Revista Acadêmica do Curso de Arquitetura & Urbanismo.

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A revista ARQADIA é uma publicação anual do Instituto de Ensino Superior Planalto IESPLAN. Tem seu prélançamento realizado na “Semana Acadêmica” geralmente em Outubro, e seu lançamento oficial por ocasião das comemorações do “Dia Nacional do Arquiteto”, 15 de Dezembro, natalício de Oscar Niemeyer.

SEPS AV. W5 Sul EQ 708/907 Lote B Asa Sul - Brasília - DF (61) 3442-6000 www.iesplan.br Mantenedor: Centro de Estudos Superiores Planalto Diretor-Geral: Prof. Reinaldo Hermedo Poersch Diretor-Administrativo: Profª. Christy Vieira Hutchison da Silva Diretor Acadêmico: Prof. José Leopoldino das Graças Borges Secretária Geral: Coordenador do Curso de Arquitetura & Urbanismo: Prof. Joanes Rocha, MsC. CONSELHO EDITORIAL Cátia Conserva, Eduardo Pereira, Edson Santos da Silva, Jansen Zanini, Joanes da Silva Rocha, Leonardo Palhano Xavier de Souza, Márcio Vianna, Tiago Lippold Radunz, Ademaro Mollo Júnior (in memoriam) EXPEDIENTE Organização: Márcio Vianna e Joanes da Silva Rocha Projeto da Revista: Márcio Vianna e Joanes da Silva Rocha Capa deste número: Revisão: Editoração Eletrônica: Apoio: Wanderson Borges e José Mamede


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Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação dos direitos autorais (Lei nº 9.610/1998 )

IESPLAN Editora ARQADIA: revista eletrônica do curso de Arquitetura & Urbanismo. Instituto de Ensino Superior Planalto- Faculdades Planalto. Departamento de Arquitetura & Urbanismo. – v.2, n.2 (2014)- . Brasília: Editora, 2014. Anual A partir de Janeiro 2013, disponível no portal em: http://www.iesplan.br Inclui Bibliografia e Índice 1. Arquitetura. 2. Urbanismo. 3. Instituto de Ensino Superior Planalto. Departamento de Arquitetura.

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, a posição desta Revista.


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EDITORIAL A Revista Acadêmica ‘arQadia’ do Curso de Arqutietura & Urbanismo do IESPLAN, em Brasília, nesta oportunidade coloca um foco especial sobre a questão do próprio ENSINO da Arquitetura e do Urbanismo. Incluem-se aí, obviamente, Pesquisa e Extensão como partes integrantes do mesmo tripé acadêmico. Neste número, com foco no ENSINO, entre os artigos apresentados, inserimos alguns que dizem respeito diretamente à temática do Ensino. Por exemplo, o Professor Frederico Carvalho (pag 09), num artigo sobre o tema do Ensino de A&U, traz uma abordagem vivencial sobre o aprendizado sensorial do fazer, produzir, Arquitetura. Noutro exemplo, o artigo do Professor Francisco Afonso de Castro Junior (pag 30) discorre sobre semelhanças e diferenças, proximidades e distâncias, entre os currículos do Curso de Arquitetura e de Engenharia, e sua interface. E outros artigos, nessa linha e suas proximidades. As fotografias integrantes deste número ─ nesta revista que filosoficamente tem procurado valorizar o potencial artístico e didático da Fotografia enquanto Arte, e a produção de seus alunos e professores neste âmbito! ─ nesta oportunidade são crédito de dois alunos que têm se destacado no tema: Priscilla Maciel Teixeira e Julianderson Brandão, cujas fotografias, uma difícil seleção tal a qualidade da produção de ambos no período, ilustram as páginas desta revista. São todas fotografias obtidas nas viagens acadêmicas institucionais, inclusive a capa, fotografia de Julianderson Brandão em Machu Picchu. A professora Lilian Neves discorre sobre o potencial das viagens acadêmicas, numa resenha à página 94, e neste mesmo contexto o professor Chico Junior apresenta um poema sobre Ouro Preto, na seção de Literatura à página . As viagens acadêmicas são tradicionais no Curso de Arquitetura & Urbanismo do Iesplan, desde 2001, constituindo uma de suas mais importantes atividades de EXTENSÃO. O convidado deste número é o arquiteto Luiz Philippe Torelly, pioneiro de Brasília na infância de ambos (Torelly & Brasília), formado na Universidade de Brasília, e hoje um dos diretores do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, IPHAN. Seu artigo na revista (pag 110) é providencial para os estudantes e para todos, pois discorre sobre nossos livros clássicos sobre a formação do Brasil, apresentando-os à juventude. Estes citados, entre outros artigos e seções, constituem o material produzido para o presente número da revista acadêmica. Não chega exatamente a constituir um dossiê, que seria um dossiê acadêmico sobre o próprio ensino de A&U, pois os temas e artigos apresentados versam também sobre outros aspectos da profissão, como tradicionalmente exige o espectro dos interesses sempre amplos de arquitetos e urbanistas. Tenham todos uma boa leitura. Sua opinião e colaboração será bem-vinda. “Fale conosco”: revistaiesplan.arq@gmail.com Brasília, 15 de Outubro de 2014 – Dia do Professor.


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Inhotim / MG em fotografia de Priscilla Maciel Teixeira

Cusco/ Peru em fotografia de Julianderson Brand達o


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Ouro Preto, em fotografia de Priscilla Maciel Teixeira


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Sabarรก / MG, em fotografia de Julianderson Brandรฃo


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SUMÁRIO Editorial

Pag 4

Fotografia > Priscilla Maciel Teixeira e Julianderson Brandão

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O Ensino de projetos em Faculdades de Arquitetura: uma abordagem vivencial – o Equilíbrio entre a Ciência e o Instinto > Frederico Luiz Sousa Aguiar de Carvalho

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A Importância da Interface entre os Cursos Arquitetura e Engenharia no Ensino Superior Francisco Afonso de Castro Junior

de >

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O Desafio da Inovação e de sua busca permanente enquanto objetos de Ensino: a contribuição dos Cursos de Arquitetura > Márcio Vianna

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Projeto nacional e apropriação local: preinfância > Catia dos Santos Conserva

Creche

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Aplicação de sinalização viva em Projetos Rodoviários > Lucinei Tavares de Assunção

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Fotografia > Julianderson Brandão

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Viagem Acadêmica: Bolívia e Peru, Julho 2013 > Lilian Neves

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Literatura > Francisco Afonso de Castro Junior

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Fotografia > Priscilla Maciel Teixeira

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Artigo de Aluno > Edgar Araújo da Costa

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Fotografia > Priscilla Maciel Teixeira e Julianderson Brandão

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Artigo de

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Arquiteto convidado

> Luiz Philippe Torelly

Fotografia > Julianderson Brandão

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O ENSINO DE PROJETOS EM FACULDADES DE ARQUITETURA:UMA ABORDAGEM VIVENCIAL – O EQUILÍBRIO ENTRE A CIÊNCIA E O INSTINTO Frederico Luiz Sousa Aguiar de Carvalho 1.

INTRODUÇÃO

Um dos objetivos deste artigo é tentar expor de forma clara o que pensa sobre o trabalho de projetar um arquiteto com quase quarenta anos de profissão, formado basicamente na escola da vida, entretanto obstinadamente observador dos ensinamentos vindos de excelentes arquitetos e engenheiros, com os quais teve a chance e o prazer de trabalhar. Outra meta é tentar apresentar aos alunos de arquitetura uma visão do processo projetual, fundamentado no estudo e na utilização simultânea dos diversos condicionantes que norteiam o projeto de um edifício. É fazer o aluno pensar arquitetura no espaço, jamais no plano, porque o edifício, ou qualquer outro mobiliário urbano, sempre fará parte da paisagem. Tentarei demonstrar também como é importante para o arquiteto dominar ao máximo várias disciplinas, tanto nas áreas técnicas quanto nas humanas, de forma a elaborar um projeto que revele qualidade em todos os seus aspectos. Arquitetura – como toda área de atividade que envolve aspectos subjetivos – provoca diferentes atitudes dos arquitetos, na escolha do melhor caminho a ser trilhado, em direção ao projeto que atenda plenamente às expectativas dos usuários do espaço criado. Tentarei neste artigo estabelecer uma trilha segura, por meio da qual o aluno poderá enveredar-se na busca de uma boa arquitetura. 2.

O TODO E A PROPORÇÃO

Grande parte da minha infância foi vivida na casa dos meus avós maternos, em São Cristóvão, subúrbio do Rio de Janeiro. O velho casarão da Rua Esperança ficava implantado em um grande lote plano, coberto por uma terra escura, que – no sufocante calor carioca – formava uma camada clara em sua superfície. Nesse quintal, passava tardes e manhãs desenhando com algum graveto, grandes imagens que povoavam minha imaginação de criança. Meu avô, velho arquiteto aposentado, distraía-se vendo meus desenhos na terra e brincava pedindo-me para desenhar as mesmas figuras, às vezes em tamanho real, a partir de vários começos diferentes. O cachorro que fazia parte da cena teria seu desenho iniciado pelo focinho, depois pelo rabo, e assim por diante. Hoje em dia, após quase quarenta anos de profissão, percebo como foram importantes para meu trabalho essas tardes e manhãs, nas quais eu cobria o quintal inteiro de figuras. O fato de estas serem feitas sobre um “papel” de 500 m2 obrigava-me a exercitar o cérebro no sentido de dominar a forma em grandes dimensões, estimulando a visão abrangente, importante no processo de


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projetar do arquiteto. Boa arquitetura deve ser pensada do macro para o micro, do geral para o específico, do todo para o uno. Por vezes, os desenhos ligavam-se tematicamente. O cowboy montado em seu cavalo galopava em direção a um índio que corria do outro lado do terreno, após passar por outra cena intermediária, e todas essas imagens – além de estabelecerem certa proporção entre si – precisavam adequar-se àquele grande papel.

No começo da minha carreira, tive como colega de trabalho um arquiteto que na época tinha 80 anos de idade e com o qual sempre mantinha agradáveis conversas. Certo dia, parado em frente à minha prancheta, observando o horizonte pela janela, esse sábio colega proferiu uma frase simples, mas para mim fundamental para o processo de projeto. Disse ele: “arquitetura é proporção”. Essa afirmação – embora um tanto simplista – revela o cuidado que o arquiteto deve ter com a relação entre as formas, os espaços e volumes, bem como, é claro, entre essas entidades arquitetônicas e as pessoas. Tudo isso em adequada proporcionalidade com a natureza do local ou a escala da cidade. O tema proporção será novamente abordado adiante neste artigo. 3.

CIÊNCIA X INSTINTO

Desde estudante, ouço conversas, presencio debates e leio artigos sobre qual deve ser a forma de pensar do arquiteto ao enfrentar o desafio de planejar. Qual o caminho a seguir? Por onde começar? A vertente científica é a mais correta, ou devemos fazer prevalecer nossa intuição? Análise ou síntese?


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Arquitetura é um dos campos de atividade da vida mais difíceis de serem exercidos em alto nível. São tantos os condicionantes que devem nortear um projeto de qualidade – e são tão requisitados os conhecimentos que o arquiteto precisa ter da sua profissão e de outras –, que me atrevo a dizer que não existe um edifício, uma intervenção urbanística, um jardim planejado, que dê ao seu criador plena satisfação quanto ao resultado concreto do seu trabalho. Haverá sempre um aspecto questionável em relação a algum ponto do projeto. Devido a essa grande complexidade e a liberdade de ação da qual o profissional dispõe, a arquitetura – diferentemente de outras áreas de atividade – é polêmica. Entretanto, as divergências na forma de enxergá-la são importantes, na medida em que não há arte, evolução e invenção sem controvérsias, e esses elementos necessitam estar presentes no trabalho do arquiteto. No que tange ao modo correto de abordar a questão projetual, as principais discussões giram em torno de como deve trabalhar a mente do arquiteto na fase criativa do processo. Existe uma divisão clara entre os que entendem a elaboração de um projeto a partir de análise fragmentada dos seus vários condicionantes e os que preferem seguir o caminho da síntese desses elementos. É o eterno confronto entre o pensamento científico e ordenado e o funcionamento espontâneo do cérebro. Um dos importantes arquitetos brasileiros, Sylvio de Vasconcellos, no Inquérito Nacional de Arquitetura, matéria do Jornal do Brasil de anos atrás, expõe sua opinião: O projeto é sempre uma síntese. Por conseguinte, tanto a intuição como o equacionamento dos dados objetivos devem ocorrer concomitantemente. Nesta duplicidade de coordenadas (engenho e arte) é que reside precisamente a dificuldade da arquitetura. Tanto mais capaz será o arquiteto quanto conseguir atender adequadamente a ambas as coordenadas. Acontece apenas que mesmo para o equacionamento dos dados subjetivos a intuição sempre deve estar presente como força criadora, necessária ao encontro de soluções. Não se pode considerar só a intuição em desapreço das condições arquitetônicas. Isso seria transformar a arquitetura em arte gratuita e alienada da realidade. Não se podem também considerar só os dados para mecanicamente resolvê-los. Isso seria reduzir a arquitetura a um processo mecânico de juntar elementos desinformados de conteúdo. O verdadeiro processo arquitetônico é aquele que coordena intuitivamente os dados objetivos. Arquitetura é uma soma, e não uma divisão; é síntese, e não análise... Mesmo assumindo posição clara na defesa da reflexão sintética, a afirmação anterior contém ressalvas em si própria, quando expõe a necessidade de haver equilíbrio entre a intuição do arquiteto e os condicionantes objetivos do projeto.


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Sobre esse texto, o Prof. Arq. Gunter Kohlsdorf, da Universidade de Brasília, em seu ensaio A avaliação de desempenho morfológico no desenho urbano, argumenta: Sem desconsiderar esta afirmação, porque ela tem uma validade relativa, insistimos que o caráter de síntese das atividades de projetação e desenho/planejamento é uma característica quiçá necessária mas seguramente não suficiente, por não ser essencial à definição do seu conceito. Sem querer transformar esta afirmação num ensaio, é interessante assinalar que analisar e sintetizar pressupõe decompor e recompor situações e, como tal, essas atitudes se dão e são necessárias tanto no nível das disciplinas de projeto e desenho/planejamento, quanto nas disciplinas outras (KOHLSDORF). O arquiteto e professor Matheus Gorovitz, em seu livro Os riscos do projeto, escreveu: É convicção generalizada que o trabalho científico é eminentemente analítico, enquanto o trabalho artístico é eminentemente sintético. Ainda que parcialmente verdadeiras, essas afirmações necessitam de uma exploração complementar, pois na verdade, tomadas em sentido exclusivo, conduzem a uma distorção da verdadeira essência desses trabalhos. E, em consequência, inibem o potencial criador que eles eventualmente possam realizar. Um pouco provocativamente, poderíamos dizer que o trabalho científico é antes de tudo precedido por uma ação intuitiva e sintética antes de se desenvolver em termos analíticos (GOROVITZ, Os Riscos do Projeto1993, pág. 13) A importância dessas reflexões vem do fato de que, como gêmeas xipófogas, síntese e análise são indissociáveis e caminharão sempre juntas, não importa a situação que for. Entretanto, a meu ver, o peso dessas duas formas de pensar no processo de projetação depende de basicamente três fatores. O primeiro seria a natureza do projeto. Programas complexos certamente exigem maior dedicação à análise dos condicionantes objetivos do projeto. Aeroportos, hospitais ou grandes intervenções urbanísticas, por exemplo, não devem ser concebidos sem estudo fragmentado dos fatores que influenciam em sua arquitetura. Dependendo do porte do projeto, por exemplo, matrizes funcionais devem ser elaboradas para que o prédio ou bairro “viva” adequadamente. O segundo aspecto importante na postura reflexiva do arquiteto é com certeza sua experiência. Profissionais mais experimentados tendem a sintetizar os dados do projeto com maior rapidez, elaborando atalhos mentais que minimizam o tempo de análise. O terceiro fator é o próprio temperamento do arquiteto responsável pelo projeto. Arquitetos cujos cérebros trabalham de


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forma racional e cartesiana certamente perderão um tempo maior na análise dos condicionantes do projeto. Por sua vez, arquitetos cuja natureza seja emocional e intuitiva inclinarão seus pensamentos no sentido da síntese desses condicionantes. Pessoalmente, entendo o processo de projeto em três etapas: um momento de síntese dos dados recém-recebidos pelo cérebro estabelecendo o conceito primordial do projeto, seguida de um trabalho de análise desses dados, e, finalmente, outro trabalho de síntese fechando o partido arquitetônico. 4.

O CAMINHO

O tipo de informação que um professor de disciplinas de projeto passa aos alunos é evidentemente influenciada por sua formação e sua personalidade; contudo, quase todos tentam expor o aluno a uma situação de projeto real. As primeiras aulas de uma disciplina de projeto devem ser expositivas, quando o professor, além de apresentar seu plano de curso, montará o programa de necessidades do tema a ser desenvolvido. Isso deve ser feito de preferência com a participação dos alunos, explicando-se detidamente cada aspecto do objeto. Deve também – e principalmente – marcar claramente como, enquanto profissional, encara a elaboração de um projeto de arquitetura, em todas as suas etapas. Exponho a seguir meu método. Após a montagem do programa, os alunos visitarão o terreno acompanhado do professor, que no local dará as primeiras orientações de projeto, baseadas no que o sítio físico apresenta. Essa aula externa deverá mostrar ao aluno toda a ambientação física e emocional da área, e a certeza que a arquitetura que ele fizer – se divorciada ou em confronto severo com a natureza – será má arquitetura. O saudoso arquiteto e professor Gladson da Rocha prezava tanto a visita ao terreno, que sempre dizia do alto da sua grande sabedoria: “é preciso calmamente tomar um café no boteco da esquina”. Após a visita, ou em algum momento estratégico ao longo das aulas iniciais, o professor deverá promover uma ou mais visitas acadêmicas a edificações similares ao proposto para o semestre. A ida à área de intervenção marcará o início do momento de síntese inicial, quando recomendo aos alunos apenas que pensem no que viram, nas informações que receberam até então, e que comecem a processar dentro do cérebro uma proposta conceitual para o tema. A importância do pensar antes de desenhar me foi ensinada um dia por um dos maiores arquitetos brasileiros, João Filgueiras Lima, o Lelé, com quem tive a honra de trabalhar. Disse-me ele: “arquiteto antes de sentar na prancheta precisa estar com o projeto resolvido na mente”.


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Ou seja, esse tempo de pensar é o mais importante de todo o projeto. Depois desse período de reflexão, entendo que um sério trabalho de análise deverá ser feito, baseado em todos os dados objetivos e subjetivos de tal projeto. Os alunos analisarão cada aspecto que influencia diretamente no projeto e darão os primeiros traços. Nesse momento, oriento os alunos a não usarem escala nos primeiros esboços, a trabalharem apenas com a proporção entre os elementos do desenho. Dessa forma, terão a liberdade de criar espaços e volumes sem o grilhão da medida matemática. Certamente, a curva que fizerem ou a composição que desenharem sairá mais bela. Peço também para eles desenharem o que têm em mente no plano e no espaço, em duas e em três dimensões. Uma maquete volumétrica nesse momento é imprescindível. 5.

OS CONDICIONANTES DO PROJETO: A ANÁLISE

Considero como condicionantes de um projeto arquitetônico os seguintes aspectos: 

A forma;

A função;

O sistema construtivo;

O sitio físico;

A economia;

A cultura local;

A legislação; e

O emocional.

Os três primeiros aspectos seguem a tríade vitruviana (firmitas, utilitas e venustas), que – com o sítio físico – constituem, a meu ver, as diretrizes fundamentais de qualquer projeto. As outras dimensões, embora importantes, são complementares ou seguem naturalmente na esteira das primeiras. Determinada estrutura, por exemplo, que, por sua forma, atenda ao programa de necessidades previsto e se adeque plenamente ao terreno, certamente será uma solução econômica, caso se usem materiais de fornecedores da região e se mantenha a cultura construtiva local. 5.1. A FORMA Hierarquicamente, julgo ser a forma o principal aspecto a ser considerado na feitura de um projeto. Afirmo isso porque esta se relaciona diretamente com todas as outras dimensões e é fator determinante em todas as ações de projeto. Na volumetria da


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composição, no traçado geométrico do estacionamento ou na curva do arco, o exercício da forma estará sempre presente. Entretanto, em minha opinião, a forma não deve ser usada gratuitamente, sob o risco de tornar-se meramente ornamento. Precisará sempre possuir uma verdade por trás simplesmente da beleza. Poderá ser uma verdade construtiva, funcional, ou até mesmo simbólica. Deve ter substância, não ser vazia. O perfil transversal da marquise do Hospital Sarah de Brasília é um bom exemplo do que foi afirmado anteriormente. O desenho da marquise (forma) define claramente os espaços a serem ocupados pelas pessoas e pela ambulância (função), e a cor em alaranjado chama atenção e direciona o público para a entrada (função). A estrutura metálica, por ser mais flexível, permite maior balanço com a esbeltez adequada (sistema construtivo). Percebe-se também a preocupação com a insolação e a localização em via secundária para facilitar o acesso ao hospital (sítio físico).

Um exemplo teórico: um edifício industrial a ser projetado necessitará certamente de áreas de estocagem e processamento, nas quais o trânsito de operários, carrinhos e máquinas deve ser facilitado ao máximo (função). Para isso, a escolha da estrutura de cobertura do prédio deverá ser feita a partir de soluções que permitam grandes vãos, como treliças, pórticos e arcos (sistema construtivo). Tomemos o arco como exemplo, sua curva (forma) e o material empregado na sua execução (sistema construtivo) são o que define sua capacidade de cobrir grandes áreas.


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Ao colocarmos um shed nesse arco, com seu costado voltado para o vento dominante, dotaremos o ambiente de poderoso exaustor natural (sítio físico), no qual o perfil do edifício se altera (forma).

Caso a declividade do terreno permita (sítio físico), podemos usufruir de um semienterrado (função).

Se esse prédio for construído com tecnologia local e com materiais adequados à sua proposta funcional (sistema construtivo), não tenho dúvidas que seus custos de implantação e manutenção serão enxutos (economia). Tudo isso, é claro, de acordo com o código de obras local (legislação). .............................. Abro espaço neste artigo para dissertar a respeito da importância do conhecimento da geometria (nas três vertentes


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tradicionais: plana, descritiva e desenho formação do bom arquiteto de projetos.

geométrico)

na

O valor da geometria reside fundamentalmente em sua ligação forte com o homem e a natureza, além de suprir o estudante de informações que certamente o ajudarão a pensar e fazer arquitetura. Nigel Pennick, em Geometria sagrada, escreveu: A geometria existe por toda parte na natureza: à sua ordem subjaz a estrutura de todas as coisas, das moléculas às galáxias, do menor vírus a maior baleia. Apesar do nosso distanciamento do mundo natural, nós, os seres humanos, ainda estamos amarrados às leis naturais do universo. Os artefatos singulares planejados conscientemente pela humanidade também têm sido baseados, desde os tempos mais antigos, em sistemas de geometria (PENNICK, Geometria sagrada, 1980, pág.7). A evolução na maneira de pensar arquitetura é inexorável e imprescindível; entretanto, não devemos abandonar certos princípios fundamentais que jamais morrerão.

Montagem

geométrica

fachada do Partenon

da

Montagem

geométrica

do

perfil da Grande Pirâmide

5.2. A FUNÇÃO Os condicionantes funcionais de um projeto são ligados ao programa de necessidades do edifício.

intimamente

A análise dos aspectos funcionais de um projeto deve ser iniciada pelos fluxos externos de pedestres e veículos para o acesso à edificação. Analisam-se as principais vias de acesso ao local e verifica-se a separação entre ruas e estacionamentos. Estudam-se também os caminhos a serem percorridos pelos usuários a pé.


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Passa-se, então, aos fluxos internos, que deverão cumprir as intenções e as necessidades das pessoas que utilizarão o prédio, ou dos produtos produzidos neste. Estuda-se a ergonomia de cada espaço relacionado no programa, levando-se em conta o convívio entre seres humanos, máquinas e mobiliário. Segundo o professor Gunter Kohlsdorf: A vertente funcional possui um sentido basicamente operativo e vincula-se a finalidades essencialmente utilitárias. Preocupa-se com características dos lugares relevantes para as atividades relacionadas tradicionalmente aos processos de produção, distribuição e consumo, e que nos fornecem os clássicos conceitos de trabalhar, morar, circular, descansar, abastecer-se, divertir-se, etc. (KOHLSDORF, Avaliação do desempenho morfológico no desenho urbano). 5.3. O SISTEMA CONSTRUTIVO A natureza do projeto, o hábito construtivo local, os materiais fornecidos na região e os recursos disponíveis geralmente dirigem a escolha do sistema construtivo. Indústrias, ginásios esportivos, ou outras edificações que exijam grandes áreas livres conterão elementos projetados para vencerem grandes vãos, como arcos, treliças, tesouras, pórticos ou estruturas tensionadas. Residências permitem maior liberdade na técnica construtiva adotada. Pode-se usar praticamente qualquer processo, desde os mais primitivos – como adobe e sopapo – até sistemas tecnologicamente contemporâneos. Edificações que se multipliquem em quantidades – como escolas públicas e postos de saúde –, porém mantendo a mesma tipologia, devem ser erguidas por processos pré-fabricados. A tecnologia aplicada no edifício, na verdade, deve seguir sua “cara” funcional. Cada prédio possui personalidade própria. Alguns têm a eficiência como mote, como fábricas e oficinas. Nesse caso, a tecnologia usada será austera e de fácil manutenção. Outros prédios possuem necessidades tecnológicas mais refinadas, como teatros, hotéis e restaurantes. Enfim, para cada tema a ser desenvolvido, o arquiteto precisa ter a sensibilidade de identificar esse rosto e utilizar a tecnologia adequada para revelá-lo ao mundo. Para que a opção pelo sistema construtivo seja coerente com a situação apresentada, o arquiteto precisa ter experiência em canteiros de obra. Aliás, como ouvi certa vez de um grande arquiteto, “o arquiteto deve entregar as chaves da casa ao cliente”. O trabalho do arquiteto não pode se esgotar no projeto. É importante que ele conheça ao máximo os procedimentos e os materiais usados em obra. Além disso, precisa também ter


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familiaridade com sistemas estruturais e de instalações, para que possa coordenar projetos complementares e defender sua criação de possíveis agressões construtivas. Quando o arquiteto for conversar com um calculista, por exemplo, já deverá ter feito todo o lançamento estrutural do edifício. Afinal, estrutura é arquitetura. 5.4. SÍTIO FÍSICO Escrevi anteriormente que arquitetura divorciada da natureza é má arquitetura. Essa afirmação, entretanto, necessita ser complementada. Não estou dizendo com isso que nada pode ser feito que altere a paisagem ou a topografia existente, que vivamos em uma clareira na selva. O trabalho do arquiteto, quando interage sua criação com a natureza do local, será de utilizar as benesses que esta certamente trará ao edifício, e não de aviltá-la. Para isso, terá de analisar alguns pontos fundamentais, descritos a seguir. 

