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A REPÚBLICA POPULAR DA CHINA NO CONTEXTO DA GUERRA FRIA Rijarda Aristóteles
A China, por uma ou outra razão, protagonizou diversos papeis do período da Guerra Fria. Em um primeiro momento viveu, basicamente, os seus problemas domésticos com um longo “isolamento a partir de 1949, a despeito de participação na guerra da Coréia e nos conflitos da Indochina”(1) Procurando desenvolver um modêlo próprio de comunismo, teve um apoio discreto soviético para a revolução e que se estendeu até inicio da década de 1960. No cenário internacional, seu papel de maior relevância para firmar-se como potencia regional e mundial, foi o incentivo à criação da “terceira via”, em contraposição ao hegemonismo das duas superpotencias. No longo período de isolamento, procurou desenvolver seu modelo de comunismo, ao mesmo tempo que procurou, no plano internacional, fortalecer o bloco “de paises em desenvolvimento e não alinhados”. O isolacionismo chinês permanece até início dos anos 1970, quando ocorre, estrategicamente , a aproximação com os Estados Unidos:“em termos estratégicos-diplomáticos Beijin elaborou a Teoria dos Três Mundos: o das superpotências hegemonistas (EUA e URSS), o das potências não hegemonistas (Europa) e das nações em desenvolvimento, onde se enquadrava”. (2) Este trabalho procura formar um quadro de contextualização da República Popular da China, no mundo bipolar, desde a sua revolução em outubro de 1949 até 1972, quando efetivamente, define-se a opção do Partido Comunista Chinês em aliar-se aos Estados Unidos. Este fato, é concretizado com a visita do presidente norte americano, Richard Nixon à China. Estava, assim, consolidado o modelo de desenvolvimento chinês: a Economia Socialista de Mercado, com foco na “ descentralização do planejamento e centralização do mercado”.(4) A Revolução Maoista A China, proclama sua República em 1911, em meio a uma guerra civil entre nacionalistas. Após a revolução bolchevique, em 1917, e em função da Internacional Comunista, o PC da China, viu-se obrigado a juntar-se à frente nacionalista. Entretanto, as divergências quanto aos rumos da República e a “necessidade da Revolução para que o povo chines seja dono de sua história” (4) gestada pelos comunistas, fez eclodir, em 1927, a batalha de Cantão quando os comunistas foram derrotados. Mao Zedong (Mao Tze-Tung), lider do Partido Comunista, estabelece nova estratégia,” transferindo o eixo da luta revolucinário para o campesinato, retirando-se das cidades e criando soviets camponeses nas provincias de Kiangsi e Fukien, no sul”(5) As lutas internas vão se desenrolar até 1936 quando é formada a frente única contra o Japão ( boicote aos produtos made in Japan) em represália o Japão continua a invasão à China, com a tomada de Xangai. Período de convivência entre Kuomintang e o PC da China. Os Estados Unidos fornecem subsídios à guerra contra o Japão e as guerrilhas internas contra a ocupação japonesa, se desenrolam até o
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episódio de Hiroshima e Nagasaki, que, de acordo com Vizentini, teve “mais significado como parte da Guerra Fria do que da Segunda Guerra Mundial”(6). Estrategicamente, os dois partidos chineses – Nacionalista e Comunista – continuam a perseguir o poder. O Kuomintang ocupando as cidades e, insidiosamente, o Partido Comunista firmando-se no campo, que mesmo com o discreto apoio soviético, foi conquistando cada vez maior espaço, até que, com o acirramento da Guerra Fria, Stálin resolveu investir na Revolução Comunista em curso. Em outubro de 1949, quando acontece a Revolução Comunista de Mao Tze Tung, a China divide-se em, praticamente, duas zonas: a República Popular da China e República Nacionalista da China(Taiwan). “Em 1950, toda a China continental, exceto o Tibete, parte de Hong Kong (britânica) e Macau (portuguesa) estava sob o dominio do Partido Comunista Chines”(7) No contexto da Guerra Fria, a Revolução da China, representou, como principal aliado dos EUA na região, um duro golpe aos americanos e, em contrapartida, o avanço