Revista Acadêmica do Curso de Arquitetura & Urbanismo.

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ARQADIA - Revista Acadêmica do Curso de Arquitetura & Urbanismo. Instituto de Ensino Superior Planalto- Faculdades Planalto.

Brasília, DF 2° Semestre – 2012


A revista ARQADIA é uma publicação semestral do Instituto de Ensino Superior Planalto IESPLAN.

SEPS AV. W5 Sul EQ 708/907 Lote B Asa Sul - Brasília - DF (61) 3442-6000 www.iesplan.br

Mantenedor: Centro de Estudos Superiores Planalto Diretor-Geral: Prof. Reinaldo Hermedo Poersch Diretor-Administrativo: Profª. Christy Vieira Hutchison da Silva Diretor Acadêmico: Prof. José Leopoldino das Graças Borges

Secretária Geral: Danielle Corrêa Wan-Mey Coordenador do Curso de Arquitetura & Urbanismo: Prof. Márcio Vianna, PhD. CONSELHO EDITORIAL Cátia Conserva, Eduardo Pereira, Edson Santos da Silva, Jansen Zanini, Joanes da Silva Rocha, Leonardo Palhano Xavier de Souza, Márcio Vianna, Tiago Lippold Radunz, Ademaro Mollo Júnior (in memoriam) EXPEDIENTE Organização: Márcio Vianna e Joanes da Silva Rocha Projeto da Revista: Márcio Vianna e Joanes da Silva Rocha Capa: Desenho Ademaro Revisão: Renato de Souza Editoração Eletrônica: Joanes da Silva Rocha Apoio: Wanderson Borges e José Mamede

Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação dos direitos autorais (Lei nº 9.610/1998 )

IESPLAN Editora ARQADIA: revista eletrônica do curso de Arquitetura & Urbanismo. Instituto de Ensino Superior Planalto- Faculdades Planalto. Departamento de Arquitetura & Urbanismo. – v.1, n.1 (2012)- . Brasília: Editora, 2012. Semestral Resumo em português e inglês. A partir de outubro de 2012, disponível no portal em: http://www.iesplan.br Inclui Bibliografia e Índice 1. Arquitetura. 2. Urbanismo. 3. Instituto de Ensino Superior Planalto. Departamento de Arquitetura.

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, a posição desta Revista.


EDITORIAL

Ao meditar sobre uma “Escola Ideal”, talvez visualizássemos a “Escola de Atenas”, com um corpo docente e discente formado por Sócrates, Platão, Aristóteles, mais Euclides, Heródoto, Hipócrates e muitos outros, em gerações sucessivas. Corpo docente e discente, um único corpo multiplicado na História. Ao imaginarmos um editorial do primeiro número da revista acadêmica de uma determinada Escola, talvez devêssemos tomar como exemplo a Escola de Atenas como descrita por Rafael Sanzio, que pintou a alma de Platão no rosto de Leonardo da Vinci! A pintura de Rafael Sanzio é talvez o manifesto de quem propusesse uma escola ideal, alguém que acreditava no conhecimento passado e futuro com a mesma força no presente. Platão e Leonardo incorporados em apenas um personagem, seriam exatamente Passado, Presente, Futuro, em uma única interface da dinâmica da História, tanto que Rafael inseriu seu auto-retrato entre os coadjuvantes de seu longa metragem pintado. Mais que patrimônio e futuro, conhecimento e ensino, aquela escola seria o panfleto de um processo contínuo, e, sobretudo, compromisso. Nós, brasileiros e brasilienses, ao pensarmos em uma Escola como a ateniense, possivelmente relacionaríamos à UnB, sonhada por Darcy Ribeiro e outros E, quanto mais adversidades encontramos nos caminhos de hoje, mais reforçado trazemos o ideal e a busca incessante pela realização da utopia. Assim como Rafael Sanzio inseriu o auto-retrato na Escola de Atenas, tornando-a tão sua quanto de Platão, também, estamos inseridos na história do Brasil, de Brasília e da escola da qual somos corpo docente e discente e História. Estudar, lecionar e ser um profissional na área de arquitetura e urbanismo em Brasília é um privilégio, uma honra e principalmente uma responsabilidade Na interface de passado, presente e futuro, nós, professores, alunos e leitores, em geral são históricos, na medida em que desde a concepção de Brasília, (ainda) somos contemporâneos de Oscar Niemeyer e Lúcio Costa. O primeiro prestes a completar 105 anos e o segundo falecido em 1998, quando todos já éramos nascidos. O tempo deles é o nosso tempo. Nenhum de nós viveu o mesmo tempo e o mesmo espaço de Bernini e Borrimini em Roma; nenhum de nós viu a inauguração de uma nova obra de um e de outro. Nenhum de nós viveu a época de Cerdá e Gaudí em Barcelona; nenhum de nós viu as “ramblas” serem abertas. Mas estamos vendo e vivendo continuamente Brasília, que segue adiante realizando a sua e a nossa utopia. Vimos há pouco a inauguração da “Torre Digital”. E, se por exemplo, algum de nossos alunos constituir um nome famoso daqui 500 anos, será estudado como alguém da época de LuciOscar.


Assim sendo, no Editorial de um primeiro número de uma revista acadêmica de qualquer curso de Arquitetura & Urbanismo em Brasília, desde a 1º turma da UnB e até às nossas e as próximas, não há nada mais importante a ser dito que a honra, o privilégio e a responsabilidade de estar em Brasília e dela ser estudante, professor, arquiteto e urbanista Mais que a honra e privilégio, deve ser ressaltada a responsabilidade de salvaguardar Brasília como Brasília, não a Brasília da especulação imobiliária, a que poderia ter sido ou a que tenha trazido para sua cultura outro modelo de cidade; mas a Brasília nossa, a de JK, a de Oscar, e sobre tudo a de Lucio Costa. Este primeiro número dedicou-se ao nosso mestre Ademaro Mollo Junior.

Brasília, 15 de Outubro de 2012 – Dia do Professor.


ESCOLA DE ATENAS Rafael Sanzio Afresco, 1509 Stanza della Segnatura, Palazzi Pontifici, Vaticano Fonte: http://www.wga.hu/ acessado em 13 set. 2012


APRESENTAÇÃO

Caro Leitor,

Se “Arcádia” é um lugar ideal, ou pelo menos idealizado pelos poetas e pastores na Grécia Antiga, e se Brasília foi de certo modo a „Arcádia‟ de Juscelino Kubitscheck e seus pares. Esta Revista Acadêmica, ARQADIA, materializa para nós um ponto de encontro, um espaço de discussão, uma Ágora para questionamento, reflexão e desenvolvimento, por meio de textos encubados, em sua maioria, dentro do Departamento de Arquitetura & Urbanismo do Instituto de Ensino Superior Planalto IESPLAN. Imbuídos pelo ardente propósito de levar o saber aos estudantes por meio do tripé Ensino, Pesquisa e Extensão, estamos lançando a revista ARQADIA, que nasceu democraticamente e apresenta nesta primeira edição um conteúdo multidisciplinar dasartes e dos ofícios arquitetônicos e urbanísticos. Primeiramente, com textos produzidos pelos professores em suas pesquisas e, em seguida, artigos produzidos pelos alunos da disciplina (do então 2º. Período) “Teoria e Metodologia”, na oportunidade dirigida pelo professor Ivan Chagas. Haverá ainda, a cada número, pelo menos um artigo de professor convidado: nesta oportunidade de lançamento, foi convidada a professora Maria Elaine Kohlsdorf, ligada à origem e ao DNA do nosso Curso. Não é de hoje que nós, arquitetos, buscamos entender e, na medida em que se faça necessário, transformar o meio que estamos inseridos. Em seu Tratado “De re aedificatoria”, enviado ao papa Nicolau V em 1452, o humanista e arquiteto por paixão, Leon Battista Alberti, expõe reflexões sobre a função do arquiteto e a leitura do espaço. Da mesma forma, cinco séculos depois, Bruno Zevi escreveu “Saber ver a arquitetura”, que aborda as vicissitudes da leitura e produção do espaço. Para compor esta revista e contribuir para o debate, destacamos o professor do IESPLAN, Edson Santos da Silva, a escrever uma leitura crítica do espaço sob a ótica do imaginário humano e profissional, campo rico e intrigante. Imagine você, um estudante de arquitetura, ávido pelo saber, em uma manhã fria na cidade de Weimar, Alemanha, esperando pelo professor de composição e artes, de repente ele adentra, vestido em impecável indumentária germânica, mas, ainda, guardando um sotaque russo. Seu nome? Wassily Kandinsky. E o que ele lhe pede? Para compor livremente. Assim como o foi na Bauhaus de Walter Adolf Gropius, Ludwig Mies van der Rohe e Hannes Meyer. Os estudantes do IESPLAN são estimulados a participar e interagir com o fazer arquitetônico de ponta, o que em nossa geração, dentre outros temas, se poderia elencar a Arquitetura e o Urbanismo sustentáveis Portanto, destacamos a professora Cátia Conserva, que apresentará como vem se desdobrando a experiência de uma


proposta participativa e sustentável para futuros profissionais de Arquitetura e Urbanismo no século XXI. Confúcio, grande filósofo chinês do século VI a.C., deixou em seus relatos a seguinte passagem: “Por três caminhos pode-se aprender a sabedoria: primeiro, pela reflexão, que é o mais nobre; segundo, pela imitação, que é o mais fácil; e o terceiro, pela experiência, que é o mais amargo.”1 No universo acadêmico entendese por reflexão a produção de ensaios, artigos, dissertações ou Teses. Deste modo, apresentamos ao leitor um capítulo extraído da dissertação desenvolvida pelo professor Eduardo Pereira, que analisa a Praça da Liberdade em Belo Horizonte e um artigo da já citada professora convidada Maria Elaine Kohlsdorf, intitulado “A preservação da identidade dos lugares”. Uma característica marcante sobre a história é sua capacidade de ser vista de múltiplas formas, como em um microscópio ou em um telescópio, assim, dependendo do interesse de seu autor. Se ele busca pontuar uma história biográfica, comumente chamada de micro-história, como a vida e a obra de uma única pessoa ou acontecimento, usa-se um microscópio, atendo-se aos detalhes. Porém, se o autor busca uma história mais longa, pautada em fatos marcantes, usa um que lhe permite certo distanciamento e a observação de todo o processo. Pautados pela busca de criar um enredo mais generalista e macro, o texto do professor Joanes Rocha trata, sucintamente, da história da arquitetura militar, desde seu surgimento até o momento presente. Assim como, o professor Marcio Vianna explana, brevemente, a evolução do conceito de “patrimônio” e seu ensino, passando pela experiência de grandes catedráticos como Violet-le-Duc (1814-1879) e Camillo Boito (1836-1914), pela criação do IPHAN em 1937, e suas reverberações em sala de aula no século XXI. Em seu livro “Gestalt do Objeto”, João Gomes Filho apresenta uma forma de analisar e, na medida do possível, entender as diretrizes daGestalt, assim como, seus diferentes níveis de pregnância. Tomando como base tal estudo, as discentes Ana Paula Souza Araújo eCássia Quadros discutem “gestaltianamente”, em seus respectivos artigos, suas aplicações no universo da Arquitetura. Já o aluno Julianderson Brandão escreve sobre o Prêmio Pritzker, considerado o Nobel da Arquitetura, que já laureou dois arquitetos brasileiros: Oscar Niemeyer em 1988 e Paulo Mendes da Rocha em 2006. Em De architectura libri decem - Dez livros de arquitetura - Vitrúvio defende que o arquiteto deveria ser versado não apenas na arte e arquitetura, mas também em latim, música e até mesmo medicina, com o intuito de formar-se não apenas como um artesão, mas um erudito. Muitas coisas mudaram do século I d.C. até os dias atuais, entretanto, perpetuou-se o veio de formar profissionais multidisciplinares; por isso, a revista ARQADIA estará sempre recheada de poemas e imagens artísticas que, ao nosso entender, são o fundamento de quem somos. 1

BREVERTON, Terry. Immortal Words: History's Most Memorable Quotations and the Stories Behind Them. London: Quercus, 2009, p. 14


Nesse sentido, agradecemos aos alunos do Curso de Extensão em Fotografia do IESPLAN, que embelezaram estas páginas com algumas de suas fotografias, e o corpo técnico pela editoração, revisão e edição da revista, primeiramente em versão online. Neste primeiro número também apresentamos um pouco do acervo artístico do homenageado Ademaro Mollo Junior, fundador de nosso curso. É de sua autoria o grafismo que veste a capa deste primeiro número, e caricaturas produzidas por seus alunos. Por fim, convidamos a todos a colocar em prática as palavras de Sir Richard Steele, “Ler é para a mente o que o exercício físico é para o corpo”.2 Desejamos-lhe um prazeroso e reflexivo momento. Até a próxima edição!

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BREVERTON. op cit. p. I


Sumário

Literatura & Arquitetura ..................................................................................................................... 11 Fotografia de Lilian Simões .............................................................................................................. 12 DIVIDINDO PARA SOMAR: Uma visão dimensional da Arquitetura. Edson Santos da Silva (professor do IESPLAN) .......................................................................... 13 Composição de Ademaro Mollo Junior ........................................................................................... 22 O PROCESSO PARTICIPATIVO NO ENSINO DA ARQUITETURA E URBANISMO: Eixo de ação para uma prática arquitetônica comprometida com a sustentabilidade Cátia Conserva (professora do IESPLAN) ................................................................................... 23 Composição de Ademaro Mollo Junior ........................................................................................... 36 A LIBERDADE DA PRAÇA NA RAINHA DE ÉOLO MAIA Mário Eduardo Pereira de Araujo (professor do IESPLAN) ...................................................... 37 A PRESERVAÇÃO DA IDENTIDADE DOS LUGARES Maria Elaine Kohlsdorf (autora convidada) ................................................................................. 51 Composição de Ademaro Mollo Junior ........................................................................................... 61 O ENSINO DA PRESERVAÇÃO ARQUITETÔNICA E URBANÍSTICA NOS CURSOS DE ARQUITETURA & URBANISMO Márcio Vianna (professor do IESPLAN) ....................................................................................... 62 ARQUITETURA MILITAR: A evolução de um conceito. Joanes da Silva Rocha (professor do IESPLAN)........................................................................ 70 APLICAÇÃO DA LEI DA GESTALT: A pregnância na arquitetura Ana Paula Souza Araújo (aluna do IESPLAN) ............................................................................ 84 A APLICAÇÃO DA LEI DE PREGNÂNCIA NA ARQUITETURA Cássia Quadros (aluna do IESPLAN) ........................................................................................... 87 PREMIO DE ARQUITETURA PRITZKER Julianderson Brandão (aluno do IESPLAN) ................................................................................ 90 Fotografia de Márcio Vianna............................................................................................................. 93 REVOLTADO OU CRIATIVO (Tripé Acadêmico: Ensino)......................................................... 94 SUSTENTABILIDADE NO INSTITUTO DE ENSINO SUPERIOR PLANALTO - IESPLAN (Tripé Acadêmico: Pesquisa)............................................................................................................ 96 ARCHITECTOURS - Roteiros de Brasília, Escola Viva de Arquitetura e Urbanismo (Tripé Acadêmico: Extensão) ........................................................................................................... 98 Fotografia de Rafael Carvalho. ...................................................................................................... 103 Laboratório da vida (Ilustração: Jobson Augusto Pacheco) ...................................................... 104


Literatura & Arquitetura3 A cidade cresce descontrolada e imperfeita. É uma cidade super povoada, num país deserto. É uma cidade onde se erguem milhares e milhares e milhares de edifícios sem nenhum critério. Ao lado de um muito alto, tem um muito baixo. Ao lado de um racionalista, tem um irracional. Ao lado de um em estilo francês tem outro sem nenhum estilo. Provavelmente, essas irregularidades nos refletem perfeitamente. Irregularidades estéticas e éticas. Esses edifícios, que se sucedem sem nenhuma lógica, demonstram uma falta total de planejamento. Exatamente igual é nossa vida, que construímos sem ter a menor ideia de como queremos que fique! Vivemos como quem está de passagem pela cidade. Somos os criadores da cultura do inquilino . Os edifícios são cada vez mais apertados, para darem lugar para outros edifícios, menores ainda. Os apartamentos se medem por ambientes: Vão desde os excepcionais com cinco ambientes, com varanda, salão de jogos, dependências completas, até às quitinetes ou “caixas de sapatos”. Os edifícios, como quase todas as coisas pensadas pelo homem, são feitas para que os diferenciemos uns dos outros. Existe a frente, e existe o fundo. Andares altos e baixos. Os privilegiados são identificados com a letra A, às vezes, B. Quanto mais adiante no alfabeto, menos categoria tem a vivenda. As vistas e a luminosidade são promessas que raras vezes coincidem com a realidade. O que se pode esperar de uma cidade que dá as costas para o seu rio? Estou convencido que as separações e os divórcios, a violência familiar, o excesso de canais na TV a cabo, a falta de comunicação, a falta de desejo, a apatia, a depressão, os suicídios, as neuroses, os ataques de pânico, a obesidade, a tensão muscular, a insegurança, a hipocondria, o estresse e o sedentarismo, são responsabilidade dos arquitetos e dos empresários da construção. Deste males, exceto o suicídio, padeço de todos! 3

Nesta edição apresentamos o texto que introduz o filme "Medianeras" do diretor argentino Gustavo Taretto, gravado em Buenos Aires, Argentina. Disponível em http://www.saudadeeadeus.com.br/filme721.htm acessado em 12 set. 2012


Fotografia de Lilian Sim천es


DIVIDINDO PARA SOMAR: Uma visão dimensional da Arquitetura. Edson Santos da Silva4 (professor do IESPLAN) RESUMO As respostas à imagem e à feitura da arquitetura rondam o imaginário humano. Elas procuram entender as técnicas e de onde surge a criatividade do arquiteto ou se é ela o único elemento de produção capaz de transformar a arquitetura em espaço socialmente utilizado. Para tal, o arcabouço de teorias da arquitetura demonstra que à sua compreensão o ser humano deve buscar a inteligibilidade da forma por meio da dimensão do ser, de suas funções cognitivas. A leitura “gestaldiana” realizada em A Gestalt Urbana (1975), de Maria Elaine Kohlsdorf, e a “relacionalidade” da arquitetura, de Frederico de Holanda e Gunter Kohlsdorf, explica este processo cognitivo de entender e trazer explicações a este imaginário humano tão rico e intrigante a respeito da arquitetura e urbanismo. Fatores relevantes, como a leitura do espaço arquitetural por meio da sua forma e o resultado de sua eficiência, definem a interpretação da arquitetura como produto dependente do assentamento do ser humano como elemento chave da metodologia de projeto.

INTRODUÇÃO As diversas maneiras de ver e entender a arquitetura e seus métodos de projetação nos leva a conceitos e interesses ricos e cativantes. Este artigo visa demonstrar os critérios da inserção do ser, as visões cognitivas do espaço na elaboração de teorias e suas relações com a forma na análise e avaliação do desempenho do lugar. Inicia-se com a riqueza do imaginário humano e suas relações com a arquitetura poética e técnica; discute-se a inserção e a importância da análise cognitiva em busca de resultados menos empíricos, a importância da multidisciplinaridade e o conceito da eficiência por meio dos efeitos produzidos pela forma do espaço socialmente utilizado. Trata-se de uma abordagem simples, mas capaz de introduzir a relação entre o entendimento do processo de projetação ao produto da arquitetura, como aspecto da metodologia de projeto e um conceito sociológico de suporte de atividades, apto a oferecer possibilidades e restrições de práticas sociais.

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Edson Santos da Silva (Edson Sasi) é Arquiteto e Urbanista, Analista Superior IV, na Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária – Infraero, Professor das Disciplinas de Dimensões Morfológicas I e II no IESPLAN – Brasília-DF, leitor e “apaixonado” pela interpretação do espaço e sua relação com o ser humano. edsonsai@gmail.com.


1. PROCESSANDO A VISÃO DA ARQUITETURA

(...) implica para os „cientistas‟ o aceite de que o ato projetual contém tanto conhecimento quanto outros fenômenos mais facilmente mensuráveis, e, para os „projetistas‟, o aceite de que a ação criativa pode ser dissecada e que uma base de conhecimento mais sólida gera melhores projetos [...]. Em suma, nem a ciência é tão positiva nem a criação arquitetônica é tão subjetiva quanto fazem crer ambos os discursos.5

O imaginário humano sobre a arquitetura é rico e intrigante, fazendo parte de seu cotidiano a descoberta de artefatos produzidos pelo homem em uma ação consciente ou não 6 .As respostas a este imaginário surgem de obras, teorias e poéticas como as Cidades Invisíveis narradas por Marco Polo 7 , às abordagens técnicas refletidas em a A cidade como um jogo de cartas de Carlos Nelson Ferreira dos Santos, à organização das informações transmitidas pelo espaço público ao habitante da cidade, apresentado nos estudos de Kevin Lynch 8 ou os símbolos traduzidos a partir da fenomenologia de Norberg-Schulz. Descobrir como se dá a criação no campo subjetivo e complexo da cabeça do arquiteto sem respostas definitivas, permite múltiplas abordagens com diversos critérios de soluções e teorias, que possam caracterizar o processo projetivo, ou mesmo uma metodologia clara de projeto. Para Doris Kawaltowski aput Lang (1974) 9, a atividade da arquitetura se dá por meio de um conjunto de atividades intelectuais básicas, organizadas em fases e características distintas. São elas: análise, síntese, previsão, avaliação e decisão; algumas atribuídas por intuição, outras de forma consciente ou por padrões e normas. Toda esta complexidade de projeto, segundo KIATAKE (2004), pode ser solucionada traduzindo os conflitos encontrados em impulso para gerar inovações e descobertas. Difícil? Talvez, se não encontrarmos um norte a seguir. O processo de criação deve-se a avaliações constantes por método de argumentação, que moldam o partido arquitetônico e as representações gráficas, demonstrando a racionalidade, funcionalidade e inserção ao meio ambiente. Todo 5

LARA, Fernando; LOUREIRO, Claudia; MARQUES, Sonia. Pensando a pós-graduação e urbanismo: Brasil. Arquitextos, Texto Especial 334, São Paulo, Portal Vitruvius, out. 2005 <www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp334.asp>. 6 MEDEIROS, V. A. S. Urbis Brasiliae ou sobre Cidades do Brasil: Inserindo Assentamentos Urbanos Do País Em Investigações Configuracionais Corporativa – Brasília- 519 p. Il, Tese (Doutorado), UnB, 2006. 7 CALVINO, I. As cidades invisíveis - Rio de Janeiro: O Globo; São Paulo : Folha de São Paulo, 2003, tradução de Diogo Mainardi. 8 LYNCH, K. A imagem da cidade – São Paulo : Ed. Edições 70, 2007. 9 KOWALTOWSKI, Doris Catharine Cornelie Knatz, et al - Reflexão sobre metodologias de projeto arquitetônico, Ambiente Construído, Porto Alegre, v. 6, n. 2, p. 07-19, abr./jun. 2006. ISSN 14158876, 2006, Associação Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído.


esse processo deve vir munido de teorias com habilidade de demonstrar e explicar o projeto e suas aspirações às expectativas sociais. Este arcabouço de teorias tem como princípio representar a busca e a inteligibilidade que as formas podem transmitir para o ser humano no entendimento cognitivo da dimensão do ser, rompendo conceitos subjetivos e ampliando a participação da relação entre sujeito e espaço, com base na percepção da configuração espacial. Diferente das aplicações de métodos cartesianos, como reflete a equação do método racional de Viollet-le-Duc, onde “o desenho arquitetônico é a soma do programa com as técnicas construtivas”10, a percepção da configuração espacial é vista como uma disciplina com características multidisciplinares e, por consequência, aberta a pensamentos das ciências exatas (física e matemática), das humanas (sociologia, política econômica, antropologia e filosofia) e evidentemente as artísticas (o gosto, aquilo que não se explica). Desta forma, a arquitetura, por meio do entendimento cognitivo, não se trata de ruptura de uma corrente de pensamento do processo de criação, e sim a inserção de conceitos e teorias através de outras disciplinas, que legitimam os argumentos às expectativas sociais, tratando-a como espaço socialmente utilizado. Sob a égide da qualidade dos espaços e o que ele pode oferecer em conjunto com outros elementos arquitetônicos, Maria Elaine Kohlsdorf (2002) 11 , reflete que é possível sua análise em busca de respostas para certas expectativas dos indivíduos, correlacionando determinadas características espaciais e abordando diferentes lugares para diferentes aspectos da arquitetura. Segundo Frederico de Holanda (2007) 12 , para conhecer estes aspectos e interelações, é imprescindível tratá-la por meio de uma disciplina e subdisciplinas, que caracterizam o olhar arquitetônico como ciência humana e sociológica. Desta forma, Holanda define uma “bifurcação” na teoria da arquitetura; uma que defende como dependente do ambiente socionatural (relevo, clima, geologia e etc.) e outra que postula pela independentemente do meio, é causadora de efeitos, isto é, a arquitetura que possui condições de funcionamento, conforto térmico e acústico. Esta disciplina e suas subdisciplinas devem estudar o espaço da arquitetura e da cidade de forma a compreender seus problemas, definir marco conceitual sobre a prática e o conhecimento humano, interpretar o ofício do projeto por meio de campos

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AMARAL, Cláudio Silveira. Descartes e a caixa preta no ensino-aprendizagem da arquitetura. Arquitextos, São Paulo, 08.090, Vitruvius, nov 2007 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/08.090/194>. 11 KOHLSDORF, Maria Elaine. Interação social, identidade cultural e espaço urbano no brasil: as metamorfoses do sec. Xx. A partir de palestra apresentada no Colóquio Internacional sobre Perspectivas do Espaço Urbano (Internationales Kolloquium Perspektiven des Urbanen Raums), Universität Stuttgart, Suttgart, Alemanha, em 29.11.2002. 12 HOLANDA, Frederico de. Arquitetura sociológica. Revista brasileira de estudos urbanos e regionais, vol. 9, n.1, p. 115-129. Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional, 2007.


reflexivos e conscientes sobre temas e problemas inseridos em virtude das expectativas humanas.

