Revista Lit!

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EDITORIAL “Parto literário”. Foi a definição da primeira edição do nosso prestimoso projeto quando finalmente pronta. Foram meses de trabalho duro e dedicação de toda a equipe. Enfim pudemos colher os frutos deste trabalho. E esta safra se mostrou suculenta a todos os gostos. Questionado sobre a alcunha “revolucionária”, ao meu ver, o fruto de visionários sintetiza o termo “revolução”. Em nossa jornada contamos com escritores selecionados por seu talento, sobretudo visionários. E assim construímos nossa revista revolucionária da literatura brasileira. No “carro-chefe” assumimos o desafio de cobrir a Bienal de São Paulo; o maior evento editorial da América latina. Priorizamos abrir espaço para bons escritores quase ou totalmente desconhecidos a despeito de seu talento. Agregamos uma das mais atraentes formas de literatura, a história em quadrinhos. Não deixamos de homenagear os clássicos imortais. Trouxemos o bem sucedido casamento: Literatura e cinema. Tudo isso e muito mais! Ainda tem dúvidas de que a Lit! é uma revista revolucionária? Então viaje por nossas páginas e comprove!

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Por Mendes Jr.

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estréia dessa seção não traz um título novo ou um autor novo no mercado, mas isso nem de longe significa que ela abdicará de seus deveres. Ao contrário. Novidade é uma palavra matreira, cujo sentido nem sempre condiz com “sair do forno”. Forno, forma e fôrma emanam fumaça que pode vir viciada, cheia de poeira opaca e fungos de velhos ciclos que morreram e não percebem. Felipe Pena não saiu do forno. Não é fato novo das manchetes, não é autor de primeira viagem. É novidade sim, mas não no sentido fugaz, de coisa que vem e passa. Está em cena há um tempo, mas seu trabalho carrega a inovação em si, antes e depois dele entrar no ramo da ficção.

público, não do governo”, disse Felipe, antes de deixar o estúdio. Sua vivência no meio acadêmico é longa. Leciona para graduados e pós-graduados desde 1998 em universidades públicas e privadas. Integrou congressos, bancas e foi sub-reitor da Universidade Estácio de Sá por dois anos. Conhece como ninguém a dinâmica e os bastidores da educação universitária do país. Em 1998, publicou seu primeiro livro: “A volta dos que não foram”, pela editora Sette Letras, uma proposição refutando a ideia de que as gerações posteriores à

Uma jornada a duras penas Felipe Pena nasceu em Niterói, Rio de Janeiro, formou-se em Comunicação Social pela PUC, fez mestrado e dourado em Letras, pós em Sorbonne, trabalhou como repórter, apresentador e comentarista político na televisão, onde protagonizou episódios polêmicos, como quando abandonou o programa Espaço Público, da extinta TVE, em pleno ar, após se irritar com a apresentadora Lúcia Leme, que, durante o intervalo, havia pedido que maneirasse nas críticas ao governo Lula. “O espaço é 6

juventude de 68 não podiam ter também um projeto utópico de transformação do mundo, desconectado dos dogmas estabelecidos durante a luta contra a ditadura. A verve revolucionária de Felipe arregaçou mangas e iniciou uma etapa decisiva em seu próprio projeto utópico. De lá para cá, foram mais 7 livros ligados ao ensino, à sociedade, à comunicação e ao jornalismo,

todos buscando elevar discussões e permitir que o saber respire, questione-se e, caso necessário, reinvente-se. Em meio a tantas reinvenções, Felipe achou um modo de reunir seus “eus” em um. Enveredou-se para um campo que há tempos cortejava, o da ficção, mas não deixou que isso arrefecesse as relações que sua literatura tinha com a exposição e discussão da realidade. Formou-se também em psicologia, área que sempre lhe despertou interesse. Clinicou em consultório por alguns anos e compreendeu melhor a alma humana. A nova estrada estava pronta. Interagir com pessoas e com os sistemas que as regem, e são por elas regidos, através de ângulos tão múltiplos e distintos, lhe permitiu visualizar conexões entre o mundo frio das análises e a espontaneidade do humanismo que passa batida das teses, ameaça postulados e desafia a razão. Conexões quase infinitas formando veias, artérias e vasos entre temáticas aparentemente distantes e destoantes. A ficção seria um modo interessante para falar delas, ou melhor, deixá-las falar e permitir que o corpo social gigantesco do qual são integrantes ganhasse vida pelas palavras. A imaginação, a vontade de criar, o lado lúdico e romancista de autor em Felipe seria o combustível, a seiva fluindo por esses vasos, alimentando,


a v i v a n d o e a n i m a n d o o c o n j u n t o d e realidade. “Noventa por cento do que escrevo fenômenos que eles permitem interagir. é invenção, só dez por cento é mentira”, diz Assim, em 2008, 10 anos após “A Volta o autor, parafraseando Manoel de Barros. O dos que Não Foram”, o primeiro filho de Felipe Pena na ficção ganha a luz. “O Analfabeto que “...Fatos se fundem para passou no vestibular”. Para muitos, um romance-denúncia. gerar uma história; ficção, mas Para Felipe, uma obra de ficção jornalística sobre a educação e também realidade. “Noventa por os contrastes sociais do Rio de cento do que escrevo é invenção, Janeiro. só dez por cento é mentira”...” Mas isso é um modo simplório de falar desse livro. O Analfabeto que Passou no Vestibular é um monte de coisas. Um livro para tiro em Adriana gera repercussão na mídia ser lido, em primeiro lugar. Coisa que parece e preocupação em Jaime Ortega, dono da e deveria ser redundante, mas não é, quando universidade Bartolomeu Dias, maior do país, nos referimos a uma porção significativa da com 50 campi estabelecidos, onde o atentado literatura nacional contemporânea, que prefere acontece. Ortega estava prestes a vender parte ser compreendida e elogiada por meia dúzia de da mantenedora da universidade a um grupo “entendidos” do que se expor à inteligibilidade estrangeiro e desconfia que este crime não e prazer do público numa linguagem acessível. foi casual, e que o manuscrito esconde uma O romance de Felipe foge desse hermetismo, conspiração. Para investigar, ele conta com o e essa fuga é sua primeira crítica, endereçada atual reitor de psicologia e também romancista ao isolamento voluntário da classe intelectual, amador, Antônio Pastoriza, semi-alter ego de crítica endossada, claro, na própria história, que Felipe e protagonista da história. Mas Pastoriza já começa em cima de dois fatos jornalísticos não é nenhum “007”, possui limitações e, reais tornados ficção. Um é o próprio título, portanto, pede ajuda ao chefe de segurança o analfabeto, a notícia surreal da faculdade e também do padeiro de 29 anos que, detetive Ignácio Rover, para em 2001, se classificou em tentar entender o caso e achar oitavo lugar para Direito numa conexões, se existirem. A trama faculdade privada. Aliado a isso, tem muitos personagens, cujos o caso de Luciana Gonçalves perfis e motivações vão sendo Novaes, que ficou paralítica gradativamente aprofundados após tomar um tiro num campus à medida que ela prossegue dessa mesma faculdade. Felipe e ganha complexidade. Em se inspira nessas histórias paralelo, o autor propõe uma para criar seus personagens e riquíssima viagem pelas situações. O padeiro vira Lucas, entranhas do Rio de Janeiro e analfabeto que personifica a seus absurdos. Conhecemos falência do ensino no país. os paradoxos estruturais e Luciana vira Adriana, estudante ideológicos da educação de farmácia baleada por Lucas mercantilista de nível superior, após descer a favela e tentar se esconder que após 30 anos gozando de isenção fiscal na faculdade onde estuda, com um estranho filantrópica, resolve abrir capital no mercado manuscrito em mãos. Fatos se fundem para de ações sem compensar o contribuinte que gerar uma história; ficção, mas também financiou esse crescimento. Compreendemos 7


a mentalidade de gestores, diretores, professores, doutores, deixamos o universo acadêmico, entramos na favela, testemunhamos relações de cumplicidade entre as classes alta, média e baixa, tão distantes e, ainda assim, entrelaçadas em círculos viciosos onde cada um sabe seu lugar e seu papel. A imprensa também dá as caras na figura de Nicole, repórter que sabe mexer os pauzinhos e molhar a mão de quem precisa para conseguir seus furos. “O Analfabeto que Passou no Vestibular” é uma história de crime, de corrupção, de polícia, milícias, traficantes, riqueza, pobreza, narcisismo, clientelismo, romance, ignorância e ignorância erudita, realismo ilógico, quase inverossímil, como só o cotidiano fluminense propicia. Amantes da sedução pela palavra, de enredos ágeis que sabem ser densos e ricos sem pesar, que prendem o leitor desde as primeiras páginas, mantendo-o ávido pelo capítulo seguinte até o fim, não se decepcionarão

com este livro, cheio de reviravoltas. O Analfabeto que Passou no Vestibular prova que é possível sim escrever tramas ricas e complexas com dinâmica de um bom Best Seller. O segundo romance de Felipe saiu este ano, “O Marido Perfeito Mora ao Lado”, enfatizando questões de relacionamento amoroso e vida conjugal pelas lentes da psicanálise. Mas esse assunto fica para outra edição, como também a iniciativa do Grupo Silvestre, formado por dez escritores de nome que almejam expandir a literatura ficcional de entretenimento no Brasil e refutar a imagem de que livros bons, instrutivos e de conteúdo não podem ser feitos com enredos ágeis, leves e divertidos para um público

amplo. Os quatro primeiros capítulos de “O Analfabeto que Passou no Vestibular” estão disponíveis em PDF no seguinte endereço eletrônico:

http://www.felipepena.com/ download/intro_oanalfabeto.pdf

ENTREVISTA

Ronaldo Luiz Souza

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Formado em Administração e Pós Graduado em Direito, trabalha na área jurídica, mas possui desde a mais tenra infância paixão por livros e literatura. Escritor e Contista, publicou até o momento duas dezenas contos em vários livros (antologias) lançados por diversas editoras nacionais, sobre os mais variados temas: do Drama ao Romance, da Fantasia à Ficção Científica, do Suspense ao Terror e até mesmo Contos Policiais. Sua mais recente conquista foi a realidade de um sonho almejado por todo escritor: A publicação de um romance; Raizes e Asas. A Lit! traz sua história em uma entrevista sobre o rigoroso trajeto de um escritor rumo à publicação de sua obra.


