Revista SP Câncer (Outubro de 2013)

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Ciência na

cabeça

Novo conceito permite mapear as funções do cérebro durante cirurgia

Minha História O relato da enfermeira que se tornou paciente no Instituto

Humanização Ações transformam a assistência para crianças e adolescentes


EDITORIAL

Pesquisa, tecnologia e humanização Depois das justas comemorações pelos cinco anos do Icesp, é hora de arregaçar as mangas para seguir avançando para a evolução do tratamento do câncer e do atendimento de nossos pacientes. E esse avanço só é possível investindo em pesquisa. O Instituto do Câncer do Estado de São Paulo se orgulha de ser um dos principais pólos de pesquisa e de produção de conhecimento sobre a doença da América Latina. Por isso, convido os leitores a conhecerem nesta edição da SP Câncer o professor Roger Chammas, um renomado pesquisador que trabalha obstinadamente na busca por tratamentos cada vez mais rápidos e precisos no combate ao câncer. Em sua entrevista, Chammas nos dá a chance de conhecer um pouco sobre sua rotina, sobre sua paixão pela pesquisa e sobre as perspectivas para novos tratamentos. O resultado visível de tanta pesquisa e investimentos são as técnicas cada vez mais precisas e eficientes utilizadas no Icesp. A Microcirurgia Funcional, que permite a retirada de tumores cerebrais com baixo risco de sequelas neurológicas, é um desses ‘milagres’ da medicina que são oferecidos gratuitamente à população atendida no instituto. Você verá nesta revista como, com a junção de sofisticadas técnicas cirúrgicas e de captação de imagens, tornou-se possível mapear o cérebro para planejar e executar minuciosamente a retirada do tumor. Mas é na história de cada paciente, médico e enfermeiro que esse universo da alta tecnologia e da pesquisa ganha sua melhor tradução. E a trajetória da enfermeira do Icesp, Patrícia Sanches Salles, é um exemplo inspirador. Você verá como ela passou de enfermeira a paciente após ter um câncer diagnosticado. E como, após realizar o tratamento, voltou com ainda mais força e dedicação para cuidar dos pacientes do instituto. São histórias como essas que nos dão força para seguirmos em frente na construção de um Icesp cada vez melhor. Convictos sobre o ótimo trabalho realizado até aqui e determinados a avançar sempre mais. Esse é o nosso compromisso com cada um dos nossos colaboradores e, principalmente, com cada um de nossos pacientes. Boa leitura! Paulo M. Hoff – diretor geral do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo Octavio Frias de Oliveira


ANO 4 | No.14 | Outubro

Bate-papo Roger Chammas, médico e pesquisador do ICESP, fala sobre os avanços na área de oncologia e os desafios na produção de pesquisas

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Prevenção Diagnóstico precoce e hábitos de vida saudáveis ajudam no combate ao câncer de fígado

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Minha história De enfermeira a paciente: a jornada da profissional do ICESP que encontrou no trabalho o tratamento contra o câncer

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Palavras de médico Endocrinologia: foco no atendimento multidisciplinar

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icesp em destaque Tecnologia presente no ICESP permite tratar casos complexos de tumores cerebrais

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espaço do cidadão As dúvidas dos leitores respondidas pelos especialistas do ICESP

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HUMANIZAÇÃO Iniciativas pioneiras transformam o ambiente hospitalar e facilitam o atendimento infantil

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Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Diretor Geral – Giovanni Guido Cerri Fundação Faculdade de Medicina Diretor Geral – Flávio Fava de Moraes Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP Diretora Clínica – Eloísa Silva Dutra de Oliveira Bonfá

Instituto do Câncer do Estado de São Paulo Octavio Frias de Oliveira Diretor Geral – Paulo Marcelo Gehm Hoff Diretora Executiva – Marisa Madi Della Coletta Diretora Administrativa – Denise Barbosa Henriques Kerr Diretora Geral de Assistência – Wania Regina Mollo Baia Diretora Financeira, Planejamento e Controle – Joyce Chacon Fernandes Diretor de Operações e Tecnologia da Informação – Kaio Jia Bin Diretor de Engenharia Clínica e Infra Estrutura – José Eduardo Lopes Silva Coordenadora de Humanização – Maria Helena Sponton Centro de Comunicação Institucional – Mônika Torihara Kinshoku Jornalista responsável: Vanderlei França (VFR Comunicação) Endereço: Av. Dr. Arnaldo, 251 – Cerqueira César – São Paulo/SP Cep: 01246-000 Telefone: +55 11 3893-2000 www.icesp.org.br Ctp, impressão e acabamento – Imprensa Oficial do Estado de São Paulo


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BATE - PAPO

Pesquisa, uma oportunidade de cura

4 |Outubro de 2013

Fotos: William Pereira

A

atração pela ciência começou ainda na infância, antes mesmo de imaginar que o laboratório se transformaria em sua segunda casa. Aos 48 anos, e com a mesma paixão pela medicina de seu início de carreira, o dedicado pesquisador Roger Chammas coordena o Centro de Investigação Translacional em Oncologia (CTO) do Icesp e considera difícil descrever a sensação de conseguir gerar valor para toda a sociedade com seu trabalho. “A pesquisa tem que ser vista, acima de tudo, como uma oportunidade para o paciente”, explica. Mesmo com a agenda cheia, Chammas consegue conciliar perfeitamente seu trabalho na Faculdade de Medicina da USP. Apaixonado confesso pela área acadêmica, ele atua como professor titular da disciplina de Oncologia, além de coordenar o curso de pós-graduação em Oncologia. Recentemente, foi eleito membro titular da Academia Brasileira de Ciência. Em entrevista à SP Câncer, o professor fala sobre os desafios da pesquisa na área da saúde e as atividades científicas realizadas em nosso país.