O desafio é identificar os aspectos que caracterizam a arquitetura. É isso que faz nossa proposição. Os “aspectos” são o artifício teórico para fundamentar a definição de arquitetura, resumem as implicações dos lugares enquanto arquitetura, o como ela nos afeta de várias maneiras, o seu desempenho multifacetado. Frederico de Holanda, Arquitetura Sociológica (2007).

Kevin Lynch, em A Imagem da Cidade, nos oferece como método de análise e avaliação a percepção do espaço arquitetural dividindo-o em partes e argumenta a capacidade do ser humano de avaliação das fatias arquiteturais, haja vista que o ser humano consegue visualizar o meio que ocupa e avaliá-lo por meio de seus anseios cognitivos. Como visualizar esta arquitetura multidisciplinar e multifacetada? Como chegar a configurações espaciais e como são estas fatias arquiteturais?

2. DIVIDINDO PARA COMPREENDER Maria Elaine Kohlsdorf, em A Apreensão da Forma da Cidade (1996) 13, oferece uma abordagem da possibilidade de entender os “produtos” arquitetônicos a partir de estudos relacionados aos mecanismos cognitivos, observando os lugares como composição plástica de elementos relacionados em conjunto, ou ainda, “totalidades”. Para chegar a este resultado, Kohlsdorf tilizou a teoria da Gestalt14no livro, Gestalt Urbana (1975) 15 e a traduziu como “Teoria da Configuração”, onde todos os elementos são relacionados, mas somente a partir da composição pode se entender o sentido espacial. A observação do lugar por meio da Gestalt deve diferenciar as aparências entre uma forma e outra e, para que ela exista, deve haver elementos de tal maneira dispostos que ocorra uma correlação entre eles diferenciando de uma simples coleção ou de um simples agregado de formas. Ainda de acordo com Maria Elaine Kohlsdorf, a observação do lugar e o seu desempenho frente às expectativas humanas se dão por meio de análises mórficas, 13

KOLHSDORF, Maria Elaine. A Apreensão da Forma da cidade. Brasília, Ed. UnB, 1996 Relação à Gestaltpsychologie, uma vez que o termo que mais se aproxima, em português, a Gestalt é CONFIGURAÇÃO, definido como forma exterior de um corpo, aspecto, figura, feitio, tipo de fenômenos psíquicos irredutíveis (Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, São Paulo, 1972) [...]. 15 KOLHSDORF, Maria Elaine. Gestalt Urbana: considerações sobre os espaços do plano-piloto de Brasília. Brasília: Departamento de Arquitetura e Urbanismo, 1975. 14


capazes de revelar regras de constituição e comportamento da realidade, que levam às sínteses das operações mentais, obtidos por conceitos abstratos e à passagem dele para o concreto através do pensamento. O fato é: a prática humana e suas relações reflexivas com o espaço são indissociáveis e, portanto, submetida a questionamentos de sua forma por meio da eficiência. As possibilidades de entender os artefatos antes produzidos, passam a ser conscientes em um patamar qualitativo dos espaços em níveis superiores. Em Arquitetura como situação relacional (2006) 16, Frederico de Holanda & Gunter Kohlsdorf discutem dois momentos no processo de produção da arquitetura, os agentes sociais e como se relacionam. O primeiro refere-se à produção do espaço denominado espaço artificial que implica em:

(...) processos de trabalho, que envolvem matérias primas, instrumentos, tecnologia relacionada aos sistemas construtivos, elementos de materialização, e organização técnica da força de trabalho (estes são aspectos mais diretamente vinculados às relações dos homens com os elementos da natureza); Relações de produção, que envolvem papéis distintos de produtores diretos ou indiretos, trabalho intelectual e trabalho braçal, métodos, concepção, comunicação e controle do processo de produção, incluindo os aspectos legais e econômicos relacionados à produção do espaço arquitetônico (estes são aspectos mais diretamente vinculados às relações dos homens entre si, pelas quais eles se organizam socialmente - não tecnicamente, como acima - no processo de produção da arquitetura).

Sobre este argumento, os autores mostram que aqueles que se debruçam neste processo de investigação deixam a desejar uma vez que definem os espaços com características gerais como: uniformidade, densidade, verticalização, segregação macroespacial de grupos sociais nas cidades, ou ainda, com características locais da aparência das edificações. Porém, esta abordagem não é capaz de explicações convincentes sobre pontos como estrutura de barreiras e permeabilidade que organiza os encontros sociais. Esta alegação direciona o pensamento da arquitetura sem seu ator principal, o ser humano, com isso há dificuldade de se visualizar o lugar como estruturas sociais.

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HOLANDA, Frederico de, KOLHSDORF, Gunter – Arquitetura como situação Relacional. Seminário Nacional O Estudo da História da Formação do Arquiteto. Anais. São Paulo: FAUSP/FAPESP, 1995.


A segunda indagação de Holanda e Kohlsdorf se dá no “modelo de quatro funções” de Bill Hiller e a visão das análises do espaço, não apenas uma estrutura por trás da aparência dos edifícios, cidades ou paisagens, mas:

(...) cada função desempenhada pelo espaço, como sugerido pelo modelo, caracteriza uma área de reflexão arquitetônica, e exige um determinado corpo de conhecimento teórico, a que se pode referir como uma subdisciplina da arquitetura. Por sua vez, cada uma destas regiões teóricas é constituída por, e dividida em, sub-áreas de conhecimento especializado, que caracterizam o objeto de vários ramos do ensino e da pesquisa, como por exemplo: controles térmico, acústico e luminoso (função: modificação climática); psicologia arquitetônica, sintaxe espacial (função: modificação comportamental); custos de infraestrutura urbana, economia das edificações, sistemas construtivos (função: modificação de recursos); semiologia arquitetônica, estética arquitetônica (função: modificação simbólica).

Cada elemento de pesquisa trata de uma estrutura comportamental do espaço e reflete um aspecto da arquitetura capaz de traduzir as expectativas de uma sociedade. São eles:

Aspectos funcionais, que demonstram as características do espaço conforme as atividades inerentes ao espaço, à qualidade, quantidade e operacionalidade. Aspectos sociais ou de “co-presencialidade”, estes permitem a representação do espaço consoante à vida em sociedade, influência à permeabilidade e encontros interpessoais. Aspectos bioclimáticos são divididos em subdisciplinas, que são muito próximas uma às outras: o controle térmico, luminoso, acústico e qualidade do ar. Aspectos econômicos e financeiros podem mensurar seus quantitativos e estão estreitamente relacionados à ecologia e aos bens de consumo. Aspectos de “topocepção” estabelecem as relações dos lugares por meio da orientação através da forma e sua identidade, deve estabelecer se há uma forte ou fraca identidade. Aspectos expressivos-simbólicos: significados individuais ou coletivos e visões de mundo. Alguns autores tratam estas variáveis espaciais como escala, forma geométrica, proporções, incorporação ou não de elementos naturais ao projeto; são


valores estabelecidos nas obras, seu conjunto ou sua inserção em determinado espaço. Sobre este contexto, cada aspecto significa um campo do saber à parte, uma subdisciplina com suas características analíticas e suas teorias. São elas ingredientes de uma receita do fazer arquitetura, que são dosadas e evidenciadas conforme a expectativa de uso particular, de um grupo ou de uma sociedade.

Propomos que em vez de dividir o problema da edificação pelas contribuições das diferentes disciplinas, a distinção inicial deveria ser entre as diferentes funções que o edifício desempenha, e é sobre estas que a pesquisa deveria orientar sua atenção. (..) A questão é que cada função representa uma maneira de pensar sobre o edifício inteiro, não simplesmente sobre partes dele, ou sobre partes do comportamento humano associadas com ele. Cada uma representa uma abordagem abrangente do edifício, ao mesmo tempo em que não esgota o seu conhecimento. Cada uma aborda o todo visto de um ponto de vista particular (Hillier & Leaman, 1972:518-9).17

3. SOMANDO AS PARTES Neste sentido, tomando como base a discussão para a configuração espacial, consoante Maria Elaine Kohlsdorf (1975) e os atributos mórficos do espaço arquitetônico, de acordo com as técnicas da percepção espacial e a partir das percepções cognitivas do ser, é possível retratar a eficiência do processo projetual no produto da arquitetura. Mesmo que possa parecer um ato mecanicista da feitura da arquitetura, cabe na leitura mórfica dos espaços identificar as possibilidades que melhor caracterizem a arquitetura e o urbanismo em suas mais diversas eficiências, onde os resultados de análise e avaliação podem ser chamados de eficiência funcional, eficiência bioclimática, eficiência de identidade e orientabilidade (topocepção), eficiência social (co-presença) e eficiência de expressão e símbolo. Acredita-se que, ao contrário de uma doutrina academicista, a inserção da prática por meio da observação e o correto assentamento do ser humano neste processo, permite definir dimensionalmente a arquitetura e encontrar conceitos e teorias experimentadas ao imaginário humano. É ela uma metodologia de projeto e de comportamento arquitetônico.

17

Trecho extraído de A Arquitetura como Situação Relacional de Frederico de Holanda e Gunter kohlsdorf.


Segundo Frederico de Holanda (2006) 18 , a observação do lugar não deve ser percebida por enfoques globais, tampouco dar preferência a identificar a arquitetura como a confluência de vários aspectos da arquitetura, proporcionando identidade a um panorama da arquitetura delimitado no tempo ou no espaço. Analisar a arquitetura por seus aspectos e fazer com que ela responda por todo o seu conjunto, significa que seu desempenho pode ser medido pelo contraditório: bom em uns, ruim em outros, e, desta forma, definir onde suas intervenções, ordenamentos e (re)ordenamentos podem ser propostos com eficiência. Analisar a arquitetura neste sentido permite acompanhar as expectativas dinâmicas da sociedade. Para os arquitetos Frederico de Holanda e Gunter Kohlsdorf deve-se;

(...) desenvolver o conhecimento que concatena as variáveis físico-espaciais às expectativas relevantes ao bem estar ou felicidades das sociedades, com relação aos lugares, através da conceituação, teorização e contextualização histórica e cultural das respectivas dimensões, visando dar condições de avaliar os lugares/espaços assim imaginados. Com esses conhecimentos os arquitetos têm condições de projetar lugares utilizando uma postura radicalmente distinta.

Ao somar seus atributos aspectuais, analisados posteriormente suas eficiências, possibilitará ao arquiteto a feitura do espaço resolvendo situações concretas, com comunidades concretas envolvidas numa lógica de produção em busca do produto arquitetônico eficiente como um todo. Trata-se, portanto, de desmontar a arquitetura por meio de ações que identifiquem os atributos de cada um dos seus aspectos, tendo como elementos centrais de observação as formas e o ser humano inserido nelas, fruindo a interação entre eles e mensurando por meio da análise as avaliações que se faz do lugar. As respostas são dadas análogas aos complementos da arquitetura que, ao se unirem novamente, possibilitam a aproximação menos empírica, mais consciente e eficiente da arquitetura. As análises, avaliações e propostas por meio da visão cognitiva tornam-se uma metodologia eficaz do processo de produção da arquitetura.

18

HOLANDA, Frederico de. Arquitetura sociológica. Revista brasileira de estudos urbanos e regionais, vol. 9, n.1, p. 115-129. Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional, 2007.


ABSTRACT The answers to image and making of architecture surround the human imagination. They seek to understand the techniques and where creativity comes from the architect or if it is the only factor of production can transform the architecture space used socially. To this end, the framework of theories of architecture that demonstrates their understanding of the human being must seek intelligibility way through the dimension of being, their cognitive functions. Reading in a Gestalt‟s way held in Gestalt Urbana (1975), Mary Elaine Kohlsdorf, and "relatedness" of architecture, Frederick Holland and Kohlsdorf Gunter explains this cognitive process of understanding and explanations bring this human imagination as rich and intriguing about the architecture and urbanism. Factors relevant to the reading of architectural space through its shape and define their efficiency result of the interpretation of architecture as a product dependent on human settlements as a key element of the design methodology.

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Composição de Ademaro Mollo Junior

Composição de Ademaro Mollo Junior


O PROCESSO PARTICIPATIVO NO ENSINO DA ARQUITETURA E URBANISMO: Eixo de ação para uma prática arquitetônica comprometida com a sustentabilidade Cátia Conserva19 (professora do IESPLAN) RESUMO

Esse artigo trata da construção de um projeto participativo, que aspira ser um dos eixos de ação para um processo de ensino da Arquitetura e Urbanismo evisaa formação de arquitetos comprometidos com o desenvolvimento sustentável. Tem como cenário o IESPLAN (Instituto de Educação Superior Planalto), localizado na Asa Sul, Distrito Federal. A proposta pretende investigar a construção coletiva do conhecimento sob a ótica da sustentabilidade, fruto de um consenso de que a formação do arquiteto precisa transversalizar as questões referentes à melhoria da qualidade de vida humana, integrada com a natureza, focada nas questões locais e na participação da comunidade escolar em um processo de gestão democrática. Outras noções enriquecem o trabalho, dentre elas o pensamento Sistêmico e a Teoria da Complexidade. A proposta de uma Agenda 21 Local propõe reforçar a intenção de sintonia com os pressupostos globais da Rio 92, recentemente renovados durante os trabalhos da Rio mais 20.

INTRODUÇÃO A melhor forma de prever o futuro é criá-lo. Peter Drucker

No século XVIII, com a Revolução Industrial, o homem descobriu que poderia utilizar em sua produção, as fontes de luz solar estocadas no interior da terra, os combustíveis fósseis. Com essa mudança nas estruturas produtivas, o mundo passou a encarar um efeito paralelo desagradável, a degradação dos ecossistemas. Isso porque cada peça extraída da biodiversidade faz mudar o clima do planeta com consequências graves para a vida. As mudanças climáticas se referem ao aumento das emissões de gases de efeito estufa (clorofluorcarbonetos, metano, dióxido de carbono, enxofre) de origem antropogênica, pela queima de combustíveis, além do desmatamento. Desta forma, 19

Cátia Conserva é arquiteta pela Universidade de Brasília, com Pós Graduação em Saneamento Ambiental e Construção Sustentável, Consultora por Cooperação Técnica com a Organização dos Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura – OEI, professora de disciplinas de desenho e meio ambiente no IESPLAN - DF.


decorrem as enchentes, furacões, secas prolongadas etc. Tais fatores aliados ao modo capitalista de produção tem contribuído para o agravamento da pobreza, da poluição, da violência e da guerra. Para Hawken et. al (2007, p. 139), "a humanidade tem uma longa história de destruição do meio ambiente, especialmente do solo e da cobertura florestal.". O planeta se defronta com uma série de problemas que estão danificando a biosfera. Nos últimos anos, o mundo vem buscando estruturar processos sustentáveis para reverter impactos dessa degradação ambiental. O desafio é o equilíbrio entre proteção ambiental, justiça social e viabilidade econômica, que se verifique hoje e no futuro. Tais processos oferecem oportunidades de ação para diversos atores das mais diversas profissões, cada qual com suas responsabilidades ante a um assunto tão amplo e plural quanto a sustentabilidade. Que papel terá o arquiteto e o urbanista no enfrentamento dessa crise? E ainda mais especificamente: qual o papel da educação na formação dos futuros arquitetos e urbanistas que irão lidar com essa crise? Como podemos atualizar nossa forma de pensar e enxergar o mundo em que vivemos com base nos novos conceitos que a sustentabilidade representa, de modo a propor soluções conscientes para as cidades do presente e do futuro? Para Capra (1996 p. 14), existem soluções para os principais problemas do nosso tempo, algumas delas até mesmo simples, porém exigem uma mudança radical em nossas percepções. A questão da sustentabilidade vem ganhando espaço no setor da educação, notadamente nas IES (Instituições de Ensino Superior), que assumem a importante responsabilidade da preparação de uma geração de formadores de opinião, que se pressupõe empenhada em deixar um mundo melhor para as próximas gerações, cidadãos que são de um mundo em mutação. Esse trabalho nasce da percepção do curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo como importante instrumento de transformação para uma prática arquitetônica comprometida com a sustentabilidade, buscando fomentar a consciência crítica, propositiva e transformadora, provocando a adoção de uma ética cidadã. Para isso, o desafio é que a proposta de ensino busque traduzir as necessidades sociais, econômicas, ambientais, políticas e corporativas do mundo no qual vivemos. Nessa perspectiva, uma das estratégias de mudança é a mobilização da comunidade acadêmica para a criação de uma Agenda 21 Local, a IESPLAN 21.O objetivo é elaborar um plano para transformar em um cenário desejado, a realidade físico-espacial da IES do grupo envolvido na pesquisa, fortalecendo a participação e a contextualização, promovendo a democracia participativa, a cidadania ativa e a inclusão social.


1. METODOLOGIA O IESPLAN (Instituto de Educação Superior Planalto) localiza-se em Brasília, Distrito Federal, Asa Sul. No ano de 2012, em torno de 1.500alunos, dos quais 190 são curso de Arquitetura e Urbanismo. O IESPLAN tem aulas noturnas e o perfil dos seus alunos é composto em maioria, por pessoas que trabalham e estudam. 20 O Distrito Federal está situado no Planalto Central, região dos cerrados, com flora e fauna ricas e variadas. Inaugurada em 21 de abril de 1960, Brasília foi eleita pela UNESCO, em 1987, como Patrimônio Cultural da Humanidade. A Asa Sul faz parte da Região Administrativa I, criada em 1964, pela Lei 4.545, localizada na Bacia Hidrográfica do Paranoá. A pesquisa-ação pressupõe a interação do sujeito com as situações encontradas. Implica o engajamento do sujeito na construção do processo, o envolvimento pessoal do pesquisador na sua pesquisa, na visão de que as IES precisam praticar aquilo que ensinam. A improvisação diante das realidades que surgirem faz parte do método. No caso do estudante de arquitetura, o desafio da pesquisa-ação é vivenciar as transformações do espaço e suas relações com a sociedade, suas necessidades, sonhos, expectativas, interesses e aspirações. Tal metodologia pretende integrar os diversos „saberes e alcançar um tipo de trabalho não apenas teórico, mas voltado à realidade.

2. MARCOS REFERENCIAIS A noção de Desenvolvimento Sustentável, concebida como a interação entre os pilares social, econômico e ambiental, surgiu nos debates da primeira Conferência Internacional das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, realizada em 1972 em Estocolmo. Na Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental, Tbilisi 1977, promovida pela UNESCO com o apoio do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), foram definidas as diretrizes básicas da educação ambiental:

(...) a Educação Ambiental deve facilitar uma tomada de consciência da interdependência econômica, política e ecológica do mundo moderno, de modo a estimular o sentido de responsabilidade e de solidariedade entre as nações. Isto constitui um pré-requisito para que os problemas ambientais graves que se localizam no plano mundial possam ser resolvidos.

20

Período de realização da pesquisa: entre fevereiro e setembro de 2012.


A primeira definição de desenvolvimento sustentável foi cunhada pelo Relatório “Nosso Futuro Comum”, também conhecido como Relatório Brundtland, elaborado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, criada pela ONU em 1987:

Desenvolvimento Sustentável é o tipo de desenvolvimento que atende às necessidades da geração atual sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atenderem suas próprias necessidades.

Em seguida aconteceu a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio 92, que consolidou um ponto de inflexão na discussão internacional do desenvolvimento sustentável. Na Rio 92, foram firmados vários protocolos internacionais com vistas a diminuir a pegada ecológica e o impacto ambiental dos assentamentos humanos no planeta. Dentre os principais documentos resultantes da Rio 92 está a Agenda 21, definida como instrumento de planejamento para a construção de sociedades sustentávieis em diferentes bases geográficas, conciliando métodos de proteção ambiental, justiça social e eficiência econômica. Para marcar os dez anos da Rio 92, aconteceu Johannesburgo. Em junho de 2012, celebraram-se Rio mais 20, chamada “Conferência das Nações Sustentável”. A Rio mais 20 teve como objetivo político com o desenvolvimento sustentável.

em 2002, a Rio mais 10, em os vinte anos da Rio 92 com a Unidas sobre Desenvolvimento a renovação do compromisso

3. AGENDA 21

A Agenda 21 é um dos documentos mais importantes aprovados na Conferência das Nações Unidas sobre ambiente e desenvolvimento, em 1992. É uma agenda de compromissos e ações sustentáveis para o século XXI como a sistematização de incentivos para reduzir o impacto ambiental, revitalizar o desenvolvimento, diminuir a pobreza e melhorar a qualidade de vida da população, integrando preocupações de proteção ambiental, prosperidade econômica e equidade social. É um esforço concentrado, no qual a comunidade e os governos locais desempenham papéis fundamentais, como vetores de mudança para o estabelecimento de um novo modelo de desenvolvimento, compatível com a capacidade de suporte dos recursos do planeta. A agenda 21 Global contempla 40 capítulos, tratando temas como a biodiversidade, recursos hídricos, infraestrutura, educação, habitação, etc.. É o documento mais usado em discussões sobre políticas públicas em todo o mundo.


A Agenda 21 brasileira foi implantada por decreto presidencial em fevereiro de 1997, com propostas de estratégias de desenvolvimento em concordância com a proteção dos bens naturais. No Brasil, por suas dimensões continentais e a multiplicidade de diferenças, optou-se pela disseminação das agendas 21 Locais. A criação das Agendas 21 Locais vem a ser condição indispensável para o êxito dos programas da Agenda 21 brasileira.

4. ARQUITETURA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

De acordo com Corbella e Yannas (2003, p. 17), Arquitetura Sustentável

É a arquitetura que quer criar prédios objetivando o aumento da qualidade de vida do ser humano no ambiente construído e no seu entorno, integrando as características da vida e do clima locais, consumindo a menor quantidade de energia compatível com conforto ambiental, para legar um mundo menos poluído para as próximas gerações.

Para Schiller et al (2003, p. 13)

A edificação sustentável promove diversos benefícios que se estendem além de sua participação no melhoramento das condições ambientais e mitigação do impacto ambiental, uma vez que representam o estabelecimento de uma nova ordem de princípios básicos de desenho em todas e cada uma de suas escalas. Tais princípios se fundamentam em sistemas e ciclos naturais, maior dependência de recursos locais, particularmente para geração, distribuição e uso de energia e água, com dimensão social e projeção para o futuro.

Num contexto onde a urgência do suprimento das necessidades sociais básicas coexiste com o paradigma do desperdício, é essencial que se estude como responder a essas questões de forma que as atitudes de projeto contribuam para prover espaços seguros e agradáveis para todos, incluindo crianças, idosos e portadores de deficiência. Um edifício pode ser dito sustentável somente por ter sido projetado com teto verde e reuso de água da chuva?