O movimento do sol O clima da região do projeto deverá ser estudado como um todo. Projetar para Curitiba é diferente de projetar para Manaus. As características arquitetônicas das edificações são forçosamente diversas. Entretanto, um elemento fisiográfico, a meu ver, destaca-se: a insolação. O conhecimento e a utilização adequada da insolação do terreno é imperativo na concepção do edifício, que, se for mal orientado em relação aos pontos cardeais, poderá até se tornar inutilizável. Os alunos deverão, nessa fase, estudar a carta solar da região e definir quais fachadas serão expostas e quais serão protegidas. Os ambientes que serão insolados, os que terão a incidência solar restrita ou filtrada e os que não podem receber sol de forma alguma. Estudarão também o efeito da radiação solar sobre os materiais a serem usados no prédio e os materiais que não se utilizarão em hipótese alguma. Deverão analisar também o emprego de proteções arquitetônicas como brises, pestanas, beirais e cobogós. O sol da manhã é saudável ao ser humano, sendo usado inclusive terapeuticamente, quando se projetam solários para pacientes em hospitais. O sol da tarde é mais agressivo e não deve incidir em ambientes de permanência prolongada. Todavia, é importante para setores de serviço ou em sanitários. É o sol que desinfeta, mata germens, bactérias e outros microrganismos. Uma questão de higiene da edificação. Todas as decisões dos alunos referentes aos efeitos da insolação nos projetos devem ser acompanhadas por professores da área de conforto ambiental.


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A topografia Tenho questionamentos quanto ao formato do ensino de topografia, que normalmente é aplicado em escolas de arquitetura. Na maioria das vezes, as aulas são ministradas por engenheiros ou topógrafos, que ensinam aos alunos pouco mais de como fazer um levantamento planialtimétrico. O que precisa ser ensinado, e nesse caso o professor deve ser um arquiteto, é como acomodar sabiamente uma edificação em um terreno, de modo a mantêla conceitualmente correta no que tange à sua arquitetura, sem agredir a natureza presente. É importante também o aluno ser orientado a ler e interpretar um levantamento planialtimétrico, para, em seguida, usá-lo em seu trabalho projetual. É obvio que o estudante de arquitetura precisa conhecer também o trabalho de um topógrafo. Esse profissional – além de executar e desenhar o levantamento que embasará o pensamento do projetista – será também o braço direito do arquiteto quando este for locar a obra, ou nivelar pilares metálicos, por exemplo. Um ótimo topógrafo de Brasília, Gilson Pena, falou-me certa vez – com uma simplicidade de um monge, mas profunda sabedoria – que o importante para o arquiteto em relação ao trabalho dele é “saber pedir”. É a mais pura verdade.

Os ventos e as chuvas Os alunos estudarão o efeito, sobre o edifício, de ventos dominantes e chuvas na região. Quais os setores que receberão ventilação cruzada e quais os que não devem. O efeito dos ventos sobre setores do edifício, com o uso de elementos como sheds, lanternins ou exaustores eólicos. A implantação de artifícios como espelhos d’água umidificadores de ambientes, difusores, etc. A proteção contra chuvas de vento, poeira e outras agressões externas ao prédio.

A paisagem e a vegetação Qualquer artefato arquitetônico produzido pelo homem fará parte da paisagem. Nesse sentido, deve o professor induzir o aluno a valorizar a paisagem existente com a própria arquitetura. Os pontos de vista a partir da edificação para o exterior também deverão ser avaliados pelos alunos, assim como a visão do exterior circunvizinho em relação ao prédio a ser projetado.


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Analisa-se também a vegetação natural do terreno, considerando-se seu aproveitamento no projeto. As árvores nativas devem ser ao máximo ser preservadas, e as que forem plantadas devem ser pensadas no âmbito do projeto paisagístico não apenas como elementos estéticos, mas também como geradoras de microclimas ou protetoras contra ventos, poeira e insolação excessiva. Todo o trabalho de concepção paisagística dos alunos deve ser acompanhado pelos professores da área específica de paisagismo. 

Acessos Todos os acessos ao terreno serão estudados, sejam estes por terra, ar ou água. Sejam para pedestres, automóveis, caminhões, motos, bicicletas, aviões ou barcos. A malha urbana periférica, com ênfase nas principais vias de acesso, deverá ser analisada de forma a facilitar – ou, em alguns casos, até mesmo dificultar – o acesso de pessoas e veículos. A questão dos acessos ao terreno será também estudada nos aspectos funcionais do projeto, quando forem pensados os fluxos externos ao edifício.

5.5. A ECONOMIA Os aspectos econômicos a serem considerados no processo de projeto dizem respeito basicamente aos custos de implantação e manutenção do prédio a ser erguido. Para isso, os alunos deverão ser nutridos de informações relativas ao uso de materiais e técnicas construtivas adequadas ao tema proposto, assim como os custos de materiais e serviços de obra relativos a este tema. Deverá também o professor orientar a turma quanto ao trabalho de manutenção predial e seus custos. Essas análises serão realizadas, entretanto, sem perder de vista o que mencionei anteriormente sobre a interação natural entre os condicionantes do projeto. Um projeto bem- conceituado e desenvolvido será, com certeza, economicamente adequado. 5.6. A CULTURA LOCAL No início da minha carreira, tive a oportunidade de projetar diversos terminais pesqueiros em vários pontos do país. Como eram destinados à pesca artesanal, pude percorrer desde pequenas vilas de pescadores até cidades bem organizadas. Por essa experiência fantástica que pude vivenciar, aprendi a observar e respeitar a cultura arquitetônica da região e os métodos construtivos locais.


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Certa vez, em Porto Belo, Santa Catarina, estava conversando com um construtor local sobre a estrutura de cobertura em arco treliçado que seria usada. Preocupava-me o fato do terminal ser à beira-mar e a maresia agredir a estrutura, ainda que esta fosse de aço com características anticorrosivas. Sugeriu-me ele então que esse arco fosse construído em madeira, pois seria a técnica construtiva local. Assim foi feito, com ótimo resultado. É necessário passar aos alunos a ideia de observância, não só às tradições arquitetônicas locais, como também ao que se faz atualmente na região. A opção por materiais de fornecimento mais fáceis e adequados à situação local. Além disso, o professor deverá apresentar aos alunos um cenário da cultura arquitetônica local, induzindo também o aluno ao trabalho de pesquisa. 5.7. A LEGISLAÇÃO O trabalho do arquiteto precisa sempre respeitar a legislação existente. Códigos de obra, normas técnicas ou quaisquer outras normatizações devem ser atendidos. A meu ver, contudo, cabe ao professor alertar os alunos quanto ao risco de conceber um partido arquitetônico “com o livro de normas debaixo do braço”. O arquiteto muito preso a normas acaba tendo sua criatividade engessada por estas. “O bom arquiteto está acima de qualquer norma”. Esta afirmação – que já testemunhei vinda de um excelente profissional – pode parecer pretensiosa, porém revela apenas que o arquiteto precisa ter o conhecimento técnico, a sabedoria e, principalmente, o bom senso ao projetar. Os alunos de arquitetura devem ser instruídos a enxergar a legislação como “um livro de consultas”, um grave conselheiro sempre presente em momentos de exacerbação criativa. Algo de fundamental importância quando o projeto entra na fase de desenvolvimento, mas de consulta eventual quando de sua conceituação. 5.8. O EMOCIONAL Penso que a boa arquitetura precisa conter alguma invenção. Não significa isso que deva apresentar soluções complexas e caras. Um projeto minimalista pode surpreender e provocar sentimentos agradáveis nas pessoas. Os alunos precisam ser conscientizados que arquitetura, em alguma medida, tem o poder de influenciar as pessoas. Quem não se emociona ao penetrar pelo túnel escuro de acesso à Catedral de Brasília e sair naquela amplidão de luz e beleza da nave central? A surpresa e o inesperado fazem parte da boa arquitetura. Em contrapartida, a arquitetura mal concebida ou feita desonestidade poderá causar sensações ruins nas pessoas.

com


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Arquitetura também pode educar quando propõe espaços dignos para as pessoas habitarem, trabalharem ou divertirem-se. O exemplo é tudo. Acredito, porém, que, para o projeto ou a obra emocionarem quem os aprecia, é necessário que esse sentimento seja derramado pelo arquiteto em sua criação. A emoção é que impulsiona o arquiteto. 6.

O CALDEIRÃO DA BRUXA: A SÍNTESE

Costumo brincar seriamente com os alunos que, depois de analisarem detidamente cada condicionante do projeto, deverão misturar tudo em um grande caldeirão de bruxa, para de lá, magicamente, surgir um partido arquitetônico. É claro que essa figura fantasiosa de linguagem se refere ao trabalho de síntese e conceituação final do projeto. Não consigo ver uma fronteira rígida entre o trabalho de análise e síntese no processo projetual. Parece-me que, à medida que analisa os diversos aspectos que orientarão seu projeto, o arquiteto vai aos poucos formando um pensamento sintético. Essa afirmação reforça a ideia de que síntese e análise sempre habitarão a mente do arquiteto em seu trabalho cotidiano. Os alunos precisam ser orientados a nunca usar somente o instinto em seus projetos – pois não é uma postura profissional adequada a um arquiteto –, nem aplicar apenas seus conhecimentos científicos – porque estará dessa forma praticamente abdicando da beleza, e um dos objetivos de vida do arquiteto é sempre perseguir o belo. 7.

UM ESTUDO DE CASO

Apresento a seguir, como exemplo, o anteprojeto desse edifício, no qual procurei demonstrar, de forma resumida, o processo relatado neste artigo. Fui contatado pelo Setor de Arquitetura do Hospital Universitário de Brasília (HUB) para projetar um novo ambulatório a ser construído ao norte do complexo hospitalar. Após o contato inicial, foram promovidas algumas reuniões de trabalho com representantes do HUB, quando foram discutidos o programa de necessidades do edifício e, como indicado pelo setor de arquitetura do hospital, o terreno do novo edifício. Uma das solicitações por parte desse hospital foi ter um prédio que fosse de utilização flexível, que amanhã pudesse comportar outra função, que não restritamente um ambulatório. A área que deverá abrigar o edifício está incluída no mesmo terreno onde se localiza uma clínica odontológica pertencente ao HUB, como demonstra a imagem a seguir.


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Depois de visitar o terreno, comecei a sintetizar os pensamentos em direção a uma arquitetura que atendesse plenamente às necessidades do cliente. De modo intuitivo, percebi a divisão dos fluxos de acesso ao terreno e ao edifício, a idealização de sistema construtivo que atendesse às expectativas de flexibilização pedidas pelo cliente, assim como as características do sítio físico e a conversa formal com o prédio existente, pois farão parte do mesmo conjunto. Como as informações preliminares sobre as normas de postura do local já haviam sido fornecidas, iniciei o trabalho mental de conceituar o edifício como um todo e tentar “ir para a prancheta com o projeto resolvido na mente”. Após breve período de reflexões, foram analisados os condicionantes do projeto, ao mesmo tempo em que os primeiros desenhos foram esboçados. Como se deve trafegar pelo projeto do geral para o específico, a análise foi iniciada pelos acessos possíveis ao terreno e aos fluxos externos de pedestres e veículos. Foi estudada também a separação dos diferentes públicos usuários do edifício. As duas vias de acesso à área de intervenção são a L2 e a L3 norte. Pela L2, deverão chegar os pacientes a pé ou de carro; pela L3, os professores, os médicos e os alunos de medicina vindos da UnB. Existe, nessa organização funcional, a preocupação desde o início em separar público e técnico. Um dos fundamentos de qualquer arquitetura hospitalar.


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Por esse desenho, é possível definir claramente duas entradas para o edifício. Uma para pacientes vindos da L2 e do HUB, outra para médicos, professores de medicina e alunos, além da entrada de veículos para os dois subsolos de garagem permitidos pela legislação. De forma a atender ao pedido de maior maleabilidade funcional do prédio, propôs-se o uso de grandes treliças em aço nas maiores fachadas, para eliminar duas linhas de pilares, além de fornecer uma “cara” ao edifício com o próprio lançamento estrutural. Afinal, estrutura é arquitetura. O uso da estrutura metálica justifica-se pela rapidez de montagem, leveza e ausência de fatores mais agressivos ao aço, como a salinização do ar. No corte a seguir, vemos os dois andares de subsolo e os três pavimentos permitidos pela legislação. O caimento do telhado foi voltado para o norte, pois, além de proteger mais a edificação em uma fachada mais insolada, permite o uso de placas solares para geração de energia. Pode-se notar também as lajes em sistema de grelha – de forma a vencer vãos maiores com menores alturas de vigas – e permitir, portanto, um espaço generoso entre o forro e a laje para passagem livre de qualquer tipo de instalação. As lajes são escalonadas para que um pavimento proteja o debaixo.


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O desenho a seguir reproduz a conceito básico do sistema construtivo, ressaltando a estrutura mista em aço e concreto. A conceituação funcional do edifício norteou na divisão de circulações de público e técnicos. Adotou-se como partido um sistema de retângulos concêntricos, com os pacientes ocupando a parte central e os médicos, enfermeiros e técnicos, a periferia. Ad quadratum segundo a geometria tradicional.


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A planta do pavimento-tipo a seguir arquitetônico descrito anteriormente. A conceituação funcional do edifício circulações de público e técnicos.

reflete

norteou

na

o

partido

divisão

de

Adotou-se como partido um sistema de retângulos concêntricos, com os pacientes ocupando a parte central e os médicos, enfermeiros e técnicos, a periferia. Ad quadratum segundo a geometria tradicional.

A facilidade de manutenção é um dos pontos que o arquiteto precisa perseguir no projeto de uma unidade hospitalar. Nesse sentido, foi criado um sistema de shafts, os quais se ligam ao entrefôrro e permitem que as instalações sejam facilmente visitáveis.


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 

 

A forma do edifício foi gerada em atenção a alguns aspectos: O formato da área disponível, que - embora seja parte de um terreno maior – ocupará trecho de aproximadamente 50m x 50m, favorecendo uma planta próxima ao quadrado. Os condicionantes fisiográficos, como proteção solar (empenas inclinadas para um pavimento proteger o inferior) e insolação em placas eletrovoltáicas (telhado inclinado em direção ao norte). Criação de um espaço técnico superior, onde foram localizados os reservatórios cilíndricos horizontais de água fria e quente. Diálogo formal com o edifício existente no terreno.


29

8.

CONCLUSÃO

O estudante de arquitetura necessita desenvolver o sentido de proporção e a visão abrangente dos espaços, para que tenha o domínio das soluções projetuais elaboradas do geral ao específico. Esse aluno precisa também ser instruído a enfrentar o processo de conceber um edifício, ou uma intervenção urbanística, trabalhando a mente de modo sintético ou analítico, conforme o momento do trabalho. As duas formas de pensar – embora contraditórias – precisam caminhar juntas ao longo do processo, surgindo na mente do estudante em períodos alternados, porém sem fronteiras rígidas. Após conhecer o programa e visitar a área de intervenção, o estudante passará por um momento de síntese – quando a reflexão é mais importante que a ação –, que evolui para um trabalho de análise dos condicionantes do projeto e acaba em outro período de síntese – quando esses condicionantes são reunidos em um partido arquitetônico. Bibliografia KOHLSDORF. G. A avaliação de desempenho morfológico no desenho urbano. GOROVITZ. M. Nobel,1993.

Os

riscos

do

projeto.

São

Paulo:

Edunb/Studio

PENNICK. N. Geometria sagrada. São Paulo: Ed. Pensamento,1980.


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A IMPORTÂNCIA DA INTERFACE ENTRE OS CURSOS ARQUITETURA E ENGENHARIA NO ENSINO SUPERIOR

DE

FRANCISCO AFONSO DE CASTRO JÚNIOR 1 INTRODUÇAO O arquiteto é o idealizador e coordenador de várias dimensões do projeto arquitetônico. É indispensável que entenda de disciplinas técnicas, mais especificamente de estrutura a fim de que possa obter controle e qualidade em todo o processo de projetação. A associação entre arquitetura e estrutura ocorre nos primeiros traços delineadores do projeto arquitetônico. O arquiteto é o agente responsável por essa integração elementar entre os campos da engenharia e da arquitetura. Compete-lhe a faculdade global das ações a serem desempenhadas no sentido de promover ao máximo a integridade formal do projeto. “Uma obra arquitetônica é única e indivisível, deve ser concebida como um todo formal, funcional e técnico. [...] O arquiteto necessariamente deve dominar o conhecimento, a estratégia e a arte do projeto estrutural” (DIEZ, 2012, p.11). Para o campo da arquitetura, não se faz necessária a exatidão dos cálculos físico-matemáticos da engenharia. Ao contrário, faz-se necessário o rigor dos conceitos estruturais, o rigor de suas aplicabilidades, o rigor do equilíbrio, princípio fundamental e inerente aos campos da arquitetura e da engenharia. Em contrapartida, na engenharia é primordial o entendimento de que a solução estrutural extrapola as fórmulas e os resultados uma vez que a estrutura existe para possibilitar o desempenho das atividades humanas, das mais básicas às mais complexas. A principal função da estrutura é a de manter a edificação estável e segura para o suprimento de seus usuários ao mesmo tempo que viabiliza os espaços arquitetônicos e seus respectivos usos. Portanto, a arquitetura perderia o seu propósito sem a completude estrutural e a engenharia civil inexistiria não fosse as necessidades espaciais e funcionais do ser humano. Fica claro aqui a relação intrínseca entre os dois cursos. Quaisquer sejam as discussões e debates no intuito de resgatar a verdadeira interseção entre estes campos, são de todo positivas. Com efeito, não se pretende com este artigo proximidade com enorme grandeza de especulações e, menos ainda, o retorno à definitivas soluções. A pretensão aqui é a de fixar a direção e o sentido do caminho a ser tomado o qual, neste caso, é consumado no despertar da discussão sobre o tema. A revisão bibliográfica visou identificar material acadêmico até então produzido acerca da interface entre os cursos de arquitetura e de engenharia, ou seja, formatar a massa crítica a respeito do tema.


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A arquitetura praticada, independentemente do período histórico, possui exemplos ótimos de solução espacial e de estrutura, evidenciando, ora para mais, ora para menos, a relação essencial dos dois universos. Neste sentido, a pesquisa e o levantamento de “exemplos arquitetônicos chave” que demonstrem com clareza técnicas de elaboração de estruturas, sistemas estruturais e de diferentes arranjos espaciais, se submetem ao exercício atemporal para a compreensão do tema. Novas pesquisas neste sentido, isto é, na leitura, no exame e na avaliação da atual situação acadêmica, produzirão diretrizes outras para a integração dos dois campos concorrentes. Diante destas premissas, o ponto de partida deste debate foi a constatação de que os cursos superiores de arquitetura e engenharia civil não possuem uma interface adequada às exigências das profissões. Inúmeros temas que devem ser compartilhados nos dois territórios estão sendo relegados a um segundo plano. O que pode ser feito para alterar este cenário, com vistas à uma adequada interface entre os cursos de Arquitetura e Engenharia Civil? É nesse contexto que se insere o presente artigo. Fomentar a discussão junto aos acadêmicos e profissionais da arquitetura e da engenharia sobre a importância da interface entre os cursos superiores com vistas a uma melhor formação e qualificação de seus corpos discentes. 2 DESENVOLVIMENTO 2.1 Associação entre Arquitetura e Engenharia Por meio de uma rápida visita à história arquitetônica da humanidade, é possível “comprovar” a ligação essencial entre a arquitetura dos espaços e dos usos e a engenharia dos sistemas estruturais. Alguns sistemas e soluções podem ser encontrados “prontos” na natureza ou como resultado da intervenções do homem. Faz-se mister a solidificação deste conceito para que não sobrevivam dúvidas a respeito da associação entre a arquitetura e as estruturas (engenharia), mote deste artigo. Um exemplo dos mais remotos, provavelmente, seja a caverna, espaço de abrigo para o estabelecimento do homem e ambiente seguro para a perpetuação da espécie. Sobre o vão livre da caverna encontra-se uma grande cobertura que atua como um sistema estrutural eficaz. Para um melhor entendimento do caso, é possível se fazer uma analogia da caverna como sendo um enorme arco de massas de pedra que, comprimidas, permitem a existência do vão.


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Figura 1: A caverna e o arco. Relação essencial entre arquitetura e engenharia; espaço e uso, sistema e solução estrutural. Desenho do autor. Fonte: Internet domínio público.

Não fosse a capacidade das rochas em resistir à compressão e ao “formato curvo” do teto das cavernas, certamente o conjunto não suportaria e entraria em colapso. Por volta de 1.500 a 900 a.C., na vertente oriental do Glaciário da Cordilheira Branca servida pelo rio Mosna, no Peru, desenvolveu-se uma das mais surpreendentes civilizações andinas conhecida como Chavin de Huántar, organizada e pioneira nos campos da arquitetura, engenharia e escultura (CUNHA, 2009, p.133). Seus projetistas desenvolveram uma solução estrutural muito eficiente para o vencimento de vãos e para aberturas de acesso a espaços cobertos, conhecida como Lintel. Trata-se de uma viga feita de pedra maciça polida com poucos metros de comprimento e que, além de servir como cobertura, suportava as cargas sobre ela impostas.

Figura 2: O uso do Lintel como vencimento de vãos e formatação de aberturas para acesso a espaços cobertos. Fonte: (CUNHA, 2009).

Pode-se observar nesta solução arquitetônica e estrutural, basicamente, o mesmo conceito do sistema natural das cavernas com a notória diferença da cobertura feita por barras de pedra polida. As pedras, por sua vez, não podiam ser muito compridas devido à sua baixa resistência à tração. Entretanto, a intenção espacial dos “projetistas” foi a mais racional possível, já que buscavam o menor caminho entre dois apoios,


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quer dizer, a reta, a barra, a viga, utilizando o material mais resistente disponível no período e passível de ser moldado: as pedras. Um exemplo emblemático e mais recente de explícita relação entre arquitetura e engenharia é o edifício do Masp1 em São Paulo. O projeto foi elaborado pela arquiteta ítalobrasileira Lina Bo Bardi que trabalhou sob dois condicionantes: preservar a vista para o centro da cidade e para a Serra da Cantareira através do vale da avenida 9 de Julho. Estas diretrizes levaram a arquiteta a “suspender” o edifício por meio de 02 vigas assentadas sobre 04 pilares. Juntamente com os engenheiros responsáveis pelo cálculo estrutural, decidiu adotar o sistema de vigas bi apoiadas2 diferentemente do sistema de pórticos3 como se apresenta o conjunto; na verdade as vigas apoiam-se sobre 02 rótulas de aço (articulações) que permitem a rotação em um de seus eixos. Esta característica diminuiu em grande monta os esforços nos pilares e nas fundações, racionalizando a estrutura e permitindo uma melhor utilização dos pavimentos sob o solo. Associação perfeita entre arquitetura e atividade humana e engenharia e equilíbrio e resistência do material (REBELLO, 2006, p.4).

Figura 3: O Masp e a estreita inter-relação entre os campos da engenharia e da arquitetura. Fonte: internet domínio público.

2.2 A Questão Profissional Basicamente, a prática da arquitetura e das construções, em sua grande maioria, se deu de forma empírica. Até hoje, mesmo com o absurdo avanço da tecnologia e dos materiais, o sistema capitalista e a ordem mundial ainda não foram capazes de solver 1

Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand.

2

Viga que é apoiada (sustentada) sobre 02 pilares.

3

Sistema estrutural formado pela associação de 1 viga e 02 pilares em

que as articulações entre os elementos (junções) são enrijecidas aumentando a capacidade estrutural do conjunto.