SP Câncer — Conte-nos sobre sua rotina, a carreira no campo da pesquisa e por que escolheu essa área de atuação. Roger Chammas — Entrei na faculdade pensando em fazer pesquisa, mesmo sem saber exatamente o que era ser um pesquisador. Ao me formar, fiz pós-graduação em Bioquímica na USP, trabalhando no Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer. Os processos de pesquisa e seus desdobramentos são fascinantes e me instigam até hoje. A perspectiva de poder trabalhar na geração de conhecimento, que pode criar algum valor para humanidade e, ao mesmo tempo, satisfazer nossa curiosidade, é indescritível. Ser professor numa universidade de pesquisa como a USP faz com que a docência assuma uma dimensão diferente daquela que geralmente imaginamos. Tenho um filho de oito anos, o Rafael. Ele e minha esposa, Priscila, sempre me lembram o quanto estou trabalhando por mais horas do que deveria.

SP Câncer — Qual é a importância da pesquisa dentro de uma instituição de saúde? Roger Chammas — A pesquisa tem que ser vista, acima de tudo, como uma oportunidade para o paciente. A motivação de uma pesquisa clínica, por exemplo, é buscar a melhor opção terapêutica para o indivíduo. É muito importante que exista a atividade de investigação de qualidade e, nesse ponto, o investimento em pesquisa é fundamental. Fazemos estudos para aperfeiçoar todos os procedimentos envolvidos no tratamento do câncer, em busca de diagnósticos mais rápidos, mais precisos, para tratamentos eficientes e com melhores respostas clínicas. Porém, pesquisa é um processo a médio e longo prazos. Hospitais que estão em centros acadêmicos de saúde, como o nosso, têm uma responsabilidade inerente em pesquisar continuamente, conhecendo melhor os aspectos dos pacientes que procuram assistência, do que sofrem e quais são as melhores formas de tratamentos, investigando novos medicamentos.

“Fazemos estudos para aperfeiçoar todos os procedimentos envolvidos no tratamento do câncer, em busca de diagnósticos mais rápidos, mais precisos, para tratamentos eficientes e com melhores respostas clínicas.” Outubro de 2013 | 5


“Hoje, estamos cada vez mais específicos nas classificações dos tumores. Diagnosticamos melhor e, assim, podemos indicar tratamentos mais precisos.” SP Câncer — Como iniciou o centro de pesquisa dentro do Icesp e como ele é dividido? Roger Chammas — Quando começamos a organizar as atividades de ensino e de pesquisa para criação do CTO, otimizamos os trabalhos que vínhamos fazendo nos laboratórios de investigação da Faculdade de Medicina da USP e agrupamos o interesse de pesquisa em três grandes grupos de programas. Pesquisas Clínicas: estudos envolvendo pacientes para desenvolver novas formas de diagnóstico, de prevenção e de tratamento do câncer. Oncologia Molecular: estudos que visam definir marcadores biológicos, com potencial aplicação para o paciente. Inovação em Terapia e Diagnóstico: faz conexão entre os programas de Pesquisas Clínicas e de Oncologia Molecular. O objetivo é desenvolver a área de Imagem Molecular e formas de terapias avançadas, que serão a base da Medicina Personalizada. As tecnologias são disponibilizadas para pesquisadores parceiros e estamos estendendo nossas colaborações para outras universidades do Brasil e do exterior. SP Câncer — Como funciona o parque de equipamentos de pesquisa do Instituto? Roger Chammas — Contamos com sequenciadores de DNA, separadores e cultivo de células, e equipamentos de imagem pré-clínica. Em breve, teremos um banco de amostras, com fragmentos de tumores congelados e materiais coletados dos pacientes, completamente integrado ao sistema de prontuário eletrônico do hospital. É fundamental enfatizar que precisamos da colaboração dos pacientes, que nos concedem o uso de suas amostras, para montar estes bancos. SP Câncer — Como os pacientes podem colaborar com as pesquisas que estão sendo realizadas? Roger Chammas — O produto da pesquisa é algo que colhemos ao longo dos anos, entre eles, números clínicos, amostras e materiais coletados. A inspiração nasce do problema real, equacionamos uma possível solução no laboratório e a testamos. O paciente, geralmente, é convidado por seu médico a participar de um protocolo de pesquisa. Podemos, então, colher 6 |Outubro de 2013

material ou amostras biológicas deste paciente para solucionar perguntas, desde que o participante autorize a utilização do referido material. Caracterizamos como amostras, o pedaço de um tumor retirado em cirurgia, por exemplo. Mesmo depois de doada, o paciente tem o direito de detê-la e obter retorno do Instituto sobre sua utilidade. O Instituto é, de fato, o guardião da amostra, que pertence ao paciente. SP Câncer — O que existe, em relação à pesquisa, no campo de Inovação Terapêutica? Roger Chammas — Na área de Inovação Terapêutica e Diagnóstica, uma de nossas prioridades de pesquisa recai sobre a expansão de uma área experimental, que já vem sendo bastante difundida na clínica: a imagem molecular. Temos explorado diversos aspectos da marcação de moléculas, com radioisótopos para desenvolver novos traçadores, e sondas que nos permite entender aspectos da função dos tumores em tempo real. As perspectivas são bem interessantes, mas precisamos avançar nos estudos antes de traduzir estas descobertas para seu uso nos pacientes. Esta área, hoje, usa equipamentos como o PET/CT e já permite, com um só tipo de traçador, avaliar o grau de disseminação de tumores com metabolismo ativo pelo organismo. SP Câncer — Você acha que estamos evoluindo no campo da pesquisa comparado com alguns anos atrás? Roger Chammas — Sem sombras de dúvidas. Há muita gente sendo formada para pesquisa na área da Oncologia. Há muita atividade científica no nosso país e em diferentes centros. Creio que nosso grande desafio é dar o salto necessário para que a pesquisa seja, de fato, transferida entre as áreas básica, clínica e saúde pública. SP Câncer — Quais são as perspectivas da pesquisa na área oncológica? Roger Chammas — Estamos cada vez mais específicos nas classificações dos tumores. Diagnosticamos melhor e, assim, podemos indicar tratamentos mais precisos. Muito do que se almeja nos nossos programas de pesquisa é estender e validar biomarcadores para que diagnósticos mais precisos sejam feitos, e os pacientes possam se beneficiar das melhores alternativas terapêuticas disponíveis no momento, de acordo com o que cada um apresenta.