É preciso cuidado com o termo "arquitetura sustentável", sabendo-se que a abordagem precisa ser sistêmica. Um empreendimento pode ser reconhecido como eco-friendly¹, mas não necessariamente sustentável. Para ser considerado sustentável, é preciso que a análise do empreendimento leve em conta toda a cadeia produtiva da indústria da construção civil, desde a escolha do terreno, a gestão do canteiro de obrasao manual de operação, manutenção e a demolição do edifício. Arquitetura sustentável pressupõe: uso do solo planejado de forma justa e consciente, adaptação do projeto às condições regionais (zoneamento bioclimático), modulação e compatibilização de projetos, uso de energias renováveis, respeito aos recursos naturais (se a madeira é certificada e qual a origem das areias), espaços com áreas verdes bem projetados, desenho funcional do edifício, acessibilidade, uso de matérias primas e mão de obra locais, qualidade do ar interna, uso eficiente de recursos, prevenção da poluição, minimização de resíduos incluindo reuso e reciclagem, eficiência energética, dentre muitos outros aspectos. Para que um empreendimento seja considerado sustentável, é preciso que ele seja ecologicamente adequado, economicamente viável e socialmente justo. Esses critérios devem ser pensados no início do processo de desenho, observando sempre as estratégias de projeto apropriadas para cada local, cada comunidade com suas especificidades. Afinal, apreende-se o lugar analisando-o através do espaço e também do caráter, definido como a atmosfera do lugar. Segundo Romero (1993 p. 2), "identificar o caráter de uma região torna-se imprescindível para alcançar a sustentabilidade do espaço construído." Nesse sentido, cada espaço deve ser tratado como uma fusão dos elementos ambientais, climáticos, históricos, culturais e tecnológicos.

5. A CONSTRUÇÃO COLETIVA DO CONHECIMENTO

A construção do conhecimento sob a ótica da sustentabilidade envolve o pensamento sistêmico e a transdisciplinaridade, uma vez que Arquitetura Sustentável é assunto essencialmente multidisciplinar e envolve necessariamente a linha de pensamento sistêmica. Para Capra (1996, pg. 14):

Quanto mais estudamos os principais problemas de nossa época, mais somos levados a perceber que eles não podem ser entendidos isoladamente. São problemas sistêmicos, o que significa que estão interligados e são interdependentes.


A interdisciplinaridade pressupõe a transferência de métodos de uma disciplina para outra, enquanto a transdisciplinaridade indica o estar além de qualquer disciplina. A transdisciplinaridade tem a intenção de transformar a arrogância do saber acabado na humildade da busca, com professores participando do processo de aprendizagem em igualdade de condições com seus alunos. Visa transcender a noção de disciplina, matéria e área de conhecimento, no desafio de encarar a atividade educacional numa perspectiva contextualizada. Para isso é preciso que a escola ofereça condições para o aluno fazer uma leitura crítica da realidade local e do mundo.

O estudante de Arquitetura e Urbanismo precisa ir além do pensamento concreto e ter aptidões para pensar em níveis mais sutis, para isso deve buscar habilidades e desenvolver o raciocínio abstrato e a fusão de saberes. De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais, 21 o Curso de Arquitetura e Urbanismo deverá ensejar condições para que o futuro egresso tenha como perfil, dentre outros:

Aptidão de compreender e traduzir as necessidades de indivíduos, grupos sociais e comunidade, com relação à concepção,organização e construção do espaço interior e exterior,abrangendo o urbanismo, a edificação e o paisagismo; Proteção do equilíbrio do ambiente natural e utilização racional dos recursos disponíveis.

As principais questões são: como trabalhar a temática da Construção Sustentável construindo pontes com os conteúdos dos diversos componentes curriculares? Como ser transdisciplinar em uma realidade disciplinar? Como viabilizar a aplicação de um currículo elaborado conforme parâmetros pós-modernos em uma realidade escolar que continua atrelada a padrões modernos?22 O entendimento das questões ambientais é melhor compreendido com base no pensamento sistêmico, na Teoria da Complexidade, também conhecida como: Teoria dos Sistemas Dinâmicos, Dinâmica Não-Linear, Dinâmica de Rede etc. (Capra 1996, p. 11) Na década de 50, Bertalanffy divulgou, com sua teoria de sistemas, uma forma de abordagem da realidade em contraposição ao pensamento reducionista-mecanicista, herdado de filósofos do século XVII, como Descartes, Bacon e Newton. A partir da 21

Resolução nº 2, de 17 de junho de 2010 Por padrões modernos considera-se o pensamento racionalista de Descartes e Newton, sistema fechado, consideram-se os fins e não o processo, não há relação entre teoria e experiência, preocupação em criar normas a serem seguidas. 22


teoria de Bertalanfy, um sistema passa a ser compreendido como um conjunto de elementos interdependentes e interrelacionados, que interagem com objetivos comuns formando um todo e onde cada um dos elementos comporta-se por sua vez como um novo sistema. De acordo com a Teoria da Complexidade, o universo deve ser tratado como um lugar de surpresas em potencial, cheio de multiplicidades, instabilidades, impermanências e perturbações. A premissa é atingir saberes não fragmentados, não compartimentados e não redutores. Significa a negação do pensamento reducionista mecanicista com seu pensamento maniqueísta de causa e efeito, do bem e do mal, de culpados e salvadores, que elimina toda ambiguidade e toda incerteza. A Teoria da Complexidade concebe a ciência como um conjunto de teorias mutáveis e propícias a transformações, que se estabelecem por meio das exigências do contexto histórico, valorizando o processo da construção do conhecimento em detrimento das teorias acabadas. Nela não existe dissociação entre ciência e realidade, não se estudam mais fenômenos isolados. As antigas descobertas científicas servem não como fatos, mas como parâmetros para a avaliação de novas explicações. Daí a construção do conhecimento de forma contextualizada, demonstrando a utilidade do conhecimento científico para a vida, despertando a reflexão e construindo uma nova concepção da ciência que se encanta com a criatividade do ato de se autoconstruir. É o "fim das certezas”, como vemos na Teoria Dissipativa de Ilya Prigogine, cientista Russo ganhador do prêmio nobel de Química em 1957, na qual percebe-se a natureza com toda a sua complexidade e infinitude. Conceituando ciência como um diálogo com a natureza, na qual os assuntos e suas soluções são imprevisíveis e aparentemente paradoxais, em que estruturas dissipativas se mostram também ordenadas em um estado de complexidade crescente, que gera novas formas de ordem com sistemas vivos ao mesmo tempo abertos e fechados. As leis da natureza tratando, não mais de certezas morais ou de explicações deterministas e irreversíveis, mas de possibilidades. (CAPRA apud PRIGOGINE, 1996 p. 71). Para o professor resta o desafio de fazer realidade o ensinar e o aprender, mesmo se tratando de uma questão subjetiva como é a capacidade de abstrair, transcender e criar em consonância com as necessidades da sociedade. O exercício de pensar o cotidiano dá-se a partir de problematizações, do professor tornando-se alguém que exercita a arte de perguntar, de instigar a pensar o cotidiano e seus desafios. A água é um recurso finito ou renovável? Os dois ou nenhum dos dois? Levar o aprendiz a pensar de forma complexa é um desafio, visto que foi conduzido a uma aprendizagem meramente informativa ao longo da vida. Além de valorizar a comunicação com o outro, a procura de valorizar os saberes que o aluno traz em sua bagagem de vida.


Um ponto importante é respeitar os saberes que os educados trazem em sua bagagem de vida, considerando experiências e expectativas que trazem naturalmente consigo, relacionando-os e os acrescentado aos conteúdos. A aprendizagem como um processo social que busque possibilitar, não só absorver conteúdos, mas relativizar ideias, conceitos e procedimentos. Daí a necessidade de propiciar à livre expressão, o debate, a colaboração, o sinergismo de ideias, aguçando inquietações e criando atitudes transformadoras. Há bem pouco tempo não se concebia o início de uma aula sobre hidrografia com as perguntas: quais foram os rios que você já nadou? Conte a experiência aos seus colegas. O conhecimento na pós-modernidade rompendo com a visão reducionista do conhecimento. No projeto institucional do curso de Arquitetura e Urbanismo do IESPLAN, lemos:

O curso garante ao Arquiteto e Urbanista uma relação estreita entre a teoria e a prática (...), a compreensão das questões que informam as ações de preservação da paisagem e de avaliação dos impactos do meio ambiente, com vistas ao equilíbrio ecológico e ao desenvolvimento sustentável.

Não existe produção de conhecimento sem contextualização histórica, social, política e cultural. O sujeito não se forma se for mantido alienado do seu ambiente social. Nutrir a comunidade acadêmica significa nutrir relações múltiplas entre seus membros, objetivando provocar situações de inquietação criadora, implicando no amadurecimento do senso crítico. A presença do tema sustentabilidade nos espaços curriculares, pressupõe um trabalho coordenado e articulado. É nesse ponto que surgem os maiores desafios sobre a educação no âmbito dos cursos superiores. Segundo Hawken et. al (2007, p. 100), "repensar o design não é só questão de aperfeiçoar as coisas, mas de olhar o contexto mais amplo no qual moramos e trabalhamos diariamente." Nesse contexto, a sala de aula não pode ser vista como uma dimensão que se esgota em si mesma. Nela devem ser abertas novas possibilidades de abordagem, que extrapolem o limitado espaço de quatro paredes. O que importa é que realmente exista um conjunto transdisciplinar de conhecimentos, que permita elaborar estratégias e ações específicas no caminho a ser trilhado para se alcançar a vida com sustentabilidade. Nessa direção, aconteceu pela primeira vez na escola a programação do Dia do Meio Ambiente em 6 de junho de 2012, com vivências de conteúdos ligados à sustentabilidade, tais como o uso do bambu em construção, reciclagem, reflexões


sobre a Rio mais 20, etc. Nessa ocasião foi também lançada a ideia de uma Agenda 21 local, chamada IESPLAN 21. Mais que um documento, a ideia da IESPLAN 21 é que o esforço de planejar o futuro, em um curso de Arquitetura e Urbanismo, gere possibilidades e oportunidades para que se aproveite a caminhada de modo que se viva a sustentabilidade enquanto se planeja. E que essa vivência seja de tal forma assimilada, que chegue a criar reflexos nas práticas diárias de projeto, bem como na formação de valores éticos, seja no exercício profissional, seja na vida no campus. Com a abertura do Forúm Permanente, a comunidade acadêmica adquire um espaço para apuração da pesquisa dos problemas existentes na área de atuação da agenda, em suas diferentes etapas (MMA, 2002):

    

Diagnóstico participativo com identificação de problemas e conflitos; Busca de diretrizes e soluções; Definição do Grupo Coordenador Grupos Temáticos, dentre eles: Resíduos Sólidos, Áreas Verdes, Conforto do Edifício, Acessibilidade; Possíveis arranjos de projetos e ações economicamente viáveis.

Refletindo sobre essas vivências perceberam-se reações bem diversificadas, da excitação e deslumbramento ao descrédito. Percebeu-se que leva tempo e paciência buscar o caminho do meio, da construção da identidade planetária, aquele da mudança do paradigma, das certezas individuais acabadas substituindo pelo caminho das possibilidades descobertas pela participação coletiva. Falta ainda a configuração dos jeitos e formas para percorrer esses caminhos, andando sobre os trilhos do saber coletivo. O desafio é superar barreiras filosóficas, mercadológicas, culturais e tantas outras, frente à complexidade do mundo, como nos alerta Ilya Prigogine: (Folha de São Paulo, 2000)

Minha mensagem às futuras gerações, portanto, é de que os dados não foram lançados e que o caminho a ser percorrido depois das bifurcações ainda não foi escolhido. Estamos em um período de flutuação no qual as ações individuais continuam a ser essenciais.


6. CONCLUSÃO Em qualquer comunidade que tenha a pretensão de ser sustentável, as pessoas terão o cuidado de aprender, pensar e agir para conciliar o desenvolvimento com o respeito ao meio ambiente. Nesse sentido, precisamos refletir sobre as consequências de nossas atitudes, revisando variáveis, critérios e práticas. O foco de um empreendimento sustentável deve apontar para o ser humano com suas necessidades, aspirações, valores e culturas. Cabe às IES encarar o conhecimento como espaço de realização humana, de alegria, de contentamento cultural, de fazer fluir os saberes, de formular hipóteses, de selecionar e rever criticamente a abundância de informações que temos ao nosso alcance, a fim de tornar viáveis currículos e empreendimentos. Em educação, quando se tem um ideal, a lógica da economia de mercado tende a ser um obstáculo natural, tanto quanto os nossos velhos paradigmas, aos quais temos na maioria das vezes a dificuldade do desapego. Quando nossos olhos enxergam apenas os velhos paradigmas, novas ideias parecem utopias, e quase são se pensarmos que quando vivemos sob a ótica da sustentabilidade, na grande maioria das vezes, não vemos mudanças imediatas. Ser sustentável é planejar para o futuro, é pensar globalmente e agir localmente. Sair da zona de conforto sem a garantia de que as mudanças serão vistas no nosso tempo é um desafio que poucos estão dispostos a enfrentar. Seja qual for a perspectiva que a educação contemporânea tenha, uma educação voltada para o futuro será sempre uma educação contestadora, superadora dos limites, portanto, uma educação muito mais voltada para a transformação social, que para a transmissão de conhecimento. Formar e não apenas informar. Nesse pensamento, a adoção de um processo ostensivamente participativo enfatiza a ideia de que o saber local da comunidade com sua história, cultura, necessidades, conflitos, sonhos, expectativas e aspirações, é vital para a construção de um novo modelo de relação humana com o meio ambiente. Uma equipe de profissionais (e aprendizes de profissionais) competentes e motivados, usando da criatividade e conhecimento da realidade, pode viabilizar a adoção de ações que garantam um futuro melhor, não apenas para a comunidade local como para a comunidade como um todo. A vivência de um processo participativo nos permite enfim, estabelecer um tipo de diálogo no qual se percebe que não existem verdades absolutas. Aprendemos uma atitude voltada para a busca do novo, para a escuta, para a transcendência e para o ponto de vista do outro, assumindo relevância nos fazendo transitar por opiniões e redimensionar posições. Somos a única espécie que sabe impactar o futuro com atitudes. Estamos passando por um momento de reflexão histórica. Caso o ser humano consiga integrar as preocupações com o meio ambiente e com o desenvolvimento, dedicando à elas as


devidas atenções, será possível satisfazer nossas necessidades básicas e construir um futuro mais próspero e seguro para nossos filhos e netos.

ABSTRACT

This article is about making a group project that intends to be one of the axis for Architecture and Urbanism education process that seeks to develop architects engaged to the values of sustainable development. It happens on IESPLAN – Instituto de Educação Superior Planalto, located at Asa Sul, Distrito Federal, Brazil. The purpose is to investigate the collective construction of knowledge about the ideas of sustainability, as a result of a consensus that architects education needs to be cross referenced through the issues of human race life style in relation to the nature that focus on the local issues and school community participating, solutions and directions. Other conceptions made the work more interesting, among them, the systemic approach and the theory of complexity. The creation of 21 agenda intends to make stronger the intention of agreement with the global ideas of Rio 92, recently renewed by Rio + 20 and its activities.

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do

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e

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SCHILLER, S. SILVA, V.G.; GOIJBERG, N.; TREVINO, C, U. Edificacion Sustentable: consideraciones para La calificacion Del habitat construido en el contexto regional latinoamericano. Avances en Energias Renovables y Medio Ambiente, v.y, n.1, p. 13-18, Impreso em la Argentina, 2003. UNESCO. Educação para um futuro sustentável: uma visão transdisciplinar para ações compartilhadas. Brasília, DF: IBAMA, 1999


Composição de Ademaro Mollo Junior


A LIBERDADE DA PRAÇA NA RAINHA DE ÉOLO MAIA Mário Eduardo Pereira de Araujo23 (professor do IESPLAN) RESUMO

Os conceitos acerca da universalidade arquitetônica da primeira metade do século passado fazem surgir, logo após o segundo pós-guerra europeu, diferentes abordagens por parte de arquitetos intencionados em promover uma relação empírica com o lugar, sua história e a releitura da linguagem vernácula outrora praticada. Diversos arquitetos são exemplos da prática que usa da linguagem contemporânea em conformidade com os traços culturais do lugar, seja através da técnica construtiva, da plasticidade ou quaisquer outros elementos. No Brasil, em uma linguagem pós-moderna e singular, o arquiteto mineiro Éolo Maia é um entre tantos exemplos daqueles que utilizam das manifestações do lugar, sendo o antigo Centro de Apoio Turístico Tancredo Neves, informalmente chamado de Rainha da Sucata, uma das suas obras de maior expressão regionalista.

INTRODUÇÂO

Como se sabe, não foram poucas, nem negligenciáveis, as alternativas “progressistas” que se apresentaram quando se declarou a falência do Movimento Moderno. Em geral, o que essas tendências pretenderam ao constatar a desproporção entre as aspirações programáticas na sua origem de abrangência máxima, e as formas anônimas de um international style cada vez mais vazio de significação social ou outra qualquer, foi trazer a arquitetura para perto do quotidiano, reduzindo sua escala e contemplando as diferenças. Com as teorias contextuais vinham à baila também os valores regionais e as tradições locais. Da „cidade-colagem‟ ou „palimpsesto da memória‟ à cidade fraturada, o sentido da pluralidade parecia aguçar-se.24 Os conceitos acerca da universalidade arquitetônica da primeira metade do século passado fazem surgir, logo após o segundo pós-guerra europeu, diferentes abordagens por parte de arquitetos intencionados em promover uma relação 23

Mário Eduardo Pereira de Araujo é Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Uberlândia (2000), possui Mestrado na mesma área pela Universidade de Brasília (2008), com dissertação intitulada "A Arquitetura do Lugar na Segunda Metade do Século XX - Os Casos da Europa Latina e do Brasil". Atualmente, é professor do curso de Arquitetura e Urbanismo no Distrito Federal. 24

ARANTES, Otilia B. F. Urbanismo em Fim de Linha. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001.


empírica com o lugar, sua história e a releitura da linguagem vernácula outrora praticada. Diversas vertentes surgiram das neo-historicistas, preocupadas em refutar pura e simplesmente o movimento moderno, resgatando o passado até as abordagens regionalistas, que buscavam um equilíbrio entre o universal e o particular, o velho e o novo, o vernáculo e o „moderno‟. Arquitetos da Europa Latina como Rafael Moneo, Giancarlo de Carlo, Eduardo Souto de Moura dentre outros, são exemplos desta prática que adota os avanços da técnica construtiva sem deixar de afirmar o lugar e seu contexto. Das diversas expressões: classicismo, new empirism, arquitetura do lugar25, supermaneirismo, pseudovernáculo, neo-historicismo, contextualismo; estas e outras tantas buscam definir, ou mesmo agrupar outras diversas correntes e/ou arquitetos que tratam o lugarcomo referência. Este uso reflete-se numa arquitetura não universal, mas contextualizada de alguma maneira com o meio de inserção. Na prática projetual, constitui-se como resposta à questão levantada por Frampton em História Crítica da Arquitetura Moderna: “(...) como tornar-se moderno e voltar às raízes; como reviver uma civilização antiga e adormecida e participar da civilização universal? (...).”26 O termo „regionalismo‟ toma o contexto como objeto de referência e é abordado sob diferentes óticas; estas, por sua vez, tem na América Latina um campo singular de discussão. É relativamente fácil compreender, pois é histórica a importação dos valores culturais dos países desenvolvidos, pelos que estão em desenvolvimento. A herança cultural identificada em países como Brasil e México 27, permeia toda e qualquer conceituação a respeito do assunto. É fácil identificarmos referências ao vernáculo local, aos saberes de maneira geral e comparações em diversas ordens com suas metrópoles colonizadoras. Nas palavras de Lúcio Costa, A arquitetura regional autêntica tem as suas raízes na terra; é produto espontâneo das necessidades e conveniências da economia e do meio físico e social e se desenvolve, com tecnologia a um tempo incipiente e apurada, à feição da índole e do engenho de cada povo; ao passo que aqui a arquitetura veio já pronta e, embora beneficiada pela experiência anterior africana e oriental do colonizador, teve de ser adaptada com roupa feita, ou de meia-confecção, ao corpo da nova terra.28 Numa linguagem pós-moderna e singular, o arquiteto mineiro Éolo Maia é exemplo daqueles cujo contexto local norteia o desenvolvimento de seus projetos. O 25

Comumente chamada de regionalista, será adotada aqui como termo norteador, visto agregar os pontos comuns às diferentes abordagens acerca do tema. 26 FRAMPTON, Kenneth. História Crítica da Arquitetura Moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1997. 27 Foram dados estes dois exemplos em virtude da expressividade alcançada por arquitetos como Oscar Niemeyer, Lucio Costa, Luis Barragán, além de outros, a nível mundial. Incluem-se aí artistas plásticos e de outros gêneros. 28 a COSTA, Lucio. Arquitetura/Lucio Costa. 4 . Ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006.


antigo Centro de Apoio Turístico Tancredo Neves, apelidado de Rainha da Sucata, é uma das suas obras de maior expressão regionalista. Trata-se de um importante marco da pós-modernidade brasileira.

1. ÉOLO MAIA: PÓS-MODERNIDADE E REGIONALISMO NO BRASIL

(...) desde que uma tal utopia passava do domínio do discurso para o plano concreto do edifício ou da cidade, ela acabava tornando curiosamente visíveis seus vínculos locais. Portanto, talvez mais do que uma correção de rumo, se tratasse de extrair as lições de uma prática nem sempre muito presa ao discurso moderno padrão, pois a produção era muito variada. – E aí está a Arquitetura Moderna brasileira para atestá-lo. Afinal o que todos os críticos de cá e de lá sempre acentuaram foi a nossa particularidade, os traços idiossincráticos da arquitetura nacional, espetacularmente encarnados por seu representante máximo – Oscar Niemeyer. Quem sabe sempre fomos regionalistas apesar de modernos...29

Existe um relativo consenso na bibliografia corrente de que a obra de Éolo Maia,em aspectos fundamentais, foi uma das tentativas mais explícitas e emblemáticas de trazer para o contexto brasileiro, as discussões travadas em torno da questão particular versus universal. Polêmico no tratamento dos seus projetos, o arquiteto mineiro deixou inúmeras obras que afirmam sua incessante busca por uma arquitetura regionalista, brasileira (ou mesmo mineira), onde o lugar foi permanentemente tratado como peça fundamental na conceituação projetual, seja na busca por elementos físicos, morfológicos, sistemas construtivos, seja no sítio, como ordenador espacial. Das diversas obras que exemplificam essa postura, adotou-se o antigo Centro de Apoio Turístico Tancredo Neves, atual Museu da Mineralogia, em Belo Horizonte, como obra (emblemática) a ser tratada com mais atenção. No contexto arquitetônico nacional, Éolo Maia foi um dos maiores expoentes da arquitetura pós-moderna brasileira. Como outros pós-modernistas, fundamentou sua obra na contestação do ideário moderno, além de pregar a liberdade de criação e a busca de uma arquitetura verdadeiramente brasileira. Natural de Belo Horizonte/MG, teve seus primeiros contatos com as artes através do ambiente cultural de Ouro Preto, onde residiu, da convivência com os pintores Guignard e Scliar, além da descoberta da arquitetura em si. Graduou-se pela escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG e teve seus 29

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primeiros anos de prática profissional marcados por uma influência modernista nas figuras de Vilanova Artigas, Le Corbusier e Louis Kahn. Posteriormente, consolidou parceria com os arquitetos Sylvio de Podestá e Jô Vasconcellos, quando assimilou os conceitos pós-modernos aplicados no contexto brasileiro. Por fim, teve sua última década de vida marcada pela parceria mais efetiva desua esposa Jô Vasconcellos (década de 1990 até 2002), com a busca de novas identidades formais. Um dos seus últimos projetos, a proposta para o Centro de Arte Corpo, obteve o primeiro lugar em concurso público realizado em 2002, ano de seu falecimento. O projeto mostra-se de fato regionalista, pois a correlação cultural e histórica que traduz o estado de Minas Gerais, mostra-se através da utilização do aço, da dança de um dos grupos nacionais de maior renome (Grupo Corpo) e, naturalmente, na figura de um dos maiores expoentes do estado, o autor do projeto, Éolo Maia. Segundo o memorial justificativo do projeto: Por permitir visadas desde longas distâncias, o lugar adquire especial relevância na relação da volumetria implantada com a geografia dos morros. Devido às grandes dimensões verticais do conjunto, optou-se por destacar tal volumetria como um elemento escultórico que complementa a paisagem, de modo a reafirmar a importância da implantação deste edifício como indutor de uma nova ocupação do sítio, fundador de uma referência primária à qual as intervenções vindouras podem se referenciar. Devido ao seu caráter escultórico e quando visto à distância, o conjunto se contrapõe como objeto da cultura à extensa paisagem natural das montanhas, e estabelece nesta escala uma relação de fruição, que oblitera os aspectos de natureza utilitária, que diferenciam a arquitetura de outras artes e acentua sua leitura como um objeto escultural pousado na paisagem. A articulação dos diversos elementos que compõem o Centro de Arte Corpo busca uma composição rigorosa,onde a linha definida pelos cortes nos volumes gere uma variedade volumétrica, delineando através da luz e sombra um conjunto de sólidos em aço oxidado,distanciando a proposta das soluções arquitetônicas convencionais. Evita com isso, um falso mimetismo com o lugar e coloca na paisagem como um objeto novo, a complementar, a geografia e a paisagem.30

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http://www.eolojo.com.br/comp002-corpo.htm. Acessado em 22/06/2007.