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o problema da moradia e do uso dos espaços públicos, isto é, da cidade. O grosso da humanidade se vê obrigado a solucionar empiricamente seus contextos espaciais de moradia e trabalho. Somente com o desenvolvimento da ciência no final da Idade Média, a engenharia e a arte das edificações passaram para o campo dos cálculos, dos métodos e dos experimentos. É neste período, mais precisamente com o advento do Renascimento, que inicia-se o viés profissional da arquitetura e das construções. O mestre, encarregado do projeto e das construções, progressivamente direciona sua atenção para o universo humano, retomando as rédeas do seu destino e libertando-se das pressões religiosas sofridas durante os séculos passados. Este estado de espírito que toma conta das cidades europeias faz surgir o “profissional da arquitetura” que passa a projetar, não e tão somente para a igreja e a nobreza, mas para mercantes, comerciantes e políticos precursores de uma burguesia em ascensão. Dentro deste contexto, arquitetura e engenharia mantiveram-se estritamente associadas na maior parte do tempo haja vista os mestres projetistas, protagonistas do Renascimento; profissionais generalistas na sua essência. Dominavam saberes da arte, da arquitetura e da engenharia, dentre outros. O processo de “separação”, se é que assim pode-se dizer, inicia-se com o advento da revolução industrial, fase em que o engenheiro obteve papel preponderante no desenvolvimento das novas tecnologias mecânicas e construtivas. Nos séculos XV e XVI, a consolidação dos métodos como modelo da produção científica e, consequentemente, da própria ciência moderna, fortaleceu o princípio do estudo das partes como ferramenta de compreensão do todo, abrindo caminho para novos ramos da ciência, especializações e profissões (ALFONSO-GOLFARB, 2004, p.50). A história das construções foi marcada por períodos de grande enlace entre a arquitetura e a engenharia. Outros, porém, foram menos favorecidos. Tal fato não é de todo contraproducente pois o movimento dos interesses econômicos e sociais traz à tona as fraquezas e capacidades de transformação de cada área face aos novos problemas a serem enfrentados. Se na Revolução Industrial os engenheiros foram os protagonistas, no Modernismo do início do século XX até a década de 70, os arquitetos reinaram solenes. A urgente necessidade de reconstrução das sociedades, das cidades e dos países, em razão das duas terríveis grandes guerras mundiais, realocaram o arquiteto na vanguarda das soluções urbanas e arquitetônicas da Europa e do mundo. O final do século XIX, notadamente na Europa, berço de toda a arquitetura ocidental, foi marcado pelo desgaste de uma linguagem projetual que era baseada em movimentos e escolas arquitetônicas do passado, também chamado de arquitetura historicista. Neste contexto, o Movimento Eclético representou o apogeu da arquitetura ornamental, pomposa e grandiosa em contraste à nova ordem funcionalista que se instalava. Não mais fazia sentido edificações fortemente centradas em aspectos expressivos, estéticos e evocativos num mundo que então


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encontrava-se mais voltado à produção, ao fortalecimento capitalismo e ao crescimento veloz das cidades.

do

No início do século XX, inúmeras foram as iniciativas que buscaram questionar e estabelecer novos rumos para as artes plásticas, literatura, filosofia, arquitetura e outras áreas do conhecimento que, em pouco tempo, tomaram conta da Europa com desdobramentos no Brasil. Dentre estes movimentos, o Modernismo4 já possuía um arcabouço suficientemente consolidado para uma notória transformação da arquitetura vigente. No Brasil, a nova corrente arquitetônica era praticada individualmente em meados da década de 20 e de forma mais abrangente na década de 30. A realidade que aos poucos se instalava provocou no meio dos projetistas a discussão da necessidade de regulamentar a profissão. O país que passava por profundas transformações políticas e econômicas com a presença de Getúlio Vargas no poder, necessitava de uma maior quantidade de profissionais trabalhando, ou seja, profissionais arquitetos regulamentados. Era premente a criação e consolidação das escolas e dos cursos específicos para a arquitetura. Em 1933, a profissão foi regulamentada. Foram reunidos num único conselho (Crea) os engenheiros, os arquitetos e os agrimensores, assegurando a hierarquização do arquiteto em relação aos demais agentes que pudessem exercer a função de projetistas. O ato, por sua vez, legitimou a escola de arquitetura e a importância do ensino como instrumento essencial na formação de profissionais arquitetos. A legislação conquistada, de um modo geral, vinculava o arquiteto a grandes projetos estatais ou a projetos que estivessem ligados às mais altas classes da sociedade brasileira. Apesar de ter sido fruto da correlação de forças dentro do conselho (Crea), a nova formatação foi o resultado de uma doutrina tácita muito presente no meio arquitetônico do período que considerava “digna” a arquitetura grandiosa, quer dizer, basicamente a arquitetura de grande vulto ou de caráter monumental. A nascente estrutura legal, de certa forma, era ainda um reflexo, um resquício da “velha arquitetura” historicista que foi intensamente praticada desde a antiguidade clássica. As conquistas da nova legislação foram parciais, protagonizando o estado do Rio de Janeiro como sede das maiores realizações arquitetônicas da época, uma vez que o estado de São Paulo ainda sofria de certo isolamento como consequência 4

Movimento arquitetônico iniciado na Europa nos primórdios do século

XX e difundido pelo mundo até o final dos anos 70. Também chamado de Estilo Internacional. Embasado e estruturado, principalmente, pelo artista francosuíço, Le Corbusier, foi também arquiteto, urbanista e teórico da arquitetura. Movimento

funcionalista

que

pregava

a

ruptura

com

a

antiga

arquitetura

historicista e o fim dos ornamentos. Dentre os vários princípios defendidos, cinco deles serviram de base para a produção arquitetônica: o pilotis, a planta livre, a fachada livre, a janela em fita e o terraço jardim.


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política da Revolução de 30. Era no Rio de Janeiro que encontrava-se a Academia de Belas Artes (mais tarde, Escola Nacional de Belas Artes) com a qual o curso de arquitetura estava vinculado e, portanto, “mais adequado” às exigências e parâmetros artísticos da arquitetura vigente. Os demais cursos de arquitetura, mais precisamente os de São Paulo, encontravamse vinculados aos cursos de engenharia que possuíam um caráter mais técnico e profissionalizante de formação acadêmica. A característica mais específica, pragmática e menos artística do curso não inseria os discentes paulistas dentro da ordem acadêmica baseada nos moldes da Academia Carioca, constituindo até 1945 um caso à parte no conjunto do sistema formador dos arquitetos brasileiros. Até a década de 50, os novos cursos de arquitetura fundados no país seguiram os moldes da Escola Nacional de Belas Artes. Com o fim da Segunda Guerra Mundial e do obscurantismo implantado pelo Estado Novo, surgiram as condições adequadas para a retomada do debate iniciado na década de 30, bem como novas e inúmeras oportunidades de trabalho ofertadas na construção civil. O tema era basicamente o mesmo e centrava-se nas condições culturais brasileiras e no exercício profissional da arquitetura. Em 1944, o IAB (Instituto de Arquitetos do Brasil) realizou o 1º Congresso Nacional dos Arquitetos que, dentre os vários temas tratados, recomendou a separação, autonomia e fundação de novas faculdades de arquitetura independentes dos cursos de engenharia e da Escola Nacional de Belas Artes. Após o congresso, fundou-se na Escola Nacional de Belas Artes o Diretório Acadêmico de Arquitetura que veio a liderar a luta pela descentralização acadêmica. A primeira conquista dessa entidade, em 1945, foi a transformação do curso de arquitetura da Escola Nacional de Belas Artes na Faculdade Nacional de Arquitetura (FNA), considerada basilar para a formação dos arquitetos brasileiros. O prestígio e importância do arquiteto, desde meados da década de 40, foi crescente, colocando-o cada vez mais no cerne das necessidades de mudança e modernização da sociedade e das cidades brasileiras. Como desdobramento natural deste processo de autonomia, valorização e regulamentação da profissão, em 1958 o Fórum do IAB encaminhou ao então presidente Juscelino Kubistchek um projeto de lei com o intuito de desmembrar os arquitetos do sistema Confea/Crea. O projeto foi retirado de pauta a pedido do Confea e somente 52 anos mais tarde, em 31 de dezembro de 2010, depois de inúmeras discussões e tentativas por parte das entidades representativas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei 12.378 que tramitava no Congresso desde 2008, regulamentando o exercício da Arquitetura e Urbanismo no Brasil, criando o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil - CAU/BR e os Conselhos de Arquitetura e Urbanismo dos Estados e do Distrito Federal – CAUs. 2.3 A Questão Acadêmica


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Atualmente no Brasil, a conjuntura mostra-se um pouco diferente da espiral histórica de aproximações e afastamentos entre os campos da arquitetura e da engenharia. O país, provavelmente, vive um momento acrítico. Os agentes que detém os mecanismos de transformação e construção das cidades são provenientes, em sua grande maioria, dos campos de interesse econômico e financeiro. É lógico que os ganhos urbanos e sociais provenientes das ações desses profissionais não poderiam ser os mais elevados possíveis. Este quadro se reflete no meio acadêmico, que sofre pressões para enquadrar seus cursos na “ordem mundial”. O novo arranjo global impõe regras e condutas capitalistas que menosprezam questões humanas, do saber, da educação e da formação do cidadão pleno. Ao se analisar a história da ciência, é possível perceber uma tendência da própria ciência, do ensino e das profissões em especializarem-se cada vez mais. Esta discussão compete a outras áreas do conhecimento não sendo o cerne deste trabalho. Porém, é importante ressaltar que a especialização, presumidamente, exerceu e ainda exerce influência na prática da dissociação entre os universos da arquitetura e da engenharia. Universos estes complementares, podendo-se até afirmar, unívocos. Existem hoje engenheiros especialistas em concreto, tantos outros peritos em cúpulas de concreto e alguns especializados em formatos específicos de cúpula de concreto (SALVADORI, 2006, p.10). Não é aconselhável a prática e a concepção da arquitetura sem que haja a mínima compreensão da solução estrutural a ser adotada. Inúmeros profissionais acham ser possível esta proeza relegando ao engenheiro a mágica do equacionamento estrutural num segundo momento. Corroborando a assertiva da importância da integração profissional entre arquitetura e engenharia, Mario Salvadori, engenheiro consagrado nos Estados Unidos e no mundo, discorre: Um bom arquiteto, hoje em dia, deve ser um generalista, muito versado em distribuição de espaço, em técnicas de construção e sistemas elétricos e mecânicos mas também deve entender bem de finanças, bens imobiliários, comportamento humano e conduta social. Ademais, é um artista, com direito a expressar seus dogmas estéticos. [...] Feliz é o cliente cujo arquiteto entende de estrutura e cujo engenheiro estrutural é um apreciador da estética da arquitetura. Em última análise, o arquiteto é o líder da equipe de construção e sobre ele recai a responsabilidade e a glória do projeto (SALVADORI, 2006, p.10).

Ainda não é possível chegar-se a uma conclusão acertada sobre os ganhos acadêmicos da separação e da autonomia do ensino da arquitetura nas faculdades e universidades brasileiras, contudo, na prática, a interface entre as disciplinas de engenharia civil e de arquitetura vem sendo alijada progressivamente. As cadeiras que tratam de estudos espaciais arquitetônicos ou concernentes às ciências humanas são cada vez


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menos valorizadas dentro da engenharia e muitas vezes agregadas a outras “disciplinas mais importantes” do curso. Na arquitetura, algumas poucas disciplinas direcionadas à estrutura e cálculos estruturais ainda persistem, porém o enfoque dado é, em grande monta, desvinculado de sua aplicação prática no universo arquitetônico (CORRÊA; NAVEIRO, 2001). Por meio de um levantamento simplificado junto às faculdades de arquitetura e urbanismo e engenharia civil do Distrito Federal, constatou-se que os cursos inter-relacionam-se insuficientemente com diferenças notórias entre eles. As grades curriculares dos cursos de arquitetura e urbanismo possuem, em média, 15% das disciplinas voltadas ao cálculo estrutural ao passo que na engenharia apenas 5% representam disciplinas relacionadas à concepção arquitetônica, história da arquitetura e estudos dos espaços edificados. Estes percentuais são deficitários visto que não representam sequer 1/5 da grade curricular. Esta estrutura disciplinar recrudesce uma conjuntura negativa que necessita ser alterada. É forçoso deixar claro que a maioria dos cursos de arquitetura e urbanismo no Brasil possui em sua grade curricular disciplinas de cálculo estrutural e de prática da construção, disciplinas estas ditas “pertencentes essencialmente” ao curso de engenharia civil. A estrutura curricular do curso de arquitetura torna o respectivo escopo acadêmico mais englobante e complexo uma vez que exige do arquiteto certo domínio em todas as áreas: das ciências formais (puras) às ciências factuais (aplicadas). A prática da arquitetura exige propriedade mais ampla pois não trata apenas de elucubrações artísticas mas, sobretudo, de questões sobre a prática espacial da vida. Em outras palavras, significa dizer que o curso de arquitetura é mais abrangente que o curso de engenharia. O mesmo não acontece na engenharia civil que concentra todas as energias acadêmicas no seu próprio universo sem consideráveis envolvimentos e inquietações com outros ramos do conhecimento, notadamente nas artes e nas ciências sociais aplicadas. Em síntese, são treinados para as especialidades objetivas do próprio curso. Presume-se ser uma situação delicada para os engenheiros aceitarem o fato de que, em detrimento de sua capacidade inata de apreciação das artes como todo e qualquer ser humano, não são direcionados no caminhar da formação acadêmica à consideração da beleza e da arte. Grande parcela dos docentes do curso de engenharia ensinam aos seus alunos que temas como a arte e a sensibilidade são diametralmente opostos à estrutura de ordenamento do raciocínio objetivo do engenheiro. Mesmo não muito afeitas aos cálculos, as faculdades de arquitetura, em contrapartida, convivem melhor com as idiossincrasias das especialidades acadêmicas e se veem “obrigadas” a tratar de sistemas lógicos e objetivos devido ao caráter generalista da profissão. Por outro lado, os arquitetos, muitas vezes, deixando-se levar pelas ondas da vaidade concentram-se, preferencialmente,


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na “lógica das artes”, olvidando o fato de que a arquitetura somente possui significado se expressada materialmente. Pode-se inferir que este estado de conduta profissional está mais para uma crise de valores sociais, econômicos e educacionais do que por dificuldades encontradas no desempenho da integração entre as profissões. A política de privatização da educação superior brasileira implementada pelo governo do expresidente Fernando Henrique Cardoso, se por um lado abriu portas de acesso à educação a uma parcela menos favorecida da sociedade até então às margens do ensino superior, por outra implantou paulatinamente a nefasta relação de educação/produto capitalista. Parcela desses alunos das faculdades particulares se vê obrigada a investir quantias significativas ao longo do curso e aspira retorno deste investimento na prática da profissão. De certa forma, após formados, são pressionados tacitamente à pratica de projetação quantitativa o que significa dizer que dissociam o caráter unívoco dos dois universos em questão. Centram-se nos aspectos exclusivos das profissões no sentido de atenderem às suas expectativas de retorno financeiro. Não cabe aqui apontar culpados. Cabe e deve-se delinear um quadro da realidade brasileira no que tange à conduta dos arquitetos e dos engenheiros e de suas relações profissionais. Para que se compreenda melhor a importância do curso de arquitetura e sua rápida evolução, em 1933, ano da regulamentação da profissão, havia apenas 06 cursos no país. Deste total, um curso pertencia à Universidade Mackenzie de São Paulo e outro era situado em Minas Gerais sendo este o primeiro curso a ser criado especificamente em uma escola de arquitetura. Trinta e três anos mais tarde com o advento da segunda regulamentação (lei 5.194/66) foram criados mais 06 cursos totalizando 12 cursos divididos em 11 estados brasileiros; 02 deles encontravam-se no estado de São Paulo. Em 1974, o estado do Rio de Janeiro e de São Paulo possuíam 07 cursos cada, o estado do Rio Grande do Sul 04 com cursos e os 10 cursos restantes eram distribuídos em mais 10 estados brasileiros num total de 28 cursos. No ano de 1994, o MEC baixou a portaria 1.770 que fixou as diretrizes curriculares e o conteúdo mínimo do curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo. Neste período o país contava com 72 cursos instalados em 19 estados brasileiros tendo os estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais com a maior taxa de crescimento das faculdades. O Rio de Janeiro permanecia com os mesmos 07 cursos existentes. Em 1999, 23 estados da federação já possuíam o curso de arquitetura e urbanismo implantado totalizando 108 cursos em funcionamento. Finalmente, em dezembro de 2010, foi sancionada a lei 12.378 que regulamentou a profissão e criou um conselho exclusivo para os arquitetos e urbanistas. À época haviam mais de 200 cursos distribuídos desigualmente no país. É bem provável que no ano de 2014 existam, aproximadamente, 300 cursos de arquitetura em todo o país. Diante do contínuo aumento das faculdades de arquitetura no Brasil, a falta de uma bibliografia especializada que trate


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da importância da integração entre os cursos agrava a situação da aprendizagem do estudante de arquitetura e de engenharia civil, uma vez que o assunto é abordado apenas superficialmente. “A falta de norma técnica e bibliografia sobre integração de projetos de arquitetura e estrutura mostra a defasagem das publicações nacionais em relação aos novos processos de projetar e construir empregados pelo subsetor de edificações. [...] A integração entre projetos de arquitetura e estrutura ocorre ao longo de suas várias etapas, sendo um assunto muito extenso ainda não abordado com a importância devida.” (CORRÊA; NAVEIRO, 2001). Foi possível constatar que os atuais cursos de arquitetura e engenharia brasileiros são o resultado direto do desdobramento, da separação e da criação de cursos independentes da engenharia e da Escola Nacional de Belas Artes ocorrida em meados da década de 40. Lentamente, algumas faculdades pelo Brasil vêm modificando seus cursos no sentido de reatarem a antiga “parceria” acadêmica que mostrava-se mais proficiente do que a presente separação. A racionalização da construção tem sido o mote de inúmeros debates e transformações ocorridas no setor da construção civil brasileira. As crescentes exigências do mercado diante das novas tecnologias e a velocidade imposta pelas trocas globalizadas impõe um novo cenário no mercado reforçando a retomada da discussão no sentido de potencializar a interface entre os cursos. CONCLUSÃO A história da humanidade demonstra que o desempenho associado e integrado das funções de arquiteto e de engenheiro independe da intenção ou da boa vontade de seus agentes. A concretização do espaço arquitetônico somente se dá por meio da viabilização estrutural, não sendo possível pensar-se em uma arquitetura imaginária ou em uma estrutura inoperacional. Este fato induz o pensamento à certeza de que os movimentos de maior ou menor integração entre as profissões são bem vindos para que possam surgir questionamentos e avanços em cada área. Por mais abundante que seja a tecnologia atual não cabe o raciocínio de que os aparelhos, mecanismos e artefatos científicos possam reestruturar, resolver ou até mesmo padronizar uma correlação de campos de conhecimento tão íntima, especial e singular. Na contramão desta assertiva alguns argumentos podem levar o leitor mais desavisado à conclusões precipitadas. Um deles é o fato de que, a despeito da ligação intrínseca entre arquitetura e engenharia, os arquitetos vêm lutando há mais de 50 anos pela separação dos conselhos, desejo este levado a cabo no ano de 2010. Como tratar de um tema tão essencial e importante diante de uma recente cisão profissional? Acreditase, no entanto, que a separação dos conselhos e a posterior regulamentação apurada das profissões podem gerar resultados contrários ao que se elucubra.


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O fato de cada profissional, arquiteto e engenheiro, conhecer e aceitar o seu respectivo delineamento de atuação no mercado certamente estabilizará, ao longo do tempo, áreas controversas de atuação profissional. A partir do momento em que se tornar claro os direitos, deveres, escopos e limitações de cada profissão, mais límpidas e razoáveis serão as discussões sobre a importância da integração acadêmica entre os cursos. Provavelmente, o caminho esteja sendo percorrido às avessas. Em primeiro lugar cuidou-se das questões do exercício profissional a despeito da habilitação acadêmica. Em breve, a problemática acadêmica, inexoravelmente, virá à tona. No momento não convém mais este tipo de ilação. O caminho já está trilhado e devem os protagonistas preparar o terreno para debates mais profundos. Cabe aqui, por derradeiro, observar a possibilidade de ampliação do escopo profissional que, certamente, ainda será objeto de discussão. Arquitetos e engenheiros, se for o caso, poderão ampliar o seu universo de atuação profissional fora dos limites permitidos e estabelecidos em lei? Não faria sentido algum toda a retórica e argumentação do presente artigo não fosse afirmativa a resposta. Os engenheiros e arquitetos que obtiverem a correta e devida habilitação nas instituições acadêmico/profissionais podem e devem intercambiar funções. Essa flexibilidade é de suma relevância, pois mantém aberto o canal do intercâmbio das regulamentações profissionais. Se existe o interesse, não há motivos reais para impedimentos de relação e interface entre as áreas. Com relação ao futuro, algumas ações prioritárias deverão ser executadas a curto prazo, quais sejam: desenvolver políticas de integração entre os conselhos de arquitetura (Cau) e engenharia (Crea) no sentido de regulamentar especificamente os campos de atuação profissional; fomentar a discussão sobre a importância da associação e interface entre os cursos de arquitetura e engenharia; elaborar moções junto aos agentes do governo no sentido de modificar e ajustar as grades curriculares dos cursos; promover palestras, eventos e congressos junto à academia para valorização e disseminação do princípio da integração dos cursos. Mais significante que o debate do tema e a batalha sui generis entre engenheiros e arquitetos para se obter “ganhos” de atuação profissional e financeira, são os problemas da vida moderna que afetam grandemente os cidadãos das cidades brasileiras e do mundo. A impermeabilização do solo continua a ser praticada indiscriminadamente provocando alagamentos e o assoreamento dos rios; o consumo desenfreado e o desperdício de matéria prima ainda está longe de ser racionalizado; o apelo à valorização do projeto como forma de planejamento da edificação ainda está num patamar rudimentar; as classes menos favorecidas ainda não têm acesso aos serviços e projetos de arquitetura, dentre inúmeros outros. Não restam dúvidas de que a associação e a interface entre os cursos de formação superior de arquitetura e engenharia formatará novas e melhores condutas profissionais, com


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resultados diretos na qualidade da vida espacial, quer seja na moradia, base física de todas as sociedades, quer seja na urbe moderna, centro das transformações sociais. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GRAEFF, Edgar Albuquerque. Arte e técnica na formação do arquiteto. São Paulo: Studio Nobel: Fundação Vilanova Artigas, 1995.

CORRÊA, R. M.; NAVEIRO, R. M. (22 de Janeiro de 2001). Escola Politécnica da USP, Depto. de Engenharia de Estruturas e Fundações - Artigo: Importância do Ensino da Integração dos Projetos de Arquitetura e Estrutura de Edifícios: fase de lançamento das estruturas. Fonte: http://www.lem.ep.usp.br/gpse/es23/anais/IMPORTANCIA%20_DO_ ENSINO_DA_INTEGRACAO_ARQUIT_ESTRUT.pdf CUNHA, José Celso da. (2009). A História das Construções, volume 2 – Das Grandes Pirâmides de Gisé ao Templo de Medinet Habu. Belo Horizonte: Autêntica Editora. MELHADO, S. B. (2000). A Qualidade na Construção de Edifícios e o Tratamento das Interfaces entre os Sistemas de Gestão dos Diversos Agentes. In: VIII ENTAC - Encontro Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído. Salvador, BA: UFBA/UEFS/UNEB. MELHADO, S. B.; AGOPYAN, Vahan. (1995). O conceito do projeto na construção de edifícios: diretrizes para sua elaboração e controle. São Paulo: EPUSP. REBELLO, Yopanan. (2000). A Concepção Arquitetura. São Paulo: Zigurate Editora.

Estrutural

e

a

REBELLO, Yopanan; LOPES, João Marcos; BOGÉA, Marta. (2006). Arquiteturas da Engenharia ou Engenharias da Arquitetura. São Paulo: Mandarim. SALVADORI, Mario. (2006). Por que os edifícios ficam de pé: a força da arquitetura. São Paulo: Martins Fontes. ALFONSO-GOLFARB, Ana Maria. (2004). O que é história da ciência - Coleção primeiros passos. São Paulo: Brasiliense.