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Prevenção

Tumor hepático:

todo cuidado é pouco Diagnóstico precoce e hábitos de vida saudáveis ajudam no tratamento da doença que atinge homens e mulheres, em todo o país, e tem a hepatite C como causa mais frequente

O

câncer de fígado ou hepatocarcinoma pode se desenvolver a partir das próprias células do órgão — primário — ou ser derivado de outros tumores no organismo — secundários. Como os sintomas demoram a aparecer, detectá-lo no início é um grande desafio para os médicos. Por ano, são diagnosticados em todo o mundo cerca de 560 mil novos casos, sendo que entre 85% e 90% deles são primários. A maioria está associada com a cirrose, que tem como algumas de suas causas o alcoolismo e as hepatites B e C. No Brasil, de acordo com estudo publicado em 2010 e coordenado pelo professor titular e chefe da disciplina

e do serviço de Gastroenterologia Clínica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e do Hospital das Clínicas (HC), Flair José Carrilho, o quadro de cirrose estava presente em 98% dos casos de câncer de fígado, sendo a hepatite C a causa mais frequente, com 54% de incidência. “Apesar de não haver vacina para a doença, a hepatite C tem tratamento”, completa. O professor chama a atenção também para o aumento no número de casos de tumores hepáticos relacionados à obesidade. “O excesso de peso acarreta uma série de doenças correlatas como diabete, hipertensão, colesterol e um aumento da quantidade de gordura nos órgãos, incluindo o fígado”, explica. Outubro de 2013 | 7


Panorama brasileiro

fígado, com 52% do total em todo o país. A maioria dos registros mostra que a hepatite C é a principal causa, seguida pela hepatite B, alcoolismo e doenças metabólicas (confira o quadro abaixo). A região Sul tem a maior porcentagem (63%), seguida pela Sudeste (55%) para tumor de fígado derivado de hepatite C. A Centro-Oeste tem os maiores registros da doença para hepatite B (40%), seguida pela Norte (25%). “É importante destacar que todos esses números mostram a evolução na tecnologia de diagnósticos precoces e apontam caminhos para indicar o melhor tratamento”, completa Carrillho.

De acordo com o levantamento de 2010, foram analisados 1.405 pacientes com tumor no fígado. Os homens são maioria, com 78% dos casos e média de idade em torno de 59 anos. As mulheres, mesmo com porcentagem mais baixa, têm idade mais avançada, 62 anos. Outro dado significativo é que, em 98% dos casos, a cirrose estava presente. A pesquisa mostra que 63% dos tumores foram diagnosticados com base em exames de imagem. O Estado de São Paulo concentra a maior incidência de câncer de

causas do tumor hepático em números

25%

8%

Norte

42%

17%

17%

25%

Nordeste 23%

20% 30% 10%

centro-oeste

14%

15%

40%

16%

12%

Hepatite C Hepatite B Álcool Outros

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11%

sul 13%

63%

sudeste

55%

42%


Tratamento Depois do diagnóstico, o mais importante é saber em qual estágio está o tumor hepático para indicar a terapia mais adequada. O professor Carrilho ressalta que a avaliação deve ser multidisciplinar com gastroenterologistas, hepatologistas, cirurgiões, radiologistas, patologistas e oncologistas. “Quando constatado precocemente, o transplante é o melhor tratamento curativo”, completa. O médico destaca que o rastreamento por ultrassom é uma das ferramentas para indicar a presença de tumor em estágio inicial, mas faz uma advertência

importante. “Se a pessoa não tem quadro de cirrose, o exame é desnecessário. Ele é usado em pacientes que já apresentam a doença e o acompanhamento é feito a cada seis meses.” Em casos nos quais o tumor já está em estágios mais avançados existem diversos tipos de terapias como a quimioembolização — o procedimento mais comum e mais efetivo —, entre outras técnicas. “O importante é oferecer qualidade de vida ao paciente, dispondo de todos os recursos clínicos e farmacológicos.”

Cuide da saúde de seu fígado Não existe receita pronta. As indicações abaixo ajudam a manter o corpo e a mente saudáveis. Evite o consumo de álcool. Procure manter o peso. Inclua mais frutas, legumes e verduras na alimentação. Diminua a quantidade de doces. E isso inclui refrigerantes. Evite alimentos gordurosos e também os que não trazem nenhum tipo de nutriente. Pratique atividades físicas, pelo menos, três vezes por semana. Exercícios diminuem o estresse. Vacine-se contra a hepatite B. A hepatite C não tem vacina, mas pode ser detectada por exame de sangue específico. Informe-se. A doença tem tratamento. Consulte o médico, pelo menos, uma vez ao ano, e faça todos os exames solicitados.

