CORAÇÕES CAMPONESES
CORAÇÕES
CAMPONESES Crimes do Estado brasileiro
Emanuelle Herrera Israel Dias
São Paulo Abril de 2014
Copyright © 2014 by Emanuelle Herrera e Israel Dias
Edição dos autores publicada para fins acadêmicos
Projeto gráfico, textos, capa e ilustrações Emanuelle Herrera e Israel Dias
Orientação acadêmica Prof. Ms. Marcos Antonio Zibordi
Revisão Débora Vasconcelos e Maria Antônia Herrera
Qualquer parte desta publicação pode ser reproduzida, desde que citada a fonte: HERRERA, E.; OLIVEIRA, I. D. Corações Camponeses: Crimes do Estado brasileiro. São Paulo: Edição dos Autores, 2014.
[2014] Todos os direitos desta edição reservado à Emanuelle Herrera e Israel Dias manu.hf@gmail.com.br | israel.costella@gmail.com Impresso na PSI7 Printing Solution & Internet 7 S.A. Rua Dom Bosco, 471 - Mooca - São Paulo - CEP 03105-020 Tel.: (11) 2928-4923
Para Lucas, Ícaro, Júlio, Elis, Juan e Larissa.
E foi, na significação integral da palavra, um crime. Denunciemo-lo. Os Sertões, Euclides da Cunha, 1902
Sumário
O estado .................................................................... 15 O Brasil pré-1964 ........................................................................................ Reforma agrária, na lei ou na marra ............................................ A ditadura militar e o Estatuto da Terra .............................
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corações camponeses ....................................... 27 Ranulfo ............................................................................................................. Antônio ............................................................................................................. Manoel ............................................................................................................... Antônia ............................................................................................................. Não .........................................................................................................................
29 45 59 69 77
A luta ........................................................................... 81 Sobre as comissões da Verdade .......................................................... Registro dos casos ....................................................................................... Mapa da repressão 01 ................................................................................... Mapa da repressão 02 ................................................................................... Escala da Repressão ................................................................................... Os casos estudados para este livro ................................................ A história invertida ....................................................................................
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Doze ........................................................................................................................ 235 nomes ......................................................................................................... agradecimentos ............................................................................................. Bibliografia ...................................................................................................... Crédito Iconográfico .................................................................................. Lista de Siglas ................................................................................................
86 88 89 91 93 94 97
101 103 113 117 123 125
São demônios, os que destroem o poder bravio da humanidade. Chico Science e Nação Zumbi
O ESTADO
E
ram as primeiras horas do dia. O sol ainda se espreguiçava no horizonte e o cheiro de café já se misturava à brisa matutina paraibana, quando 200
policiais militares entre eles homens do pelotão de choque com cães e a cavalo cercaram o acampamento 15 de Novembro. Munidos de cassetetes, spray de pimenta e um mandado judicial, os policiais removeram as 300 famílias que moravam ali. Elas viram o trabalho de meses destruído pelos tratores, seus sonhos desmoronarem com seus barracos e darem espaço para a expansão do latifúndio. Era 15 de Janeiro de 2014. A cena descrita acima poderia ter ocorrido em qualquer outra data ao longo dos últimos 500 anos, o que nos faz pensar sobre o quão antigos são os conflitos de terra no Brasil. Das capitanias hereditárias ao agronegócio, a manutenção da estrutura fundiária brasileira é resultado dos mais altos índices de concentração de terras do mundo. Segundo o Instituto Nacional de Colonização e Refor-
ma Agrária (Incra) nos três anos do governo da presidenta Dilma Rousseff foram desapropriados apenas 186 imóveis, incorporando 2,5 milhões de hectares à reforma agrária, o que permitiu assentar 75.335 famílias. Os números parecem satisfatórios, mas se levarmos em conta a dimensão continental do país e as demandas dos movimentos sociais,
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o resultado é abaixo do esperado se comparados ao governo Lula e Fernando Henrique, que assentaram, respectivamente, 614.088 e 540.704 famílias. O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) estima que há mais de 800 mil famílias à espera de terra. A responsabilidade do Estado brasileiro deve ser creditada aos conflitos no campo quando não há um projeto efetivo de reforma agrária que redistribua as terras e demarque o território indígena. Além disso, a participação de agentes do Estado e/ou a sua conivência com milícias privadas que atuam sobre esses conflitos a mando dos latifundiários se consolidou ao longo dos anos como prática da repressão no campo. Para Ariovaldo Umbelino, geógrafo e autor de A Geografia das Lutas no Campo, o Brasil vive uma guerra civil não declarada: — Você pega o número de assassinatos e divide pelos anos e pelos dias: Vocês verão que nós temos três conflitos de terra por dia e a mídia não noticia. A gente fica sabendo só um ano depois, quando a CPT divulga. Em seu último relatório publicado em 2013 a Comissão Pastoral da Terra (CPT) aponta que em 2012 ocorreram 1.364 conflitos no campo e 36 pessoas foram assassinadas. Os dados relacionados ao ano de 2013 serão divulgados no início do 3º bimestre de 2014, mas em janeiro a CPT publicou um relatório parcial que registrou 697 casos de violências contra camponeses em conflitos territoriais ligados à construção de hidrelétricas, portos, mineradoras, obras da Copa e projetos de expansão do agronegócio, a maioria deles concentrados no Norte e Nordeste do Brasil. Registramos aqui outro conflito agrário no Estado da Paraíba: 300 camponeses que trabalhavam em uma lavou-
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ra no município de Mari entraram em confronto com o administrador de uma fazenda próxima ao local de plantio e tomaram sua arma, um revólver Colt 45, que ficou sob posse do presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Mari, Antônio Galdino da Silva. A polícia de Santa Rita, a mesma que destruiu o acampamento 15 de Novembro, foi ao local acompanhada de jagunços com o pretexto de apreender a arma que era de uso privativo das Forças Armadas. Sob a mira de metralhadoras, Galdino entregou o revólver e foi morto por um dos policiais. Os camponeses revoltados reagiram: onze pessoas morreram e dezenas ficaram feridas na chamada Chacina de Mari. Era 15 de Janeiro de 1964. Meio século se passou da Chacina de Mari à destruição do acampamento 15 de Novembro. O que mudou nestes últimos 50 anos?
O Brasil pré-1964 Em 1960, quando Jânio Quadros é eleito presidente da República e João Goulart é reeleito para a vice-presidência, o clamor pela reforma agrária se intensifica. Essa questão rural estava tão clara para os políticos brasileiros que logo na campanha presidencial de Jânio e Jango, a reforma agrária era vista como um dos principais projetos do governo. Enquanto isso, os camponeses articulados promoviam suas próprias experiências de reforma agrária pelo país, em alguns casos com apoio dos governos estaduais. A mais famosa dessas experiências aconteceu em Pernambuco. O Engenho da Galileia de Vitória de Santo Antão havia se tornado uma posse legal depois de 20 anos. Em favor dessa luta atuava o advogado, líder das Ligas Camponesas pernambucanas, Francisco Julião. Ele passou a representar
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140 famílias e conseguiu organizar com Zezé da Galileia, Manuel Severino, Amaro do Capim e o irmão, José Ayres dos Prazeres, os quase 500 camponeses que precisavam de todo tipo de auxílio. Até mesmo caixões para enterrar seus mortos. Ainda no nordeste, na Paraíba, as Ligas Camponesas se organizaram com a liderança de João Pedro Teixeira, na cidade de Sapé. A organização contava com 10 mil camponeses associados no Estado, que vinham sendo instruídos para resistir à exploração dos latifundiários da região. Distante dali, no sudeste do país, a Fazenda Capivari, de Campinas, em São Paulo, tem mais da sua metade desapropriada para fins sociais devido à Lei de Revisão Agrária que estava em vigor no governo de Carvalho Pinto. A lei previa que as terras públicas ou privadas improdutivas seriam adquiridas pelo Estado para fins de reforma agrária. No Sul, o governador Leonel Brizola cria o Instituto Gaúcho de Reforma Agrária (Igra) para dar apoio a grupos rurais como o Movimento dos Agricultores Sem Terra (Master).
Realiza a desapropriação para fins sociais e
assenta 244 famílias em Banhado do Colégio, próximo ao município de Camaquã, no Rio Grande do Sul. Esse é considerado o primeiro assentamento do Estado. A notícia se espalha rapidamente. Enquanto as organizações camponesas comemoravam, os latifundiários ligaram o sinal de “alerta vermelho”. Esse movimento pró-camponês se torna tão vibrante que logo aparecem jornais e programas de rádio dedicados à causa. Qualquer informação nacional ou internacional que fosse relativa à luta camponesa e a reforma agrária corriam o Brasil pelas páginas do boletim Terra Livre, um periódico editado pela União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil (ULTAB) desde a década de 1950, sob a liderança de Lyndolpho Silva, de São Paulo. Uma das
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estratégias do periódico era o cuidado com as ilustrações, pois a maioria dos camponeses não sabia ler. Sabendo disso, a Igreja Católica se adiantou e começou a alfabetizar os camponeses através do rádio em diferentes regiões do país. Muitos aprenderam suas primeiras lições sobre educação moral, cívica e religiosa com o Movimento de Educação de Base (MEB), criado em 1961 com o apoio do governo federal. Assim, o camponês havia deixado de ser invisível aos olhos da nação, agora existiam sindicatos, ligas, líderes, advogados, políticos e até mesmo um jornal e um programa radiofônico dedicado somente às questões rurais. Uma típica organização que até então somente se via nas grandes cidades estava ao alcance deles. Cada vez mais camponeses de todos os estados brasileiros entoavam cânticos da vitória que se aproximava. O sonho de uma Reforma Agrária se realizaria em breve. Com a renúncia de Jânio Quadros à presidência da República em 1961, as conquistas camponesas começam a ruir e os conflitos no campo se intensificam. Quando João Goulart tenta assumir a presidência é impedido pelos militares que o acusavam de comunista. Leonel Brizola, governador do Rio Grande do Sul e cunhado de Jango, conseguiu mobilizar o Brasil em torno da Campanha da Legalidade e adiou o golpe planejado pelos militares, que só cederam diante da proposta do Congresso de Jango assumir em regime parlamentarista. Depois de 14 dias da renúncia de Jânio, João Goulart se torna o novo presidente do Brasil.
Reforma agrária, na lei ou na marra João Pedro Teixeira, ao sair de casa para trabalhar ou para reuniões com os camponeses, despedia-se de toda a
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família como se não fosse mais voltar. Elizabeth Teixeira, esposa de João Pedro, sentia-se angustiada diante daquela cena, mas sabia que não havia destino diferente para o líder da Liga Camponesa de Sapé, Paraíba. Quando Jânio Quadros renunciou, João Pedro foi preso e levado para Recife, onde ficou detido por 18 dias. Latifundiários da Várzea paraibana o visitavam para lhe fazer ofertas em dinheiro para que desistisse da luta. O esforço dos proprietários de terra foi em vão. Em 2 de abril de 1962, João Pedro Teixeira foi à João Pessoa para uma reunião com advogados. No caminho para casa, enquanto seguia pela estrada entre Café do Vento e Sapé, foi morto com três tiros de fuzil disparados a mando dos latifundiários da região por dois policiais militares e um vaqueiro. João, que carregava cadernos e livros escolares para os filhos, foi encontrado agonizando no matagal próximo à estrada. Enquanto isso, o Presidente da República enfrentava as diversas tentativas de desestabilização do seu governo. Em 1963 é realizado um plebiscito sobre a manutenção do parlamentarismo ou o retorno do presidencialismo. Quando o povo escolheu o presidencialismo, Jango lançou o Plano Trienal, desenvolvido pelo então Ministro da Fazenda, Celso Furtado, para combater a inflação e gerar desenvolvimento econômico. Entre as medidas do Plano estavam as reformas de base, que incluía reformas bancária, fiscal, urbana, eleitoral, agrária e educacional. Ainda no primeiro trimestre de 1963, Jango propôs ao Congresso Nacional a aprovação do projeto de reforma agrária. O Brasil, no início da década de 60, era um país majoritariamente agrário. Segundo o Censo Demográfico realizado em 1960, 55% da população brasileira vivia no campo, o que talvez justifique o fato do plano de reforma agrária
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do presidente João Goulart causar tanto alvoroço entre o povo e a elite do país. Para os camponeses era como se a cerca que os mantinham distantes da conquista da terra estivesse prestes a ser rompida, não era na marra, seria por um decreto presidencial. Contrariando o discurso golpista dos militares, uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) no segundo semestre de 1963, aponta que aproximadamente 60% da população apoiava os planos do presidente. Vale ressaltar que a pesquisa foi realizada em 16 centros urbanos de diferentes Estados brasileiros. Plínio de Arruda Sampaio, na época deputado federal, foi nomeado relator do projeto de reforma agrária e deu um parecer favorável: — O projeto do Jango era o seguinte: toda terra com área superior a 500 hectares poderia ser desapropriada, era por tamanho. Era uma medida redistributiva. Além do lote de terra para cultivar, você recebia assistência técnica e assistência creditícia. Era um excelente projeto. Pena que não foi feito.
A ditadura militar e o Estatuto da Terra A aliança entre militares, latifundiários, empresários e banqueiros derrubou o presidente João Goulart em 1964 e instituiu uma ditadura militar que duraria 21 anos. A primeira medida dos militares foi parar o processo de reforma agrária iniciado por Jango, extinguindo as Ligas Camponesas que articulavam os movimentos no campo. Para Moacir Palmeira, coordenador do Projeto Memória Camponesa do Museu Nacional/UFRJ, os conflitos no
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campo entre camponeses e latifundiários cresceram entre as décadas de 50 e 60, mas depois de 1964 passam a ter intervenção direta do Estado no processo de repressão: — Quando vem o golpe militar, a repressão mais violenta, a classe, o grupo que mais foi reprimido foram os camponeses. Em 02 de abril de 1964, dia seguinte ao golpe, o líder comunista Gregório Bezerra, aos 64 anos, foi preso. Amarrado a um jipe por três cordas no pescoço, era arrastado e espancado pelas ruas de Recife por militares sob o comando do coronel Darcy Villocq. Durante os primeiros meses da ditadura, foram caçadas todas as lideranças camponesas no Brasil. Elizabeth Teixeira, que assumiu a liderança da Liga de Sapé (PB) após a morte de João Pedro Teixeira, precisou se separar dos filhos e se refugiar sertão adentro com outra identidade para poder sobreviver. Na tentativa de iludir os camponeses, Marechal Castello Branco sancionou no mesmo ano o Estatuto da Terra, uma legislação que regulamentaria a reforma agrária no país. Art. 2° É assegurada a todos a oportunidade de acesso à propriedade da terra, condicionada pela sua função social, na forma prevista nesta Lei. § 1° A propriedade da terra desempenha integralmente a sua função social quando, simultaneamente: a) favorece o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela labutam, assim como de suas famílias;
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b) mantém níveis satisfatórios de produtividade; c) assegura a conservação dos recursos naturais; d) observa as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que a possuem e a cultivem. Mas, o Ministro do Planejamento, Roberto Campos, acalmou os latifundiários garantindo que o Estatuto não seria implantado, o que acirrou os conflitos agrários, principalmente com os projetos de colonização da Amazônia, e permitiu um processo de intervenção militar na distribuição das terras do país. Enquanto isso, no 15º Regimento de Infantaria da Paraíba, estavam presos João Alfredo Dias e Pedro Inácio de Araújo, conhecidos respectivamente como Nego Fubá e Pedro Fazendeiro, lideranças da Liga de Sapé. Os militares comunicaram as famílias dos lavradores que eles foram colocados em liberdade, mas Nego Fubá e Pedro Fazendeiro nunca mais foram vistos. A jornalista Denise Fon, que em 1962 foi um dos quadros da União Nacional dos Estudantes (UNE) da Paraíba, observa que se hoje o panorama no campo já é complicado, em 1964 era muito mais: — O Pedro Fazendeiro e o Nego Fubá são os primeiros desaparecidos políticos que se tem notícia, isso logo após o golpe em 1964. Eles desapareceram e nunca mais se soube qualquer coisa.