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O DESAFIO DA INOVAÇÃO E DE SUA BUSCA PERMANENTE, ENQUANTO OBJETOS DE ENSINO: A CONTRIBUIÇÃO DOS CURSOS DE ARQUITETURA MÁRCIO VIANNA 1.INTRODUÇÃO “Isto vale tanto para cientistas, como para alpinistas: eles não escalam os mesmos cumes, mas todos fazem alpinismo” (Pascal Nouvel, em “A Arte de Amar a Ciência” 5) É possível ensinar ‘Inovação’? É possível passar adiante, enquanto aprendizado, algo que ainda está ‘em processo de’? É possível repassar conhecimento de algo que ainda está em processo de dar-se por conhecer, ou seja, a própria ‘novidade’?... E ao considerar tal possibilidade como verdadeira, e supondo-a, enquanto conhecimento, passível de transmissão: como fazê-lo de modo didático, metodológico? Qual, enfim, a experiência e potencial contribuição dos cursos de Arquitetura para o ensino da Inovação ─ já que a inovação, a criatividade, a inventividade, é sua própria matéria-prima (do Curso) e razão de ser? Sim, a Inovação é por natureza, a matéria-prima e razão de ser do mundo da Arquitetura, centrado na criatividade, na inventividade aplicada ao espaço físico, aos objetos arquitetônicos. Ainda que outras profissões e seus respectivos cursos universitários também lidem com o potencial criativo e investigador da natureza humana ─ como as Artes e as Ciências de maneira geral ─ sem dúvida a Arquitetura ocupa um lugar único no contexto geral das ações humanas, até porque é ela, a Arquitetura, que ‘hospeda’ todas as outras profissões... por exemplo uma fábrica, uma escola, um hospital, todos, de alguma forma, materializam-se numa Arquitetura projetada para este fim. Ainda quando consideradas as hipóteses de espaços alugados ou reformados, é sempre a Arquitetura, de uma forma ou de outra, o ponto de partida para a instalação ou adaptação do espaço físico suporte para qualquer função ou ramo profissional. E esta evidência torna-se enfática, quando as profissões e instituições em geral ‘orgulham-se’ de sua sede arquitetônica, seja construção nova, vanguardista, emblemática, seja uma sede antiga reconhecida como “patrimônio arquitetônico”. Como respectivamente, os dois exemplos abaixo: o “Ferrari World” nos Emirados Árabes Unidos, e o palacete do Instituto Oswaldo Cruz / Fiocruz no Rio de Janeiro. Figura 1: 5

2001

A ARTE DE AMAR A CIÊNCIA, Pascal Nouvel, Ed. Unisinos, Coleção Focus, São Leopoldo-RS,


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“Ferrari World” em Abu Dabhi http://www.ferrariworldabudabhi.com

Palacete Oswaldo Cruz, no RJ https://portal.fiocruz.br/

Esta intenção ou sensação de bem representar-se física e espacialmente perante a sociedade, todas as profissões de um modo ou de outro devem ‘agradecer’ à Arquitetura. Por exemplo, se o mundo da Saúde tem uma de suas referências mundiais nos hospitais de Cleveland/EUA (entre outros tantos centros exemplares, é claro), isto se expressa obviamente pela qualidade dos serviços médico-hospitalares e de Ciência, Tecnologia e Inovação ali exercidos, mas está igualmente expresso na construção, no espaço físico e nas instalações hospitalares (sempre arquitetônicas) com que os mesmos se apresentam perante a sociedade. Tanto que neste mesmo exemplo, ao apreciar-se as recentes “filiais” dos hospitais de Cleveland nos Emirados Árabes Unidos, deve-se observar a qualidade e a vanguarda não só dos padrões médico-hospitalares, mas destaca-se também a Arquitetura projetada para tais novas sedes. Figura 2:

Hillcrest Hospital Cleveland, EUA http://my.clevelandclinic.org

Cleveland Clinic, Abu Dabhi, EAU http://www.clevelandclinicabudabhi.ae

A inovação arquitetônica tem um papel primordial nesta conjuntura. A Arquitetura valoriza e enfatiza a inovação em todos os outros campos. É natural e “obrigatório” que uma indústria, uma empresa, uma escola, recorram à Arquitetura para bem representar-se e bem exercer suas funções, sejam quais forem. Suponhamos também e ainda, um fato da grandeza da entrega do “Prêmio Nobel”, ou a entrega de um prêmio artístico como o “Oscar” de Hollywood... e pensemos como seria inconcebível que estes nobres momentos fossem hospedados por uma arquitetura medíocre: inconcebível! Existe uma associação direta e inevitável entre a significância arquitetônica e a significância


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em outras profissões, de tal modo que (repetindo, para enfatizar...) a boa Ciência, a boa Arte, o bom profissionalismo em todos os campos, buscam normalmente representar-se por boa Arquitetura. Voltando aos exemplos do ‘Nobel’ e do ‘Oscar’, ou similares, o momento solene pede uma arquitetura impactante, seja vanguardista (Inovação, portanto), seja simbólica e patrimonial. Abaixo, as arquiteturas respectivamente associadas aos citados momentos solenes do Prêmio Nobel e do Oscar cinematográfico: Figura 3:

Uma das propostas em recente concurso para nova sede do Nobel em Estocolmo. http://blog.archpaper.com/wordpress

Dorothy Chandler Pavillion, local da entrega do “Oscar” em Los Angeles, EUA www.musiccenter.org

A História da Arquitetura é o receptáculo destas evidências ao longo do tempo. Das pirâmides egípcias à Arquitetura de Brasília exibe-se, disponível e didático, todo o repertório da boa arquitetura conjurada ao longo do Tempo. Do “patrimônio histórico” à “vanguarda”, o fio da História é não só percurso de evolução histórica, mas também artística, e tecnológica, como vimos nos exemplos citados até aqui. Este mesmo fio da História pode ser didaticamente representado por uma linha senoidal, na qual os marcos de época tendem a ser os pontos de inflexão das curvas do tempo (literalmente...), na medida em que contribuem com “viradas”, como mudanças de paradigma. A “Pedra Polida” foi um salto tecnológico com relação à “Pedra Lascada”, não foi?! A Revolução Industrial foi outra inflexão indiscutível da curva do tempo, não é mesmo?! O próprio nome já diz: revolução. Deste modo, o mundo da Arquitetura, além de novas tecnologias e novos materiais, sempre acolhe especialmente novas formas de pensar! Na caminhada da História, cada passo mais significativo, cada inflexão da curva do tempo é conceitualmente (e na maioria das vezes tecnologicamente) INOVAÇÃO. Figuras 4 e 5 (exemplo de sequência de estilos artísticos):


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Clássico

Românico

Uma

linha

senoidal

pode

representar a sucessão dos estilos históricos e artísticos ao longo do Tempo (que é o eixo da linha...). Observaremos exatamente que os períodos históricos se sucedem ao longo da linha senoidal, e assim a História inova e se renova, cada época com seus ícones!... Bizantino

Gótico

Clássico

Românico

Bizantino

Gótico

O próprio arquiteto e urbanista Lucio Costa, expressa seu pensamento magistral sobre o aspecto inovador de sua profissão, num clássico de 1962 6: “Não se trata da procura arbitrária da originalidade por si mesma (...) mas do legítimo propósito de INOVAR, atingindo o âmago das possibilidades virtuais da nova técnica, com a sagrada obsessão, própria dos artistas verdadeiramente criadores, de desvendar o mundo formal ainda não revelado” 7. A riqueza desta máxima de Costa traz, em poucas palavras, diversos elementos determinantes deste contexto. Senão vejamos:  Em primeiro lugar, coloca um sentido todo especial na Inovação arquitetônica, como “legítimo propósito”; ou seja, valoriza, enaltece o desejo de inovar, o ímpeto de criar, natural no Homem (“Imagem & Semelhança”?).

6

Lucio Costa: Sobre Arquitetura, 1ª Edição, Porto Alegre 1962, Centro dos Estudantes

Universitários de Arquitetura (tiragem 2500 exemplares). 7

COSTA, Lucio, op cit, pag 246


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 Além disso, destaca também a Inovação como uma posição ‘acima’ da “procura arbitrária da originalidade por si mesma”, o que equivale dizer, o comportamento inovador é superior à simples busca da originalidade por si só.  O termo ‘âmago’ em “atingindo o âmago das possibilidades virtuais da nova técnica” traz a dimensão do acerto, da pontaria, do foco na essência enquanto sucesso sa busca.  Em ‘possibilidades virtuais da nova técnica’ abre para o infinito, extrapola até mesmo o ‘acerto’ supracitado e RE-abre para a tentativa, o empírico, a busca permanente, pesquisa permanente: espiral... 

Vejamos agora: o primeiro ponto “atingir o âmago” é centrípeto, e na sequência, “possibilidades virtuais do novo” é centrífugo, garantindo a busca espiral nos dois sentidos, do infinito exterior ao infinito interior, própria da essência, no caso, da Arquitetura... que sempre ‘abre’ para inspiração infinita e ‘fecha’ num foco objetivo, ou seja, a Arquitetura sempre inexoravelmente objetiva E subjetiva.  Além de tudo isso, “a sagrada obsessão, própria dos artistas verdadeiramente criadores” por assim dizer ‘divinifica’... mais que ‘dignifica’, a criatividade, ou de modo superlativo a genialidade, de tal modo que um criador (arquiteto por exemplo) Criador seja ─ “Imagem & Semelhança”... alusão incidental reincidente.  Finalmente, “desvendar o mundo ainda não revelado” traz o futuro antevisado pelo Projeto (arquitetônico por exemplo), que nada mais é que uma simulação daquilo que ‘poderia ser’ ─ Futuro no Presente! ─ de uma situação qualquer, no caso, arquitetônica 8. Essa linha de pensamento vale para os mais diversos contextos, dentro de suas realidades específicas, até porque o termo “projeto” é um genérico aplicável a diversos campos do conhecimento, sempre com a conotação daquilo que ‘poderia ser’. Pro-jetar: ‘lançar adiante’, ‘lançar-na-frente’, antecipar, no significado etimológico. Nesse momento devemos lembrar que se toda essa linha de pensamento vale não só para o arquitetônico mas para os projetos de modo geral nas mais diversas áreas, como já dito, vale também e sobretudo para o ‘urbanístico’ ao longo do tempo. Nesse contexto, urbaniformes da 8

desde os mais longínquos agrupamentos Mesopotâmia, todas essas realidades se

“Etimologicamente, projetar vem do Latim projectu e significa lançar para adiante. (...) No

caso da Arquitetura, essa idéia se formaliza codificando um cenário futuro a ser concretizado, e as ações necessárias para que ele venha se realizar”. KOHLSDORF, Gunter e HOLANDA, Frederico. Arquitetura como situação relacional. Brasília, 1994. Universidade de Brasília. pag. 14.


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materializam especialmente nas nossas cidades; e é assim que à Arquitetura junta-se o Urbanismo, para o qual valem todas essas considerações aqui expostas. Para o metier do arquiteto e urbanista, as cidades são palco e cenário de toda essa evolução, inovação após inovação. As duas figuras abaixo mostram dois antiquíssimos aquedutos romanos, separados entre si por mais de quatrocentos anos... donde se vê, claramente, o alcance da inovação. Figura 6:

Exemplos da evolução dos aquedutos romanos, desde o primeiro (Aqua Appia) em 312 A.C. até o monumental aqueduto de Segóvia, Espanha, de entre 400 a 500 anos depois. http://www.ancient.eu.com/aqueduct/

Trazendo para a nossa atualidade consideremos, neste mesmo contexto, a própria Brasília no momento de sua concepção e construção: exemplo maior de todas essas evidências, consagrada como “Patrimônio Mundial” em 1987 então com apenas 27 anos de inaugurada. Brasília é, pois, ‘inovação’ que entrou muito cedo para a História! Segundo a UNESCO, instituição detentora da atribuição para tal, Brasília muito cedo já foi reconhecida como marco ao mesmo tempo inovador e definitivamente histórico na linha da evolução de seu próprio contexto específico 9. Este parece ser o processo cotidiano da Inovação, desde o momento em que desponta como uma ‘possibilidade’, ‘alternativa’, até o momento em que é oficialmente reconhecida como contribuição definitiva, ‘incorporada’ pela História. Nenhuma área do conhecimento deixa este processo tão palpável, tão visual, tão concreto, quanto a Arquitetura e o Urbanismo. E os cursos de A&U em todo o mundo devem, de alguma forma, lidar com isso, como veremos adiante. 1.

A HISTÓRIA DA ARQUITETURA CONTA A HISTÓRIA DA HISTÓRIA

A História da Arquitetura conta a História da História: pois as inovações se sucedem e ‘puxam’ o fio do Tempo para a frente, e tudo está materializado na Arquitetura e no Urbanismo!

9

Na seleta lista da Unesco, os exemplares consagrados como “Patrimônio Mundial” são

aqueles que lograram ser considerados como “obras-primas” de seu próprio grupo, de sua época, ou seja, os melhores exemplares de cada estilo histórico-artístico. E, em tempo, à guisa de informação complementar, no caso do patrimônio natural, os exemplares consagrados são os que melhor representam seu próprio ecossistema.


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Como já exposto, não é difícil constatar que tende a haver uma relação direta entre a evolução histórica de maneira geral e a evolução arquitetônica, na medida em que a Arquitetura pode materializar, tornar visível, palpável, cada nova forma de pensar ─ dizendo-o com relação ao pensar econômico, filosófico, religioso, cultural, etc, que molda cada época. Pelo menos no nosso mundo ocidental, podemos observar de modo patente, que às mudanças de paradigmas culturais, filosóficos (religiosos inclusive), econômicos, científicos, etc, tende a haver uma correspondência direta na Arquitetura, que responde aos estímulos de toda ordem como talvez a materialização mais impactante das mudanças conjecturais. Vejamos alguns exemplos:  Descobriu-se um “Novo Mundo”, de natureza exuberante e abundantes minas de ouro e prata? A Arquitetura “inventa” o barroco dourado (ou prateado, conforme a colônia fornecedora), e com uma plástica cheia de curvas e de balangandãs ornamentais, com a organicidade da Fauna e Flora tropicais...  Começou, depois, a escassear o ouro das colônias? A Arquitetura recupera a sobriedade no Neoclássico, ou faz-se branca e “Rococó”, só com elegantes filetes dourados que economizam o restante ouro das colônias.  Explodiu uma nova revolução de materiais e técnicas inovadoras? A Arquitetura se renova e inova a si mesma, e totalmente, com arranha-céus, ferro, concreto, máquinas de viver-trabalhar-morar, e até gera uma filha à qual batiza com o nome de “máquina”, “engine”: a Engenharia! Assim, a cada passo na linha do tempo, ao longo da curva senoidal já aqui apresentada, encontraremos as diversas arquiteturas representantes do pensamento e da tecnologia de sua respectiva época. E nos pontos de inflexão da curva, como já vimos: a ‘Inovação’! Desta forma, a Historiografia relata o passo a passo das Cronologias, os momentos que se sucedem nas curvas do Tempo e, cada profissional teórico analista e crítico (seja da História, seja da Arquitetura e do Urbanismo, entre outras áreas do conhecimento) deve posicionar seu modo de ver virtualmente na época que analisa e, digamos, pensar com o espírito entãoinovador de sua própria época. Exemplificando, tomemos a época das grandes navegações ibéricas, e, nesse contexto, consideraríamos a Escola de Sagres como a “NASA” de seu tempo10, não é verdade? Nossas Arquiteturas Gótica, Renascentista, Barroca, responderão plástica e tecnologicamente a cada uma das questões que lhes correspondam no Espaço e no Tempo. E todas foram ‘novas’ em seu 10

A referência foi feita ao salto tecnológico dos portugueses na “Escola de Sagres”, as

diversas descobertas e evolução da técnica da navegação, instrumentos, etc, inclusive à própria Cartografia, comparável, numa analogia livre, a uma “NASA” do seu tempo.


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próprio tempo, segundo as possibilidades da tecnologia então correspondente. Vejamos nesse interim as ilustrações das catedrais de Saint Patrick em Nova Iorque e a de Vitória no Estado do Espírito Santo: a ‘forma’ é praticamente a mesma de um Gótico francês de talvez mil anos antes... onde está, então, ou estava, no momento do projeto e construção de ambas as obras, a “inovação”? Nestes casos, a inovação estava na tecnologia da construção, dos vitrais não mais com cacos de vidro e chumbo derretido, mas lançando mão do salto tecnológico do pano de vidro e da esquadria metálica. Ou seja, a velha forma estética na nova forma construtiva,tecnológica (esquadrias metálicas), ou ainda, um jeito ‘novo’ de fazer uma coisa...’velha’! Figura 7:

www.nytimes.com

www.vitoria.es.gov.br

Mas terão sido realmente, estes dois últimos exemplos citados, paradigmas da inovação em seu contexto, ou apenas exemplos de uma situação pontual, marcos locais talvez? Esta é outra questão pertinente. É possível identificar-se a diferença entre as referências locais ou regionais, e os ícones, realmente, das quebras de paradigmas, que são boa parte de alcance internacional? Sim, a experiência ensina e a visão do todo ─ no tempo e no espaço ─ mostra claramente. A diferença mostra-se na gradação crescente entre: novidade, moda/modismo11, vanguarda, inovação! Como podemos observar, há uma gradação facilmente identificável nesta sequência ─ da mera novidade à inovação profunda: (a) a novidade pode ser pontual, talvez pouco significativa, ou pelo menos sutil, embora já possa conter um grau maior de inovação; (b) a moda é por assim dizer a novidade dantes pontual e localizada, agora com maior abrangência geográfica e maior contundência na sua apresentação e percepção pela sociedade; (c) a vanguarda, mais do que as anteriores, já comporta um certo estar à frente do próprio tempo, já constitui um patamar, de comportamento inclusive; e finalmente (d) a Inovação já (não mais um degrau ou patamar, mas) o pavimento superior da 11

Não podemos desconsiderar a existência dessas questões; sim, na Arquitetura, como em

outras profissões, é aceitável a adoção recorrente de termos como “moda” ou “modismo” também no vocabulário técnico-científico; sim, pode haver um modismo ‘oficialmente reconhecido’...


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História, da Tecnologia, do Pensamento. Isto é válido para as profissões de maneira geral, muito visível na Arquitetura. A percepção didática destas diferenças, destes graus crescentes do criar/fazer humano ao longo da História, trará a Inovação para dentro dos conteúdos pedagógicos como parte integrante e ao mesmo tempo transversal. Sempre válido para diversos cursos, sempre muito legível num curso de Arquitetura & Urbanismo. Conforme veremos a seguir. 2.

A HISTÓRIA É POR NATUREZA A HISTÓRIA DAS INOVAÇÕES

O historiador teórico, nos seus procedimentos de análise e/ou narrativa dos contextos históricos da evolução tecnológica ou do pensamento ─ e aí também inseridos professores e alunos em geral ─ devem necessariamente fazer o exercício da ‘visão do todo’ para perceber diferenças por vezes sutis e, mais do que isso, devem também fazer ou tentar fazer o exercício de colocar-se no lugar do outro, o ser histórico então atuante. A visão do todo permite diferenciar, de uma simples “novidade” ou “modismo”, uma verdadeira Vanguarda ou Inovação. Em primeiro lugar conhecendo profundamente o contexto histórico e sua conjuntura específica, sem o quê não será possível identificar se o 'novo' tem abrangência apenas local, ou regional, ou nacional, ou mundial; e se o ‘novo’ é um passo de que tamanho, abrangência, contundência: Novidade? Modismo passageiro? Inovação radical? Figura 8: O professor de Arquitetura, hoje, e seus alunos, podem (ou devem?) colocarse no lugar por exemplo de quem foi ‘desenhando’ no ar uma curva de pedras cunhadas, ‘inventando’ o arco romano... obra na qual uma vez colocada a última pedra (por isso mesmo chamada “chave”) permaneceu firme e estável, para surpresa de uns, orgulho de outros, contentamento

www.coisasdaarquitetura.wordpress.com

de todos! É bem-vinda no estudo da História, essa dimensão do ‘colocar-se no lugar de’... quando se pode, inclusive, perceber as diferenças por vezes sutis entre uma produção exemplar em nível local, e uma referência nacional, ou mesmo uma inovação real em escala mundial e quebra de paradigma. O professor e o aluno, especialmente num Curso de A&U, podem fazer o bem-vindo


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exercício do Pertencimento “A História Repensada”:

12

, conforme analisa Keith JENKINS em

Figura 9: “Toda história é a história do que as pessoas do passado tinham na cabeça. É, portanto, a história da(s) mentes(s). Em consequência,

se

quisermos

adquirir

conhecimento histórico, devemos inserir tais vestígios do passado nas mentalidades que lhes deram vida e, assim, ver o mundo tal qual elas viam. (...) / Em outras palavras, vamos deixar que os alunos tentem entrar na cabeça do seu príncipe medieval.13” http://www.rihappy.com.br/imaginext

E ‘pertencendo’ ao contexto histórico analisado, de modo a poder vê-lo pelo lado ‘de dentro’, digamos, o observador analista ─ professor, aluno, ou pesquisador de qualquer área ─ torna-se hábil para a necessária ‘visão do todo’ no Tempo e conforme possível também no Espaço. O ensino da História das mais diversas profissões, de algum modo passa por este processo. Se na Arquitetura isto é muito óbvio, também o será nos mais diversos cursos, como por exemplo é fácil considerar na área biológica e da Saúde a narrativa de como se deram as descobertas e verdadeiras contribuições cronológicas: o surgimento de cada vacina, cada novo procedimento médico, a evolução cronológica dos remédios e cirurgias, por exemplo. Mas não se trata apenas da mera narrativa cronológica, mas, de identificar, nesta, os pontos de inflexão da curva senoidal da História, os pontos-chave do processo inovador. A mudança do sentido da curva senoidal, como já vimos, é muitas vezes mudança de paradigma. Cada contribuição mais profunda é uma possibilidade, um potencial mais radical... que poderá ser percebido ou não, poderá ser aproveitado ou não... É o que nos disse, e já vimos, Lucio Costa, com o seu “desvendar o mundo formal ainda não revelado” 14. Consideremos por exemplo a invenção da Imprensa por Gutemberg e o modo como isso pode ter sido considerado e aproveitado por seus contemporâneos, no século XV. E consideremos, a propósito, algo mais: a invenção da Imprensa, além de tudo o que significou, constituiu também uma 12

A História Repensada, Keith Jenkins, 2001, (copyright 1991), São Paulo, Ed. Contexto

13

JENKINS, op. Cit. Pp 73/74

14

Costa, Lucio, op. Cit. Pag 246.


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mudança de paradigma na História da Literatura em si? Ou seja: quem escrevia, passou a escrever de modo diferente, do ponto de vista de forma e conteúdo? Podemos considerar que sim, dado que a reprodução tipográfica e popularização dos textos alcançou uma abrangência incomparavelmente maior (em número de leitores) implicando diretamente, ainda que de modo apenas sugestivo certamente, a que literatos e outros escrevessem de modo mais acessível, para público maior e de níveis diversos. E o que dizer da forma de se lidar profissionalmente com a Biologia, depois da invenção do microscópio? E a Arquitetura depois do cimento e do concreto? E assim por diante, noutros exemplos certamente. E de consequência, também o Ensino destas realidades todas fezse de modo a considerar essa evolução e suas novas bases, novos pisos. E o professor pode (deve...) mostrar não só a subida, a cronologia, como também mostrar aos alunos a possibilidade de se identificar a sutil diferença entre ‘degraus, patamares e pavimentos’. O aluno, treinado na visão do todo, e apto a pelo menos intuir por si a diferença de gradação nas evidências cronológicas, saberá identificar, por exemplo, a diferença entre um modismo e uma verdadeira Inovação. E isto é válido para as profissões como um todo. E veremos a seguir como se dá nos cursos de Arquitetura & Urbanismo. 3.

O ENSINO DA INOVAÇÃO NOS CURSOS DE A & U

Voltemos neste momento às considerações iniciais em epígrafe: É possível ensinar Inovação? É possível passar adiante, algo que ainda está se fazendo? Ao considerar tal possibilidade como verdadeira, e supondo-a possível num curso de Arquitetura... Como fazê-lo de modo didático, metodológico? Como ‘ensinar’ algo que por conceito ainda está ‘em processo’? Qual, enfim, a experiência e potencial contribuição dos cursos de Arquitetura para o ensino da Inovação? Melhor dizendo: é possível inserir nos conteúdos do Ensino, os mais novos fatos em andamento na atualidade (as descobertas recentes, as invenções do momento, as novidades, as tendências...), conforme recém-divulgados, digamos, na Mídia? É possível? No campo criativo e produtivo das profissões e cursos em geral? Nas análises anteriores já vimos que sim, com alguns exemplos, como falado há pouco sobre o mundo da Saúde e as novidades dos processos de Cura. Sim, supomos que o professor de Medicina ou de Farmácia também toca nesses temas em sala de aula. Mas se isso é fato, dá-se como narrativa histórica apenas, ou como parte integrante do processo natural da própria profissão? Ainda neste exemplo, ensina-se que já é possível fazer os transplantes de tal e tal órgão, ou ‘acompanha-se’ a busca incessante dos novos processos medicinais? O professor “corre atrás” ou “corre junto”, espera acontecer ou acompanha a descoberta quando possível? E ao aluno, é estimulado acompanhar também? O aluno ‘aprende’ o entusiasmo por essa permanente busca (no seu próprio campo, é claro)? O aluno de Arquitetura sente-se motivado, por


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exemplo, a querer propor para um projeto, seu, algum novo material recém-divulgado na Mídia ou na literatura científica específica? O professor incentiva a Pesquisa ou “manda esperar os resultados mais comprovados”? Anunciam-se invenções e descobertas informalmente, como discussão, em sala de aula, ou esta possibilidade está inserida oficialmente nos currículos? Se um curso tem disciplina(s) de História, esta costuma estender-se do século ‘tal’ até o Presente, ou a Contemporaneidade não faz parte dos conteúdos da História? A Inovação e as novidades profissionais, são parte integrante e formal do Ensino? Ou Pesquisa? Ou ensino informal? Ou pelo menos fazem parte das discussões em sala de aula? E até que ponto tais discussões são parte integrante dos planos de ensino? Há uma separação formal entre a sala de aula e eventuais laboratórios? Qual a relação, neste assunto específico, entre Ensino e Pesquisa ─ sim, este é o ponto focal, a palavra mágica: Pesquisa! Vejamos o caso dos cursos de Arquitetura & Urbanismo, onde a Inovação tanto é parte curricular específica quanto tema transversal onipresente. Como? De duas formas: 1. De modo específico, no ensino da História da própria profissão, a Arquitetura Contemporânea é parte integrante e importantíssima da grade curricular, geralmente a última de uma série longa de disciplinas de História que se estendem por todos os primeiros semestres letivos. 2. Além disso, o Estado da Arte é também parte integrante, transversal, de várias disciplinas, especialmente de "Projeto". Por exemplo, é normal e é parte curricular o advento das novidades nos diversos campos, respectivamente a cada uma das disciplinas: materiais de construção, tecnologias construtivas, instalações prediais, etc, etc, de modo onipresente na grade curricular do curso. Todavia, considerando que o “Estado da Arte” constitui o estágio máximo alcançado em determinado período, para um determinado processo criativo, técnico, científico, num determinado campo do Conhecimento e num determinado momento, temporal... Isso equivale dizer que o Estado da Arte deve fazer parte da didática em diversos campos e profissões, e sua discussão deveria ser normal e obrigatória em sala de aula. Ou seja: as novidades em cada campo deveriam ser mencionadas, analisadas, e na medida do benéfico, incorporadas aos conhecimentos e experiência de cada profissão. Isto, logicamente, de modo seletivo: por exemplo, novos materiais construtivos, novas soluções quanto a instalações prediais, e assim por diante, sobretudo no que diz respeito às disciplinas de Projeto, podem e devem ser incorporadas ao repertório profissional, preferencialmente só e somente só após julgados seus eventuais riscos e inconsistências, e confirmados seus reais benefícios? Ou cabe a discussão, sempre?