Figura 1. Proposta para o Centro de Arte Corpo. Maquete física. Fonte – Arquivo Grupo Corpo.

Figura 2. Proposta para o Centro de Arte Corpo. Maquete física. Fonte – Arquivo Grupo Corpo.

2. A RAINHA DA SUCATA

Localizado na Praça da Liberdade, na capital mineira, o projeto para o Centro de Apoio Turístico Tancredo Neves surgiu como espécie de complementação para uma primeira proposta de trabalho aos arquitetos Éolo Maia e Sylvio de Podestá: um conjunto de sanitários públicos, com a função de atender os freqüentadores/visitantes da feira que ocupava o espaço da praça. Os arquitetos propuseram um aumento no programa de necessidades, prevendo, além dos sanitários, um anfiteatro, um hall para exposições e um espaço para abrigar um centro de apoio turístico. Esteticamente, o edifício nasceu da releitura das demais edificações que se localizavam ao redor da praça, em estilo eclético e neoclássico. O resultado desta releitura resultou em um edifício cuja pluralidade imagética, das cores e materiais,


fosse motivo para apelidá-lo de Rainha da Sucata por estudantes de um colégio vizinho. Realmente seria difícil o edifício passar despercebido na paisagem local, não somente por este resultado final, mas pelo contexto em que se encontra. A implantação se dá em um terreno triangular em frente à Praça da Liberdade, entre a avenida Bias Fortes e a rua Alvarenga Peixoto. Como já citado, a composição volumétrica se dá pela releitura e/ou colagem dos elementos compositivos dos edifícios lindeiros à praça. Por este motivo, é fácil percebermos sua presença no local. Os arquitetos buscaram implantar o edifício para este fim, para ser notado pelo observador.

Figura 3. Situação do edifício – 1. Palácio da Liberdade 2. Rainha da Sucata 3. Secretarias de Estado 4. Reitoria UEMG 5. Edifício Niemeyer 6. Biblioteca Pública Estadual 7. Anexo Biblioteca Pública 8. Sede IPSEMG. Fonte – CECÍLIA, Bruno. Éolo Maia. Complexidade e Contradição na Arquitetura Brasileira. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006.


Figura 4. Implantação. Perpendicular à Praça da Liberdade encontramos o eixo de simetria “sugerido” pela fachada, e perpendicular à Av. Bias Fortes encontramos o eixo de simetria real. Fonte – CECÍLIA, Bruno. Éolo Maia. Complexidade e Contradição na Arquitetura Brasileira. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006.

Possuindo cinco pavimentos, o único acesso se faz pela esquina propositadamente, pois constitui a principal visada do edifício. Neste ponto, tem-se acesso primeiramente por um hall, que leva o visitante em um sentido absolutamente linear a dois salões de exposições, circulação vertical e, ao final do percurso, dois pequenos sanitários (feminino e masculino). Pelo pavimento térreo, além do acesso ao interior do edifício, pode-se caminhar diretamente para o anfiteatro em um sentido de continuidade da praça, evidenciando o caráter público do local. Para o subsolo tem-se uma entrada independente, que leva o usuário aos dois sanitários, além do apoio ao anfiteatro que os separa. Os demais pavimentos em número de três formam os pavimentos-tipo. Estes pavimentos são compostos basicamente por salões, onde se localizam os serviços do edifício, sanitários, copa e um átrio, que percorre todo o corpo do edifício, permitindo o domínio visual interno e a ventilação por meio de tomada de ar sobre o anfiteatro e exaustores localizados na cobertura. Este átrio, por sua vez, é cortado por uma passarela visível aos demais pavimentos. Podemos dizer que existem dois eixos simétricos no edifício: Um imaginário, sugerido na composição da fachada vista da Praça da Liberdade (fachada esta que poderíamos denominá-la de principal), e um eixo de simetria real, mas percebido somente ao percorrer as imediações do edifício. Este eixo é formado através do ponto localizado no ângulo reto do triângulo-retângulo e o lado oposto a este. Esta simetria é sutilmente rompida por algumas poucas diferentes paredes em alvenaria de tijolos, entre um lado e outro do eixo de simetria real. Trata-se de um rompimento sutil, que o torna dificilmente perceptível. As fachadas voltadas para a Praça da Liberdade e a rua Alvarenga Peixoto, são compostas por


uma espécie de recuo, protegidas da incidência solar pela casca opaca que as envolve.

Figura 5. Planta do pavimento térreo. Fonte – CECÍLIA, Bruno. Éolo Maia. Complexidade e Contradição na Arquitetura Brasileira. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006.

Como uma espécie de diretriz pós-moderna, é visível o entendimento dos arquitetos para com a supervalorização da forma do edifício sobre as questões técnicas, funcionais e outras. A releitura que Maia e Podestá fazem dos outros edifícios, é clara e evidente quando identificamos elementos como simetria, arco pleno, abóbada de berço (encontrada na passarela interna), dentre outros, inseridos por meio de de leituras pessoais e, portanto, singulares. Nesta releitura encontramos não somente nos edifícios vizinhos, como em outras obras de Éolo Maia. A mimese compreendida no edifício não contempla cópia, mas uma abstração dos elementos historicistas encontrados ao seu redor. A simetria dos edifícios por exemplo, continua internamente a partir da fachada principal (de acesso) voltada para a praça. No caso da Rainha da Sucata, como já dito, a simetria é sugerida apenas pela fachada vista da praça. Também não existe no eixo de acesso, localizado na esquina, mas em outro eixo não visto da Praça da Liberdade. Esta linguagem é peculiar ao edifício, frente aos seus vizinhos.


A simplicidade e clareza interna não se refletem na composição das fachadas. Apesar do volume simples, a complexidade dos recortes, recuos, diferentes cores e materiais convida o expectador a observar o edifício com mais cautela. É nesta observação, por exemplo, que se percebe o elemento de ventilação do sanitário masculino localizado no subsolo esférico, inspirado em uma laranja. Esse elemento alegórico remete o observador à uma lembrança imediata de algo comum ao seu cotidiano; é uma característica identificada nas obras pós-modernas, especialmente de Éolo Maia. Não percebemos aqui nenhum objetivo em simplificação da forma, como encontramos no movimento moderno.

Figura 6. Plantas do subsolo e pavimento tipo. Fonte – CECÍLIA, Bruno. Éolo Maia. Complexidade e Contradição na Arquitetura Brasileira. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006.


As referências são explícitas tanto em relação às obras vizinhas, quanto às de Éolo Maia e outros arquitetos. Partindo da esquina oposta à entrada principal, percebemos o volume cilíndrico inspirado nas colunas da Secretaria de Segurança, semelhante também à solução adotada pelo arquiteto Aldo Rossi para o conjunto habitacional Sudliche Friedrichstadt em Berlim (1976), e o edifício Novocomum, de Giuseppe Terragni. O arco visível da praça nasceu sob inspiração do arco da Secretaria de Estado de Educação, vizinho ao edifício. E quanto às aberturas bem marcadas, geométricas, visíveis na mesma fachada, podemos encontrar relação direta com os palazzi renascentistas, encimados por sua vez por frontões, com aberturas retangulares, que se destacam das paredes em alvenaria de pedra. Outra referência, desta vez de uma obra do próprio arquiteto, é o reservatório de água localizado sobre a caixa de escada. Tal reservatório tem caráter escultórico, pois se destaca do edifício, evidenciando sua função, além de aspecto geometricamente simples. Esta solução foi utilizada por Éolo Maia no seu projeto para a Residência Hélio e Joana, em Ipatinga-MG (1981-1982).

Figura 7. Perspectiva do edifício. Fonte: Disponível em <www.mcb.sp.gov.br>

As referências regionais estão mais evidentes internamente, se observarmos semelhanças com o rebuscamento do barroco mineiro. Obviamente tal rebuscamento se dá através da abstração formal e de materiais, assim como a parte externa do edifício, quando os autores utilizam de outras referências. Como lembra


Cecília, os falsos pilares sugerem nichos e delimitam vitrais, como os altares laterais da nave das igrejas barrocas31. Da mesma maneira, os altares destas igrejas são referenciados com a de arcos da extremidade oposta à entrada. E dentro do mesmo tema, os arquitetos reproduzem a imagem de um dos profetas da cidade de Congonhas, no anfiteatro.

Figura 8. Detalhe da ventilação do subsolo. Fonte – Disponível em <www.mcb.sp.gov.br>

O antigo Centro de Apoio Turístico Tancredo Neves, atual Museu de Mineralogia mudou de função, mas não perdeu o apelido de Rainha da Sucata. É um ícone da arquitetura pós-moderna brasileira e não se pode deixar de colocar a respeito da linguagem adotada pelos autores no edifício: a associação com formas familiares para o entendimento ou mesmo percepção por parte do leigo, a adoção do alegórico, os diversos materiais empregados em uma única obra, além de cores e texturas também diferentes.

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CECÍLIA, Bruno. Éolo Maia – Complexidade e Contradição na Arquitetura Brasileira. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006, p. 164.


Trata-se de um constante embate entre o entendimento com o lugar (física ou sensorialmente) e a fuga da homogeneidade, da indiferença, da quietude. Esta linguagem, que fundamenta a obra em especial de Éolo Maia, nas suas diversas fases (tendo cada uma um foco ou influência em especial), o torna um célebre exemplo da arquitetura regionalista brasileira, a seu modo, naturalmente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Boa parte dos arquitetos pós-modernos regionalistas são vivos e mantém sua produção arquitetônica pautada no diálogo empírico com o lugar. A relação entre arquitetura e lugar mostra-se, portanto, única em cada caso, ora explicitando valores vernaculares, ora se rendendo à topografia, ora resgatando um método construtivo sem que perca sua linguagem contemporânea. A busca por esta singularidade por parte destes arquitetos, não reflete, necessariamente (muito pelo contrário na maioria dos casos), na negação da plástica moderna, pois esta é com frequencia uma referência para a contemporaneidade. Éolo Maia, que foi um legítimo representante do movimento pós-moderno, encontrou campo fértil na capital mineira para iniciar uma vida profissional baseada no diálogo, no resgate, no entendimento entre plástica e técnica, entre presente e passado, entre edifício e cidade. Ocupou-se da lembrança, do pastiche (por que não?) e, claro, da inovação. Inovou na linguagem como plural, no resgate de técnicas e formas adormecidas, revitalizadas à sua maneira. Usou da liberdade da praça para montar como um quebra-cabeça, os pedaços da arquitetura vizinha, na sua Rainha da Sucata, cujo apelido bem apropriado constroem com diversas cores, materiais e soluções uma proposta que ao mesmo tempo em que difere completamente do seu meio é fruto dele. Pós-moderna, mas não vernacular. Aqui o passado se encontra na menção às igrejas barrocas, pelos bebedouros, no profeta “importado”de Congonhas eem nada mais.

ABSTRACT The architectural concepts about the universality of the first half of the last century do appear, shortly after the second post-war in Europe, different approaches by architects intended to promote an empirical relationship with the place, its history and rereading the vernacular once practiced. In Brazil, in a postmodern language and singular, the architect from Minas Gerais called Aeolus Maia is one of many examples of those who used the manifestations of the place, and the old Centro de Apoio Turístico (Tourist Service Centre) by the president Tancredo Neves, informally called the Rainha da Sucata (Queen of Junk), one of its regionalist works of greater expression.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARANTES, Otilia B. F. Urbanismo em Fim de Linha. São Paulo:Edusp, 2001. CECÍLIA, Bruno. Éolo Maia – Complexidade e Contradição na Arquitetura Brasileira. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006. COSTA, Lucio. Arquitetura. 4a. Ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006. FRAMPTON, Kenneth. História Crítica da Arquitetura Moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1997.


Fotografia de Paulo Mateusz.


A PRESERVAÇÃO DA IDENTIDADE DOS LUGARES

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Maria Elaine Kohlsdorf33 (autora convidada)

Assuntos ligados à preservação do patrimônio cultural são hoje em dia temas freqüentes nos meio de comunicação e comuns em conversas informais. Saíram dos meios técnicos, acadêmicos e administrativos para esferas de maior abrangência populacional, mas isso não significa governos e sociedades haverem assumido condutas necessariamente zelosas em relação a bens coletivamente representativos. De qualquer forma, discutir o patrimônio cultural pode auxiliar o equacionamento de seus problemas. Embora nosso tema sugira abordar amplamente a identidade dos lugares, nesta ocasião, vamos nos limitar a seus aspectos espaciais, ou seja, à determinada materialidade desse patrimônio. Primeiramente, deve-se registrar que a presença em cena do patrimônio cultural é bastante recente. A passagem para o mundo pós-moderno trouxe crescente interesse por revalorização de áreas urbanas com certa densidade histórica e via de regra, deterioradas. Elas adquirem nobreza e passam a ter substituídos seus antigos e modestos moradores por segmentos de classes mais favorecidas economicamente. Embora nem sempre assim exposto, é esse o verdadeiro processo de gentrificação, conforme definido por Mike Featherstone (1995 e 1997). 34 Ele vem acompanhado de uma volta à cultura, porém associada à uma estetização do cotidiano qualificada por estilo e decoração, em vez de permanência de sólidas raízes construídas pela tradição dos povos. Estabelece-se em locais de grandes investimentos de grupos da nova classe média, que são produtores, transmissores e consumidores de estilos devida que supõem sensibilidade a esse tipo de cultura. Resultam configurações urbanas distintas,tanto da cidade prémoderna - apoiada na tradição, na história, na arte e construtora de forte sentimento 32

Texto baseado em palestras realizadas no II Simpósio de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Estado do Tocantins (CREA-To / UFTo, 2005) e no Curso de Especialização em Patrimônio Cultural em Centros Urbanos (UFRGS, 2007). Assuntos ligados à preservação do patrimônio cultural são hoje em dia temas freqüentes nos meio de comunicação e comuns em conversas informais. Saíram dos meios técnicos, acadêmicos e administrativos para esferas de maior abrangência populacional, mas isso não significa governos e sociedades haverem assumido condutas necessariamente zelosas em relação a bens coletivamente representativos. 33 Maria Elaine Kohlsdorf, arquiteta e urbanismo, especialista em Configuração Urbana e Planejamento Urbano pela Universität Stuttgart (Alemanha, 1971-1974), mestre em Planejamento Urbano pela Universidade de Brasília (1979), foi docente-pesquisadora do Städtebauliches Institut / Universität Stuttgart (Alemanha, 1983). É professora-adjunto aposentada da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (FAU-UnB). Texto extraído do Lattes da autora: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4780423P4#Idiomas acessado 15 set. 2012 34 Cf. Mike Featherstone: Cultura de Consumo e Pós-Modernismo (1995) e O Desmanche da Cultura (1997). São Paulo: Ed. Studio Nobel.


de identidade coletiva -, quanto da noção moderna de cidade como lócus econômico e funcional. Segundo Baudrillard (apud Featherstone, ibid.), os produtos da gentrificação são lugares de “hiper-realidade” com acúmulo de signos, imagens e simulações consumistas que expõem uma representação desestabilizada da realidade beirando os limites de um “não-lugar”, no qual as noções tradicionais de cultura são descontextualizadas, simuladas, reduplicadas e continuamente reestilizadas. As esferas oficiais preocupam-se com a preservação do patrimônio cultural há pouco tempo. Ainda que se considerem como atitudes sensíveis à proteção de monumentos as humanidades antigas (e, especialmente, a arte grega clássica) – geralmente se localiza o nascimento do monumento histórico na Europa e no séc. XV, mas sua consagração apenas a partir de 1820, na França pós-revolução e, ao final do mesmo século, com John Ruskin, Viollet-le-Duc, Camillo Boito e Alois Riegl. No Brasil, a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN, hoje IPHAN) data de 1937, com função precípua de proteger a história e a arquitetura brasileiras. Embora em 1930, Ouro Preto já houvesse recebido status de patrimônio nacional, as primeiras quatro décadas do Serviço de Patrimônio brasileiro voltaram-se maciçamente a monumentos isolados, observados a partir de critérios estéticos parcamente expostos. Discussões sobre natureza e critérios de seleção de bens a serem preservados, vieram apenas a partir de 1970, quando a maioria de nossas cidades já havia sofrido relevante destruição da memória exposta em seus espaços. Nessa época, as cartas de Veneza (1964) e Nairóbi (1976) contribuíram decisivamente para um olhar mais adequado para à questão patrimonial, pois estenderam o conceito de monumento ao entorno do local de sua implantação e enfatizaram o caráter histórico do mesmo. A partir de então, algumas instâncias governamentais passaram a realizar projetos de proteção do patrimônio construído, criar órgãos e instrumentos legais de conservação de acervos culturais, no sentido de proteger não apenas os monumentos, mas também conjuntos formados por edifícios, ruas, quarteirões, praças e elementos do meio natural (como vegetação, corpos d‟água e relevo do solo). Incipiente, porém significativa, consolidação de movimentos sociais urbanos propiciou institucionalização de consulta popular e participação da população, contribuindo para alguma articulação entre preservação e processo de gestão urbana. Esses fatos conduziram à mudanças no conceito de monumento - que tanto cresce em extensão e complexidade, quanto se alarga como critério -,aumentaram a importância da densidade histórica de lugares e trouxeram o reconhecimento de valores ao largo de cânones artísticos preestabelecidos,adotando-se o princípio de referência cultural, tarefa na qual se deve celebrar o papel de Aloísio Magalhães. Por consequência, a antiga obsessão pelo restauro, muitas vezes responsável pela criação do falso histórico, cedeu lugar a um olhar mais histórico e menos estético da preservação patrimonial.


Entretanto, os últimos tempos parecem negar tais avanços de abordagem, já que,conforme mencionamos inicialmente, o patrimônio cultural tornou-se instrumento de interesses econômicos e políticos na nova articulação de forças sociais que se impõe no mundo globalizado. Na impossibilidade de refletir neste momento sobre os rumos de tal processo, acreditamos ser útil discutir algumas questões centrais da preservação de bens patrimoniais. Pois na trajetória a que rapidamente nos referimos, estão latentes o conceito de preservação, questões de identidade dos lugares e indagações sobre como se realiza tal proteção.

1. O QUE SIGNIFICA PRESERVAR LUGARES?

O dicionário Aurélio (1986:1388) nos diz que preservar significa “livrar de algum mal; manter livre de corrupção, perigo ou dano; conservar (...) livrar, defender, resguardar”. O sentido de proteger é claro nesse termo, mas não deve ser estendido a restaurar. 35 Em documentos recentes do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) encontram-se,geralmente associadas, as expressões conservação, resgate e valorização, indicando não apenas uma possível passividade do ato de conservar ou manter, mas também uma atitude ativa de resgatar e valorizar. Essa articulação entre conservação e pró-ação consolida a ideia de preservação dinâmica de bens patrimoniais, exercida, por exemplo, no Dossier UNESCO, visando a elevação de Brasília Patrimônio da Humanidade em 1987 e coordenado por Briane Bica. O conceito de preservação dinâmica adere facilmente a edifícios, seus conjuntos e áreas suburbanas em geral, devido à indispensável presença humana nos mesmos, pois esta requer adequação de tais espaços à práticas sociais que se diversificam constantemente. Por outro lado, o conceito de preservação não se separa de seu objeto, indica sempre caráter especial de certos lugares e objetivas ações para sua proteção, ou seja, certo tipo de gestão. Deste modo, ele se refere a lugares cuja particularidade a ser monitorada é determinado valor que deve permanecer no tempo futuro e ser passível de reconhecimento e deferência. Logo, é em função dessa importância e objetivando atenção especial, que se empreendem ações para proteção de determinados lugares. Porém, não se pode deixar de indagar sob quais critérios se agregam valores à algumas áreas e a outras não, e a quem se destina a proteção das mesmas. A esse respeito, Walter Benjamin (1892-1940) refere-se ao freqüente direcionamento das ações de preservação para a história dos dominadores, e compara os bens culturais 35

Cf. Aurélio Buarque de Holanda Ferreira: Novo Dicionário Aurélio (1986). Rio: Ed. Nova Fronteira e Cesare Brandi: Teorá de la Restauración (1977). Madrid: Ed. Alianza Forma. Brandi limita o alcance da restauração a objetivos de devolver a eficiência a um produto, mas estende tal eficiência para além da funcionalidade, pois afirma (ainda que se referindo à obra de arte) que se podem empreender restaurações para restituir o aspecto primitivo de alguma coisa visando restabelecer seu significado simbólico. Ver também: Françoise Choay: A Alegoria do Patrimônio (2001). São Paulo: Ed. UNESP, 2001.


à pilhagem arrastada junto ao cortejo triunfal após as batalhas, pois tal acervo deve sua existência não apenas aos esforços dos grandes gênios cultuados, mas à anônima servidão dos que o produziram. Neste caso, preserva-se à contemplação um cenário de trágica beleza, como o apresentado pelo “Anjo da História”, personagem de Benjamin inspirado por Paul Klee: com o rosto voltado para o passado, esse anjo tem as asas impedidas de voar pela terrível tempestade do progresso, que o empurra de costas para o futuro, enquanto cresce o monte de escombros entre ele e o céu. Ao contrário, A preservação de lugares pode ser elemento formador de cidadania se, ao possibilitar reminiscências, expor a história em sua inteireza e construir identidades efetivamente coletivas – questão que será melhor abordada posteriormente.36 Por tal motivo, parece também relevante definir quais atributos são responsáveis pelo caráter especial desses bens, pois eles devem ser expostos ao reconhecimento de gerações presentes e futuras. Isto implica escolha de dados e procedimentos de preservação cultural comprometida com a capacidade informativa dos lugares, esta disponível não apenas em situações esporádicas e geralmente destinadas a públicos restritos – mas presente na apreensão cotidiana dos indivíduos. Assim, trata-se de compromisso com informações que circulem no dia a dia e comuniquem a todos e facilmente as razões da excepcionalidade de certas paisagens, edifícios ou detalhes de áreas públicas, considerados construtores da memória coletiva. O papel social dos bens culturais se cumpre à medida em que falam de nosso dia a dia, contando histórias, evocando lembranças, despertando expectativas e nos emocionando. A linguagem espacial mais abrangente é a forma física dos lugares, pois não depende de domínio de códigos restritos (como verbalizações em certo idioma, símbolos gráficos e mapas). Comoveremos a seguir, a primeira informação transmitida pela configuração dos lugares refere-se a sua identidade, quando nos dizem onde estamos e como podemos ir dali para outro lugar sem perguntar a ninguém nem consultar mapas ou placas com nomes de logradouros. Alguns lugares falam com fluência e se revelam facilmente: basta um primeiro olhar para detectar certa fisionomia, ou maneira inconfundível de ser de ruas, praças, edifícios e monumentos. Isto significa possuírem uma identidade forte, que os antigos acreditavam ser o espírito dos lugares: o genius loci, que os habitava e se manifestava em organizações únicas do espaço, entidade respeitada como guardiã da memória citadina, pronta a evocá-la nos percursos cotidianos dos cidadãos, não apenas em raros momentos cerimoniais. 37 Um espírito fiel e flexível, visto que 36

Cf. Nicola Abbagnano: Dicionário de Filosofia (1962). São Paulo: Ed. Mestre Jou - encontram-se geralmente três definições de identidade: para Aristóteles, tratava-se de unidade de substância: as coisas são idênticas quando é uma só sua matéria ou quando sua substância é a mesma; para Leibnitz, era uma questão de substitubilidade: as coisas são idênticas quando se pode substituir uma pela outra permanecendo verdadeira a proposição; para Weismann, provinha de uma convenção: a identidade pode ser reconhecida com base em qualquer critério convencional. 37 Encontramos a expressão genius loci aplicada a caráter e identidade de lugares, nos trabalhos de Michael Trieb, a partir de 1973 na Alemanha (por exemplo, Stadtgestaltung – theorie und práxis.


sempre atual; ao longo de séculos que carregam mudanças muitas vezes radicais, esse espírito da identidade garante a permanência de traços fisionômicos responsáveis pela possibilidade de reconhecer-se determinado lugar e não confundilo com outros. O genius loci contém os elementos que caracterizam o valor cultural excepcional de certos lugares. Definir objetivamente esses atributos é tarefa fundamental das ações de preservação e pode ser auxiliada se discutirmos brevemente o que vem a essa identidade.