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Por fim à realidade, prima, e tão violenta que ao tentar apreendê-la toda imagem rebenta. João Cabral de Melo Neto
Corações camponeses
Ranulfo
A
primeira vez que nos encontramos com Ranulfo foi numa tarde de segunda-feira. Era julho e o sol a pino ardia no concreto da Avenida Sumaré por
onde seguimos durante 20 minutos até o Instituto Sedes Sapietiae, local marcado para a entrevista. Guiados pelo segurança, encontramos a sala do Centro de Educação Popular (Cepis), onde Ranulfo nos aguardava. Fomos recebidos com um enorme sorriso que se rasgou no semblante sereno daquele homem de 68 anos. O olhar atento, que em outro tempo testemunhou os horrores de uma ditadura, hoje nos observa com curiosidade na tentativa de saber o que nos levou até ele. Ranulfo nos conta que naquelas mesmas quatro paredes em que agora conversamos aconteceram as primeiras reuniões do Comitê de Anistia em 1978. Espalhados pelo Brasil e pelo mundo os Comitês de Anistia eram formados por exilados políticos, familiares de entes presos, mortos e desaparecidos além de advogados, jornalistas e religiosos que exigiam a Anistia ampla, geral e irrestrita. Explicamos a Ranulfo a proposta deste livrorreportagem
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e quando começamos a mencionar a repressão do Estado contra os camponeses Ranulfo alerta: — Se forem levantar todos os camponeses mortos na repressão não vai caber em um livro só! Ranulfo está certo. A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência, no último levantamento feito em 2013, apontou 1.196 casos de camponeses e apoiadores entre mortos e desaparecidos no período de 1961 a 1988, dos quais apenas 29 casos são reconhecidos pelo Estado brasileiro. Para ilustrar a dificuldade em reunir informações sobre o assunto, Ranulfo divide conosco um dos relatos que ouviu enquanto esteve em Pernambuco entre 1965 e 1974 e que contamos a seguir. O caso se deu na Usina Estreliana localizada no município de Ribeirão a uma hora e meia de Recife. Não há registros da data, mas sabe-se que era Páscoa, pois na tradição local o açude é esgotado para recolher os peixes para os dias de celebração. Assim cadáveres de camponeses foram encontrados no fundo do açude de Estreliana. Não foi possível identificar quantos eram, muito menos, quem eram aqueles camponeses. A usina era de propriedade de José Lopes da Siqueira Santos, deputado federal pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) entre 1959 e 1963, famoso na região por amarrar trabalhadores no tronco e lambuzá-los de mel e sal para serem lambidos por bois até ficarem com a pele em carne viva. Coroné Zé Lope, como era chamado, também ficaria conhecido por outros feitos como o assassinato de cinco camponeses em 1963, que reivindicavam o pagamento do 13º salário. Quatro deles foram mortos com tiros nas costas. Zé Lope também comandou um grupo de pistoleiros para caçar Gregório Bezerra, militante do Partido Comu-
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nista Brasileiro (PCB), dez dias antes do golpe de 64. Ranulfo mantém a voz calma e, com a ajuda de mapas, papel e caneta, explica tudo de forma didática, como se já estivesse acostumado a ouvir e a contar esses relatos de terror. A simplicidade e firmeza dos gestos, talvez heranças do tempo em que esteve entre os noviços franciscanos em Recife, completam a figura deste coração camponês que queria ser padre, mas encontrou na luta camponesa sua maior vocação. Aliás, os religiosos estiveram presentes ao longo de sua formação escolar e política. Dois deles marcariam a vida de Ranulfo para sempre: Frei Angelino e Dom Hélder Câmara. *** — Vamos rezar pelo Brasil! Os fiéis ouviam atentos ao que dizia o padre em meio à ladainha dominical na Catedral de Nossa Senhora da Conceição, no centro de Santarém, Pará. Em 1964, os rumores sobre o perigo vermelho chegavam pelos púlpitos das igrejas e pelas ondas do rádio: — O Brasil está à beira do abismo! Tomado pela corrupção, pela anarquia! — Precisamos acabar com o comunismo e salvar a família cristã! Ranulfo
nasceu
em
Santarém,
Pará.
Seu
pai
era
seringueiro em Belterra na Companhia Ford Industrial do Brasil. Desde 1927, Henry Ford mantinha uma área de 14.568 Km² no município de Aveiro onde plantava seringueiras para abastecer sua empresa de látex para a confecção de pneus para seus automóveis. A área foi concedida pelo
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governo do Estado do Pará na gestão do governador Dionísio Bentes. O termo de concessão isentava a Companhia Ford do pagamento de qualquer taxa de exportação de borracha, látex, madeira, petróleo ou qualquer outro bem produzido em Fordlândia, nome dado à gleba. Ford tentou realocar as plantações de seringueira para Belterra, onde o solo é mais fértil, e para isso derrubou 2.500 acres da vegetação original. A empresa construiu vilas para os funcionários com hospitais e escolas. Em 1945, com o surgimento dos pneus feitos a partir de derivados de petróleo, a Ford decidiu encerrar os investimentos na região e, por meio do Decreto 8.440, de 24 de dezembro de 1945, o governo brasileiro indenizou a companhia americana em cinco milhões de cruzeiros, equivalente a R$ 8,9 milhões no câmbio atual, pelos benefícios realizados na região. Ranulfo estudou em uma das escolas de Belterra até o primário, mudou-se para Campina Grande, Paraíba, onde cursou o ginasial em um colégio franciscano, depois voltou para Santarém para completar os estudos. No final de 1963, ao completar 18 anos apresentou-se para o serviço militar obrigatório e entrou para o Tiro de Guerra de Santarém, órgão local de formação da reserva que possibilita conciliar trabalho e estudo, o que lhe permitiu concluir o Ensino Científico, atual Ensino Médio. No Tiro de Guerra, Ranulfo aprendeu a admirar a rotina militar. Os 150 recrutas que serviam naquele ano marchavam pela manhã quando uma voz no rádio anunciou a revolução. Era 1º de abril de 1964. Um sargento avisou que o Tiro de Guerra estava em prontidão e que a guarnição deveria se preparar para a possível resistência. Para Ranulfo, o exército teria ouvido os apelos da população por isso, no dia seguinte, ele e os outros 149 estudantes-soldados foram pela primeira vez ao estande de tiros. Treinaram com os únicos dez fuzis que existiam na escola, todos desca-
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librados. Será que o exército precisaria desses estudantes para combater o tal perigo vermelho? Ranulfo deu baixa do serviço militar acreditando que os militares haviam feito uma revolução para acabar com a baderna comunista. O país estava em paz. Missas haviam sido celebradas em comemoração à vitória. Em 1965 partiu do Pará rumo a Pernambuco. Foi estudar Teologia no Instituto Teológico de Recife (ITER) que mantinha convênio com a Universidade Católica. Mal sabia que sua crença no exército seria convertida em breve. Já em Pernambuco, no Convento São Francisco, Ranulfo reencontrou um de seus professores do colégio franciscano, onde fez o ginásio, Frei Angelino. Já naquele tempo, o frade ensinava aos seus jovens alunos a valorizar o que os fazia únicos. Ainda no colégio franciscano, Frei Angelino chamou a atenção de Ranulfo por ele se sentir ofendido quando os garotos mais velhos, na tentativa de insultá-lo, o chamavam de índio: — Ranulfo, meu filho, se eu fosse você teria o maior orgulho de ser chamado de índio. Essa não seria a última lição que Frei Angelino daria a Ranulfo. Frei Angelino vivia sob vigilância dos seus superiores. Não era para menos. Costumava despertar seus alunos para o processo de repressão que vivia o Brasil. Suas ideias eram progressistas demais para uma instituição que havia apoiado o golpe, por isso, evitava comentar algumas histórias, como a do dia em que frades noviços esconderam Chapéu de Couro, codinome de Mariano Joaquim da Silva, secretário das Ligas Camponesas de Sirinhaém, na torre da igreja. Chapéu de Couro desapareceria em 1971, depois de ter sido
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levado para o centro clandestino de torturas no Rio de Janeiro: a Casa da Morte de Petrópolis. Ranulfo ouvia o professor atento, mas não conseguia acreditar que o exército seria capaz de se voltar contra o povo. Em um intervalo de aula, Frei Angelino convidou Ranulfo e outros alunos para o acompanharem em um passeio. O dia estava tipicamente quente e o mestre dos noviços do Convento São Francisco, localizado em Sirinhaém, a 78 km de Recife, conduzia o grupo em direção a um canavial. O convento era bem próximo da Usina Trapiche, famosa por suas imensas plantações de cana-de-açúcar e disputas territoriais com os camponeses da região. Caminhavam em silêncio, quando avistaram a nuvem negra formada por urubus sobrevoando uma árvore. — Estão vendo aqueles urubus ali? Vamos chegar mais perto! O pequeno grupo se aproximava. Frei Angelino estava dando aos seus alunos a oportunidade de conhecer a realidade e ela lhes invadia as narinas com um forte cheiro de carniça. — Vocês sabem quem são essas pessoas? São camponeses! O mestre apontava para um amontoado de corpos, a maioria em avançado estado de decomposição. — O que vocês estão vendo é a revolução feita pelo exército. Ranulfo não reconheceu ninguém naquela cena que lhe
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revirou o estômago e a cabeça. Chegou a pensar se não estava diante de uma das fotografias das valas comuns dos campos de concentração da Alemanha nazista. Aos 19 anos, viu todas as verdades que conhecia caírem por terra. Como uma instituição que ele acreditava ser boa poderia ter executado barbaridades como aquela? Ranulfo conheceu a verdadeira face do regime e jurou nunca mais rezar para o santo errado. Em 1966, a igreja decide que os jovens franciscanos do nordeste deveriam estudar em Illinois, nos Estados Unidos. Parecia ser uma grande oportunidade. Seriam seis anos longe do Brasil. Ranulfo, porém, só ficou um ano e decidiu voltar. Logo retomou os estudos teológicos na mesma universidade que havia deixado. Com as ideias em ebulição participou como membro do Diretório Acadêmico do ITER, atuou em várias pastorais ligadas à Teologia da Libertação — uma corrente de pensamento dentro da igreja que buscou interpretar a fé cristã do ponto de vista do oprimido. Não demorou e a Igreja Católica renegou alguns grupos sociais e juvenis por divergência política. Isso foi ruim para os estudantes de teologia que faziam oposição ao regime. Não tardaria para que alguns deles fossem perseguidos, presos, torturados, mortos ou exilados. Esse terror não ocorreu somente em Pernambuco. Informações que chegavam ao conhecimento de Ranulfo davam conta de atentados contra religiosos em todo o país. Mesmo diante do cenário caótico que enfrentava, o jovem universitário consegue concluir o curso de teologia em Recife. Faltava pouco para cumprir uma antiga promessa de voltar à sua terra natal e ser ordenado padre de Santarém no Pará. Mas o que ele ainda não sabia é que o arcebispo de Olinda e Recife, Dom Hélder Câmara, tinha planos para adiar o seu retorno.
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No início da década de 70, o arcebispo mantinha no Engenho Taquari, em Sirinhaém, um projeto de reforma agrária pessoal; isto é, ele havia comprado terras no meio da zona canavieira e dividido entre os camponeses da região. Dom Hélder era chamado de comunista, tal como o fictício protagonista do filme de 1962, O Pagador de Promessas, que distribui suas terras como parte de uma promessa à Santa Bárbara. O projeto batizado de Operação Esperança contava com um coordenador, Antônio Vieira, responsável pela educação de base e por estudos de recuperação do solo empobrecido pela plantação da cana. Ele coordenava o projeto a convite de Dom Hélder, mas não conseguia avançar com o trabalho diante das manifestações religiosas dos camponeses. Antônio sentia-se incomodado com o dinheiro gasto pela comunidade na compra de fogos de artifício e na realização de festas para os santos quando a maioria dos camponeses tinha como refeição uma lata de sardinha Antônio pede ajuda a Dom Hélder que dias depois envia Ranulfo, recém-formado em teologia, para auxiliar com a religiosidade dos assentados no Engenho Taquari. Antônio recebe o jovem teólogo e explica a situação. Durante seis meses, Ranulfo organiza a divisão de alimentos, forma mutirões e procissões, utilizando conceitos religiosos para facilitar a alfabetização e o trabalho de base que Antônio já desenvolvia. Assim, à medida que o Engenho Taquari progride, a amizade entre Antônio e Ranulfo surge. Em julho de 1973 Ranulfo anuncia sua despedida. Já havia desistido de se ordenar padre, mas sentia a necessidade de voltar para a sua terra natal. Teve festa e muito choro no Engenho Taquari. No final do mês, Antônio acompanha o amigo até Recife, onde Ranulfo ficaria mais alguns dias antes de voltar para Santarém, Pará. Despedem-se e se separam.
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No dia seguinte, depois de uma reunião, Antônio é preso pelo Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna, o DOI-Codi. Ranulfo toma conhecimento da prisão do amigo e no mesmo dia retorna para o Engenho Taquari. Evitando as estradas, embrenha-se mata adentro para chegar até o assentamento por uma passagem pouco conhecida. Na manhã seguinte, convoca uma reunião de emergência com os camponeses para explicar o que aconteceu com Antônio: — Companheiros, ontem Antônio foi preso pelo DOI-Codi. Dom Hélder já está à procura dele. Os agentes podem tentar nos intimidar, ameaçar. Precisamos nos manter unidos. O trabalho aqui continua, mas quem estiver com medo, é livre para ir embora. Antônio ficou preso por cinco meses, três deles no DOI-Codi de Recife onde foi brutalmente torturado. Enquanto isso Ranulfo continuava o trabalho na Operação Esperança e auxiliando Dom Hélder nas buscas pelo amigo. Ranulfo sequer foi ameaçado. Antônio foi libertado em dezembro de 1973. Ele e Ranulfo celebram juntos o Natal. Em março de 1974, Ranulfo finalmente retorna a Santarém. Sua história com os camponeses tinha apenas começado. Santarém se encontrava sob o total domínio militar. Por força do Decreto-Lei nº 866, de 12 de Setembro de 1969, a cidade havia se tornado área de interesse da Segurança Nacional. Parecia um canteiro de obras. Uma base de treinamento contraguerrilha era o que mais se destacava. Nos treinamentos aéreos chegavam a soltar bombas de 200 quilos na confluência dos rios Amazonas e Tapajós para que qualquer um pudesse testemunhar o poder militar presente na região.
