato Grosso Ltda

Fonte: Relatório anual de gestão da Cooperativa dos Trabalhadores e Produtores de Materiais Recicláveis de Mato Grosso Ltda. (Coopermar), em Cuiabá (MT)

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participação relativa dos principais materiais segregados nas esteiras do aterro sanitário de Cuiabá, antes de os resíduos sólidos serem destinados a aterros sanitários. Na figura 2, é possível observar a importância dos metais não ferrosos que constituem o primeiro material em abundância, bem como as quantidades de polietileno tereftalato (PET) representado pelas embalagens de água e de refrigerantes que constituem o segundo material em quantidade, mas se encontram separados por categoria. Caso sejam somados, tornam-se o primeiro material em quantidade. Embalagens de alumínio representam pequenas quantidades no total separado nas esteiras do aterro sanitário. Devido ao seu alto valor de comercialização, são previamente recolhidas por agentes ambientais autônomos que fazem a sua comercialização. Itens de menor relevância ou inexpressivos em quantidade ou valor foram suprimidos deste trabalho por opção de clareza. As receitas auferidas pela Coopermar em 2008 giram em torno de 1,5 milhão, que mantém a estrutura da cooperativa e gera ocupação e renda para um número variável de colaboradores durante o ano, que oscila entre 120 e 150. Os resultados da venda dos principais itens reciclados nas esteiras do aterro sanitário de Cuiabá estão apresentados na figura 3. POTENCIAL ESTIMADO DA RECICLAGEM EM CUIABÁ A produção total diária de resíduos dos habitantes de Cuiabá está situado entre 0,6 e 0,9 kg/ hab dia. Trabalhos como PAOLIELLO (1993), BRUGGER et al (1992), MENEGAT et al (2004) e dados do CEMPRE(a)(1994) CEMPRE(b)(2003), CEMPRE(c)

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RECICLAGEM NA CIDADE DE CUIABÁ Figura 2: Participação relativa dos principais materiais segregados nas esteiras da cooperativa dos trabalhadores e produtores de materiais recicláveis de Mato Grosso Ltda

Fonte: Relatório anual de gestão da Cooperativa dos Trabalhadores e Produtores de Materiais Recicláveis de Mato Grosso Ltda. (Coopermar), em Cuiabá (MT)

(2006) estima-se entre 0,3 e 0,4 o total de resíduos sólidos urbanos domiciliares coletados a quantidade de recicláveis presentes no total coletado. A eficiência operacional da triagem com materiais fornecidos por coleta seletiva, precedida de prévia segregação dos resíduos nas unidades domésticas, é muito maior. Estima-se que num total de 100% de resíduos coletados, sem prévia separação e sem coleta seletiva, seja atingida quantidade variável de 6% a 10% de materiais triados em esteiras ou em galpões. Do total recolhido diariamente, a empresa Qualix destina aproximadamente 30% para as esteiras da cooperativa, segundo informações obtidas no local e confirmadas na Secretaria Municipal do Meio Ambiente. Quando há boa coleta seletiva, precedida de processo de educação ambiental e permanente aprimoramento do processo, os

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índices reciclados se aproximam das quantidades de materiais recicláveis presentes nos resíduos sólidos domiciliares domésticos. Ou seja, num total de 100% de resíduos, os recicláveis seriam de 30 a 40% e a reciclagem ficaria muito próxima destas quantidades. Empregando as premissas, apresentamos uma simulação teórica de fácil compreensão no Quadro 1. A projeção de potencial não objetiva alcançar um número exato. Entretanto, partindo de premissas universalmente aceitas na bibliografia científica nacional e internacional, esta estimativa é válida. Outros fatores também vão interferir nos resultados, como a qualidade da segregação doméstica que os cidadãos de Cuiabá vão praticar, as condições de trabalho, o layout dos galpões de reciclagem, a eficiência dos processos de prensagem dos resíduos (para diminuição do volume de vazios

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Figura 3: Valores obtidos com a comercialização dos principais materiais segregados nas esteiras da Coopermar em 2008.

Fonte: Relatório anual de gestão da Cooperativa dos Trabalhadores e Produtores de Materiais Recicláveis de Mato Grosso Ltda. (Coopermar), em Cuiabá (MT)

durante o transporte) e outros fatores. No ano passado, foram contabilizadas cerca de 2.100 toneladas, que dividindo pelo número de dias úteis do mês perfazem aproximadamente entre 9 e 10 ton/por dia, muito próximo às 12 t obtidas com o fator arbitrado de 8% (equivalente a um valor intermediário entre 6 e 10% da bibliografia no caso de triagem sem prévia coleta seletiva). Isto valida o cálculo e permite afirmar

que a estimativa de 150 t com o fator 30% arbitrado para o potencial com coleta seletiva é muito realista. CONCLUSÕES A questão dos resíduos sólidos urbanos domiciliares (RSUD) é uma das faces mais visíveis e realistas da relevância que os temas vinculados ao meio ambiente ganham atualmente. A questão ambiental não será resolvida com

atitudes mágicas ou com ações espetaculares. A questão ambiental em suas variadas dimensões – que vão desde a otimização do uso dos recursos hídricos, eficiência energética, tratamentos de efluentes industriais e esgotos, gestão de resíduos sólidos (em suas infinitas formas), monitoramentos atmosféricos, ecodesign ou programas de responsabilidade socioambiental – sempre é um processo. Todas as dimensões ambientais serão resolvidas por intermédio de procedimentos de conscientização, adequação de arcabouços legais que respondam às necessidades sociais e contínuos processos de aprimoramento. Desta forma, a questão dos resíduos sólidos urbanos domiciliares também será resolvida. Com educação ambiental disseminando os conceitos de reduzir a geração de resíduos, reutilizar tudo o que for possível e reciclar os materiais passíveis de nova industrialização. É fundamental conceber a questão da reciclagem de forma holística, sistêmica e integrada. Assim como pensar na importância que o processo assume ao inserir grandes camadas da população, que por despreparo educacional e por carências financeiras, na atividade de agente ambiental, sua grande possibilidade de geração de trabalho e renda. E depois conceber a economia ambiental, com a re-

Quadro 1 Estimativa do potencial de execução de reciclagem nos materiais passíveis de utilização no município de Cuiabá