Lit!: O livro “Raizes e Asas” é sua primeira publicação? Ronaldo: É minha primeira publicação solo embora eu já tenha participado de várias outras antologias com contos. Lit!: Como você começou a escrever? Ronaldo: Comecei a escrever desde a infância, escrevendo uma coisa ou outra, mas sempre perdia meus escritos. Mas a partir da adolescência eu comecei a escrever de fato e fazer um material pra publicação posterior. Lit!: Que dificuldades você encontrou pra publicar seu primeiro romance? Ronaldo: Encontrei muitas. Como eu nunca havia publicado e não conhecia o mercado editorial eu fui ingênuo achando que seria logo aceito por uma grande editora, o que de fato dificilmente acontece com um novo autor no Brasil. Essa foi minha primeira decepção. Mas quando fui conhecendo o mercado dediquei tempo pra conhecer as editoras até que consegui encontrar uma editora que valorizasse meu trabalho. Lit!: Segundo a experiência que obteve até a publicação do seu romance, que tipo de editora um autor iniciante deve procurar? Que critério de seleção ele deve utilizar pra buscar uma editora que publique seu trabalho? Ronaldo: Em primeiro lugar ele deve trabalhar seu original o máximo possível pra apresentar um bom trabalho pras editoras. Depois ele deve procurar editoras que já publicam o tipo de material que ele produziu. Se ele escreveu uma ficção científica não adianta procurar uma editora que trabalha com livros didáticos, por exemplo. Lit!: É muito caro publicar um livro? É preciso acumular um capital, reservar um valor pra isso?

Ronaldo: Existem muitas possibilidades hoje no Mercado co relação à edição de livros. Há editoras por demanda onde se pode publicar um pequeno número de exemplares com um valor menor, mas o autor fica responsável pela divulgação e distribuição da obra. Então depende muito de como o autor vai efetuar o contrato com a editora escolhida. Lit!: Como tem sido a divulgação do seu livro depois do lançamento? Ronaldo: Tenho feito muita divulgação por e-mails, blogs, através da internet em geral, com resenhas e afins. Tenho usado também a mídia em geral como jornal, rádio... Lit! Tem tido o retorno que você esperava? Ronaldo: Em dois meses de lançamento houve um retorno esperado do livro ser aceito no Mercado. Mas como um novo autor é sempre ansioso por uma vendagem muito grande, o que seria a realização máxima da obra, isso ainda não aconteceu de uma maneira exorbitante. Mas tem sido um crescente. Vendo uma quantidade de liros hoje, as pessoas passam a ler, a gostar e a indicar o livro e outras pessoas passam a indicar também. Isso é que é importante. Essa propaganda boca a boca pra levar até o esgotamento da primeira edição do livro. Lit!: Que conselhos você deixa pros novos autores que sonham publicar seus livros? Ronaldo: Que evitem a ansiedade que é um grande mau de todo escritor. Querem ver seu livro publicado pra ontem. Mas o mercado editorial não funciona assim. Eles recebem o original, é preciso aguardar a resposta da editora... E procura fazer contatos, conhecer pessoas da área, conversar bastante sobre a experiência de outros autores. Isso tudo ajuda a fazer um formar mental de como funciona o mercado editorial.

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O Novo “Pequeno Príncipe” Já ouviu aquela música internacional que você tanto ama e que talvez tenha marcado algum momento de sua vida, ser destruída numa péssima versão por uma ‘bandinha’ qualquer? Então talvez esta matéria lhe soe bem familiar. Antoine de Saint-Exupéry. Talvez o caro leitor não se recorde deste nome. Mas

certamente “O Pequeno Príncipe” embute um tom muito mais memorável. Ao menos por enquanto. Em breve o eterno personagem de Saint-Exupéry despirá de sua clássica personalidade e identidade para encarnar um conceito mais... moderno. Esta é a justificativa dos sobrinhos do escritor para alterar completamente o Príncipe como conhecemos e apresentamos para nossas crianças. Noticiado em todo o mundo há poucos dias, para “competir com os atuais e dinâmicos heróis, liderados por Harry Potter, uma superprodução de animação [será] criada para a televisão, [que] promete dar ao pequeno e curioso personagem um ar mais moderno.” O que implicará neste “ar mais moderno”? Segundo a parisiense EFE, “O Pequeno Príncipe enfrentará monstros imaginários que combaterá com espada em múltiplas batalhas. Uma verdadeira revolução no personagem, desde seu “look”, mais próximo da adolescência que da infância, até o seu companheiro, a raposa que aparece no livro de Saint-Exupéry, mas que no desenho animado será seu “alter ego” cômico.” (pausa para reflexão). Pode ouvir seus sonhos infantis estilhaçando-se ante o avanço iminente da impiedosa maquina da (r)evolução? A pergunta que muitos farão é: “Isto era realmente necessário?”. Os autores da mudança defendem-se com o argumento de que “para que os valores universais do protagonista cheguem às novas gerações é necessário adaptá-lo aos tempos atuais. Caso contrário, ele ficará apagado diante dos novos heróis da literatura e condenado a ser uma obra cult mais conhecida pelos adultos do que pelas crianças.” Particularmente concordo sobre a necessidade de atualização. Mas estamos falando aqui sobre uma reformulação completa! “Queríamos que “O Pequeno Príncipe” tivesse olhos grandes, como os personagens do mangá e, por que não, vê-lo lutar ou fazer kung fu...”, explica Olivier d’Agay, sobrinho-neto do escritor e presidente da empresa que administra seu legado. O fato é que, ao que tudo indica, do amável, inocente e cativante Pequeno Príncipe restarão apenas o nome e as agradáveis lembranças da nossa avó lendo suas estórias na beira da cama, preparando-nos para nossas viagens vertiginosas na cauda de um cometa. Ao menos consola-nos saber que Antoine de Saint-Exupéry não viveu o suficiente para presenciar a ‘desconstrução’ de sua obra prima. Portanto, caro leitor. Quando pensar em uma criar uma releitura (quer seja de uma música, filme ou um inocente personagem de livro infantil) pense duas vezes. A infâmia não cai bem para os clássicos. FikDik

Os Diários de Carrie

(The Carrie Diaries) Candace Bushnell. Resenha por Maria Clara Bruno

Esse livro é o que eu chamo de “Livro Complementar”. Sabe quando você lê alguma estória e a(o) respectiva(o) autora(o) publica um livro, sobre a estória de um único personagem não narrado na série/livro? É esse o caso deste livro! Bom, todo mundo já ouviu falar de Sex and The City, todas as mulheres do mundo (eu acho), morrem de amores pelo guarda-roupa da Carrie Bradshaw, e devido a isso, Candace Bushnell resolveu narrar a adolescência da protagonista: Carrie Bradshaw. Não existe um livro que melhor se encaixe no tema proposto por ele, a famosa chicklit (traduzida vulgarmente como “literatura de mulherzinha”). Candace consegue fazer você sentir as mesmas coisas que Carrie sente, passar os mesmos dramas e você sabe que já passou pelas mesmas coisas. Eu nunca me diverti tanto com um livro em toda a minha vida, não que eu me lembre. Se você já leu Sex and the City (Sexo e a Cidade), sugiro que releia após Os Diários de Carrie. Se você não leu, leia como se fosse uma série. É um livro muito interessante, para quem gosta de moda, ou de romances no estilo água com açúcar. E se você não tem autor(a) preferido(a), sugiro que leia TODOS os livros escritos pela CB e a escolha como sua autora predileta. Ela é uma das únicas autoras que eu conheço, que escreve livros para mulheres adultas (não me interpretem mal) e faz isso de modo adulto, sarcástico e engraçado. Mas, bastante sério. E esse livro, não fica de fora da lista. Tanto é, que é o livro mais vendido (atualmente) do NY Times, com um pouco mais de uma semana de vendas. Candace Bushnell realmente sabe escrever!