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O ato de intimidação tinha o propósito de aterrorizar a população e conter o apoio de camponeses da região à guerrilha do Araguaia, estabelecida na área conhecida como Bico de Papagaio desde 1967. O exército brasileiro mobilizou cerca de 10 mil soldados em três expedições para acabar com a guerrilha que contabilizou 70 desaparecimentos entre guerrilheiros e camponeses, dos quais apenas 62 foram reconhecidos pelo Estado brasileiro. Muitos também foram mortos depois de capturados e torturados na sede local do Departamento Nacional de Estradas e Rodagens (DNER) em Marabá, conhecida como Casa Azul, onde funcionava clandestinamente, desde 1972, um QG do Centro de Informações do Exército (CIE). Mas a repressão não se limitou a demonstrar poder bélico. A educação começava a ser usada como instrumento de controle. Escolas eram construídas em tempo recorde e o número de alunos não parava de crescer. E isso não era nenhuma novidade militar. Fazia parte do engenhoso plano arquitetado por Golbery do Couto e Silva, que consistia em um emaranhado de ações para alinhar o pensamento nacional aos interesses do bloco econômico ocidental liderado pelos Estados Unidos. Além disso, o exército firmou uma parceria com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), prometendo legalizar as posses dos lavradores e distribuir terras na região. Um dos únicos focos de resistência, mesmo que de conscientização, se materializava nas ações de Frei Miguel, da ala mais progressista da Igreja Católica, por meio da Catequese Urbana da Diocese de Santarém. Em seu primeiro ano em Santarém Ranulfo foi convidado como membro da igreja a participar da Assembleia dos Caciques na Missão Cururu no Alto Tapajós. O encontro era incentivado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e reunia chefes de diversas tribos para se co-
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nhecerem, dialogarem sobre os problemas em comum e apresentarem reivindicações de forma coletiva. Levado em um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) com membros do Cimi até o local onde aconteceria o encontro, Ranulfo acompanhou os cinco dias de Assembleia e escreveu um relato que o levou ao Encontro Nacional do Cimi, dias 19, 20 e 21 de junho de 1975, em Goiânia. No dia seguinte ao término do Encontro do Cimi e no mesmo local, aconteceria o Encontro da Pastoral Amazônica, para o qual Ranulfo também foi convidado por conta da sua atuação em Pernambuco. É desse encontro que nasce a Comissão Pastoral da Terra (CPT). Em plena ditadura militar, um órgão da Igreja se propunha a atuar contra as graves violações de direitos humanos contra camponeses, trabalhadores rurais, posseiros e índios. Isso só foi possível pelo vínculo que a CPT mantinha com a CNBB que era muito respeitada pelos militares. De volta a Santarém Ranulfo filia-se ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR). Com os ideais adquiridos em Pernambuco, não tardou querer colocar em prática os mecanismos que possibilitassem conscientizar os afiliados. Mas no sindicato a presença de um interventor adiaria seus planos. O sindicato atual servia somente para identificar possíveis subversivos e distribuir fichas do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural) — uma espécie de contribuição para aposentadoria. Junto a um interventor e aos pelegos ainda havia a maioria que temia uma possível repressão do governo. Ranulfo pensava: como tomar o sindicato de volta para os camponeses? Em 1977, conseguiu organizar uma pequena oposição: a Chapa 2. Na sua primeira eleição, perderam por uma diferença estrondosa, não conseguiram nem 10% dos votos. Mas a palavra de ordem era não desistir. No ano seguinte,
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outra derrota. Desta vez receberam 40% dos votos. Isso animou Ranulfo e os outros membros da corrente sindical, que continuavam realizando o trabalho de base, indo até as fazendas e semeando as informações e leis sobre direitos trabalhistas e política. Esse novo movimento sindical enfrentou a desconfiança do bispo de Santarém, o americano Dom Tiago Ryan, que os acusava de subversão. Em contrapartida, contou com o apoio de seu amigo Antônio Vieira, que foi para Santarém auxiliar nos trabalhos de educação de base dos camponeses. Assim, na terceira tentativa, ganharam o sindicato. Desta vez com 80% dos votos a favor. As medidas eram simples: dar continuidade aos trabalhos que já vinham realizando e desenvolver uma cartilha que explicasse com detalhes como funcionava cada peça dessa nova engrenagem sindical. Idealizaram uma publicação quinzenal que recebeu o nome de Lamparina, um jornal popular de 10 páginas, com fotos, ilustrações e artigos. O jornal tratava de assuntos ligados ao cotidiano e direito do homem do campo, era um instrumento de denúncia e registro histórico da região. Como essa manobra foi pacífica e com o sucesso obtido no sindicato de Santarém, Ranulfo recebeu convite para visitar outros sindicatos e desbancar outros interventores. O que lhe rendeu a fama de especialista em derrubar pelego. Ranulfo desenvolveu um método de educação sindical que consistia em formação de base, organização da oposição e retomada do sindicato para os trabalhadores. Com esse método assessorou sindicatos por todo o país. Em 1979, aconteceu o 3º Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais. José Francisco, um dos dirigentes da Contag, tentou vetar a participação da corrente sindical de oposição aos interventores, mas não conseguiu.
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— O congresso era tão direitoso que até o Delfim Netto discursou — lembra Ranulfo. Delfim Netto havia assumido o Ministério da Agricultura e a Secretaria de Planejamento da Presidência da República do governo Figueiredo há pouco tempo, quando foi convidado a falar no Congresso. O ministro foi vaiado durante todo o seu discurso. Em outro momento, Delfim chegou a declarar que reforma agrária era coisa de economista desocupado. Em meio às recordações, Ranulfo deixa escapar o Hino da Reforma Agrária (Canto do Lavrador), escrito por Benedicto Monteiro, em 1964. O hino serviu como prova de subversão no processo que foi instaurado na Justiça Militar, quando Monteiro foi cassado, preso, torturado e marginalizado da vida pública por 20 anos. Agora nós vamos pra luta a terra que é nossa ocupar a terra é pra quem trabalha a história não falha nós vamos ganhar Já chega de exploração já chega de tanto sofrer ou morre jogado no eito ou leva no peito o jeito é vencer Já chega de tanta promessa já chega de tanto esperar a terra na raça ou na garra na lei ou na marra nós vamos tomar
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Ainda no Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais, o secretário-geral da Contag, Francisco Urbano, denunciou que a violência dos patrões crescia rapidamente à medida que os conflitos no campo também aumentavam. O que coincidiu com o processo de abertura política do país. Para Ranulfo, essa violência no campo era um rastro da ditadura que aumentou a concentração de terras e deu aos latifundiários, poder de polícia sobre as suas propriedades: — O pessoal acha que a ditadura acabou em 1979... 1985... Se bobear foi só em 1988, com a Constituição. No nosso sindicato mesmo teve um assassinado, o Avelino Ribeiro da Silva. Foi em 02 em março de 1982, morto por grileiros numa emboscada no Km 174 Santarém-Cuiabá. Ranulfo ficou em Santarém até 1985, quando a Corrente Sindical o enviou com mais 20 militantes para outras regiões do Brasil. São Paulo foi seu destino, onde compartilhou sua experiência nos sindicatos rurais com os trabalhadores das fábricas através da Central Única dos Trabalhadores (CUT-SP). Em 1986, participou da fundação do Instituto Cajamar (Inca), um centro de formação político-sindical que teve como seu primeiro coordenador político o pedagogo e educador popular, Paulo Freire. No início da década de 90, Ranulfo passou a atuar como educador popular nos quadros do Centro de Educação Popular do Instituto Sedes Sapientiae (Cepis), onde se encontra até hoje. Mesmo morando em São José dos Campos, São Paulo, a rotina de Ranulfo ainda é visitar os locais afastados dos centros urbanos para trabalhar com educação de base e articular a formação dos trabalhadores rurais. Quase meio século se passou desde aquela tarde em Sirinhaém em que, sob a nuvem de urubus, corpos de cam-
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poneses se decompunham. Ranulfo Peloso da Silva não foi perseguido, preso, torturado, mas viu seus amigos e companheiros de luta terem a sua dignidade e memória roubadas nos paus-de-arara dos porões da ditadura. Mesmo nesse cenário de medo, Ranulfo sobreviveu como uma das poucas testemunhas oculares que hoje nos ajuda a reconstruir a história da luta dos camponeses no Brasil.
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Antônio — Antônio. — ... — Antônio, sua filha está aqui. — Filha? —responde ele— Eu lembro... Gregório, Jullien e Lara são meus filhos. — E o que mais você lembra? — ... — Lembra de Recife? — Recife?
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sua memória aos poucos vai desaparecendo, dizem que são as sequelas do tempo e da dureza da vida que teve que enfrentar. Já não se lembra de
ter participado da Operação Esperança, em Pernambuco, onde ajudou a organizar os camponeses nas terras do Engenho Taquari, no município de Sirinhaém. Pelas bandas de lá, diziam que era a reforma agrária de Dom Hélder Câmara. Foram tempos de luta e de resistência. Somente nos primeiros anos da década 70 o Estado brasileiro, em sua ação de repressão, contabilizou, entre
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prisões, perseguições, torturas, assassinatos, desaparecimentos e violações de direitos humanos, 30 casos envolvendo camponeses. Número que não incluiu as vítimas dos latifundiários, que provavelmente agiam com a conivência da polícia e tocavam o terror nos campesinos. Por motivos que Antônio não sabe, e talvez nunca saiba, ele poderia ter acabado como Amaro Félix, Dênis Casemiro, Zé Soldado, Manoel Aleixo, Nicolau 21, João Maranhão, José Porfírio ou Manoel Pereira, que foram assassinados ou desaparecidos pelos agentes do Estado. Antônio sobreviveu às torturas e perseguições para continuar atuando na resistência camponesa. Atualmente, ele depende da ajuda da filha Lara, que o acolheu em Teresina, Piauí, e de alguns antigos companheiros camponeses. Para Antônio não é fácil lembrar-se do passado. Os 75 anos de idade já lhe traem a memória, talvez por causa do acidente cerebral que teve em setembro de 2013 e também, muito provavelmente, por causa das torturas sofridas na prisão do Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna, o DOI-Codi, em Recife. É a partir dessa fragmentada memória que pudemos compor a história a seguir. Era final de julho de 1973, Antônio seguia num táxi a caminho do bairro dos Coelhos, acompanhado de um adolescente chamado Dida, auxiliar doméstico na residência do Arcebispo de Olinda e Recife, Dom Hélder Câmara. Era por volta das 19 horas. O carro atravessava a Avenida Norte, na pista abaixo do Viaduto Presidente Médici, quando uma Chevrolet Veraneio fechou a passagem. Quatro homens armados saltaram na direção deles, apontando revólveres e metralhadoras:
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— Baixa já do táxi, filho da puta! Comunista safado! — Sai! Sai! Sai! Antônio e Dida saíram do carro sem reagir. Antônio ainda sentiu o cano da arma contra sua testa: — Não olha para mim não, porra! Foram encapuzados e algemados. Enquanto eram empurrados para dentro da Veraneio, Antônio ainda ouviu um deles falar ao rádio: — Operação Índia concluída. Depois de uns 20 minutos e algumas voltas o carro parou, os prisioneiros foram desembarcados aos gritos, murros nas costas e empurrões. Ainda encapuzados deram alguns passos, pararam e o interrogatório começou: — Qual o seu nome? Você pertence a qual organização? E ameaçavam: — Se você não falar a situação vai ficar muito pior. Mas Antônio não sabia do que se tratava. Não entendia o que poderia ter feito. Será que era o trabalho com os camponeses no Engenho Taquari? O que a equipe da área de Ação Comunitária da qual participava havia feito de errado? O projeto era de Dom Hélder, homem reconhecido mundialmente, indicado quatro vezes ao Nobel da Paz — em uma delas perdeu para o Secretário de Estado americano Henry Kissinger, um dos responsáveis pelo golpe no Chile em 1973 e pela prorrogação da Guerra do Vietnã.
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O arcebispo com o dinheiro ganho na Noruega por outro prêmio, o Prêmio Popular da Paz, comprou terras na zona rural canavieira do município Cabo de Santo Agostinho, Pernambuco e distribuiu para camponeses da região. O que teria acontecido? Enquanto interrogavam Antônio, começaram a despi-lo. — Dom Hélder já sabe do seu envolvimento com a Ação Popular. Confirme! — disse o agente. — Não é verdade. — respondeu. — Nós vamos ter tempo para conversar. — Dê logo todas as informações! — gritou o outro agente. A Ação Popular (AP), uma organização originária dos quadros da Juventude Universitária Católica ( JUC) e com apoio de movimentos de militância católica, como o Movimento de Educação de Base (MEB) e as Congregações Marianas, era ideologicamente cristã, mas depois do Golpe de 1964 se voltou contra o regime estabelecido e adotou uma postura política de luta contra a ditadura militar. Pouco tempo depois, a AP seria apontada como responsável pela explosão de três bombas em Recife, todas no dia 25 de julho de 1966. Uma delas, no Aeroporto dos Guararapes, era para atingir o então candidato a presidência Marechal Costa e Silva, mas matou o Almirante Nélson Fernandes, o jornalista Édson Régis e deixou mais de 14 feridos. Aos poucos, as vozes dos agentes foram perdendo a intensidade. Logo veio o silêncio, quebrado apenas por sons de carros que pareciam estar muito longe. Do outro lado da cidade, o motorista do táxi em que estavam Antônio e Dida, buscava um local seguro para fazer uma ligação. Quando encontrou, telefonou para seu
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irmão que era responsável pelo Centro de Treinamento de D. Hélder e o alertou: — Prenderam um de vocês! No DOI-Codi, Antônio, ainda em pé no mesmo lugar, aguardava seu destino. Quando alguém lhe perguntou: — Você sabe nadar? Antes que pudesse responder, o agente o pegou pelo braço e ordenou que andasse. Logo parou. Retiraram seu capuz e ele estava em frente a uma cela minúscula. O carcereiro abriu a porta e o algemou, seu pulso direito puxado por trás da coxa direita e o esquerdo pela frente à altura da virilha. Assim passou a primeira noite e ficou até o dia seguinte à hora do rancho, quando retiraram as algemas para ele poder comer. Na segunda noite, uma campainha soou e o carcereiro fez sinal para que Antônio ficasse em pé. Algemou-o novamente, desta vez com os pulsos para trás, colocou o capuz e conduziu-o até o local de interrogatório. Os agentes do DOI-Codi alternavam acusações com choques elétricos nas axilas e entre os dedos dos pés, na tentativa de que Antônio falasse o que eles queriam ouvir. Acusado de suposta participação em grupos de luta armada, seus torturadores diziam nomes de pessoas que seriam seus companheiros, mas que de fato Antônio não conhecia. E as suas negativas diante de fatos, nomes, locais, justificou uma rotina de torturas durante os três meses em que ficou preso no DOI-Codi de Recife. Depois de uma semana da prisão de Antônio, Georgina, sua ex-mulher, foi detida em casa pelo exército. Não se sabe ao certo para onde ela foi levada, mas ficou sete dias
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sob custódia do Estado sendo interrogada, muitas vezes nua, sobre as atividades políticas do ex-marido. A tortura física deu lugar à tortura psicológica e Gina, como era conhecida, ouvia ameaças contra si e seus filhos durante os interrogatórios. Enquanto isso, no DOI-Codi, a campainha tocava duas a três vezes por semana e Antônio era algemado, encapuzado e conduzido à tortura. — Onde está Ricardo Zarattini? — perguntavam insistentemente. Como Antônio poderia saber? Ricardo Zarattini era um militante envolvido na reorganização dos sindicatos rurais no nordeste em 1968, sendo este um dos motivos que o levaram a ser preso e torturado. Seu nome apareceria na lista dos que iriam para o México a bordo do Hércules 56, avião da Força Aérea Brasileira, em 1969. Zarattini e mais 14 presos políticos, entre eles Gregório Bezerra e Zé Dirceu, foram trocados pelo embaixador norte-americano, Charles Elbrick, sequestrado por duas organizações de luta armada, a Aliança Libertadora Nacional (ALN) e o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR8). Ricardo saiu do país e voltou clandestinamente em 1974, quase um ano após a liberação de Antônio pelo DOI-Codi. Apesar desses ativistas libertos, Antônio continuava preso. Dom Hélder procurava por ele no I Exército no Rio de Janeiro e no IV Exército em Recife, com a ajuda do advogado Sobral Pinto, perguntou judicialmente se Antônio estava em uma das bases. Um disse que sim. O outro disse que não. E se iniciou uma ampla campanha de denúncias. As sessões de tortura eram cada vez piores. Antônio
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chegou a ser encaminhado três vezes à UTI nos meses em que esteve preso no DOI-Codi. Em uma das sessões ouviu de seu torturador que era azarado por ainda estar ali: — Outros casos muito mais graves que o seu foram resolvidos rapidamente. Você deve estar escondendo alguma coisa. Três meses depois de presos, Antônio e Dida foram transferidos para um quartel em Olinda, onde foram submetidos a exames médicos e permaneceram por duas semanas. Em seguida foram levados para Brasília. A nova cela era maior e limpa. As torturas cessaram, eles podiam tomar banho de sol e conversar com outros presos. Certa noite se assustou com uma agitação. — O que está acontecendo? — Prenderam minha turma por fumar maconha — respondeu um recruta, que ainda afirmou ter fumado também. — Por que você está preso? — perguntou o recruta. — Acredito que sejam por razões políticas. — respondeu Antônio. — Então você está fodido. Depois de um mês em Brasília, Antônio e Dida retornaram para o DOI-Codi de Recife. Novamente estavam naquela central de torturas. Não sabiam o que lhes aconteceria. Será que seriam torturados? Por motivos até hoje sem explicação permaneceram presos por mais 20 dias. Em 18 de dezembro, ao anoitecer, receberam seus pertences e foram levados até uma Kombi. O veículo seguiu por oito quilômetros até Olinda e parou em frente a um prédio ladeado por palmeiras:
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— Pode descer! – disse o motorista. E antes de arrancar com a Kombi ainda gritou: — Feliz Natal! Antônio foi deixado na porta do Seminário de Olinda, onde costumava ficar todas as vezes que ia para a cidade. Quando entrou, a freira que o recebeu, pegou o telefone e discou nervosamente um número; ao ser atendida, recitou um poema de Ariano Suassuna. As palavras mágicas fizeram D. Hélder aparecer num curto espaço de tempo: — Pensei que nunca mais fosse lhe encontrar! Antônio Santos Vieira não teve mais notícias de Dida. Quando consegue se lembrar desse período de terror, lamenta mais pelo amigo que simplesmente queria uma carona para casa naquele dia em que foram presos. Além do sequestro, da prisão, das torturas e humilhações, Antônio ainda sente a culpa pelos cinco meses roubados da vida daquele adolescente. *** Antônio sempre foi envolvido com a luta pela terra, mesmo antes da ditadura. Em 1959, o alagoano de Penedo começou a trabalhar na zona rural da cidade com o Projeto de Alfabetização de Adultos do Movimento de Educação de Base (MEB). Com o golpe militar em 1964, todos aqueles que desenvolviam algum trabalho com os camponeses passaram a ser perseguidos. Os agentes do Estado entravam nas comunidades com carros apreendidos do MEB e procuravam pelos educadores. Sabiam todos
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os nomes. Em uma das vezes, camponeses correram para avisar: — Estão procurando por um tal de Antônio Vieira. Ameaçado. Fugiu com um amigo pelo rio e se dirigiu à cidade de Angicos, onde ficou por 20 dias na casa de um camponês. Disfarçado, pegou um trem para Maceió e saiu à procura de outros membros do MEB. Antônio soube através deles que corria a notícia de que havia sido preso em Penedo, o que não aconteceu. Ainda sob disfarce, foi até Olinda onde pensou em procurar pelo bispo, mas sentiu medo e desconfiança, pois a Igreja Católica havia se posicionado contra as Ligas Camponesas. Então, se dirigiu até a sede do Partido Comunista da cidade. Estava tudo fechado. Todas as lideranças haviam sido presas. Alguém, à espreita, direcionou Antônio a procurar outra pessoa que informou sobre um novo grupo que se formava: a Ação Popular. Não se sabe ao certo se Antônio participou ativamente da AP. Alguns dizem que ele atuou na organização antes de ingressar na Operação Esperança. Outros dizem que ele nunca pertenceu a AP. Antônio não se lembra. Ficou na clandestinidade até o início de 1972, coordenando um pequeno grupo local de trabalho de educação dos camponeses na Paraíba até ser convidado por Dom Hélder para participar de um projeto. Em seu primeiro encontro com o arcebispo, Antônio foi recebido com um saudoso abraço. Era como se conhecessem há muitos anos e soubessem o que o destino lhes reservava. Antônio aceitou a coordenação da Operação Esperança no Engenho Taquari, onde desenvolvia trabalho de educação de base dos camponeses e estudos para a substituição da cana por agricultura de subsistência.