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dução do consumo de matérias primas, de água e de energia que a reciclagem patrocina. O relatório de gestão de 2008 da Cooperativa dos Trabalhadores e Produtores de Materiais Recicláveis de Mato Grosso Ltda. (Cooper-

RECICLAGEM NA CIDADE DE CUIABÁ mar) e as informações adicionais obtidas nas bibliografias nacional e internacional permitiram avaliar com precisão a situação atual de trabalho dos agentes ambientais. O diagnóstico possibilita a realização de um prognóstico

com muito realismo sobre os resultados que podem ser obtidos com o potencial de reciclagem dos resíduos sólidos urbanos domésticos de Cuiabá, capital do Estado do Mato Grosso.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas. 2004. Resíduos Sólidos: classificação, NBR 10.004. Rio de Janeiro, 2004. 30 p. BARTONE, C. 2001. Infraestruture Note W&S N.° UE-3. World Bank, Washington, USA, 2001. p. 11 -19. BENSANSUN, N. 2006. Conservação da biodiversidade em áreas protegidas. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. 176p. BRINGHENTI, J. R. 2004. Coleta Seletiva de resíduos sólidos urbanos: aspectos operacionais e da participação da população. Tese de Doutorado. Faculdade de Saúde Pública/UPS. 2004. 236 p. BROWN, L. 2003. Eco-Economia, Construindo uma Economia para a Terra. Salvador: UMA. 2003, 344 p. BRUGGER, C.M., SLOMPO, M. e TOIGO, C. A. – Produção per capita de resíduos sólidos domésticos em Caxias do Sul. Cadernos de Pesquisa. Universidade de Caxias do Sul, Brasil, 1992. CALDERONI, S. Os Bilhões Perdidos no Lixo. 4ª ed. São Paulo: Humanitas Editora/ FFLCH/UPS, 2003, 346 p. CAHYNA, F Monitoring of artificial infiltration using geoeletrical methods. In: WARD, S.H. (ed.), Geotechnical and Environmental Geophysics. v. 2. Environmental and Groundwater. Tulsa: Society of Exploration Geophysicists, 1990. 87 p. CAPOROSSI, S. S. A. 2002. Análise Comportamental do Chorume do Aterro Sanitário e do Sistema de Tratamento na Central de Disposição Final de Resíduos Sólidos Urbanos de Cuiabá/MT. 2002. 109 p. Dissertação (Mestrado em Ciências em Engenharia Civil) - Coordenação dos Programas de Pós-Graduação de Engenharia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2002. 132 p. CEMPRE (a) – Compromisso Empresarial para a reciclagem. Pesquisa Clicsoft. Rio de Janeiro, 1994. CEMPRE (b) – COMPROMISSO EMPRESARIAL PARA A RECICLAGEM. Manual de Gerenciamento Integrado. São Paulo. SP. 2003. CEMPRE (c) – COMPROMISSO EMPRESARIAL PARA A RECICLAGEM. Relatório Anual 2005. São Paulo, SP, 2006, disponível em http://www.cempre.org.br, acesso em 02.08.2006. COSTA, Bertoldo Silva, Diagnóstico e Proposta de gestão de Resíduos Sólidos no Estado do Mato Grosso, PNUD Contrato 2002/000676, Relatório Interno FEMA-MT, 2002. MANCINI, S. D. e ZANIN, M. – Estudo sobre a relação entre consumo e descarte dos principais plásticos. Plástico Industrial. Ano II, n 25 p 118-125. Setembro de 2000. MENEGAT, R.; ALMEIDA, G. 2004. (org.). Desenvolvimento sustentável e gestão ambiental nas cidades: estratégias a partir de Porto Alegre. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004. 422p. NAIME, R. 2005. Gestão de Resíduos Sólidos: Uma abordagem prática. Novo Hamburgo: Feevale, 2005. 136 p. PAOLIELLO, J. R. Potencial da reciclagem do lixo na cidade de Alfenas – MG. Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Campinas. Departamento de Hidráulica e Saneamento. 1993. 201p. REMEDIO, M. V. P, MANCINI, S. D. e ZANIN, M. – Potencial de reciclagem de resíduos em um sistema de coleta de lixo comum. Engenharia Sanitária e Ambiental, v 7 n 1 jan/mar 2002 e v2 abr/jun 2002. TCHOBANOGLOUS, G. “Wastewater Engineering: Treatment Disposal”. Metcalf & Eddu Inc. Mc Graw Hill. Nova Déli, 1979, 548p. 8. Agradecimentos À Cooperativa dos Trabalhadores e Produtores de Materiais Recicláveis de Mato Grosso Ltda. (Coopermar), de Cuiabá (MT), pelo fornecimento dos dados do relatório de gestão de 2008.

ABSTRACT Assessment of potential for recycling in the city of Cuiabá (MT) This work makes a diagnosis of current situation of recycling in the landfill of the city of Cuiabá, and runs from these data an assessment of the potential for recycling of household waste. Based on the data of the annual report of 2008 the cooperative workers and producers of recyclable materials from Mato Grosso Ltda, which shows the main items are subject to recycling. Initially the frame is made of recyclable materials and then an explanation of the situation of the management of household waste in any state of Mato Grosso. The work shows the conditions of work that the cooperative is in the sanitary landfill of Cuiabá. The following are the data obtained from the compilation of the annual report of the cooperative of workers and producers of recyclable materials from Mato Grosso. Subsequently, based on information obtained from the sanitary landfill and in references is performed a projection of the potential for recycling in the city study. Concluding remarks are made on entering the solid waste issue in the context of sustainable development and the social importance that recycling is for all actors involved in the process and for the environmental economy in the world. Keywords: waste, recycling and sanitary, landfill