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minha hist贸ria

Lado a

lado

Fotos: William Pereira

Patr铆cia Sanches Salles, enfermeira do ambulat贸rio de Hematologia do Icesp, conta sua hist贸ria como paciente

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epois de conviver dez anos com pacientes que lidam com o diagnóstico de câncer, ela imaginava que estava preparada para enfrentar a doença e seus desdobramentos. Apenas quando o resultado chegou, e as lágrimas revelaram a fragilidade humana, a enfermeira Patrícia Sanches Salles, de 33 anos, do ambulatório de Hematologia do Icesp, pode compreender que, na maioria das vezes, o acolhimento precede a luta e o tratamento. Diagnosticada com câncer de tireoide há oito meses, a enfermeira precisou trocar de lugar com as pessoas pelas quais ela trabalhou nos últimos anos no Icesp. “Eu fui fazer o exame periódico de trabalho e saí de férias. Quando retornei, em janeiro, o resultado apontava uma alteração, mas achei que era uma bobagem. No fundo, por trabalhar justamente nessa área, me sentia um pouco imune e queria deixar isso para lá”, relembra. Apesar da familiaridade com o vocabulário e com a rotina, a suspeita de câncer fez Patrícia experimentar novas sensações. Em fevereiro, quando realizou os exames mais detalhados e a biópsia, ela contou com o apoio dos colegas de trabalho enquanto aguardava as respostas. “Eu acessava o sistema todos os dias para ver se já tinha

saído. Até que cliquei na tela e vi que estava com câncer. Não sabia o que fazer. Imprimi os resultados e fui falar com minha chefe e amiga”. Em seguida, na sala da Medicina do Trabalho, o endocrinologista traduziu os exames. Patrícia estava com carcinoma papilífero. A enfermeira — naquele momento também paciente — conta que a dificuldade maior foi absorver a nova informação e tentar separar a emoção da razão. Apesar de deter o conhecimento acerca do assunto, como as altas chances de cura para o diagnóstico que tinha recebido, a ansiedade e o susto predominaram. “O médico perguntou por que eu estava chorando. E eu confessei que sentia muito medo. Ele quis saber do que. Então, expliquei que temia a iodoterapia, mesmo sem saber como seria o tratamento.” Patrícia conta que queria justificar suas lágrimas, falar de sua insegurança, para que pudesse superar o medo. “Ele retirou o estetoscópio do pescoço e nem tive tempo de me explicar. Me deu um grande abraço. No início fiquei com vergonha, sentia que estava atrapalhando ali, mas ele me apertou mais forte e comecei a chorar muito. Não queria saber mais nenhuma informação, só sentia medo”. Mais tarde, ela soube reconhecer nesse gesto, o primeiro passo para a cura que tanto desejava.

“No fundo, por trabalhar justamente nessa área, me sentia um pouco imune e queria deixar isso para lá”, relembra.

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Troca de papéis Com a irmã vivendo no exterior, e a mãe morando sozinha em Bauru, sua terra natal, Patrícia encontrou forças para preparar a família para a notícia e também recebeu o apoio de amigos e do noivo. Da mesma forma, consolou todos que se preocupavam com ela, ora dando força, ora recebendo apoio. Após os exames, as avaliações e as consultas, a cirurgia foi agendada para o começo de março. “Trabalhei até a véspera, quando me internei. Saí do primeiro andar, onde atuei nos últimos três anos, e fui para o quarto. Ainda sentia medo, sobretudo de sequelas na voz, mas eu confiava absolutamente na equipe médica e em todos os profissionais que estavam ali.” Tomar banho com a ajuda de outra pessoa, usar avental íntimo e receber carinho de uma profissional da saúde. Pela primeira vez, Patrícia experimentou a sensação de estar do outro lado de seu trabalho. “Sinto que me aproximei ainda mais do paciente e que mu-

dou minha maneira de sentir a dor do outro. Não existe um caso mais ou menos curável, todos estão doentes e precisam do mesmo carinho e atenção”, constata. A temida iodoterapia também foi prescrita, após serem detectadas metástases no linfonodo, além da tireoide, durante a cirurgia. Por outro lado, Patrícia comemorou a ausência de sequelas pós cirúrgicas e os resultados dos exames mostraram que o tumor tinha sido totalmente eliminado. Em maio, a enfermeira enfrentou o quarto de isolamento por dois dias para a iodoterapia. Desde então, ela já retomou sua rotina de vida e de trabalho. Já faz novos planos com o noivo e sonha em ser mãe. Continuará em acompanhamento médico, porém, certa de que venceu um grande desafio. “Hoje, quando um paciente diz que está com medo, posso responder: eu sei o que você sente. Sei que não posso tirar o câncer da pessoa, mas posso ampará-la, abraçá-la e cuidá-la”, completa.

“Sinto que me aproximei ainda mais do paciente e que mudou minha maneira de sentir a dor do outro. Não existe um caso mais ou menos curável, todos estão doentes e precisam do mesmo carinho e atenção.”