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As dificuldades de Antônio em lidar com a religiosidade local fez Dom Hélder aproximá-lo do seminarista Ranulfo Peloso que tinha se formado há pouco no Instituto de Teologia do Recife. O trabalho em Taquari se fortaleceu e a amizade entre eles surgiu. Depois da prisão de Antônio não se tem registros do que lhe aconteceu entre 73 e 78. Sabe-se que continuou trabalhando na Operação Esperança por mais alguns meses e que, anos depois, foi para Santarém, Pará, trabalhar novamente com Ranulfo, desta vez no Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR). Antônio atuava pela Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase) que tem sua sede no Rio de Janeiro e escritórios na Bahia, Espírito Santo, Mato Grosso, Pernambuco e Amazônia, onde ele participava do Programa Regional Pará. Antônio assessorou o STR até 1982, quando escreveu o roteiro de um filme que contava os dez anos de história do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santarém. O longa-metragem foi feito em 35 mm e lançado em 1983 com o título de Lamparina. O elenco era formado em sua maioria absoluta por camponeses ligados ao Sindicato. Ainda em 1983, mudou-se para Manaus e passou a trabalhar com operários metalúrgicos. A partir de então as datas e os fatos deixam de ser precisos. Também em Manaus, Antônio atuou em uma ONG ambientalista chamada Vitória Amazônica. Voltou para Santarém onde assessorou o Fundo de Desenvolvimento e Ação Comunitária (Fundac). Em 2005, foi convidado para assumir a chefia do gabinete municipal de Belterra na gestão do prefeito Geraldo Pastana (PT), ficando até o fim do segundo mandato, em 2012. No ano seguinte, continuou trabalhando na Prefeitura de Belterra, mas na Secretaria de Comunicação da gestão da Prefeita Dilma Serrão (PT). Ranulfo reviu o amigo poucas vezes. Em 2013, passou
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a encabeçar um grupo de solidariedade e reconstrução da memória de Antônio. Justamente após encontrá-lo em uma velha rede, cercado por quatro cachorros numa casa cedida em Belterra que não tinha rádio, telefone, computador ou luz suficiente, mesmo ele sendo assessor de comunicação da prefeitura. Ranulfo enviou e-mails para vários companheiros e organizações de luta pela terra na tentativa de ajudar o amigo. Assim, conseguiu localizar Lara, filha de Antônio, em Teresina, que enfrentava problemas de saúde, como relata no e-mail enviado a Ranulfo: Oi Ranulfo, Boa noite meu amigo, realmente o tempo resolve muitas coisas e esculhamba outras, uma delas é o nosso corpo que vai morrendo a cada dia. Bom, a questão do painho tá complicada agora depois dessa infecção nos pulmões, não sei se ele consegue viajar, mas minha mãe tem planos de ir até Belterra para o aniversário dele, espero que ele consiga, pois também não está bem de saúde e pra piorar nem eu nem o Jullien. (...) Enfim, parece que o mar não está pra peixes.
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mainha, por si só, é hipertensa e tem angina uma combinação muito ruim e está com problemas na pressão do olho, vai ao médico agora dia 8 e Jullien volta para uma avaliação dia 10 e ela espera conseguir equacionar os problemas de saúde dela e de Jullinho e conseguir ir até painho e se possível trazê-lo. Bom, eu não queria anunciar porque não sei se ela vai dar conta de fazer isso, mas esses são os planos dela,
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não fez ainda porque não pode. Que o que eu penso é que tudo isso poderia ter sido evitado se painho tivesse me ouvido e ficado no Recife. Abraço Lara Mesmo com dificuldades, Lara conseguiu enviar a mãe, Georgina, para buscar o pai em Belterra, no Pará. A saúde debilitada de Antônio fez com que ele desembarcasse do avião direto para um leito na UTI por causa de uma insuficiência respiratória. Orientada pelos médicos, Lara precisou adquirir equipamentos, como cadeira de rodas, cadeira de banho, além de um ar condicionado para receber o pai em casa. Poucos meses depois de chegar a Teresina, Antônio sofreu um AVC que o tornou completamente dependente. Não reconhece ninguém, além de Lara. Não se lembra de Dom Hélder nem dos cinco meses que passou na prisão, mas se estimulado, começa a cantar canções que fez sobre a luta popular e até mesmo benditos de Padim Ciço. Antônio alterna momentos de calma e intensa agitação. Às vezes se levanta da cadeira de rodas, correndo o risco de sofrer alguma fratura; quando não, arranca toda a roupa e a fralda. Os neurologistas desconfiam que ele tenha mal de Alzheimer. Lara precisou contratar uma vizinha para auxiliá-la nos cuidados com o pai, mas apesar da boa vontade nenhuma das duas têm experiência como cuidadora. Lara recebe a ajuda de amigos, companheiros de Antônio, pois seu salário de funcionária pública na pequena cidade de Timon, Maranhão, é insuficiente. Ela calcula que entre translados, consultas, exames, medicamentos, equipamentos e fraldas, tenham sido gastos R$ 9.628,90 até o primeiro bi-
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mestre de 2014. Recentemente, Lara foi diagnosticada com um câncer agressivo e em estado avançado. Antônio nunca quis uma indenização pelos cinco meses em que esteve nos porões da ditadura sendo torturado e privado de seus direitos. Mesmo diante da pressão de amigos e familiares, ele se recusava a assinar os documentos ou uma procuração para que fosse iniciado o processo de anistia. Quando ficou debilitado, uma junta médica assinou um atestado que permitiu Lara se tornar legalmente responsável pelo pai. Com a ajuda dos amigos de Antônio, que reuniram depoimentos dos que trabalharam com ele para que se conseguisse solicitar à Comissão de Anistia a devida indenização, Lara foi à Brasília protocolar o requerimento num dia emblematicamente trágico: era 13/12/2013, exatos 45 anos do AI-5. Passados quatro meses, o pedido ainda está do Departamento de Protocolo e Diligência do Ministério da Justiça. Contudo, há dificuldades maiores, uma vez que não há registros oficiais da prisão de seu pai em Recife ou de sua passagem por Brasília. Nos documentos recentemente publicados que listam os camponeses torturados, mortos e desaparecidos pelo Estado, Antônio também não consta.
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anoel era camponês. Um homem alto e forte. No rosto os sulcos que o tempo e o sol cravaram em sua testa lhe conferiam um ar rígido que só se
desarmava quando seus olhos azuis encaravam sua filha caçula Amara brincando na soleira da porta. Nascido em 1921, Sairé, Pernambuco, Manoel conhecia as terras da Zona da Mata pernambucana, de Bezerro, Camocim de São Félix, Barra de Guabiraba e Palmares, onde o quilombo que deu o nome ao município se estabeleceu em 1580 e, liderado por Zumbi, resistiu a 18 expedições contra os quilombolas. Manoel se estabeleceu em Burarema. Lavrava e cuidava de pequenas criações de galinha, porco, pato. Mas a terra sempre pertencia a outros. De tudo que produzia e criava, pagava a meia para o dono da gleba, ou seja, a metade da produção ficava com os fazendeiros e com a outra metade Manoel tirava o sustento dos cinco filhos. Em 1960, depois de terem vivido mais um derrota das águas, saem em busca de um lugar para recomeçar. Uma cheia do rio havia levado toda a lavoura, invadido
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a casa e matado criações afogadas. A água do rio era tão barrenta que ficaram até mesmo sem água potável para beber. Manoel e a família foram parar no Engenho Alexandria, em Barra de Guabiraba. A oportunidade de trabalho e moradia veio por meio da ajuda de alguns amigos camponeses que trabalhavam para a família Pontes, dona do engenho. O Engenho Alexandria era muito conhecido, considerado o berço de uma das mais tradicionais festas pernambucanas da época: o Papangu, derivado do antigo carnaval trazido pelos portugueses, já era comemorado antes mesmo da Proclamação da República. Tinha máscaras, músicas e muito angu com carne. As crianças adoravam o festejo. O lugar era parecido com uma vila, repleta de casas, plantações, pequenas criações e famílias campesinas. Dos primeiros animais até a semente para se iniciar a nova vida, os Pontes forneciam. Não seria diferente das outras fazendas, ele pagaria essa ajuda inicial com a renda — assim chamados os dois dias de trabalho por semana que Manoel dedicava exclusivamente ao engenho. Tudo prosperava. O acordo parecia ter sido bom: — Quem sabe não é agora que junto um dinheiro e compro a minha terra — dizia Manoel. Desde 1954 um grupo de camponeses da região fundou uma associação, responsável por angariar fundos para comprar caixões, construir escolas e garantir assistência médica e jurídica para os camponeses, no Engenho Galileia em Vitória de Santo Antão. Com o surgimento da associação de camponeses, o dono do engenho passou a acreditar que ela era movida por ideais políticos, de forma que resolveu por em prática rapidamente
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os planos que tinha de vender as terras. Além de ameaçar aumentar o foro — taxa paga pelos camponeses pelo uso da terra — falava em expulsar as 140 famílias que viviam ali. Zezé da Galileia, Manuel Severino, Amaro do Capim e o irmão, José Ayres dos Prazeres foram buscar ajuda na cidade e conheceram o deputado Francisco Julião. Juntos legalizam a associação que passou a se chamar Ligas Camponesas. Os objetivos mudaram, passaram a exigir das autoridades programas de educação para o homem do campo, uma vez que analfabetos eram proibidos de votar, realidade que só mudou em 1985 com a redemocratização. Mas o que fortaleceria as Ligas Camponesas e espalharia a sua fama pelo Brasil foi algo mais audacioso: conseguiram a desapropriação das terras do Engenho Galileia e assentaram as 140 famílias em 1959. Porém, um racha interno por motivos de liderança fez com que José Ayres dos Prazeres saísse e fosse organizar as grandes Ligas de Guaretama e Barra de Guabiraba. Em 1963, o presidente da República João Goulart, mais conhecido como Jango, havia retomado as negociações com Miguel Arraes, o governador de Pernambuco. Através da Superintendência de Política Agrária (SUPRA) seriam injetados 100 milhões de cruzeiros, o equivalente a cinco milhões de reais, no câmbio atual, para o provimento de assistência técnica e social e o assentamento de 800 famílias de camponeses em Barra de Guabiraba, Vitória de Santo Antão, Cabrobó e Garanhuns, além da construção de barragens no Rio Traíra. No mesmo ano, Manoel conhece as ideias de Zé dos Prazeres por meio de outros camponeses que trabalhavam no Engenho Alexandria. Zé falava em reforma agrária, dizia que ela aconteceria na lei ou na marra e que cada camponês deveria ter direito a um pedaço de chão.
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Será que assim Manoel conseguiria sua terra? *** Era fim de tarde. Maria Barbosa, esposa de Manoel, trabalhava na casa-grande quando ouviu pelo rádio dos Pontes que Jango não era mais o presidente e que o exército havia assumido o comando da nação. A situação para quem fosse de alguma associação rural era crítica. A ordem era para invadir as fazendas e prender os associados. Maria grita por Josa, o filho mais velho: — Josa! Josa! Corre até seu pai e diga que ele não pode vir pra casa essa noite. Aproveita e procure o compadre Deó, ele sabe o que fazer. Manoel ainda estava na mata cortando lenha para o engenho. Não estava só, com ele havia mais outros machadeiros. Josa, seu filho, chega ofegante. — Pai, você e os outros não podem sair da mata. Já avisei seu Deó e ele vem lhe buscar. Enquanto Manoel aguardava, Josa corria de volta para casa. *** Amara, a filha de 12 anos de Manoel, acordou assustada com uma gritaria no outro cômodo da casa. Não havia como precisar que horas eram, mas o sol já tinha se posto e as estrelas brilhavam alto no céu. Ela se levantou e foi ver o que estava acontecendo. — Onde ele está? Onde ele está? — repetiam os soldados.