RESUMEN Evaluación del Potencial de Reciclaje en Cuiabá - MT Este trabajo hace um diagnóstico de la situación actual del reciclaje em el relleno sanitário em la ciudad de Cuiabá em Brasil, y ejecutar de estos datos uma evaluación del potencial de reciclado de resíduos sólidos domiciliários. Sobre La base de datos del informe 2008 de La gestión cooperativa de lós trabajadores y productores de materiales reciclabes de Mato Grosso Ltda, que se muestran lós elementos principales, son objeto de reciclaje. Inicialmente, l fondo és hecho de materiales reciclables y luego um comunicado de la gestión de lós resíduos sólidos domiciliários em cualquier ciudad de Mato Grosso. El trabajo muestra lãs condiciones de trabajo que La cooperativa es el vertido de Cuiabá. Los siguientes son lós datos obtenidos com la elaboración del informe anual de La cooperativa de trabajadores y produtores de materiales reciclabes de Mato Grosso. Posteriormente, com base em la información obtenida en el relleno sanitário y em lãs referencias que se lleva a cabo, uma proyección de materiales reciclables em el estúdio del hogar. Observaciones finales se hacen em el tema de lós resíduos sólidos em el contexto del desarollo sostenible y la importância ambiental y social que el reciclaje es para todos lós actores involucrados, y su propia economia ambiental em el mundo. Palabras clave: resíduos sólidos, el reciclaje, vertedero.

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PARECERES E JURISPRUDÊNCIA

Princípio da segurança jurídica e a decadência da prerrogativa da Administração de anular seus próprios atos Gustavo da Costa Ferreira M. dos Santos Assessor Jurídico do IBAM

CONSULTA O consultor jurídico da Câmara Municipal relata que foi formulado requerimento pelo servidor público municipal R.G.S em 03/11/2010, e que a consultoria jurídica deu parecer favorável à sua pretensão. Relata que o servidor em questão ingressou na municipalidade por concurso público no dia 12/08/1991 na função de encarregado de manutenção de prédio, e que, no dia 10/02/1992, “passou para o cargo de motorista”, o qual exerce até hoje. Esclarece que, a partir de março de 1992, todos os motoristas “da representação oficial recebiam 92 horas extras por mês”, e que a partir de 2003 passaram a receber 60 horas extras por mês, nos termos de portaria do Legislativo. Informa que, “de 1993 a 2007”, com a mudança do regime celetista para estatutário, houve a criação do instituto de previdência próprio, e que os “salários” sofriam os descontos legais juntamente com as horas extras. Relata, ainda, que houve “integralização das horas extras ao salário-base face à habitualidade e forma contínua”, e que a Lei Complementar nº 13 de 07/10/1993, em seu art. 192, reza que os reflexos das horas extras incidirão sobre a aposentadoria. Os arts. 151 e 153 do mesmo diploma legal confirmam que os proventos de aposentadoria, quando de sua concessão, corresponderão à totalidade da remuneração, nela englobadas as horas extras. Em face do exposto, indaga especificamente se, quando da concessão da aposentadoria, deverá ser “computado o salário base enriquecido com as horas extras prestadas habitualmente”. Indaga se estas horas extras “já estão alojadas e incorporadas definitivamente aos vencimentos do servidor, mesmo com a conversão do regime jurídico de celetista para estatutário”, e se a supressão destas horas extras afrontaria algum direito adquirido. A consulta não vem documentada.

RESPOSTA Como se sabe, o provimento de cargos públicos efetivos dá-se,

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via de regra, de forma originária, após a aprovação em concurso público, nos termos do art. 37, II, da Constituição. Trata-se de exigência

destinada a densificar os princípios da moralidade e da impessoalidade, impedindo que os detentores de poder possam lotear a Administra-

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ção Pública arbitrariamente, para atendimento de seus interesses privados. Sobre o assunto, o STF já editou a Súmula nº 685, que trazemos à colação: “É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido.” (Súmula 685). É bem verdade que a regra comporta exceções, previstas no próprio texto constitucional. É possível haver provimento derivado de cargos que integram uma mesma carreira, por meio da promoção (art. 39, § 2º, da CRFB), conforme explicitado na própria súmula. O mesmo raciocínio se aplica ao provimento derivado decorrente de reingresso no Poder Público, mediante ato de reintegração (art. 41, § 2º, da CRFB), ou, ainda, por aproveitamento (art. 41, § 3º, da CRFB), em caso de extinção dos cargos. No caso da consulta, contudo, com muita clareza se observa que a Câmara Municipal cometeu graves irregularidades no trato com o servidor público que ora pretende se aposentar. A primeira e mais evidente delas reside no fato de o aludido servidor ter sido investido ilegalmente em cargo para o qual não foi aprovado em concurso: conforme relatado pelo próprio consulente, aprovado para o emprego público de “encarregado de manutenção”, em 1992 “passou” para o cargo de motorista. Com efeito, por força da exigência constitucional, o acesso ao cargo de “motorista”, que nada tem a ver com o de “encarregado de manutenção” deveria ser precedido de aprovação em outro concurso público. Sobre o assunto, pertinente o magistério de Celso Antônio Bandeira de Mello: “O que a Lei Magna visou com os princípios da acessibilidade e do concurso público foi, de um

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lado, ensejar a todos iguais oportunidades de disputar cargos ou empregos na Administração direta e indireta. De outro lado, propôs-se a impedir tanto o ingresso sem concurso, ressalvadas as exceções previstas na Constituição, quanto obstar a que o servidor habilitado por concurso para cargo ou emprego de determinada natureza viesse depois a ser agraciado com cargo ou emprego permanente de outra natureza, pois esta seria uma forma de fraudar a razão de ser do concurso.” (CELSO, Antônio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 257 e 258 grifo nosso). Rememore-se que, consoante o entendimento tradicional, que foi objeto da Súmula nº 473 do STF, “a administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos”. Decorreria da aplicação literal da súmula a necessidade de anulação do ato que promoveu a passagem do servidor para o cargo de motorista, bem como a retirada de todos os seus efeitos, notadamente os direitos que decorreram de seu exercício. Em regra, nenhum efeito que decorra de ato nulo pode ser preservado, tendo em vista a indisponibilidade do interesse público. No entanto, da ponderação entre o princípio da legalidade e outros princípios também estimados pela nossa ordem jurídica, tais como a segurança jurídica, vedação ao enriquecimento sem causa e a boa-fé, resulta, em alguns casos, consentâneo com o interesse público justamente a subsistência de alguns desses efeitos. Uma hipótese bastante comum em que se admite a preservação dos efeitos de ato ilegal ocorre quando há provimento inválido de cargo público e tenha o servidor agido de boa-fé e efetivamente prestado serviços ao poder público. Sobre o tema, é pertinente a lição de Celso Antônio Bandeira