2. O QUE É A IDENTIDADE DOS LUGARES? POR QUE PRESERVÁ-LA?

Quando se fala em preservação de lugares, deve-se vincular os conceitos de identidade e memória. Embora existam diferentes definições para identidade, geralmente a conceituamos como o conjunto de características dos lugares capazes de torná-los inconfundíveis; quanto à memória, ela refere-se a inscrições simbólicas no espaço considerado. 38 A relação entre esses dois termos pode ser melhor compreendida se nos referirmos a processos gerais de aprendizagem, pois a preservação de bens deve estar em função de expô-los ao conhecimento de outros indivíduos para que, os reconhecendo, tenham a possibilidade de construir sua história social por meio dos mesmos. O conjunto de traços de identidade de certo lugar funciona como símbolo necessário a tal construção. Entre outros fatores, a identidade de qualquer objeto está sujeita a um sistema de posições, ou seja, de relações entre os elementos constituintes do mesmo. A identificação de certo lugar depende de seu desempenho para a observação dos indivíduos, isto é, de apresentar-sede maneira clara e indiscutível às pessoas. Se isso ocorrer no cotidiano, teremos transmissão mais ampla e irrestrita de informações espaciais necessárias à construção da memória coletiva, do que se resguardarmos tais exposições para situações extraordinárias e áreas especiais. Neste sentido, a educação patrimonial deve situar-se na percepção cotidiana das populações, ao invés de voltar-se a museus ou à áreas confinadas – condição para

Düsseldorf: Bertelsman Verlag, 1974), e em Christian Norberg-Schulz, em livro homônimo datado de 1980 (Genius Loci: towards a phenomenology of architecture London: Academy Editions). 38 Cf. Maurice Merláu-Ponty: Phénoménologie de la Perception (1945). Paris: Ed. PUF. Ele aborda a questão da identidade a partir dos mecanismos cognitivos, nos auxiliando a selecionar traços de identidade a serem conservados. A identidade de qualquer objeto depende de um sistema de posições, ou seja, de relações entre os elementos constituintes do mesmo, além das características dos mesmos e da chave de decodificação desse sistema. . Para que haja identificação, o sentido próprio a algo que se observa deve estar ligado a sua orientação; assim, invertê-lo de posição é despi-lo de sua significação, pois, como objeto de conhecimento, ele existe em função do olhar que o encontra sob um certo viés, e que não o reconhece de outra maneira. O mencionado autor introduz, desta forma, o papel da identidade no principal meio de reconhecimento de qualquer espaço e, portanto, também dos sítios urbanos: a percepção.


se lograr articulação contínua entre memória e identidade, necessária à formação da cidadania por meio de lugares transformados em símbolos nacionais.39 O processo de simbolização ancora-se na memória, mas esta possui caráter de escolha, porque é lembrança. Para se instalar em certo lugar, memória e lembrança precisam mobilizar fatos, emoções e outros elementos que não estão presentes, embora sob liberdade de realizar inversões de ordem, ou posição e de construir associações imprevistas. A conversão de certo lugar em símbolo (ou seja, em algo que remete a ausências) é emocional, pois a construção de lembranças está em função da história interior do sujeito. Por outro lado, na edificação dessa história, a identidade age mostrando certas permanências no tempo. Por tais motivos, a articulação entre memória e identidade realiza-se por meio do símbolo em que se tornou o lugar, e este passa a permitir que localizemos ausências. Quanto mais esse processo ocorrer por meio da percepção cotidiana das populações, maior e mais intensa será a formação de vínculos entre ela e lugares representativos para a memória social. A afetividade em relação a bens testemunhais possibilita sua incorporação à história pessoal de cada pessoa, gerando desejo de por eles zelar. Mas, para que isso ocorra, deve haver apreensão fácil dos traços de identidade dos lugares, os espaços devem prontamente mostrálos. Utilizando-se licença poética de Chico Buarque, é preciso que identidades espaciais importantes para a memória dos povos “arrombem a retina” dos passantes, tal como ele descreveu a força informativa da paisagem em Carioca: “O poente na espinha / Das tuas montanhas / Quase arromba a retina / De quem vê” e, sem dúvida,memoriza como feição do Rio de Janeiro. Por isso, a educação patrimonial voltada efetivamente à construção da memória coletiva introduziu a necessidade de se apreciar a percepção cotidiana dos lugares considerados bens culturais. Como modo de conhecimento, a percepção é seu principal meio de reconhecimento e valorização, pois está presente em qualquer ser humano e possibilita a mais irrestrita transmissão de informações sobre identidade de objetos, ou situações. Ela é a chave do conhecimento da identidade espacial, captada sempre conforme suas características de conjunto - e nunca de modo parcial. Não percebemos jamais edifícios e seus detalhes isoladamente: não apenas edifícios em seu lote, nem nenhum monumento independente de seu entorno. Percebemos paisagens (a porção de espaço abrangida pela vista), que podem ser compostas por edifícios, mobiliário urbano, vegetação, eventuais corpos d‟água, 39

Fatos relembrados inscrevem-se, necessariamente, em espaços e só são a outros indivíduos transmitidos por meio do espaço. Michel de Certeau (A Invenção do Cotidiano, Rio: Ed. Vozes, 1994) observa que a implantação da memória em um lugar é um momento de ação, pois se aproveita uma ocasião para mobilizar lembranças relacionadas ao que acontece e se reinstalam acontecimentos passados e retirados de nosso sentir, em um encontro fortuito. Assim, a memória produz um lugar que não lhe é próprio, pode estar sempre no lugar do outro sem apossar-se dele e tem a autoridade de tirar certos elementos de lembranças coletivas ou individuais e de realizar inversões de ordem ou de lugar nos mesmos. Por outro lado, a memória não é localizável, pois os lugares vividos são presenças de ausências, mas permite que localizemos ausências: conforme Certeau (ibid.), a inscrição dos fatos relembrados só se exerce em práticas de espaço - isto é, maneiras de passar ao outro por meio do espaço, e no espaço.


relevo do solo, veículos de propaganda e “ocos” entre quaisquer volumes (geralmente formadores de áreas livres). O que se percebe é, essencialmente, um conjunto de relações entre elementos. Por outro lado, os lugares são certo tipo de bem simbólico com algumas peculiaridades. Especialmente se localizados em sítios urbanos, possuem características de processualidade e natureza social que lhes concede condição histórica, cultural e metamórfica. A cultura urbana é o principal traço definidor das cidades, nelas comparece desde sua ancestralidade; motiva a reunião de pessoas em torno de trocas econômicas e simbólicas desde tempos dos santuários paleolíticos, quando populações nômades se encontravam em ocasiões cerimoniais. Essa cultura sempre esteve associada à vida cívica, indicando possibilidades de transformação social por práticas de participação, discussão, reivindicação e negociação, além daquelas de confronto. Como elementos interagentes nessas práticas, os lugares mudam conforme sua articulação com sociedades neles espacializadas. Logo, eles não são objetos estáticos e se definem, necessariamente, por sua capacidade de se modificarem. Portanto, a identidade espacial que se expõe aos observadores em seu dia-a-dia, é apenas uma parcela do conjunto de características dos lugares – aquela que permanece no tempo – uma vez que outros atributos mudam quando são solicitados pelo processo histórico. Estes fatos devem ser considerados nas diversas ações de preservação dos lugares eleitos como bens culturais e encaminham para nosso próximo ponto: como preservar a identidade dos lugares, tendo eles natureza metamórfica e importando expor sua identidade no cotidiano de todos.

3. COMO PRESERVAR A IDENTIDADE DOS LUGARES?

As considerações anteriores indicam a relevância de definir quais atributos são responsáveis pela identidade dos lugares (ou seja, por constâncias no tempo) e como tais características se expõem à apreensão espontânea de qualquer pessoa. Isto equacionado, pode-se discutir como proceder para que essas informações se exponham ao reconhecimento pelas gerações presentes e futuras. Primeiramente, observe-se que a configuração espacial oferece, para todos, uma única noção de localização, ainda que se mantenha limitada pela pluralidade de significados adquirida sempre que interpretada por alguém. Em segundo lugar, a percepção é base para formação de outras representações espaciais (como por ex. a imagem mental dos lugares),mas seleciona atributos diferentes. Por isso, ela não utiliza as tradicionais representações da atividade de projeto desenhos em escala expressando características em verdadeira grandeza do espaço. A percepção se apóia nos sistemas sensoriais e, por isso, capta informações sensíveis (tais como cenas contidas nos campos visuais do observador)


e durante deslocamentos do indivíduo. Ela é seletiva, motivo pelo qual se registram apenas campos visuais com grau adequado de estímulo da configuração espacial e em alguns momentos de nossos trajetos. As informações visualmente recolhidas sofrem mudanças profundas em nossa inteligência, tornando-se noções sobre o lugar percebido, ricas e abrangentes. São essas decodificações que constroem a ideia sobre a identidade de certo lugar. Assim, para a percepção, edifícios, cidades e paisagens são sistemas de sinais que adquirem significados quando interpretados. Porém, as tarefas de projetação exigem abstrações como são as plantas, cortes, fachadas, perfis e perspectivas axonométricas. O sistema de projeções ortogonais é o modo de representação adequado ao projeto, mas não expressa atributos do espaço presentes em sua percepção. Habitantes e visitantes de lugares preservados jamais perceberão certo edifício por sua representação em planta, nem um setor da cidade sob a forma de cortes ou elevações. Percebem composições de superfícies que, por nos cercarem de modo mais próximo ou mais afastado, estabelecem limites físicos para nossa visão e para nosso corpo; ou elementos que atraem a atenção para o final da cena que se oferece ao nosso olhar, ou que a interrompem bruscamente, impedindo que se saiba o que esconde. Apreendem,na verdade, efeitos visuais que se descrevem por meio de uma geometria própria à percepção,e não à tradição projetual. Enquanto a geometria da percepção representa o mundo tal como o vivenciamos, isto é, sensivelmente, a geometria projetual o expressa como jamais será efetivamente visto, mas disponibiliza dados indispensáveis às ações de preservação de monumentos e sítios patrimoniais.40 Porém, os lugares têm natureza histórica, estão em permanente mudança e são cenários dinâmicos das práticas diárias. No decurso de quaisquer atividades desenvolvidas no espaço, captamos informações sobre sua forma que se tornam noções espaciais a partir da percepção humana. Logo, o reconhecimento de áreas preservadas pode também ser um aprendizado permanente durante nosso ciclo vital e não restrito a certos momentos e condições. Nesse processo, a forma dos lugares torna-se bem simbólico e o sentido das noções espaciais se requalifica, pois se vetorizam para a formação da memória por meio da identidade dos mesmos. Como um “anti-museu” preconizado por Certeau (1994), a partilha do usufruto dos bens culturais deve abrir-se à trama das relações sociais também para suprir carências da memória popular. Desprovida da profundidade histórica presente em documentos, símbolos e demais representações restritas a intelectuais, esse tipo de memória beneficia-se dos processos de percepção universal, possibilitando a formação de uma identidade coletiva. Restringir a decodificação de símbolos patrimoniais a grupos intelectualmente privilegiados é evitar o exercício da cidadania através da construção da memória popular. Expor à percepção das populações esse tipo de símbolo, deve ser o objetivo das ações de preservação.

40

Cf. Maria Elaine Kohlsdorf: A Apreensão da Forma da Cidade (1996). Brasília: Ed. UnB.


Em função do exposto, nota-se que importa à preservação de lugares com especial condição simbólica apenas atributos que se comportam como traços que, desvendando sua identidade, participam da construção da história dos povos. Estes devem ser mantidos no tempo, com o resguardo de seus elementos e relações, ao lado de outras tantas características que se podem liberar à transformações historicamente solicitadas. Contudo, o saldo entre permanências e metamorfoses nem sempre tem beneficiado a construção da memória coletiva. Muitas vezes preservaram-se apenas monumentos e documentos, ambos acervos sob restrição informativa, cujo reconhecimento depende dedados e acessos pouco disponíveis. São ainda insuficientes as medidas de proteção direcionadas a cenários de práticas habituais daqueles que fazem de lugares públicos sua casa, seu lugar de trabalho ou de visitação, dos que com eles se emocionam e os constroem a cada dia. Estratégias de preservação nem sempre garantem a todos e a qualquer momento a comunicação da identidade de lugares patrimoniais por meio de características captáveis pela percepção dos indivíduos, despertando involuntariamente seu interesse. Assim, é necessário eleger onde localizar as ações de proteção, de modo a que estas toquem os traços identificadores dos lugares selecionados, e os exponham a captação permanente e irrestrita. Isto remete a questões de coleta de informações, assim como sua documentação; elas devem ser necessariamente adequadas à estratégias de preservação que atendam às necessidades de apresentação constante da identidade dos referidos bens. Dados inventariais precisam atender às características genéricas da percepção espacial, mas as tradicionais fontes cadastrais não foram elaboradas para contemplar atributos pelos quais os lugares apresentem-se à percepção dos indivíduos em seu cotidiano. Além disso, a descrição realizada deve inferir a capacidade informativa de tais características, possibilitando localizar aquelas a serem resguardadas de desfiguração, porque são responsáveis pela identificação do lugar examinado. Mostrar, por exemplo, quais relações entre comprimento, largura e altura de edifícios devem ser mantidas para que certo lugar não se desfigure; quais ritmos caracterizam determinados conjuntos de fachadas por largura, altura, proporções ou zoneamento compositivo; quais proporções de logradouros são decisivas na identidade de determinada área; ou quais composições paisagísticas guardam a individualidade de áreas livres públicas. Em segundo lugar, há questões de manejo para diversos níveis de gestão do patrimônio cultural, mas todas passam por instrumentos como diretrizes, normas, estatutos, índices construtivos e leis urbanísticas. Se, por um lado, o Brasil dispõe de um corpo normativo robusto a ponto de garantir a execução espacial de projetos, edifícios, cidades e paisagem, por outro tende a restringir a quantidade de instrumentos utilizados. Por exemplo, se abandonam recursos como recuos e afastamentos dos limites dos lotes, em prol da articulação entre taxa de ocupação e


índice de aproveitamento do terreno; essa substituição abre para a diversidade, sendo justificável somente quando se deve preservar a complexidade morfológica como traço de identidade de certo território. Em outro extremo, colocam-se as prescrições excessivamente detalhadas, que imobilizam inclusive características acessórias. Acreditamos que o problema não reside na disponibilidade instrumental, mas na aplicação adequada desses recursos; o sucesso de seu emprego depende de sua afinação às idéias cuja realização deve garantir e, essas últimas, às características e finalidades da preservação da identidade dos lugares. Deve-se ainda mencionar instrumentos mais amplos como planos, projetos e similares, todos entendidos como estratégias de proteção do patrimônio cultural. Embora se pudessem discutir quais tipos seriam mais eficientes para lograr o equilíbrio entre permanências e metamorfoses na preservação da identidade dos lugares, vamos nos deter na questão da unidade desses instrumentos. Se, por um lado, são inegáveis a necessidade e urgência da gestão para a preservação, por outro, parece inoportuno coexistir vários planos, como ocorre por vezes em sítios tombados. A experiência mostra uma convivência nada pacífica entre plano diretor e plano de preservação, desfavorável à conservação da identidade e à construção da memória coletiva. Como qualquer outro bem cultural, a condição patrimonial dos lugares deve contaminar todos os instrumentos escolhidos e contingenciar todas as instâncias de sua administração. Assim, a preservação dos lugares não pode ser encargo de um departamento ou de uma secretaria, mas de todos os órgãos e funcionários que com eles lidam, os quais precisam conhecer os contornos de sua participação nessa tarefa coletiva. Além do envolvimento de especialistas, a preservação dos traços fisionômicos dos lugares é tarefa que não pode prescindir da presença maciça e ativa de todos os segmentos populacionais. Eles precisam redescobrir, juntamente com os profissionais, o genius loci de cada cidade e de cada lugar para passar a considerar as possibilidades de identificação dos mesmos como tarefas de planos e projetos. Inclusive porque esta leitura ocorrerá, bem ou mal e mesmo tendo sido desprezado por técnicos, projetistas, gestores e executores, quando prefigurações se transformarem em espaço construído.


Composição de Ademaro Mollo Junior

Composição de Ademaro Mollo Junior


O ENSINO DA PRESERVAÇÃO ARQUITETÔNICA E URBANÍSTICA NOS CURSOS DE ARQUITETURA & URBANISMO Márcio Vianna41 (professor do IESPLAN)

A preservação do patrimônio arquitetônico e urbanístico é tema relativamente recente, e seu ensino, mais ainda. Todavia, no Homem o instinto de defesa de seu próprio patrimônio existe desde as sociedades primitivas; afinal, o instinto de defesa é „animal‟. O primeiro arquiteto pode ter sido um homem pré-histórico que arrastou uma pedra para a entrada de sua caverna, objetivando proteger a si e a seu grupo, diante do clima ou de animais ameaçadores. Assim, inventou uma porta para proteger seu patrimônio, antes mesmo da criação da roda. Inseridas no conceito de patrimônio, abrangente desde sempre, encontramos também as categorias culturais, que nos dizem respeito mais diretamente enquanto arquitetos e urbanistas, quais sejam o patrimônio urbano e o patrimônio arquitetônico. No que concerne à estas categorias a estas categorias, encontramos iniciativas antiquíssimas de preservação: Como nos templos mais antigos, que sempre tiveram um guardião, ou sacerdotisa, ou similares, empenhados em sua proteção e manutenção. Noutro exemplo, poderíamos considerar que o Imperador Adriano (76 D.C. – 138) teria inventado a preservação museológica, pelo menos para nosso mundo ocidental Greco-romano, quando exibe, na sua “Villa Adriana” nos arredores de Roma (Tivoli), a coleção de arte saqueada a gregos e outros. Na Idade Média, o chamado “Codex Calixtinus” (assinado pelo Papa Calixto II no ano de 1131) parece um primeiro Código de Obras e de Posturas, com ênfase na preservação do patrimônio arquitetônico e urbanístico, quando na Espanha de então, são lançadas normas de proteção para o Santuário de Santiago de Compostela e para os vilarejos ao longo do conhecido “Caminho de Santiago”. Essa peregrinação, já então a todo vapor, atrai multidões de romeiros em número além do que o Santuário ou os vilarejos, suas estalagens, suas tabernas, pareciam poder suportar. E estava „inventado‟ o “controle da capacidade de carga” que até hoje vemos em situações como em Machu Picchu, no controle do limite e do fluxo de visitantes.

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Márcio Vianna, Arquiteto pela Universidade de Brasília (1980), e doutor em Preservação do Patrimônio Cultural pela Universidade Politécnica de Varsóvia (1989). Arquiteto do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN desde 1982. Atualmente, é o coordenador do Curso de Arquitetura & Urbanismo do Instituto de Ensino Superior Planalto, IESPLAN, Brasília.


O Renascimento comparece com sua particular valorização do antigo, aqui considerada tanto do modo genérico (estudos, conhecimento, informação, formação etc, sobre a Antigüidade Clássica) quanto do modo específico, com as “primeiras” restaurações arquitetônicas de Leon Battista Alberti (1404 - 1472) em Florença.

Figura 1. “Vila Adriana”, residência do Imperador Adriano nos arredores de Roma – Fonte: http://www.rome.net/villa-adriana

No entanto, além destas iniciativas esparsas no tempo e no espaço, devemos considerar que somente no século XIX identificaremos precursores de uma profissionalização do patrimônio, ou pelo menos uma especialidade no campo da Arquitetura, da História e das Artes. Como por exemplo, na teoria e na prática do francês Violet-le-Duc (1814-1879) com suas restaurações de importantes catedrais góticas francesas, ou o italiano Camillo Boito (1836-1914), que enfim formulou uma proposta científica e acadêmica e para a preservação do patrimônio arquitetônico. Podemos dizer que até o século XIX, os precursores da preservação do patrimônio arquitetônico, artístico, etc. Trabalharam de modo esparso e por entusiasmo próprio, mantendo-se em um fazer pouco devotado ao mostrar como fazer,o ensinar. Assim, na busca de referências históricas sobre o ensino da preservação do patrimônio arquitetônico, damos atenção especial aos precursores do tema no século XIX42:

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BOITO, Camillo. Os Restauradores. São Paulo: Artes&Ofícios, 2002.


Violet-le-Duc dizia-se “um homem de canteiro de obras” e multiplicava seu ofício diretamente para os operários, por exemplo na restauração da Catedral de Notre-Dame de Paris. John Ruskin multiplicava suas idéias entre seus discípulos leitores. William Morris era sindicalista, formador de opinião no sentido político, e multiplicava suas idéias entre seus companheiros, não necessariamente com preocupação didática propriamente dita. De Camillo Boito, enfim, temos uma proposta didática, que de certa forma norteia até hoje os critérios da intervenção arquitetônica em edificações históricas.

De lá para cá, e sempre a partir destas referências e sua evolução histórica, tem sido organizados nos diversos países, tanto os critérios de preservação e intervenção arquitetônica e urbanística, quanto as legislações nesta área e, em suma, a Teoria, a Prática e o Ensino neste âmbito. O Brasil, podemos afirmar com orgulho, é um dos pioneiros na preocupação pragmática com a preservação cultural. Se considerarmos que, genericamente falando, a preocupação com o patrimônio sempre existiu e amadureceu ao longo dos séculos, também nós brasileiros tivemos, em nossa „pouca‟ idade, iniciativas esparsas ao longo do tempo e do espaço, da mesma forma como os outros povos mais antigos43. Mas, no pragmatismo das legislações, dos fatos governamentais e da inserção definitiva no mundo da Teoria e da Prática do Patrimônio, a preocupação nacionalista ocorre de modo especial no Governo Vargas a partir de 1930, neste caso encontra-se inclusa a defesa do patrimônio nacional, quando também estão surgindo as normatizações governamentais da defesa do patrimônio nos países de Violet-le-Duc e de Camillo Boito (1932, 34, 38...). Nossa legislação é de 1937: trata-se do “Decreto-Lei 25” de 1937, que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, inclusive fundando o IPHAN (então DPHAN). Por esta mesma época, o Maestro Villa-Lobos superlotava o Maracanã com estudantes para ensinar e ensaiar canto e coral, com temas do cancioneiro popular e folclórico, cuja categoria é também integrante do rol do patrimônio cultural brasileiro segundo o Artigo 216 da Constituição Federal 44 . A propósito, um dos intelectuais brasileiros que mais contribuiu para este tema específico do “cancioneiro popular” (além de muitas outras contribuições, é claro) foi 43

Se por um lado podemos considerar que a Carta de Pero Vaz de Caminha já faz repetidas menções quanto ao instinto de defesa dos índios brasileiros na defesa e intimidade do espaço de sua taba, lá não querendo levar portugueses ou „devolvendo-os‟ com ênfase... também encontramos ao longo dos séculos atitudes enfáticas de defesa do patrimônio arquitetônico, como no caso do “Palácio das Duas Torres” no Recife ex-holandês e então neo-português, quando decidiu-se que o patrimônio arquitetônico deixado pelos holandeses expulsos seria reaproveitado e restaurado para uso da comunidade local. Foi este o primeiro monumento por assim dizer “tombado”, muito antes (1642-45) da própria existência do IPHAN em 1937 como vimos acima. 44 “(...) as criações científicas, artísticas, e tecnológicas; (...); as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais (...)”