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O dono do engenho, acompanhado por homens vestidos em uniformes verde e empunhando armas com baionetas procuravam por Manoel. — Vão matar meu pai? — sussurrou Amara para a mãe. Começou a tremer sem parar. Não poderia imaginar que essa tremura seria sua amiga fiel pelas décadas seguintes. Os soldados cutucaram Josa, que estava deitado na rede, com a baioneta da arma. Acharam que fosse Manoel. Maria, diante daquela cena achou que matariam seu primogênito e entrou em pânico. — Não, vocês vasculhem a casa, só quero o Manoel — disse o dono do engenho. Mesmo pressionada pelos soldados e pelo Senhor Pontes, Maria não diz onde Manoel está e é expulsa do engenho com os filhos Josa, Neta, Amara, Maria e Roberto. — Vocês podem ficar mais alguns dias até liquidar os negócios que tem comigo, depois vão embora! — decreta o patrão. Na casa ao lado, a estratégia dos militares foi diferente. Severino, amigo e vizinho de Manoel, também foi procurado naquela noite. Ele havia se escondido nas proximidades. Sua esposa estava só com o filho, nascido há sete dias. Os soldados gritaram: — Apareça Severino! Ele ouviu, mas o medo não o deixou sair. Foi então que a brutalidade deu lugar aos chamados. Pegaram a criança
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recém-nascida pela perna, viraram-na de cabeça para baixo e apontaram a arma na direção da sua cabeça. Tanto o bebê quanto a mãe, que foi amarrada, começaram a gritar. De onde estava Severino conseguia ver a baioneta da arma pressionada contra a garganta do filho, mas conseguiu se conter diante do terror provocado pelos soldados que desistiram e foram buscar outros camponeses do engenho. Passado alguns dias, chega a notícia de que Manoel está bem e na casa de José, seu cunhado, que morava a dez léguas do Engenho Alexandria, aproximadamente 48 quilômetros. Maria arruma as poucas coisas que sobraram e junto com os filhos, parte ao encontro dele. — Como você conseguiu escapar, pai? — perguntou Amara. — Depois que o Josa nos avisou e foi embora, compadre Deó apareceu lá e fez um encantamento, recomendou que não saíssemos da mata até o dia clarear. Os soldados passavam do nosso lado e não nos enxergavam. Amara insistiu para saber toda a história da fuga. Não entendia como o pai podia ter chegado à casa do tio em tão pouco tempo. Manoel havia andando 48 quilômetros e passado pelo centro de Barra de Guabiraba e Camocim de São Félix até chegar à casa do cunhado. As duas cidades estavam tomadas pelos militares. — Fomos para a casa do compadre, como ele tinha dito pra fazer. Eu disse que a casa do José era lugar seguro para se ficar, mas que estava com medo de ser preso no caminho. Então ele fez umas rezas e falou que eu seguisse pela estrada durante o dia sem olhar para trás. Já estava escurecendo quando cheguei. Tamanho foi o susto do José
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que só me enxergou quando eu disse boa tarde. Compadre Deó era um homem branco, velho de estatura mediana e muito reservado. Diziam que não existia feiticeiro mais poderoso que ele pela Zona da Mata pernambucana. Era tão sabido que podia prever quando uma criança ia nascer e o destino dela por toda a vida. Fazia rezas, mandingas, partos e remédios de ervas. Religiosidade, folclore ou fé, a verdade é que Manoel conseguiu escapar. Destino diferente da maioria dos trabalhadores do Engenho Alexandria e de tantos outros camponeses assassinados pelo Estado durante a repressão. Dois anos se passaram desde a fuga mítica de Manoel e a situação não melhorava. Manoel continuava escondido na casa de José. Dos pequenos serviços que fazia para algum vizinho, ganhava pouco dinheiro. Mal dava para pagar as despesas cotidianas. Josa tinha ido para São Paulo e todos esperavam ansiosos por notícias. Dona Maria, sua mãe, havia escrito pedindo que mandasse dinheiro. Estava decidido. Todos iriam para São Paulo. Josa enviou uma carta dizendo para a mãe que ajeitasse tudo para dali a um ano. Ele mandaria o dinheiro para a viagem de toda a família. Uma mistura de alegria e vitória tomou conta de todos, mas Manoel não se animou. Mesmo assim, em 1967, sua família estava de partida para São Paulo. Amara, aos prantos não se conformava. — Por que você não vai conosco, pai? — Eu não gosto da cidade, meu lugar é aqui, eu nasci e vivi sempre em sítio. Amara insistiu com a mãe. Queria f icar com ele, não poderia ir embora e deixá-lo para trás. Mas a insistência
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foi inútil e ainda que com a ausência de Manoel, a família recomeçou a sua vida na capital paulista. *** Manoel Cecílio da Silva se deparou com uma vida cheia de incertezas. Vagou de favor em favor pelas pequenas cidades nordestinas até adoecer no Maranhão. Dizem que de tristeza. Em 1973, uma carta dava notícias da doença de Manoel a Amara, casada desde 1970. Apavorada, combinou com o marido uma forma de trazer o pai para São Paulo. Conseguiu. Mas Manoel ficou somente 11 meses e retornou para Santo Antônio dos Lopes, Maranhão. Dessa vez, Josa foi atrás do pai. Em 1977, pai e filho se mudam para a Lagoa do Coco, também no Maranhão, onde trabalham juntos no roçado de outra família. Ao lado do filho Josa, Manoel recobrou o ânimo e saiu em busca do seu sonho: um pedacinho de terra. Manoel e Josa partiram do Maranhão rumo ao Pará no final da década de 70, ouvindo os ecos do Plano de Integração Nacional do governo Médici que incentivava a ocupação da região amazônica alegando ser uma terra sem homens. Manoel e o filho conseguiram. Não tinham o título de posse da terra, mesmo assim, deram início ao plantio e a criação. Os conflitos de terra se acirraram na região, não só por conta do fluxo migratório, mas também pelo aumento da concentração de projetos agropecuários, ambos incentivados pelo governo federal. Nos Estados do Pará, Maranhão e no norte de Goiás aconteceram a maior parte dos conflitos entre 1974 e 1983. Só no Pará, entre 1980 e 1982, foram mortos 69 camponeses, o equivalente ao número de assassinatos no campo durante os 14 primeiros anos da ditadura.
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Em 1982, Manoel morreu. Mas, ao contrário de Fernando Francelino, morto na mesma região um ano antes por militares que lhe deram quatro tiros nas costas, Manoel definhou em uma rede consumido pela febre consequente da malária. Até hoje não há registros do que aconteceu no Engenho Alexandria naquela noite de 1º de abril de 1964. Acuada pelo exército, a família de Manoel precisou abandonar a terra em que trabalhava para conseguir se manter viva. Mesmo sendo impedido de trabalhar por quase dez anos por conta da perseguição que sofreu, Manoel não consta nas listas recém-publicadas que só elencam casos de camponeses torturados, mortos e desaparecidos. Mas ele, sem dúvida, é mais um tipo de vítima da luta camponesa, assim como sua filha. Aos 62 anos, Amara vive no município de Miracatu, interior de São Paulo. Além das saudades de Manoel, ainda enfrenta os tremores constantes, sequelas daquele dia em que soldados armados procuravam por seu pai. — Ele sonhava ter um pedacinho de terra. A gente vivia aqui e acolá nas terras dos outros e ele sonhava... Era um sonho. Era a esperança de cada um daqueles coitados. E nessa esperança morreu muito pai de família. Manoel conseguiu realizar o sonho de ter um pedaço de terra. Hoje, Josa vive o sonho do pai.
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Antônia
N
o Estado do Pará, cerca de dez mil colonos viviam em Guamá numa área que compreendia os municípios de Viseu, Ourém e Bragança. As terras per-
tenciam à União, mas um processo de grilagem iniciado por Moacir Pinheiro Ferreira, em 1964, transformaria a região em um sangrento campo de batalhas. Ele adquiriu em um leilão público propriedades da empresa canadense South American Gold Areas Ltda no município de Viseu. Com a Carta de Sesmaria, documento que comprova a posse da terra, Moacir requisitou na comarca da cidade a demarcação de cinco fazendas indicando uma área de 108.360 hectares, quando na verdade a área real equivalente era de 64.800 hectares. Contudo, a Carta de Sesmaria de Moacir se referia a uma única fazenda com 14.400 hectares. Moacir vendeu uma parte da área, no início da década de 70, para a Companhia de Desenvolvimento Agropecuário, Industrial e Mineral do Pará (Cidapar) que pretendia explorar as terras e encontrar ouro, titânio, diamante e cassiterita. Nos anos seguintes outras oito empresas
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também se instalaram na região: Banco Denasa de Investimentos S/A; Companhia de Desenvolvimento Agropecuário Industrial e Mineral do Estado do Pará – Propara; S/A Agro-pastoril Grupiá; Grupo Oliveira e Real Agropecuária Sociedade Anônima–Rural, Comercial e Industrial; Companhia Bangu de Desenvolvimento e Participação; WTP Urbanizadores Ltda; KLB São Paulo Desenvolvimento Imobiliário e Construção Ltda e Residência Capitalização S/A. Juntas, elas começam a pressionar os colonos a deixarem suas terras. Mas, os empresários não esperavam a resistência da comunidade local, que procurou diversas vezes a ajuda das autoridades e só obteve promessas. Certa vez, em Viseu, alguns colonos acionaram a polícia por conta das ameaças que estavam recebendo e, enquanto aguardavam, viram os policiais se dirigirem até a sede da Cidapar ao invés de irem ao encontro de quem estava pedindo proteção. Entre 1979 e 1980, a Cidapar contratou a empresa de James Vita Lopes, ex-agente do DOI-Codi de São Paulo, para a formação de uma milícia privada que desse suporte ao processo de expulsão das famílias da região. James reuniu 102 pistoleiros, em sua primeira ação invadiu algumas casas, roubou as armas que encontrou e aterrorizou os colonos. O povoado de Alegre, em Viseu, funda uma delegacia sindical sob a orientação do líder comunitário Sebastião Mearim, para reunir as denúncias e encaminhá-las aos juízes locais. Em 1981, Mearim é assassinado em sua própria casa pelos pistoleiros da Cidapar. Os homens de James tinham uma lista com oito nomes de lideranças locais, mas só encontraram Sebastião. Em 1983, o conflito se intensifica. Um dos lavradores, Marcelino do Carmo Souza, é morto por pistoleiros da em-
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presa Propara com três tiros e seu corpo pendurado pelo pescoço em uma árvore na entrada do povoado. Diante das mortes na região de Guamá, um grupo procura por Jader Barbalho, então governador do Estado, para pedir que interferisse na situação. Depois de ouvir os colonos, Jader se diz impossibilitado de ajudar e sugere: — Vocês não têm armas em casa? Então... *** Antônia migrou do Ceará, não se sabe quando ou o porquê, mas escolheu a região de Guamá, no noroeste paraense, como seu novo lar. Não se pode afirmar em que povoado vivia, mas é certo que era no município de Viseu e que lá consolou muitas viúvas, órfãos, pais e mães durante os anos que presenciou o conflito entre colonos e a Cidapar. Um dos episódios mais marcantes foi a decisão inusitada de Benedito Tavares, o Bené Duzentos: ele ouviu os “conselhos” do governador e arregimentou Quintino Silva Lira, o Gatilheiro, para coordenar os colonos em uma resistência armada. Em 1984, corriam boatos por toda a gleba de que o Gatilheiro Quintino estava reunindo homens valentes para defender o povo. — Já que entra bala em nós, entra bala neles também. Em pouco tempo Quintino, que também se apresentava como Armando Oliveira da Silva, virou líder de um exército de quase 200 homens do campo que se tornaram responsáveis por cerca de dez povoados do Guamá. Cientes da presença de Quintino na gleba, as empresas se unem e escolhem a Cidapar para organizar os esforços de guerra a fim de expulsar definitivamente os colonos da região.
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Investindo em helicópteros, armamento, treinamento da Polícia Militar (PM), pagamento de pistoleiros e mateiros, além de equipamentos para aperfeiçoar o centro de torturas que a Cidapar mantinha em sua sede. James Vita, comandante de toda a operação, reuniu mais de 200 pistoleiros, além de contar com o apoio da PM treinada por ele. Antônia morava em um dos dez povoados guardados por Gatilheiro Quintino e seu bando. Não se sabe como eles se conheceram, mas é certo que viveram como marido e mulher. O Gatilheiro se autodeclarava o Lampião do Pará. Era vaidoso, usava bigode e cabelos aparados, além de chapéu e um revólver próximo ao corpo. Diziam que gostava de andar bonito, armado até os dentes para desafiar os pistoleiros da mesma forma que eles ameaçavam os colonos. Assim, Antônia viu Quintino declarar guerra aos latifundiários. Quintino ganhou fama de justiceiro dos pobres antes da sua participação no conflito com a Cidapar, quando uma área onde vivia com outros 32 posseiros havia sido grilada pelo fazendeiro Cláudio Paraná. O caso foi levado à juíza de Ourém, município onde ficava a gleba, e o fazendeiro ordenou o assassinato de um colono que reivindicava indenização. Sem resposta da justiça, Quintino mata Cláudio Paraná. Para se vingar a viúva do fazendeiro contratou dois pistoleiros que também foram mortos pela arma do Gatilheiro. — Não esquento mais banco da justiça, agora quem fala é o cano da minha espingarda. *** O capitão Raimundo Cordovil foi destacado pelo Estado paraense para dar cabo do Gatilheiro Quintino. Capitão
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Cordovil e James Vita somaram forças. Juntos deixaram um rastro de sangue pelas matas de Guamá. Somente em um episódio de busca por Quintino, relatado pelo advogado José Carlos Castro, em 1985, torturaram José Antônio Ferreira da Silva, que era paraplégico e três soldados violentaram as suas duas filhas menores. Crucificaram e açoitaram Joaquim Rosa de Oliveira e o fizeram andar cinco quilômetros com um pedaço de madeira na boca, amarraram seus quatro filhos, Waldecir, Vivaldo, Divinaldo e Raimundo e os jogaram em formigueiros. Raimundo pode ter sido assassinado em Ourém. Ainda espancaram o delegado de polícia da vila, roubaram suas armas, relógios e joias com a desculpa de que pertenciam a Antônia. No final de 1984, Antônia, deitada na rede de sua casa, é metralhada por policiais militares durante a caçada ao Gatilheiro. Ela estava grávida de quatro meses. Antônia era conhecida como Maria Feinha em alusão à Maria Bonita, companheira de Lampião. Dizem que era uma moça loira e bonita, mas é só o que as pessoas sabiam dela. Não há registro de sobrenome, data ou local de nascimento. Não se sabe se ela tinha família no Ceará — seu Estado natal — ou parentes em Guamá. Quanto aos seus restos mortais, não se tem notícias do que foi feito. É possível que ela tenha sido uma das duas mulheres mortas em Viseu, deixadas 15 dias apodrecendo a céu aberto e depois queimadas por policiais para dificultar a identificação dos corpos. O Gatilheiro Quintino é morto em janeiro do ano seguinte, depois de sua localização ser delatada por Raimundo Dentista, que recebeu do Capitão Cordovil a promessa de uma patente de tenente da Polícia Militar. A operação que matou Quintino mobilizou cerca de 500 homens entre policiais e pistoleiros que no disparar de mais de 200 tiros acertaram dois nas costas do Gatilheiro. Seu corpo foi
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enterrado pelos policiais no município de Capanema, mas a população o desenterrou e fez uma procissão por toda a gleba, até enterrá-lo novamente. O conflito só acabou em 1988 quando foi decretado interesse social para fins de reforma agrária e área desapropriada pelo governo federal, que batizou a gleba de Cidapar, para a revolta dos colonos. Uma estranha homenagem à empresa que fez de Guamá a região mais violenta do Pará. Nos meses em que atuou como protetor dos colonos, o Gatilheiro matou 83 pessoas, entre pistoleiros, policiais e latifundiários. Quantos camponeses foram mortos nesse conflito que durou quase 20 anos? Assim como Antônia, muitos só podem ser considerados um número, pois há poucas informações sobre os perseguidos, torturados, mortos e desaparecidos na guerra contra a Cidapar.
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Não
T
entamos, por diversas vezes, escrever sobre os casos de camponeses classificados nos relatórios oficiais como Não Identificados. De uma lista com 235
nomes de trabalhadores rurais perseguidos, presos, mortos, torturados e desparecidos pelo Estado brasileiro, 27 receberam essa denominação que nada identifica. O que apuramos pode até ser considerado mais do que uma linha de relatório, mesmo assim é insuficiente para conseguir resgatar seus nomes ou reconstruir suas trajetórias. Sabemos apenas que um era de Benevides, três de Xinguara, três de Jacundá e quatro de Viseu, no Pará. Outro era de Rondônia. Três de Jauru e mais quatro de Aripuanã, no Mato Grosso. Quatro eram de Sampaio, na época cidade de Goiás, hoje município de Tocantins. E outros quatro do Maranhão Mesmo distantes, viviam em terras assombradas por histórias de latifundiários que usavam o mesmo método de terror: contratavam jagunços muitas vezes associados às forças policiais locais para exterminar camponeses, principalmente nos processos de grilagem de terras e contra as reivindicações de direitos de trabalho.