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“O Fantasma da Ópera” de Gaston Leroux

Resenha por Gabriela Alkimin

“O Fantasma da Ópera” foi o romance que imortalizou o escritor francês Gaston

Leroux. Publicado originalmente em 1911, serviu de inspiração para diversas adaptações teatrais e cinematográficas, tendo dado musical da Broadway, que quebrou o recorde de permanência em cartaz. A adaptação mais recente da história é o filme de 2004, mesma época em que o musical veio para São Paulo, ficando em cartaz durante três anos. Instigado pela tragédia que envolveu os irmãos Philippe e Raoul de Chagny, o narrador da história procura desvendar a relação entre eles e a cantora Christine Daaé. Ele acreditava que todos esses fatos estariam relacionados à existência do Fantasma da Ópera, uma mítica criatura que habitava os subsolos da Ópera de Paris e a quem se atribuíam diversos acidentes. No meio da sua investigação, o narrador descobre alguns fatos curiosos, como as exigências do Fantasma aos diretores da Ópera: um generoso salário e a reserva, em todas as

apresentações, do camarote número 5. Durante uma envolvente busca para decifrar o enigma do Fantasma da Ópera, o autor nos convida a mergulhar nos segredos que rondavam a Ópera de Paris: as tentativas atrapalhadas dos novos diretores em desmascarar o Fantasma, a relação da cantora em ascensão com o “Anjo da Música”, misteriosa voz que lhe dava aulas de canto, e a história de amor entre Raoul e Christine, amigos de infância que tiveram seus caminhos separados. Baseando-se em sua experiência com o jornalismo, Leroux constrói seu romance de modo que os elementos da realidade e da ficção se misturem. O autor, que visitou os subsolos da Ópera de Paris, inspira-se em um cenário real: o lago subterrâneo, tão importante na história, realmente existiu. Outro fato de que ele se utiliza é o famoso acidente ocorrido com o lustre da Ópera durante uma apresentação em 1896, tornando mais interessante a lenda por ele narrada. Gaston Leroux constrói uma grande apuração fictícia para a história que ele criou. Em vários momentos, há referências a arquivos da Ópera e aos dados do processo judicial sobre o destino dos irmãos Chagny a que o narrador teve acesso, bem como informações retiradas dos depoimentos de importantes personagens, como o depoimento do Persa, misteriosa e decisiva personagem do romance. A cada nova pista, a curiosidade do leitor é aguçada, convidando-o a descobrir o desfecho dessa grande investigação. Trata-se de uma leitura cativante, recheada de mistério, romance e terror. Ficha Técnica: Título Original: Le fantôme de l’opéra Autor: Gaston Leroux Tradução: Lúcia Marengo Bandeira de Mello Machado Editora: Ediouro Ano: 2005 Número de Páginas: 254 Preço: 56,90 (www.saraiva.com.br) 13


“Todo mundo que vale a pena conhecer” de Lauren Weisberger Resenha por Débora Rezende

Se a sua única obrigação de trabalho é se divertir na noite de Nova York, então você é uma pessoa de sorte. Para Bettina Robinson, que passava os dias em seu cubículo no

Banco de Investimentos, aguentando as enervantes frases do dia-a-dia do seu mais enervante ainda chefe, esse parece ser o paraíso. Dividida entre a bombástica notícia de sua melhor amiga se casando com o cara totalmente errado, a adorável depressão pós-desemprego e ocasionais brigas com seguranças de boate, Bette não faz a mínima ideia de como acabou sendo a nova garota da Kelly & Company e tendo um namoro de aparências com o cara mais cobiçado da cidade. Lauren Weisberger, autora do best seller “O diabo veste Prada”, traz ao público a lista de todo mundo que vale a pena conhecer. No seu novo romance, Weisberger mostra ao leitor que nem mesmo um banco de dados com os 35 mil nomes das pessoas mais descoladas e importantes da cidade de Nova York é capaz de fazer você feliz. Quando Bette se 14

vê obrigada a cancelar compromissos, como o jantar de noivado de sua melhor amiga e os drinques de quinta com seu tio gay, em favor de festas com seu namorado que parece ter sérios problemas sexuais, até mesmo sua cadela hipoalergênica parece perceber que tem algo errado. Decepcionando todas as pessoas que ama, Bette vai sentir na pele que conviver com as pessoas mais descoladas e ricas pode não ser a maneira certa de levar a vida. E, ainda que seu falso namorado pareça ser o ponto chave para o sucesso da sua carreira, isso pode abalar seriamente o que parece ser a única chance de conhecer o homem dos seus sonhos. Em “Todo mundo que vale a pena conhecer”, o leitor se depara com uma das questões mais polêmicas na vida de toda pessoa: como estipular suas prioridades. Amigos, família, trabalho ou romance? Esse parece ser somente o topo da lista de setores com os quais quase todo ser humano tem que lidar hoje. Atarefados, temos que nos subdividir entre fazer as compras do mês, pegar o filho no colégio e cumprir uma carga horária cada vez maior. Desse jeito, nem mesmo Bette Robinson é capaz de conciliar tudo. Sua agitada rotina de trabalho ou as tentativas de fazer sua melhor amiga não se mudar para o outro lado do país? Vendo a festa que pode consagrar sua carreira como relações públicas, seu verdadeiro amor e sua amizade de anos irem por água abaixo, Bettina só vê uma saída para fazer sua vida voltar a ter um mínimo de razão. Mas qual seria ela? Ficha Técnica: Título Original: Everyone Worth Knowing Autora: Lauren Weisberger Tradutora: Fabiana Colasanti Editora: Record Ano: 2007 Número de páginas: 496 Preço: R$ 44,90 (www.americanas.com.br)


“Os Espiões”

de Luís Fernando Verissimo Resenha por Isabel Rodriguez

Luis Fernando Verissimo é, sem dúvidas, um dos mais importantes representantes da literatura brasileira atual. Seu novo livro, o romance “Os Espiões”, não decepciona os fãs do estilo único do escritor, consagrado principalmente em crônicas de comédia, publicadas em diversos jornais. O protagonista da história, que parodia as típicas narrativas de detetive, é o funcionário responsável por selecionar quais textos devem ou não ser publicados em uma pequena editora. Desiludido com a mediocridade de seu trabalho e com o seu casamento, alcoólatra e mal-humorado, ele vê sua vida mudar ao receber um manuscrito incompleto, assinado por uma tal Ariadne. Ao final da narrativa de seu caso secreto de amor com fim trágico, a autora promete cometer suicídio. Inesperadamente cativado pelo texto mal-escrito, nosso editor monta uma improvável equipe de espionagem com seus parceiros de bebedeira e viaja para a pequena cidade em que a moça vive, disposto a desvendar os mis-

térios que envolvem Ariadne, numa inversão do mito grego: enquanto a Ariadne original ajuda Teseu a escapar do labirinto do Minotauro, guiando-o com um fio, a personagem criada por Veríssimo arrasta os espiões labirinto adentro, levando-os para uma jornada sem qualquer certeza de volta. O enredo desenvolve-se misturando comédia e drama, retratando os tropeços e acertos do insólito grupo de amigos na tarefa de esclarecer o passado de Ariadne e, ao mesmo tempo, salvá-la de seu trágico destino. O leitor acaba tão enfeitiçado quanto eles, preso na mesma teia de fascinação e curiosidade que os protagonistas, mais cheios de indagações a cada descoberta e a cada novo trecho de manuscrito recebido. Assim, “Os Espiões” mostra-se como uma grande homenagem à literatura e ao poder que só uma boa história tem de envolver e cativar as pessoas. O desfecho é um pouco abrupto e poderia ter sido mais bem desenvolvido, mas a qualidade da narrativa não é realmente prejudicada por isso. O livro é cativante e não perde o fôlego em momento algum, sendo indicado para aqueles que gostam de histórias de detetive, de humor ou simplesmente de uma leitura de qualidade e prazerosa, além, é claro, dos fãs do estilo característico de Verissimo. Ficha Técnica: Título Original: Os Espiões Autor: Luís Fernando Veríssimo Editora: Objetiva/Alfaguara Ano: 2009 Número de Páginas: 142 Preço: R$31,90 (www.livrariacultura.com.br)

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Por Sheila Vieira

Se o mundo dá voltas, mais ainda gira o planeta das artes. Um reverendo inglês do século XIX criou a história que levou muita gente no mundo todo (incluindo você, leitor, muito provavelmente) aos cinemas em abril. Ele se chama Charles Lutwidge Dodgson (1832-1898), mas o conhecemos como Lewis

Carroll, autor de “Alice no país das maravilhas” (1865) e “Através do espelho” (1871), as duas obras que inspiraram o filme de Tim Burton. O diretor de “Sweeney Todd”, “Edward Mãos de Tesoura” e outras fantasias excêntricas uniu-se à Disney para levar às telas uma das histórias mais marcantes do Surrealismo. Absurdo, imaginação, descobertas e sonhos misturam-se, sem muito sentido, na vida de Alice. Um conto sobre a adolescência, que tornou-se, nas mãos do cineasta, uma fábula sobre as escolhas de uma jovem mulher. Provavelmente, a independência feminina não era uma mensagem que Carroll queria passar em sua narrativa. Há boatos de que o autor era pedófilo, na verdade. Porém, hoje em dia, Alice é sinônimo da fuga de garotas de uma realidade que as aprisiona. A influência estende-se até a

televisão brasileira. Uma série da HBO, que conta as aventuras de uma jovem descobrindo São Paulo, chama-se... “Alice”, claro! A cena do filme de Burton, na qual Alice (Mia Wasikowska) tem que decidir entre seguir o coelho branco ou aceitar um pedido de casamento é uma eficiente metáfora sobre o dilema feminino em optar por estabilidade ou liberdade. O filme mistura elementos de “País das Maravilhas” e “Através do Espelho”, mas não se trata de um desrespeito ao enredo original. Os próprios livros de Carroll eram cheios de elementos desconexos, como charadas, jogos e figuras de linguagem. Vale lembrar que o autor era matemático. Durante o lançamento do filme, Tim Burton disse ao site IG que “outros filmes de Alice sempre eram apenas uma garota vagueando passivamente com um monte de personagens estranhos. Tentamos tramar uma história que tenha emoção e faça sentido”. Vamos então relembrar as várias adaptações para as telas do clássico.