justamente Mário de Andrade, que nas décadas de 1920 e 1930, fez viagens por todo o Brasil visitando o patrimônio antigo, urbano, arquitetônico, coletando inclusive, lendas, folclore e cancioneiro popular Não podemos deixar de citar também, nesta abordagem de certa forma cronológica, a Semana de Arte Moderna de 1922, onde encontramos indícios do DNA também da nossa moderna visão de preservação do patrimônio. Mário de Andrade é o autor da minuta para o citado Decreto-Lei 25 de 1937, que cria o IPHAN e organiza a proteção de nosso patrimônio. Não é novidade que intelectuais saiam à frente na defesa da Cultura e da Identidade Cultural de um povo, pois assim tende a ser também em outros países 45. A novidade brasileira é que enquanto em outras nações os modernistas e os saudosistas do patrimônio (sic) são rivais e, por vezes, sequer sentam à mesma mesa de discussões. No Brasil daquela época, eles são enfim os mesmo que tanto lutam pela defesa do patrimônio cultural nacional, quanto provocam o nascimento do Modernismo Brasileiro em todas as áreas, na Arquitetura& Urbanismo inclusive. Não apenas Mário de Andrade ou Villa-Lobos são ao mesmo tempo interessados no moderno e no tradicional46, mas também Carlos Drummond de Andrade é o Chefe de Gabinete do Ministério encarregado desta questão. Na mesa ao lado estava Lucio Costa, que trabalhou no IPHAN até aposentar-se. E assim, muitos outros nomes importantes atuaram tanto no nascimento e amadurecimento do Modernismo Brasileiro, quanto no nascimento e amadurecimento da defesa do patrimônio cultural brasileiro, multiplicam o conhecimento, o entusiasmo, o ofício: Lucio Costa, especialmente, era por esta época Professor e Diretor da Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, onde graduaram-se Oscar Niemeyer e muitos outros nomes importantes da Arquitetura & Urbanismo brasileiros. Temos um DNA duplo a marcar a identidade cultural brasileira. Com efeito, vários marcos da Arquitetura Moderna Brasileira já nascem tombados como patrimônio histórico: o então Ministério da Educação e Saúde, (hoje Palácio Capanema no Rio); o Conjunto da Pampulha em Belo Horizonte, Brasília e muitas outras históricas produzidas no século XX47. Brasília, obviamente, pertence a esta mesma lista de DNA duplo, Modernidade e Patrimônio, pois já nasce com indiscutível valor histórico. Todavia, seria talvez uma curiosidade saber que muito antes do tombamento de Brasília, ou mesmo antes da Inauguração, (1) o Catetinho foi tombado individualmente em 1959, a pedido do próprio Presidente JK assim que o Palácio da Alvorada ficou pronto, do contrário ele, provavelmente, teria sido demolido como residência presidencial “provisória”. Noutra curiosidade, (2) a Catedral de Brasília foi também tombada individualmente já em 1967, quando ainda era o esqueleto de uma obra inconclusa, pois ela só foi inaugurada quatro anos depois, em 1971. 45

Um dos mais ferrenhos defensores do patrimônio cultural francês foi o escritor Victor Hugo. CAVALCANTI, Lauro (Org.). Modernistas na Repartição. Rio de Janeiro: UFRJ:MinC/IPHAN, 2000. 47 Veja a lista no website do IPHAN: http://www.iphan.gov.br/ans/inicial.htm 46


Nesta esteira peculiar, encontraremos outras atitudes de preservação do patrimônio no Brasil, inclusive o ensino da matéria. Da mesma forma que demonstra a história da preservação arquitetônica, também no âmbito acadêmico, a experiência nasce muito cedo em atitudes dispersas, mas amadurece mais tarde e já com abrangência nacional. Senão, vejamos: Naquelas Unidades da Federação onde o patrimônio urbano e arquitetônico é mais tradicional e consistente (RJ, BA, MG e outras), os cursos de Arquitetura & Urbanismo já trazem disciplinas optativas voltada para a preservação do patrimônio urbanístico e arquitetônico: UFRJ, UFBA, UFMG e outras. Apenas em 1999 tornou-se obrigatória uma disciplina de preservação urbanística e arquitetônica nos cursos de A&U em todo o Brasil. Antes disso, o Ministério da Educação solicitara oficialmente ao IPHAN, que lançasse as bases para o ensino da preservação arquitetônica nos cursos superiores de A&U, fornecendo ementa e demais fundamentos. O IPHAN responde conforme segue48:

1. A Comissão inicia seus trabalhos por uma pesquisa em dezenas de cursos de A&U em todo o território nacional, verificando em quais cursos a matéria já existia pelo menos como optativa. 2. O IPHAN solicita aos cursos identificados que forneçam suas respectivas Ementas, Planos de Ensino, Bibliografias e outras informações. Muitos atendem prontamente. 3. A Comissão faz a análise do material recolhido, e faz um diagnóstico que resume os dados coletados e lança perspectivas pelo menos no nível de tendências. 4. Dentre tais tendências, identifica-se, por exemplo, os pontos de interseção entre as diversas Ementas e demais propostas localizadas; ou seja, quais os temas afetos ao patrimônio são mais ou menos constantes, recorrentes, nos currículos dos cursos de A&U. 5. No Congresso da ABEA naquele mesmo ano, a Comissão do IPHAN apresenta suas conclusões e propostas. Conforme segue resumido numa reinterpretação livre e atualizada das propostas de 1998/99:

Unidade 1- Base conceitual: A partir dos conceitos de “patrimônio” e de “preservação”, suas respectivas especificidades e abrangência, apresenta-se a base conceitual do ofício do arquiteto e do urbanista na lide com o assunto, sempre a partir de uma perspectiva multidisciplinar. Sem entrar na cronologia do metier propriamente dito (objeto da 48

O autor deste Artigo integra, na época, a Comissão do IPHAN reunida para a finalidade de propor em suma „como se deve ensinar Patrimônio no Brasil‟, Comissão essa então chefiada por Luis Antônio Bolcato Custódio. Os resultados foram levados e aprovados na reunião da ABEA em Campo Grande/MS, 1998.


próxima Unidade), o objetivo é demonstrar como o conceito evoluiu com o tempo e exige teorias e práticas igualmente em evolução permanente. Isto, de modo a embasar uma ação não “romântica” ou “saudosista”, mas comprometida com a dinâmica da História: preservação do patrimônio natural e cultural como ferramenta de um presente e de um futuro mais conscientes, mais dignos.

Unidade 2- Histórico do tema: Demonstra-se como a preocupação acerca da preservação de um patrimônio sempre existiu e sempre foi objeto de atitudes, que embora dispersas no tempo e no espaço, evoluíram no sentido de um alicerce seguro e maduro para a atuação neste âmbito, na atualidade. Citam-se personagens e ações do passado, com ênfase nos precursores do século XIX. Identifica-se o Brasil deste contexto: nossa História nesse tema, com ênfase nos primeiros modernistas do século XX, que também foram os primeiros a institucionalizar a preservação do patrimônio cultural no país como „garantia‟ de uma identidade nacional própria.

Unidade 3- Uma aproximação de critérios e normatizações para o tema: Legislação pertinente ao tema e às “Cartas Patrimoniais”, como nasceram e se fundamentaram a partir dos critérios dos precursores do Restauro Arquitetônico no século XIX, e como tais critérios amadureceram e se consolidaram a partir da “Carta de Atenas” de 1931 49 . O Decreto-Lei 25 de 1937, que “organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional”. Legislações atuais, e as Cartas Patrimoniais desde então e ainda hoje, por exemplo, o recente conceito do “patrimônio imaterial” e a Lei 3551 de 2000, sobre o assunto. O “Patrimônio Mundial”, segundo a Unesco (1972), está sempre em constante atualização, novas categorias, evolução de práticas.

Unidade 4- “Técnicas retrospectivas”: “Técnicas Retrospectivas” é o título provisório que o próprio Ministério da Educação (MEC) sugere para a disciplina de patrimônio nos cursos de A&U, e assim algumas instituições seguem. A nosso ver, não cabe. Se “técnicas retrospectivas” são as técnicas construtivas históricas tradicionais, já teriam sido normalmente vistas nas disciplinas de História de A&U, com provável ênfase no período colonial brasileiro. O que caberia nesta unidade, seriam não as “técnicas retrospectivas” em si, mas sua conservação.

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Menção à “Carta de Atenas”, de 1931, sobre a preservação de monumentos. NÃO confundir com a outra, famosa “Carta de Atenas”, de 1933, redigida no IV Congresso Internacional de Arquitetura Moderna/CIAM.


Unidade 5- Estudos de casos: Trata-se da Prática, após a visão evolutiva da Teoria sedimentada pelas Unidades anteriores, exemplos e experiências de intervenções urbanas e arquitetônicas no Brasil e em outros países. Importante observar que não apenas experiências positivas são apresentadas, mas, também, equívocos como os pastiches e outras propostas errôneas. Ademais, pode ser a oportunidade para o(a) estudante exercitar o tema no projeto para, observando que em alguns cursos o enfoque é especificamente teórico, em outros é também prático, o que é o ideal e é o caso do nosso curso de A&U no IESPLAN.

Unidade 6 - O “patrimônio local”: Como informado anteriormente, a pesquisa empreendida pelo IPHAN identificou que disciplinas de Patrimônio já eram ministradas, pelo menos com o caráter de “optativas”, em algumas universidades situadas em metrópoles com centros históricos significativos como o Rio de Janeiro, Salvador, Recife, entre outras. Assim sendo, o “patrimônio local” é necessariamente fonte e objeto de pesquisa e de projeto. Mesmo nas cidades não necessariamente consideradas históricas, há que se enfatizar a própria identidade e sempre há um núcleo histórico passível de ser estudado e preservado como tal. Essas contingências incluem, obviamente, Brasília, nossa sede, cidade histórica por excelência, tombada pelo IPHAN e incluída pela Unesco na lista do “Patrimônio Mundial” desde 1987, o primeiro monumento histórico do século XX a ingressar no seleto rol.

Unidade 7- Aspectos Complementares: Que embora já tenham comparecido nas discussões e temáticas das Unidades anteriores, merecem uma atenção especial.

CONCLUSÃO: Cada vez mais as diversas categorias do patrimônio estão em franco processo de modernização, seja do ponto de vista teórico, na ampliação e atualização de conceitos e categorias, seja do ponto de vista prático, com a própria evolução tecnológica enquanto ferramenta de projetos e obras de intervenção arquitetônica, urbanística, etc. Nos últimos anos, cada vez mais arquitetos de projeção nacional e mundial, como por exemplo Paulo Mendes da Rocha ou Daniel Libeskind, tem tratado o tema do patrimônio como um desafio sempre instigante. A intervenção do contemporâneo no antigo, a coexistência pacífica do contemporâneo e do antigo em uma mesma edificação tem sido tratadas com especial atenção. Digamos enfim, .que após ter sido tratado por décadas com saudosismo, atualmente o patrimônio parece estar „na moda


Figura 2. Diálogo entre o Antigo e o Novo: o Museu do Louvre e sua Pirâmide Foto de Paulo Mateusz V. Vianna, Paris 2012

Estudantes de Arquitetura e arquitetos em geral, após décadas necessitando buscar uma formação temática sobre Patrimônio Arquitetônico & Urbanístico em outro país, podem, enfim, desfrutar no Brasil de um contexto amadurecido e eficiente. Primeiramente, lançam-se a essa missão três universidades federais e seus respectivos cursos de especialização em Patrimônio, sempre com apoio do IPHAN: “CECRE” na Universidade Federal da Bahia, “CECOR” na Universidade Federal de Minas Gerais, e o “CECI” na Universidade Federal de Pernambuco, respectivamente, sobre o patrimônio arquitetônico, artístico, e urbanístico. Hoje esses cursos de especialização já estão amadurecendo no sentido de um mestrado. O próprio IPHAN criou sua especialização e hoje Mestrado Profissional, e muitas universidades particulares estão organizando cursos de pós-graduação em Patrimônio. O que se espera, é que ocorram outras iniciativas maduras nesse âmbito, que novos cursos possam surgir e novos interessados em Patrimônio identifiquem-se nos cursos de A&U, Engenharia, Artes, História, Sociologia, Antropologia, etc. em todo o Brasil, com melhor distribuição regional, suprindo as carências de especialistas por todo o país. No caso da Arqueologia, por exemplo, a carência é alarmante diante dos milhares de sítios arqueológicos por pesquisar neste país.


ARQUITETURA MILITAR: A evolução de um conceito. Joanes da Silva Rocha50 (professor do IESPLAN)

RESUMO

Ao longo dos séculos, em virtude das várias mudanças socioeconômicas da humanidade. No entanto, seu estopim foi, predominantemente, em resposta à própria evolução bélica. Sem a pretensão de esgotar o tema, o artigo se propõe conciliar as análises sociais e técnicas nas quatro etapas da história militar, intituladas de Arquitetura vertical, Arquitetura horizontal, Arquitetura subterrânea e, por fim, Arquitetura patrimonial, que corresponde ao momento atual.

INTRODUÇÃO A história está inscrita no traçado e na arquitetura da cidade. [...] Os motivos que deram origem as cidades foram de natureza diversa. Por vezes era o valor defensivo. E o alto de um rochedo ou a curva de um rio viam nascer um pequeno burgo fortificado. [...].51 Como escrito na Carta de Atenas, de 1933, são dois os pontos cruciais para se entender a dinâmica das primeiras cidades seu motivo e local: O motivo é transtemporal, pois desde a revolução neolítica o homem busca defender seu espaço e bens.O processo de sedentarização marca muito mais a passagem do coletor para agricultor, mas também, interfere na formação do próprio censo de cidade. Para Mumford (1998, p.78), a criação histórica da cidade, das leis e da própria muralha, está relacionada com a evolução natural do caçador em chefe político, trazendo, assim, aos aldeões um novo sistema de relação entre política e guerra. Muitos se lembram do mito de Remo e Romulo, no entanto, remete à mesopotâmia, dois mil anos antes de Roma, à lenda de que a muralha de Uruk, atual Warka,foi construída por seu rei sumeriano Gilgamesh em um contexto mítico de luta contra os deuses. O fato é que estas muralhas, que datam entre o sexto e o quarto milênio a.C., representavam uma nova dinâmica urbana numa região em constantes guerras.52 A localização das cidades é de motivo mais transitório e mutável, pois apesar, das necessidades básicas do homem serem sempre as mesmas (água, alimento e 50

Joanes da Silva Rocha é Arquiteto, Mestre em Teoria e História da Arquitetura pela Universidade de Brasília (UnB), professor universitário e pesquisador de temas militares. 51 CARTA DE ATENAS, disponível em <http://portal.iphan.gov.br> acessado em 20 de out. 2012 52 (ROAF, 2006, p. 61) (BENEVOLO, 2005, p. 30)


moradia), a dinâmica tecnológica altera suas distâncias e, consequentemente, seus locais. No início, as cidades eram construídas ao longo dos rios,53 que serviam de fonte de água para consumo, plantação e transporte, contudo, hoje nota-se uma relativa emancipação dos afluentes dentro das cidades, muito em virtude do sistema de água e esgoto encanados, e outras formas de transporte de mantimento entre o campo e a cidade. Entender a evolução da arquitetura militar, é mais que debruçar sobre a relação antagônica entre o desenvolvimento da balística e a reestruturação arquitetônica, mas visualizá-las como duas faces de uma mesma moeda. Isso porque a genialidade militar não pode ser dividida em ataque e defesa, pelo contrário, o “ideal” seria que os mesmos engenheiros de guerra que projetassem as máquinas de assédio, fossem contratados para adaptar os muros das cidades. Neste seleto grupo pode-se destacar Vitrúvio, Leonardo da Vinci, Michelangelo, Bramante, Brunelleschi e tantos outros. (PRATA, 2011, p.134). Naquilo que Clausewitz (1979, p. 472) chama de “teatro da guerra”, fica claro que a eficácia de uma fortaleza depende de dois elementos o ativo e o passivo. Com o ativo, a muralha protege a praça e tudo o que nela contém; pá por meio passivo, ela exerce certa influência sobre os arredores para além do alcance dos seus canhões. Mumford (1998, p. 32) vai um pouco além e declara: “o que os antigos castelos e fortificações mostram não é a guerra e o conflito entre comunidades em oposição, mas o domínio unilateral de um grupo relativamente grande por uma pequena minoria”. Segundo Magnoli (1988, p. 4), quando confrontamos mapas políticos, frequentemente perdemos de vista o caráter histórico das realidades que eles espelham: “Na prática cotidiana, insensivelmente naturalizamos esses fenômenos que são políticos.” A geografia oficial escolar busca ensinar através do patriotismo, que o estado nacional é uma entidade natural, como se o território fosse um dado prévio, anterior à própria história, assim ocupada ou descoberta. “Fronteiras e países não existiram sempre onde estão, e não existiram sempre. Não são mais que construções da história humana, resultado e expressão de processos sociais”. (Idem, p.8).54 1. ARQUITETURA VERTICAL Imaginemo-nos numa guerra tribal de milhares de anos atrás, nossas armas (paus, pedras, punhos) e o primitivo desejo de sobreviver com uma única estratégia: mantermo-nos afastados. Contudo, se o inimigo possuísse armas de longo alcance, como arcos, bestas, ou até mesmo catapultas, nossa estratégia estaria completamente obsoleta. 53

Tigre e Eufrates [Mesopotâmia], Nilo [Egito], Yans-Tsé-Kiang [China], Tibre [Roma], Sena [Paris], Thames [Londres], Tietê [São Paulo] , dentre muitos outros. 54 E na América Portuguesa isso não foi diferente, tomemos a expressão “descobrimento do Brasil” e os vários tratados com o de Tordesilhas de 1494, Santo Ildefonso de 1777 e Madri de 1801.


Pensando nisso, as primeiras cidades foram contempladas com muralhas altas e largas, suficientes para conter os objetos contra elas lançados (a este sistema de defesa nomeia-se “cortina vertical”). Já as armas em questão, por serem tracionadas por cordas, são agrupadas como neurobalística. (MORI, 2003, p.19). Sabendo disso, é fácil entender porque nos primeiros relatos, geralmente em alto relevo, aparecem simultaneamente arqueiros, engenhos de guerras e muralhas, como no “Espório de Guerra de Lachish” (fig.1). Na obra, nota-se, uma torre de defesa na parte central à direita, o céu envolto em flechas, arqueiros subindo escadas e um engenho de guerra feito de madeira subindo numa rampa de tijolos. As muralhas na Mesopotâmia, como nas cidades de Lagash, Umma, Nippur, Ur e Uruk, entre o sexto e o primeiro milênio a.C., em sua essência, não foram muito diferentes das formas arquitetônicas militares desenvolvidas ao longo dos próximos dois mil anos. A muralha construída por Imhotep em Saqqara, por exemplo, erguida aproximadamente em 2650 a.C. seguiu o mesmo princípio.55 Apesar de lembrarmos facilmente das muralhas de Tróia por meio dos relatos de Homero na clássica Ilíada, a própria cidade de Agamenon não deixava a desejar em caráter de defesa. Conhecida como a cidade de muralhas megalítica, em virtude do tamanho das pedras ali empregadas, Micenas ostenta uma grande entrada, a Porta dos Leões, no topo duma colina fortemente defendida. (TOY, 2006, p.17-19). Apesar do colossal trabalho para construir a cidade num terreno elevado como Micenas,56 o estilo de implantação no topo pode trazer grandes vantagens militares, como a ampliação do campo de visão, a intensificação da verticalidade das muralhas. A imposição ao inimigo dos mais difíceis acessos possíveis, geralmente por um único caminho nas encostas de penhascos rochosos, além, é claro, da vantagem bélica, com a ampliação do alcance das armas utilizadas pelos defensores.57 Em seu livro De Architectura Libri Decem - Dez livros de arquitetura, especificamente, no Livro I, capítulos VIII, IX e X, Vitrúvio apresenta uma série de tratados sobre a arquitetura militar. Ele sugeriu a construção de fortalezas em curvas sinuosas e angulares, distinta da planta quadra, então utilizada nas colônias romanas, como na cidade de Timgad (fig.2), na atual Argélia, rigidamente marcada pelas avenidas perpendiculares denominadas cardo e decumanus.58 55

Autor da pirâmide de Saqqara, para o faraó Zoser, c. 2650 a.C., Imhotep foi um dos primeiros arquitetos a ser registrado na história como tal. 56 Na Grécia antiga, eram conhecidas como acrópoles, torre de mensagem no medievo português ou tenshu no Japão feudal, mas, sucintamente, todas as cidadelas e torres centrais possuíam o mesmo propósito: último e mais alto ponto de defesa. (MORRIS, 1984, p.42).‟ 57 Segundo as leis da física, a energia potencial está diretamente relacionada à altura pela fórmula: Energia Potencial Gravitacional = massa x gravidade x altura (Ep = mgh), logo, quanto mais alto estiver o ponto inicial do lançamento, maior será a distância alcançada, desde que, mantenham-se imutáveis os outros coeficientes. 58 (BENEVOLO, 2005, p. 197) (MORRIS, 1984, p.77)


Durante a idade medieval, que vai do século V ao XV de nossa era, a tipologia militar predominante foi o castelo, como o de Carcassonke (fig.3).Porém, com a criação de novas armas, a arte da guerra transformou-se e, com ela, a tipologia militar. Para Morris (1984, p.185) existe uma data; La aparición del cañón cambiaría [mudaria] este estado de cosas. Su utilización por los turcos cuando devastaron la ciudad de Constantinopla en 1453 abriría una nueva era en la historia de la fortificación militar. (MORRIS, 1984, p.185)

Figura 2. Planta da cidade de Timgad. Fonte: Morris, 1984, p. 202

Figura 1. Espório de Guerra de Lachish. relevo assírio, datado de 700-692 a.C. Fonte: Foto do autor, British Museum, Londres

Alto

Figura 3. Foto da cidade murada de Carcassonke.

Fonte:ttp://www.simaqianstudio.com/forum /lofiversion/index.php?t4254.html acessado em 20 de set. 2012

2. ARQUITETURA HORIZONTAL Segundo Azevedo (1998, p.130): O enfraquecimento do feudalismo veio com a introdução das armas de fogo nos exércitos e a criação do exército permanente por Carlos VII. Com isso, os senhores feudais


foram sendo abalados nos seu prestígio, pois a artilharia, embora incipiente, já era bastante capaz de pôr abaixo os castelos, (...).59 O estudo do Renascimento mostra-se crucial para entender a dinâmica da evolução militar, pois, se até então, segurança e poder eram sinônimos de muralhas e torres altas, ou seja, construções ascendentes, a partir da segunda metade do séc. XIV, com a utilização da pólvora como força propulsora para armas como canhonetas, arcabuzes 60 , pistola, canhões e bombardas 61 , nota-se o caminho contrário, o da redução da altura e ampliação da largura. Com o advento da imprensa por Gutenberg, os tratados se popularizaram nas cortes européias, como o trabalho do matemático italiano Niccolo Tartaglia que descreveu a trajetória das balas de canhão em 1537. Porém, os arquitetos, como Antônio Sangallo e Jacopo Vignola, não ficaram para trás, desenvolveram dezenas de estudos sobre resistência dos materiais e geometria, como o Tratado Dell-Ideia dell’architectura universale lançado por Scamozzi em 1615 (fig.4). Tais tratados, além decontribuir para a proliferação de uma nova forma arquitetônica, ajudaram a fortalecer uma nova forma de governo: os estados nacionais e absolutistas. (PRATA, 2011, p. 136). São três os motivos pelos quais a defesa é favorecida pela criação de uma arquitetura mais baixa e “espraiada” no relevo 62 .Primeiramente, o aumento da espessura das muralhas, que se tornam como plataformas elevadas e, consequentemente, um aumento da resistência, visto que os materiais continuaram os mesmos. O segundo ponto é sobre a logística e o manuseio bélico, os novos canhões acrescentados sobre as muralhas, exigem um espaço maior atrás e dos lados para manuseio de recarga 63 e mira, espaço este chamado de baluarte ou bateria. O terceiro ponto, este muito explorado na corte do rei Luís XIV, pelo engenheiro Sébastien le Prestre de Vauban, foi a criação de subestações de controle e distanciamento da primeira linha de defesa em relação a cidade. Afinal de contas,

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Em Portugal, foi D. João II (1481-1495) quem consolidou a fabricação das “bocas-de-fogo” e da criação da “nau” com três mastros. 60 Arma de fogo do século XVI. 61 Canhão do século XIV de pequeno alcance. 62 Entretanto, deve-se lembrar de que, assim como a centralização do poder na mão do monarca e a consolidação dos estados nacionais evoluiu gradativamente, a evolução da arquitetura também. Coronel Cordolino, ex-professor da cadeira de história militar da antiga Escola Militar, atual Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), nos relata que alguns exércitos europeus: “Já em pleno século XVII, continuavam combatendo com os mesmo procedimentos dos romanos e agindo sempre com as mesmas formações, fossem quais fossem o adversário e o terreno.” (Apud AZEVEDO, 1998, p. 137). 63 Para efetuar o tiro dos primeiros canhões era necessário retirá-los da fachada, colocar a pólvora, socar, colocar a projétil, devolver ao local, mirar e, daí, disparar. Apenas durante o governo de Napoleão III na França, La Hitte, Temésier e Beaulieu construíram canhões em larga escala de retrocarga, ou seja, carregador por trás, e raiamento, o que facilita o tiro. (MORI, 2003, p. 48).


não adiantaria construir uma muralha de resistência intransponível, mas que os inimigos pudessem lançar os projéteis por cima da muralha sobre a população. Em suma, o sistema Vauban, como ficou conhecido, é mais complexo, rebuscado e oneroso que o sistema bastionado italiano, que além de contar com a já utilizada baixa altura e larga espessura, é também composto de “partes” enterradas e outras semi-aflorantes, com distribuição radio concêntrica a partir da praça-forte. Configurando uma “cortina rasante”, quase se confundindo visualmente com o perfil horizontal do terreno. (MORI, 2003, p.26) Como na cidade de Bourtange, na Holanda (fig. 5)

Figura 4. Fortaleza de Palmanova, Scamozzi, 1593. Fonte: Prata, 2011, p. 136

Figura 5. Foto da cidade de Bourtange. Fonte: bamjam.net/Nederland/Bourt.html acessado em 20 set. 2012

3. ARQUITETURA SUBTERRÂNEA Com a evolução no campo da matemática aplicada e balística, o canhão aumentou ainda mais o seu alcance. A descoberta da fórmula da nitroglicerina em 1846 por Ascanio Sobrero, e a invenção da dinamite por Alfred Nobel em 1867, além da criação do torpedo obus, como o obuseiro Krupp 280 mm e em especial, a utilização de aviões, forçaram uma nova transformação na arte da guerra. Um dos primeiros estudos sobre o tema foi do Major Moritz Rittervon Brunner, engenheiro de guerra do exercito Austro-Húngaro e autor de manuais publicados pelo Britsh General Staff em 1910. Em suas anotações, Moritz (Apud MALLORY e OTTAR, 1973, p.15) apresenta como a nova arquitetura de defesa deveria ser: “edifícios baixos e enterrados”, que virão a ser chamados de casamata. Depois da batalha do Marne em Setembro de 1914, os alemães foram forçados a retirar até ao rio Aisne. Erich Von Falkenhayn, então comandante alemão, decidiu que suas tropas deviam permanecer a todo o custo nas zonas que ainda ocupavam entre a Bélgica e a França. Na época, Falkenhayn ordenou que seus homens cavassem trincheiras que lhes dariam proteção contra o avanço das tropas francesas e inglesas. Os soldados aliados rapidamente perceberam que não conseguiam ultrapassar as linhas alemãs,


portanto, da mesma forma, começaram a cavar suas trincheiras 64, e estava lançada a nomenclatura pela qual a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) ficou conhecida: “guerra das trincheiras”.65 Inicialmente, ainda sem entender a nova dinâmica de guerra, os franceses empregaram uma série de ataques de infantaria na tática conhecida como xeque, que consiste em avançar frontalmente e de forma maciça, forçando o inimigo ao recuo desorganizado, contudo, protegidos em suas trincheiras e munidos de metralhadoras, a Frente Ocidental Alemã se mostrou invisível. (MALLORY e OTTAR, 1973, p.33). Somente em 1918 na batalha de Amiens, os aliados reverteram o cenário de guerra (fig.6). Após insistência, o coronel John Fuller conseguiu convencer o general Henri Rawlinson a usar 412 tanques de guerra na fronte de batalha, seguidos por soldados armados e apoiados por aviões de combate, tudo ao mesmo tempo. Assim a guerra encontrou seu desfecho para o triunfo dos “aliados”.