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Contudo, o Estado brasileiro é responsável pelo que aconteceu com os 27 camponeses Não Identificados. DE dois deles, sequer é possível saber o destino. Os outros 25 foram mortos. A história das mortes começa em 1979 — mesmo ano da posse do general João Baptista Figueiredo e da Lei de Anistia — e termina em 1988, ano da promulgação da nova Constituição brasileira. Quatro assassinatos aconteceram em Aripuanã em 1980, mesmo ano em que o governo estadual notificou oficialmente a Companhia de Desenvolvimento de Mato Grosso (Codemat) que implantaria na região o Projeto Juína — nome dado ao planejamento que originou o município e expulsou os camponeses que moravam nas terras. Da mistura governo/empresa/grilagem/jagunços/policiais resultou morte. Em Viseu, Pará, vitimaram quatro mulheres. Duas delas foram assassinadas e jogadas na mata, depois de 15 dias tiveram seus corpos incinerados por policiais. As outras duas menores de idade foram violentadas por três soldados. A matança coordenada pelos militares se deu na busca ao Gatilheiro Quintino, marido de Antônia — história que foi contada neste livrorreportagem. Xinguara, que era município de Conceição do Araguaia no Pará e Sampaio em Tocantins são cidades próximas de onde aconteceu a Guerrilha do Araguaia exterminada em 1974 pelos militares. Sete dos 25 camponeses foram mortos pelos militares nessas duas cidades. Havia poucas pistas, sabíamos, mas tínhamos que tentar. Esses camponeses são vítimas de diferentes violências do Estado. O atentado contra suas vidas e memória os relegou a um estado permanente de indigência histórica e social, o que lhes impede de serem anistiados, indenizados, reconhecidos ou simplesmente conhecidos, uma vez que é
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impossível até identificar os seus nomes. Para os relatórios oficiais essas 27 pessoas estão na soma dos casos de crimes do Estado contra camponeses, são números que geram estatísticas. Para tratá-los como protagonistas este livrorreportagem optou por reunir os poucos fragmentos existentes de 27 histórias neste curto relato possível. A luta pela terra os uniu, tornando-os membros de uma mesma família condenada pelo Estado a um destino e registro comum: NÃO IDENTIFICADO.
E o que dói nem é a morte. É a guerra. É somar os corpos e notar a baixa sempre mais humana. Dinha, Do luto à luta, Mães de Maio
A luta
O
Brasil protagonizou uma das mais longas ditaduras da América Latina: foram 21 anos de regime de exceção em que perseguições políticas, censuras,
prisões arbitrárias, torturas, assassinatos e ocultações de cadáveres, tornaram-se práticas comuns contra os opositores dos governos militares. No final da década de 70 surgem os Comitês Brasileiros pela Anistia (CBA) formados por exilados políticos, familiares de entes presos, torturados, mortos e desaparecidos pela ditadura, além de advogados, jornalistas e religiosos. Juntos, eles passam a pressionar o Estado por uma medida ampla, geral e irrestrita, que anistiasse também aqueles que foram condenados durante a ditadura por crimes como terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal. Contrariando as expectativas, a Lei de Anistia, promulgada em agosto de 1979, não só exclui os opositores do regime que foram condenados por ele, mas anistia os servidores públicos civis e militares que, segundo a lei, teriam praticado atos de arbítrio em resposta aos crimes políticos dos cidadãos. Art. 1º É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou
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conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares (vetado). § 1º - Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política. § 2º - Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal. A Lei de Anistia durante o processo de redemocratização foi alterada duas vezes: uma pela Emenda Constitucional nº 26 de 1985, que incluiu aqueles que foram condenados por atos praticados no regime de exceção e instituiu as indenizações aos anistiados; outra pelo Art. 8º dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988, que estabeleceu um período maior de abrangência da Lei de Anistia, ou seja, de 1946 a 1988. Os camponeses não foram contemplados pela Anistia. Aliás, o número de trabalhadores rurais e apoiadores perseguidos, mortos e desaparecidos durante a transição aumentou em cerca 270% em relação ao período de 1961 a 1979, coincidindo com três fatores: a reorganização dos movimentos no campo, o Plano Nacional de Reforma Agrária e a criação da União Democrática Ruralista (UDR) que organizou os latifundiários brasileiros contra a implementação da reforma agrária no país.
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Em 2002, foi criada a Comissão de Anistia que trabalha para restituir os direitos dos anistiados e pleitear indenizações para os que perderam emprego e foram proibidos de exercer sua profissão em decorrência de perseguição política, mediante comprovação dos fatos ou de militância. Mesmo com todas essas mudanças na Lei de Anistia, os camponeses continuam excluídos da chamada justiça de transição gerada por ela, uma vez que não é possível provar o vínculo do seu trabalho com a terra, muitas vezes pertencia ao latifundiário que não respeitava os direitos trabalhistas. Além disso, há uma dificuldade em identificar os responsáveis pelas violações de direitos humanos no campo, onde os agentes do Estado atuam também em milícias privadas. Para Gilney Viana, Coordenador do Projeto Direito à Memória e à Verdade da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, é importante ressaltar essa particularidade da repressão no campo: — A luta de classes no campo é complexa e encoberta por uma invisibilidade intencional, particularmente quando as violações aos direitos humanos dos camponeses são praticadas por agentes do Estado ou por agentes privados ligados ao latifúndio ou grandes empresas rurais. Isto tudo dificulta a identificação da responsabilidade do Estado que é fundamental nos conceitos da Justiça de Transição. Com a criação da Comissão Nacional da Verdade, em 2011, o debate sobre a Lei de Anistia foi reaberto. Contudo, o Supremo Tribunal Federal (STF) entende que na interpretação da lei, tortura, ocultação de cadáveres, homicídios e sequestros são crimes conexos aos crimes políticos, dos quais os opositores ao regime militar são acusados. Em abril de 2014, foi aprovado pela Comissão de Direitos Humanos do Senado o projeto de lei proposto
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pelo senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) que prevê o julgamento tanto dos militares envolvidos em atos de arbítrio quanto dos membros da luta armada. O projeto precisa passar por outras duas comissões da Casa e pelo plenário da Câmara dos Deputados para ser encaminhado à Presidência da República. A Anistia Internacional também se manifestou recentemente em relação à Lei de Anistia vigente no Brasil, iniciando uma campanha chamada 50 dias contra a impunidade com o objetivo de coletar assinaturas em uma petição online para a revisão da Lei de Anistia que será encaminhada à presidenta Dilma Roussef e ao Congresso Nacional. Em 22 dias, foram coletadas apenas 6.245 assinaturas.
Sobre as Comissões da Verdade Meio século depois do golpe civil-militar de 1964, o Estado brasileiro, enfim, resolve esclarecer os graves crimes cometidos por agentes públicos. A Comissão Nacional da Verdade (CNV) foi criada em novembro de 2011, mas é oficialmente instalada em 16 de maio de 2012. E qual sua função? O principal objetivo é “examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos, praticadas por agentes públicos, pessoas a seu serviço, com apoio ou no interesse do Estado”, entre os anos de 1946 e 1988, período estabelecido pelo art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias que anistia a todos os que foram perseguidos pelas ditaduras varguista e militar. É inegável que a criação da CNV foi um avanço democrático. O prazo para entrega do relatório sobre a análise dos casos era julho de 2014, mas foi estendido até dezembro. Será que esse prazo daria para apontar todos os casos de violações aos direitos humanos? Incluindo a repressão aos camponeses?
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Por outro lado, grupos da sociedade civil tomam iniciativa e criam a Comissão Camponesa da Verdade (CCV) em agosto de 2012, por resolução dos movimentos camponeses reunidos no 1º Encontro Unitário dos Trabalhadores, Trabalhadoras e Povos do Campo, das Águas e das Florestas, grupo formado para apurar as graves violações de direitos humanos ocorridas no campo no período de 1946 a 1988. A CCV é formada por membros de organizações que trabalham em defesa de direitos dos trabalhadores rurais, entre elas a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Movimento de Mulheres Camponesas, Plataforma Dhesca, Terra de Direitos, Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), Instituto de Pesquisa, Direito e Movimentos Sociais em parceria com a Secretaria de Direitos Humanos (SDH). Quem intermedia a conversa da CNV com esses grupos é Gilney Viana, coordenador do Projeto Memória e Verdade. Em novembro de 2012, a CNV resolve criar um Grupo de Trabalho (GT) específico para “esclarecer fatos, circunstâncias e autorias de casos de graves violações de direitos humanos, como torturas, mortes, desaparecimentos forçados, ocultação de cadáveres” contra os camponeses e as populações indígenas. O Grupo presidido pela psicanalista e jornalista Maria Rita Kehl também é responsável por “identificar e tornar públicos estruturas, locais, instituições e circunstâncias de violações, examinar acervos referentes à temática e fornecer subsídios ao relatório”. Constituídas essas duas frentes deverão fornecer os relatórios sobre todos os casos. Porém, cabe somente a CNV encaminhar oficialmente os casos ao conhecimento da Presidência da República e, consequentemente, sugerir a revisão da Lei de Anistia, ao Supremo Tribunal Federal (STF), órgão competente para julgar e punir os criminosos.
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A polêmica em torno da Comissão da Verdade é o seu caráter unicamente investigativo. Ainda que os militares da reserva acreditem que a Comissão seja uma espécie de revanchismo, ela não tem função de julgar os acontecimentos. Enquanto a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) questiona a validade da Lei de Anistia e o STF diz que a competência é do Poder Judiciário, o Brasil segue condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) — órgão autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA) — desde 2010 por crimes contra os direitos humanos no contexto da ditadura militar, entre 1964 e1985. Para ser mais preciso, a condenação se deu no caso Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) vs. Brasil. O processo se originou em 1995, por um pedido do Centro pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil) e da Human Rights Watch/Americas, em nome de pessoas desaparecidas na Guerrilha do Araguaia e seus familiares à CIDH contra o Brasil. Entre 2001 e 2008 o caso foi analisado e aceito. Em consequencia da validade do pedido, foi emitido um relatório segundo o qual o Brasil tinha o prazo de dois meses para, pelos menos, dizer o que faria sobre a acusação de detenção arbitrária, tortura e desaparecimento forçado de 70 pessoas, entre membros do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e camponeses. Em 2009, o Grupo Tortura Nunca Mais, a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos do Instituto de Estudos da Violência do Estado e o Cejil apresentaram as provas e o Estado brasileiro foi condenado.
Registros dos casos Os relatos dos crimes não apareceram como um documento velho encontrado em uma gaveta de escrivaninha. Há muito tempo são criteriosamente registrados.
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Mapa da Repressão 01 Número de casos por estado - 1962 a 1988
RR
AP
AM
PA
CE
MA
PB
PI
AC RO
PE AL SE
TO BA
MT
RN
GO DF MG
ES
MS SP
RJ
PR SC RS
Fontes: Ver Mapa da Repressão 02
Estados
Casos
Estados
Casos
Acre
03
Paraíba
05
Amazonas
01
Goiás
14
Rondônia
07
Distrito Federal
02
Pará
64
Mato Grosso do Sul
03
Bahia
21
Mato Grosso
20
Ceará
09
São Paulo
06
Sergipe
01
Minas Gerais
05
Maranhão
19
Rio de Janeiro
06
Pernambuco
29
Paraná
04
Rio Grande do Norte
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Rio Grande do Sul
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Corações Camponeses
A principal fonte e mais aceita entre os estudiosos, vem da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que faz o registro anual e sistemático dos conflitos no campo desde o final de 1970. Os dados coletados para o primeiro relatório, publicado em 1985, constatou o descaso com a população rural: eram mais de 405 mil pessoas envolvidas em graves conflitos de terra. E a situação piorou muito desde então, no último relatório, de 2012, já chegou a 460 mil pessoas envolvidas. E os dados não foram acumulados, são ano a ano. Em 2003, por exemplo, foram registradas mais de 1,1 milhão de pessoas envolvidas em conflitos por terra. E o que é a CPT? Fundada em junho de 1975, sob a tutela da Igreja Católica, inicialmente difundiu a cultura cristã no campo, mas passou a catalogar os casos de conflitos por terra devido à aproximação dos fundadores com a causa agrária, em sua maioria, militantes dos movimentos sociais camponeses. A própria CPT afirma ter surgido para bater de frente com a ditadura militar e denunciar a repressão no campo. Mesmo que parte da Igreja Católica tenha apoiado o Golpe de 1964, 11 anos depois resolveu aliviar a sua carga de pecados dando apoio à CPT. Os cadernos Conflitos no Campo - Brasil, publicados pelo Centro de Documentação Dom Tomás Balbuíno da CPT, são os únicos que contém uma pesquisa tão ampla sobre a questão agrária em âmbito nacional com tamanho critério. Usam um sistema de coleta de dados primários e secundários, sendo os primários obtidos nas
regionais da
CPT — são 21 regionais no território nacional — nos boletins de ocorrência, denúncias de movimentos sociais e entidades ligadas à luta pela terra. Já os secundários são os dados obtidos através da pequena e grande imprensa, comunitária, local e nacional.
90
Mapa da Repressão 02 Números totais por região e tipos de casos
Norte 75 casos
Nordeste 92 casos
Centro-Oeste 39 casos
Sudeste 17 casos
Sul
12 casos
Presos
Torturados
Assassinados
Desaparecidos
Nordeste
41
24
45
11
Norte
13
07
60
08
Centro-Oeste
08
08
34
03
Sudeste
10
05
08
02
Sul
06
04
09
01
Fontes dos Mapas da Repressão: (1) Camponeses mortos e desaparecidos: Excluidos da Justiça de Transição, coord. Gilney Viana, SDHPR, Brasília, 2013. (2) Retrato da Repressão Política no Campo – Brasil 1962-1985 – Camponeses torturados, mortos e desaparecidos. Ana Carneiro; Marta Cioccari – Brasília: MDA, 2010. (3) Assassinatos no Campo: crime e impunidade 1964 - 1985. São Paulo: MST, 1986. (4) Conflitos de Terra no Brasil - 1985. Publicação disponível em: <http://www.cptnacional.org.br/index.php/publicacoes/conflitos-no-campobrasil>. Comissão Pastoral da Terra (CPT). (5) Entrevistas.
91
Corações Camponeses
Explicando de forma simplificada, a CPT pega essa imensa gama de dados, cruza as informações, apura e somente depois publica os cadernos contendo os tipos de conflitos, mortes e total de terras em disputa. É um incrível trabalho que vem sendo realizado há quase 40 anos. Independente desse tremendo esforço, a CPT não conseguiu recuar mais no tempo e dar conta dos casos que ocorreram antes de 1975. Então, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) resolveu tentar esse resgate. Em 1986, o MST publica o dossiê Assassinatos no Campo: crime e impunidade, 1964-1986. Para o trabalho de levantamento dos dados foram chamadas as pesquisadoras Maria Cristina Vannucchi Leme e Wânia Mara de Araujo Pietrafesa. Elas se depararam com o esperado silêncio dos veículos de comunicação no período de 1964 a 1976, nos poucos casos encontrados havia descaso até mesmo na redação das notícias, com ausência de nomes e sentido ambíguo ao que já era de difícil entendimento. Como parte do esforço de apuração foram pesquisados grandes jornais, entidades e organizações que mantinham arquivos e, talvez um esforço impensável em tempos de internet, enviaram cartas aos 2.640 Sindicatos de Trabalhadores Rurais (STR), 260 dioceses do Brasil e as 19 regionais da CPT, pedindo informações com ênfase ao período de silencio já identificado. Somente 10 cartas retornaram com informações. Mesmo assim, conseguiram catalogar mais de 800 casos nas 590 páginas do dossiê. Outros dois livros, mais recentes, que resolvem seguir um caminho parecido são Retrato da Repressão Política no Campo – Brasil 1962-1985, coordenado por Moacir Palmeira e publicado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) em 2010, e Camponeses mortos e Desaparecidos: Excluídos da Justiça de Transição, publicado pelo Projeto Direito
92
Escala da repressão O gráfico indica que na década final a repressão foi maior, mas na verdade é a falta de registros nos anos anteriores que causa essa distorção. Do total de 235 casos, 18 ocorrências tem o ano desconhecido e não estão nesta escala. 1962
1964
1966
1968
1970
1972
1974
1976
1978
1980
1982
1984
1986
1988 0
5
10
15
20
Fontes: (1) Camponeses mortos e desaparecidos: Excluidos da Justiça de Transição, coord. Gilney Viana, SDHPR, Brasília, 2013. (2) Retrato da Repressão Política no Campo – Brasil 1962-1985 – Camponeses torturados, mortos e desaparecidos. Ana Carneiro; Marta Cioccari – Brasília: MDA, 2010. (3) Assassinatos no Campo: crime e impunidade 1964 - 1985. São Paulo: MST, 1986. (4) Conflitos de Terra no Brasil - 1985. Publicação disponível em: <http://www.cptnacional.org.br/index.php/publicacoes/conflitos-no-campo-brasil>. Comissão Pastoral da Terra (CPT). (5) Entrevistas.