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Foto: Divulgação/Icesp

PALAVRAs DE MÉDICO

Equipe reunida: da esquerda para a direita, os médicos Débora Danilovic, Delmar Muniz, Rosalinda Yossie, a enfermeira Fabiane Gama, Ana Hoff (coordenadora médica), Antônio Lerario, Priscilla Cukier, Madson de Almeida, Marcos Tadashi e Carla Marzili

O

serviço de endocrinologia do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp) tem como objetivos principais avaliar e tratar os pacientes com tumores endócrinos ou oncológicos com disfunções endócrinas. Para cumprir estas missões, foi formada uma equipe multidisciplinar, que atua de forma totalmente integrada com os serviços de oncologia clínica, de cirurgia, de medicina nuclear e de radiologia. As disfunções endócrinas mais prevalentes no paciente com câncer incluem o diabetes mellitus, a deficiência (hipotireoidismo) ou excesso (hipertireoidismo) do hormônio tireoidiano, nódulos na tireoide, osteoporose e disfunções da glândula suprarrenal — insuficiência adrenal e o excesso de cortisol (hipercortisolismo ou síndrome de Cushing). Ao controlar os problemas, permitimos que o tratamento transcorra sem complicações para a sua neoplasia de base. O diabetes é uma das disfunções que mais atinge os pacientes. São muitos os que, quando diagnosticados com câncer, apresentam-se no Icesp com a doença descompensada. Nestes casos, é preciso um controle rápido para que seja possível iniciar a quimioterapia ou realizar procedimentos cirúrgicos. A magnitude do problema e a importância do controle rápido e contínuo desta enfermidade levou o Icesp a

criar um programa de suporte aos diabéticos. Nesta esfera, a enfermagem tem papel fundamental na educação dos pacientes com o monitoramento glicêmico e a interação com a equipe médica. O programa proporciona extrema eficiência, uma vez que o controle rápido do diabetes jamais seria possível caso o monitoramento e os ajustes nas doses de medicação fossem realizados somente nas consultas de retorno com o médico. Pioneiro no Brasil, o projeto ganhou o prêmio de melhor trabalho no Congresso Multidisciplinar de Diabetes Mellitus (2013), realizado este ano. O serviço de endocrinologia do Instituto também aposta em estudos de pesquisa básica, com o objetivo de investigar o desenvolvimento e os fatores prognósticos de tumores endócrinos. O grupo tem investido no tratamento de cânceres metastáticos e participa de diversos estudos clínicos com drogas novas, o que os tornou referência em todo País. Em resumo, a endocrinologia do Icesp trabalha para proporcionar um atendimento eficiente, humano e multidisciplinar.

Ana Hoff Médica coordenadora do serviço de Endocrinologia do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo Outubro de 2013 | 13


icesp em destaque

direto ao ponto Novo conceito cirúrgico permite mapear as funções do cerébro durante o procedimento

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E

vitar sequelas neurológicas na retirada de tumores cerebrais, principalmente em áreas responsáveis pela fala, visão e funções motoras, era uma preocupação e um dilema constante dos médicos. Afinal, como operar o que seria considerado inoperável? Hoje, com o desenvolvimento de novas técnicas de captação de imagens e cirúrgicas, que permitem mapear o cérebro e planejar a melhor abordagem na intervenção, o procedimento tornou-se possível. Mais do que isso, a utilização combinada desses recursos oferece mais qualidade de vida para os pacientes e permite ao cirurgião planejar o processo e, assim, evitar danos nas principais funções do corpo. A técnica conhecida por Microcirurgia Funcional é utilizada com sucesso há um ano no Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), principalmente em tumores originados no tecido cerebral, conhecidos como primários. O neurocirurgião, professor e supervisor de Neurocirurgia do Icesp, Guilherme Lepski, já realizou mais de dez intervenções desse tipo, no Instituto, e diz que existe a constante preocupação em desenvolver métodos menos invasivos e que preservem a funcionalidade do paciente. “Há pouco tempo, o médico tinha poucas alternativas. Ele poderia operar, mas deixaria resíduos do tumor — para não comprometer as regiões mais delicadas — ou o retirava por completo, assumindo o risco da perda de algumas funções”, lembra.

A teoria, na prática A microcirurgia combina ressonância magnética funcional e tractografia tridimensional, além do monitoramento e mapeamento das atividades cerebrais do paciente na cirurgia, em tempo real. Juntas, elas permitem ao especialista planejar todo o procedimento com imagens detalhadas do órgão e do tumor. “Com os exames de imagem, podemos realizar as intervenções minimizando as chances de sequelas, dentro do possível, já que depende muito do tipo de tumor e de sua localização”, explica Lepski. Para o médico do serviço de Radiologia do Icesp, Marcos Menezes, as equipes do Instituto de Radiologia da FMUSP (InRad) e do Instituto do Câncer trabalham em busca do melhor desempenho. “Atuamos em conjunto para que estes recursos façam parte das imagens pré-operatórias do paciente. O sistema mostra, ainda, a relação do tumor com áreas críticas do cérebro”, completa. Na cirurgia, as funções são registradas pela Monitorização Eletrofisiológica Intraoperatória que acompanha, por meio de impulsos elétricos, as áreas da linguagem, da visão e dos movimentos. “Todos os métodos resultam em diversos benefícios como menos complicações, menor tempo na UTI, menos intervenções e mais qualidade de vida com suas funções preservadas”, finaliza Lepski. Outubro de 2013 | 15