Figura 6. De cima para baixo e da esquerda para a direita: Trincheiras na Frente Ocidental; o avião biplanador Albatros D.III; um tanque britânico Mark I cruzando uma trincheira; uma metralhadora automática comandada por um soldado com uma máscara de gás; o afundamento do navio de guerra Real HMS Irresistible após bater em uma mina. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Primeira_Guerra_Mundial acessado 20 set. 2012

No momento que estourou a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), pela invasão nazista à Polônia, os engenheiros e arquitetos militares já estavam mais habituados à nova forma de guerra. Para proteger-se contra ataques aéreos, foram construídas verdadeiras fortalezas subterrâneas, os bunkers e linhas, ou seja, séries de bunkers alinhados formando uma espécie de muralhas subterrânea. 64

Entre as duas frentes de batalha, comumente, havia um espaço “vazio” chamado “terra de ninguém”. No caso da Frente Ocidental Alemã eram, aproximadamente, 230 metros com minas terrestres e cercas de arames farpados. 65 As trincheiras tinham, habitualmente, 2,30 metros de profundidade por 2 metros de largura, nos parapeitos haviam sacos de areia chamados de “parados”, que serviam para absorver o impacto dos projéteis e os estilhaços das bombas e minas espalhadas no campo entre as trincheiras. Como a trincheira possuía mais dois metros de profundidade, era possível que os soldados andassem sem perigo, mas, no momento de efetuar os tiros, era comum que subissem numa espécie de degrau conhecido como “firestep”.


Construída pela França ao longo de suas fronteiras com a Alemanha entre 1930 e 1936, a Ligne Maginot, assim como as outras 66 ,possuía suprimentos próprios de energia, munição e alimentos. Maginot, em especial, era composta de 108 edificações principais, intercaladas a uma distância de aproximadamente 15 quilômetros umas das outras, além de edificações menores em seus mais de 100 km de galerias conectadas por um sistema de metrô interno para transporte de munição e mantimentos no andar mais profundo, como apresentado pelo Jornal americano Daily Express, do Sábado, 21 de Março de 1936 (fig.7). Influenciado pelo hemisfério norte, o Brasil promoveu uma série de melhorias na armada e arquitetura nacional durante o Estado Novo. A Fortaleza de Itaipu na Praia Grande e o Forte de Copacabana são apenas alguns exemplos desta nova dinâmica. Segundo o site oficial do Forte de Copacabana 67, as paredes externas voltadas para o mar possuem aproximadamente 12 metros de espessura, de onde afloram apenas os longos canhões alemães Krupp (305mm, 190mm e 75mm) assentados em cúpulas encouraçadas e giratórias. Não é conveniente afirmar que com o fim da Segunda Guerra Mundial, veio o fim da arquitetura de defesa por natureza. Todavia, inicia-se um processo de inversão de valores defensivos, onde não há mais a oposição dialética entre ataque e defesa, o que surge durante o pós-guerra, é uma relação mútua de ataque, conceito que nos ajuda a entender a Guerra fria, 1945-1991. Os novos sistemas de cálculo e propulsão permitem que tanques NLOS lancem projéteis a uma distância de 30 km, e quando amparado pelos satélites, a margem de erro é na escala de centímetros. Os foguetes inventados pelo inglês Sir William Congreve, que passaram a fazer parte da artilharia já no começo do século XIX, foram, no período do pós-guerra, adaptados para mísseis guiados, foguetes com a possibilidade de correção de trajetória automática em pleno vôo, como ICBMs68 e outras armas que podem ser lançadas contra outros continentes com o simples pressionar de um botão. A Segunda Grande Guerra ultrapassou em poder destrutivo todos os conflitos anteriores, dada à escala planetária e o grau de avanço tecnológico dos armamentos. Embora os potenciais beligerantes tenham acordado no período pré-guerra compromissos de evitar “por todos os meios” alvos nãomilitares69, desde população civil até monumentos históricos e

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Entre as muitas linhas construídas, se destacam a Mannerheim (construída por Stalin em 1920 para proteger a, então, URSS, a Siegfried Linie de Adolf Hitler, numa área da Alemanha Ocidental) e a General Head quarters Line (GHQ Line), que defendia o Reino Unido contra o continente. 67 Disponível em: http://www.fortedecopacabana.com/ acessado em 22 out. 2012. 68 Sigla para Intercontinental Ballistic Missiles. 69 O autor se refere aos Tratados de guerra Lieber Instruvtionsde 1863 e ao Tratado de Proteção de Instituições Científicas e Artísticas e Monumentos Histórico, conhecido como o pacto Roerich assinado em 1935.


artísticos, o controle rapidamente esvaiu-se, sobretudo a partir de 1942. (BO, 2003, p.39). Não é que até então a guerra não fosse caótica e desumana, mas enquanto armas de destruição em massa como a atômica e a de hidrogênio, ou armas biológicas como antraz e outras passam a ser relativamente comuns, a arquitetura militar não pôde se erguer, ela teve que se transformar.

Figura 7. Recorte de um jornal de 1936, demonstrando o esquema da Ligne Maginot. Fonte: Mallory e Ottar, 1973, p.92

4. ARQUITETURA PATRIMONIAL

Durante a Guerra do Golfo, em 1991, as forças “aliadas” sabiam que vários bunkers no Iraque eram tão reforçados e enterrados, que ficavam fora do alcance de qualquer arma existente, com exceção das armas de destruição em massa. Por isso, a U.S. Air Force 70 deu início a intensas pesquisas para desenvolver uma nova tecnologia; em poucas semanas, um protótipo foi criado e testado com eficácia, seria o “arrasa bunkers71”.

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Força Aérea Norte Americana. São armas cujo seu invólucro consistia de uma seção de aproximadamente 5 metros com um barril de artilharia de 37 cm de diâmetro, feitos de aço reforçado capaz de resistir à artilharia inimiga, com 295 kg do explosivo tritonal, conectado a um equipamento de orientação por laser para precisão milimétrica. A bomba possui o total de 1.996 kg., e é lançada de aeronaves atingindo uma velocidade capaz de penetrar 30 metros na terra ou 6 metros de concreto antes da detonação. 71


A arquitetura de defesa evolui, ao passo que se faz necessária a defesa contra novas armas, mas como uma tipologia, que ainda quando rápida, é lenta frente aos avanços bélicos e perdurar na mesma utilitas72. Em suma, a arquitetura militar perdeu seu posto de defesa frente à “cortina virtual” e todo o sistema de contra-espionagem, com isso declarou sua aposentadoria para fins de defesa frente um estado real de guerra. O que existe hoje é a manutenção de armas de ataque, que também são utilizadas para a defesa como interceptadores, como o “Astro II” e mísseis continentais. (MORI, 2003, p.29).

CONCLUSÃO

Para o teórico e arquiteto britânico John Ruskin (1819-1900) 73 , assim como o homem, o edifício possui seu tempo, sua marca e, porque não dizer, sua perenidade e morte para determinada função. Entender tal conceito, nas palavras de Ruskin, não é necessariamente negligenciar a existência ou restaurá-la inconsequentemente, mas aceitar o tempo ali impregnado entendendo sua relação com o passado. Nesta linha de pensamento, a arquitetura militar adaptou-se às novas transformações. Edifícios, que outrora eram inacessíveis aos civis, agora clamam por sua presença. Como produto da atividade humana, a obra de arte coloca, com efeito, uma dúplice instância: a instância estética que corresponde ao fato basilar da artisticidade pela qual a obra de arte é obra de arte; a instância histórica que lhe compete como produto humano realizado em um certo tempo e lugar e que em certo tempo e lugar se encontra. (BRANDI, 2005, p. 25). Muitos questionam se estudar a arte da guerra é ser amante da mesma. Isso talvez fosse verdade na época de Sun Tzu, Maquiavel, Átilaou do czar Ivan, o terrível; contudo, hoje nota-se entre os estudiosos, pelo menos em sua maioria, a busca pelo saber histórico e sua historiografia pacifista. Seguramente estamos longe da paz ideal, mas porque eximir da ação patrimonial sua parcela de responsabilidade? Ora, igualmente não é verdade que a arquitetura militar, que outrora foi pano de fundo para as mais sangrentas pinturas, hoje tornouse paisagem para os mais felizes retratos em famílias. A função pode geralmente se transformar após séculos de uso, isso é natural, entretanto, o caráter social do edifício deve perdurar, do contrário estaríamos protegendo apenas ruínas. Assim

72

Segundo Vitrúvio o edifício é composto de utilitas, firmitas e venustas: utilidade, firmeza e beleza. Os princípios de John Ruskin podem ser lidos em seu The seven Lamps of Architecture, - As sete lâmpadas da arquitetura -, publicada em Londres no ano de 1849. (EVERS, 2003, p.464). 73


advoga-se para as fortalezas e castelos um novo apelido, o de “guardiões da memória”.

ABSTRACT

Certainly, the military architecture has undergone a series of typological transformations because of the socioeconomic changes; however, the main point was the evolution of weapons for sure. Without pretending to exhaust the subject, the article proposes a union between social and technical analyzes in the four stages of military history, here, titled as: vertical architecture, horizontal architecture, underground architecture and architecture as heritage.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AZEVEDO, Pedro Cordolino F. de. História militar. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 1998. BENEVOLO, Leonardo. A história da cidade. 4ª Edição, São Paulo: Perspectiva, 2005 BO, João Batista Lanari, Convenção de 1954 para a proteção da propriedade cultural em caso de conflito armado In: ____. Proteção do Patrimônio na UNESCO: Ações e significados. Brasília: Edições UNESCO Brasil, 2003. BRANDI, Cesare. Teoria da Restauração. 2ª edição. São Paulo: Artes & Ofícios. 2005. CASTRO, Adler Homero F. de; BITTENCOURT, José Neves. Armas, ferramentas da paz e da guerra. Rio de Janeiro: Biblioteca do exército, 1991 CLAUSEWITZ, Carl Von. Da Guerra. São Paulo: Martins Fontes, 1979. COSTA, Lygia Martins. De museologia, arte e política de patrimônio. Rio de Janeiro: IPHAN, 2002 CURY, Isabelle. Cartas Patrimoniais. 2ª ed. rev. aum. Rio de Janeiro: IPHAN, 2000 EVERS, Bernd. Teoria da Arquitetura. Köln: TASCHEN, 2003 GOITIA, Fernando Chueca. Breve história do Urbanismo, 4ª edição, Lisboa: Editora Presença, 1996 JAGUARIBE, Hélio. Um estudo crítico da história. Tomo I. São Paulo: Paz e Terra, 2001 LEMOS, Carlos A. C. O que é patrimônio histórico. 4ª edição. São Paulo: Editora Brasiliense AS. 1985 MAGALHÃES, João Batista. Estudo histórico sobre a guerra antiga: antes das armas de fogo. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército editora. 2006.


MAGNOLI, Demétrio. O que geopolítica. 2° Ed. São Paulo: Editora Brasiliense. 1988. MALLORY, Keith, OTTAR, Arvid. The Architecture of War. New York: Pantheon Books, 1973. MORI, Victor Hugo. Arquitetura Militar: um panorama histórico a partir do Porto de Santos. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado / Fundação Cultural Exército do Brasil, 2003. 231 MORRIS, A. E. J. Historia de la forma urbana: Desde sus orígenes hasta la revolución Industrial. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 1984 MUMFORD, Lewis; A cidade na História: suas origens, transformações e perspectiva, 4ª Edição, São Paulo: Martins Fonte, 1998 PRATA, Maria Catharina Reis Queiroz, Fortificações: símbolos políticos de domínio territorial: o papel desempenhado pela Engenharia Militar na América Portuguesa. Vértices, Rio de Janeiro: Campos dos Goytacazes, v. 13, n. 2, p. 127-145, maio/ago. 2011 ROAF, Michael. Mesopotamia. Barcelona: Ediciones Folio, S.A. 2006 TAVARES, Aurélio de Lira. A engenharia Militar Portuguesa na Construção do Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 2000. TONERA, Roberto. Fortalezas Multimédia: Anhatomirim e mais centenas de fortificações no Brasil e no mundo. Florianópolis: Projeto Fortalezas Multimédia/Editora da UFSC, 2001. 1 CD-ROM, Windows 3.1 TOY, Sidney. A history of fortification form 3000 BC to AD 1700. England: Pen & Sword Books, 2006


Espaço do Centro Acadêmico Série de Caricaturas produzidas por ex-alunos em homenagem ao Arquiteto e Professor Ademaro Mollo Junior



APLICAÇÃO DA LEI DA GESTALT: A pregnância na arquitetura Ana Paula Souza Araújo74 (aluna do IESPLAN)

RESUMO

O propósito do texto é ressaltar o quanto a simplicidade de uma obra de arte, ou de um monumento arquitetônico pode ser relevante para o entendimento de uma pessoa ao que é belo. Observa-se que a beleza pode estar associada ao nível de complexidade da imagem. INTRODUÇÃO O sistema Gestalt é usado didaticamente por arquitetos, designers, estilistas, artistas e psicólogos. O conceito ajuda os profissionais na aplicação da harmonia de uma obra. A simplicidade é associada à estética. A lei da pregnância está ligada ao conceito do belo. O ato de formar o conjunto (a combinação) organizando elementos individuais (cores, texturas, ponto, linha, sombra, volume e superfície) de maneira unificada é uma das funções da Gestalt - aplicada à lei citada. A PREGNÂNCIA NA ARQUITETURA75

A pregnância tem o objetivo observar a complexidade com que uma imagem é vista. Podemos dizer que um indivíduo julga feio o trabalho de Le Corbusier? Será que o nível de conhecimento ou vivência de um indivíduo pode ser considerado ao julgar obras complexas, como por exemplo, edifícios como Star Wood Hotel de Frank Gehry? Ou será apenas uma questão de gosto e sensibilidade? Há conceitos que são decisivos para determinar o belo. Um quadro de Flávio de Carvalho retrata “o casal” com linhas rascunhadas. Ao observar a pessoa, tem-se a impressão de ver duas mulheres desenhadas. Alguém, com olhar crítico, considerará que a obra foi feita num período decisivo para a arte e o autor quis impactar e mudar os conceitos pré-estabelecidos. A partir daqui diz-se que a obra é bela.

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Ana Paula Souza Araújo, atualmente, cursa Arquitetura e Urbanismo no Instituto de Ensino Superior Planalto, IESPLAN, Brasília. 75 Artigo „‟ requisito parcial para avaliação na disciplina Teoria e Metodologia aplicada pelo professor Ivan Chagas no curso de Arquitetura e Urbanismo IESPLAN, semestre letivo 2012/I.


Dentro de uma sala de aula de arquitetura os alunos do IESPLAN entraram numa discussão para expressar quem acha belo a arquitetura de Frank Gehry. A conclusão foi equilibrada. Há quem diga ser uma arte poluída com baixa pregnância, por envolver muitos elementos em apenas um edifício. Há os que a consideraram intrigante, por criar com liberdade e ser algo diferente. Há outros ainda, que entendem o externo como exagerado, porém o interior magnífico. A lei citada pode ser disposta por níveis de complexidade: quão maior é a simplicidade, maior será a pregnância. Podemos nivelar como baixa, média e alta pregnância para determinar a forma; uma relação usada por João Gomes Filho, no livro Gestalt do Objeto.

Baixa – No Star Wood Hotel de Frank Gehry utiliza a mistura de materiais (metal e concreto), retorcendo-os e confundindo a cabeça do observador. Parecendo uma bola amassada de metal com duas torres retas de concreto. O artista quer ser diferente e afirmou num documentário que o intuito é impactar. Média – Le corbusier com a Capela de Notre-Dame-du-Haut demonstra clareza de traços curvos e mostra modernidade ao escolher o concreto armado como material principal. Partindo de duas cores, branco e acinzentado do concretounifica mais de uma forma na obra, traça um movimento circular para um ponto e o quebra-o com traços verticais retos. De repente, faz janelas quadradas e acrescenta uma escada arredondada para fora do edifício. Alta – Na arquitetura de Oscar Niemeyer, como o Museu Nacional de Brasília, vê-se alta simplicidade de traços: a imagem pode ser passada para um papel com apenas cinco linhas. O arquiteto usou a cor branca em todo o volume, expressando a simplicidade e a beleza pura do material escolhido. Uma curva grande e única. Uma passagem circular sai do corpo da obra. Uma rampa segue um movimento simples como o todo é. Georg Hegel escreveu um livro sobre o belo na arte. Nele comenta que hoje as pessoas tem maior consciência do que significa classificar o belo numa obra. Georg F. W. H. ressalta:

O gosto é um modo sensível de apreender o belo, adotando uma atitude sensível... Perante o gênio, o gosto recua-se e esvai-se... Surge o especialismo: usa conceitos histórico, técnico... O especialismo implica a reflexão sobre a obra de arte, enquanto o gosto se limita à contemplação puramente exterior.


CONCLUSÃO

Percebe-se, em certos casos, a análise da forma baseada em concepções previamente conhecidas. O gosto não é questão de escolaridade; Mas a forma pode se tornar bela se a base do julgamento for conceitos técnicos. A pregnância está diretamente associada a tal estima. Quanto maior é a simplicidade maior é a probabilidade de entendimento. E contrário gera a necessidade do uso de informações adquiridas por conhecimentos estudados. Assim, a escolaridade pode ser favorável a tal entendimento. Já dizia Mário Quintana sobre o belo: “Nada, no mundo, é, por si mesmo, feio”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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JOÃO GOMES FILHO. Disponível em: <http://www.joaogomes.com.br/> Acesso: em 18 mar. 2012.


A APLICAÇÃO DA LEI DE PREGNÂNCIA NA ARQUITETURA Cássia Quadros 76 (aluna do IESPLAN) RESUMO O presente artigo vem apresentar sucintamente a teoria da Gestalt, que trata do mecanismo de percepção da forma pelo ser humano e, de forma mais concentrada, a lei da pregnância, ou lei da boa forma, aplicada à arquitetura. O conhecimento da teoria gestaltiana é visto de imprescindível ao exercício da arquitetura, ciência voltada para a definição da forma enquanto parte essencial das edificações.

1. A GESTALT Estudos voltados para a avaliação da apreensão das formas, observaram que há uma diferença entre a forma captada pelo aparelho visual e como esta forma é processada pelo sistema nervoso central. Estes estudos levaram à construção de uma teoria denominada “Gestalt”, termo que significa, segundo João Gomes Filho (1), “[... ]uma integração de partes em oposição à soma do todo”. O sistema nervoso central tende a processar a imagem percebida como um todo e, não, como partes distintas entre si. Em outras palavras, ao observarmos um objeto, não percebemos suas partes, mas as relações existentes entre estas partes que as tornam um todo harmônico e coerente. Koffka identifica dois tipos de forças que interferem na percepção visual: as forças externas (a luz que incide no objeto e que estimula a retina) e as internas (forças cerebrais que estruturam as formas, de acordo com um padrão organizacional). Segundo a Gestalt, as forças internas podem ser classificadas como de unificação e de segregação. A segregação acontece quando existem estímulos contrastantes. A unificação, quando existem estímulos sem contraste e semelhantes. A unificação acontece sob a influência de fatores conhecidos como as cinco leis da Gestalt: fechamento, proximidade, semelhança, continuidade e pregnância. Resumidamente: Fechamento - as forças de organização tendem a isolar uma superfície do resto do campo, unindo intervalos e estabelecendo ligações; Proximidade - elementos próximos tendem a ser vistos como uma unidade ou agrupamento; Semelhança - agrupamento de elementos provocados pela igualdade de forma e cor; 76

Cássia Quadros é profissional da área de tecnologia da informação desde 1988. Atualmente, cursa Arquitetura e Urbanismo do IESPLAN, Brasília-DF.


Continuidade - tendência a observar a direção de linhas como uma continuação óbvia e explica a percepção das dimensões; Pregnância - princípio segundo o qual os demais fatores se unem permitindo uma percepção de unicidade e equilíbrio. 2. A UNIFICAÇÃO E A PREGNÂNCIA Como já vimos anteriormente, a unificação da forma é caracterizada pela semelhança de estímulos e pode ser observada pela harmonia, equilíbrio e ordenação visual apresentada pelo objeto ou por uma composição. Os fatores relacionados à unificação podem ser detectados em um objeto individual ou coletivamente, ou seja, mais de uma lei gestaltiana pode ser encontrada em uma percepção unificada. No entanto, pode-se afirmar que a pregnância é a lei básica da percepção visual, pois sendo o princípio indicador da estrutura resultante da percepção como o mais simples possível dentro das condições apresentadas, observa-se facilmente que todas as demais leis influenciam a percepção de tal forma, que o resultado terá maior ou menor pregnância. Em outras palavras, podemos indicar que um objeto tem maior ou menor pregnância, de acordo com a maior ou menor presença das demais leis de unificação na percepção da forma, já que as forças de organização tendem a buscar a visão mais harmônica e equilibrada do objeto. Passemos a observar a influência da Lei da Pregnância na arquitetura, objeto do presente artigo.

