Igaruana #1

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nesta edição Canoagem solitária.............................pag. 03 Sopa de lentilhas..................................pag. 12 Birdwatching na Caatinga................pag. 14 Galeria fotográfica.............................pag. 18 Todos os textos e as imagens, salvo quando especificado diferentemente, são de autoria de Jack d’Emilia.


Canoagem solitária

“Quem tem dois, tem um, Quem tem um, não tem nenhum!” (ditado popular no mundo da náutica) Por razões de responsabilidade e segurança, preciso começar esta narrativa afirmando que uma boa pratica da canoagem turística, seja por uma breve excursão ou uma expedição de muitos dias, geralmente envolve a presença de pelo menos duas embarcações, com um ou dois remadores em cada canoa, dependendo do modelo e tamanho. Segundo o Manual de Segurança da Canoagem, em caso de emergência, os integrantes da segunda canoa podem prestar socorro à primeira embarcação em apuros. Isto é fato. Em caso de acidente molhado, a presença de uma segunda embarcação simplifica muito o resgate da canoa virada e do(s) canoeiro(s) na água. Para os canoeiros que não tem ainda muita experiência ou pretendem aventurar-se em locais selvagens e distantes, sugiro que planejem muito bem a jornada e que formem um grupo mínimo de 4/6 pessoas, viajando sempre em duas ou mais embarcações. Quero dizer agora, para quem ficou meio assustado, que canoas são geralmente embarcações muito estáveis, que raramente viram em águas calmas ou em boas condições climáticas. Acidentes normalmente acontecem em águas brancas e corredeiras, ou em meio a tempestades, com vento e ondas quebrando, quando você mal consegue enxergar a outra extremidade da canoa. É nessas condições que você precisa de uma boa dose de confiança e experiência para evitar que um pequeno incidente se transforme em uma tragédia. Pelo resto do tempo, a canoagem turística é uma pratica totalmente segura e relativamente tranquila. -3-

Nos últimos seis anos, me aventurei e remei bastante no Vale do Assu, bacia hidrográfica do rio homônimo e seus afluentes, no sertão do Rio Grande do Norte, NE do Brasil. A microrregião Vale do Assu, no característico (e único no planeta!) ecossistema Caatinga, mudou um pouco sua geografia com a construção da Barragem ARG¹ em 1985. Aos poucos, a região foi alagada e uma cidade e algumas vilas foram abandonadas e reconstruídas mais pra lá. O nível de água da barragem mudou bastante nos últimos anos. Em 2008, durante um inverno de grandes chuvas, o rio sangrou até quase cinco metros acima da parede do açude, ameaçando derrubar pontes e inundando e destruindo muitas vilas ribeirinhas no trecho fluvial que da cidade do Assu vai até o mar. Um verdadeiro inverno de desmantelo, foi chuva de matar sapo afogado, como dizem no sertão. No inverno de 2010, a barragem sangrou pela ultima vez, depois disso foi só baixando e baixando, chegando ao mínimo histórico em março de 2014, quando, com a chegada de umas boas chuvas, o nível de água da barragem subiu de alguns metros. Três anos de estiagem que castigaram o sertão e os sertanejos de todo o Nordeste, da Bahia até o Maranhão. Nesses anos que se passaram desde minha chegada ao Sitio Araras, fui remando um bocadinho e conhecendo boa parte da região, remontando o rio até a cidade de Jucurutu, único município do RN que pertence seja a microrregião Seridó que a do Vale do Assu. O assoreamento do rio, por baixo da ponte de Jucurutu, que abre o caminho para o Oeste potiguar, criou baixios de areia intransponíveis até para nossas leves canoas. No começo de nossas aventuras, fomos conhecendo a região sempre remando pelo menos em duas canoas, com dois remadores em cada embarcação.


Os meus dois primeiros ajudantes, Marcelo e Valdo, escolhidos entre os jovens moradores do Sito Araras, contudo peritos pescadores e bom nadadores, nunca tinham remado até São Rafael, o Sitio Mutamba ou Jucurutu, quanto menos acampado ao ar livre. Utilizando as típicas canoas da região, feitas com espessas tábuas de madeira, eles estavam acostumados a remar até um dos bons lugares para pescar de sempre, todos não muito longe da vila. Foi nessa época que mapeamos boa parte da região banhada pelo rio Assu, registrando com o GPS as coordenadas dos lugares interessantes e úteis, como os pontos iniciais de trilhas e os locais de acampamento, assim como dos perigos, tipo rochedos e troncos de carnaubeira semissubmersos, baixios com estacas de cerca e por aí vai. Antes de oferecer as expedições IGARUANA ao publico, convidei alguns amigos amantes da natureza para participar de nossas aventuras em canoa. O compadre Tito Rosemberg, fotografo, jornalista e aventureiro de carteirinha, foi um dos integrantes de nossa primeira expedição Araras-Jucurutu-Araras, em novembro de 2008, durante uma semana que passamos remando num vale encantado de céu azulão, alagado pelo Homem e castigado pelo Sol. Graças à presença do amigo Tito, daquela expedição inesquecível temos centenas de fotografias e uns bons vídeos. Outro jovem do Sitio Araras candidato a ser um ajudante IGARUANA, o simpático pescador Romário, participou de uma expedição de apenas dois dias até São Rafael e nunca mais quis vir conosco. Ele me disse, entre o sério e o hilário, que nunca tinha remado tanto e jamais iria repetir uma canseira dessas! Realmente, agora que estou lembrando-me bem, aquela vez em dois dias remamos muito mesmo, tentando conhecer cada entrada na margem aos pés da Serra das Pinturas, pegamos muito sol e uma noite de vento forte na Ilha Grande de São Rafael. Acho que foi daquela mesma vez, quando um agricultor, que morava num lugar bem afastado, se assustou com nossa chegada, mandou mulheres e crianças entrar em casa e nos recebeu totalmente desconfiado, segurando uma foice desse tamanho. Nunca se sabe, né!? Mas quando, outra vez, por casualidade paramos de novo no mesmo lugar, o cabra foi muito mais legal conosco: reconheceu-nos de longe, veio até a beirada e nos convidou para tomar um café na latada. Quanto ao amigo Romário, que não gostou de remar muito, ele continua pescando e agora arranjou até um barquinho a motor para ampliar seu raio de ação. Com o passar dos anos, fui conhecendo melhor toda a região do Vale do Assu, seu clima, seu povo, sua cultura, usos e costumes. Aprendi a ver de longe uma chuva chegar e perceber os primeiros sinais de um vento soprando de um lado ou de outro. A propósito de ventos, por exemplo, aprendi que quando sopra o impetuoso Norte, o melhor a fazer-se é parar para tomar um café e esperar o vento baixar, pois nunca vai durar mais de uma meia hora e sempre vem só à tarde. Aprendi a reconhecer de longe uma arvore boa para acampar perto dela. E descobri toda a beleza da fauna e -4-