de Mello: “Com efeito, se os atos em questão foram obra do próprio Poder Público, se estavam, pois investidos na presunção de veracidade e legitimidade que acompanha os atos administrativos, é natural que o administrado de boa-fé (até por não poder se substituir à Administração na qualidade de guardião da lisura jurídica dos atos por ela praticados) tenha agido na conformidade deles, desfrutando do que resultava de tais atos. Não há duvida que, por terem sido invalidamente praticados, a Administração (...) deva fulminálos, impedindo que continuem a desencadear efeitos; mas também é certo que não há razão prestante para desconstituir o que se produziu sob o beneplácito do próprio Poder Público e que o administrador tinha o direito de supor que o habilitava regularmente. Assim, v.g., se alguém é nomeado em consequência de concurso público inválido, e por isso vem a ser anulada a nomeação dela decorrente, o nomeado não deverá restituir o que percebeu pelo tempo em que trabalhou. Nem se diga que assim há de ser tão-só por força da vedação do enriquecimento sem causa, que impediria ao Poder Público ser beneficiário de um trabalho gratuito. (MELLO, Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 227-228) Questão mais difícil diz respeito à necessidade de que o motorista em questão retorne, a partir da constatação da existência da ilegalidade, para o exercício de seu cargo de origem, tendo em vista a nulidade do provimento derivado. O IBAM sempre entendeu que a gravidade da inobservância de concurso público impede a convalidação do vínculo ilegal, impondo-se seu desfazimento e o consequente retorno ao status quo. No entanto, existe uma tendência da doutrina e da jurisprudência dos tribunais superiores a reconhecer a impossibilidade de a Administração, ultrapassado o prazo de 5 (cinco) anos, anular e retirar os efeitos de

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atos viciados que ela mesmo tenha praticado, especialmente quando favoráveis para o particular de boa fé. Nesse sentido, é pertinente a lição de Luiz Fux: “Se é assente que a Administração pode cancelar seus atos, também o é que por força do princípio da segurança jurídica obedece aos direitos adquiridos e reembolsa eventuais prejuízos pelos seus atos ilícitos ou originariamente lícitos, como consectário do controle jurisdicional e das responsabilidades dos atos da Administração. (...) Em consequência, não é absoluto o poder do administrador, conforme insinua a Súmula 473”. Não é diverso o entendimento de Celso Antônio Bandeira de Melo: “Vê-se, pois, que este prazo de cinco anos é uma constante nas disposições gerais estatuídas em regras de Direito Público, quer quando reportadas ao prazo para o administrado agir, quer quando reportadas ao prazo para a Administração fulminar seus próprios atos. Ademais, salvo disposição legal explícita, não haveria razão prestante para distinguir entre Administração e administrados no que concerne ao prazo ao cabo do qual faleceria o direito de reciprocamente se proporem ações.” Isto posto, estamos em que, faltando regra específica que disponha de modo diverso, ressalvada a hipótese de comprovada má-fé em uma, outra ou em ambas as partes de relação jurídica que envolva atos ampliativos de direito dos administrados, o prazo para a Administração proceder judicialmente contra eles é, como regra, de cinco anos, quer se trate de atos nulos, quer se trate de atos anuláveis.” (Op. cit., p. 1047 - grifo nosso) O próprio TJSP já se posicionou nesse sentido: “Apelação Cível. Servidora pública aposentada há quase oito anos. Município de Osasco. Revisão do ato administrativo que lhe havia concedido

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aposentadoria pela Administração do Município. Revisão ocorrida mais de sete anos após o ato de aposentadoria. Inadmissibilidade. Preservação do princípio da segurança jurídica. Prazo para a Administração rever seus próprios atos que deve guardar simetria com o prazo prescricional para o particular acionar o Poder Público. Ação julgada improcedente na origem. Decisão reformada. Recurso provido. Precedentes: STF: MS 24.268; MS 22.357 e RE 217.141-5; STJ: REsp. 493.307 c REsp. 219.883. Por força do princípio da isonomia, o prazo para a Administração Pública anular, invalidar ou rever os seus próprios atos, que repercutam na esfera de direitos dos seus servidores ou administrados, é de cinco anos. (Apelação cível: APL 994050234399. Relator(a): Rui Stoco. Julgamento: 15/03/2010. Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito Público. Publicação: 08/04/2010) Igualmente o STJ: “Não pode a Administração Pública, após o lapso temporal de cinco anos, anular ato administrativo que considera viciado, se o mesmo gerou efeitos no campo e no interesse individual, incorporando-se ao seu patrimônio jurídico. Precedentes. Recurso não conhecido” (STJ: REsp 493.307. 5ª T. Rel. Felix Fisher. DJU 26/09/2005). E, também, o STF: “Servidor público. Funcionário(s) da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT. Cargo. Ascensão funcional sem concurso público. Anulação pelo TCU. Inadmissibilidade. Ato aprovado pelo TCU há mais de cinco anos. Inobservância do contraditório e da ampla defesa. Consumação, ademais, da decadência administrativa após o quinquênio legal. Ofensa a direito líquido e certo. Cassação dos acórdãos. Segurança concedida para esse fim. Aplicação do art. 5º, LV, da CF e art. 54 da Lei federal 9.784/1999. Não pode o TCU, sob fundamento ou pretexto algum, anular ascensão funcional