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Foto: Divulgação/Icesp

Depois da cirurgia, uma nova oportunidade “Eu achei que estava com epilepsia, já que minhas convulsões eram cada vez mais frequentes e muito sofridas. Depois de vários exames, veio a notícia. Era um tumor maligno grau 2, localizado na área do cérebro responsável pelos movimentos, do lado direito. Era junho de 2012”. Foi com toda essa objetividade que Clélia Lúcia de Lemos, de 71 anos, contou como descobriu seu câncer, há pouco mais de um ano. Apesar de todo o seu otimismo, Clélia revela que, depois que recebeu o diagnóstico, teve momentos de pânico. “Nos primeiros dias estava tudo bem, mas quando me dei conta da gravidade da situação, chorei muito, afinal era a minha vida. E, agora, estou aqui muito melhor e muito feliz por mais essa oportunidade.” As constantes crises convulsivas a obrigaram a fazer algumas mudanças como morar em um apartamento com a irmã Sirlene, enfermeira aposentada, e o gato, Chiclete. Ela também não fica sozinha em nenhum momento. “Ainda tenho convulsões, embora bem mais leves. Por isso, sempre preciso ter alguém comigo. Fico apavorada, de verdade”. Clélia conta que, pelo fato de o marido ter diabetes, ele também precisou de cuidados. “Estamos cada um em sua casa, mas nos vemos sempre.” Pioneirismo, sua marca registrada Essa mineira de Ouro Preto veio para São Paulo ainda pequena junto com seus oito irmãos. Formou-se professora, mas decidiu trabalhar em uma clínica de ginecologia e obstetrícia, na qual ficou por 40 anos. “Difícil era remarcar a agenda quando tinha parto de emergência. Naquele tempo, não tinha internet, só telefone mesmo”, recorda. Clélia sempre morou sozinha e fará bodas de prata ainda em 2013. Podemos dizer, sem medo, que ela é uma mulher à frente de seu tempo, já que trabalhava fora, casou tarde, não teve filhos. Tudo ao contrário do que era tradicional e bastante comum na década de 1960. Ela também foi uma das primeiras pacientes do Icesp a passar pela Microcirurgia Funcional, em fevereiro deste ano. Para ela, o professor Lepski — literalmente — caiu do céu. “Ele foi de um cuidado, de uma simplicidade, de 16 |Outubro de 2013

uma atenção que fiquei impressionada. Até para me dar a notícia ele foi delicado. Depois de nossa conversa, fiquei 100% tranquila. Brinquei com ele dizendo que estava me divorciando do tumor”, conta. Clélia tem plena consciência de que o câncer não foi completamente removido, mas está confiante porque suas convulsões diminuíram de intensidade e de frequência e suas funções motoras estão preservadas. Orgulhosa, ela mostra sua cicatriz e conta detalhes sobre seu tratamento. “Já fiz minhas sessões de radioterapia e tomo anticonvulsivos. Tenho um pouco de tontura, mas faz parte do processo. Meu tumor era do tamanho de uma bola de pingue-pongue e hoje é bem pequeno. Tenho uma família maravilhosa, um excelente companheiro, médicos dedicados e muito humanos. Por isso, quero viver mais tempo e aproveitar todos esses momentos plenamente.”


Neste espaço, serão publicadas algumas dúvidas de pacientes e acompanhantes feitas à reportagem da revista SP Câncer. As perguntas foram respondidas pela médica Laura Testa, da Oncologia Clínica.

É possível a mulher engravidar durante o tratamento contra o câncer? Embora alguns medicamentos antineoplásicos possam afetar a fertilidade da mulher, é possível que a paciente engravide durante o tratamento. Entretanto, há riscos para a saúde do bebê como chances de mal formação do feto, por exemplo. Geralmente, orientamos as pacientes a utilizarem métodos contraceptivos adequados durante o período para evitar uma gravidez inesperada. É importante que elas conversem com seus médicos sobre o assunto e não tomem nenhum medicamento sem indicação do especialista.

Caso a mulher com câncer engravide, o tratamento deve ser interrompido? Depende do objetivo e do tipo de tratamento. No começo da gestação, se a mãe recebe quimioterapia, por exemplo, há riscos importantes para o bebê. Em todos os casos, a paciente precisa ser assistida por pelo menos dois especialistas, o oncologista e o obstetra.

Após o tratamento ser finalizado, a mulher precisa esperar quanto tempo para tentar engravidar? Este tempo varia conforme o diagnóstico e o tipo de tratamento de cada paciente. É importante que as mulheres que desejam engravidar conversem com o médico oncologista para que, juntos, tomem essa decisão.

O Icesp presta assistência às mulheres que engravidam durante o tratamento oncológico? O Instituto conta com grupo multidisciplinar para as pacientes com câncer de mama. A comunicação e a discussão dos casos, entre os diversos especialistas, é fundamental no planejamento do tratamento para assegurar a segurança do bebê e os melhores resultados para a mãe.

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humanização

Um hospital feito de histórias e de muito carinho Trabalho do Hospital Infantil Darcy Vargas com crianças portadoras de linfoma e leucemia é exemplo de dedicação, eficiência e preocupação com o bem estar de pacientes e acompanhantes

Q

uando se fala em atendimento hospitalar infantil é difícil não se comover. Ainda mais se os pequenos estão em tratamento de câncer. A primeira reação é um choque, afinal, a maioria não tem cabelos, a fisionomia é pálida devido aos medicamentos e aos sintomas próprios da doença. Os acompanhantes têm uma mistura de preocupação e cansaço com esperança. Em meio a esse conflito de sentimentos, chega o enfermeiro Sergio Henrique de Santana, que dá as boas-vindas com um sorriso acolhedor e um olhar caloroso. Para quem acha que falamos de uma exceção, esse tratamento é regra no Hospital Infantil Darcy Vargas, no bairro do Morumbi, na capital paulista. A humanização do atendimento, tão em evidência nos dias hoje, é o 18 |Outubro de 2013

oxigênio desta instituição que completa 55 anos de histórias, em 25 de dezembro. Referência no atendimento infantil de especialidades, este jovem senhor conta com mais de 35 programas de humanização e acolhimento, voltados para pacientes e acompanhantes. A assistência às crianças e adolescentes e as suas famílias está presente também em todos os procedimentos realizados no Darcy Vargas. “Imagine ter que administrar quimioterapia e remédios pela veia e furá-los em cada um dos processos. É desgastante, frustrante e traumático para todo mundo, mas principalmente para quem está em tratamento e seus familiares”, explica Santana, que também é presidente da Comissão de Cateteres do hospital.