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Em termos de bilheteria, “Alice no País das Maravilhas”, de Tim Burton, foi um dos maiores sucessos do ano. Quase atingiu a marca de US$ 1 bilhão de arrecadação. Porém, o comentário geral entre crítica e público, foi de que o filme entregou menos do que prometia.

te era fazer uma paródia das rainhas bondosas, caridosas e inofensivas. O problema é que Hathaway tem exatamente essas três características. Ao tentar fazer uma caricatura de si mesma, o lado cômico desaparece.

Mia Wasikowska, a australiana de 20 anos que dá vida a Alice, é correta e parece mais real do que as bonecas perfeitinhas que víamos A expectativa era por nos desenhos da conta da parceria entre Tim Disney. Burton e o ator Johnny Depp, Para compensar que já dura 20 anos. A junção de um visual moderno, uma a atriz desconhecida, história maluca e um intérpre- Burton chamou diversos te que é pop e cult ao mesmo atores britânicos mais tempo funcionou em filmes famosos, que fazem como “A Fantástica Fábri- parte dos filmes de Potter: Alan ca de Chocolate” e “Edward Harry Rickman, Timothy Spall, Mãos de Tesoura”. Mas parece que a fórmula não se Frances de la Tour e a adaptou à história de Lewis melhor performance do filme: Helena BonhamCarroll. Carter como a Rainha Faltaram na Alice de Vermelha. A esposa de Tim Burton encontra o tom certo da 2010 algumas marcas auto- caricatura e cria uma vilã divertida. rais de Burton. A excentricidaO resultado geral é bonito visualmente, principalmente de, as referências ao univerpelo recurso do 3D, mas insuficiente em termos de emoção. so adulto aparecem de forma desconfortável e forçada. O A jornada de Alice nos reinos é apresentada de forma muito ponto baixo do filme, curiosa- rápida. Não há um componente emocional forte nesse filme, mente, é Johnny Depp. O di- como há em outro Burton, “Peixe Grande”. Alice já foi mosretor escolheu um dos perso- trada tantas vezes, que sua mágica pode ter se dissipado em nagens secundários do livro, algum momento. o Chapeleiro, e deu a ele uma dimensão muito maior para que Depp esbanjasse sua Casablanca (1942) atuação mais comum: um Direção: Michael Curtiz cara estranho e nonsense. Autores do livro: Murray Burnett e Joan Alison. Não há nenhuma diferença As estrelas: Humphrey Bogart e Ingrid Bergman. Sinopse: cidadãos europeus enfrentam diversos obstáculos ao tentar para sua performance como fugir da ocupação nazista. Willy Wonka, em ‘Fantástica Fábrica’, por exemplo. O Iluminado (1980)

Para alugar

Outra atuação que prejudica o filme é a de Anne Hathaway, como a Rainha Branca. A proposta claramen-

Direção: Stanley Kubrick. Autor do livro: Stephen King A estrela: Jack Nicholson Sinopse: filho de um casal preso em um hotel descobre ser capaz de prever acontecimentos.

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empreendido esforços incalculáveis para a promoção da literatura em nosso país. A Bienal do livro, sem dúvida, está entre seus maiores e mais bem-sucedidos empenhos, prova disso é o crescente sucesso refletido nos exorbitantes números ultrapassados em expressivo marco a cada nova edição. Para atingir esta meta, em 2010 foi preparada uma grande recepção no Parque Anhembi, onde 350 mil expositores, representando 900 selos do Brasil e do exterior, dividiram-se entre os 60 mil metros muito bem elaborados. Foram O frio não intimidou os visitantes focados quatro temas principais, dois deles homenageando grandes nomes da nossa anos - ela já está ficando mocinha. literatura: Monteiro Lobato e Clarisse Lispector. E, em seu 21º aniversário, recebeu Lusofonia e Livro Digital fecharam as temáticas mais de 700 mil visitantes! Se você centrais do evento. Além da temática central ficou de fora deste inigualável evento, desfrute e, obviamente, os expositores em seus stands o nosso tour literário através dos destaques editoriais, contamos com 13 espaços muito da Bienal do Livro de São Paulo 2010. Se bem representados: Salão de Ideias, Território esteve presente em pelo menos um dos 11 Livre, Palco Literário, Cozinhando com as dias, confira se Palavras, Espaço perdeu alguma d o P r o f e s s o r, “...“Transformar o Brasil num dentre as tantas O Livro é uma iniciativas país de leitores”. Esta é a meta Viagem, Fábulas interessantes c o m a Tu r m a prioritária da CBL...” do evento. da Mônica, Além deste Exposição artigo especial Monteiro Lobato, sobre os grandes destaques da Bienal, Espaços Digitais, Espaço da Lusofonia, Sesc, também teremos links em muitas das seções Biblioteca do Bebê e Exploração Discovery desta revista, relacionando os eventos às Kids. O conjunto destes espaços tornou o seções literárias. Então curta, sob nossa visão, evento completo para todas as idades, gêneros cada momento do maior evento editorial da e gostos. Vamos agora ressaltar os principais América latina – terceiro maior do mundo! eventos de alguns destes concorridíssimos espaços!

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A Meta e os números

“Transformar o Brasil num país de leitores”. Esta é a meta prioritária da CBL, a Câmara Brasileira do Livro, realizadora do evento há mais de 40 anos, mesma meta que influenciou a criação desta revista e impulsiona seus idealizadores. Para atingí-la, a CBL tem 22

Os Espaços e seus ocupantes É irônico dizer que nos faltaria espaço para detalhar tudo o que aconteceu de mais interessante nos espaços literários da Bienal. Cada espaço, com seus ilustríssimos convidados, transmitiu-nos seus conceitos temáticos.


O salão de Ideias, espaço também dedicado à ilustre Clarice Lispector, tinha por objetivo maior uma troca de ideias entre escritores, artistas e demais convidados e o público

“Eu vou estar no meio de um livro quando me enterrarem.” - j, Boyne

visitante. Do Zé do Caixão ao John Boyne (escritor de “O Menino do Pijama Listrado”), o público teve a oportunidade de ouvir histórias interessantes, conhecer melhor o trabalho dos convidados e até mesmo fazer perguntas sobre as obras e seus criadores. Um dos pontos altos do Salão de ideias, sem dúvida, foi o encontro entre o já citado John Boyner e o escritor de “O mundo de Sofia”, Jostein Gaarder. O processo de criação, a moral das estórias e a ambientação dos seus livros em nosso universo foram alguns dos tópicos que nortearam o encontro que contou,

inclusive, com dicas para os novos escritores. Quando perguntado por um ouvinte da platéia sobre a inspiração para escrever “O menino do pijama listrado”, Boyner disse ter sido “uma boa idéia explorada de forma interessante. Ninguém escreveu sobre o holocausto da perspectiva de um garoto alemão”, continuou. “Ele é tão inocente quanto qualquer outro ali”. Revelou também o nobre objetivo de sua obra: “...para o mundo começar a prestar atenção ao genocídio que acontece ao nosso redor... nas escolas, por exemplo.” Inegável a sensibilidade tocante transmitida em seu romance, fazer esta sensibilidade transpor as páginas escritas e tocar as gerações cada vez mais agressivas é um feito inédito almejado não apenas pelo autor. Bem à vontade sob os olhares dos espectadores que lotaram o salão, Boyner ainda confessou ser “completamente viciado na internet” e, ao responder sobre uma possível aposentadoria, ele sorriu afirmando acreditar que nunca pararia de escrever: “Eu vou estar no meio de um livro quando me enterrarem” - comentou lembrando uma conversa com seu pai sobre pensar no futuro e no final da carreira. O público estampava um sorriso de satisfação por receber um autor que esbanjava bom humor e simpatia, atitude digna de quem acredita na mudança mundial. Com seus gestos bruscos e seu alto e imperativo tom de voz, típicos de um energético professor, Jostein Gaarder manteve a conversa empolgante e humorada. Falando sobre sua metodologia criativa, disse se sentir “burro sentado diante de um computador. E mais burro ainda sentado com uma taça de vinho.” Contou que, antes de se sentar para escrever de fato a estória, ele precisava caminhar para criá-la e concluiu revelando sua fórmula secreta: “Preciso fazer meu corpo se mexer para minha cabeça se mexer. Este é meu segredo.” O Salão de Ideias ainda recebeu outros participantes muito interessantes. Honrando 23


o espaço que ocuparam, o auditório Clarice o primeiro livro que leu. Formando um jovem Lispector, o biógrafo americano da memorável leitor, disse ler regularmente para seu filho e escritora e a atriz Beth Goulart, intérprete de citou, inclusive, um episódio no qual o pequeno Clarice nos palcos, falaram da polêmica e Miguel, aos 03 anos de idade, folheava um livro recitando inegavelmente a história. O pai genial escritora surpreendeu-se e da visão de achando que o Goulart ao pengaroto estava etrar no univerlendo quando, so lispectoriano. na verdade, ele Foi o Salão de havia decorado a Ideias que tamhistória de tanto bém recebeu que Stelmann João Marques lia para ele. “A Lopes, Miguel literatura vem Gonçalvez do incentivo dos Mendes e Luiz pais”, comentou. Schwarcz, o bióEla, sem dúvida, grafo, o editor A intensidade de Jostein Gaarder reconhece a do documenimportância de tário e o editor fortalecer os de José Saramago. Foram apresentados os dois trail- ideais literários desde o berço e está fazendo ers do até então inédito e muito aguardado a parte dela. Cozinhando com as Palavras fez documentário acerca do saudoso escritor. Outro espaço bastante disputado foi o Palco saborosa estréia na Bienal, no Espaço Gourmet. Literário, talvez pela presença de muitos fa- A inovação de reunir literatura e boa cozinha mosos entre os convidados. Durante os dias trouxe um novo sentido à conhecida expressão do evento, revezaram-se no Palco as atrizes “sopa de letrinhas”. O público sentava-se numa Regina Duarte, Nívea Stelmann, Rosane Goff- “arquibancada” ao redor de uma cozinha onde man, Bianca Rinaldi, os atores Paulo Goulart, chefs e autores de livros dividiam espaços Sérgio Marone, Wagner Santisteban, Carmo e receitas, além de promover aulas práticas de La Vecchia e até mesmo o editor-chefe e e debates sobre boa cozinha e literatura. O público pôde se deliciar com o melhor da apresentador do Fantástico, Zeca Camargo. Com este elenco, é possível entender literatura e de receitas especiais, contando a competição ferrenha em enormes filas para inclusive com chefs que se aventuraram adentrar o espaço. A atriz Nívea Stelmann, pelo universo da escrita. Foi o caso do chef por exemplo, retribuiu o carinho do público Vitor Sobral, escritor do “À mesa com Eça de com sua expressiva simpatia - por diversas Queiroz”, que além de participar do bate-papo, vezes, entre flashes e sorrisos, desceu do pôs as mãos na massa apresentando uma palco para receber presentes e tirar fotos com aula-show baseada nas receitas do seu livro. alguns dos que tiveram a oportunidade de fazer Deste espaço, sem dúvida, mereceu destaque perguntas. Nívea falou sobre a importância da o encontro entre Rubens Ewald Filho, crítico leitura e contou que “O Pequeno Príncipe” foi de cinema sempre visto nas apresentações do 24