do comunismo na Ásia. O apoio dos EUA à Taiwan, provocou o reconhecimento da comunidade internacional ao regime de Chang Kai-Chek, incluindo a posse do assento da China no Conselho de Segurança da ONU (com direito à veto), a fuga de empresas, de embaixadas para República Nacionalista. A República Popular da China , a partir de então, mantém uma estreita relação com a URSS, visando a reconstrução do País, ajuda militar e apoio tecnológico. Está,enfim , instalado o palco da disputa da Guerra Fria na Ásia. Em 1950-1953, a participação da China na Guerra da Coréia foi decisiva para o reconhecimento, por parte dos EUA, da necessidade de negociações para por fim ao conflito (assinatura do Armísticio Pan-munjon em 1953), linha divisória Paralelo 38º. Este reconhecimento foi um duro golpe para a política externa americana. O presidente americano, Trumam, “teve de destituir o todo-poderoso MacArthur,” por haver “envolvido os EUA em uma má guerra, em um mau momento, contra um mau inimigo”,(8). Em tempo: MacArthur era forte candidato republicano às eleições americanas, vencidas pelo General Eisenhower. A Guerra da Coréia, foi um dos palcos mais sangrentos da Guerra Fria com mais de 3, 5 milhões de mortes. Até hoje a península coreana permanece dividida. A participação da China na Conferência de Bandung em 1955( 29 paises, sendo 23 da Ásia e 6 da África), reforça já sua opção estratégica da “terceira via” em contraposição às duas superpotências. De acordo com José Flávio Sombra “Bandung marcou o início da manifestação espetacular de um terceiro grupo de estados nas relações internacionais”(9) , onde a China começa o seu processo de ser uma via “alternativa” de poder comunista, em franca coalisão com a URSS. A China internamente, vive momentos de conflitos,inflação, desemprego, incertezas , fome, atrasos. Em 1953,o dirigente do Partido Comunista adota o modelo soviético do Plano Quinquenal, com o objetivo de restaurar a economia, com o apoio da URSS. Mas, divergindo do modelo de investimento na indústria pesada como parte fundamental do desenvolvimento (modelo adotada na União Soviética), Mao direciona para o pequeno agricultor, pequena indústria, como forma de desenvolvimento interno. Isso gera muita controvérsia, aliada à profunda repressão às ideias contrárias.
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Em 1957, surge um movimento “contra revolucionário” importante, exigindo maior participação da intelectualidade nas decisões do partido “deixar fluir as ideias, degladiar pensamentos”. A Campanha das Cem Flores, que no início foi tolerada e incentivada, teve vida curta, em função da grande repressão. Em realidade, o movimento se ressurgia contra a participação excessiva do “campo” na vida política e, de algum modo, tática usada pelo Partido Comunista para identificar os opositores intelectuais do regime . A contra ofensiva oficial foi o Grande Salto Adiante,(1958-1960) , o plano que deveria promover o desenvolvimento do parque industrial chines, equiparando-o ao europeu. Para tanto, foram criados 25 mil “comunas” com cerca de 5 mil familias cada, abolida a propriedade privada, agricultores transformados em mão de obra para a nascente indústria . Embora o baixo custo da mão de obra ( o salário foi abolido e substituido pelo cartão de ponto), “faltava principalmente técnicos e especialistas”, aliado à inflação desenfreada de 1959, e aos fatores naturais, decisivos para o fracasso do Plano. A ofensiva de Mao ao fracasso do “ Grande Salto Adiante”, foi a adoção do movimento chamado Revolução Cultural, que tinha como principal eixo, “defender o comunismo, depurar o partido de ideias burguesas e combater o revisionismo de direita”(9) ou seja, desviar a atenção do fracasso econômico do Grande Salto trazendo a luta pra o campo das ideias. Para tanto, investiu na juventude estudantil para difundir as preceitos maoistas, tendo como pano de fundo, a luta interna no Partido pelo poder e pela definição estratégica a seguir. Da segunda metade dos anos 50 até final dos anos 60, a China viveu internamente momentos de conflituosos para construir