Fotos: William Pereira

Um dos caminhos escolhidos para, praticamente, acabar com o estresse dessa rotina, foi a implantação do Projeto Dodói (confira todos os detalhes no box da página 21), parceria entre a Associação Brasileira de Linfoma (ABRALE) e o Instituto Mauricio de Sousa. Com uma série de materiais educativos, incluindo bonecos dos personagens Mônica e Cebolinha, a equipe de enfermagem consegue demonstrar para as crianças e para os familiares o procedimento que será executado. “A equipe médica aplica pequena sedação e colocamos o cateter, conhecido como PICC”, esclarece.

Resultados em curtíssimo prazo Com a utilização do novo método, a experiência tem sido positiva para todos. O vice-presidente da Comissão, o enfermeiro Alexandre de Jesus Viana, conta que o processo é bem menos traumático e muito mais humanizado. “É muito gratificante observar as crianças brincando de passar o cateter, sem o menor medo. Hoje, as mães nos procuram já pedindo para colocar o equipamento porque elas entendem que, além dos pacientes ficarem tranquilos, é uma segurança para todo mundo, já que a durabilidade do dispositivo é bem grande. Temos uma

criança que já está com o cateter há mais de um ano, sem troca”, completa. Os adolescentes também se beneficiam do PICC. A estudante Vitoria Caroline, de 14 anos, portadora de leucemia, foi transferida para o Darcy Vargas no fim de julho. Ela chegou sentindo muitas dores e com os braços arroxeados, por causa dos vários acessos que foram colocados, antes de iniciar o tratamento no hospital. “O cateter antigo era trocado a cada três dias. Aqui, colocaram o PICC, em 25 de julho, e pronto. Fim das picadas”, brinca. As veias de pacientes que fazem quimioterapia tendem a ser mais finas, o que dificulta a introdução do acesso. Os números do procedimento demonstram a eficiência na prática. São colocados por mês, uma média de 20 aparelhos nos pacientes. As infecções caíram vertiginosamente e o número de punções (a conhecida espetada na veia) diminuiu em 50%. A curva decrescente reflete, ainda, na redução no tempo das internações e na melhor recuperação para quem está em tratamento, principalmente de longo prazo. “No Darcy Vargas, todo o corpo clínico, incluindo médicos, anestesistas e a própria direção do hospital está comprometido com a humanização dos procedimentos”, diz Viana. Outubro de 2013 | 19


Amiga de todos os momentos A diretora de Enfermagem, Marta Marina Teixeira da Silva, tem 18 anos de experiência só no Darcy Vargas. No comando do departamento são sete anos. Ela acompanhou a implantação de uma série de programas e projetos voltados para os pequenos e para os adolescentes. Dentre tantas ações, que incluem parcerias com as escolas da região, visita de animais de estimação e os eventos realizados pelo hospital, ela destaca o trabalho com a boneca, batizada de Anita Garibaldi. Em comum com a personagem histórica está a força e a coragem. Anita é toda cheia de furos, nos quais os enfermeiros explicam para crianças e adultos vários procedimentos como colocação de sonda, acessos, medição de temperatura e aplicações de injeção. “O brinquedo terapêutico tem baixo custo e muitos benefícios, pois nos ajuda a acalmar os pequenos e contribui diretamente para a sua pronta recuperação”, destaca Marta. Ela explica que o nome da boneca veio de uma pesquisa feita entre os próprios enfermeiros. Anita foi selecionada porque não era comum. O sobrenome veio da associação direta da dedicação desta mulher no século XIX. “Umas de nossas crianças, na época com dois anos, chamava-a de Nita e ficava o dia inteiro perguntando por ela. Nita, Nita, Nita. Hoje, ela está com oito anos, totalmente curada, e vem nos visitar sempre: Anita e eu”, diverte-se. Marta tem quase todos os programas do hospital de memória, com riqueza de detalhes. Mesmo com tantas atividades, ela conta que está preparando uma apresentação de um projeto de Ludoterapia. “Uma de nossas enfermeiras fez especialização nesta disciplina e

queremos colocar em prática o quanto antes para multiplicar este trabalho pelos corredores do hospital.”

Amor e dedicação, todos os dias O diretor do Darcy Vargas, Sérgio A. B. Sarrubbo, afirma que o hospital é uma caixinha de surpresas. “Estamos constantemente à procura de algo diferente, aprimorando nossos processos, e nossa equipe se vale da criatividade para atingir os objetivos. Uma das nossas características principais é a formação de parcerias que nos permite viabilizar uma série de projetos”, explica. Segundo ele, lidar com crianças é delicado e comovente. “Elas nos tocam pela fragilidade e temos que ter sensibilidade na comunicação porque não conseguem expressar suas dores e angústias”, complementa. O pediatra também explica por que a doença infantil afeta os adultos. “Criança é continuidade, é futuro, e é também esperança. Encarar a possibilidade de que tudo isso pode ser interrompido é muito difícil. Por isso, os profissionais precisam acolher, o atendimento tem que ser humanizado, mantendo a coerência com os princípios, valores e missão do hospital.” Sarrubbo é pediatra há 39 anos e está precisamente há 8 anos, 8 meses e alguns dias à frente do hospital infantil que é referência quando se fala em especialidades. Ele se emociona ao falar de seu trabalho. “O Darcy é um vício para mim, não consigo ficar longe. Toda a equipe reflete a missão do hospital em prestar assistência humanizada. Somos fortalecidos por nossa experiência no tratamento em doenças complexas, na recuperação de nossas crianças e adolescentes. Mas nem sempre isso é possível, mas temos também de aprender a conviver com os insucessos.”

A equipe do hospital Darcy Vargas e o equipamento de ultrassom, doado à instituição, que auxilia os enfermeiros na colocação do cateter nos pacientes que estão em tratamento de linfoma e de leucemia.