3. A PREGNÂNCIA E A ARQUITETURA Após avaliarmos a pregnância como fator gerador da unificação e a concorrência das demais leis como fator gerador da pregnância, vejamos qual a aplicação destes conceitos na projetação arquitetônica. A pregnância, na área da arquitetura e urbanismo, pode ser utilizada para transmitir ao observador a sensação de unicidade em uma edificação ou conjunto de edificações, de tal forma que a interpretação ou leitura da forma, ocorra de modo rápido e com facilidade de compreensão. Ao trabalhar na projetação arquitetônica, inicialmente o profissional deverádefinir o grau de unificação desejado para o seu projeto. Se a intenção é fazer com que a percepção da edificação seja facilitada, levando o observador a fazer uma leitura rápida do conjunto arquitetônico, as leis de unificação deverão ser utilizadas de tal forma que imprimam ao projeto a maior pregnância possível. Neste ponto, destaca-se a influência da proximidade e da semelhança


como as leis que conferem maior organização formal ao objeto, ou seja, influenciam fortemente no grau de pregnância desejado. No entanto, pode ser de intenção do projetista, que a obra seja de difícil leitura e impactante, obrigando o observador a se demorar na apreensão dos detalhes da forma e organização da edificação. Neste caso, desejando-se imprimir ao projeto o conceito de baixa pregnância, deve-se trabalhar para que as leis de unificação sejam evitadas o máximo possível. Observamos, portanto, que a aplicação das leis da Gestalt na arquitetura Troque para “decorrá” da intenção do projetista, consideradas as formas dos volumes projetados. As perguntas que se devem fazer são:a forma do conjunto arquitetônico deverá ser percebida de imediato?Quanto tempo espera-se que o observador despenda na observação da edificação, até que apreenda a sua forma? Quais as possibilidades de um projeto ser cansativo, ou até mesmo repugnante do ponto de vista da observação, em decorrência do seu baixo grau de pregnância? CONCLUSÃO Considerando-se que a arquitetura tem como objetivo principal o melhor aproveitamento possível do espaço, valorizando a forma e a intenção plástica - o que diferencia a arquitetura de uma simples construção -, sempre voltada para sua ocupação e utilização pelo homem, não há como negar a importância do conhecimento dos mecanismos de percepção da forma pelo ser humano como instrumento de trabalho do arquiteto e urbanista. O estudo das leis da Gestalt, ao esclarecer a maneira como o homem percebe a forma e definindo as características dos objetos que influenciam nesta percepção, vem complementar este conhecimento e trazer cientificismo ao que já existe de maneira intuitiva: a compreensão da forma como característica fundamental e indispensável ao projeto arquitetônico.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS GOMES FILHO, João. Gestalt do Objeto: Sistema de Leitura Visual da Forma. 6. ed. São Paulo, Escrituras Editora, 2004. FASCIONI, Lígia. Disponível em: http://www.ligiafascioni.com.br. Acesso em: 17.03.2012. Grande Enciclopédia Barsa. 3. ed. São Paulo, Barsa Planeta Internacional Ltda., 2004. FASCIONI, Lígia e VIEIRA, Milton Horn. O Analfabetismo Visual nas Empresas de Tecnologia. Disponível em: www.iar.unicamp.br/lab/luz/ld/Linguagem%20Visual/o_analfabetismo_visual_nas_e mpresas_de_tecnologia.pdf. Acesso em: 02.06.2012.


PREMIO DE ARQUITETURA PRITZKER Julianderson Brandão77 (aluno do IESPLAN)

Figura 1. Medalha do Pritzker Fonte: http://www.pritzkerprize.com acessado em 30 jun. 2012

INTRODUÇÃO

O reconhecimento profissional é uma das maiores recompensa que uma pessoa pode receber e, quando unido a realização profissional junto à recompensa financeira torna-se um casamento perfeito. Mas são poucos os profissionais que conseguem conquistar essa união, pois ora conquista sua independência financeira, mas atua em outro ramo profissional, ora faz o que lhe satisfaz, mas não tem um retorno financeiro desejado. Por isso, ser reconhecido pelo seu potencial é tão gratificante. Seja como funcionário do mês, aluno destaque, profissional do ano, etc. Cada área tem sua maneira de fazer essa homenagem e, no campo da Arquitetura não é diferente, seja com concursos para estudantes, prêmios para Trabalhos Finais de Graduação ou para profissionais já maduros e mesmo consagrados. A maior honraria dada a um arquiteto é o “Prêmio Pritzker de Arquitetura”, atribuído anualmente pela Fundação Hyatt para homenagear um arquiteto vivo, cujo trabalho construído demonstra uma combinação de qualidade de visão, talento, compromisso

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Julianderson Brandão atualmente cursa Arquitetura & Urbanismo no Instituto de Ensino Superior Planalto – IESPLAN


e que produziu contribuições consistentes e significativas para a humanidade e o ambiente construído por meio da arte da arquitetura.

O PRÉMIO

Fundado em 1979 por Jay A. Pritzker e sua esposa Cindy, o prêmio é financiado pela família Pritzker e considerado um dos primeiros de arquitetura do mundo, sendo muitas vezes referido como o “Prêmio Nobel” de Arquitetura. O prêmio é concedido independentemente da nacionalidade, raça, credo ou ideologia, e os laureados recebem 100 mil dólares, um certificado de citação e, desde 1987, um medalhão de bronze. A inscrição em latim no verso da medalha firmitas, utilitas e venustas, significando “durabilidade, utilidade e beleza”,é inspirada pelo arquiteto romano Vitruvius. Até o ano de 1987, uma escultura de Henry Moore acompanhava o prêmio monetário. A família Pritzker é uma das famílias mais ricas da América, estando quase no topo da lista das "Famílias mais ricas da América" segundo a Forbes, desde a primeira vez que a revista começou a organizar tais tipos de listas em 1982. A família é famosa por ser dona da cadeia hoteleira Hyatt, que possui mais de 200 hotéis espalhados pelo mundo, e do conglomerado Mormon, que tem mais de 100 fábricas e companhias de serviço presentes em cerca de 40 países. Em 2003, a fortuna dos Pritzker era avaliada em 15 bilhões de dólares. Também tiveram outros negócios, como o Superior Bank of Chicago, o escritório de relatório de crédito Trans Union e a linha de cruzeiros Royal Caribbean International. O prêmio Pritzker tem o seu modelo de funcionamento baseado no padrão do Prêmio Nobel, da Academia Sueca. O Diretor Executivo solicita ativamente indicações de laureados passados, arquitetos, acadêmicos, críticos, políticos, profissionais envolvidos em empreendimentos culturais, etc., e com experiência e interesse no domínio da arquitetura. Além disso, qualquer arquiteto licenciado pode apresentar uma indicação ao Diretor-Executivo para a consideração do júri do Prêmio de Arquitetura Pritzker. O júri de especialistas independentes varia de cinco a nove membros. Membros antigos do júri permanecem nele por vários anos para garantir um equilíbrio entre os membros antigos e novos, e são encarregados de escolher o laureado a cada ano. Nenhum membro da família Pritzker ou observadores externos estão presentes durante as deliberações do júri, que ocorrem geralmente durante os primeiros meses do ano civil. Os membros do júri são reconhecidos profissionais em seus próprios campos da arquitetura, negócios, educação, publicação e cultura. A seleção final é feita por um júri internacional que vota em segredo. Em cada ano surgem, por norma, cerca 500 candidatos provenientes de 40 países ou mais. Apenas é distinguido um arquiteto por ano (http://www.pritzkerprize.com), mas exceções ocorreram em 1988, quando foram consagrados Oscar Niemeyer e o


norte-americano Gordon Bunshaft de forma a celebrar o décimo aniversário do prêmio; em 2001, quando ganharam os suíços Jacques Herzog e Pierre de Meuron, que trabalhavam em conjunto e em 2010, os japoneses Kazuyo Sejima e Ryūe Nishizawa, pelo mesmo motivo da dupla suíça. Dentre os laureados também podemos destacar a arquiteta Zaha Hadid, como a primeira mulher a obter o prêmio Pritzker em 2004. Os únicos brasileiros premiados foram Oscar Niemeyer em 1988 e Paulo Mendes da Rocha em 2006. Ambos seguem a mesma escola arquitetônica modernista. O mais recente vencedor do Pritzker 2012 é o arquiteto Chinês Wang Shu, que teve sua obra conhecida por seu caráter de inspiração artesanal, que mescla tradição e modernidade em busca de sintonia com o entorno. Segundo o anuncio do júri, o fato de um arquiteto chinês ter sido escolhido, representa um passo significativo em reconhecer o papel da China no novo e atual desenvolvimento dos ideais de Arquitetura. Essa observação cabe muito bem ao Brasil: talvez nos falte uma visão mais atemporal da arquitetura e também uma libertação da escola modernista. Não é o fato de reinventar a arquitetura ou criar um novo estilo, basta um olhar mais territorial e dentro, é claro, de um contexto e da sua cultura, mas ao mesmo tempo uma arquitetura universal. Quem sabe assim poderemos ter mais representantes com o mesmo reconhecimento internacional que Oscar Niemeyer e Paulo Mendes da Rocha tiveram, com merecimento, no Premio Pritzker de Arquitetura.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

http://www.pritzkerprize.com acessado em 17 abr. 2011.

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Fotografia de Mรกrcio Vianna.


REVOLTADO OU CRIATIVO78 (Tripé Acadêmico: Ensino)

Há algum tempo, recebi um convite de um colega para servir de árbitro na revisão de uma prova. Tratava-se de avaliar uma questão de física, que recebera nota zero. O aluno contestava tal conceito, alegando que merecia nota máxima pela resposta, a não ser que houvesse uma "conspiração do sistema" contra ele. Professor e aluno concordaram em submeter o problema a um juiz imparcial e eu fui o escolhido. Chegando à sala de meu colega, li a questão da prova que dizia: "Mostre como se pode determinar a altura de um edifício bem alto com o auxílio de um barômetro". A resposta do estudante foi a seguinte: "Leve o barômetro ao alto do edifício e amarre uma corda nele; baixe o barômetro até a calçada e em seguida levante-o, medindo o comprimento da corda; este comprimento será a altura do edifício.". Sem dúvida era uma resposta interessante e de alguma forma correta, pois satisfazia o enunciado. Por instantes vacilei quanto ao veredicto. Recompondo-me rapidamente, disse ao estudante que ele tinha forte razão para ter nota máxima, já que havia respondido à questão completa e corretamente. Entretanto, se ele tirasse nota máxima, estaria caracterizada uma aprovação em um curso de física, mas a resposta não confirmava isso. Assim, sugeri que fizesse outra tentativa para responder à questão. Não me surpreendi quando meu colega concordou, mas quando o estudante resolveu aceitar aquilo como um bom desafio. Segundo o acordo, ele teria seis minutos para corresponder à questão, isso após ter sido prevenido de que sua resposta deveria mostrar, necessariamente, algum conhecimento em física. Passados cinco minutos ele não havia escrito nada, apenas olhava pensativamente para o forro da sala. Perguntei-lhe se desejava desistir, pois eu teria um compromisso logo em seguida e não tinha tempo a perder. Mais surpreso ainda fiquei quando o estudante anunciou que não havia desistido. Na realidade, tinha muitas respostas e estava justamente escolhendo a melhor. Desculpei-me pela interrupção e solicitei que continuasse. No momento seguinte, ele escreveu essa resposta: "Vá ao alto do edifício, incline-se numa ponta do telhado e solte o barômetro, medindo o tempo (t) de queda desde a largada até o toque com o solo. Depois, empregando a fórmula h = (1/2)gt2, calcule a altura do edifício.". Perguntei então ao meu colega se ele estava satisfeito com a nova resposta e se concordava com a minha disposição em conferir praticamente a nota máxima à prova. Concordou, embora sentisse nele uma expressão de descontentamento, talvez inconformismo. 78

SETZER, Waldemar. Revoltado ou criativo apud MORETTO, Vasco Pedro. Avaliar com eficácia e eficiência. In: Prova: um momento privilegiado de estudo, não um acerto de contas. 2°ed. Rio de Janeiro: DP&A. 2002


Ao sair da sala, lembrei-me que o estudante havia dito ter outras respostas para o problema. Embora já sem tempo, não resisti à curiosidade e perguntei-lhe quais eram essas respostas. “Ah, sim” – disse ele – “há muitas maneiras de se achar a altura de um edifício com a ajuda de um barômetro”.Diante à minha curiosidade e à perplexidade de meu colega, o estudante desfilou as seguintes explicações: " - Por exemplo, num belo dia de sol pode-se medir a altura do barômetro e o comprimento de sua sombra projetada no solo, bem como a do edifício. Depois, usando-se uma simples regra de três, determina-se a altura do edifício.Outro método básico de medida, aliás, bastante simples e direto, é subir as escadas do edifício fazendo marcas na parede, espaçadas da altura do barômetro. Contando o número de marcas, ter-se-á a altura do edifício em unidades barométricas. Um método mais complexo seria amarrar o barômetro na ponta de uma corda e balançá-lo como um pêndulo, o que permite a determinação da aceleração da gravidade (g). Repetindo a operação ao nível da rua e no topo do edifício, tem-se dois g's, e a altura do edifício pode, a princípio, ser calculada com base nessa diferença. Finalmente, se não for cobrada uma solução física para o problema, existem outras respostas. Por exemplo, pode-se ir até o edifício e bater à porta do síndico. Quando ele aparecer, diz-se: 'Caro Sr. Síndico, trago aqui um ótimo barômetro; se o Sr. me disser a altura desse edifício, eu lhe darei o barômetro de presente.”. A esta altura, perguntei ao estudante se ele não sabia qual era a resposta "esperada" para o problema. Ele admitiu que sabia mas estava tão farto com as tentativas dos professores de controlar o seu raciocínio e cobrar respostas prontas com base em informações mecanicamente arroladas, que ele resolveu contestar aquilo que considerava, principalmente, uma farsa.


SUSTENTABILIDADE NO INSTITUTO DE ENSINO SUPERIOR PLANALTO IESPLAN (Tripé Acadêmico: Pesquisa)

Agenda 21 é um dos principais documentos produzidos na Eco-92 e tem como objetivo a redução das desigualdades sociais, diminuindo os impactos negativos da ação humana sobre o meio ambiente. Com o objetivo de preparar arquitetos e urbanistas comprometidos com a sustentabilidade, para um século XXI, ainda carente de tais profissionais, o Instituto de Ensino Superior Planalto incentiva o grupo de pesquisa sobre o assunto. Pautado pela característica institucional de dar voz a todos nos âmbito de ensino, pesquisa e extensão, o projeto IESPLAN 21 está calcado no Diagnóstico Participativo.Mais que um démodé, o estudo participativo se mostrou a melhor ferramenta para a integração entre alunos e professores do comitê permanente de pesquisa. “As ideias tem que ser expostas para chegarmos a um ponto comum, mas precisamos de todos, porque todos nós somos o IESPLAN”, comenta o aluno Ilgner Martins, do corrente segundo período. Em suma, de acordo com site do grupo, “o projeto IESPLAN 21 pretende direcionar ações ambientais no campus do IESPLAN, tendo como objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental, buscando condições de desenvolvimento social e econômico, assim como a proteção da vida.” Tomando o campus da própria instituição como estudo de caso, os alunos das disciplinas Ciências Ambientais, Sustentabilidade e Conforto, vivenciarão diversas etapas para a produção de um documento contendo boas práticas de sustentabilidade ambiental local, que virá a beneficiar não só os discentes de Arquitetura, mas também dos demais cursos. Os grupos de pesquisa estão divididos em temáticas de estudos, que abordam problemáticas atuais como: resíduos sólidos, uso racional da água e áreas verdes, eficiência energética e recomposição da flora e fauna nativas, tema em voga em virtude da aprovação do novo Código Florestal pela Câmara dos Deputados em 25 de abril de 2012 e vetado parcialmente pela presidente Dilma Rousseff no mês seguinte. Como podemos nos reciclar e atuar coerentemente baseados nos mais recentes conceitos de sustentabilidade? Essa foi a pergunta de provocação lançada pela coordenadora do grupo, professora Cátia Conserva, especializada em Construção Sustentável, no dia 7 de agosto 2012, data da Pré-Implantação do projeto. A primeira parte do projeto, a fase de primeiras reflexões, aconteceu ainda no primeiro semestre de 2012, quando os alunos do então sétimo período, percorreram o campus diagnosticando problemas e conflitos relacionados com a destinação de resíduos, conforto do edifício, estacionamento, acessibilidade, etc.. Culminando com


a sistematização de ideias para um retrofit e a programação do Dia do Meio Ambiente, em 5 de junho de 2012. Nesse evento, foi primeiramente lançada a ideia da formulação de uma “Agenda 21 Local”, a exemplo do indicativo do MEC no documento Agenda 21 Na Escola, segundo a professora Cátia Conserva, em entrevista. Nesse segundo semestre, começamos a atividade de Pesquisa Acadêmica com a abertura do Fórum Permanente IESPLAN 21, com a participação aberta de toda a comunidade do curso de Arquitetura e Urbanismo. No primeiro Fórum, chamado "Diagnóstico Participativo", os alunos expressaram suas análises de problemas, conflitos e necessidades no campus. O segundo Fórum, "Diretrizes e Soluções", foi um brainstorm179 com a formulação das primeiras sugestões gerais para melhorias locais. A pesquisa acadêmica seguiu com a aplicação do Questionário de Governança Interna, no qual entrevistamos colegas, professores e outros atores. A seguir virá a pesquisa Bibliográfica e trabalharemos novas ideias de retrofit, expõe Cátia Conserva. O programa está sendo norteado e carrega a intenção de cumprir, de forma satisfatória, os passos da pesquisa acadêmica, ambicionando participar de projetos maiores fora da academia como o Prêmio Odebrecht para o Desenvolvimento Sustentável. Encerrando, segundo a professora Cátia, em entrevista, "o processo participativo é ferramenta importante para o ensino da Arquitetura e Urbanismo em todas as suas etapas. A sustentabilidade é um caminho sem volta, um dia as coisas vão ter que acontecer. O melhor que pode acontecer de imediato, será a mudança dos paradigmas lineares para o desenvolvimento de uma visão cíclica, sistêmica e compartilhada do mundo, comprometida com o futuro, com a proteção do meio ambiente e com a justiça social, aplicada em nossos projetos. Se conseguirmos isso, já estaremos praticando a sustentabilidade." Como a Gestão Ambiental é fundamental para o ciclo PDCA,80 sistema de melhoria contínua em espiral ascendente, ela nunca se esgota, mas se renova a cada ciclo. Nessa perspectiva, o projeto poderá ser realimentado a cada semestre com novas inquietações, ideias, projetos, pesquisas e inovações.

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Brainstorm é termo do inglês e significa uma tempestade de ideias. PDCA, sigla do inglês para Plan, Do, Check , Act, planejar, fazer, avaliar e agir em ciclo de melhoria contínua. 80


ARCHITECTOURS - Roteiros de Brasília, Escola Viva de Arquitetura e Urbanismo (Tripé Acadêmico: Extensão) Na qualidade de brasilienses e, sobretudo como profissionais ou estudantes de Arquitetura e Urbanismo nesta cidade, temos o orgulho de perceber que estudar Arquitetura e Urbanismo em uma cidade-escola é privilégio particular de estudantes de poucas cidades, como Roma, Florença, Atenas, Chicago, e outras poucas, bem poucas, aí incluída a nossa. O estudante de Arquitetura e Urbanismo de Brasília precisam conhecer Brasília. Para tanto, lançamos no último dia 21 de Abril um Programa de Extensão baseado em visitas técnicas, denominado ARCHITECTOURS: Roteiros de Brasília, Escola Viva de Arquitetura & Urbanismo. Para os seus habitantes, visitantes, e pesquisadores ― e especialmente para profissionais e estudantes da área ― nossa cidade pode ser considerada uma escola viva de urbanismo e de Arquitetura, pois com certeza para o Brasil, e de algum modo para o mundo inteiro, Brasília foi e é referência de um modo singular de se ver, viver e fazer, Arquitetura e Urbanismo. Poressa razão foi considerada “Patrimônio Mundial” há 25 anos. Nossa cidade é didática por si mesma. Ela fala de Arquitetura & Urbanismo “pelos cotovelos” e respira A&U “por todos os poros”. E se isso é verdade visível para todos, deveria ser muito mais palpável para professores e estudantes desta mesma “escola”! O termo “escola” tem sido usado ao longo da História das Artes para designar um determinado estilo de época, de região e de cultura, ou mesmo de determinado artista ou arquiteto. Como por exemplo para designar o atelier de algum artista do Renascimento. Essas escolas se definem ou elegem por sua qualidade, pela personalidade própria, pelo carisma, valor teórico, prático e didático. Algumas vezes foram assim chamadas nominalmente e no seu próprio momento, ou foram assim consideradas a posteriori por historiadores ou críticos de arte. De certa forma, todas elas adquiriram o status de patrimônio exatamente por seu valor de referência, como prova até mesmo o critério primeiro e mais geral da Unesco para eleger o “Patrimônio Mundial”: o critério do “valor universal excepcional”, voltado justamente para os expoentes de determinadas épocas, determinados estilos e determinadas culturas, como foi e é Brasília. Com efeito, percorrendo os espaços realizados a partir da proposta urbanística de Lucio Costa e, observando ao longo destes percursos as arquiteturas (de Oscar Niemeyer e outros) que povoaram esses espaços, podemos dizer que cada percurso por Brasília é, de certa forma, uma aula: “Brasiliaulas” de Arquitetura e de Urbanismo!


O Curso de Arquitetura & Urbanismo do IESPLAN lançou em 21 de Abril deste ano a atividade de extensão “ARCHITETOURS: Roteiros de Brasília, escola viva de Arquitetura e Urbanismo, que consiste em excursões, visitas guiadas e técnicas com enfoques específicos e diversificados, dentro do escopo de A&U e incluindo Paisagismo, Artes Plásticas, etc. Há mais de 50 anos que arquitetos do mundo inteiro vêm visitar Brasília, procurando satisfazer sua curiosidade, ou mais que isso, interesses específicos, profissionais, acadêmicos e culturais. Oportunamente, o título "Architectours" tem um proposital sotaque estrangeiro, exatamente pelo potencial de futura cooperação internacional, intrínseco a este programa. E nós? Conhecemos bem nossa cidade? Nós, profissionais e estudantes de A&U temos noção do nosso privilégio e responsabilidade de habitar essa cidade?


Viagens Acadêmicas

As saídas de campo e viagens acadêmicas são tradicionais num curso de Arquitetura & Urbanismo e são consideradas com ênfase no IESPLAN. As diversas experiências institucionais em viagens acadêmicas tem praticamente a mesma idade do curso, já que desde os primeiros semestres de existência já tem sido realizadas viagens do gênero, sempre com muito sucesso. Há pouco tempo, precisamente junho de 2012, fizemos a viagem mais recente, a Ouro Preto, Mariana e Inhotim. Foi a 18ª viagem, em uma sequência que se estende desde o século passado. Esperamos que ainda possa ir longe, bem longe no tempo e espaço! Normalmente, são viagens à cidades históricas tradicionais para complementação de conteúdos do curso sediado em Brasília, uma cidade não menos histórica, mas certamente nada tradicional. Assim, já fizemos viagens às cidades históricas da região centro-oeste, como Pirenópolis, Goiás "Velho" e Paracatu, além de visitas à Planaltina e Luziânia, nas proximidades imediatas de Brasília. Mas, também, já vencemos distâncias maiores, sempre que possível até o litoral, como Paraty e Angra dos Reis, uma das melhores viagens em 2010! E as visitas não são somente às cidades históricas tradicionais, geralmente cidades menores. Mas já visitamos algumas de nossas metrópoles, porém, sempre com ênfase nos seus centros históricos, como Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador. Se foram 18 viagens até agora, o número de cidades é muito maior, pois a cada viagem, conforme possível, visitamos cidades aos grupos: como Paraty-Angra, ou Ouro Preto-Mariana, ou Rio-Niterói-Petrópolis e assim por diante. Também já repetimos algumas viagens, já que as turmas vão se sucedendo. Ouro Preto é sem dúvida a campeã das repetições, como marco que é a História e a Arquitetura Brasileiras. Além dos conteúdos da Arquitetura Brasileira do Barroco, Rococó, Neoclássico, etc., obviamente visitamos obras importantes do século XX e XXI, incluindo as obras mais recente, principalmente no caso de viagens como ao Rio de Janeiro e São Paulo; nesta última, sempre na época da tradicional Bienal Internacional de Arquitetura. Além de experiência didática muito enriquecedora, essas viagens são também muito positivas como experiência social e pessoal, de confraternização e relacionamento entre os alunos das mais diversas turmas, sempre contando com a presença de pelo menos dois professores. Mais que isso, são sempre grupos abertos, o que permite a frequente companhia de familiares, namorados, namoradas, amigos, e inclusive crianças, abençoadas crianças, que nunca deram trabalho. Mais ainda, em muitos casos foram viagens em parceria com colegas de outros cursos de Arquitetura (ou Design de Interiores) na


cidade, como Unieuro, Faciplac, IesB, CeuB e UnB. Alargando os grupos, podemos inclusive alargar os horizontes não apenas socialmente, mas geograficamente, como as viagens internacionais que também já aconteceram: Cusco, Machu Picchu, e México. Pretendemos voltar a Cusco/Machu Picchu em 2013. VAMOS?


Ouro Preto/MG - Viagem acadêmica em Junho 2012.

Ouro Preto/MG - Viagem acadêmica em Junho 2012.


Fotografia de Rafael Carvalho. (Professor do curso de fotografia)


Laborat贸rio da vida Jobson Augusto Pacheco l




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