um modelo “independente”, personalístico e solitário de desenvolvimento econômico que pudesse garantir a continuidade do regime comunista. No campo internacional, as divergências ideológicas entre as duas correntes do comunismo ( da “coexistência pacífica soviética”, modelos econômicos divergentes e uma posição de subalternidade da China), provocaram o rompimento com o bloco soviético. A URSS acabou por retirar o apoio financeiro e técnico para construção das obras de infraestruturas.Em realidade, a retirada do apoio de Krischev se deu em função do regime de Mao pretender a construção de arsenal atômico. O que para a China era de capital importância para garantir sua soberania e autonomia O afastamento da URSS, reforçava a ideia de Mao, de construir um caminho alternativo e anti hegemônico. Período de isolacionismo e enfraquecimento financeiro e comercial. “A China de Mao apresentava-se como centro autônomo de poder em meio à ordem bipolar vigente(...).Ao explodir sua primeira bomba atômica em 16 de outubro de 1964, a China mudava a correlação de forças sobre o cenário internacional” (11)
Este fato em si, atraiu para a China olhares importantes de outros Estados,( a França de De Gaule estabeleceu vínculos diplomáticos) que viram uma possibilidade de quebra da hegemonia bipolar, rompendo o isolamento chines e alçando a República Popular da China a um papel preponderante no Sistema Internacional. Entretanto, o “isolacionismo” chinês continua em menor ou maior escala até final de 1960, com sinais claros dos EUA, da importância “ da reinserção da China na comunidade internacional” e como afirmou MAGNOLI “ o cisma sino-soviético, cujas causas não se relacionavam com a política americana apresentava a oportunidade de reconfigurar positivamente a contenção da União Soviética “.
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A aproximação com os Estados Unidos: Socialismo de Mercado. “Aliar-se ao inimigo secundário para derrotar o inimigo prioritário” Há muito as relações entre soviéticos e chineses eram tensas e “de desconfianças mútuas”. O isolacionismo, a necessidade de investimento e de reinserção internacional (recuperar o assento na ONU, o reconhecimento internacional efetivo e a volta das colônias (Hong Kong e Macau) e recuperar Taiwan faziam parte das estratégias e aspirações chinesas) são motivos para uma aproximação com EUA. E para o cenário da Guerra Fria, indicava um propósito “pragmático: deteriorar a capacidade de poder da URSS”.(IDEM). Em 1971, os EUA resolvem lançar as bases para aproximação com a China . Esta aproximação foi articulada por Henry Kissinger, Secretário de Estado do Governo Richard Nixon, e, prioritariamente, destinava-se a inserir um novo ator no cenário internacional, “criando uma espécie de tripolaridade estratégica que deixava a União Soviética em uma posição desvantajosa” (13) De acordo SHIOW SHYAN SHU, “com détente entre EUA e China já se delineava mais niditamente no início do anos 70, (...) foi considerada como uma estratégia para lidar com as variáveis estruturais do sistema internacional”. O reatamento diplomático, entretanto, só aconteceu em 1978 configurando uma nova “estratégica no continente asiático”. Bibliografia 1.
SOMBRA, José Flavio(organ) – Relações Internacionais: Dois séculos de História – Vol II-IBRI
2.
VIZENTINI, Paulo Relações Internacionais da Ásia e da África, pág. 48-Ed. Vozes.PÉ DE PÁGINA
3.
MEDEIROS, Carlos. China: entre os séculos XX e XXI. In VIZENTINI, Paulo Relações Internacionais da Ásia e da África-Ed. Vozes.
4. Il Libretto Rosso - Mao Zedong - Edicione Italiana – 1979. 5. VIZENTINI, Paulo Relações Internacionais da Ásia e da África, pág. 29-Ed. Vozes. 6. VIZENTINI, op. cit. 7. SHIOW SHYAN SHU, Silvana in A Inserção Internacional da China no Pós Guerra Fria, Org. Henrique Altemeni de Oliveira, PUC SP, 2010 8. VIZENTINI – op. citada 9. SOMBRA – op.citada, pág.50 10. Biografia di Mao Zedong – consulta www.bibliotecamarxista.org , consultada em 23.11.2011 11. SOMBRA , Op. cit. , pág. 56 12. MAGNOLI, Demétrio Relações Internacionais Teoria e História – 2010 p 111