Este livro analisa a experiência internacional de interligação entre as ver- I. tentes diplomática, empresarial e da cooperação relativamente a Angola NOVOS e Moçambique, particularmente no que se refere à actuação dos actores externos de vários países e instituições multilaterais. Apesar da análise ser DESAFIOS abrangente, é dado um tratamento específico ao caso português, com DA ACÇÃO vista a melhor aferir a posição relativa de Portugal em comparação com EXTERNA outros actores bilaterais e multilaterais presentes em Angola e Moçambique. A escolha de Moçambique e Angola como casos a estudar justifica-se Fernando Jorge pelo facto de, no caso de Angola, o pós-guerra apresentar uma situação Cardoso potencialmente favorável ao eixo dos negócios, designadamente comércio e investimento e, no caso de Moçambique, por o país ser considerado internacionalmente como balão de ensaio dos novos paradigmas da ajuda ao desenvolvimento, nomeadamente no capítulo da coordenação entre doadores e no domínio da ajuda directa ao orçamento. Em qualquer dos casos, quer em Angola quer em Moçambique, verifica-se a presença de empresas e interesses políticos portugueses no exterior, o que viabiliza uma leitura de realidades e tendências do investimento, da cooperação e da acção diplomática. Uma segunda ordem de razões tem a ver com o facto de Angola e Moçambique continuarem a ser considerados uma prioridade para a generalidade dos portugueses, permanecendo uma presunção generalizada da existência de ligações e conhecimentos privilegiados em comparação com nacionais e empresas de outros países, o que é falacioso. Na realidade, o que se passa em Angola e Moçambique é hoje consideravelmente diferente do passado e é, em grande medida, desconhecido da maioria dos portugueses. A percepção da realidade acaba por ser prejudicada por estereótipos provenientes do passado e por posicionamentos pessoais ou ideológicos inerentes ao quadro político português. Parte-se do pressuposto de que existe uma interacção entre diplomacia, cooperação e negócios, independentemente de esse ser, ou não, o objectivo da acção externa ou da intenção de diplomatas, cooperadores ou homens de negócios. Na verdade, no quotidiano de cada país, os cidadãos, tal como muitos dos decisores políticos, tendem a equiparar as acções dos estrangeiros, pessoas ou instituições, com as acções dos respectivos países. E como as percepções condicionam a acção, devem ser tomadas em devida conta, em particular nos casos em que existam fortes laços históricos. O quadro de análise contempla, assim, o relacionamento entre as três vertentes seguintes:
DIPLOMACIA (política externa) COOPERAÇÃO (ajuda pública ao desenvolvimento)
NEGÓCIOS (internacionalização/ investimento directo)
O facto de as actividades diplomáticas, da cooperação e dos negócios se influenciarem mutuamente não implica necessariamente que a ajuda pública ao desenvolvimento ou o apoio estatal a actividades empresariais sejam instrumentalizados para objectivos de política externa. Convém, no entanto, assumir que as acções dos Estados na ordem externa estão longe da neutralidade – tal é válido não só para os «interesses» que veiculam, mas também para os «valores» que defendem. Na prática internacional, a ajuda pública ao desenvolvimento não assenta somente em valores, sejam eles a redução da pobreza ou a defesa dos direitos humanos. A definição de prioridades da cooperação é um dos elementos mais expressivos dos interesses dos Estados. Não será por acaso que mais de 80% da ajuda dos países da União Europeia se mantém bilateral, com os governos a definirem centralizadamente os países-alvo da sua acção. Do mesmo modo, a preferência por donativos em cereais na ajuda alimentar norte-americana tem implícita a prática corrente de contratos preferenciais e subvenções de Washington a empresas norte-americanas produtoras ou distribuidoras de alimentos e outros bens essencialmente canalizados para acções de ajuda humanitária e de emergência. Por sua vez, os apoios às exportações ou à internacionalização de empresas por parte dos governos também não se guiam unicamente por interesses. Existe, em muitos casos de forma explícita e evidente, uma matriz ideológica ligada a valores considerados essenciais por Estados e governos. Para continuar a citar os mesmos exemplos, são frequentes os embargos ou restrições ao comércio e ao investimento com determinados países por parte da administração norte-americana, por motivos do foro político ou ideológico. Da mesma