da flora local, que ainda agora não deixam de maravilharme a cada dia que passa. Com meu sotaque de gringo e um jeitão simpático e humilde, eu consigo fazer amizade com todo mundo e aonde chego sou sempre bem-vindo e bem recebido. Aprendi muitas das coisas dessa região nas conversas com o povo mesmo do sertão, que encontro no meio do rio, numa vila longínqua, uma fazenda perdida no fim-domundo, ou na praça da feira. Sem muita educação formal talvez, mas com muita cultura e sabedoria. Com maior experiência e confiança, e por questões praticas também, em breve começamos a sair em expedições de reconhecimento, procurando novos lugares bonitos e atrativos, com apenas uma canoa e dois remadores, quase sempre Marcelo à proa e eu como jacumá, propulsor e leme da canoa, à popa. Com os cuidados e a segurança redobrada que normalmente utilizamos durante as expedições com os turistas, nunca tivemos algum tipo de problema. Alguns amigos amantes da aventura me criticam às vezes por ser inflexível demais, até sobre pormenores que podem parecer secundários, como o uso obrigatório do colete flutuador sempre, mas a experiência me ensinou que a segurança redobrada é item fundamental da canoagem turística e eu não abro mão disso, quando estou com um grupo de novatos do remo, assim como quando me aventuro sozinho. Os anos foram passando e nós continuamos remando: Marcelo à proa e eu à popa, só conversando, remando e conversando: ele me ensinando o nome de cada passarinho e eu dando para ele um curso sem certificado sobre segurança e técnica de canoagem turística. Foi com esse fiel proeiro que desbravei o Vale do Assu. Em demorada expedição, no setembro de 2010, remontamos os rios Timbaúba e Colônia, afluentes na margem esquerda do rio Assu, e subimos até o topo da Serra João do Vale por duas trilhas diferentes. Em 2011, remontamos todos os principais afluentes da margem direita do Assu: Caraú, Caatinga, Baranda, Serra Branca e Garganta. Lembrei-me de um fato agora, que fiquei pensando nisso. Durante essas aventuras pelos afluentes da margem direita, a gente acostumou-se a ficar de manhã cedo, quando fosse possível naturalmente, uma horinha, ou até mais, de bubuia, quer dizer, deixando o remo dentro da canoa, a embarcação à mercê do rio: ele tentando pescar um peixe e eu tirando fotografias de aves, pássaros, pescadores e cada outra coisa que via. Quando ele pescava um peixe de bom tamanho, eu o preparava para o almoço, geralmente ensopado. Quando ele não pescava, quase sempre a gente ganhava um tucunaré ou uma tilápia de outro pescador, com o qual parávamos para conversar: cortesia sertaneja. Mais anos se passaram e os ajudantes das expedições IGARUANA foram mudando: Marcelo casou e foi trabalhar numa fabrica de cerâmica para o sustento da família; depois, Valdo arrumou emprego como caixeiro viajante. Apareceu Moreno e alguns meses depois Chico também; Moreno, mais que Chico, aprendeu bem os fundamentos de segurança da canoagem turística e foi