selecionado de “O tempero da vida”, filme autobiográfico do turco Tassos Boulmetis, os dois se revezavam entre as áreas que dominavam, flutuando entre pratos e filmes de forma graciosa. Ficou evidente a intrínseca natureza cinematográfica de Rubem em seus comentários sobre os filmes em contraparte aos comentários culinários de Milu. O tempero dela completava as sinopses de Rubem, dando o tom correto na temática do Espaço. A interatividade cultural foi promovida em oficinas no Estande do Sesc, enquanto as crianças tiveram seu espaço e diversão garantidos em locais como “Exploração Discovery Kids”, “Fábulas com a Turma da Mônica” e “O livro é uma viagem”, este último decorado de “A leitura vem do incentivo dos pais.” - Nívea Stelmann forma irresistível para qualquer criança. O cenário no livro, cada um com sua iguaria, dentre os quais aparece fazia brilhar os olhos dos mais novos e não a receita da moqueca de siri mole de “Dona deixava de encantar muito marmanjo, com Flor e seus dois maridos”. Foram selecionados um livro gigante, uma versão do globo no 20 chefs estrelados para executarem com chão, barcos, telescópio e contadores de perfeição os pratos cinematográficos e as estórias trajados á caráter. Não havia quem, mesmo que por curiosidade, deixasse de oureceitas podem ser conferidas no livro. Rubem e Milu se completam durante sar ao menos entrar e observar um cenário a apresentação, entre os trechos dos filmes preparado como que para despertar nossas e enquanto os chefs preparavam um prato adormecidas crianças interior. Oscar, e a jornalista Nilu Lebert. Destaque maior ainda merece o lançamento do livro “O cinema vai à mesa”, escrito á quatro mãos pelos jornalistas citados. Durante deliciosa palestra, os autores apresentaram trechos de alguns dos 27 filmes (ou “food films”) citados

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Livros x E-readers De um lado, o “Espaços Digitais” da Imprensa Oficial de São Paulo dava o que pensar na intensa era cada vez mais digital em que vivemos. Um estande digital inteiramente wi-fi com cerca de 50 e-readers de acesso livre nos fazia questionar o futuro da literatura tradicional quando as novas tendências digitais ganham cada vez mais espaço. Deste nebuloso futuro que nos espreita á surdina e rosna destemido aos editores de plantão, ainda não sabemos exatamente o que esperar. O fato é que os livros digitais ganham cada vez mais espaço enquanto os e-readers se tornam mais acessíveis. Ouvimos os dois lados do “ringue” durante a feira, mesmo sem absoluta certeza, cada um ensaiou sua posição dedutiva. Tomaz, editor da Usina de Letras, se mostrou bastante otimista quanto à possível substituição dos livros tradicionais, disse não temer esta substituição à curto prazo e apresentou seus motivos: “Primeiro por que ...hoje as máquinas são muito caras. Ninguém gosta de ler no computador. Quando os preços baixarem vai ser um produto adicional.” Tomaz ressaltou os possíveis benefícios desta nova união tecnológica: “Pras crianças com livros acadêmicos vai realmente fazer uma diferença não carregar livros pra escola. O prazer de ler em papel hoje ainda é muito forte entre as pessoas que compram livros e ainda vão comprar por algumas décadas.” Na opinião de Tomaz, as crianças que nascem na era digital é que vão estar mais adaptadas a leitura digital. Quanto à sugestiva “rixa”, ele foi incisivo na afirmativa trégua de interatividade: “O livro vai conviver com o e-book como um produto adicional.” E continuou: “Assim como o áudio-livro, será mais uma opção para o leitor.” Mas, como preparação, ele afirma que a Usina está se adaptando á era digital e já tem “acordos com os players que vão dominar o mercado. Quero que eles vendam meu produto como um adicional. Não vou investir na tecnologia. Não é o meu foco.” - revelou o editor. “Meu foco é publicar livros de bons autores e trabalhar eles a longo passo independente se vai ser vendido em papel ou digital. O trabalho do editor não acaba. Só muda a forma como o autor é lido.” 26


E parece que o otimismo vem contagiando as editoras, como é também o caso da Editora Multifoco. Frodo, seu editor, compartilha da crença de que a leitura digital surge como aliada dos livros como conhecemos: “Os livros tradicionais terão a ajuda dos e-books.”. Comprovando essa aliança, onde a própria editora se adapta ao Universo digital, ele diz que “a editora Multifoco já vem há algum tempo pensando uma forma de disponibilizar o download no site.” ele afirma que, para a editora, seria muito fácil adentrar nesta tecnologia. “Nosso livro nasce digital, pois ele é enviado pra gráfica em PDF. Seria muito mais fácil disponibilizá-lo dessa forma.” Segundo ele, o problema é a falta de regras governamentais de proteção aos direitos editoriais: “Dessa forma ficamos muito suscetíveis ao ataque de Hackers”- um grande problema a ser resolvido antes de qualquer decisão. Mesmo assim, Frodo acredita que haverá uma harmonia complementar entre estes dois tipos de literatura, mas afirma que “as Editoras que não se adaptarem a este tipo de literatura evolutiva tendem a perder público e falir.”. Desempolgado com a aparente frustração do empolgante confronto Livros tradicionais VS Livros digitais, tentei instigar o suposto rival ao duelo e procurei o lugar mais apropriado para estas dissoluções na Bienal: O Espaço Digital. Diretamente no ‘covil’ do inimigo, encontrei Paula, a coordenadora do Espaço. Sobre a iminente ameaça digital, sua opinião foi a de que os livros digitais não vêm para substituir o impresso em papel: “Muita gente ainda gosta do livro de papel, a Imprensa Oficial (promotora do Espaço Digital) tem o

selo, os livros físicos também.”. Pontuou: “Acho que o livro digital agrega, não substitui.” Em resumo, a expectativa de um confronto épico numa batalha esplendorosa foi dramaticamente frustrada, parece que os ditos rivais deram as mãos e decidiram se tornar parceiros. Brincadeiras á parte, ficamos muito felizes (e os editores, aliviados) em saber que os livros digitais surgem para complementar nossa fome de saber. Afinal, enquanto á noite, sentado em sua lareira ou deitado em sua confortável cama, se terá à disposição o bom e velho livro impresso e a possibilidade de sentir a textura das páginas e o incomparável cheiro do papel, durante o dia, a caminho do trabalho ou numa longa viagem, se terá a praticidade de continuar sua leitura num levíssimo e-reader, compactando o que seria uma pilha de livros e poupando um enorme peso e espaço. A luta entre os livros tradicionais e os e-readers ficou no zero a zero, mas, evidentemente, somos nós, os leitores, que acabamos levando a melhor nessa história. Além de todas estas incríveis maravilhas especialmente reparadas, ainda tivemos os diversos estantes onde cada editor e organizador contribuiu com sua imensa diversidade de livros, lançamentos surpreendentes, palestras, mesas de debate. As praças de alimentação com música ao vivo. E mais tantos eventos simultâneos neste universo tão rico, que se torna impossível expressar em palavras errantes a imensidão deste projeto. O que fica evidentemente claro, acima de tudo, é que a cada evento organizado é reafirmado e transparece em tantas letras porque a Bienal do Livro é o maior evento editorial da América Latina!