93
Corações Camponeses
à Memória e à Verdade da SDH da Presidência da República em 2013, que lista 1.196 casos. Nos dois livros há uma soma de crimes cometidos por ações dos agentes do Estado e agentes privados — latifundiários ou jagunços a serviço deles. Separar o que foi ação direta do Estado e o que foi ação de agentes privados não é tarefa simples, pois a falta de provas pode confundir o entendimento de responsabilidades, porém todos os relatos dos quatros trabalhos são verossímeis e comprovados com depoimentos e documentação.
Os casos estudados para este livro Depois de se estudar os diversos casos presentes nos relatórios publicados e confrontar os nomes, locais, ano e outras informações que pudessem indicar a ação comprovada do Estado brasileiro durante o regime militar nos graves crimes contra os direitos camponeses, chegamos a 235 casos. Onde estão os que sobreviveram e quantos são? Possivelmente 79 pessoas ainda estejam vivas, como é o caso de Antônio Vieira dos Santos, que tem dificuldade para se lembrar da repressão devido aos diversos problemas de saúde. Mas também já podem ter morrido como Manoel Cecílio da Silva. Numa conta pessimista, somado os casos de assassinatos, desaparecidos e 44 casos que não se tem notificação em nenhuma das duas possibilidades, chegamos a 235 casos, isto é, possivelmente, da lista, restaram apenas 10 pessoas que podem estar vivas para contar a história. Desses 235 casos selecionados, o Nordeste foi o que apresentou a maior incidência de crimes. Uma possível — mas não verdadeira — justificativa seria que os movimen-
94
Emanuelle Herrera e Israel Dias
tos camponeses estavam bem articulados e contavam com milhares de associados. A partir desses dados geramos outras estatísticas em forma de mapas e escalas. O mapa do Brasil utilizado para mostrar como a repressão se espalhou por todas as regiões brasileiras é de 1988, quando Amapá, Roraima e Rondônia eram Territórios Federais — termo administrativo utilizado no Brasil que foi abolido com a Constituição de 1988 — foram instituídos como Estados brasileiros junto com Tocantins. No caso de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, os dados podem ter se misturado. É uma hipótese, mas a constituição do segundo Estado se deu somente em 1977 no meio do regime militar. Uma constatação da manobra de tentar aniquilar totalmente os movimentos camponeses é o assassinato de 77 líderes, como forma de dissolver e intimidar qualquer nova manifestação. E mesmo assim, ainda mataram mais 118 camponeses sem se importarem se eram mulheres, homens e crianças. E fizeram muito mais que isso como estratégia de sufocamento da reforma agrária. Depois de instituído o Estatuto da Terra, no governo do general Humberto Castello Branco, em novembro de 1964 e promulgado o Plano de Integração Nacional (PIN) em 1970, no governo do general Emílio Garrastazu Médici empurraram os camponeses para o Amazonas, com o mote de “uma terra sem homens para homens sem terra”. E os índios? O geógrafo e especialista em questões agrárias, Ariovaldo Umbelino afirma que isso foi uma manobra civil-militar para não mexer com os latifundiários, ou seja, remover os camponeses de ocupações de terras e não fazer a reforma agrária. O que houve foi um massacre indígena. E não foi só em confronto com camponeses. Em análise, ainda não conclusiva,
95
Corações Camponeses
de documentos oficiais do Congresso Nacional junto com a descoberta em 2012 do Relatório Figueiredo — documento de 7.000 páginas produzido no período militar sobre a questão indígena —, pesquisadores dizem que “desapareceram” com 220 mil índios entre 1963 a 1968. Dos confrontos entre camponeses e indígenas as informações são poucas. Quantos morreram afinal? A comprovação da barbárie só não é maior por falta de registros. Os poucos casos que foram catalogados para pesquisa, e que podem servir como prova dos crimes, vem de depoimentos de parentes e amigos das vítimas, jornais regionais e de registros em sindicatos rurais ou de Inquérito Policial Militar (IPM) existente. As pesquisadoras do MST tinham razão: existe um abismo de provas entre 1964 e 1975. Quem um dia conseguirá descobrir a dimensão total da repressão no campo nesse período? Em alguns casos a falta de informações é tão latente que não se sabe o segundo nome ou sobrenome, a idade, procedência, ano do ocorrido. Desses, em 27 casos os nomes constam como Não Identificado, de qualquer forma foram incluídos nesse livrorreportagem, pois a informação procede. Insistindo na dificuldade de identificação de camponeses mortos, nos relatos há casos de ossadas encontradas em usinas, pilhas de cadáveres jogados no mato em estado de putrefação nas bandas de Sirinhaém, Pernambuco, dos quais não se tem notícias do registro das mortes, como o caso dos camponeses mortos em 1963 pelo deputado federal José Lopes, no Engenho Estreliana também em Pernambuco, cujos nomes das vítimas são conhecidos, entretanto não constam nas listas publicadas até agora. Um dado atual e relevante é que a lista presente neste livrorreportagem pode aumentar em 30 os assassinatos, que ainda serão publicados pela CNV, em novembro de
96
Emanuelle Herrera e Israel Dias
2014, em um novo relatório sobre os camponeses mortos na Guerrilha do Araguaia, no Pará, de acordo com informação de Maria Rita Kehl. Também constatamos que no período de 1962 a 1988 não foram encontrados casos de participação direta do Estado brasileiro nos estados de Santa Catarina, Tocantins, Amapá, Alagoas, Espírito Santo, Piauí e Roraima.
A História Invertida Muito tempo se passou até que fosse dada atenção a esses crimes cometidos pelo Estado contra os camponeses. É bem verdade que organizações como a Comissão Pastoral da Terra (CPT), a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e outros movimentos sociais vinham jogando luz sobre o assunto ao ponto de decidirem criar uma Comissão Camponesa da Verdade (CCV) para apurar as graves violações aos direitos humanos contra camponeses entre 1946 e 1988, período que compreende a ditadura militar brasileira. Tratados pelos militares como efeito colateral de uma guerra e visto pelos grupos de resistência à ditadura como elementos de massa, os crimes cometidos contra os camponeses ficaram segregados a guetos acadêmicos e de movimentos sociais, sempre visto como casos a serem estudados, mas de pouca relevância. Fica claro que a repressão começou do campo para a cidade, principalmente devido à grande pressão que os movimentos camponeses exerciam pela reforma agrária desde o início da década de 1960. Jogados na invisibilidade gerada pelo distanciamento das grandes cidades e consequentemente dos meios de denuncia, as perseguições, torturas, assassinatos e ocultações
97
Corações Camponeses
de cadáveres no campo têm em seus números imprecisões lastimáveis, mas ultrapassam de longe qualquer ação de repressão do Estado nas capitais durante a ditadura militar. Identificar as vítimas e punir os culpados é o grande desafio histórico que a sociedade brasileira terá que encarar para dar voz e memória a cidadãos camponeses que apenas sonhavam com um pedaço de terra para suas famílias. E, indo um pouco além, como se trata de crimes contra a humanidade, de acordo com a definição de 1950 aprovada como lei universal para os países pertencentes às Organizações das Nações Unidas (ONU), a Anistia não teria nenhum valor frente a tais crimes, pois não prescrevem. O Estado brasileiro seria obrigado a estudar, apurar e punir judicialmente os culpados.
98
Fim?
M
esmo com essa dimensão de esforços, ainda há muito que se apurar. Se dois estudantes universitários conseguiram localizar, entre tantos no-
mes, pelo menos 12 que não estavam em nenhum desses relatórios, é bem possível que uma equipe subsidiada por qualquer entidade poderia chegar a números mais significativos e contribuir de forma mais expressiva para a memória nacional.
101
235 nomes Camponeses perseguidos, presos, torturados, mortos e desaparecidos por ação do Estado brasileiro entre 1962 e 1988.
Caso
Nome
Cidade
UF
1
Adão
Jacundá
PA
2
Adauto Freire da Cruz
n/s
PE
3
Adelino Gomes Moreira
Xinguara
PA
4
Albertino José de Oliveira
Vitória de Santo Antão
PE
5
Almir Patrício de Oliveira
Barreiras
BA
6
Amaro Félix Pereira (Procópio)
Recife
PE
7
Amaro Luiz de Carvalho
Barreiros
PE
8
Amauri Lourenço dos Santos
Cocalinho
MT
9
América Rodrigues da Silva
Três Lagoas
MS
10
Ananias
São João do Capim
PA
11
Anastácio Pereira Santos
Xinguara
PA
12
Antônia (Esposa do Quintino Silva Lira)
Viseu
PA
13
Antonio Alfredo de Lima
S. João do Araguaia
PA
14
Antonio Araújo Veloso (Sitônio)
Araguaia
PA
15
Antônio Batista da Rocha
Timbiras
MA
16
Antonio Cardoso da Silva
Paragominas
PA
17
Antônio do Marrocos
PA 150
PA
18
Antônio Galdino
Mari
PB
19
Antônio Mendes da Silva
Senhor do Bonfim
BA
20
Antônio Rodrigues Amorim
Tauá
CE
21
Antônio Teixeira
Nova Cruz
RN
22
Antônio Teixeira
Mossoró
RN
103
Corações Camponeses
23
Antônio Ulides Leite
Xinguara
PA
24
Antônio Vicente
Pirapemas
MA
25
Antônio Vicente
Vila Jacundá
PA
26
*Antônio Vieira Santos
Recife
PE
27
Aparecido Galdino Jacinto
Rubinéia
SP
28
Aristides Antonio Oliveira
Pontes e Lacerda
MT
29
Augusto Soares da Cunha
Governador Valadares
MG
30
Avelino Pereira Guimarães (Adelino)
Braúnas
MG
31
Avelmar Moreira de Barros
Viamão
RS
32
Basilio Caldeira da Silva
Coribe
BA
33
Bebé (apelido)
Santa Luzia
MA
34
Bebê (filho de Edna Sena)
Conceição do Araguaia
PA
35
Benedito Pereira Serra
Castanhal
PA
36
Bodão (Cidapar)
Xinguara
PA
37
Bráulio Rodrigues
Pedra Lisa
RJ
38
Cassimiro Luiz de Freitas
Pontalina
GO
39
Chico Boiadeiro
Sento Sé
BA
40
Cícero Francisco de Souza
Vargem Grande
MA
41
Cícero Reinaldo de Souza
Grajaú
MA
42
Claudinei Elias de Morais
Vilhena - Espígão
RO
43
Cláudio Negreiros de Araújo
Jaboatão
PE
44
Clóvis Ribeiro dos Santos
Araguaia
PA
45
Constâncio Soares
S. Gabriel
RS
46
Davi de Jesus Gomes
Vilhena - Espígão
RO
47
Demivaldo Araujo Santos
Ibotirama
BA
48
Denis Casimiro
Perus
SP
49
Diomar Ferreira Maia
Vilhena - Espígão
RO
50
*Divinaldo
Viseu
PA
51
Djalma Natabon
Sarandi - Passo Fundo
RS
52
Durvalino Porfírio de Souza
Goiânia
GO
53
Edileuza
Goianésia
PA
54
Eduardo Resende de Souza
Tuntum
MA
104
Emanuelle Herrera e Israel Dias
55
Elizabeth
Goianésia
PA
56
Elizabeth Teixeira
Sapé
PB
57
Elmecino Morais dos Santos "Goiano"
Tucuruí
PA
58
Elpídio Martim dos Santos (ou Martim
Crisópolis
BA
Elpídio dos Santos) 59
Elvaristo Alves da Silva
Santa Rosa
RS
60
Epaminondas Gomes de Oliveira
Brasília
DF
61
Feliciano Sátiro Pereira
Limoeiro
PE
62
Felipe Soares de Souza
Xinguara
PA
63
Félix Escobar Sobrinho
Rio de Janeiro
RJ
64
Fernando Francelino
Jacundá
PA
65
Francisco Alves Barroso
Rio Branco
AC
66
Francisco Damião
Pesqueira
PE
67
Francisco das Chagas Alves
Iranduba
AM
68
Francisco de Assis Lemos Souza
Areia
PB
69
Francisco Ivo Feijó
Boa Viagem
CE
70
Francisco Nobre
Santa Luzia
MA
71
Francisco Nogueira Barros
Canindé
CE
72
Francisco Raimundo da Paixão
Governador Valadares
MG
73
Francisco Sobrera Lima
Tauá
CE
74
Francois
Goianésia
PA
75
Garcia
Jacundá
PA
76
Genésio F. dos Santos
Xinguara
PA
77
Geraldo Norato de Souza
Marabá
PA
78
Gervásio Pereira da Silva
Sento Sé
BA
79
Gilmar
Jauru
MT
80
Gregório Alves
Santa Luzia
MA
81
Henrique José Trindade
Alto Paraguai
MT
82
Hildo Fortunato dos Santos
Prado
BA
83
Hugo Ferreira de Sousa
Arapoema
GO
84
Isabel Moreira da Silva
Sento Sé
BA
85
Isaías Nunes
Canápolis
BA
105
Corações Camponeses
86
Israel Alves Moreira
Jauru
MT
87
James Carlos da Silva
Arapoema
GO
88
João Alfredo Dias (Nego Fuba)
Sapé
PB
89
João Antunes de Oliveira
Castro
PR
90
João Fortunato dos Santos
Prado
BA
91
João Gonçalves dos dos Santos
Paulista
PE
92
João Gonçalves Moreira
Cachoeira de Goiás
GO
93
João Honório Gomes da Silva
Conceição do Araguaia
PA
94
João José Rodrigues ( Juca Caburé)
Dourados
GO
95
João Machado dos Santos
Camaquã
RS
96
João Maranhão
Joselândia
MA
97
João Teodoro Rodrigues
Abatiá
PR
98
Joaquim Celso Leão
Goiana
PE
99
Joaquim de Sousa
Xambioá
PA
100
Joaquim Pereira dos Santos
Feira de Santana
BA
101
*Joaquim Rosa de Oliveira
Viseu
PA
102
Joaquim Vieira dos Santos
Jauru
MT
103
Jôfre Corrêa Netto
Santa Fé do Sul
SP
104
José Alexandre
Santa Helena
MA
105
José Amaro Macena (Américo)
Canindé
CE
106
*José Antonio Ferreira da Silva
Viseu
PA
107
José Campos Barreto (Zequinha)
Brotas de Macauba
BA
108
José Carneiro
Vilhena - Espígão
RO
109
José Clemente da Silva
S. Domingos do Capim
PA
110
José da Cruz
Ceará-Mirim
RN
111
José de Araújo Barreto
Brotas de Macaúbas
BA
112
José Galdino
n/s
PE
113
José Geraldo Rodrigues Sobrinho
Pendência
RN
114
José Gonçalves
Xinguara
PA
115
José Inocêncio Barreto
Escada
PE
116
José Machado da Silva
Marabá
PA
117
José Pereira da Silva, o Zé da Marcelina
Porto Franco
MA
106
Emanuelle Herrera e Israel Dias
118
José Porfírio de Souza
Brasília
DF
119
José Pureza da Silva, o Zé Pureza
Imbé
RJ
120
José Ribeiro Dourado
Marabá
PA
121
Josefa Paulino da Silva Pureza
Rio de Janeiro
RJ
122
Josias Ribeiro Gomes
Vilhena - Espígão
RO
123
Júlio Santana
Serinhaém
PE
124
Jurandir Antonio de Araújo
Xinguara
PA
125
Leandro Santana
Marabá
PA
126
Leopoldo Chiapetti
Mariano Moro
RS
127
Lourival Gaia
Santa Luzia
MA
128
Lourival Moura Paulino
Xambioá
PA
129
Luiz dos Santos
Araguaia
PA
130
Luiz Oliveira
Nova Cruz
RN
131
Manoel "Chapéu de Couro"
Jauru
MT
132
Manoel Aleixo da Silva