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É normal ou mais que isso fundamental, e mesmo obrigatório, num curso de A&U, que: no início de um semestre letivo, onde se vá projetar (por exemplo) um Teatro como tema letivo do momento, o professor apresente ou proponha a pesquisa do “Estado da Arte” relativo ao projeto de teatros, hoje, no Brasil e no mundo ─ e isso inclui projeto não só de modo abrangente, como em aspectos mais específicos, como por exemplo no caso do teatro: os recursos e soluções mais atuais para a Acústica. Da mesma forma para ensino do Urbanismo ─ e isso é muito importante e abrangente no estudo das cidades ─ deve-se conhecer o Estado da Arte no que diz respeito a soluções de transporte de massa, mobilidade, acessibilidade, etc, e toda a conjuntura que propicia a melhoria de nossas cidades, década após década, ano após ano se considerado o ritmo sempre mais intenso de seu crescimento! Sempre, ao longo de toda a História, se sonhou com “cidades futuristas”, cada qual proporcional ao seu Tempo, sobretudo após à Revolução Industrial e o advento do Modernismo, quando foi tornada possível, próxima, muita coisa até então muito distante em termos de possibilidades tecnológicas. Enfim, é de praxe, nos Cursos de A&U, tanto o ensino do Contemporâneo, bem como o ensino transversal das novidades respectivas a cada área específica. Até mesmo nas disciplinas afetas à área do Patrimônio Histórico (restauro arquitetônico, "técnicas retrospectivas" e similares) apenas num primeiro olhar ligadas ao “Passado”, sempre é ministrado o que tange às novas tendências também neste ramo específico ─ ramo este, a propósito, que vem brindando a profissão do Arquiteto com muitas novas possibilidades, tanto que pode-se, aí sim, considerar que houve uma recente mudança de paradigma, e a preocupação com o patrimônio deixou de ser considerada atitude “saudosista” para mostrar-se mais e mais integrada ao projeto de um Futuro que bem harmonize Passado e Presente no seu próprio porvir: assim, a‘Inovação’, no tema do “patrimônio”, subiu, sim, um novo pavimento, mais que um patamar! Sintomático para Jorn Rusen15, aqui ilustrado pela convivência harmônica do Museu do Louvre e sua “pirâmide”, dantes polêmica e hoje considerada um novo Estado da Arte para a relação entre ‘antigo’ e ‘novo’ em Arquitetura: Figura 10: (O Museu do Louvre diante de sua nova “Pirâmide” > “(...) a expectativa do futuro vincula-se diretamente à experiência do passado: a narrativa histórica rememora o passado sempre com respeito à experiência do tempo presente e, por essa relação com o presente, articula-se diretamente com as expectativas de futuro que se formulam a partir das intenções e das diretrizes do agir humano.16”)

15

RAZÃO HISTÓRICA: Teoria da história, os fundamentos da ciência histórica, Jorn Rusen,

Editora Universidade de Brasília, Brasília 2001. 194p. 16

Rusen, Op. Cit. P 64/65


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www.greatbuildings.com

No exemplo de Inovação acima, o arquiteto chinês Ir Im Pei (o mesmo das extintas Torres Gêmeas de NY), ao ousar projetar a outrora polêmica pirâmide para a praça central do Museu do Louvre em Paris, marcou uma bela inflexão da curva do tempo para a Arquitetura de “patrimônio histórico” e até de modo geral. Com seu projeto, Ir Im Pei ousou pró-jetar duas coisas: (1) que as relações de antigo x novo continuariam harmônicas e respeitosas, mesmo quando em contraste: o ‘novo’ colocado de modo contrastante mas delicado, sutil, não deixa de ser uma forma respeitosa de ali estar, valorizando o ‘antigo’ por fim, de modo análogo a uma jóia de design contemporâneo que pende no colo de uma senhora de beleza clássica (sic); (2) além disso, ao abrir possibilidade da ênfase por contraste e da convivência harmoniosa entre épocas diversas, o próprio mercado de trabalho foi renovado, acrescido desta nova abertura. Figura 11:

www.g1.com Mãe, filha, classe, presença, inovação, harmonia por contraste ou não, entre épocas diferentes...

Desde então, com efeito, não só ampliou-se o trabalho do arquiteto atuante na área do patrimônio arquitetônico, bem como mudou o próprio ensino do patrimônio nos cursos de Arquitetura, ampliando possibilidades e estimulando os alunos a


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experimentarem a ‘nova’ relação de harmonia em seus projetos escolares neste âmbito. Assim ─ e este foco no ensino do patrimônio é sintomático, mas não é exclusivo, acontece também nas outras áreas: o aluno do curso de Arquitetura & Urbanismo costuma estar treinado para todos os aspectos aqui mencionados. Conforme segue, o aluno é treinado para ter: (1) a visão do todo, no sentido temporal e geográfico; (2) a capacidade da identificação dos ícones e inovações neste mesmo todo; (3) a habilidade da diferenciação entre inovação e os graus menores como modismos, etc; (4) e a visão passado-presente-futuro harmônico e interdependente.

como

um

todo

Figura 12: (Renzo Piano entre estudantes)

www.fondazionerenzopiano.org

O bom estudante de Arquitetura & Urbanismo ‘aprende’ Passado... Presente... Futuro... com a mesma avidez e interesse. Em tempo, há que se recordar que o curso de A&U tem forte apelo nos diversos âmbitos... cultural, social, tecnológico... e, de seus melhores docentes e discentes, espera-se desenvoltura no modo de saber olhar no mesmo foco, concomitantemente, o Passado, o Presente, e o Futuro. 4.

CONCLUSÃO

Finalmente, e à guisa de conclusão, além dos aspectos metodológicos acadêmicos e profissionais dos arquitetos ─ e professores e estudantes deste mesmo ramo ─ ousamos postular que paira sobre o mundo de Arquitetura & Urbanismo um certo espírito inato de Inovação, uma espécie de ‘sopro’ criador... que tende a conduzir o pensamento acadêmico e profissional. Figura 13: (“O Pensador” de Auguste Rodin, e ‘o pensador’ Oscar Niemeyer projetando em NY, certamente o projeto da Sede da ONU.)


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http://blogs.estadao.com.br/marcelo -rubens-paiva

http://valedojequi.com/wpcontent/uploads/2014/01/OSCARNIEMEYER.jpg

Uma tal afirmação, embora de certa forma abstrata para uma visão menos atenta, está concretamente calcada em tudo o que se disse nas páginas anteriores sobre: (a) O estudante de A&U é metodologicamente estimulado a treinar visão abrangente, para fins de análise comparativa do repertório de produção arquitetônica ao longo do tempo (no ontem, no hoje, e visualizando tendências futuras) e em diversos espaços (contextos, culturas, geografias...); (b) Da mesma forma, o estudante futuro-arquiteto-eurbanista é treinado a identificar produtos exemplares que se destacam nos conjuntos de época ou de região, ou seja, Tempo & Espaço, e, dentre estes, reconhece aqueles efetivamente ‘inovadores’; e finalmente (c) ...o estudante de A&U é também ‘treinado’ a estar sempre na medida do possível (lê muito ou deveria, livros, lançamentos, revistas, internet etc) atualizado quanto às novas possibilidades de projeto e construção, as novas técnicas, os novos materiais, as novas linhas de pensamento, novas tendências, etc ─ visando: Visando pensar de modo vanguardista, identificando as inovações de sua época, e além disso, e principalmente, PROJETAR de modo potencialmente inovador, com qualidade, com desenvoltura, com segurança sempre crescente, antevendo seu próprio potencial e seu próprio lugar no futuro da profissão. Virando noites na perseguição implacável da melhor solução para seu projeto, sem descanso, mais ou menos como num daqueles filmes de ‘perseguições implacáveis’ em alta velocidade. O pensamento acima, mais que uma licença poética, é uma analogia incidental da observação científica ponderada a partir das constatações de comportamento dos sujeitos de processos criativos e investigativos, como muito bem analisa Pascal Nouvel no seu “A arte de Amar a Ciência: Psicologia do espírito científico” 17, que põe por terra, literalmente nocauteado, o paradigma da ‘frieza’ do cientista (sic), lançando mão de estudo 17

Nouvel, op. cit.


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de caso das Ciências Biológicas, Exatas e, muito mais obviamente, Sociais. Conforme segue:

deixando abertura para as Ciências Humanas e

as as

O livro de Nouvel trata do lado psicológico do sentimento de descoberta inerente à invenção, a criação, a Pesquisa no momento em que atinge seu objetivo. Para isso, toma o exemplo da ‘emoção’ do processo de descoberta da estrutura do DNA por parte dos cientistas James Watson e Francis Crick, mais precisamente James Watson em sua narrativa do próprio processo de “descoberta”. Vejamos a seguir uma coleção de pensamentos, todos do livro supracitado. Aqui apresentados numa sequência elucidativa, estes pensamentos são chamados a contribuir para a demonstração, entre outras coisas, de que “subjetivo” e “objetivo” não estão de forma nenhuma opostos e dissociados, mas completamente harmonizados, até porque há inevitáveis aspectos objetivos no que é normalmente chamado de ‘subjetivo’, assim como há inevitável subjetividade no que parece ser necessariamente ‘objetivo’; até porque, todos os profissionais em todos os campos, todas as Ciências, Artes, etc, para serem bons profissionais nos seus respectivos campos precisam deixar-se guiar, segundo Nouvel, pela própria PAIXÃO pelo que fazem!... Deixemos o próprio autor dizer-nos algo de seu discurso apaixonado: “A ciência é antes de mais nada uma atenção apaixonada que se dá a certos assuntos concernentes à elucidação do mecanismo da natureza” (pag. 23)18 “Qual o gênero de sentimentos que guiam os cientistas na sua pesquisa? (...) é uma vontade de ter razão. (...) Estes sentimentos são a condição para o seu trabalho, ainda que não sejam incorporados aos seus resultados19. Eles formam o que será chamado de uma ‘arte de amar’ a ciência.”(pag 25) “ele atribui uma função a essa paixão, uma função heurística: a paixão mostraria ao cientista aquilo em que ele deve colocar a atenção.”(pag 33) “ela nos levará a mostrar a íntima conexão da ciência com a metáfora, sublinhando ao mesmo tempo a diferença entre um modelo científico e uma metáfora poética. (...) É aqui que o espírito filosófico ─ na sua audaciosa vontade de progredir no pensamento, não apenas com fatos, mas também com suspeitas e suposições ─ marca sua diferença: ele não pára no limiar dos fatos. Ele prossegue no domínio 18

Idem. Páginas conforme assinalado ao final da própria citação.

19

Nouvel faz um extenso estudo sobre a ausência de relatos (na literatura científica) destes

sentimentos que inevitavelmente acompanham as descobertas, mas marginalizados pela literatura científica em nome de uma pretensa “objetividade”. Ver capítulos “O ponto de vista de quem faz Ciência”, “Um tipo de emoção que só o cientista pode sentir”, “a música dos problemas científicos”, “a vontade de ter razão”, e/ou “a invencível tendência a deixar-se enganar”.


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perigoso e incerto da interpretação. Ele avança sem provas, sustentado no entanto pela evidência de que nem tudo está fechado nos fatos.”(pag 36/37) “Isto vale tanto para cientistas como para alpinistas: eles não escalam os mesmos cumes, mas todos fazem alpinismo” (pag 25) Este comportamento permanente de avançar “sustentado pela evidência de que nem tudo está fechado nos fatos” vem a ser exatamente a aventura cotidiana do arquiteto no seu hábito de pró-jetar... que significa, literalmente como já vimos, ‘lançar à frente’, ou seja, a Inovação é o próprio sentido etimológico, a razão de ser, da Arquitetura. Não apenas fornecer soluções para problemas ou intenções espaciais, mas fazê-lo de modo inovador na medida do possível conjuntural. Isto é inato, etimológico, raíz do fazer arquitetônico, e por associação, ao urbanístico. Vejamos agora conforme relatado por Nouvel, a narrativa de James Watson (talvez no meio de alguma madrugada, como rotineiro para os arquitetos) NO EXATO MOMENTO de sua ‘descoberta’, ou seja, quando inspiração e transpiração convergem no surgimento de um resultado positivo e compensador ─ assim como arquitetos no exato momento da concepção e nascimento (“vir à Luz”) de cada um de seus partidos arquitetônicos: “O que significa amar um argumento produzido por nós mesmos? De uma maneira perfeitamente análoga, Watson conta que, quando concebeu a idéia de uma espiral dupla (...) minha pulsação acelerou, durante duas horas, permaneci alegremente desperto (...). Este estado afetivo constitui a ressonância da idéia no pensamento, e ele é procurado pelo pensamento como signo de atividade, de potência do pensamento. Um pensamento que encontra o meio (e pouco importa qual) de se manter na animação, recolhe a alegria desse estado.”(pag 53/54) “Antes de ter sucesso e para ter a mínima chance de sêlo, a idéia deve ser uma preocupação insistente. Uma excitação especial nasce da consideração de uma tal preocupação insistente, na ressonância que ela produz quando é verificada por fatos, por resultados, pela experiência.”(pag 55) E finalmente: “Quando o pensamento se coloca sob o regime de uma animação do tipo da que TOMA CONTA DE Watson quando ele compreende a importância de sua descoberta, a pesquisa torna-se uma coisa fácil. Ela não é mais verdadeiramente um trabalho. A busca das provas da idéia é executada com entusiasmo, com uma rapidez que a distingue inteiramente de um trabalho. A exigência de rigor torna-se então um prazer20: não alguma coisa que é ditada por uma filosofia qualquer, não a expressão da aplicação de um método, mas uma maneira de cuidar da idéia e perseguí-la em todos os 20

“uma cachaça”....... donde vem também o termo “workaholic”... donde também, o “vício”...


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seus detalhes. Todos esses detalhes, que parecem tão esotéricos para um observador exterior, e que o pesquisador se ocupa em acumular, para ele são maneiras de se manter na proximidade da idéia, de pensar nela, de sentir tudo o que ela irradia.(...) ‘Um estado cativo21 que é um sentimento e que, como sentimento, ressoa sobre todo o pensamento, dá-lhe um ar triunfante, uma força e um vigor inabituais’22. A excitação do cientista quando ele faz uma descoberta é uma paixão intelectual que exprime o fato de que alguma coisa é particularmente preciosa e, mais que particularmente, preciosa para a Ciência. (...) ei-lo de repente a querer especificar cada ponto com uma espécie de furor maníaco inabitual.”(pág. 55/56) Essa cadeia de pensamentos, especialmente o último e sua referência ao “furor maníaco”23... nos parece que pode ser totalmente transcrito para a Arquitetura e o momento da pró-jetação (a ação de lançar idéias à frente de seu próprio tempo). E embora possa ser “inabitual” para o cientista das exatas, conforme relatado no livro citado, podemos considerar totalmente rotineiros para nós, arquitetos ─ e artistas em geral ─ habituados ou mais que isso “obsecados” por esse posicionamento da busca incessante (noite a dentro, noites em claro, rotineiramente nos auges dos momentos de pro-jet-ação!), conforme repete-se aqui mais uma, e última vez, o arquiteto e urbanista Lucio Costa já citado neste trabalho:

“a sagrada obsessão, própria dos artistas verdadeiramente criadores, de desvendar o mundo formal ainda não 24 revelado” . 5.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

COSTA, Lucio: Sobre Arquitetura. Porto Alegre: Centro dos Estudantes Universitários de Arquitetura, 1962 GRAEFF, Edgar Albuquerque. Arte e técnica na formação do arquiteto. São Paulo: Studio Nobel: Fundação Vilanova Artigas, 1995.

21

‘Cativo’ como prisioneiro, aprisionado...

22

M. Polanyi, Personal Knowledge (1958, edição revisada: 1962. Chicago, The University of

Chicago Press, 1974, p. 134. “APUD” (?) (sic) Nouvel pag. 56 23

Recordar que em texto citado, Lucio Costa chamou de “sagrada obsessão” o que aqui é

chamado agora de “furor maníaco”. 24

COSTA, Lucio, op. Cit. (nota nr 3)


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JENKINS, Keith. A História Repensada. São Paulo, Ed. Contexto, 2001. KOHLSDORF, Gunter. Da Ciência de desenhar cidades e a Arte de construí-las: algumas considerações taxonômicas e metodológicas. GDUR/AUR, Brasília 1994. KOHLSDORF, Günter e HOLANDA, Frederico. Arquitetura como situação relacional. Brasília, 1994: Universidade de Brasília. NOUVEL, Pascal. A Arte de Amar a Ciência. São Leopoldo, RS: Ed. Unisinos, 2001. RÜSEN, Jorn. Teoria da História, os Fundamentos da Ciência Histórica. Brasília, Ed. Universidade de Brasília, 2001.


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PROJETO NACIONAL E APROPRIAÇÃO LOCAL: A CRECHE PREINFANCIA Cátia dos Santos Conserva "Minha casa é meu chapéu." Frase atribuída a Lampião no dia em que queimaram sua casa. INTRODUÇÃO A educação para os pequenos data do final dos anos 70, quando vemos os primeiros movimentos para incorporação de crianças de 4 a 6 anos nas políticas públicas de educação. Em consulta à Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, vemos que o Estado deverá garantir o atendimento às crianças de zero a cinco anos de idade, em creches e pré-escolas. A Constituição de 1988 tornou-se um marco histórico para a elaboração de políticas públicas para a infância ao colocar as crianças como sujeitas de direitos em vez de objetos de tutela, obrigando os sistemas de educação a reorganizarem suas propostas para a educação infantil. A Lei 9.394, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996), ratificou o direito à Educação Infantil ao explicitar uma "garantia" de atendimento gratuito em creches e pré-escolas às crianças de zero a cinco anos de idade. Em 2006, a Política Nacional de Educação Infantil (2006), reafirmou o conceito da criança como “um ser histórico, produtor de cultura e nela inserido.” Leis nós temos e muitas, como aplicar essas leis é que é o gargalo. Para creche, há o consenso geral de que ela é uma instituição especializada, onde a família deixa suas crianças de 0 a 6 anos, levando e trazendo todos os dias a fim de que lhes dêem o tempo livre para trabalhar, ao mesmo tempo em que suas crianças recebem benefícios de desenvolvimento e aprendizagem. (BARROS, 2002). Segundo a Fundação ABRINQ, Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (2011), o Brasil tem 10 milhões de crianças de 0 a 3 anos sem acesso a creches, sendo preciso construir 12 mil novas unidades. O PREINFANCIA é um programa da Administração Pública Federal destinado à construção de Escolas de Educação Infantil. Porém, se pensarmos essa construção em seu sentido existencial, do ser e estar, permanecer, morar, o habitar e suas representações comportamentais nos termos de Heidegger1, vamos nos deparar com cenas cotidianas do espaço vivenciado nas quais vamos perceber que o planejado para cada ambiente construído nem sempre será apropriado conforme o planejado.


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Como gestor dos recursos em nível federal, o MEC participa do processo com o fornecimento do projeto básico e a aprovação do projeto de implantação no qual os municípios inserem o projeto fornecido em um terreno pertencente à prefeitura. A licitação e a execução da obra são encargo da Prefeitura. Após, a equipe de engenheiros e arquitetos do MEC faz o monitoramento das obras até o seu recebimento. Após, tida como encerrada a obra, a Prefeitura cessa o vínculo com a Administração Pública Federal em todos os sentidos, inclusive a manutenção da obra é encargo único da Prefeitura. Aqui a percepção de que na esfera da Administração Pública o conceito do projeto se conclui antes da apropriação do espaço, ou seja, a elaboração do conceito não contempla a compreensão do produto por parte de quem o habita. A respeito dessa separação do universo mental e do universo prático, vemos em Brandão2(1999) a ideia de que um projeto, muito mais do que uma elaboração mental, pode servir "sobretudo, para a compreensão do produto do seu trabalho por parte de quem o habita", ultrapassando o campo especificamente gráfico, transcendendo para o campo da história e da poesia, fazendo dialogar os universos de quem projeta e de quem habita. -----------1

Heidegger em seu texto "Construir, habitar, pensar".

2

Brandão em seu texto "Linguagem e Arquitetura".

1.

O PROJETO PREINFANCIA

O projeto padrão PREINFANCIA foi concebido, em parceria com a Universidade de Brasília, para atender 240 crianças em dois turnos ou 120 em um único turno. São 1.200 m2 divididos em 4 Blocos: Administração, Serviço, Creches I e II, Creche III/PréEscola/Sala de Leitura e de Informática. O Bloco Administrativo contempla ambientes de Recepção, Secretaria, Diretoria, Sala de Professores, Almoxarifado e Sanitários. O Bloco de Serviço contempla Cozinha, Lactário, Copa e banheiros para Funcionários, Depósito, Lavanderia, Rouparia e Despensa. Para a Creche I, destinada a crianças de 4 a 11 meses foram previstos Fraldário, Berçário e área de amamentação.

Figura 01. Planta Baixa PREINFANCIA Fonte da imagem: www.fnde.gov.br, 13 de março de 2013


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Figura 02. Fachada 1 PREINFANCIA Fonte da imagem: www.fnde.gov.br, 13 de marรงo de 2013

Figura 03. Fachada 2 PREINFANCIA Fonte da imagem: www.fnde.gov.br, 13 de marรงo de 2013

Figura 04. Fachada 3 PREINFANCIA Fonte da imagem: www.fnde.gov.br, 13 de marรงo de 2013

Figura 05. Corte AA PREINFANCIA Fonte da imagem: www.fnde.gov.br, 13 de marรงo de 2013


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Figura 6: PREINFANCIA Perspectiva Fonte da imagem: www.fnde.gov.br, 13 de março de 2013

A volumetria aponta jogo de telhados coloniais e cores nas fachadas revestidas com cerâmica 5 x 5 cm amarela e azul, pintura branca e vermelha. A configuração geometrizada dos espaços "modernos". Na volumetria do edifício chama a atenção a Caixa D´água com capacidade para 45 000 litros em um grande volume cilíndrico amarelo com detalhes e escadas azuis. Detalhe interessante é que já vistoriamos obras no Piauí onde não havia água para encher os reservatórios. Aqui caberia a pergunta: Será que o problema da crise da educação no Brasil se resolve com a construção de Escolas? Sobre isso nos fala Heidegger: Por mais difícil e angustiante, por mais avassaladora e ameaçadora que seja a falta de habitação, a crise propriamente dita do habitar não se encontra, primordialmente, na falta de habitações. A crise propriamente dita de habitação é, além disso, mais antiga do que as guerras mundiais e as destruições, mais antiga também do que o crescimento populacional na terra e a situação do trabalhador industrial. A crise propriamente dita do habitar consiste em que os mortais precisam sempre de novo buscar a essência do habitar, consiste em que os mortais devem primeiro aprender a habitar. (...) De outro modo, porém os mortais poderiam corresponder a esse apelo senão tentando, na parte que lhes cabe, conduzir o habitar a partir de si mesmo até a plenitude de sua essência? Isso eles fazem plenamente construindo a partir do habitar e pensando em direção do habitar. (HEIDEGGER, 1954 p.10) Portanto, a crise na Educação pode ir além da necessidade de construção de Escolas. Importante também pesquisar como acontece a essência do aprender nas diversas culturas regionais do país e como se poderá fortalecer a educação regionalmente, fazendo uso dos artifícios, costumes e vivências locais. Vemos na básico:

Lei

8.666/93,

a

definição

do

que

seria

o

projeto

Conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado, para caracterizar a obra ou serviço, ou complexo de obras ou serviços objeto da licitação, elaborado com base nas indicações dos estudos


68

técnicos preliminares, que assegurem a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento, e que possibilite a avaliação do custo da obra e a definição dos métodos e do prazo de execução. (Lei 8.666/93, Art. 6º, IX,) De acordo com a Resolução 361/91 Engenharia, Arquitetura e Agronomia:

do

Conselho

Federal

de

O nível de detalhamento dos elementos construtivos de cada tipode Projeto Básico, tais como desenhos, memórias descritivas, normas demedições e pagamento, cronograma físico, financeiro, planilhas de quantidadese orçamentos, plano gerencial e, quando cabível, especificações técnicas deequipamentos a serem incorporados à obra, devem ser tais que informe e descrevam com clareza, precisão e concisão o conjunto da obra e cada uma de suas partes. (Resolução 361/91,CONFEA, Art. 4º, parágrafo 1) Vemos ainda na Lei 8.666/93, Art. 7º, parágrafo 2º, que as obras e os serviços somente poderão ser licitados quando existir orçamento detalhado em planilhas que expressem a composição de todos os custos unitários. Ora, não há como calcular custos unitários sem a existência de um projeto básico. A Orientação Técnica OT-IBR 001/2006 do Instituto Brasileiro de Auditoria de Obras Públicas nos diz que: Projeto Básico é o conjunto de desenhos, memoriais descritivos, especificações técnicas, orçamento, cronograma e demais elementos técnicos necessários e suficientes à precisa caracterização da obra a ser executado, atendendo às Normas Técnicas e à legislação vigente, elaborado com base em estudos anteriores que assegurem a viabilidade e o adequado tratamento ambiental do empreendimento. Deve estabelecer com precisão, através de seus elementos constitutivos, todas as características, dimensões, especificações, e as quantidades de serviços e de materiais, custos e tempo necessários para execução da obra, de forma a evitar alterações e adequações durante a elaboração do projeto executivo e realização das obras. (OT-IBR 001/2006, p.2) É de se destacar, porém, que os normativos e leis em nenhum momento acenam para a necessidade de que o projeto básico seja único, rígido e aplicável em todo o país, em nível nacional. Entendemos sim, que a existência do projeto básico completo, incluindo os complementares, é condição para as definições como avaliação de custos, prazos etc, no entanto, a lei não diz que o projeto não possa ser flexível, adaptável e aberto às condições de vivências e costumes regionais, envolvido com a capacidade de fecundar novos frutos a partir daquilo que colhemos no estudo dos modos de vida regionais. No dizer de Brandão (1999): "Aquele que concebe, portanto, é aquele que colhe, seja o grão ou seja a experiência vivida, para serem usados como alimentos ou para relançá-los à terra e gerar novos frutos a serem entregues ao mundo."