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VALOR LITERÁRIO: OS CLÁSSICOS E AS LEITURAS por Leia Lee

Todo mundo já ouviu falar em livros clássicos, o adjetivo, aliás, geralmente aparece acompanhando o nome de algum autor ou obra: “Machado é um clássico” ou “A Odisséia é um clássico”. A partir destas afirmações, forma-se um tipo de “pressão social”, ter lido determinados livros considerados como clássicos é uma obrigação, não lê-los, então, é quase um crime. É no meio acadêmico que as opiniões e julgamentos literários mais influentes se formam, pois é lá que se estuda e pesquisa Literatura e outros assuntos clássicos, mais especificamente no curso de Letras. Na escola, nas rodas de conversa entre leitores e em diversas outras situações de discussão de leitura, expressões como “texto literário”, “valor literário” e “qualidade estética” são recorrentes quando se fala em valor de livros ou na distinção que é feita entre os grandes livros que fazem a Grande Literatura (com L maiúsculo, superior) e a outra literatura, a dos autores da moda, dos best-sellers e de outras vertentes da produção literária que costumam ser vistas como “à parte”, neste caso, exemplificadas em termos como “literatura para mulheres”, “literatura para crianças”, entre outros. Sobre estas últimas distinções, cabe destacar que, tradicionalmente, elas sustentam-se mais em padrões sociais do que em elementos linguísticos comprováveis numa análise do discurso, independente do público-alvo a que se destina a produção. Neste apontar de diferenças, é preciso considerar que, além de especificidades estéticas e linguísticas, também é a partir de sua influência e recepção no meio político e

social no qual se insere que o valor de uma obra literária é estabelecido. Os clássicos, neste meio, podem ser considerados como um tipo de herança, pois constituem parte da história de determinada época e é impossível contestar seu valor histórico e cultural, passando pelos mundiais como Homero, Dostoievski, Flaubert, Hemingway, até os nossos Machado e Pessoa, a título de exemplificação. Antes de qualquer coisa, o próprio fato de saber que determinado texto é literário ou ainda que se trata de um clássico, vai fazer toda a diferença na hora da leitura, pois tendo esta consciência, o leitor irá acionar modos diferentes de busca de interpretação, partindo de outras leituras, das experiências pessoais e até das opiniões dos outros sobre determinado tema/autor/livro, que fazem parte do nosso repertório de conhecimento de mundo. Muito se discute a questão do valor dos clássicos e quem o faz, geralmente, apresenta posicionamentos e argumentos estanques que se assemelham a uma tentativa de convencimento geral, para a leitura ou não dos clássicos. Tal postura parece por demais perigosa justamente por esse caráter de prescrição que tira do leitor a liberdade de escolher suas leituras e fazer suas próprias avaliações, gesto que caracterizaria um leitor competente. Considerando a necessidade de fornecer informações que contribuam com as leituras dos livros tidos como clássicos e entendendo a importância destas obras na formação pessoal/profissional dos leitores, esta sessão tem o objetivo de discutir aspectos como valor estilístico e importância histórica e cultural de livros e autores assim considerados. Além disso, pretende apresentar ao leitor indicações e sugestões que o auxiliem numa leitura compreensiva, incentivando no mesmo o despertar de uma consciência literária crítica.

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JOSÉ SARAMAGO Vida e Obra Por Francisco Marques

Divulgação

Biografia Das orações compridas e descompromissadas com a pontuação convencional, Saramago trazia sua escrita o mais próximo da linguagem falada. Parágrafos que se estendiam por páginas inteiras e a ausência de travessões indicando o início do diálogo das personagens eram alguns dos pontos destacáveis de sua obra. No outono de 1922, num povoado no interior de Portugal, nasce José de Souza Saramago. Filho de um jornaleiro e uma doméstica. Dois anos depois seu pai decide abandonar a vida no campo e se muda com a família para a capital, Lisboa, onde trabalharia na segurança pública, função esta que ainda não exigia “habilitações literárias” 30

(termo usado pelo próprio autor em sua autobiografia). Dois anos depois de se instalarem na cidade seu irmão mais velho, Francisco, iria falecer. Na época, um menino de quatro anos. José Saramago era aluno empenhado, tanto que aos 12 anos foi eleito tesoureiro da

Associação Acadêmica do Liceu Gil Vicente (colégio onde estudava). Contudo, por falta de condições financeiras, sai do Liceu e se transfere para Escola Industrial de Afonso Domingues, onde estudará até 1940. Neste lugar aprende o oficio de mecânico e por dois anos exerceria a função em uma oficina de reparação de carros. Apesar do Afonso Domingues ser uma instituição de formação técnica, em sua grade curricular também havia aulas de francês e literatura portuguesa. Nessa mesma época começa a visitar com frequência a biblioteca Municipal Palácio das Galveias. Em 1944, então com 22 anos, Saramago casa-se com a pintora Ilda Reis. No ano anterior já havia começado a trabalhar num órgão publico de Segurança Social. Ocupa este cargo até o ano de 1949, quando é demitido por cons-

José e Pilar - amor atemporal


sequência do seu apoio à campanha eleitoral de Norton de Matos, o candidato da oposição à Presidência da República. Dois anos antes, Saramago havia publicado “Terra do Pecado”, seu primeiro romance. Nesse mesmo ano nasce sua filha Violante.

Seu primeiro romance

Por intermédio de Jorge O´Neil, ex-professor e amigo, consegue emprego numa empresa metalúrgica. Cinco anos depois seria convidado a trabalhar na produção da Editora Estúdios Cor, onde faria amizade com nomes importantes da literatura portuguesa da época. Para melhorar o orçamento familiar começou a fazer traduções no tempo livre. O ano de 1966 marca o regresso de Saramago à literatura com a publicação de “Poemas Possíveis”, que havia sido escrito alguns anos antes, mas que continuava inédito assim como outros

poemas, crônicas e romances. No ano seguinte iniciaria em paralelo a função de crítico literário. Em 1971, Saramago deixa a editora e passa a trabalhar como editor e coordenador de um suplemento literário do Diário de Lisboa. Começava também um romance com a escritora Isabel da Nóbrega, tendo se divorciado de Ilde Reis no ano anterior. É nomeado quatro anos mais tarde diretor-adjunto do Diário de Notícias, contudo fica pouco tempo: é afastado do cargo por consequência das mudanças ocasionadas pelo golpe político-militar. Saramago era afiliado ao PCP (Partido Comunista Português) desde 1969, mas não recebe apoio nenhum do partido durante o ocorrido. Desempregado, Saramago decide dedicar-se inteiramente à vida literária e viaja para Lavre, povoação rural no interior de Portugal e lá começa a tomar notas do que seria o “Levantando do chão”, romance que deu maior visibilidade ao escritor. A década de 1980 foi inteiramente dedicada à produção literária. Foi nessa época que foram escritos e publicados: Memorial do Convento (1982), O Ano da Morte de Ricardo Reis (1984), A Jangada de Pedra (1986) e História do Cerco de Lisboa (1989). No final dessa década também é que Saramago conhece (e dois anos depois iria casar-se) a jornalista Pilar del Rio que

ele próprio considera ser seu definitivo amor. Nas palavras do escritor: “Se tivesse morrido aos 63 anos, antes de a conhecer, morreria muito mais velho do que o serei quando chegar a minha hora.” Indignado e desgostoso em consequência da censura atribuída à candidatura de “O Evangelho Segundo Jesus Cristo” ao Premio Literário Europeu com o pretexto de que era ofensivo ao catolicismo português, Saramago se transfere definitivamente para Lanzarote, nas Canárias, no ano de 1993. Dois anos mais tarde viria a receber o premio Camões, e no ano de 1998 a consagração com o Nobel. Em decorrência deste premio, Saramago viaja os cinco continentes oferecendo conferências e recebendo graus acadêmicos. Em 2007 é criado em Lisboa uma fundação com o nome do escritor. José Saramago morre no dia 18 de junho de 2010, em Lanzarote, seu exílio autoimposto, e terra que o adotou e viu seus habitantes amigarem-se com os costumes de um notável forasteiro.

“Ensaio sobre a cegueira” O livro que virou filme

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Bibliografia Romances:

Poemas:

Terra do Pecado, 1947 Manual de Pintura e Caligrafia, 1977 Levantado do Chão, 1980 Memorial do Convento, 1982 O Ano da Morte de Ricardo Reis, 1984 A Jangada de Pedra, 1986 História do Cerco de Lisboa, 1989 O Evangelho Segundo Jesus Cristo, 1991 Ensaio Sobre a Cegueira, 1995 Todos os Nomes, 1997 A Caverna, 2000 O Homem Duplicado, 2002 Ensaio Sobre a Lucidez, 2004 As Intermitências da Morte, 2005 A Viagem do Elefante, 2008 Caim, 2009

Os Poemas Possíveis, 1966 Provavelmente Alegria, 1970 O Ano de 1993, 1975 Crônicas: Deste Mundo e do Outro, 1971 A Bagagem do Viajante, 1973 As Opiniões que o DL Teve, 1974 Os Apontamentos, 1977 Diários e Memórias Cadernos de Lanzarote (I-V), 1994 As Pequenas Memórias, 2006 Viagens: Viagem a Portugal, 1981

Peças Teatrais:

Infantil:

A Noite O que farei com este livro? A Segunda Vida de Francisco de Assis In Nomine Dei Don Giovanni ou O Dissoluto Absolvido

A Maior Flor do Mundo, 2001 Fontes:

Contos: Objecto Quase, 1978 Poética dos Cinco Sentidos - O Ouvido, 1979 O Conto da Ilha Desconhecida, 1997

http://www.revista.agulha.nom.br - Site com poesias e contos de diversos autores. http://www.josesaramago.org - Site oficial http://dn.sapo.pt - Site do Diário de Notícias, jornal português.

Curiosidades

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Saramago, que era a alcunha pela qual a família era conhecida na aldeia, foi acrescida ao seu nome por iniciativa própria do tabelião, fato este só descoberto aos 7 anos quando matriculado na escola primária. Não fosse isto, chamar-se-ia simplesmente José Souza.

O Festival de Cannes de 2008 teve como abertura o filme "Ensaio sobre a Cegueira", fruto de uma parceria entre Brasil, Japão e Canadá e dirigido pelo brasileiro Fernando Meireles.

O primeiro livro que José Saramago teve na vida foi dado pela mãe quando ele já tinha 19 anos.

Apesar de trabalhar como mecânico de automóveis, José Saramago não sabia dirigir.