se confirmando meu primeiro ajudante. Mas nessa altura eu já estava ficando empolgado com outras aventuras: pois para apreciar em cheio o contato com a natureza, sem ter horários, compromissos, nem rumo certo, tinha começado a dar remadas solitárias. No inicio, foram umas excursões breves, saindo de manhãzinha e voltando antes do anoitecer. Geralmente, eu remava até a Itatinga, que dista apenas cinco quilômetros do Sitio Araras e ficava passando o dia pelas redondezas, aproveitando de uma sombra boa para arranchar ao meio-dia, tirando foto e curtindo a natureza e o silencio. Nessas excursões, fui aprimorando minha técnica de remada solitária e fui entendendo a importância de carregar bem a canoa para que tenha um bom equilíbrio e seguimento na água. A distribuição dos pesos em uma canoa com canoeiro único é diferente daquela comum, onde toda a bagagem e a tralha estão no meio da embarcação, entre os dois remadores. Para um melhor aproveitamento, com um ou dois remadores, a canoa deve estar imersa na água na medida certa para ter um bom seguimento e não oferecer ao vento muita obra morta, como se define tecnicamente a porção da embarcação fora da água. A técnica de remada também muda substancialmente, seja com o canoeiro sentado à popa ou, no mais puro estilo canadense, ajoelhado no centro da canoa; o mais importante foi aprender a efetuar um bom “J stroke”, golpe propulsor e corretivo ao mesmo tempo, que permite manter o rumo certo da embarcação sem prejudicar a cadencia das remadas. O modelo de canoa utilizado nas expedições IGARUANA, projetado para garantir boa estabilidade e ótimo poder de carga com duas ou até três pessoas à bordo, às vezes resulta um pouco grande demais para uma pessoa só; por isso, estou mandando fazer uma canoinha um pouco menor para minhas expedições solitárias. No inverno de 2012, finalmente realizei minha primeira expedição solitária: remontei o rio Caraú ate a ponte velha e na volta arranchei para o pernoite no Campo Alfa, na foz do rio. Assistir ao amanhecer desde o rochedo aos pés do Campo Alfa, nas Ilhas das Cabras, é um privilegio emocionante, que o digam os que acamparam lá durante as nossas expedições. A luz do dia, que aparece no horizonte atrás de uma serra lá no fundo, tinge de ouro e vermelho o céu; os passarinhos acordam e logo começam a cantar. Tirado isso, o resto é silencio total. “Mi illumino di immenso”, como diria o poeta Umberto Saba. No segundo dia, fui remando até o sangradouro e de lá para uma ilha perto da margem oposta, onde dormi numa casa de taipa abandonada. O amigo Zé Preto, do Sítio Araras, ficou de olho em mim naquela noite e conseguiu avistar, ele disse, o clarão de minha modesta fogueira, a mais de sete quilômetros de distancia. Pra mim, foi conversa dele. Depois disso, fui tomando gosto e comecei a praticar a canoagem solitária sempre que pudesse. Meu atual proeiro, Moreno, no começo estranhou isso pensando que eu estava com raiva dele, mas depois que lhe expliquei direito, acho que entendeu. No mês de março do ano passado, uma conjuntura de

me permitiu realizar uma bela expedição solitária ao longo de uma inteira semana. Durante as ultimas expedições realizadas, tínhamos constatado uma serie de dificuldades por causa do nível tão baixo das águas. Muitos dos locais habitualmente utilizados como acampamento, de repente estavam muito longe da margem do rio e com acesso difícil. O Campo Mocó, perto do Sítio Mutamba, já tinha ficado impraticável a partir do mês de agosto anterior, e estávamos então utilizando um campo fundado na emergência, o Campo Tetéu, na frente da vila ribeirinha, num alto rochedo cheio de arvores. O acesso não era muito bom, sendo todo o pé do rochedo circundado de barro preto lamacento, mas o local do rancho bem estruturado pela Natureza. Com uma expedição marcada para a semana seguinte, decidi dar uma remada de reconhecimento para conferir quais dos campos habitualmente utilizados estavam em boas condições para ser aproveitados: na maioria dos casos, pela considerável diminuição do nível das águas, a distancia entre a margem do rio e o local de acampamento fica maior, mas em determinadas situações o acesso pode ficar difícil ou até impossível, quando se forma uma barreira intransponível de vegetação espinhenta no meio do caminho; aí tem que considerar se vale a pena dar-se ao trabalho de abrir uma picada a golpes de facão, para passar sem se arranhar todo, ou procurar outro local para acampar. Quando cheguei no Sítio Araras, pedi logo para Nunes me ajudar. Moreno estava no Ceará, pescando no Castanhal numa empreitada com mais quatro pescadores. Eu gosto de colocar a canoa à beira-rio já no dia anterior, para perder menos tempo possível na manhã seguinte. Acordar, tomar café, carregar a canoa com toda a tralha e sair remando bem cedinho. No mercadinho da vila, comprei frutas, verduras, legumes e um pedaço de carne de sol. Ainda em Pipa, eu tinha comprado três grandes pães italianos, que duram dias e dias, e dois pedaços de queijo de meio quilo cada, que eu coloco no papel manteiga e carrego comigo sem me preocupar de refrigerá-los. Não tendo encontrado um bom salame, não quis comprar um que me pareceu ruim. Em uma dessas caixas de plástico de fruta&verdura, que se encaixam tão bem nas canoas IGARUANA, coloquei toda a tralha de camping e cozinha, inclusive uma “nova” cafeteira italiana usada, que ganhei de presente. Em um saco estanque dos grandes: roupas, rede e outras bugigangas. Com toda a bagagem arrumada, deitei na rede por baixo do imbuzeiro e dormi logo, cansado, mas feliz. Chegar até o Sitio Mutamba em canoagem solitária foi um desafio fácil de realizar ao final das contas. Meu exajudante Valdo ficou maravilhado quando, ao voltar, relatei todo o itinerário da expedição. O pessoal do Sitio Araras me deve achar meio maluco, mas, mesmo assim, eles me respeitam, creio, pela coragem que tenho de sair remando sozinho por ai. Na quarta-feira, às seis e meia da manhã, sai logo remando em direção à Ilha da Caixa-d'água e de lá cruzei para a outra margem do rio e fui direto checar o Campo Uirapuru, na Ilha do Velho Jaime. Cheguei bem cedinho, pouco depois do meio-dia. -6-