20 |Outubro de 2013


Tranquilidade para pais e filhos O brinquedo terapêutico é apenas um dos recursos disponíveis no Darcy Vargas para que as crianças encarem o tratamento de linfoma, de leucemia e de outras enfermidades como se fosse uma grande brincadeira. O Dodói é uma ferramenta importante, que ajuda as crianças a entenderem o procedimento. O kit vem em uma mochila e traz, além dos bonecos bebês da Mônica e do Cebolinha, revistas de atividades, jogos, cartões para diagnóstico de sensações, escala de dor, um estetoscópio, um identificador de médico e, claro, gibis da Turma da Mônica. O conjunto tem, ainda, cartazes que são afixados nos corredores, alertando as pessoas para os sintomas do linfoma e da leucemia, além da importância da doação de medula óssea. Nos quadrinhos que falam sobre o linfoma, a leucemia e o transplante de medula, a personagem Maria, criada especialmente para o projeto, interage com toda

a turma. Com direito a um charmoso lencinho, ela reflete a condição e, principalmente, a aparência dos pacientes, de forma alegre e divertida. O enfermeiro Santana destaca a importância do papel multiplicador do projeto. “Depois da implantação do Dodói, houve aumento no número de diagnósticos destes tumores, justamente porque os pais repassaram as informações dos cartazes para parentes, amigos e vizinhos, que ficaram atentos aos principais sintomas. Por outro lado, as crianças tranquilizam-se umas as outras, mostrando nos bonecos o que será feito nelas.” Para o diretor do Darcy Vargas, o pediatra Sérgio A.B. Sarrubbo, o Dodói consegue se comunicar com a criança trabalhando com a realidade delas. “A fantasia faz parte do universo infantil e o projeto se valeu de toda a experiência do Instituto Mauricio de Sousa para traduzir em desenhos e palavras os sentimentos dessas crianças.”

Outubro de 2013 | 21


Mauricio e o Dodói

Foto: Lailson dos Santos

O criador da Turma da Mônica, o jornalista e cartunista Mauricio de Sousa, pode ser considerado uma das pessoas que mais entende de comportamento infantil no país. Seus quadrinhos brincam com o imaginário de crianças — e de adultos – há mais de 50 anos e estão presentes em 120 países, num total de mais de 1 bilhão de revistas publicadas. O projeto Dodói partiu de um pedido da ABRALE para o Instituto Mauricio de Sousa. Aliás, é por meio dessa organização que ele pode doar o licenciamento de seus personagens a este tipo de causa, no caso pacientes com linfoma e com leucemia. “O objetivo do projeto é amenizar o sofrimento e integrar a criança e seus familiares ao tratamento”, explica. A personagem Maria é fruto de reuniões e de estudos nos hospitais e ela transmite aos leitores as situações que as crianças e familiares enfrentam no período de tratamento. “Tudo o que puder fazer para todos enfrentarem a doença é emocionante e nos dá uma responsabilidade maior. Acho que o que fazemos sintetiza nossa mensagem de alegria, de confiança e de esperança no processo, no corpo de médicos e de enfermeiros e na própria vontade do pacientes”, finaliza Mauricio.

Rafael 5 x 0 tumor

Quando chegou ao Darcy Vargas, Rafael Luiz Becca de Meira, 14 anos, não sentava e não andava e chegou ao hospital à base de muita morfina. A causa era um tumor que surgiu no testículo e se desmembrou em mais quatro – rins, clavícula, fêmur e coluna. “O maior tinha 12 centímetros, estava no rim. Estou em tratamento desde março. No começo, não tinha nenhuma veia, foi quando eles colocaram o PICC e não precisei mais ser furado duas vezes por dia”, lembra. O adolescente é católico praticante — devoto de Nossa Senhora da Rosa Mística — e só não foi na Jornada Mundial da Juventude porque sua mãe, Andreia, ficou muito receosa. “Mas vamos levá-lo para Fátima, em Portugal”, explica. Segundo ela, será comemorado um milagre. Hoje, Rafael não tem mais nenhum tumor no corpo. Ele fará apenas mais duas sessões de quimio e uma de radioterapia, antes de entrar no que eles chamam de manutenção. “Esse milagre é resultado da nossa fé, juntamente com a dedicação dos médicos e dos enfermeiros e da vontade do meu filho de viver.”

22 |Outubro de 2013


Informação que tranquiliza

Diagramação: Irene Ruiz

“Eu achei que câncer não tinha cura. Cheguei aqui desesperada, mas a equipe me tranquilizou, me esclareceu tudo e, hoje, vivo o agora. Quero ver meu pequeno bem e saudável”. A cabeleireira Karina Tavares Moraes acompanha o tratamento de seu filho, Carlos Eduardo, há sete meses. Diagnosticado com leucemia, o menino de dois anos encara o tratamento como uma grande brincadeira. O suporte para a bolsa de quimioterapia se transforma em carrinho (ele sobe nos pés e transita pelos corredores empurrado pela mãe) e, durante a entrevista, descobriu o celular com tela de toque. Quem disse que ele queria devolver? O apego também serviu para o kit do Projeto Dodói. Cadu, como é conhecido por todos, se encantou pelo estetoscópio e queria examinar todo mundo. Outra diversão do pequeno é “tocar” o pianinho da brinquedoteca. Mãe de três filhos, Karina conta que achou que o caçula tinha meningite, por causa da febre alta, da palidez, e das manchas no corpo. “A equipe do hospital me passou muita confiança de que vai dar tudo certo e eu acredito. Sei que vão fazer tudo o que estiver ao alcance”, finaliza.

Outubro de 2013 | 23



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