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2. A PADRONIZAÇÃO A padronização incorpora o conceito da repetição de uma forma modelo, otimizada pela racionalização dos recursos para sua viabilização econômica e financeira, buscando ir contra os desperdícios nos processos produtivos, aplicando raciocínios sistemáticos, lógicos e resolutivos, isentos do influxo emocional. A padronização com racionalizações e repetições, surge na história principalmente com a Revolução Industrial, uma vez que o processo produtivo industrial demanda eficiência e controle para evitar desperdícios e garantir a qualidade dos produtos. Já a padronização construtiva aposta na simplificação do processo produtivo a fim de que se permitam ganhos com a economia de escala, importante para aumentar a produtividade na construção. (BARROS, 2002). Para Lúcio Costa, a arquitetura revela as mudanças do início do século “desnacionalizando-se”, ligando a prática do trabalho do arquiteto com a busca de padrões. Para ele “Todo verdadeiro estilo é uma estandardização, e o fato de estarmos encontrando um standad para a arquitetura é sinal irrefutável de que estamos às portas de uma nova era, de um grande e genuíno estilo.” (PEREIRA, 1999). No Brasil, é prática corrente a padronização de projetos em instituições bancárias, de saúde, correios, hospitais, habitações populares e educação, como, por exemplo, os CIEPS (Centro Integrado de Educação Pública) associados ao Governo Brizola no Rio de Janeiro. O projeto padrão é, portanto, uma prática comum em projetos públicos, os quais buscam atender programas de necessidades padronizadas. Sobre a repetição de padrões em arquitetura, vemos em Holanda que a obra de arquitetura sempre trará a sensação de surpresa, ainda que se façam peças de repetição, pois haverá em cada célula, em cada vão, em cada espaço, um quê de imponderável, sobrevindo da apropriação do recinto como unidade formadora do conceito de lugar. Afinal a arquitetura insere-se num contexto socioambiental, corpo e mente esperando dos lugares a satisfação de expectativas e desempenhos em função de variados aspectos. (Holanda, 2013) Ao analisarmos o processo de projeto em arquitetura, vemos como fundamental a definição de necessidades que representem um cliente a ser atendido, além do conhecimento e estudo das condições do local, sejam topográficas, do clima etc. Conhecer o cliente é, ponto pacífico, essencial para a definição de cada ambiente. Esses procedimentos, em um projeto padrão, são, no mínimo, prejudicados, quando não eliminados. Ainda que se busque a fundamentação desse programa de necessidades em alguns parâmetros digamos, gerais, buscando a padronização dos programas de necessidades, vemos que não se consegue representar a variedade das situações reais, levando a generalizações que podem nos poupar a convivência com o inédito, com a infinidade de possibilidades, com a compreensão maior da


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realidade em que vivemos. Conhecer o cliente diretamente é essencial para especificar o uso de cada ambiente, já que conceitos abstratos, estereotipados, colocados em bitolas, podem se mostrar bastante inapropriados. A homogeneização dos espaços, o discurso universalizante nos mostrando, na análise do PREINFANCIA, seu aspecto ficcional. Principalmente se levarmos em consideração os arcabouços do desenvolvimento dito sustentável, no qual, os ditames do capitalismo selvagem cedem lugar à inclusão das expectativas sociais tanto quanto as econômicas e ambientais, atendendo às condições de clima, usos, costumes, emprego de materiais locais e mais uma grande quantidade de itens que, conectados, formarão a concepção dita sistêmica, voltada para o entendimento dos sistemas complexos da vida. Conforme questiona Capra: Não é verdade que um mesmo fato testemunhado por um grupo de pessoas pode ser percebido de forma diferente por diferentes pessoas? E a realidade invisível, inaudível, intocável, não passível de percepção pelos nossos sentidos normais? E o íntangível que não conseguimos demonstrar em nossos "balanços" e relatórios, quer se trate do país, da empresa ou mesmo de nossa vida pessoal? Não sería a realidade visível um instantâneo do processo da vida? O que está ocorrendo neste exato momento não seria conseqüência de algo que já está em processo? E esse processo não irá continuar gerando ainda outras conseqüências, ou seja, uma sucessão de outros instantes, encadeados e conectados entre si? (Capra, 1996, p.9) Assim, quando uma aranha constrói sua teia, o processo pode se dizer padronizado, mas, a cada investida, as partes criadas serão sempre diferentes. Cada teia é bela, única e perfeita, adaptada para cada situação. O processo, que é uniforme e simples, interage com uma variedade infinita, em diversas circunstâncias para produzir teias particularmente diferentes (ALEXANDER et al., 1977). Existe a padronização na natureza certamente, mas não uma padronização monótona, cada nova investida terá nova forma, cada elemento é reconhecido e apropriado de modo inteligente e inédito. Compreender essa teia é compreender a interdependência das suas partes, se acrescentado, ainda, a percepção de como essa teia está encaixada no seu ambiente social e natural, o todo organizado, que é a linha de frente do pensamento sistêmico: A tensão básica é a tensão entre as partes e o todo. A ênfase nas partes tem sido chamada de mecanicista, reducionista ou atomística; a ênfase no todo, de holística, organísmica ou ecológica. Na ciência do século XX, a perspectiva holística tornou-se conhecida como "sistêmica", e a maneira de pensar que ela implica passou a ser conhecida como "pensamento sistêmico".(Capra, 1996, p.29). Na abordagem sistêmica de Bertalanffy, as propriedades das partes só podem ser entendidas dentro de um contexto, lidando


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sempre com interconexões, em um processo de incorporação contínua. Nesse sentido, a ideia de um padrão seria, não a de uma representação, mas a de uma parte envolta em uma teia caleidoscópica de relações, como fractais analisados no âmbito da topologia. (Bertalanffy apud Capra, 1996, p. 64) 3.

OLHARES SOBRE O ESPAÇO EM IMPLANTAÇÃO

Implantação não é apenas inserir um projeto em um contexto de prédios e ruas, mas em um sistema de cenários, superfícies, espaços, seres, clima, topografia, condições geológicas, afastamentos, taxa de ocupação, índice de aproveitamento etc. A implantação começa pela análise das qualidades específicas e peculiares de cada local. Pode-se dizer que a implantação é a arte de ordenar o espaço para dar suporte ao comportamento humano (LYNCH, 1972).

Figura 7 - PREINFANCIA - PRUDENTE DE MORAIS MG Creche II Fonte da imagem: arquivo da autora, 2010

Figura 8 - PREINFANCIA - LAGOA DE PEDRAS RN Cozinha Fonte da imagem: arquivo da autora, 2010

Foucault (1967), em seu texto "De Outros Espaços" apresenta a noção de utopia como referente a lugares que não são reais, como a imagem em um espelho, ela existe e tem um lugar, mas não um lugar fixo. Já a heterotopia se refere a lugares reais, mas que estão fora do aceitável como normal pela sociedade, é o lugar do desvio, do conflito, das relações de poder de uma sociedade determinada. Nesse sentido, vemos na figura 7 o que seria a imagem da irreverência, do socialmente inaceitável, da presença que incomoda aqueles que imaginaram aquele espaço como o símbolo da modernidade limpa, pura e sem mácula. Sendo o espaço deserto a regra, a presença de animais seria uma espécie do desvio de Foucault, a dicotomia entre o urbano e o rural, quase entre o sagrado e o profano: espaços que existem e que são formados na própria fundação da sociedade -que são algo como contra-sítios, espécies de utopias realizadas nas quais todos os outros sítios reais dessa dada cultura podem ser encontrados, e nas quais são, simultaneamente, representados, contestados e invertidos. Este tipo de lugares está fora de todos os lugares, apesar de se poder obviamente


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apontar a sua posição geográfica na realidade. (Foucault, 1967, p. 3) Durante a construção vemos, na figuras 8, trabalhadores e suas necessidades particulares de abrigo que vão configurar situações nas quais se percebe o habitar no sentido de Heideger (1954). 4.

OLHARES SOBRE O ESPAÇO EM APROPRIAÇÃO

A perspectiva que nos direciona para a análise desse tema procura, na medida do possível, tratar a noção do habitar em momentos distintos de cenas cotidianas na creche PREINFANCIA ocupada e vivenciada pelas comunidades em seus estados e municípios. A noção de ser-no-mundo, como em Heidegger na Conferência Construir, Habitar, Pensar, realizada em um contexto de reconstrução pós-guerra. No momento daquela conferência o importante era construir, reconstruir, refazer um espaço que fora destruído pela guerra. No meio desse processo as inquietações a respeito da relação construir-habitar. As fotografias 9 a 14 nos levam a pensar sobre os universos de quem projeta e de quem habita, principalmente em se tratando de um projeto a ser replicado nacionalmente. Veremos que enquadrar a arquitetura em padrões fixos nos reserva surpresas pois cada ato de projeto é (deveria ser) único em relação ao seu contexto. Cada espaço vai receber aquela arquitetura a seu modo, com transformações de uso de acordo com suas experiências, contextos, tradições, costumes, memórias.

Figura 9 - PREINFANCIA - FORMOSA GO Creche I Fonte da Fotografia: arquivo da autora, fev 2013

Figura 10 - PREINFANCIA – FORMOSA GO Sala de Professores Fonte da Fotografia: arquivo da autora, fev 2013

Na Creche I, destinada a crianças de 0 a 1 ano, a área de amamentação, que é onde se vê, na foto, os colchões empilhados, foi, em Formosa GO (Figura 9) desconstruída "porque as mães não querem amamentar", deixam seus filhos e vão para seus trabalhos, não retornam para amamentar, nenhuma delas. As poltronas brancas destinadas ao ritual da amamentação foram removidas para a sala dos professores (Figura 10). A área projetada para ser o


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berçário é a área em que vemos, na foto 9, mesas fornecidas para compor o espaço do refeitório que fica no Pátio Central. Nessa cena, as divisórias que comporiam o berçário foram retiradas para que o espaço ficasse mais permeável e "mais fresquinho". Para Heidegger "é somente na travessia da ponte que as margens surgem como margens." (Heidegger, 1954), a forma de apropriação daquele espaço é que vai configurar o habitar, não tanto o conteúdo representado mas (muito mais) o conteúdo vivido. Adaptações foram feitas pelas professoras para que ajustassem suas necessidades a um espaço já construído.

Figura 11 - PREINFANCIA - JATAI, GO Creche I Fonte da Fotografia: arquivo da autora, outubro 2010

Figura 12 - PREINFANCIA - VERANÓPOLIS, RS Creche I Fonte da Fotografia: MEC (2013)

Na figura 11, em Jataí , GO, os berços foram posicionados no lado de fora do berçário, pela opção da conveniência do melhor contato visual pelas professoras, além das questões do conforto térmico. Na parede a inscrição em grandes letras: "Sua presença é muito importante para nós." A busca do clima do aconchego através da palavra escrita, uma vez que, talvez, não se tenha conseguido esse aconchego na simples vivência do espaço. De qualquer forma, a apropriação de um espaço pressupõe a possibilidade de que o usuário venha a colocar ali as suas marcas, alterando esse espaço de algum modo, pelo desenho, pela escrita, pela disposição dos objetos, pela cor, em exercícios de transformação do seu mundo. Daí a premissa de que é importante que os usuários façam parte do processo de projeto, expressando individualidades, singularidades, peculiaridades. Difícil imaginar uma arquitetura que não seja assim, voltada para a comunidade, para as pessoas a quem se destina a obra, sua identidade em construção, memórias, sonhos. Isso sem falar de características específicas daquele sítio, o clima, a infraestrutura, a topografia, além dos aspectos históricos e sociocomportamentais da localidade. A figura 12, cena de Veranópolis, RS, apresenta outra situação na recepção do lugar para a Creche I. No local para amamentação foram pendurados balanços, ficando o lavatório em situação que chega a atrapalhar a ação de brincar. O berçário com sua configuração projetual de portas e fechamentos foi bem-vindo para o clima frio do Rio Grande do Sul.


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O habitar aconteceu dentro do espaço definido e pensado para ser amamentação, não como amamentação, mas aconteceu como um parque de diversões trazido para dentro daquele espaço. A acepção de permanecer, no sentido do lugar onde se dá a instauração do ser, o habitar na sua dimensão existencial. O ser no sentido de estar envolvido, presente, atuante, vivenciando o espaço a seu modo. Nessa perspectiva, Heidegger (1954) lembra que a palavra alemã "buan" que significa construir, significa do mesmo modo habitar. Da mesma forma a expressão alemã "ich bin" significa "eu sou". Daí, ao dizer "eu sou", diz-se também "eu habito", exprimindo o sentido que indica que "o homem é à medida que habita". Raciocínio confirmado e ressaltado em outra passagem de "Construir, Habitar, Pensar": "Não habitamos porque construímos, mas construímos à medida que habitamos.", ou seja, à medida que ocupamos o lugar ao nosso modo, uma demora junto às coisas. Salvar a terra, acolher o céu, aguardar os divinos, conduzir os mortais eis os quatro traços do habitar pensado por Heidegger, a quadratura. Quatro instâncias que revelam o ser e a sua totalidade. Esse resguardar das quatro faces configurando aessência do habitar, uma relação, portanto, de caráter existencial.

Figura 13 - PREINFANCIA - TANGARÁ, RN Refeitório Fonte da Fotografia: MEC (2013)

Figura 14 - PREINFANCIA - ARAPORÃ, MG Sala de Informática Fonte da Fotografia: arquivo da autora, outubro 2010

Para Heidegger, a noção do habitar é central para a constituição do sentido do ser, no sentido de um "demorar-se dos mortais em meio às coisas", implicando o sentido do deixar as coisas serem. Em Tangará, RN, (figura 13), apesar de no projeto haver todo um ritual previsto em que os alimentos passariam por uma abertura passa-pratos, do passa-pratos para um balcão em frente, na planta chamado "buffet" e aí então, nesse balcão “buffet” seriam servidos os pratos das crianças. Na figura 13, a merendeira ignora tudo isso e leva a panela para o meio do Pátio. Aqui é como se algo tivesse faltado em um trabalho preliminar de projeto, como se tivesse faltado a entrevista preliminar, aquela em que absorvemos os gostos e anseios do cliente antes de fazer um projeto. Aqui o espaço foi entregue com um comportamento suposto, talvez imposto (o de usar o passa-pratos e a bancada), “determinado”, para só depois


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ficarmos sabendo que o que o cliente queria era ir para o meio do salão com a panela na mão, como uma mãe faria com seus filhos. A forma singular de apropriação daquele espaço é que vai configurar o habitar, não o conteúdo representado, mas o conteúdo vivido. Esse é, assim, o lugar da instauração do ser, configurando o habitar no sentido da presença no mundo, que por sua vez remete à noção de morar, permanecer, cultivar, estar envolvido. Na figura 14, professora e crianças ocupando o espaço previsto para sala de informática, funcionando como brinquedoteca. O programa de inclusão digital do governo consegue atender a bem poucas escolas, que dirá as creches. O espaço, não como um conteúdo representado, mas a noção de algo que se modifica à medida em que é habitado e vivenciado, uma "demora junto às coisas" no dizer de Hidegger Quando se fala do homem e do espaço, entende-se que o homem está de um lado e o espaço de outro. O espaço, porém, não é algo que se opõe ao homem. O espaço nem é um objeto exterior e nem uma vivência interior. Não existem homens e, além deles, espaço. (Hidegger, 1954, p.7) A capacidade de habitar vista como a referência do homem e seu lugar de acolhimento, presença e autenticidade do ser na articulação e produção dos seus espaços. Conhecer o cliente, a percepção das especificidades é, ponto pacífico, essencial para entender o funcionamento de cada ambiente, considerando que já aprendemos que conceitos abstratos e estereotipados sobre o cliente e o seu lugar podem ser inapropriados em situações variadas. Aquela arquitetura pensada no papel poderá ser bem equivocada se prejudicada na inserção correta no local, na cultura e no momento social e político do país. Holanda (2013) nos diz sobre isso que a questão do “determinismo arquitetônico” está mal discutida, pois muitas vezes ignora-se que a arquitetura tenha implicações outras que vão além de seus aspectos geométricos e de configuração convencionais. É preciso atinar que arquitetura e urbanismo não comandam vontades, não se brota uma nova sociedade a partir da ponta de um lápis ou de uma imagem perfeitamente renderizada. Segundo Holanda “projetamos a forma a ser construída, não as convenções pelas quais virá a ser utilizada.” Às barreiras e às permeabilidades físicas sobre o chão (sintaxe) se superpõem regras de utilização (semântica) que acrescentam significado simbólico à sintaxe do lugar e contribuem para constituir- produzir e reproduzir – padrões de interação social. O conjunto de permissões e restrições relativo às interações pessoais está “colado” à sintaxe e à semântica da arquitetura.” (Holanda, 2013,P. 24) Das sofisticadas e luxuosas mansões e obras de arte a humildes casas de operários, toda construção pode ser lida como um


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documento histórico, capaz de revelar aspectos da natureza dos homens e das sociedades que delas se apropriam. Não obstante entendemos que na prática profissional o arquiteto precisa exercitar um certo grau de causalidade entre o projeto e seus efeitos, certos arranjos no espaço podem sugerir certas formas de uso, mas não sempre. O que se aprende com as situações apontadas é que precisamos sim ter cuidado com implicações lineares, absolutas, diretas, sempre sabendo que a arquitetura é um sistema complexo por excelência, o que nos leva a prever possibilidades de haver sempre outras faces para uma mesma configuração, diferentes efeitos e usos na passagem entre as intenções de projeto e o espaço contruído. Segundo Hillier (1984), fundador da Teoria da Sintaxe Espacial, o espaço arquitetônico é feito de barreiras e permeabilidades, e estas podem contribuir para a reprodução de padrões de interação social, espaço físico e comportamentos humanos. Cabe ao arquiteto ter a noção de até que ponto o seu projeto vai agir sobre a vida das pessoas, sempre ciente de que a arquitetura, envolta na sua complexidade de relações, pode contribuir sim para o cotidiano das pessoas, mas não sozinha, sempre caminhando junto com vários outros aspectos, inúmeras faces, as quais terão efeitos expressos em nossos modos de agir, sentir, pensar, por vezes imprevistos. (Hillier apud Holanda, 2013, p.19) CONSIDERAÇÕES FINAIS Arquitetura não é projeto. Arquitetura é um processo. Processo que se inicia com um rol de necessidades, as idéias básicas, daí segue se desenvolvendo até que se julgue em condições de dar início à construção, depois vem a ocupação do edifício que faz parte também desse processo. E ainda os estudos de pós-ocupação, a manutenção e a demolição. O projeto não se conclui com o projeto, mas segue com a vivência do espaço. Cada ato de projeto é único com relação ao seu tempo, ao seu lugar, ao seu usuário que precisa necessariamente fazer parte do processo para expressar seu caráter, sua individualidade. Além disso, na época da busca pelo desenvolvimento dito sustentável, não se pode mais admitir uma arquitetura que não utilize materiais locais, atendendo às condições específicas de clima, usos e costumes. Percebe-se que o projeto padrão consegue fixar alguns parâmetros, mas não consegue atender a diversidade e variedade das situações reais. O projeto quando passa a pertencer a um determinado local, não é mais abstrato, passa a fazer parte daquele contexto. E em um projeto replicado, vê-se que cada implantação produz uma situação única. A observação das cenas cotidianas em visitas após a ocupação, aponta para discrepâncias entre proposições de projeto e realidade. Em sentido mais amplo os avanços e aperfeiçoamentos das atividades em arquitetura se dão justamente quando a acumulação de contradições entre a teoria e a experiência vivida enriquecem o processo com o aceno de novas possibilidades, de novos processos de projeto.


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Na simples replicação, o processo de projeto acaba sendo uma inversão de procedimentos porque fica faltando algo, fica faltando o dualismo que buscasse um face to face com a realidade daquele local, daquele cenário urbano, daquela cultura, daquele momento social e político. A receita já segue antes, o modelo já segue pronto. Não há um estudo da realidade local para que essa realidade forneça subsídios para uma intervenção no local. Daí o esvaziamento da atividade teórica, pois falta a ela a reflexão da experiência dos espaços vividos, da frutificação futura, da época da colheita. A lei tem que ser cumprida, mas a concepção do projeto básico único e replicado em nível nacional, se desfaz na constatação de que, sem que se considere a etapa da apropriação, o projeto é apenas uma promessa, uma expectativa, uma obra de ficção. O conceito em arquitetura, não se esgota nas linhas do projeto, é preciso que se re-estude o que se concebeu com vistas a futuras colheitas e novas potencialidades. O planejamento segue um caminho, a realidade pode seguir outro. O espaço precisa ser apropriado, vivido, antes de ser dado como concluído, se é que em algum momento o será, se pensarmos que a identidade muda em certos aspectos, o espaço vai se transformando sempre e sempre. Esse enfoque pode significar sim o fim das certezas implícitas em um projeto padrão. O sentimento de que é preciso o envolvimento da comunidade, dos usuários, buscar talvez mais perguntas que respostas. Daí a inquietação de que a pesquisa se faça, na percepção de que a flexibilidade do projeto básico, em relação ao tempo, lugares e usos, chegue a ser um elemento de projetação, com uma Análise Pós Ocupação, não apenas do ponto de vista técnico e de uso de materiais, mas com a aferição de níveis de satisfação e transformação do espaço pelo usuário. Não ceder à tentativa de dar algo a todos em vez de tudo a alguém, facultando ao projeto adaptações posteriores, tornando possível externar itens diferenciados e particulares de cada sítio de implantação, requerendo reflexões específicas e possibilidades de opções e flexibilidade de aplicação. A percepção das especificidades dos lugares, como vistas nas creches analisadas nesse artigo, atuando como elemento importante para o desenvolvimento de um projeto arquitetônico que fale, cante e encante, transcenda e surpreenda. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALEXANDER, C.; ISHIKAWA, S.; SILVERSTEIN, M. A Pattern language. Oxford, University Press, Nova York, 1977. BARROS, Lia A. F. (1); KOWALTOWSKI, Doris C.C.K.(2); Avaliação de projeto padrão de creches em conjuntos habitacionais de interesse social: o aspecto da implantação. NUTAU, 2002 Brandao, Carlos Antonio Leite. Linguagem e Arquitetura. Problema do Conceito. ed. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999.

O


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Lei

de

Diretrizes

e

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da

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APLICAÇÃO DE SINALIZAÇÃO VIVA PROJETOS RODOVIÁRIOS Lucinei Tavares de Assunção 1. INTRODUÇÃO Na elaboração de projetos rodoviários, todos os aspectos são considerados na busca de proporcionar ao usuário conforto e segurança. O projeto rodoviário é composto por diversos projetos, como: projeto geométrico, terraplenagem, pavimentação, drenagem e não menos importante o projeto de sinalização viária. Entretanto, o projeto de sinalização ainda não alcançou sua relativa importância. E não pode ser considerado, simplesmente, um elemento para corrigir falhas da concepção e/ou construção da rodovia. Segundo o Código de Trânsito Brasileiro (CTB, 2008), sinalização é o conjunto de sinais de trânsito e dispositivos de segurança colocados na via pública com o objetivo de garantir sua utilização adequada, possibilitando melhor fluidez no trânsito e maior segurança dos veículos e pedestres que nela circulam. Os sinais de trânsito são elementos de sinalização viária que se utilizam de placas, marcas, viárias, equipamentos de controle luminosos, dispositivos auxiliares, apitos e gestos, destinados exclusivamente a ordenar ou dirigir o trânsito dos veículos e pedestres. As informações que constituem a sinalização são dadas por meio de mensagens escritas ou simbólicas, e, para que a sinalização tenha eficácia é necessário que a qualidade da informação e da recepção, tenha informações uniformes, homogêneas, simples e coerentes. No Art 87, do CTB, os sinais de trânsito classificam-se em: verticais; horizontais; dispositivos de sinalização auxiliar; luminosos; sonoros; gestos do agente de trânsito e do condutor. Pode-se observar, que na classificação dos sinais de trânsito do CTB não é citada diretamente a sinalização viva, objeto de estudo deste trabalho. Todavia, a sinalização viva, pode ser considerada como dispositivo de sinalização auxiliar. E sua denominação é devido ao uso de vegetação ao longo das vias. Assim, este trabalho tem o objetivo de enfatizar a aplicação da sinalização viva em projetos rodoviários. 2. SINALIZAÇÃO VIVA No Brasil, a sinalização viva ainda é pouco difundida. Contudo, o Estado do Rio Grande do Sul, por meio do Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem-DAER, desde 1976 possui um manual com as Instruções para Sinalização Viva das Rodovias Estaduais. O Departamento de Estradas de Rodagem de São Paulo-DER, também possui o Manual de Sinalização Rodoviária de 2006, que enfatiza o uso da sinalização viva. A sinalização viva consiste no uso de técnicas de paisagismo para o plantio de vegetação à margem das vias, com objetivo de


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reforçar a sinalização viária tradicional, proporcionar ao usuário da via, orientação e referência, e contribuir para maior eficiência da segurança no trânsito. Importante destacar que essa sinalização atua no inconsciente do usuário da via e auxilia sem que ele se dê conta. Além disso, a sinalização com vegetação deve considerar critérios para assegurar condições adequadas de visibilidade nas vias. O DER/SP recomenda em sua Instrução de Projeto de Paisagismo a aplicação do conceito de áreas de visibilidade desimpedida (DER/SP, 2006). Na Tabela 1 são apresentadas as distâncias de visibilidade de parada-DVP e de ultrapassagem-DVU, para a via, em função das velocidades de projeto adotadas em cada trecho. Tabela 1: Distância de visibilidade de Parada Velocidade de Projeto (km/h) 20 30 40 50 60 70 80 90 100 110 120

Distância de Visibilidade de Parada (m) 20 35 50 65 85 105 130 160 185 220 250

Distância de Visibilidade de Ultrapassagem (m) 200 270 345 410 485 540 615 670 730 775

Fonte: DER/SP, 2006. Também deve-se considerar a distância de visibilidade de decisão–DVD nos casos em que as expectativas dos condutores sejam alteradas ou em que haja probabilidade de dúvida ou erro do motorista na tomada de decisão ao receber informações. Isso ocorre, por exemplo, em locais de interseções com manobras não usuais. Neste caso, os valores correspondentes chegam, frequentemente, a superar o dobro dos valores das DVP. Outro aspecto importante a considerar são as áreas de Visibilidade Desimpedida - AVD que devem ser determinadas graficamente, e considerar o campo visual dos motoristas com direção ao percurso considerado, com vértice no observador situado a uma distância do cruzamento correspondente à DVP adotada para o trecho percorrido. A área de intervenção do projeto está em grande parte no campo de visão periférica, acima dos 12 graus, onde as imagens dos objetos são pouco claras e não permitem a identificação das cores, mas de movimentos e brilhos. O campo de visão é diretamente proporcional à velocidade desenvolvida; o movimento faz com que a capacidade da visão periférica varie, e diminui o campo visual à medida que a velocidade aumenta (Figura 1).