Dei toda a volta da ilha para ver o local melhor para atracar as canoas: em absoluta ausência de vento, me levantei em pé e impulsionei a canoa com um remo rudimentar, feito com um pedaço de pau bem comprido encaixado numa pá de plástico, com um punho improvisado de corda e silver-tape. É a tal de Open Canoe Stand Up Paddle² que estou praticando, depois de tanta conversa com o amigo surfista Roberto, que é instrutor credenciado de SUP. Remar em pé em águas calmas ou pouco onduladas é bem legal: o visual fica muito mais amplo de o que se tem sentados no banco da canoa e o remo maior permite uma voga mais extensa. É uma alternativa de remada muito interessante, que deve ser praticada com toda atenção e equilíbrio. Mas preciso arrumar um remo melhor para mim... rss Com as águas do rio tão baixas, o Campo Uirapuru ficou um pouco longe da margem, mas sem grandes obstáculos no caminho. Amarrei a canoa numa estaca na beirada e fui dar uma caminhada pelas pedras até uma larga rocha plana, por baixo de uma arvore, que a gente chama de Mirante do Pescador. Com a barragem cheia, esta rocha fica na beira do rio e naquele momento estava distante pelo menos uns cinquenta metros da água. Levei minhas coisas para o rancho, no topo do morro, e armei logo a rede. Fiz um café. Li um pouco. Preparei um dos meus jantares preferidos: sopa de lentilhas. Comi tudo, li mais um pouquinho e dormi cedo. Na madrugada ventou bastante, mas as pedras ao redor do acampamento protegem naturalmente o local: enrolei-me bem no cobertor e dormi até às seis horas, quando passou por perto uma canoa motorizada, fazendo seu característico barulho... tok-tok-tok-tok-tok. Na quinta-feira, remando devagarzinho, acompanhei toda a margem esquerda do rio até a entrada pro Sitio Macambira, à procura de locais alternativos para acampar, mas sem muita sorte. Numa parada que dei para descansar um pouco e comer um pão com queijo e azeitonas na sombra, o dono de uma fazendinha pouco distante veio bater um papo comigo, dando uma boa caminhada junto com um ajudante seu. Parei um pouco de novo na ilha maior das três enfileiradas no meio do rio, só para tirar umas fotos, pois ali dá para ver de longe que não tem como acampar direito. Passei na frente do Campo Echo, mas segui direto e fui me encostando à Ilha Grande de São Rafael. Devagar fui remando ao lado da ilha em todo seu comprimento, conferindo como a maioria dos acampamentos utilizados habitualmente na ilha estava bem mais distante da margem, muitos deles temporariamente impraticável. O acesso ao Campo Jandui, como fica no alto de uma encosta vertical, não ficou prejudicado desde que o rio começou a baixar. Desci da canoa apenas em tempo de vestir a capa impermeável, cobrir a carga com a lona azul e pegar uma boa chuva por uma meia hora seguida, sem que baixasse de intensidade. Com o chapéu de palha de carnaúba na cabeça e a jaqueta impermeável bem fechada, fiquei dando as costas para a chuva, mastigando um punhado de castanha de caju, sentado no meu banquinho. Escureceu.

O Campo Jandui, na extremidade SW da Ilha Grande de São Rafael, é um lugar especial para acampar: tem espaço para armar quantas redes e barracas quiser e a cozinha de campo, feita de pedras pelos pescadores da região, é perfeita tanto para cozinhar quanto para grelhar. Armei a rede por baixo das minhas arvores preferidas e acendi o fogo para fazer um café. Em acampamento, praticidade é tudo: na mesma panela wok, primeiro cozi o arroz na água e sal e depois salteei carne e legumes em cubinhos juntos. Na rede, adormeci pensando no nome em Tupi de uma estrela que aparece numa história que li, sem conseguir lembrar-me. A sexta-feira foi boa demais. Dia de meditação, observação e registro. Praticamente não sai do lugar. Quase passei o dia inteiro na rede, mas também fotografei e filmei muito, registrando a presença de muitas aves e pássaros na ilha. Numa hora, deixei a filmadora em cima do tripé, filmando sozinha, e os resultados foram surpreendentes. Aliás, alguns dos vídeos que publiquei na internet dedicados ao birdwatching³ foram gravados nesse dia, é bom dizer. Desci até a margem do rio só à tardinha, para tomar um banho e pegar na caixa térmica os ingredientes do jantar. Meditar é muito bom. Todo mundo deveria dedicar um pouco do seu tempo diariamente a esta pratica, começando a jornada com meia hora de meditação em ambiente sossegado. Sem a necessidade de dever-se procurar um caminho transcendental, meditar nos abre os olhos sobre a realidade das coisas, sobre a essência do tudo/todo, ajudando-nos, nesse continuo hoje que é a vida inteira, a enxergar melhor os significados e as prioridades. Meditar é procurar dentro de si perguntas e respostas, alguém me disse uma vez. Quando acordei no sábado, cismei em preparar logo um cuscuz para ficar já pronto na hora do almoço, quer dizer, quando bater a fome, sem hora marcada. Misturando a receita da paçoca nordestina com aquela do cuscuz norte africano, preparei um cuscuz bem sequinho, cheio de legumes cortadinhos e salteados, cubinhos de carne de sol e queijo, ovo mexido, frito e amassado no garfo, castanha de caju quebradinha, cominho e coentro verde; lembrei-me de não colocar tomate, que apodrece logo em meia hora. Ficou gostoso, mas acabei comendo cuscuz o dia inteiro. Para não esquecer-me que depois da saúde, o que mais precisamos é de ter sorte, logo que sai remando em direção ao Sitio Mutamba, um ventinho favorável foi me acompanhando pelo inteiro percurso. Nos baixios do antigo carnaubal, na metade do caminho, poitei a canoa num toco de carnaúba, descansei um pouco, comi uma fruta e segui remando. Quando cheguei nas proximidades do Sitio Mutamba, nem me dirigi para o porto das canoas e dobrei logo a direita, entrando num braço de rio que eu queria explorar melhor, à caça de locais bons para acampar. Depois de uns trezentos metros, à direita vislumbrei o Campo Tetéu, circundado por uma faixa espessa de algum capim verde, alto mais que eu. Parei a canoa ao lado de umas grandes pedras lisas, ara evitar a passa-9-