de servidor operada e aprovada há mais de cinco anos, sobretudo em procedimento que lhe não assegura o contraditório e a ampla defesa.” (MS 26.560, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 17-12-2007, Plenário, DJE de 22-2-2008.) No caso da consulta, portanto, tendo em vista o fato de o servidor ter sido investido indevidamente no cargo de motorista em 1993, não pode a Administração, quase 20 anos depois, anular o ato de provimento derivado em desfavor do servidor. A aposentadoria, desse modo, processar-se-á normalmente, tendo em vista o fato de o provimento no cargo de motorista, ainda que indevido, ter se consolidado com o decurso do tempo. Observamos, também, que é absolutamente inviável o aumento da jornada habitual realizado mediante concessão automática de horas extras, o qual foi objeto de ato administrativo formal (portaria). No caso da consulta, conforme afirmado pelo consulente, ao servidor indevidamente investido no cargo de motorista eram asseguradas mensalmente 92 (noventa e duas) horas extras mensais desde 1992, diminuídas, em 2003, para 60 (sessenta) horas mensais. Ocorre que a o serviço extraordinário, como o nome diz, somente pode ser realizado em situações excepcionais e imprevistas. A carga horária habitual dos servidores públicos é fixada por lei, e a prestação de serviços em período que a ultrapasse é remunerada em no mínimo 50% sobre o valor da hora normal (art. 7º, XVI, c/c art. 39, § 3º, da CRFB). A prestação de serviço extraordinário habitual e permanente não só viola ditame constitucional garantidor da duração máxima do trabalho, como enseja distorções na administração de gastos com pessoal por conta do elevado valor das horas extras. Muitas vezes, as horas extras são utilizadas como artifício para aumentar indiretamente a remuneração os servidores, abrindo

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brecha para possíveis favorecimentos pessoais. Assim, em vista de sua ilegalidade, a portaria mediante a qual foi aumentada a jornada habitual dos motoristas por meio da concessão de horas extras deve ser anulada. Caso haja déficit de pessoal, é viável que se aumente a carga horária dos cargos com a modificação do plano de cargos do Poder Legislativo. Como a remuneração dos servidores é irredutível (art. 37, XV, da CRFB), deverá haver aumento proporcional de seus vencimentos, que nos termos do art. 51, IV c/c art. 37, X e art. 29, caput, deverá ser realizado por meio de lei de iniciativa do próprio Legislativo. De qualquer modo, a incorporação das horas extras, ainda que habituais, ao contrário do que sugere o consulente, é repelida pelo nosso ordenamento jurídico. Afinal, se elas são, por sua natureza, transitórias e excepcionais, não há sentido em haver incorporação. Muito embora existam decisões de tribunais estaduais que reconhecem a possibilidade de incorporação quando haja previsão legal, o STJ já firmou entendimento em sentido contrário: “Agravo Regimental. Recurso Especial. Administrativo. Servidor público. Horas Extras. Incorporação. Impossibilidade. Natureza Propter Laborem. Supressão de vantagem. Decadência afastada. (...) 1. As horas extras têm natureza propter laborem, pois são devidas aos servidores enquanto exercerem atividades além do horário normal, razão pela qual não podem ser incorporadas à remumeração do servidor ou aos seus proventos de aposentadoria. Precedentes. 2. De acordo com a jurisprudência firmada nesta Corte Superior de Justiça, pode a Administração rever seus próprios atos no prazo decadencial previsto na Lei Federal nº 9.784, de 1º/2/99. 3. A colenda Corte Especial, no julgamento do MS 9.112/DF, firmou entendimento no sentido de que

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os atos administrativos praticados anteriormente ao advento da mencionada Lei estão sujeitos ao prazo decadencial quinquenal contado da sua entrada em vigor. Ressalva desta Relatora. 4. Agravo regimental improvido.” (AgRg no REsp 943.050/PA, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 21/09/2010, DJe 11/10/2010 – grifo nosso) Feitas estas considerações, passamos a enfrentar a questão da aposentadoria. A partir do relatado pelo consulente, deduz-se haver no Município Regime Próprio de Previdência Social. À luz da nova redação dada pela Reforma da Previdência (EC nº 20/1998, EC nº 41/2003 e EC nº 47/2005) ao caput do art. 40, da Constituição, os regimes próprios de previdência devem se revestir, obrigatoriamente, de caráter contributivo e solidário, pautados no equilíbrio econômico-financeiro e atuarial. O Município possui, pois, autonomia para instituir regime próprio de previdência dirigido aos titulares de cargo efetivo, devendo ser observadas as normas gerais ditadas pela União pela Lei Federal nº 9.717, de 27 de novembro de 1998, alterada pela Lei nº 10.887/2004, que, a seu turno, disciplina as regras gerais para organização e funcionamento dos regimes próprios de previdência dos servidores públicos de todas as unidades federativas (art. 9º, II). Releva considerar que, após o fim do direito à aposentadoria integral ocorrido com a EC nº 41/2003, os proventos dos servidores passaram a ser calculados de acordo com o art. 40, § 3º da Constituição, que assim estabelece: “Art. 40. (...) (...) § 3º Para o cálculo dos proventos de aposentadoria, por ocasião da sua concessão, serão consideradas as remunerações utilizadas como base para as contribuições do servidor

aos regimes de previdência de que tratam este artigo e o art. 201, na forma da lei.” Nesse passo, cabe à lei municipal, observadas as normas da Constituição Federal, da Lei Federal nº 10.887/2004 e da Lei Federal nº 9.717/1998, determinar quais vantagens remuneratórias integrarão a base de contribuição dos servidores, sendo certo que, por expressa previsão do art. 4º, § 1º da Lei nº 10.887/2004, os acréscimos estipendiários de caráter permanente previstos em estatuto dela não podem ser excluídos. Conforme relatado, a legislação local incluiu as horas extras como base de cálculo da contribuição previdenciária; dessa forma, adotando-se a forma de cálculo prevista na atual redação do art. 40, § 3º, elas serão levadas em consideração no estabelecimento do valor dos proventos. No entanto, o servidor em questão, por ter ingressado no serviço público em 1991 – ou seja, antes das EC nº 41/2003 – poderá valer-se das regras de transição para ter direito à aposentadoria integral, tendo direito à paridade com a remuneração dos servidores em atividade. Para tanto, nos termos do art. 3º da EC nº 47/2005, deverá atender aos seguintes requisitos: “Art. 3º Ressalvado o direito de opção à aposentadoria pelas normas estabelecidas pelo art. 40 da Constituição Federal ou pelas regras estabelecidas pelos arts. 2º e 6º da Emenda Constitucional nº 41, de 2003, o servidor da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, que tenha ingressado no serviço público até 16 de dezembro de 1998 poderá aposentar-se com proventos integrais, desde que preencha, cumulativamente, as seguintes condições: I - trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição, se mulher; II - vinte e cinco anos de efetivo exercício no serviço público, quinze