Maria del Pilar del Rio, espanhola que foi a terceira e última esposa do escritor, era 28 anos mais jovem que Saramago.

Saramago tinha 57 anos quando publicou "Levantando do Chão", livro que marcou o início do estilo saramaguiano.

O segundo romance do escritor, "A clarabóia", permanece inédito até hoje.


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Sobre a leitura dentro e fora dos muros da escola

não gostam de ler e, a grande maioria, 60%, que afirma que não lê por pura falta de hábito. Segundo Orlando Diniz, presidente do Sistema Fecomércio-RJ, esses dados apontam para um Por Bia Machado fator denominado de “intergeracional”: os pais Sei da importância da leitura como não possuem o hábito de ler, dessa forma seus professora, escritora e mãe. Como mãe, sei filhos não adquirem o hábito da leitura. Para que preciso educar minhas filhas para que ele, a valorização de hábitos culturais como a gostem de ler, para que apreciem os livros, para leitura deve começar cedo. que lhe deem importância, tanta importância quanto eu mesma consegui dar (ou até mais) A influência da família e da mídia quando tinha a mesma idade delas. Como professora, tenho consciência do meu papel. Quanto a essa relação de pais e filhos, Trabalho em uma escola pública municipal, o presidente da Câmara Riograndense do com crianças na faixa etária de 8 a 10 anos, Livro, João Carneiro, em entrevista ao site na maior parte do tempo, pois me formei em Observatório do Livro e da Leitura, destacou Pedagogia. Nessa idade, as crianças estão que está comprovado que o primeiro e o mais em processo de alfabetização, de aprender a marcante incentivo para a leitura é o da mãe, ler e a escrever da forma mais correta. Como com o seu costume de ler, de contar histórias auxiliar nesse processo, se a maioria de meus para o filho, muito antes ainda de ele ir para alunos pertence a uma classe de baixa renda? a escola. É possível desenvolver o gosto pela leitura em Verbena Córdula, Doutora em História crianças cujas famílias não têm dinheiro para da Comunicação e professora universitária gastar com livros? Se com as famílias de baixa em Salvador-BA, afirma em um artigo escrito renda uma das explicações possíveis (entre para o site Observatório da Imprensa que outras tantas) para a pouca leitura é a falta de o costume de ler pouco do brasileiro é dinheiro, como se explica que crianças que reforçado pela mídia, que pouco ou quase pertencem a lares com situação econômica nada divulga os livros: “Exemplo disso são as inversa muitas vezes não demonstrem telenovelas, que fazem parte do cotidiano de interesse pelos livros, como pude constatar ao uma parcela considerável da população, bem lecionar em escolas particulares? como alguns personagens tidos como ícones,

Dados estatísticos Uma pesquisa sobre hábitos de cultura e lazer, realizada pela FECOMÉRCIO-RJ em mil domicílios de 70 cidades brasileiras (não somente do Rio de Janeiro, mas de todo o Brasil, contando também com 9 regiões metropolitanas) mostrou que 31% dos entrevistados disseram ter lido algum livro em 2007 e que esse número caiu para 23% em 2009, os dois anos em que os dados foram apurados. Essa pesquisa também mostrou que, diferente da ideia que temos de que o fator financeiro é o que mais influencia, apenas 6% dos entrevistados respondeu que não lê porque livros são caros, contra 22% que afirmam que 34

principalmente pela juventude, a exemplo de cantores, atrizes, atores, jogadores de futebol etc.”, afirma Córdula no artigo.

E por falar em biblioteca pública... Concordo quando dizem que falta de dinheiro não é (ou pelo menos não deveria ser) problema para quem realmente gosta de ler. E foi a paixão pelos livros que motivou a dona-de-casa e ex-vendedora Noranei Hygino a criar uma biblioteca comunitária em sua casa, na cidade de Lençóis, Bahia. A biblioteca tem o nome de Tribo de Dana, mesmo nome de um livro da escritora Simone Marques, que Noranei leu e gostou muito. Ela inclusive tem contato com a autora, que chegou a doar vários títulos


Biblioteca: Roteiro de passeio para os filhos

para a biblioteca. Também para conseguir outras doações foi criada uma comunidade na rede social Orkut, a “Doe Livros” e hoje, após pouco mais de seis meses de sua criação, a Tribo de Dana já conta com um acervo de mais de 150 livros doados, onde é possível encontrar obras de Jane Austen, João Ubaldo Ribeiro, C.S. Lewis, Clarice Lispector, entre muitos outros. “Decidi montar a biblioteca por um desejo de oferecer a oportunidade da leitura realizando um sonho antigo. Aqui em Lençóis não tem biblioteca pública, a não ser nas escolas e na Universidade”, conta, “tenho leitores entre 6 e 50 anos”. Por estar no início, a procura ainda é pequena, geralmente Noranei fala dos livros que já leu, dando dicas para os leitores. “A procura ainda não é como gostaria, geralmente sou eu quem faz a propaganda. Tenho esperança que vai melhorar, pois a Biblioteca Comunitária Tribo de Dana vai entrar no mapa do roteiro cultural da cidade, me consultaram sobre isso e eu concordei, não podia fazer diferente!” Certamente que não, Noranei!

Com a palavra, o leitor: relato sobre o tempo de escola O dentista Vitor Toledo, 22 anos, morador da cidade de Martinópolis-SP, não tem boas lembranças como leitor em seu tempo de escola. “Até a 4ª série a professora obrigava a gente a ler um livro por semestre e entregar um resuminho. E depois disso, nas séries finais, era um livro por bimestre. Sempre para fazer um trabalho ou uma prova. Não tinha o incentivo para ler o que a gente quisesse, a leitura era por obrigação. Lembro de um bimestre em que o professor trabalhou Macunaíma com a gente, obrigou-nos a assistir àquele filme e até a encená-lo.” Vitor conta que nessa época lia somente o que era pedido na escola, não tinha o hábito de procurar outras leituras. Ele lembra que, em casa, sua mãe costumava ler sempre, mas que não havia livros para sua faixa etária, apenas romances como Iracema, em uma linguagem pouco acessível aos adolescentes. Por outro lado, lia muito histórias em quadrinhos. Quanto à biblioteca da escola, “[...] era muito pequena 35


e nela encontrávamos apenas os livros indicados no material que estávamos estudando”. O interessante é que, durante o curso de graduação, apesar de este ser em período integral (manhã, tarde e noite), Vitor conseguiu ler além dos livros técnicos do curso: “Lia um livro a cada 30, 40 dias. Nas férias, de 2 a 3. Agora, após a faculdade, estou mantendo a média de dois livros por mês.” Esse ano já leu A Comédia de Dante – Inferno e Werther, entre outros. Atualmente, Vitor participa de algumas comunidades sobre literatura na rede social Orkut e nelas publica contos de sua autoria, enquanto lê os trabalhos de outros membros.

Eu, professora e leitora To r n e i - m e l e i t o r a muito cedo, aos 05 anos, e professora já um pouco tarde,

aos 28. Um intervalo de 23 anos entre um acontecimento e outro, repleto de livros e mais livros. Sinto-me privilegiada por ter crescido em um ambiente familiar onde tinha à minha disposição livros, jornais infantis e revistas de histórias em quadrinhos. Na escola, não aconteceu comigo nada muito diferente do relatado por Vitor: leitura apenas por obrigação na escola. Porém, fora dela... Tive a sorte de morar em frente à escola onde estudei da 5ª à 8ª série, todos os dias ia até lá antes das aulas e escolhia um livro, em uma biblioteca composta por apenas duas estantes. Quando já havia lido todos os livros dela que me interessavam pedi à minha avó que me levasse até a Biblioteca Pública para ficar sócia e pegar livros emprestados. Cidade pequena, mas com uma biblioteca ótima. Nessa época cheguei a ler um livro por dia. E minhas professoras desse período? Jamais sequer imaginaram que eu já lia Fernando Sabino, Agatha Christie, Machado de Assis, Marcos Rey, Stephen King... É, uma lista que posso chamar, no mínimo, de eclética! E da qual me orgulho muito.

Então, é isso... O objetivo da seção “Literatura e Educação” é mostrar essa relação intrínseca entre ambas. Por acreditar que as duas estão totalmente ligadas uma à outra é que estarei aqui, escrevendo artigos e resenhas, fazendo entrevistas e sugerindo livros. Para encerrar deixo aqui a frase de Monteiro Lobato, frase que creio ser perfeita para o que acabei de escrever: “Um país se faz de homens e livros.”

Sugestão de Leitura A importância do ato de ler

Em três artigos que se completam Paulo Freire Editora Cortez, 2003 87 p. O livro é composto por três artigos, resultantes de uma conferência realizada em Campinas, São Paulo, onde Freire relata sua experiência na alfabetização de adultos em São Tomé e Príncipe. No primeiro artigo, é mostrado o papel do professor e do aluno no processo de ensino-aprendizagem, deixando claro que o início do processo de aprender a ler não se inicia na escola, mas antes dela. No segundo, trata das questões da alfabetização de adultos e o uso da biblioteca popular nesse processo. No artigo que finaliza o livro, relata como foi sua prática alfabetizadora em São Tomé e Príncipe, com destaque para o material que foi utilizado, desde sua construção e montagem. O livro apresenta marcas de oralidade, por ter o discurso de Freire na íntegra, tal qual foi apresentado na conferência. Um livro que mostra claramente a importância que deve ser dada à leitura, dentro e fora dos muros da escola, com toda a experiência de um dos maiores educadores do Brasil e do mundo. Obra de leitura rápida, mas indispensável para todos aqueles que se interessam por entender o processo de leitura e sua aquisição.