gem pela vegetação, e subi até o local do acampamento. Rancho pouco usado pelos pescadores, o local ficou cheio de vegetação com as chuvas do inverno. Não parei lá. Voltei à canoa e segui subindo pelo braço de rio acima, em pé com meu improvisado remo de SUP. O braço de rio foi ficando sempre mais estreito e nada de chegar a algum canto bom para acampar. Aproveitando de uma alta estaca na beira do córrego, improvisei uma cobertura com a lona azul e fiquei um pouco ali na sombra, comendo o cuscuz e meditando. Descansei até a uma da tarde e depois voltei pro Campo Tetéu. Peguei facão, luvas de couro, serra e tesoura de jardinagem e fui dando um trato no percurso das pedras até o campo. No local mesmo do acampamento, o que mais tirei foi um capim rasteiro, espalhado por todo canto, utilizando uns galhos secos como vassoura. Acendi o fogo e tomei um café, merecidíssimo, assistindo ao por do sol atrás da Serra das Pinturas, sentado no meu banquinho de couro de cabra. Armei a rede e deitei com gosto nela. Depois esquentei o que tinha sobrado do cuscuz e o tracei diretamente dentro da wok. O que tem de bom em dormir na rede por baixo de uma arvore é que você dorme olhando para as estrelas e acorda com o canto dos passarinhos. Sinceramente, eu dou o maior valor a essas coisas. Domingo é dia de feira em Jucurutu, mas eu prefiro ir à de São Rafael, na segunda. Por isso, depois do café do quinto dia de expedição, desmontei rapidamente o acampamento e carregada a canoa, tomei o rumo para São Rafael. Acabei nem parando na vila: deixei a sacola com livros e revistas com o pai pescador de um dos meus pequenos leitores do Sitio Mutamba. O vento favorável do dia anterior, tinha se transformado em contrario, mas não muito forte, pouco mais de uma brisa. Apontei a proa pra Ilha Grande e fui remando com uma boa cadencia. Para o almoço, parei na Ilha do Rancho Secreto, onde pude conferir o bom estado do local e do acesso, mas realmente tinha um pedaço de chão grande para percorrer entre a margem e o acampamento. Um pescador me pediu se não tinha um pouco de tabaco. Arrumei para ele um meio pacote já aberto de fumo forte, que sempre carrego comigo para momentos como esse, e acabei ganhando uma tilápia, que à noite comi assada, embrulhada no papel alumínio com batata e outros legumes fatiados. Cheguei no Campo Echo às três da tarde. Da canoa fui diretamente para dentro do rio, assim como estava: calças compridas, camiseta de mangas compridas, luvas, colete flutuador, chapéu de palha e óculos de sol; fiquei boiando de olhos fechados nas águas do remanso uns bons vinte minutos. O Campo Echo é outro local perfeito para acampar sem problemas com um grupo grande de pessoas. O rancho mesmo fica por baixo de um juazeiro, arvore que garante a sombra o ano inteiro. Umas grandes pedras quadradas servem como planos de apoio para muita coisa; tem cozinha de campo bem funcional e um local especial para a fogueira. O panorama do Campo Echo está cheio de atrativos: ao SE, a Serra Branca e e Serra Jatobá dominam o visual na planície de São Rafael; a Ilha Grande está presente no - 10 -


meio da cena, extensa, mas baixa, sem obstruir a visão geral; ao Sul, a Serra de Jucurutu se parece mesmo com uma pirâmide e, no Oeste, a Serra das Pinturas é o palco de um inesquecível por do sol. A torre da antiga igreja da cidade, que ficou erguida no meio das águas até 2010 e subitamente ruiu, fazia parte desse cartão postal. Armei a rede orientada para acordar cedo, ao receber o clarão do amanhecer nos olhos. Mas despertei com uma gota de chuva batendo na ponta do meu nariz. Às quatro e meia da segunda-feira, com céu todo nublado, poucas centenas de grossas gotas de chuva caíram antes do amanhecer, depois o céu foi clareando e se tingindo de azul mesmo. Quando o cheiro de café se espalhou no ar, logo apareceu o pescador Canindé, para conversar um pouco comigo. Ele trouxe o açúcar para o cafezinho dele, sabendo que eu não o tenho quando viajo sozinho. No bornal, ele sempre carregou tabaco e sal, mas, depois que me conheceu, começou a levar também um pouco de açúcar. Sem ter muito que comprar, com bastante comida seca e enlatada ainda na caixa, mesmo assim fui para a feira, deixando Canindé voltar à pescaria dele. Fui andando até a beira da estrada e logo arrumei uma carona com o dono de um sitio lá perto, que ia levar leite e verduras para a feira. Sentado na borda da caçamba da camioneta, fui apreciando o panorama, me segurando firmemente para não cair. Apesar da estrada de terra estar toda esburacada, o motorista dirigia em boa velocidade, sem frear antes de enfrentar os buracos. Quando chegamos à praça da feira, me ofereci para ajudar a descarregar a carga, mas os dois homens dispensar meu auxilio. Fui ao bar do Chagas, que é o único que prepara o café sem açúcar, e tomei um copo cheio de café, beliscando um pastelzinho de queijo. Na feira comprei pouca coisa mesmo: um pouco de fruta fresca, um litro de mel da serra, um pedaço de queijo manteiga, uma pequena rapadura batida de forma redonda. Comprei também umas colheres de pau, um par de alpercatas de couro e dois pacotes de tabaco. Guardei tudo no meu bornal. Fiquei vadiando e jogando conversa fora até às dez e meia, depois me decidi a almoçar e fui procurar quem tinha buchada, prato sempre mais raro de encontrar já pronto em São Rafael. Encontrei uma boa versão dessa iguaria da cozinha regional logo no boteco que fica na outra esquina da praça, onde nunca vou, e me sentei num cantinho na sombra. A comida chegou super quente e me pelei a língua experimentando o caldinho. Como não serviam suco ali, acabei pedindo uma cerveja, quem diria, hein?! Voltei ao bar do Chagas e fiquei de olho no pessoal do Sitio Mutamba, que vem em grupo para a feira, e quando eles começaram a organizar-se para voltar à beira do rio, num caminhãozinho carregado até o limite, fui lá ver se dava para ir juntos. Quando chegamos aos barcos deles, ainda eu tinha um pedaço para caminhar, assim agradeci, me despedi e fui logo andando por uma trilha toda ensolarada até o