Ribeirão
PE
133
Manoel Camarão
Timbaúba
PE
134
Manoel Cardoso da Silva
Una
BA
135
*Manoel Cecílio da Silva
Barra de Guabiraba
PE
136
Manoel Félix
n/s
PE
137
Manoel G. de Souza
Xinguara
PA
138
Manoel Gonçalo Ferreira
Cocalinho
PE
139
Manoel Jacinto Correia
Porecatu
PR
140
Manoel Maximino
Palmares
PE
141
Manoel Messias Sabóia
Cascavel
CE
142
Manoel Monteiro de Souza
Bacabal
MA
143
Manoel P. do Nascimento
Xinguara
PA
144
Manoel Pereira
Ceará-Mirim
RN
145
Manoel Pereira Marinho
Araguaia
PA
146
Manoel Roxo
Santa Terezinha
MT
147
Manoel Santos da Silva
Vitória de Santo Antão
PE
148
Manoel Saraiva
Tuntum
MA
149
Manoel Xavier da Silva
Nizia Floresta
RN
107
Corações Camponeses
150
Manuel José Flores
Vila Rica
MT
151
Marcos
Conceição do Araguaia
PA
152
Marcos Martins da Silva
Escada
PE
153
Maria G. de Sousa (menor)
Conceição do Araguaia
PA
154
Maria Pereira da Silva
S. João do Araguaia
PA
155
Mariano Joaquim da Silva
Recife
PE
156
Marivaldo da Silva
Buenos Aires
PE
157
Marli de Souza
Campo Grande
MS
158
Mathias Javorski
Araucária
PR
159
Mauro Antônio da Silva
Buenos Aires
PE
160
NÃO IDENTIFICADO
Santa Luzia
MA
161
NÃO IDENTIFICADO
Santa Luzia
MA
162
NÃO IDENTIFICADO
Xinguara
PA
163
NÃO IDENTIFICADO
Xinguara
PA
164
NÃO IDENTIFICADO
Ji-Paraná
RO
165
NÃO IDENTIFICADO
Benevides
PA
166
NÃO IDENTIFICADO
Jauru
MT
167
NÃO IDENTIFICADO
Jauru
MT
168
NÃO IDENTIFICADO
Jauru
MT
169
NÃO IDENTIFICADO
Jacundá
PA
170
NÃO IDENTIFICADO
Jacundá
PA
171
NÃO IDENTIFICADO
Jacundá
PA
172
NÃO IDENTIFICADO
Aripuanã
MT
173
NÃO IDENTIFICADO
Aripuanã
MT
174
NÃO IDENTIFICADO
Aripuanã
MT
175
NÃO IDENTIFICADO
Aripuanã
MT
176
NÃO IDENTIFICADO
Sampaio
GO
177
NÃO IDENTIFICADO
Sampaio
GO
178
NÃO IDENTIFICADO
Sampaio
GO
179
NÃO IDENTIFICADO
Sampaio
GO
180
NÃO IDENTIFICADO (Bebê)
Xinguara
PA
181
NÃO IDENTIFICADO (Criança)
S. José do Ribamar
MA
108
Emanuelle Herrera e Israel Dias
182
*NÃO IDENTIFICADO (Menor)
Viseu
PA
183
*NÃO IDENTIFICADO (Menor)
Viseu
PA
184
*NÃO IDENTIFICADO (Mulher)
Viseu
PA
185
*NÃO IDENTIFICADO (Mulher)
Viseu
PA
186
NÃO IDENTIFICADO Criança (menor)
Santa Luzia
MA
187
Napoleão Antonio de Lima
Bom Jesus da Lapa
BA
188
Nativo da Natividade de Oliveira
Carmo do Rio Verde
GO
189
Nélson Pereira Marinho
Trombas
GO
190
Nestor Veras
São Paulo
SP
191
Nilson Diogo
Vassouras
RJ
192
Nilson Medeiros de Andrade
Cachoeira de Goiás
193
Olderico Campos Barreto
Brotas de Macaúbas
BA
194
Orlando (Vaqueiro de Jauru)
Jauru
MT
195
Orlando Correia
Leme
SP
GO
196
Oscarina Gomes da Silva
Sento Sé
BA
197
Osmar
Goianésia
PA
198
Otávio
Nova Ipixuna
PA
199
Otávio José da Silva
Palmares
PE
200
Otávio Soares Ferreira da Cunha
Governador Valadares
MG
201
Otoniel Campos Barreto
Brotas de Macaúbas
BA
202
Pedro Gomes da Silva
Moju
PA
203
Pedro Inácio da Silva
São José do Mipibu
RN
204
Pedro Inácio de Araújo
Sapé
PB
205
Pedro Matias de Oliveira
Bacaba
PA
206
Petronílio Costa Farias
Eunápolis
BA
207
Quintino Silva Lira " O Gatilheiro"
Viseu
PA
208
*Raimundo Nonato de Souza
Ourem
PA
209
Raimundo Nonato Paz (Nicolau 21)
Canindé
CE
210
Raimundo Oliveira Lima
Santa Luzia
MA
211
Raimundo Paulino de Souza
Rio Branco
AC
212
Randolfo Fernandes de Lima
Três Marias
MG
213
Reinaldo de Lima
Gararu
SE
109
Corações Camponeses
214
Rufino Correia Coelho
Nazaré
GO MT
215
Sebastião Assis de Moura
Jauru
216
Sebastião Gomes da Silva
Papucaia
RJ
217
Sebastião Vieira Gama
Serra das Andorinhas
PA
218
Severino Correia da Silva
Condado
PE
219
Severino Fernandes da Silva
Escada
PE
220
Severino Geraldo dos Santos
São Lourenço
PE
221
Severino Manuel Soares
Timbaúba
PE
222
Sibely Aparecida Manoel
Leme
SP
223
Silvano Soares dos Santos
Campo Novo
RS
224
Tony Vicente Seabra
Coribe
BA
225
Valdemir Pereira
Vilhena - Espígão
RO
226
Valdevino Delara
Plácido Castro
AC
227
Valdomiro
Alta Floresta
MT
228
Vicente Pádua Justo
Goianésia
PA
229
Vicente Pompeu da Silva
Potengi
CE
230
Vitorino Batista Mendes
Novo Mundo
MS
231
*Vivaldo
Viseu
PA
232
*Waldecir
Viseu
PA
233
Wilmar José da Silva
Cacalino
MT
234
Zé Soldado
Canindé
CE
235
Zelmo Bosa
Trindade do Sul
RS
* Identificados pelos autores do livro Fontes: (1) Camponeses mortos e desaparecidos: Excluidos da Justiça de Transição, coord. Gilney Viana, SDHPR, Brasília, 2013. (2) Retrato da Repressão Política no Campo – Brasil 1962-1985 – Camponeses torturados, mortos e desaparecidos. Ana Carneiro; Marta Cioccari – Brasília: MDA, 2010. (3) Assassinatos no Campo: crime e impunidade 1964 - 1985. São Paulo: MST, 1986. (4) Conflitos de Terra no Brasil - 1985. Publicação disponível em: <http://www.cptnacional.org.br/index.php/publicacoes/conflitos-no-campo-brasil>. Comissão Pastoral da Terra (CPT). (5) Entrevistas.
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Agradecimentos Emanuelle
E
m “Gracias a la vida”, música de 1966, a artista chilena Violeta Parra agradece a tudo que a vida lhe deu e que lhe permitiu exprimir seu dom de maneira única. Hoje me dou a liberdade de compartilhar do mesmo sen-
timento de Violeta e trazer na pele essa gratidão pela vida. Não só por este sonho que se realiza agora, mas por tudo o que aconteceu nos últimos quatro anos. Ser a primeira da minha geração e a segunda mulher da família a ter um diploma universitário, em um país machista e misógino como o Brasil, é uma vitória que compartilho com todas as mulheres que direta ou indiretamente contribuíram para que eu chegasse até aqui. Agradeço especialmente à minha melhor amiga e avó, Maria do Carmo, por me ensinar a ouvir e contar histórias, pelo amor incondicional, e também pelas puxadas de orelha e chás de boldo, ambos com um poder de cura incrível. Ao meu avô, Antônio Herrera, mesmo distante há muitos anos contribuiu para que eu buscasse e me orgulhasse das minhas origens. À minha mãe, a grande inspiração da minha vida. Agradeço por me ajudar a exercer a paciência e tolerância, por me apresentar as letras e permitir que eu crescesse em uma casa rodeada de amor e livros. Sou grata, principalmente, por você apoiar minhas utopias e sonhos, mesmo discordando deles. Agradeço ao meu pai por ser um grande amigo e sonhador inveterado, com quem aprendi a importância da amizade, da generosidade e do riso. Aos meus avós paternos, Severina e Antônio Falchi, pelo carinho e por me ensinarem o valor dos momentos em família. Agradeço aos meus amados primos, Júlio, Juan e Larissa, por compreenderem a minha ausência enquanto este livro estava sendo escrito. Agradeço à Andréia Leiros, tia amada e amiga de todas as horas. Ao meu tio, Bruno Herrera, por ser uma das primeiras pessoas a enxergar meu potencial e pelos conselhos valorosos que me deu nos últimos anos. Sou profundamente grata aos meus amigos queridos por compreenderem
113
Corações Camponeses
que o caminhar da vida afasta, mas o amor nos mantém unidos. Especialmente à Débora Vasconcelos pelas palavras de incentivo e carinho, além da leitura atenta de alguns capítulos deste livrorreportagem; à Milena Alves e Pamella Moreno pelas palavras, pelos silêncios, pelos abraços apertados e pelas cervejas sempre em boa hora. Pelo carinho, apoio e inspiração, minha gratidão à Adriana Rovari, Anna Félix, Bárbara Marques, Dalila Ferreira, Denise Bertolla, Eloá Ribeiro, Gabriela Fernandes, Ivaneti Araújo, Nelson Oliveira, Rodrigo Corsi, Rodrigo Mergulhão, Rondy Costa e Yara Pezeta. Agradeço também a todos os professores que nos acompanharam até este momento, dentro e fora das salas de aula: Ana Tereza, Edgard de Oliveira, Eliza Casadei, Fhoutine Marie, Fran Periago, Marcos Nunes, Milton Bellintani (Repórter do Futuro), Rafael Grohman, Rodolfo Chagas, Rodrigo Manzano (in memorian), Vicente Darde e Vinicius Souza. Agradecimento especial à nossa coordenadora, Márcia Avanza, por todo o apoio ao longo dos semestres e ao nosso orientador, Marcos Zibordi, primeiramente, por ter aceitado orientar dois alunos desconhecidos e pelo olhar atento dado aos nossos textos. Agradeço a Israel Dias, por ter proposto essa parceria, pelas críticas sempre construtivas, por ser amigo e companheiro de todas as horas.
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Agradecimentos Israel
À
Amara e Ernesto, meus amados pais. Principais fontes de inspiração deste livro. Ao Ícaro, pelos primeiros comentários quando o livro era apenas um rascunho. A José Pio e Romilda, que me adotaram pela ter-
ceira vez. Agradecimento especial para o destemido Flávio Ishizuka, à valiosa Michelle e à Bety, pela paciência oriental. Sem o apoio de vocês tudo seria mais difícil. Aos educadores Ranulfo Peloso, Roberto C. Castro, Vinicius Souza, Milton Bellintani, Rodrigo Manzano (in memorian), Eliza Casadei, Ana Tereza, Edgard de Oliveira, Rodolfo Chagas, Maíra Bittencourt e Vicente Darde. Diálogos sempre motivadores. À Márcia Avanza e Marcos Zibordi, pela seriedade e dedicação com que nos trataram desde o início. À Emanuelle Herrera, sem você eu não teria feito este livro. Muito obrigado pelo carinho, paciência e compreensão.
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Bibliografia
LIVROS, ENTREVISTAS E DOCUMENTOS
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FILMES E DOCUMENTÁRIOS
CABRA marcado para morrer. Direção: Eduardo Coutinho. [S.I.]. Centro Popular de Cultura da UNE, Movimento de Cultura Popular de Pernambuco e Mapa Film, 1984. 1 filme, 35 mm, color & PB, 119 min. DOSSIÊ Jango. Direção: Paulo Henrique Fontenelle. [S.I.]. Mza - Canal Brasil,
120
Emanuelle Herrera e Israel Dias
2012. (102 min.), DVD, son., color & PB. Legendado. HÉRCULES 56. Direção: Silvio Da-rin. [S.I.]: Antonioli & Amado Produções, 2006. (94 min.), DVD, son., color & PB. Legendado. MAIORIA absoluta. Direção: Leon Hirszman. [S.I.]. Produções Cinematográficas Meta, 1963 [produção]. Curta-metragem, 35 mm, PB, 20 min. Cópia do Memorial da América Latina. O DIA que Durou 21 Anos. Direção: Camilo Tavares. [S.I.]: Pequi Filmes, 2012. (77 min.), son., color. Legendado. VIRAMUNDO. Direção: Geraldo Sarno. [S.I.]. 1965. Documentário, PB, 40 min. Cópia do Memorial da América Latina.
WEB SITES
www.armazemmemoria.com.br/ www.bnmdigital.mpf.mp.br/ www.cemdp.sdh.gov.br/ www.cnv.gov.br/ www.cptnacional.org.br/ www.desaparecidospoliticos.org.br/ www.hemerotecadigital.bn.br/ www.memoriasreveladas.gov.br/ www.tvbrasil.ebc.com.br/ www.youtube.com/comissaodaverdade
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Crédito Iconográfico
Capa, colofão, pp. 16, 40, 54, 64, 78, 96, 102, 112: Ilustrações vetorizadas e reproduzidas do jornal Terra Livre, periódico editado em São Paulo pela Ultab e extinto em 1964. Disponível em: <http://www.armazemmemoria.com.br/>. pp. 124 e 125: Ilustração vetorizada e reconstituida do esquema de organização do Sindicato de Santarém, PA, e publicada na cartilha do Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural, o Centru. Pernambuco 1981. pp. 24: Ilustração vetorizada e reconstituida do Informativo Sindical Farinhada. Nova Timboteua, PA. Fevereiro de 1986. Contracapa, pp. 02, 03, 72, 116, 122: Composição original criada por Israel Dias a partir da fonte tipográfica Xilo Cordel Literatura de Galdino Otten. Disponível em: <http://galdinootten.com/>.
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Lista de siglas
AI-5: Ato Institucional número 5 ALN: Aliança Libertadora Nacional AP: Ação Popular CCV: Comissão Camponesa da Verdade Cepis: Centro de Educação Popular do Instituto Sedes Sapientiae CIE: Centro de Informações do Exército Cimi: Conselho Indigenista Missionário CNBB: Confederação Nacional dos Bispos do Brasil CNV: Comissão Nacional da Verdade Codemat: Companhia de Desenvolvimento de Mato Grosso Contag: Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agircultura CPT: Comissão Pastoral da Terra CUT: Central Única dos Trabalhadores DNER: Departamento Nacional de Estradas e Rodagem DOI-Codi: Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna FAB: Força Aérea Brasileira Fase: Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional Fundac: Fundo de Desenvolvimento e Ação Comunitária Funrural: Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural Ibope: Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística Igra: Instituto Gaúcho de Reforma Agrária Inca: Instituto Cajamar Incra: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária ITER: Instituto Teológico do Recife JUC: Juventude Universitária Católica Master: Movimento dos Agricultores Sem Terra MEB: Movimento de Educação de Base
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Corações Camponeses
MR-8: Movimento Revolucionário 8 de Outubro MST: Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra Ong: Organização Não Governamental PCB: Partido Comunista Brasileiro PCdoB: Partido Comunista do Brasil PT: Partido dos Trabalhadores PTB: Partido Trabalhista Brasileiro QG: Quartel General STR: Sindicato de Trabalhadores Rurais SUPRA: Superintendência de Política Agrária Ultab: União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil UNE: União Nacional dos Estudantes UFRJ: Universidade Federal do Rio de Janeiro
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Tipologia: Libre Baskerville (textos) e Original Olinda Style (títulos). Papel: Pólen 80m/g² (miolo) e Cartão Supremo 250m/g² (capa). Tiragem: 50 exemplares. Abril de 2014. Impresso na PSI7 Printing Solution & Internet 7 S.A. Rua Dom Bosco, 471 - Mooca - São Paulo - CEP 03105-020 Tel.: (11) 2928-4923