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anos de carreira e cinco anos no cargo em que se der a aposentadoria; III - idade mínima resultante da redução, relativamente aos limites do art. 40, § 1º, inciso III, alínea “a”, da Constituição Federal, de um ano de idade para cada ano de contribuição que exceder a condição prevista no inciso I do caput deste artigo.” As horas extras, como afirmado, são vantagens de natureza remuneratória propter laborem, ou seja, pagas apenas em razão da efetiva prestação do serviço em jornada extraordinária. Não se incorporando automaticamente aos vencimentos do servidor público, conquanto se percebidas habitualmente, não podem ser computadas para fins de cálculo dos proventos integrais, que têm como paradigma o vencimento básico acrescido das vantagens remuneratórias permanentes. Sobre o assunto, é farta a jurisprudência do STJ: “Processual. Civil e Administrativo. Embargos de Declaração. Agravo Regimental. Funcionários Públicos regidos pela CLT. Transposição para o Regime Estatutário. Gratificação de Horas Extras.Supressão. Irredutibilidade Salarial. Decadência da Administração.. ART.54 da Lei 9.784/99. Ocorrência. 1. Consoante jurisprudência deste STJ, as gratificações de horas extras não podem ser incorporadas à remuneração do servidor ou aos proventos da aposentadoria, porquanto possível a supressão da gratificação. Ademais, o servidor público não possui direito adquirido à imutabilidade de regime jurídico e de remuneração, desde que respeitada a irredutibilidade vencimental. 2. No tocante à decadência, art. 54 da Lei 9.784/99, verifica-se que o Tribunal de origem aplicou o entendimento desta Corte, assentando a compreensão de que, até a edição da Lei nº 9.784/1999, a Administração podia rever seus atos a qualquer tempo. Somente a partir de

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sua edição passou a vigorar o prazo decadencial de cinco anos, previsto no artigo 54 da referida lei. 3. Embargos de declaração acolhidos, sem injunção no resultado.” (EDcl no AgRg no REsp 651.576/PA, Rel. Ministro Celso Limongi (desembargador convocado do TJ/SP), sexta turma, julgado em 11/05/2010, DJe 31/05/2010 – grifo nosso) Desse modo, optando o servidor pelos proventos integrais, nos termos do art. 3º da EC nº 47/2005, as horas extras não poderão ser computadas no cálculo de seus proventos, que consistirão no vencimento básico do motorista em atividade, acrescido das vantagens pessoais permanentes a que faz jus o servidor. Sem embargo, o servidor pode aposentar-se segundo as regras do art. 40, § 1º, inciso III, “a” da CRFB, com redação dada pela EC nº 41/2003, hipótese em que abrirá mão do direito à paridade, mas terá seus proventos calculados com base nas contribuições previdenciárias que tenham sido recolhidas. Sem embargo de tudo o que foi exposto, deve ter em mente que o gestor público, ao tomar conhecimento de qualquer ilegalidade, tem o dever de ofício de tomar duas providências básicas: sanar as irregularidades e promover a apuração das respectivas responsabilidades. Assim deverá fazê-lo o Presidente da Câmara, ciente da invalidade do provimento do cargo de motorista e da impossibilidade de concessão de horas extras habituais, sob pena de ser responsabilizado político-administrativamente em procedimento de cassação no âmbito do Poder Legislativo, ou mesmo responder a ação de improbidade administrativa, na forma da Lei nº 8.429/1992. Em face do exposto, respondemos objetivamente aos questionamentos formulados: - o servidor público foi ilegalmente provido sem concurso público para o cargo de motorista. No entanto, tendo em vista o princípio

da segurança jurídica, da boa fé e da vedação ao enriquecimento sem causa, não pode a Administração, quase 20 anos depois da ilegalidade, anular o provimento derivado e requerer a devolução dos valores percebidos a este título. Desse modo, poderá o servidor em questão aposentar-se no cargo de motorista, conforme o art. 40, § 1º, III, “a” da CRFB, ou optar pela aposentadoria integral na forma do art. 3º da EC nº 47/2005; - as horas extras são expediente excepcional ao qual a Administração somente pode recorrer em situações imprevistas e extraordinárias, sendo ilegal a concessão habitual como forma de aumento da carga horária do servidor. Portanto, impõe-se a anulação da portaria em vigor que estabelece o pagamento automático de 60 horas extras a todos os motoristas; - as horas extras são vantagens remuneratórias propter laborem que não podem ser incorporadas aos vencimentos do servidor, ainda que prestadas habitualmente. Desse modo, é incabível o cômputo de horas extras para cálculo dos proventos integrais concedidos na forma da norma de transição prevista no art. 3º da EC nº 47/2005. Os proventos integrais deverão ser calculados pela soma do vencimento básico do servidor da ativa acrescido das vantagens pessoais permanentes, sendo inviável o pagamento de quaisquer vantagens transitórias, como é o caso das horas extras; - caso o servidor opte por se aposentar pelas regras do art. 40, § 1º, III, “a”, da CRFB, as horas extras serão levadas em conta para fins de cálculo dos proventos, uma vez que foram incluídas na base de contribuição previdenciária do servidor, e, nos termos do § 3º do mesmo dispositivo, os proventos serão calculados por meio de uma média das contribuições realizadas. No entanto, nessa hipótese o servidor abrirá mão do direito à paridade com os servidores da ativa, submetendo-se às novas regras para cálculo e reajuste do benefício previdenciário.