até o Campo Echo. Quando cheguei, fiquei um tempo na sombra do juazeiro antes de ir tomar um bom banho de rio. Num momento, me pareceu que o nome esquecido da estrela fosse sair dos meus lábios, mas foi engano. Foi outro nome que me voltou na memória, o de uma abelha: Irani. Por volta das três da tarde, fui dar uma caminhada, tirei boas fotos e catei um bocadinho de lenha. Separada aquela para o fogão, incendiei o resto na única fogueira desta aventura, logo depois do por do sol. Com uma pescada que tinha ganhado de Canindé logo de manhã, à noite cozinhei uma sopa de peixe saborosa, que, junto a um punhado de arroz cozido no mesmo caldo, virou meu jantar. Na terça-feira, já acordei pensando em ter que ir pra Pipa buscar o grupo de turistas e voltar no Sitio Araras com eles na quinta. Mas a missão já estava cumprida, pois tinha conferido um bom numero de locais apropriados para acampar durante as próximas expedições. Quando Canindé apareceu, chamado pelo cheiro do café, ele trouxe para mim a bateria da maquina fotográfica que eu tinha esquecido carregando-se na tomada do bar de Chagas no dia anterior. Tomamos café sem pressa e ele me contou de suas preocupações com a saúde de um filho, que foi morar em Mossoró. Às sete e meia, me despedi do Campo Echo e sai remando em pé, para apreciar bem o panorama. Geralmente, até o meio-dia, uma brisa favorável sopra em direção ao Sitio Araras, depois, com intensidade variável, um vento que vem do Leste, tende a atrapalhar o rumo das canoas e só baixa de vez à tardinha. Tentei aproveitar assim ao máximo dessa brisa favorável e fui remando sem parar até a Ilha da Caixad'água, alternando a remada tradicional, sentada, àquela em pé. Na sombra das ruínas da própria caixa-d’água, tomei café junto com uns pescadores que iam passar o dia inteiro ali pescando, e estavam, naquela hora já almoçados, esperando o sol baixar um pouco para voltar ao trabalho. Comi pão com queijo e voltei a remar, atravessando a foz do rio Caraú e parando só aos pés da Itatinga, de novo cansado, mas feliz. De lá para o Sitio Araras: menos de uma hora de remo, quando o vento contrário baixar. Atraquei a canoa numa arvore seca na margem do rio e fui para a sombra de uma aroeira pouco distante. O chão por baixo da arvore, cuja sombra é aproveitada principalmente pelas cabras criadas à solta na região, estava cheinho de bostas de cabra, todas redondinhas, muito bem adubado. Tem lugar melhor para meditar? Acho que não... ¹ Barragem Armando Ribeiro Gonçalves, construída pelo DNOCS (Departamento Nacional Obras Contra a Seca) nos anos ’80. ² Traduzindo: Remada em Pé na Canoa Canadense técnica de remada inspirada no StandUp Paddle Surf (SUP), novidade no panorama do surfe, que ficou muito popular no mundo inteiro. ³ Observação de Aves, pratica sempre mais popular entre os amantes da natureza.

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Sopa de lentilhas

Uma sopa vegetariana, gostosa e cheia de substancia; ótima para um jantar na Ingredientes para 6-8 pessoas frente da fogueira, depois de um dia de muitas atividades. 500gr. de lentilhas 350gr. de macarrão para sopa Para começar, é importante colocar os 4 tomates maduros 2,5l de água para esquentar no fogo. 2 cebolas brancas No fundo da panela de pressão grande, 1 cenoura ou de um panelão, refogar no azeite de 5 dentes de alho oliva as cebolas, a cenoura e os dentes 1 colher de cominho moído de alho, tudo cortado miudinho. 2,5 litros de água quente Quando as cebolas ficarem douradas, azeite de oliva acrescentar as lentilhas, temperar com sal fino o cominho, ajustar de sal e mexer bem com a colher de pau. Cortar os tomates em cubinhos e juntá-los aos outros ingredientes na panela, misturar bem mais uma vez e acrescentar toda a água quente. Fechar a panela de pressão e deixar cozinhar por 15 minutos (35 minutos no panelão bem tampado). Enfim, acrescentar a massa, um poquinho de sal e deixar cozinhar por mais cinco minutos, com a panela destampada. Servir bem quente. - 12 -