forma, os clausulados sobre o respeito pelos direitos humanos, boa governação e regras do Estado de direito democrático têm-se tornado elementos centrais no estabelecimento de protocolos e acordos entre a União Europeia e terceiros países, levando, em casos pontuais, à suspensão da ajuda. Numa outra óptica, a internacionalização de empresas e a promoção de negócios no exterior são, por vezes, incentivadas pelos Estados através de instrumentos de cooperação. Neste particular, a utilização, ainda hoje comum em Portugal, do termo «cooperação empresarial», quando não aplicado ao relacionamento entre empresas, torna-se ambíguo. Tal não significa que as empresas não possam ter um papel de instrumentos de ajuda ao desenvolvimento sem deixar de ser, simultaneamente, organizações lucrativas. Para dar um exemplo, o desenvolvimento do sector privado ou das capacidades empresariais em países africanos serão, porventura, mais bem conseguidos através da acção de empresas, públicas e privadas, em parceria ou não com instituições locais, do que pela actividade de organizações não governamentais ou de instituições governamentais. O papel do Estado na promoção dos interesses das suas empresas e, de forma geral, da sua economia, na ordem externa, tem sido um tema bastante presente quer no domínio académico, quer no domínio da prática política. Na verdade, o termo «diplomacia económica» pretende expressar
esta realidade, embora a sua utilização seja objecto de polémica – não tanto pela conotação expressa com interesses, mas mais pela tentação de reduzir a diplomacia, considerada por diversos autores como suficientemente abrangente para necessitar de adjectivação, ao terreno dos negócios. O que é um facto, porém, é que a utilização do termo «diplomacia económica» se generalizou a partir das práticas da Administração Clinton, nos EUA, a partir do final da primeira metade dos anos 90, e, em particular, com os dossiers de finalização da ronda do Uruguai do GATT e com o acordo NAFTA, entre os EUA, o Canadá e o México. No caso português, o protagonismo do Estado na promoção dos interesses económicos externos ganhou mais visibilidade com o governo Guterres, particularmente na segunda metade da década de 90. É interessante evidenciar a diferença de enfoque entre o tipo de diplomacia económica empreendida na segunda metade dos anos 90, que coincide com um período de crescimento da economia internacional e da economia portuguesa em particular, e no início da presente década, com o governo liderado por Durão Barroso, já com a economia internacional e portuguesa em arrefecimento. Enquanto que, na etapa anterior, a prioridade foi dada à internacionalização da economia portuguesa via investimento directo português no exterior (Espanha, Brasil), no segundo caso, a prioridade foi dada à atracção de investimento directo estrangeiro para Portugal, com um maior protagonismo da Agência Portuguesa de Investimentos. No ciclo de governação actual, as tendências desta segunda etapa têm sido prosseguidas, com a preocupação a manter-se na atracção de investimentos, particularmente para criação de emprego em Portugal, embora se tenha retomado outra vez o objectivo da expansão portuguesa para mercados-alvo, com particular destaque para o Brasil e Angola. Em qualquer dos casos, o termo diplomacia económica generalizou-se em Portugal nos últimos anos. A cooperação portuguesa, na sua vertente de ajuda pública ao desenvolvimento também sofreu mudanças em tempos mais recentes. Em 1999, foi aprovada uma estratégia que reorganizava a cooperação portuguesa, até então demasiado desconcentrada e descentralizada. No seguimento deste passo e ao longo de quatro governos, entre 1999 e 2005, foi extinto o Fundo para a Cooperação Económica, substituído pela Agência Portuguesa de Apoio ao Desenvolvimento, APAD, com funções similares. Pouco tempo depois, foi criado o IPAD, Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento, sendo extintos o ICP, Instituto da Cooperação Portuguesa, e a recém-criada APAD. Neste caso, as funções de apoio à «cooperação empresarial» ficaram algo indefinidas, passando a vertente de apoio à internacionalização para o Ministério da Economia. Estas mudanças institucionais, conjugadas com o aumento de restrições orçamentais em resultado do agravamento da crise económica em Portugal, acarretaram alguma perda de capacidade de actuação do Estado no domínio da ajuda ao desenvolvimento, expressa em baixos indicadores de execução dos projectos da cooperação portuguesa.