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Figura 1: Distância de visibilidade x velocidade / Fonte: DER/SP, 2006 Conclui-se que quanto maior a velocidade mais o ponto focal se afasta o que reduz a percepção lateral do veículo e, consequentemente, a segurança no local. O motorista tende a aumentar a velocidade, causando efeito de hipnose ou “túnel de visão”, o que contribui ainda mais para a redução da segurança e conforto. Para caracterização das AVD deve-se considerar a altura dos olhos dos motoristas em relação ao plano da rodovia, altura de aproximadamente entre 1,00 m e 1,25 m. A Figura 2 ilustra a obtenção gráfica de AVD.

Figura 2: Representação Gráfica das Áreas com visibilidade desimpedida / Fonte: DER/SP, 2006 A utilização de vegetação pressupõe o atendimento aos critérios de seleção, agrupamento e localização das espécies consistentes com premissas e demais parâmetros genéricos estabelecidos para a via. A exceção são os arbustos que possibilitem a criação de estrato herbáceo para revestimento vegetal. Não são recomendadas espécies arbóreas caducas ou com queda de folhas, principalmente, próximo a dispositivos de drenagem como valetas e grelhas, tendo em vista que a queda e o acúmulo de folhas podem interferir com o funcionamento desses dispositivos. Também, não são recomendadas espécies arbóreas frutíferas na faixa de domínio das vias. É aconselhável que dentro das AVD só sejam plantadas forrações com altura que não ultrapasse 50 cm do solo. No caso de barreira vegetal empregada como dispositivo anti-ofuscante ou anteparo, a seleção dos elementos deve considerar alguns requisitos: altura mínima de 1,75 m; densidade de ramos e folhas que constituam maciços densos e contínuos; resistência a impactos; perenidade da folhagem; manutenção simples, espécies mais rústicas, sem necessidade de podas. 3. APLICAÇÃO DA SINALIZAÇÃO A sinalização viva pode ser aplicada nas vias para cumprir funções como antiofuscamento, proteção de elementos ou obstáculos físicos, prevenção de monotonia, destaque do traçado geométrico e de outros elementos rodoviários e lindeiras à rodovia.


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3.1 Antiofuscamento A vegetação utilizada como dispositivo antiofuscante supre a necessidade de dispositivos artificiais, com o objetivo de minimizar o ofuscamento em curvas verticais e/ou horizontais. Para esse efeito, a vegetação deve ser implantada nos canteiros centrais. Porém, deve-se observar os seguintes parâmetros: adotar a distância de 1000 m antes das áreas detectadas de ofuscamento; A distância de visibilidade sob ofuscamento é diretamente proporcional à largura da separação entre os fluxos. A distância é reduzida gradativamente, atingindo longitudinalmente no mínimo 100 m para separação de 3 m. Portanto, canteiros centrais com largura igual ou inferior a 3 m necessitam de algum dispositivo antiofuscante. Para canteiros mais largos, os pontos de possíveis conflitos devem ser analisados graficamente conforme mostrado na Figura 3.

Figura 3: Vegetação com função antiofuscante e amortecedora de impactos. / Fonte: DER/SP, 2006 Os efeitos dos faróis devem ser levados em consideração. No caso do farol baixo, a distância de visibilidade permanece constante em cerca de 55 m até a separação entre veículos de 300m. A partir daí a visibilidade decresce, e atinge um mínimo de cerca de 30 m para distância de separação de 80 m. Para faróis altos, o efeito já é sentido para separação da ordem de 1000 m; a distância de visibilidade decresce até atingir o valor mínimo no mesmo ponto observado para a luz baixa, crescendo a partir daí. Também, deve-se levar em conta o efeito de ofuscamento causado pelas frestas das folhagens, devido provocarem o chamado efeito estroboscópio. Este efeito ocasiona desconforto e insegurança aos motoristas, e pode até resultar em desmaios de pessoas epiléticas. Para evitá-lo é importante observar a densidade de maciço vegetal. A Tabela 2 mostra alguns parâmetros. Tabela 2: Densidade dos maciços vegetais.

Fonte: DER/SP, 2006

Diâmetro da Copa (m)

Distância de Plantio (m)

Densidade do Maciço (un/m²)

8,00

7,00

0,02

5,00

4,00

0,07

3,50

3,00

0,13

3,00

2,00

0,29

2,00

1,50

0,51


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A Figura 4 ilustra o modelo apresentado pelo DAER/RS do efeito antiofuscamento em canteiro Central, que podem ser executados nos projetos rodoviários.

Figura 4: Vegetação no canteiro central – efeito de antiofuscamento./ Fonte: DAER/RS, 1976 3.2

Amortecimento de impactos

Maciços de espécies vegetais, arbóreas e predominantemente de espécies arbustivas podem constituir barreiras amortecedoras de impacto, pela densidade, pela trama ou pela não-rigidez dos troncos ou galhos, e amortece o impacto de veículos desgovernados em locais particularmente críticos da estrada. É indicado na Figura 5 como poderá ser implanta a vegetação em curvas horizontais. Nos casos de canteiros centrais de largura igual ou superior a 9,0 m, em curvas cujas tangentes que possam ocasionar saída para pista contrária devem ser analisados graficamente, conforme ilustrado na Figura 3.

Figura 5: Barreira vegetal amortecedora lateral. / Fonte: DER/SP, 2006. Uma sucessão escalonada de arbustos flexíveis, seguidos de árvores pequenas e árvores de porte maior e mais resistentes pode constituir uma barreira de amortecimento progressivo de impacto, necessária em determinados casos, conforme Figura 6.


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Figura 6: Barreira Escalonada Amortecedora e Volumetria / Fonte: DER/SP, 2006. Os arbustos com menos de 5cm de diâmetro de tronco (quando adulto) serão plantados a 1,50m da borda externa do acostamento (DAER/RS, 1976). E segundo a American Association of State Highway and Transportation Officials–AASHTO, de 2002, há larguras básicas de zonas livres de obstáculos contadas perpendicularmente à via a partir da borda da pista de rolamento, conforme a velocidade da via. O plantio de árvores deve ocorrer em rodovias de pista simples de acordo com a Tabela 3. Tabela 3: Velocidade x distância do bordo da pista Velocidade da Rodovia

Distância do bordo da pista

Igual ou inferior a 60 km/h

4,50 m

Entre 70 km/h e 80 km/h

5,50 m

90 km/h

6,50 m

100 km/h

9,00 m

110 km/h

10,00 m

Fonte: AASHTO, 2002 Com relação à norma brasileira da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT, a NBR 15486/2007, cita que em rodovias de alta velocidade deve ser prevista uma área lateral à rodovia, desobstruída e traspassável, que se estenda aproximadamente 9,0m além da pista. 3.3

Proteção Ambiental

Talude de Aterro

A aplicação em taludes de aterros Figura 6, além de proteger as saídas de pista, o maciço vegetal proporciona ao motorista uma sensação de tranquilidade e segurança, pois o mesmo sentir-se-á protegido pela cortina vegetal formada, que encobrirá a topografia acidentada do terreno, e dá a impressão de nivelamento, uma vez que as copas dos arbustos ficam ao nível, ou acima da pista de rolamento.


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Figura 6: Aplicação de maciço vegetal em talude de aterro. / Fonte: DER/SP, 2006. 

Taludes de corte

A aplicação é para o não surgimento de erosões. E para essa proteção podem ser usadas, além das gramíneas, espécies vegetais de outros portes, e deve-se observar alguns fatores condicionantes, como a natureza do solo, a declividade e, principalmente, a capacidade para contenção. No caso de taludes de corte com inclinação acentuada, isto é, superior a 1:1,5 não são recomendadas espécies arbóreas e sim forrações e arbustos, porém com raiz de sistema radicular forte e intricado. O uso de vegetação nas bermas do talude deve limitar-se ao revestimento vegetal, pois esse local é usado como acesso para manutenção, com presença de dispositivos de drenagem. Deve ser observada a distância mínima entre a vegetação e as obras de drenagem, de forma que os elementos da vegetação não danifiquem tais dispositivos pela agressão de suas raízes e nem os sobrecarreguem com folhas e galhos, para não prejudicar sua funcionalidade. Os arbustos localizados na base dos taludes de corte também podem proteger os usuários da via de possíveis quedas de elementos soltos, tais como pedras, galhos e pequenos animais. Esquematicamente, a Figura 8, ilustra os posicionamentos recomendados do uso da vegetação nos taludes de corte.

Figura 8: Vegetação a ser aplicada em talude de corte. / Fonte: DER/SP, 2006 3.4 Barreira inibidora de travessia Outra função ainda não muito empregada, mas que se torna mais interessante os dispositivos artificiais é o uso da vegetação para inibir a travessia de pista por pedestres e animais em locais críticos. Também direcionar a travessia em ponto seguro da via, onde estão implantadas passarelas e outros dispositivos de travessia. Devem ser seguidos critérios de segurança e


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visibilidade em pontos com volume significativo de pedestres ou animais. 3.5 Sinalização A aplicação na sinalização possui o objetivo de aumentar a atenção dos usuários em determinados pontos da via, para evitar a sua distração e a formação de áreas de sombra isoladas ou descontínuas na pista para minimizar a imprevisibilidade e aumentar as condições de segurança no local. 3.5.1 Em longas retas As longas retas são trechos da via que geram a monotonia e a fadiga (Figura 9) e, portanto, convidam o motorista a aumentar a velocidade e diminuir sua segurança. Na quebra da monotonia é fundamental que se tire o maior proveito da composição vegetal. A formação de vários ritmos, por meio do aproveitamento de espécies vegetais diferentes, devido à variação de estruturas, das tonalidades de verde das folhas, da coloração das flores, e época diferente de surgimento das mesmas, poderão transformar um panorama monótono em atrativo, e despertar, assim, o interesse do motorista. Além, proporcionar a integração da via com a paisagem local.

Figura 9: Disposição de vegetação para quebra de monotonia. Fonte: DAER/RS, 1976 / 3.5.2 Curvas horizontais e verticais Em curvas horizontais, o uso de árvore ou arbusto no centro da curva, pode ser utilizada como referencial de raio do giro do veículo (DER/SP, 2006). A Figura 10a, mostra exemplo da forma de disposição de maciço vegetal que deve ser locado no lado externo da curva para reforçar o traçado geométrico. Nas curvas verticais, Figura 10b, ilustra a utilização repetida da vegetação de mesmo porte para aumentar a percepção das curvas verticais.


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Figura 10a: Curvas horizontais

Figura 10b: Curvas verticais

Fonte: DAER/RS, 1976. Também, o uso da sinalização viva, com o uso da vegetação com a repetição de mesmo porte para aumentar a percepção da curva vertical combinada com vegetação de porte escalonado junto à curva horizontal, pode-se usar na combinação de curvas verticais e horizontais. 3.5.3 Redução de aceleração A combinação do uso de renques, fileiras, de vegetação em ambos os lados da rodovia, numa disposição levemente arqueada, o movimento das plantas no campo de visão lateral dos condutores ajuda a acentuar a sensação de velocidade dos veículos, que os leva instintivamente à redução da aceleração, conforme Figura 11.

Figura 11: Vegetação para induzir a redução de aceleração. / Fonte DAE/RS, 1976. 3.5.4 Bifurcações Para reforçar a sinalização das bifurcações, pode-se utilizar vegetação de porte escalonado: arbustos à frente, para amenizar eventuais choques; árvores médias e altas atrás para enfatizar, à distância, a existência de obstáculos à frente, conforme Figura 12. Deve-se deixar recuo suficiente em relação ao nariz físico, para que os troncos das árvores não venham a representar risco de colisão frontal.


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Figura 12: Vegetação de diferentes portes para sinalizar bifurcações. / Fonte: DER/SP, 2006 (adaptada). 3.5.5 Acessos É possível a utilização da vegetação expressiva e diferenciada para marcar os acessos, conforme Figura 13, e facilitar sua memorização, tomando os devidos cuidados para não prejudicar a intervisibilidade entre os veículos, a visualização dos ramos de acesso e da sinalização convencional.

Figura 13: Sinalização viva em acessos e trevos. / Fonte DAER/RS,1976. 3.5.6 Rotatórias A utilização de vegetação no centro da rotatório (Figura 14), para de enfatizar o obstáculo, e de renques de vegetação nas aproximações, com intuito de dar a impressão de enclausuramento e induzir à redução de velocidade, sem prejudicar a intervisibilidade entra os veículos.

Figura 14: Sinalização viva em rotatórias. / Fonte: DER/SP, 2006 3.5.7 Destaque visual à sinalização convencional O uso para dar maior destaque visual à sinalização convencional, Figura 15, usa-se arbustos e árvores como pano de fundo, porém maciços contínuos de arbustos colocados à margem das pistas devem ser interrompidos à distância mínima de 40,00m da placa de sinalização.


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Figura15: Sinalização viva para destacar a sinalização convencional. / Fonte: DER/SP, 2006. 3.5.8 Obras de arte especial, passarela e ponto de ônibus A vegetação também auxilia a sinalizar elementos de referência como obra de arte, passarela, pontos de ônibus (Figura 16a), etc. Para melhor adequação a essa função, deve-se selecionar as espécies de acordo com suas características de porte, densidade, floração e matizes. Em obras de arte especiais, Figura 16b, o uso da vegetação é usual para enquadrar a obra de arte, e dirigir a atenção dos motoristas para o ponto de concentração de movimentos da rodovia.

Figura 16a : Ponto de ônibus Figura 16b: Obra de arte Fonte: DAER/RS, 1976 O uso de agrupamentos densos de vegetação pode melhorar a ambientação da via, oferecendo proteção visual e sonora aos usos à margem da via, o que atenua a poluição ambiental em habitações das comunidades lindeiras próximas a faixa de domínio (DER/SP, 2006). 4. APLICAÇÃO NO BRASIL No Brasil, o uso da sinalização viva ainda é elementar. Mas que estudos mostram grande tendência na aplicação dessa técnica, não apenas, como proteção ambiental. Podem-se verificar projetos com a aplicação no Brasil, como: na duplicação da BR-101 Sul (Figura 17), com uso de vegetação local para reforçar o limite do canteiro central.


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Figura 17: BR-101 Sul – Canteiro Central (Foto: Tadeu Vilani/Agência RBS) Outro exemplo é na SP-160, Rodovia Imigrantes (Figura 18), com o uso da vegetação como elemento de antiofuscante, uma vez que o canteiro central é estreito.

Figura 18: SP-160 – Canteiro Central da Imigrante (Foto Google) E ainda pode-se citar o projeto de paisagismo da Rota do Sol- RS 486, Figura 19.

Figura 19: Paisagismo da Rota do Sol - RS 486 / Fonte: site http://www.lisetesamersla.com.br/projetos.php


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5. CONSIDERAÇÕES IMPORTANTES DO USO DA SINALIZAÇÃO VIVA Como todo dispositivo de segurança, há necessidade de observar alguns detalhes, principalmente, na escolha do tipo de vegetação, uma vez que a vegetação escolhida não pode danificar elementos da infraestrutura como o pavimento e a drenagem da rodovia. A vegetação não deve transformar-se em um obstáculo que amplie o impacto. Por isso, devem ser observados o porte, a densidade, a distância e o posicionamento das espécies a serem implantadas. As vegetações de grande porte devem ficar a uma distância segura para que não se tornem um obstáculo fixo e prejudiquem a segurança tornando-se um risco ao usuário da rodovia e seja descaracterizado o objetivo da sinalização viva. Há de se observar também a dificuldade de manutenção do uso de vegetação na sinalização. Assim, recomenda-se que na seleção das espécies vegetais priorize-se plantas nativas, compatíveis com a fitogeografia da região para melhor integração à paisagem. Outro desafio para o uso da sinalização viva é verificar se os usuários vão realmente fazer a associação de que a sinalização viva é um componente da sinalização viária, uma vez que é pouco usada no Brasil. 6. CONCLUSÃO O paisagismo rodoviário, com a prática na sinalização viva, além de se preocupar com o interesse e o conforto visual que a paisagem pode proporcionar ao usuário das vias, também contribui com a segurança viária, ao tirar partido das perspectivas visuais criadas com a disposição adequada da vegetação ao longo da via, para destacar os elementos rodoviários e quebrar a monotonia da paisagem, com aumento da atenção do usuário durante seu percurso. A sinalização viva, além de sinalizar e melhorar a eficiência da sinalização tradicional, desempenha, na atualidade, um papel importante de sustentabilidade do meio ambiente. Assim, pode ser usada para manutenção e enriquecimento da cobertura vegetal ao longo da via, com intuito de proporcionar a recomposição de áreas desmatadas ou destocadas na época da construção da rodovia. Pode-se também observar que a aplicação da sinalização viva, possui uma grande importância, e profissionais que atuam na área de Engenharia, Arquitetura como na área de proteção ao Meio Ambiente, estão empenhados em fazer da aplicação da sinalização viva como projeto sustentável e viável tecnicamente. Bem como proporcionar ao usuário das vias maior segurança, bem como um aspecto de conforto visual. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AASHTO (2002,) Road-side Design Guide ed.2002 da Association of Highway and Transportation Officials.

American

ABNT (2007) NBR 15486 – Segurança no tráfego – Dispositivos de contenção viária Diretrizes. Associação Brasileira de Normas Técnicas, Rio de Janeiro.


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BRASIL. Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997. Institui o Código de Trânsito Brasileiro. CTB (2008) Código de Trânsito Complementar em vigor. Brasília

Brasileiro

e

Legislação

DAER (1976) Instruções para Sinalização viva das rodovias estaduais. Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem. Rio Grande do Sul. DER (2006) Manual de sinalização rodoviária. Departamento de Estradas de Rodagem do Estado de São Paulo, São Paulo. G1. BR-101 ganha sinalização acidentes. Disponível em: <

com

plantas

para

http://www.101sul.com.br/site/noticias.php?id=1545>. acesso: 29/11/2011.

prevenir Data

de

http://g1.globo.com/brasil/noticia/2011/05/br-101-ganhasinalizacao-com-plantas-para-prevenir-acidentes.html visitado em 30-11-2011. http://www.arquitetur.com.br/paisagismo.htm, 05/12/2011 PANITZ. Mauri Adriano. Dicionário Porto Alegre: EPICURS, 2003.

Técnico:

visitado

em

português-inglês.


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EXTENSÃO: VIAGENS ACADÊMICAS

Fotografias das viagens acadêmicas realizadas no período. Em cima: Sabará e São Paulo. Embaixo: Goiás e Machu Picchu. Mais embaixo: Tiwanaku/Bolívia. Creditos: Julianderson Brandão. Segue artigo da Professora Lilian Neves, sobre a viagem acadêmica internacional realizada no período, precisamente em Julho de 2013 para Bolívia e Peru.

Tiwanaku, Bolívia


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Viagem Acadêmica: Bolívia e Peru Julho 2013 Lilian Neves “A cidade de Nuestra Señora de La Paz (ou simplesmente "La Paz") foi fundada em 20 de outubro de 1548, pelo capitão espanhol Alonso de Mendoza, no local em que, atualmente, se situa a comunidade de Laja.”(1) Foi nesta cidade que começou a nossa jornada pela cultura inca, viagem planejada pela Coordenação do Curso de Arquitetura e Urbanismo, contendo roteiro rico em descobertas culturais e rico em conhecimento de outras propostas arquitetônicas. O grupo que inicialmente seria composto por alunos e professores da faculdade, foi completado com outras pessoas, de diferentes idades e profissões, o que levou ao enriquecimento das discussões durante nossos trajetos – permeados com música ambiente, ao som de atabaque, pandeiro e vozes femininas e masculinas tentando manter um único ritmo. Depois de dois dias na capital boliviana, onde visitamos os principais monumentos da cidade, praças e os mercados com as características peças artesanais produzidas pelos bolivianos, fizemos o primeiro passeio fora da cidade – fomos conhecer Tiwanaku, sítio arqueológico.

Foto Ponto Central Tiwanaku -

arquivo pessoal

Nesse local, tivemos o primeiro contato com o sistema construtivo fortemente inserido na região, com a predominância de pedras, o altar voltado para o sol, e forte presença de símbolos da cultura inca. Saindo da capital e arredores, Copacabana, ainda na Bolívia.

a

parada

seguinte

foi

em


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Mas não há como chegar até essa cidade sem mencionar o belo caminho percorrido, em especial a chegada e a travessia do Lago Titicaca. “Lago Titicaca, com cerca de 8300 km² e situando-se a 3821m acima do nível do mar, é o lago comercialmente navegável mais alto do mundo e o segundo em extensão da América Latina, superado apenas pelo Lago de Maracaibo, na Venezuela” (2) Após a travessia, precorremos um caminho contornando esse Lago, e a cada curva, uma nova imagem se apresentava, moldada por montanhas, campos e sempre com o predomínio do azul do lago se mesclando ao do céu. Nos dois dias visitando essa cidade, pudemos conhecer a bela igreja de N.Sra. de Copacabana, cuja réplica da imagem foi levada para o Rio de Janeiro no século XIX, o Morro do Calvário – teste para a trilha que se aproximava para alguns no último trecho da viagem, e uma tarde de visita à Ilha do Sol.

Foto Igreja N.Sra de Copacabana – Arquivo Pessoal Após alguns dias em solo boliviano, cruzamos a fronteira e chegamos ao Peru, ainda circundando o Lago Titicaca, chegamos a Puno, e dessa cidade partimos para mais uma etapa muito interessante, a visita às Ilhas Flotantes. No local, além das características construtivas que nos foram explicadas, pudemos conhecer artesanatos diferentes, produzidos pelos moradores e vendidos aos turistas. Depois de longa viagem de ônibus, enfrentando alguns desvios devido à greve que acontecia nos transportes peruanos, chegamos à cidade de Cuzco. “Cusco é uma cidade muito alta (com 3400 metros altitude). Seu nome significa "umbigo", no idioma quíchua. Era o mais


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importante centro administrativo e cultural do Tahuantinsuyu, ou Império Inca. Lendas atribuem a fundação de Cusco ao Inca Manco Capac no século XI ou XII. As paredes de granito do palácio inca ainda estão lá, bem como monumentos como o Korikancha, ou Templo do Sol.”(3) A primeira visão da Praça das Armas, iluminada, destacando seus monumentos, é inesquecível. Nos dias seguintes, tivemos oportunidade de visitar os principais pontos históricos da cidade, bem como sítios arqueológicos no entorno. A mistura de construção com base inca e aspectos europeus inseridos pela invasão espanhola, é uma marca nessa região. Chama nossa atenção a necessidade de tentar destruir a marca forte da cultura inca, mas a fortaleza deixada por aquele império não se retrata apenas nas pedras, mas nas faces, na música, na linha de artesanatos locais e na culinária. Esses traços fortes, os espanhóis não conseguiram dizimar.

Foto Praça das Armas – Cusco – Arquivo Pessoal

Nos dias subsequentes, percorremos os caminhos do Vale Sagrado, conhecendo os Muros de Moray – centro de pesquisa agrícola onde os terraços onde eram realizadas as plantações no império inca, as Salinas de Maras – onde vislumbramos cerca de 4000 salinas em operação. Após um almoço em Urubamba (local e comida incríveis), seguimos para Ollantaytambo, cuja zona arqueológica é muito significativa, com poliedros que formam muros e portais de templos, terraços e outras demonstrações da arquitetura inca. Além desse acervo, encontramos na cidade também construções préhispânicas, como exemplos de edificações militares, religiosas e administrativas.