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PARECERES E JURISPRUDÊNCIA

Reestruturação financeira do SAAE Heraldo da Costa Reis Coordenador do CEIF – Ensur/IBAM (Finanças, Orçamento, Contabilidade

O vereador de uma Câmara Municipal informa que um amigo economista enviou-lhe mensagem na qual propõe a capitalização do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE), autarquia municipal, por meio da criação de um Fundo Especial gerido por um Conselho. A fundamentação para esta proposta está contida no texto da mensagem transcrita a seguir. Nos últimos meses têm acontecido fortes discussões sobre o papel do SAAE na comunidade. As principais queixas estão relacionadas a questões emergenciais no abastecimento (falta constante de água e por longos períodos), que por sua vez aparecem como incompetência dos administradores da autarquia e pela incapacidade operacional dos equipamentos disponíveis para suprirem a demanda. Como as discussões tendem a uma qualificação negativa da instituição, algumas medidas podem ser adotadas para procurar aumentar a eficiência e a eficácia dos serviços do SAAE. Por diversas vezes, os administradores do SAAE colocam como justificativa a debilidade financeira e a defasagem técnica como justificativa para a irregularidade da prestação de serviços. É o que de fato (por mais que a conta seja bem elevada relativamente) acontece, pelo que pude observar dos balancetes da instituição. Ainda há de lembrar que existem debates pelos bastidores da

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possibilidade, que nunca foi descartada, de privatização da autarquia. Diante deste cenário, pensei que, após ser estudada a sua validade legal, pode ser transformada em um projeto de lei ou indicação à Prefeitura da seguinte proposta: criação de um fundo emergencial para capitalizar o SAAE, a partir de exoneração tributária (ou incentivo fiscal). Assim como qualquer outro prestador de serviços, recai sobre o SAAE um tributo municipal, o Imposto Sobre Serviços. Se considerarmos que o faturamento do SAAE em 2010 aproximou-se de R$ 4 milhões e que sobre este valor incide a alíquota de 5% correspondente àquele imposto, foram repassados pelo órgão à Fazenda municipal aproximadamente R$ 200 mil somente com este tributo municipal. É possível, por meio de lei, criar uma exoneração tributária (um incentivo fiscal para que a autarquia possa atuar de maneira eficiente no mercado, atendendo o interesse público) ao SAAE dos encargos de caráter municipal. E que eles fossem reorientados, para um fundo especial, que teria como objetivo atender demandas emergenciais e de investimentos da autarquia relacionados a serviços. De antemão, observa-se a necessidade de criar um Fundo que deverá ter um Conselho para coordenação, e liberação e regulamentação nas aplicações dos recursos.

É importante criar mecanismos que impeçam uma desvinculação dos objetivos originais do Fundo. Desta forma, toda vez que a administração do SAAE solicitar a utilização dos recursos deve ser aprovada pelo Conselho e publicada em Diário Oficial o valor utilizado e a destinação. Deve destacar a prioridade de o fundo atender as necessidades emergenciais (como criar uma logística de imediato para abastecimento de regiões afetadas por irregularidade no abastecimento) e em caso de haver excedentes os recursos sejam aplicados em imobilização de capital (sobretudo equipamentos). De certa forma, esta exoneração tributária ou incentivo fiscal surtiria o efeito de um investimento ou de transferência de recursos do Executivo para a autarquia. Só que diferentemente de uma transferência do Executivo para a autarquia, o recurso advindo de um fundo tem um controle mais rígido a depender das especificações da lei que o regerá, o que inclui a sua forma de atuação. RESPOSTA A ideia da constituição de um Fundo Especial, na forma dos arts. 71 a 74 da Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, está associada a identificação de ações tidas como relevantes no contexto da Administração. Diante da incerteza

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financeira que pode comprometer a execução de tais prioridades, vinculam-se determinadas receitas a programas de trabalho com a finalidade de garantir a aquisição de bens e serviços e, consequentemente, a realização dos objetivos específicos preestabelecidos nesses programas de trabalhos. Assim, pode-se afirmar que o Fundo Especial tem por fim assegurar recursos financeiros suficientes ou lastro financeiro para a viabilização de programas, que dessa forma constituem o seu objetivo específico. Ocorre, entretanto, que a constituição dos recursos financeiros do Fundo Especial proposto, objeto da consulta, esbarra na proibição constitucional constante do art. 167, IV, a seguir transcrito: Art. 167 – São vedados: IV – a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts.158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para a realização de atividades de administração tributária,como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212, e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo. Por outro lado, a Autarquia constituída para executar serviços de interesse público, cujos recursos são exclusivamente públicos, por ser entidade jurídica de direito público interno, está isenta do pagamento de tributos de qualquer espécie, qualquer que seja a esfera governamental, conforme dispõe o art. 150, VI, § 2º, da Constituição da República, a seguir transcrito: Art. 150 – Sem prejuízo de

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outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: VI – instituir impostos sobre: patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros § 2º - A vedação do inciso VI, a, é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes. Observe o consulente que a regra constante do § 2º, do art. 150, transcrito, dispõe que a vedação depende da destinação dos recursos auferidos às finalidades essenciais do serviço ou às delas decorrentes, o que sem dúvida ocorre com o Serviço Autônomo de Água e Esgotos, por ter também tratamento de Fundo Especial. Ou seja, as suas receitas se vinculam, obrigatoriamente, aos seus objetivos. Bem, como reconstituir financeiramente o SAAE, já que há muito vem recolhendo indevidamente o ISS de qualquer natureza? O primeiro passo a ser dado é o levantamento do valor do imposto recolhido, a partir do ano em que o mesmo fora lançado e cobrado, o qual deverá ser transferido para a autarquia. Evidentemente, o processo deverá ser autorizado por lei municipal com base no dispositivo da Constituição da República, de iniciativa do Poder Executivo, podendo ser por indicação do Poder Legislativo. Dessa lei, também constarão: •฀A฀constituição฀do฀Fundo฀Especial de Capitalização no âmbito da Autarquia, cujos recursos financeiros se originarão da transferência da Prefeitura para a Autarquia referente à cobrança indevida do imposto. •฀A฀constituição฀do฀Conselho฀de฀ Gestão do Fundo e as suas funções.