Os baixos níveis de execução acabaram por influenciar negativamente as diversas mudanças operadas, incluindo as decorrentes da aprovação em Conselho de Ministros de um segundo documento sobre estratégia da cooperação portuguesa, em Dezembro de 2005. Nele se refere a necessidade de articular as prioridades portuguesas com os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) e de melhorar a coordenação com os demais parceiros doadores, designadamente no seio do Comité de Ajuda ao Desenvolvimento da OCDE (CAD/OCDE) e da União Europeia. É igualmente prevista a criação de uma Sociedade Financeira para o Desenvolvimento, com parcerias público-privadas, e de um Fórum da Cooperação, tendente a uma maior integração da sociedade civil. No contexto das mudanças institucionais operadas nos últimos anos, deuse uma separação de responsabilidades institucionais na ordem interna portuguesa – ajuda pública ao desenvolvimento de um lado, apoios à internacionalização das empresas de outro –, em simultâneo com a centralização, na ordem externa, de ambas as responsabilidades nos embaixadores. Nestas circunstâncias, o papel das embaixadas torna-se mais relevante e visível, tanto no domínio da acção económica, como no domínio da cooperação. Na verdade, a expressão, no terreno, dos esforços da diplomacia económica, ou da ajuda ao desenvolvimento, torna-se mais dependente da capacidade e eficácia de intervenção dos serviços das embaixadas portuguesas. Esta nova realidade está longe de ser assumida como fulcral na acção prática do Estado português, que parece mais empenhado em acções pontuais, como é o caso das frequentes visitas de Estado e ministeriais acompanhadas por delegações empresariais, do que na sustentabilidade e apoio efectivo aos projectos empresariais e de cooperação, quer a partir da sede – ministérios e agências governamentais –, quer no terreno – embaixadas e respectivos serviços. Este livro procura reflectir sobre as experiências internacionais da triangulação entre diplomacia, negócios e cooperação. Por um lado, porque a análise da forma como outros países conjugam, de um ponto de vista organizacional, as vertentes da diplomacia, da cooperação e dos negócios no exterior poderá permitir uma melhor aferição das práticas adoptadas em Portugal. Por outro lado, porque a identificação da forma como os diversos actores actuam no terreno pode, eventualmente, servir para evitar duplicações de esforços e reforçar a coordenação entre eles. As experiências dos países que são objecto de análise no segundo capítulo acabam por denotar uma elevada disparidade de actuação ao nível externo. Na verdade, dificilmente se poderão encontrar situações em que diplomacia, cooperação e negócios façam parte de uma estratégia coerente e planificada. Com mais facilidade se encontram relações duais, ou entre diplomacia e ajuda, ou entre diplomacia e negócios. Esta realidade aponta para um claro predomínio da acção do Estado enquanto catalizador de concertações estratégicas, sendo de notar a pouca relevância que este tipo de articulação parece merecer por parte das empresas ou das organizações da sociedade civil.
Algumas conclusões de natureza geral, bem como recomendações específicas sobre a realidade portuguesa são explanadas no segundo capítulo. Convém, no entanto, referir aqui uma conclusão/recomendação que resulta do cruzamento das experiências dos países doadores com os inquéritos e a análise dos casos de Angola e de Moçambique. Referimo-nos, no caso específico do vértice da cooperação, à dinâmica de articulação entre os doadores no que respeita à actuação conjunta sobre prioridades e critérios de avaliação de desempenho por parte dos países receptores da ajuda. Esta dinâmica, bem documentada pelo CAD/OCDE, é melhor expressa no caso moçambicano, paradigmático das novas tendências da ajuda, que colocam os Objectivos do Desenvolvimento do Milénio como foco central para a elaboração de planos de combate à pobreza. As novas tendências da cooperação internacional vêem as modalidades de ajuda programática, principalmente da ajuda directa ao orçamento ou a fundos especiais, como prevalecentes sobre as modalidades de ajuda a projectos, nos casos em que os Estados receptores da ajuda apresentem indicadores mínimos de transparência e eficácia institucional. Mesmo quando a ordem política vigente em alguns dos países doadores, com destaque para os EUA, os torna pouco receptivos a decisões de ajuda directa ao orçamento, a dinâmica da articulação de critérios e objectivos entre a comunidade doadora presente e desta com cada país receptor está em crescente afirmação. Daqui decorre a importância de uma maior e mais qualificada presença portuguesa nos principais fóruns multilaterais (Banco Mundial, agências das Nações Unidas, ou mesmo na própria União Europeia) e, tão ou mais importante do que isso, de uma presença efectiva e o mais profissional possível nos países onde se concentra o essencial da cooperação portuguesa – entre os quais avultam Angola e Moçambique – o que aponta para o reforço das capacidades institucionais e de intervenção das embaixadas. As mais recentes avaliações sobre o desempenho da cooperação portuguesa nos países referenciados demonstram esta realidade. Neste quadro de análise, as percepções e opiniões dos actores locais sobre o papel, o desempenho e a acção dos intervenientes externos ganham uma importância particular. No âmbito do estudo, a imagem que angolanos ou moçambicanos têm sobre a acção dos actores externos e a avaliação que dela e deles fazem é, nesta medida, importante para identificar obstáculos, avaliar potencialidades e clarificar pontos fortes e fracos na acção diplomática, empresarial ou da cooperação. Os resultados dos inquéritos realizados em Angola e Moçambique encontram-se no terceiro capítulo. Nesta apresentação, convém destacar que algumas respostas são objecto de comparação com resultados obtidos num estudo desenvolvido pelo IEEI em 1997/98 sobre as políticas de cooperação e as estratégias empresariais portuguesas em África. Um dos aspectos mais relevantes, decorrente dos resultados dos inquéritos, para o tema da ligação entre Diplomacia, Cooperação e Negócios será porventura o facto de a acção dos Estados continuar a figurar como