Birdwatching na Caatinga O Brasil está entre os três países com as maiores diversidades de aves no mundo, com 1825 espécies, de acordo com o Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos (CBRO). Esse potencial vem chamando a atenção dos turistas brasileiros e estrangeiros para o birdwatching, prática de observação de aves, no país. A observação de aves é o passeio de ecoturismo que tem como objetivo observar as aves em seu habitat natural, sem interferir no seu comportamento ou no seu ambiente. Tal roteiro constitui uma forma legítima de exploração ecoturística das áreas naturais, visto ser uma prática de baixo impacto. O público que procura este tipo de atividade é um público específico que possui alto grau de consciência ambiental, estando atento e adotando seriamente as práticas de mínimo impacto em ambientes naturais. Ao proporcionar o contato com a natureza, a observação de aves permite testemunhar fatos únicos, emocionantes e ao mesmo tempo delicados da vida das aves, resultando no envolvimento do praticante com a conservação ambiental para proteger aquelas espécies que lhe trazem tanto prazer. A observação de aves envolve lazer, pesquisa científica, exploração econômica, conservação e educação ambiental das mais diversas formas, tornando-se um tema importante e moderno no atual contexto de desenvolvimento brasileiro. Considerado o segmento de turismo que mais cresce a cada ano no mundo, o ecoturismo possui diversas modalidades, sempre associadas ao lazer em meio natural e que não resultam em degradação do ambiente visitados ou de suas populações nativas. A observação de aves é considerada um segmento de turismo que para ser viável depende de ambientes

favoráveis à existências de avifauna. A observação de aves e de vida selvagem em geral é uma atividade relacionada simplesmente à contemplação da fauna e não envolve interação com os animais observados, como toca-los ou alimenta-los. Os guias de campo e demais livros de ornitologia seguem uma ordem taxonômica para ordenar as aves. Para as pessoas que não têm familiaridade com estes termos, a ordem das aves parece sem sentido, mas cientificamente, ela auxilia o cientista por considerar as semelhanças não apenas morfológicas (cores, tamanho, formato, etc.), mas também as genéticas e fisiológicas. Os nomes científicos são muito importantes por tornarem as plantas e animais universalmente conhecidos. A língua oficial utilizada é o latim e também o grego, além de termos latinizados. Para nós, falantes da língua portuguesa, entender os nomes científicos tornase relativamente fácil, visto que nossa língua é derivada do latim, assim como o italiano, francês e espanhol. Quando se ouve a palavra “caatinga”, acredito que, para a maioria das pessoas que não a conhecem, as primeiras imagens que vêm à mente são tristes cenas de seca, de esqueletos e carcaças de gado ardendo ao sol, de açudes sem água e de um povo pobre, sofrido e faminto. No entanto, conhecendo um pouco mais a caatinga, se descobre que há o outro lado da moeda: bastam as primeiras chuvas, no início do período chuvoso, que a paisagem se transforma radicalmente, ficando, então, difícil imaginar que toda a exuberância verde da vegetação desse período, preenchida pela intensa movimentação e sons dos animais que ali vivem, possa um dia desaparecer com a seca, que chegará, invariavelmente, nos próximos meses. - 15 -


No bioma Caatinga ocorrem diversos tipos vegetacionais, incluindo áreas de cerrado, de campos rupestres, vários encraves de mata atlântica; porém o tipo de vegetação predominante, que dá o nome ao bioma, é a caatinga. Desta forma, a caatinga (escrita com letra minúscula) é um tipo de vegetação, que é primariamente florestal, apesar de também possuir formações mais abertas, campestres, e que é bastante adaptada aos acentuados períodos de estiagem ocorrentes no semiárido brasileiro. Em meio à extrema variação sazonal, há uma rica fauna, ainda subestimada por ser pouco conhecida em sua totalidade e pelas grandes lacunas de conhecimento sobre sua distribuição, adaptações e interações ecológicas. Com as aves esta situação não é diferente – de todos os biomas brasileiros, a Caatinga ainda é a que tem sua avifauna menos estudada. Até o início da década passada, 510 espécies foram reportadas em todo o bioma, das quais cerca de 350 ocorrem na vegetação de caatinga. No entanto, uma investigação mais recente, a partir de novos estudos e registros, resultou em uma riqueza de 596 espécies de aves apenas na porção baiana do bioma Caatinga! Apesar de ainda não haver um consenso, se estima que existam cerca de 15 espécies de aves endêmicas desse bioma; dentre elas, duas araras baianas: a arara-azul-delear, restrita à região do Raso da Catarina, e a ararinha-azul, considerada extinta na natureza desde 2000 – ainda existem indivíduos vivos em cativeiro, a maioria fora do Brasil. Entretanto, há várias espécies de aves que, apesar de ocorrerem também em outros biomas, são considerados muito típicas da Caatinga, como o carcará, a pomba asa-branca e o assum-preto – o primeiro imortalizado na canção de João do Vale e as outras duas nas canções de Luiz Gonzaga; no entanto, é considerada a “voz da caatinga” a gralha-cancã, devido à vocalização forte e inconfundível, sempre comum. A avifauna da Caatinga foi historicamente selecionada para poder ser capaz de superar os longos períodos de estiagem. Muitas espécies realizam deslocamentos populacionais durante os períodos de aridez, deixando as áreas secas em busca de recursos em áreas mais úmidas. Muitas outras espécies, por outro lado, não apresentam esses deslocamentos populacionais, permanecendo sempre na mesma área. Dentre elas, são comuns as espécies de aves que se alimentam de grãos e sementes caídas junto ao solo. A pomba asa-branca, exemplo de uma dessas espécies, é citada na canção de Luiz Gonzaga que, ao narrar um episódio de seca extremamente intensa, diz que “até mesmo a asa-branca bateu asas do sertão”. Também são encontradas mesmo durante a seca as espécies que se alimentam de insetos, as espécies necrófagas que se valem de cadáveres de animais que sucumbem à seca, e as espécies generalistas, omnívoras, que possuem uma grande capacidade de explorar e de se alimentar de diversos tipos de alimento, quer sejam insetos, frutos, grãos ou mesmo pequenos animais. A caça de subsistência, para obtenção de alimentos, de modo geral tem decrescido, porém ainda é intensa a captura de aves para suprir os mercados ilegais ligados ao tráfico de animais, que é a terceira atividade ilegal que mais movimenta dinheiro no mundo. A captura para o tráfico foi a causa principal da recente extinção da ararinha-azul da natureza. - 16 -