•฀A฀autorização฀para฀a฀Prefeitura฀ alocar no seu orçamento anual, obrigatoriamente, a dotação necessária para a cobertura da despesa de transferência. •฀ A฀ forma฀ de฀ aplicação฀ dos฀ recursos do Fundo que visará, exclusivamente, o custeio das ações de aperfeiçoamento e da expansão dos serviços de água e de esgotos, para a qual será elaborado um plano de aplicação, que servirá de base para a elaboração do Plano Plurianual do Município e que acompanhará as Diretrizes Orçamentárias do Município e o próprio Orçamento da autarquia. •฀A฀forma฀de฀contabilização฀na฀ Autarquia das aplicações dos recursos nas ações de aperfeiçoamento e de expansão dos seus serviços. •฀A฀obrigatoriedade฀da฀organização e da manutenção na Autarquia de um sistema de contabilidade custos e de contabilidade financeira, de forma a demonstrarem, respectivamente, a formação dos preços dos serviços e do impacto das operações sobre o seu fluxo de caixa por atividades. •฀A฀alocação฀do฀Fundo฀Especial฀ de Capitalização no orçamento da autarquia. •฀ A฀ transferência฀ de฀ um฀ exercício para o seguinte do saldo do Caixa do Fundo. •฀Autorização฀para฀abertura฀de฀ um crédito especial no âmbito da Prefeitura Municipal, cujos recursos para a sua concretização poderão provir da reserva de contingência, caso não haja recurso orçamentário no seu orçamento para o atendimento da obrigação. Por último, as medidas mencionadas a serem providenciadas no âmbito da Prefeitura Municipal deverão observar a regra contida no art. 17 e seus parágrafos, da Lei Complementar nº 101/2000, a Lei de Responsabilidade Fiscal.

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EM FOCO

Projeto Florescer: exemplo de boa governança urbana do Município de Rio das Flores (RJ) Marlene Fernandes Assessora para Assuntos Internacionais do IBAM

Por meio do Projeto Florescer, iniciado em 2004, o Município de Rio das Flores (RJ) soube superar em poucos anos a situação de decadência econômica que afetava as condições de vida, de moradia e de trabalho da sua população (aproximadamente 8.700 pessoas). Contando com a ativa participação popular e de parcerias públicas e privadas, estratégicas para o seu desenvolvimento, em oito anos foram feitos investimentos públicos superiores aos empreendidos nos últimos 30 anos. O resultado foi acesso à moradia, aos serviços de saneamento, ao emprego e a serviços sociais. Houve melhora significativa do IDH-Municipal, o PIB cresceu 313% em três anos, em função da elevação da escolaridade e da empregabilidade, e do fomento às atividades produtivas em vários setores da economia local, com a geração de mais de 1.500 empregos formais. Ressalte-se a importância da elaboração de um diagnóstico socioeconômico, com enfoque na Agenda 21 e nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, a partir do qual foram definidas as prioridades de ação. Destaca-se ainda a criação de Centros de Governança, constituídos por representantes do governo, da comunidade e do setor empresarial, responsáveis pelo acompanhamento do planejamento e da implantação do desenvolvimento sustentável do Município.

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No Município de Rio das Flores, o PIB cresceu 313% em três anos, em função da elevação da escolaridade e da empregabilidade, e do fomento às atividades produtivas em vários setores da economia local

Rio das Flores recebeu em 2007 o Prêmio Prefeito Empreendedor, oferecido pelo Sebrae/

RJ, e, em 2009, o Prêmio Caixa Melhores Práticas em Gestão Local.

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PERGUNTE AO IBAM

O processo de gestão de pessoas tem no recrutamento e na seleção momentos de grande importância. A realização de concursos públicos, recrutando e selecionando servidores, faz com que o gestor indague sobre sua importância. Quais os alertas e as orientações que o IBAM apresenta aos leitores sobre este assunto? Claudia Ferraz Superintendente de Organização e Gestão do IBAM

A realização de concursos contribui para o desenvolvimento institucional da Administração Pública: a melhor qualificação do quadro de pessoal, a implementação do sistema do mérito e a valorização das carreiras produzirão impactos positivos na profissionalização dos servidores públicos e das ações governamentais. As equipes estarão melhor preparadas para enfrentar os desafios da gestão, ocasionando ampliação da credibilidade do setor como ente capaz de exercer a competência que lhe é destinada constitucionalmente e oferecer mais e melhores serviços à população. O concurso é ferramenta para a democratização das oportunidades de trabalho no serviço público, onde todos os inscritos passam pelas mesmas chances de disputar cargos e empregos públicos, de maneira impessoal. Respeitados os princípios constitucionais de igualdade e isonomia, os melhores candidatos são avaliados e selecionados pela expressão de seu conhecimento e competência mediante provas ou provas e títulos. A efetiva aferição dos conhecimentos necessários ao exercício dos cargos e empregos a serem preenchidos por concurso público é requisito básico para a melhoria e crescente profissionalização do

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corpo de servidores municipais. Por isto as provas elaboradas pelo IBAM tem como base a definição do perfil do cargo e os conteúdos e campos de conhecimentos requeridos para o os mesmos. As são elaboradas por banca composta por profissionais especialistas, reconhecidos nas suas áreas de conhecimento, com vasta experiência na metodologia de trabalho do Instituto. Todas firmam termo de compromisso acerca da qualidade técnica e do sigilo que envolve o processo. Também, concursos demandam a existência de uma organização executora experiente, composta por especialistas temáticos, pedagogos, profissionais de recursos humanos, técnicos em logística, enfim, equipe com larga experiência nos campos de trabalho que serão objeto do concurso, tanto no que diz respeito à legislação pertinente quanto às peculiaridades de desempenho e de gestão. Vale ressaltar que a execução de concursos é, dentre todas as atividades da área de recursos humanos, a mais factível de ser atingida por processos fraudulentos e, neste sentido, a observação estrita de mecanismos de controle, segurança e lisura de procedimentos é indispensável.

A transparência e a excelência em logística, entre outras características, são destaques do processo de realização do certame. Aliando-se à qualidade dos trabalhos a minimização da pressão orçamentária sobre os Governos Municipais, vem mediante a prática da contratação por risco, ou seja, com todas as despesas custeadas pelos valores de inscrição, ficando, praticamente, sem ônus para o contratante a realização dos concursos. O gestor público pode dedicar-se, portanto, a saber mais sobre as dimensões técnicas desta importante modalidade de recrutamento e seleção, indagando sobre as características do Concurso que podem impactar o futuro da gestão municipal e, consequentemente, a avaliação que terá o mandato do Prefeito. A existência de quadros permanentes na administração pública tem, entre outros fundamentos, a necessidade de assegurar o funcionamento do Estado em meio à alternância de partidos políticos – e de pessoas em posição de mando – no Governo, como é inerente à democracia. E o processo de formação e aprimoramento da estrutura administrativa governamental se inicia com a realização de concursos bem-formulados.

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