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De lá, partimos de trem para Águas Calientes, onde pernoitamos para seguir na madrugada, o caminho para o ápice dessa jornada: Machu Pichu. Visitar Machu Pichu é algo difícil de descrever. Inacreditável como aquele sítio foi preservado da destruição espanhola, preservando suas características construtivas. “Machu Picchu (em quíchua Machu Pikchu, "velha montanha"), também chamada "cidade perdida dos Incas",1 é uma cidade précolombiana bem conservada, localizada no topo de uma montanha, a 2400 metros de altitude, no vale do rio Urubamba, atual Peru. Foi construída no século XV, sob as ordens de Pachacuti. O local é, provavelmente, o símbolo mais típico do Império Inca, quer devido à sua original localização e características geológicas, quer devido à sua descoberta tardia em 1911. Apenas cerca de 30% da cidade é de construção original, o restante foi reconstruído. As áreas reconstruídas são facilmente reconhecidas, pelo encaixe entre as pedras. A construção original é formada por pedras maiores, e com encaixes com pouco espaço entre as rochas.”(4) A visita guiada de uma hora e meia nos apresenta todo o histórico daquela maravilhosa cidade. Costumes, aspectos da agricultura, dos cultos realizados, são apresentados por um profissional especializado que com maestria e empolgação nos expõe a riqueza deixada por um império significativo que durante muito tempo viveu na América do Sul. Terminada essa etapa da viagem, retornamos a Cusco e em seguida a La Paz, para o voo de volta ao Brasil. Foram 12 dias de intensa programação, onde pudemos conhecer novas pessoas, conviver diariamente com aspectos culturais importantes da história americana de países que fazem fronteira com o Brasil e sobretudo, conhecer uma arquitetura marcante, com aspectos construtivos sólidos e ensinamentos impressionantes que até os dias atuais são estudados e aprimorados. Para encerrar este relato, nada melhor do que uma foto que talvez seja a mais comum entre todos que visitam Machu Pichu, mas que certamente traz a cada um que vivencia esse visual, emoções e descobertas distintas.

Foto Machu Pichu 09.07.2013 – Arquivo Pessoal


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(1)

Wikipedia

(2)

N.Sra de Copacabana da Bolívia – blog de viajantes

(3)

Wikipedia

(4)

Guia O Viajante na América do Sul

Lilian Neves – Agosto 2013


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Seção: Literatura LASCA DE OURO/PEDRA PRETA Chico Junior lasca de ouro/pedra preta [amém] em cada lasca de pedra em cada velho pedaço de ruína, vê-se um pouco de nós um porquê daquela rua um querer doutra esquina. imagem da vida que segue veloz um lodo que vence algoz toda restauração sempre um pouco de história ontem morta, hoje menina. sangue marcado na voz de quem liberta feroz um brasil escravo de sua própria rotina. descobre lento e atroz relevo marcado em ouro preto nas gerais dessas colinas. então digamos assim: [jovens, meninos e meninas] liberdade ainda que tardia! meu país que de mim proveu meus avós/ teus filhos, desfrutem o ouro de minas!


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Ouro Preto – Crédito: Priscilla Maciel Teixeira


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Artigo de aluno: Edgar Araújo da Costa

O VEÍCULO LEVE SOBRE PNEUS EM BRASÍLIA Projeto de Pesquisa do Curso de Arquitetura e Urbanismo das Faculdades Planalto como requisito parcial para conclusão da disciplina Teoria e Metodologia da Projetação em Arquitetura e Urbanismo, sob orientação do Professor Ronaldo. Brasília, 2013 “Se quisermos alcançar resultados nunca antes alcançados, devemos empregar métodos nunca antes testados.” (Francis Bacon)

Para o amigo professor que caminhada.

Fred, arquiteto e me inspirou essa

Agradeço ao corpo docente da faculdade, ao orientador Professor Ronaldo Sartori, ao Coordenador do Curso de Arquitetura e Urbanismo da IESPLAN, Professor Márcio Vianna, aos colegas de faculdade, familiares e amigos que me inspiram e incentivam a perseverar. E à minha esposa, pelo incondicional apoio.

INTRODUÇÃO O Veículo Leve sobre Pneus - VLP, cujas obras estão em estágio avançado, pretende garantir a parte da população do Distrito Federal acesso rápido à região central de Brasília. Ele é uma das ferramentas com as quais o Governo do Distrito Federal vem tentando minimizar os impactos negativos do crescimento populacional acelerado que bem enfrentando a jovem capital notadamente dos últimos 10 anos. Portanto, a concepção e implantação do transporte público via veículo leve sobre pneus insere-se no contexto das tentativas de melhoria do transporte público e de veículos particulares, mobilidade social e melhoria na qualidade de vida da população.


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O VLP integrará algumas das regiões mais populosas do Distrito Federal à região central de Brasília. Estima-se que cerca de 600 mil pessoas serão usuárias desse tipo de transporte público e que, segundo estudos realizados pela Secretaria de Transportes, Obras, Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente do Governo do Distrito Federal, nos horários de maior demanda, cerca de 20mil pessoas serão transportadas a cada hora. Assim, a amplitude do projeto e seu amplo espectro de impacto, por si só, repercutem a relevância de se voltar para uma análise mais detida desse novo meio de transporte distrital e dos impactos sejam eles negativos ou positivos que causarão na mobilidade urbana da capital federal. Primeiramente pretende-se esclarecer a importância do VLP para o sistema de transporte público no DF. A seguir, averiguar o impacto que sua efetiva implantação trará à mobilidade urbana naquele local. Em outras palavras, averiguar as chances de êxito no que toca à redução das dificuldades no tráfego e se, de fato, o projeto, na forma como concebido, tem reais perspectivas de alcançar o número de pessoas estimado de forma eficaz, célere e eficiente, minimizando os problemas urbanos da jovem metrópole. 1. A CARACTERIZAÇÃO DO PROJETO VEÍCULO LEVE SOBRE PNEUS O Veículo Leve sobre Pneus, doravante apenas chamado de VLP, é um dos principais projetos do programa Brasília Integrada e irá ligar as cidades satélites do Gama, Santa Maria e municípios do da região do Entorno Sul, por meio de corredores exclusivos para ônibus. O Governo do Distrito Federal estimou os gastos na ordem de R$ 600.000.000,00 e, com este vultoso investimento, espera atender cerca de 600 mil pessoas por dia. O VLP é um modelo de transporte coletivo constituído por veículos articulados ou biarticulados e que trafegam por vias exclusivas. São, em suma, ônibus com capacidade para 200 passageiros e bem mais modernos, eficientes e com nível de conforto para os usuários bem superior ao hoje disponível no sistema de transporte público do Distrito Federal. Projetada para ser concluída em cerca de quatro anos, a linha do VLP constituir-se-á no terceiro eixo de integração das cidades do DF. Os demais são o eixo Sobradinho - Planaltina e a Linha Verde, os quais serão acrescidos de vias marginais em ambos os sentidos, corredores exclusivos para ônibus, passarelas e ciclovias. 1.1. O Balão do Periquito Mas um dos pontos mais esperados é a reformulação do Balão do Periquito, no Gama, um dos maiores pontos de congestionamento para a população da cidade. Pelo projeto, o local ganhará dois viadutos e novas pistas, de forma a se obter mais fluidez no trânsito nos horários de pico. Segue imagem do projeto:


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Fonte: Redecol Brasil (http://www.redecol.com.br/2012/03/projeto-do-vlp-entregamasanta-maria-e.html)

1.2 As Estações que Serão Construídas Serão construídas 15 estações nas rodovias DF-450/EPIA, DF-065, DF480-, BR-040, DF-025 E DF-047, com vistas à integração do VLP Gama/Santa Maria/Plano Piloto. O embarque e desembarque será feito por meio de estações a serem construídas nos canteiros centrais, ao longo da faixa exclusiva do VLP. Sua construção será de tal forma que cada um dos lados da estação possa atender os ônibus que trafeguem em ambos os sentidos. A estação do Gama, uma das maiores, ficará próxima ao Balão do Periquito, o qual será totalmente reformulado:

Fonte: Redecol Brasil (http://www.redecol.com.br/2012/03/projeto-do-vlp-entregamasanta-maria-e.html)

Ainda no Gama, DF-480, haverá um terminal de integração do VLP com as demais linhas comuns de ônibus. Ele está localizado estrategicamente em frente ao campus da Universidade de Brasília naquela cidade:


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Fonte: Redecol Brasil (http://www.redecol.com.br/2012/03/projeto-do-vlp-entregamasanta-maria-e.html)

Fonte: Redecol Brasil (http://www.redecol.com.br/2012/03/projeto-do-vlp-entregamasanta-maria-e.html)

2. Com esse objetivo, o projeto VLP prevê ainda a criação de linhas de ônibus expressas, integradas ao metrô e ao Veículo Leve sobre Trilhos – VLT. A extensão será de 35 Km, com capacidade para transporte de até 20 mil pessoas por hora no horário de pico. Assim, pretende-se reduzir o tempo de viajem das áreas atendidas até o centro de Brasília que hoje é de aproximadamente de 1 hora e 30 minutos para cerca de 40 minutos. É um ganho significativo de tempo.

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Mas o tempo não será reduzido apenas pelo fato de que os veículos transportam muitas pessoas ao mesmo tempo. Na realidade, a rapidez advém principalmente as faixas de trânsito de uso exclusivo, construídas sobre o que eram antigamente os canteiros centrais da estrada que liga o centro de Brasília ao Gama Santa Maria e Entorno Sul. Acrescente-se que, além do trânsito livre, ele contará com o suporte de uma central de controle, com controle absoluto durante todo o trajeto. Mas o projeto do VLP não diz respeito apenas à disponibilização do Veículo Leve sobre Pneus em si. Ao contrário, é todo um conjunto de visa facilitar a mobilidade urbana com mais eficiência, qualidade e segurança, de modo a influenciar positivamente a qualidade de vida dos habitantes da capital federal, reduzindo os efeitos colaterais do crescimento acelerado da cidade. CONCLUSÃO O Veículo Leve sobre Pneus – VLP é um transporte coletivo, classificado como de média capacidade de transporte de pessoas e que pode ser articulado ou bi-articulado, característica que potencializa sua capacidade de carga. Por trafegar em faixa exclusiva, que em alguns caso inclusive, elevada em relação às demais, tende a ser seguro e eficiente para deslocamento. É que o fato isolado dos demais veículos reduz sobremaneira o colisões com outros veículos.

pode ser, meio mais de estar risco de

Interessante lembrar ainda que a durabilidade da pista no qual trafega tende a ser maior, reduzindo os custos com sua manutenção e riscos de acidentes causados por buracos e outras irregularidades que surgem de modo muito repentino nas pistas de intenso e múltiplo uso. Mas as vantagens do VLP não são apenas estas. É com grandes expectativas que se espera a conclusão das obras do Projeto Brasília Integrada porque sistema que se pretende inaugurar é de longe mais moderno e eficiente que o obsoleto sistema de transporte urbano da capital. É bem verdade que não há possibilidade de substituição total do metrô e do ônibus no Distrito Federal, até mesmo pelas peculiaridades arquitetônicas e urbanísticas de Brasília, que conta com grandes áreas tombadas e, por isso mesmo, impassíveis de alterações severas em seu desenho e destinação. No entanto, não se pode negar que as perspectivas de efetiva melhoria para a população do Distrito Federal e Entorno Sul são grandes. E não se pode dizer que o benefício se restringe aos usuários diretos do sistema de transporte público a ser inaugurado pelo CLP. Ao contrário, espera-se que todas as pessoas que utilizam os meios coletivos de locomoção sejam atingidas com as melhorias. Isso porque a lógica indica que, caso o preço das passagens seja acessível e os horários bem planejados, muita gente passará a usar o VLP. Desse modo, a tendência que os demais meios passem a transitar com menor lotação e, quiçá, maior conforto.


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E ainda há o alívio no volume de veículos particulares trafegando, já que se espera que muitas pessoas deixem de locomover-se diariamente de carro para o trabalho. É que as pesquisas do governo do Distrito Federal apontam no sentido de que, caso o transporte público fosse mais eficiente, muitos motoristas passariam a ser passageiros, desafogando as vias que hoje estão absolutamente sobrecarregadas com o grande número de carros nos horários de pico. E um benefício puxa o outro. A redução do número de carros nas ruas vai propiciar a redução da emissão de gases poluentes, melhorando a qualidade do ar da capital. Melhor qualidade de vida. Menos engarramentos, redução do stress. E se prosseguirmos a reflexão, é certo que concluir que o investimento, ainda que vultoso, que se faz no transporte público de Brasília é pertinente. Porque a qualidade de vida da população deve ser o propósito maior do Estado, fonte de legitimação de seu poder. E não se pode considerar uma obra como a que se tem sob análise sob a ótica do gasto público apenas. É claro que se deve lançar mão dos instrumentos legais de controle de contas e faturamento das obras em questão, mas elas devem ser vistas, em primeiro lugar como retorno à sociedade dos impostos colhidos, do trabalho executado.

Obras do VLP em 2013 – Crédito: Foto do autor BIBLIOGRAFIA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 15287: – Projeto de pesquisa – Apresentação. 2. ed.,Rio de Janeiro, 2011 http://metroblogado.blogspot.com.br/2009/11/conheca-o-vlpveiculo-leve-sobre-pneus.html http://pt.wikipedia.org/wiki/Bus_Rapid_Transit Danielle Moitas - GERJ (22/08/2012). Estado estuda implantação dos corredores BRT em Niterói, São Gonçalo e na Baixada


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http://www.fau.usp.br/docentes/depprojeto/c_deak/CD/5bd/1rmsp/pl ans/2vlp97/index.html http://campus.fac.unb.br/fotografia/item/2369-bras%C3%ADliasofre-com-os-problemas-no-transporte-p%C3%BAblico Redecol

Brasil

(http://www.redecol.com.br/2012/03/projeto-do-

vlp-entre-gamasanta-maria-e.html)


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Cusco/Peru e Copacabana/Bolívia – Crédito: Julianderson Brandão


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Pampulha (BH) e Inhotim – Crédito: Priscilla Maciel Teixeira


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ARTIGO DE ARQUITETO CONVIDADO:LUIZ PHILIPPE TORELLY A JUVENTUDE E A INVENÇÃO DO BRASIL: AS OBRAS FORMADORAS DA IDÉIA DE BRASIL E DO QUE É SER BRASILEIRO Sempre tive certa habilidade para fazer contas e uma boa memória. Quando era criança acompanhava minha mãe, quando ela pretendia adquirir um eletrodoméstico à prestação. Calculava a taxa de juros de cabeça e dizia: “Mãe na outra loja os juros são mais baixos”. Assim, evitava que ela fosse enrolada. Quando vou à padaria comprar o lanche diário, já sei o total antes mesmo do caixa iniciar a conta. Mas, isso é apenas um detalhe da nossa estória. Junto com estas “habilidades”, sempre fui um leitor contumaz. Desde criança ficava intrigado com a realidade e procurava na leitura compreender melhor o nosso mundo. Minha avó cedo percebeu e me presenteou com uma coleção chamada “Histórias da nossa História”. Eram uns livros grandes e bem ilustrados, que narravam capítulos da nossa história como o título já sugere. A Guerra do Paraguai era de longe o episódio que mais me impressionava e aterrorizava. As batalhas, as cenas grandiloquentes pintadas por Victor Meirelles, com o Duque de Caxias à frente bradando: “Sigam-me os que forem brasileiros”. Minhas preferências pela história do Brasil foram crescendo e se diversificando. Como esse país continental foi constituído? O que explica simultaneamente a diversidade e a unidade de uma nação formada por tantos povos e etnias diferentes, falando centenas de línguas, entre indígenas, africanas e europeias? Aqui, pela primeira vez, diferentes povos – indígenas, africanos e europeus – fizeram contato entre si e com os outros. Os dois primeiros a ferro e fogo, sob a égide da escravidão que alimentava de braços a empreitada colonial. O século 20, especialmente a partir de sua terceira década, traz ao país que iniciava sua urbanização a necessidade de se compreender e explicar. Não mais pela visão dos estrangeiros, cujo século 19 foi pródigo: Saint Hilaire, Rugendas, Eschwege, Richard Burton, Debret, Hercule Florence, Spix, Langsdorff, Taunay e tantos outros, mas por nós mesmos na maré antropofágica desencadeada pela Semana de Arte Moderna de 1922. O que vimos na primeira metade do século 20 foi uma produção de um conjunto de obras fundamentais, formadoras da ideia de Brasil e do que é ser brasileiro, nas quais ainda se assenta na atualidade nosso pensamento contemporâneo. Os sertões A abertura desse ciclo é inaugurada por Os sertões, de Euclides da Cunha, publicado em 1902, ainda influenciado pelo pensamento antropológico impregnado de darwinismo social do século 19. É assim por dizer uma obra pré-modernista, precursora das que vamos mencionar mais adiante. O que de forma alguma lhe tira o mérito e a dimensão histórica e épica. Dividido grosso modo em três partes, a Terra, o Meio e a Luta, mostra a desproporção de


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forças utilizada pela nascente República, para esmagar o “sebastianismo” de Antônio Conselheiro e seus seguidores, sob o pretexto de contestação a constituição. Um genocídio instigado pela mídia e as classes dominantes, assustadas com qualquer ameaça, mesmo que em um rincão isolado e sem importância econômica. É um livro marcante sobre todos os aspectos, em sua exaltação sertaneja corajosa e estoica em um ambiente marcado pela seca e poucos recursos naturais entre eles à água. A frase mais notória de Euclides é lapidar: “O sertanejo é antes de tudo um forte”. Aguardamos três décadas para simultaneamente vermos publicados três livros que estão na raiz do que entendemos hoje ser o Brasil e o povo brasileiro. Gilberto Freire e seu Casa grande e senzala; Sergio Buarque de Holanda, com Raízes do Brasil; e Caio Prado Júnior, com Formação do Brasil contemporâneo. Foi uma década marcada pelos ventos modernizantes da revolução de 1930, pelo autoritarismo ditatorial do Estado Novo de Vargas e, no plano internacional, pela ascensão de regimes totalitários fascistas que iriam provocar a maior tragédia da humanidade, a II Guerra Mundial. Casa-grande & senzala Casa-grande & senzala de Gilberto Freire foi editado em 1933, quando os esteios da economia nordestina já haviam declinado ou desaparecido, embora traços permanecessem convivendo com as novas ordens: a monocultura da cana de açúcar e a escravidão. Freire em uma “harmonização de contrários étnicos e culturais” analisa um panorama das relações sociais, econômicas e culturais, centrado na relação entre senhor e escravo, como já anuncia o título do livro. Relação de submissão e rudeza, patriarcalista e patrimonialista, segundo Freire ao mesmo tempo de familiaridade e sexualidade. O livro causou enorme impacto por seu panorama do Brasil colônia e por sua visão positiva da miscigenação, sem dúvida uma de suas virtudes, em uma época onde prevaleciam concepções racistas e eurocêntricas. Nas últimas décadas a visão de Freire sofreu muitas críticas, advindas de novas pesquisas mais rigorosas e de conclusões acertadas sobre a desumanidade e horrores da escravidão, e de um senso bastante difundido de que ele abrandara e até “adoçara” a relação senhor e escravo. Passados 82 anos de sua edição, o livro continua uma referência obrigatória. Raízes do Brasil Raízes do Brasil de Sérgio Buarque de Holanda, nas palavras de Antônio Cândido, é um “livro que se tornou um clássico de nascença”. Publicado em 1936 propõe-se a elaborar um panorama dialético da construção do país, a partir de nossas origens ibéricas até as primeiras décadas da República, com o declínio das oligarquias e do coronelismo calcado no latifúndio, frente ao avanço da urbanização e de novas realidades econômicas e sociais. A empreitada colonial é analisada com base no espírito aventureiro dos ibéricos e sua capacidade de mandar e obedecer. A escravidão de indígenas e africanos, assim como no livro de Freire, é pilar central tanto da ocupação do vasto território como nas atividades agropastoris e domésticas. O cenário social


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é dominado pelo rural, pela fazenda, em oposição às cidades subordinadas e reduzidas a condição de entrepostos de troca e de relações institucionais, entre a igreja, o Estado e os potentados. Dois capítulos do livro de Sérgio Buarque assumiram dimensão própria descolada do livro. “O ladrilhador e o semeador” e “O homem cordial”. O primeiro onde o autor trata das cidades como instrumento de ordenamento e dominação do território, comparando as iniciativas urbanas de Espanha e Portugal, frente à ocupação de territórios distintos geomorfologicamente e na distribuição dos recursos naturais e riquezas. Como em relação ao livro de Freire, a evolução das pesquisas e o acesso a novos acervos e arquivos, permitiu uma percepção mais próxima do ocorrido. São elucidatórias duas citações. A primeira de Sérgio Buarque e a segunda de Paulo Santos em seu livro seminal, Formação de cidades no Brasil colonial, de 1968: “A cidade que os portugueses construíram na América não é produto mental, não chega a contradizer o quadro da natureza, e sua silhueta se enlaça na linha da paisagem. Nenhum rigor, nenhum método, nenhuma previdência, sempre esse significativo abandono que exprime a palavra desleixo” (1). “É que, naquela aparente desordem que leva a admitir, como fez o eminente historiador patrício, a inexistência de um traçado prévio ou de uma ideia diretriz, existem uma coerência orgânica, uma correlação formal e uma unidade de espírito que lhe dão genuinidade. Genuinidade como expressão espontânea e sincera de todo um sistema de vida, e que tantas vezes falta à cidade regular, traçada em rígido tabuleiro de xadrez” (2). O capítulo do “O homem cordial” alcançou notoriedade graças à polêmica que ensejou nos meio intelectuais, especialmente com o poeta paulista Cassiano Ricardo. O homem cordial na acepção de Sérgio Buarque não pressupõe bondade e polidez, como nos recorda Antônio Candido. É sobretudo a dominância de atitudes e comportamentos afetivos, que podem não ser sinceros ou profundos, em oposição à ritualística imposta pelas relações em sociedade, marcadamente impessoais. A “cordialidade” de Sérgio Buarque tem suas origens na família e no patriarcalismo e perpassa tanto as esferas privadas como as públicas. Formação do Brasil contemporâneo Autor de Formação do Brasil contemporâneo, Caio Prado Júnior nasceu no seio da elite paulistana, descendente de duas das mais importantes famílias vinculadas à cafeicultura: os Penteado e os Prado. Rebelde às suas origens, cedo abraçou o marxismo, ferramenta teórica que utilizou em várias obras entre elas a que nos referenciamos. Foi um intelectual orgânico e combativo. Como um John Reed tropical, visitou a URSS em 1933, experiência que relatou em livros e conferências, e mais tarde se filiou ao Partido Comunista do Brasil, o que lhe rendeu várias prisões. Em sua obra Caio Prado analisa a formação do Brasil em seus três primeiros séculos, com ênfase nas relações econômicas, e – a exemplo de Sergio Buarque e Gilberto Freire, cujos livros já conhecia quando escreveu o seu em 1942 – analisa as relações entre capital e trabalho calcado ma mão de obra escrava.


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No prefácio de seu livro afirma que ao fim do longo século 18, marcado pela descoberta do ouro em fins do 17 e a instalação do reino Unido em 1810, que o sistema colonial havia se esgotado por incapacidade de iniciativas e que o país já havia alcançado uma dinâmica tal, incompatível com o regime e as possibilidades do colonizador. Em sua concepção o capitalismo mercantil, a estrutura agrária e o imperialismo se constituíam ainda em meados do século passado em fortes entraves ao pleno desenvolvimento do país. Processo que até a atualidade ainda não foi superado. Formação econômica do Brasil Não é possível falar de economia no Brasil ou na América Latina sem falar de Celso Furtado. Sua vasta obra é dedicada aos problemas e mazelas do subdesenvolvimento: a pobreza, a industrialização tardia, as desigualdades inter-regionais e interpessoais, os mercados incipientes e a subordinação da substituição das importações à lógica da modernização dos padrões do consumo, processo perverso que acaba por criar e perpetuar circuitos com padrões diametralmente opostos, como nos ensina Milton Santos. Um superior, com padrões elevados e diversos de consumo atrelados às economias hegemônicas, e outro inferior, pobre, quase ao nível da subsistência, incapaz de satisfazer as necessidades elementares de alimentação, educação e saúde. Formação econômica do Brasil, publicado em 1959 (3), é um marco no estudo, denuncia e compreensão dos problemas do subdesenvolvimento nas economias dependentes, cuja inserção na ordem econômica internacional ainda não superou o modelo centroperiferia com a importação de tecnologia e bens de consumo sofisticados e a exportação de matérias primas e comodites. Apesar de ter ocorrido o deslocamento do centro dinâmico da economia do setor agrário exportador para o de substituição de importações e pelo surgimento da indústria de bens de capital. A par dos progressos das duas últimas décadas, ainda está presente o fantasma da inflação estrutural que freia o desenvolvimento, inibindo o consumo e o acesso aos bens fundamentais. Desde sua passagem pela Cepal – Comissão Econômica para a América Latina e Caribe e depois pela Sudene – Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste, o pensamento de Celso Furtado evolui incorporando as dimensões ambientais e culturais a sua vasta obra. Em um de seus últimos livros, O capitalismo global, ele afirma: “Se a política de desenvolvimento objetiva enriquecer a vida dos homens, seu ponto de partida terá que ser a percepção dos fins, dos objetivos que se propõem alcançar os indivíduos e a comunidade. Portanto, a dimensão cultural dessa política deverá prevalecer sobre todas as demais” (4). Bem, a esta altura o leitor deve estar perguntando o que tem a ver os livros que comento, com minha “habilidade” de memorizar e fazer contas. Vou explicar. Lendo sobre nossos autores, descobri que todos eles escreveram suas obras capitais entre 33 e 37 anos. Confesso que fiquei com inveja e percebi como a juventude,


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a determinação e o estudo Portanto galera, mãos à obra.

persistente

promovem

prodígios.

notas 1 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro, José Olympio, 1936, p. 62. 2 SANTOS, Paulo (1968). Formação de cidades no Brasil colonial. Rio de Janeiro, Editora UFRJ, 2001, p. 18. O texto foi originalmente publicado como separata do V Colóquio Internacional de Estudos Brasileiros, em 1968, em Coimbra, Portugal, e somente em 2001 convertido em livro. 3 FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. Rio de Janeiro, Fundo de Cultura, 1959. Escrito em 1957 e 1958, o livro foi originalmente publicado em espanhol no México, em 1959, para logo a seguir ser publicado em português no Brasil. 4 FURTADO, Celso. O capitalismo global. 5ª edição. São Paulo, Paz e Terra, 2001, p. 70.


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Pampulha BH, em fotografias de Julianderson Brand達o


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