Para os amantes do birdwatching (observação de aves), uma expedição IGARUANA pode ser uma ocasião única e especial para apreciar e registrar a avifauna característica do sertão potiguar. O Vale do Assu está cheio de ilhas e ilhotas que se formaram pelo nível do rio ter baixado muito nos últimos três anos de seca: as redondezas dos campos Janduí e Uirapuru são locais perfeitos para um safári fotográfico. Tanto os profissionais experientes quanto os amadores podem capturar imagens de dezenas e dezenas de aves, pássaros e outros animais do sertão a cada dia diferentes.

Dicas para observação de aves e fauna selvagem Informe-se sobre as espécies de aves que habitam o local que você escolheu. Pesquise sobre o comportamento de cada família ou gênero. Existem vários guias especializados que podem ser usados para consulta. Ir ao lugar certo e saber o que procurar é o primeiro passo para uma boa passarinhada. Use trajes adequados. Se você for entrar em uma área florestal, deve usar uma roupa discreta e, de preferência, camuflada com o ambiente para evitar que a ave se assuste e fuja. Use tons mais escuros de verde para mata e cerradão e tons mais claros de verde ou cáqui para cerrados baixos e campos. De modo geral, sua chance de ver e fotografar aves em vida livre aumenta se o seu disfarce é bom. Fique em silêncio. O silêncio e uma caminhada silenciosa são fundamentais para não espantar as aves. Limite a conversa ao mínimo essencial e pise ‘leve’, sobretudo se a trilha está coberta de folhas secas. Se for preciso afastar ramos com as mãos, faça isso devagar. Quando encontrá-las, não se aproxime muito para não assustá-las. Não se aproxime muito. Chegar perto demais de uma ave silvestre pode oferecer risco, para você e para ela. Há chance de transmissão de doenças (de você para a ave e vice-versa) e de acidentes (arranhões ou bicadas). Evite, sobretudo, tocar filhotes, mesmo quando parecem abandonados. Muitos filhotes ficam sozinhos enquanto os pais buscam alimento e sua interferência gera estresse. Preste atenção aos horários. As primeiras horas da manhã e o final da tarde são os horários de maior atividade das aves. Mas algumas espécies têm hábitos diferenciados, portanto, procure saber os horários e

épocas do ano de maior atividade de cada uma. Corujas, urutaus, bacuraus… só poderão ser observadas durante a noite. Use um bom equipamento de observação. O uso de equipamentos se torna essencial para uma boa observação. Binóculo. O mais básico deles é o binóculo, Indispensável para uma boa observação. Escolha um modelo com aumento de pelo menos 8 a 10 vezes e boa luminosidade. Geralmente são os binóculos com lentes de diâmetro maior, que também são mais fáceis de focar. Isso ajuda muito na hora de encontrar a ave em meio a folhagens antes que ela voe. Existem binóculos com dispositivo para reduzir vibrações, o que é interessante, porém custam mais caro. Confira ainda o peso dos vários modelos e prefira o mais leve. Depois de vários minutos segurando os binóculos na altura dos olhos ou algumas horas levando-os pendurados no pescoço, o peso começa a fazer diferença. Play-back. Também pode-se usar um play-back, a melhor opção é um equipamento de MP3 que grave e reproduza sons com clareza. É mais leve, tão eficiente quanto o velho gravador de fita cassete, e suficiente para fins de observação. Câmera fotográfica. A popularização das câmeras digitais também aliviou o peso do equipamento de campo dos observadores, multiplicando as boas fotos. Se você pretende comprar uma câmera principalmente para fotografar as aves observadas, prefira uma com mais de 10 Megapixels de resolução. As lentes com zoom são mais práticas, pois você ajusta rapidamente ao lugar em que a ave aparece: mais próxima ou mais distante. A opção grande angular não precisa ser menor do que 28 mm. Já a opção teleobjetiva deve ser superior a 400 mm, quanto mais, melhor. Cuidado com o zoom digital, pois o resultado nem sempre é bom. Opte por lentes com zoom real superior a 400 mm. E atenção ao detalhe da luminosidade da lente: prefira as mais luminosas para não precisar recorrer muito ao flash. Os modelos que permitem tanto focagem automática como manual são mais indicados. Embora o foco automático ajude muito quando a ave está em movimento, o foco manual é essencial para uma boa foto em ambientes com vegetação densa. Freqüentemente, se há detalhes demais em quadro, a câmera automática não consegue ‘decidir’ o que deve ser focado e você pode acabar só com as folhas nítidas e a ave desfocada. Flash. A maioria das câmeras digitais já vem com flash acoplado e dá a opção de acioná-lo como contraluz, ou seja, para compensar a luminosidade do céu e mostrar a ave pousada no alto de uma árvore. Assim você consegue mais detalhes do que a simples silhueta da ave e a reprodução mais fiel do colorido da plumagem. Se a observação for de espécies de mata densa, no entanto, o flash da câmera precisa do reforço de uma luz mais potente, capaz de iluminar aves a mais de 10 metros. Não dirigir a luz do flash diretamente para a ave, mas iluminar o ambiente, de modo a não assustá-la logo. ao primeiro disparo. [fonte da pesquisa: wikiAves.com]

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