central nas opiniões expressas. Na verdade, é conferida à actividade diplomática uma natureza dúplice: por um lado, desconsiderada quando as percepções que sobre ela existem a conotam como pouco eficaz; por outro lado, sobrevalorizada nos casos em que as percepções sobre a sua eficácia são positivas. Por outras palavras, o papel dos actores externos não é percepcionado somente em função dos montantes de ajuda, de investimento, de créditos ou de comércio; a sustentabilidade das acções, a eficácia e visibilidade da intervenção e o cumprimento das obrigações assumidas desempenham igualmente um papel importante na forma como este ou aquele país, esta ou aquela instituição multilateral, são consideradas na opinião pública. De notar também algumas percepções interessantes sobre o peso e a influência dos principais actores externos em ambos os países, quer no momento actual, quer em relação ao futuro. No caso de Angola, figuram como parceiros mais importantes os EUA, a China, o Brasil, as Nações Unidas, a União Europeia, a dupla Banco Mundial/Fundo Monetário Internacional, Portugal, África do Sul, Reino Unido e França, pela ordem enunciada. Esta escolha dos actores encontra uma lógica muito forte nas tendências mais recentes do investimento, do comércio, da concessão de créditos e dos fluxos de ajuda. Na verdade, o lugar atribuído aos EUA tem claramente a ver com o facto de as principais empresas petrolíferas serem norte-americanas, de este país ser o principal doador e de ter um acentuado protagonismo, quer localmente quer nos fora internacionais. O Brasil tem mantido, desde a independência, um apoio diplomático continuado aos governos do MPLA, existindo uma actuação importante por parte de empresas brasileiras nas áreas da construção, dos diamantes e, agora, do petróleo. A China assumiu, desde há cerca de dois anos, um papel determinante, após a concessão de 4 mil milhões de dólares de crédito para a reconstrução de Angola, estando um conjunto apreciável de empresas, técnicos e mão-de-obra chinesa envolvidos no sector da construção de infra-estruturas e edifícios, e tendo entretanto Angola passado a ser o principal fornecedor de petróleo da China. O papel secundário atribuído à França tem a ver com a perda de concessões petrolíferas por parte da ELF/Aquitaine, em paralelo com a deterioração, até recentemente, das relações bilaterais, devido ao «caso Falcone», que levou o Presidente de Angola a ser citado por tribunais franceses. No caso de Moçambique, a lista dos países com maior peso e influência é composta pela África do Sul, Banco Mundial/FMI, União Europeia, EUA, Reino Unido, Nações Unidas, China, Portugal, Países Nórdicos (Suécia, Noruega e Dinamarca) e França. Esta percepção condiz com a realidade observável, na medida em que Moçambique, contrariamente a Angola, demonstra uma forte dependência da ajuda internacional para o orçamento de Estado e para o financiamento de projectos. Neste contexto, os principais doadores são naturalmente considerados como os mais influentes. A excepção notória a esta regra tem a ver com o primeiro lugar, ocupado pela África do Sul, que, por motivos de proximidade e da reposição de
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laços económicos antigos, se constitui como fonte dos principais fluxos de investimento e de importação, apesar de não ter peso como doador. Em ambos os casos, a posição relativa de Portugal é pouco considerada, apesar do país figurar em 4º e 5º lugares. Porém, esta percepção é esbatida quando analisadas as preferências relativas aos países em relação aos quais Angola ou Moçambique deveriam dar prioridade no seu relacionamento futuro. Neste particular, Portugal ocupa o segundo lugar, logo a seguir aos EUA em Angola e à África do Sul em Moçambique (neste caso, os EUA figuram em 3º lugar). Em cada um dos dois países, Portugal é visto como interlocutor e parceiro privilegiado, não obstante as debilidades e fraquezas apontadas no que respeita aos fluxos de ajuda e de investimento. Dois últimos pontos relevantes prendem-se, por um lado, com os obstáculos mais referenciados ao desenvolvimento de projectos e, por outro lado, com o tipo de acções externas indicadas como prioritárias em cada país. Quer em Angola quer em Moçambique, os obstáculos e prioridades indicadas coincidem. No respeitante aos obstáculos, os três principais factores indicados são as infra-estruturas de transporte, as carências de mão-de-obra qualificada e a falta de capacidade da administração pública. No referente às prioridades da ajuda, as cinco principais referências são a formação técnico-profissional, a melhoria dos serviços de saúde pública, a melhoria dos sistemas judiciais, a capacitação das administrações centrais e locais e a melhoria da rede escolar básica. É interessante verificar que o conjunto dos aspectos mencionados são passíveis de intervenção portuguesa, quer do ponto de vista do investimento, quer do ponto de vista da ajuda.
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