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Senhoras e senhores! Com vocês: vocês! A janela foi aberta! E o que pode ser visto (ou lido) é digno dos holofotes, aplausos e todos os “louros”. Por glória digna, a vencedora deste concurso tem seu conto publicado nestas páginas. E acredite: Vale à pena conferir. Rafaela Morais tece uma síntese quase poética duma discussão apaixonada (porque não dizer apaixonante). Destas que permeiam os momentos casuais dos apaixonados. A forma como ela transcorre o diálogo numa impecável duplicidade revela a dignidade de ter sido selecionada tendo seu conto publicado em nossa revista e de ganhar o prêmio desta edição, um incrível romance da consagrada escritora Lya Luft. Desta vez a comissão seletiva achou por bem publicar também um conto extra que, apesar de estar um pouco fora dos padrões e por este motivo não ter concorrido ao primeiro lugar nem à premiação referente, foi considerado tão interessante que não podia ficar de fora! Fiquem agora com os contos e confiram! Gravem estes nomes, pois ainda darão muito o que falar (ou ler)! RETÓRICA DELE E DELA Enviado por Rafaela de Moraes

“Eu desejo, tu desejas, ele deseja...” A garota estreitou os olhos para ele por trás dos óculos que vez ou outra refletiam alguma luz na pista de dança escura. - Me diga uma boa razão para eu concordar com isso, - pediu sua voz, alta e clara apesar da batida repetida. – e outra para não partir a sua cara agora. “... nós desejamos, vós desejais, eles desejam...” Ele sorriu ao ouvir aquilo, dentes brancos na penumbra. Sabia que havia sido uma boa idéia. “... todos desejamos. É um beco sem saída.” - Que tal ‘porque sim’, só pra variar? – o rapaz experimentou. – Você não quer tentar? Ela cruzou os braços e virou o rosto, insistindo no desinteresse. - Se você acha que eu preciso... – começou, mas ele a interrompeu: - Isso não é sobre precisar. ‘Precisar’ e ‘querer’ são coisas muito diferentes. Estudavam juntos. Conheciam o rosto um do outro, sabiam os nomes. Trocavam ‘bom-dias’ e ‘boa-tardes’ e palavras que se perdiam no meio-termo, mas era só. Um poderia dizer que 38

eram estranhos, que não se conheciam. Se ao menos eles não se olhassem. Ela sorriu de suas palavras. Um encurvar de lábios sarcástico, mas não amargo, que ele não podia evitar achar divertido e charmoso. - Oh? E sobre o que é? Ele nunca deixava de olhar quando ela passava, porque ela caminhava sem se envergonhar de coisa alguma. Não ouvia quem falasse: óculos, desasseio, roupas desarrumadas, rosto sem maquiagem, muito gorda, muito magra. Era forte à sua maneira, não tropeçava em erros, não se calava quando mandada. Ela amava um desafio, o jogo, e era a última das garotas por quem se interessar ou a ser interessada. Ela o fascinava. - Sobre o que você quer. – ele declarou sem hesitar. Ela riu. Riu como se fosse mesmo engraçado. - Com certeza não é o que você ‘tá’ pensando. – respondeu entortando mais os lábios, debochada. Ele não perdeu a linha: - Se não for, - retrucou. – é ao menos sobre o que eu quero. Ela não podia evitar pensar ‘atrevido’ a cada vez que ele falava. Estava em cada gesto e em cada movimento que ele fazia, aquela ousadia desmedida, aquela


vontade de encontrar o que havia de errado em tudo, só para poder apontar. Ele ficaria feliz em apenas poder observar e reclamar de cada pequena coisa, em cultivar sua impertinência singular. No rosto, o sorriso constante de quem conhece o poder das palavras – especialmente das próprias – e o brilho do olhar ávido por tudo que se pode encontrar. Ele a deixava sem palavras. - Nietzsche agora? – provocou-o, erguendo uma sobrancelha como ninguém. – Quer dizer que é pura dominação, no fim das contas? - Claro que não. – ele chegou mais perto, rindo pra ela. – É só querer. Encararam-se. ‘Só querer’. Quem vencia ali, além do próprio desejo? Importava? Não importava? Era só outro segredo. Porque ela não precisava e ele, muito menos, e os dois sabiam disso. Mas queriam e queriam, e ninguém negaria isso. Às vezes é esse o único ponto. ‘Eu quero’ e ‘você também’. O afeto vem antes ou depois. Mas querer é querer, o resto é indiferente. Ela sorriu para ele. - Você – falou tocando seu peito. – está longe de ser um orador convincente.

ESTILHAÇOS Enviado por Ronaldo Luiz Souza

(Conto publicado na antologia Contos de Outono 2010 da CJBE)

A fotografia ainda se encontrava no porta-retratos em cima da mesa, exibindose indiferente ao olhar que a observasse. Ela estava lá. E também fora responsável por tudo que acontecera. Neste momento, não importa mais o que ela representa, os personagens que ela mostra, ou o instante capturado do irrecuperável tempo que se esvaiu de nossas vidas. Não importa nem mesmo os sentimentos vividos ou lembrados por aquelas faces sorridentes, ou o lugar onde se encontravam... nada importa mais, e é por isso que baixei o porta-retrato, escondendo a foto de encontro à mesa, e porque o atirei à parede, tomado de fúria, depois disso. O instante ainda está gravado em meu cérebro, e com certeza ficará lá como um filme perpétuo a ser projetado na tela de minha mente, enquanto eu viver. Porque nunca me esquecerei. Ela saía de um táxi, uma chuva fina a alcançava, e preparava-se para correr. Por sorte, eu estava pouco atrás, apressei meus passos e lhe ofereci, com um gesto e um sorriso, carona em meu g u a rd a -c h u v a a t é a proteção da marquise mais próxima. Ela hesitou entre a necessidade de se manter seca e a proximidade com um estranho. Mas acho que foi o meu sorriso, acompanhado de uma segurança que me faltara até então, o que conquistou sua simpatia. Conversamos sobre

amenidades, protegidos pelo abençoado guardachuva. Então, bem depois, a marquise esquecida, a chuva cessada, passando por uma praça pública, nossos caminhos se bifurcariam. E à despedida, ela se postou à minha frente, me deu a mão, e sorriu agradecendo a gentileza. Um fotógrafo nos clicou, e nos ofereceu a foto instantaneamente revelada, achando tratar-se de um casal de namorados. Ela ruborizou-se. Eu gostei da idéia. Comprei duas. Presenteei-a com uma, e fiquei com a outra. Este é o instante da foto: um casal enamorando-se. Foi onde começou nosso relacionamento. Mas onde o mesmo terminara... ainda está fresco e vívido em minha memória, embora eu só queira esquecer os erros cometidos... Mas não é assim tão fácil. Aliás, nem um pouco. Tu d o c i n t i l a c o m tamanha vividez em frente aos meus olhos que pareço viver ainda os momentos... escuto o barulho do ambiente, percebo os odores exalados no ar, as pessoas que passam, os carros cruzando a avenida, e até o pivete que passa correndo um minuto antes de eu ter sido abordado pelo policial e meu mundo ser destruído... No ápice de nossa felicidade ela vê nossos nomes nos convites de casamento. Sabrina e Túlio. Ela sorri. Beijo seu sorriso e me emociono. É um dos momentos mais belos de minha vida. Dois dias depois resolvo lhe fazer uma surpresa e passo em seu apartamento. Tenho a chave

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e entro. O apartamento está vazio. Ela não está. E o que vejo me joga num profundo abismo. Há fotos no chão. De Sabrina e um desconhecido na cama, em explícita nudez e intimidade. No quarto, a cama está desfeita, uma garrafa de vinho aberta e vazia, e por cima dos lençóis, a foto rasgada, aquela mesma foto daquele instante na praça... A explosão de ira seca minha lágrimas ainda na fonte e endurece meu coração. Saio dali, jurando para mim mesmo que nunca mais a veria. À noite me ligam do hospital, a telefonista relata que Sabrina está internada. Irredutível, digo que não sou parente e que não irei até lá. Dia seguinte, cancelo todos os preparativos do casamento, me mudo para um hotel, dou ordens à minha secretária e ao porteiro do prédio em que trabalho para não deixá-la entrar, caso apareça. O rompimento é total. Não há volta. Não há perdão. Nos dias seguintes chegam mensagens, e-mails, cartas, telegramas. Ignoro tudo e não atendo suas ligações. Uma semana depois, enquanto vago a esmo pela rua, um agente policial me reconhece e me detém. Pergunta-me sobre Sabrina. Estranho, e digo que não a vejo mais há cerca de duas semanas. Ele me ordena que o siga até a delegacia. Sem escolha, o faço sem nada compreender. E lá, o investigador responsável me conta que ela fora brutalmente estuprada uma semanas antes e apresenta o laudo de corpo delito. Fora um marginal, apelidado Tizil, agora preso. Ele a obrigara a tirar as várias fotos encontradas no apartamento dela. Em seu depoimento ela disse que ele entrara para assaltar a casa e já estava saindo com várias coisas, quando vira a foto dela comigo, no porta-retratos. Então ele voltou... Senti estar vivendo um pesadelo interminável. Minha memória vagou rapidamente ao passado, após ouvir o nome do criminoso... Numa noite, voltando do trabalho, próximo a um bar, socorri uma mulher que estava sendo agredida e roubada por um vagabundo. Soquei-o e libertei a vítima... mas não me lembrava disto até este momento. - Tizil, guarde bem este nome – gritara o malandro caído ao chão, enquanto eu me afastava o mais rápido que podia – pois você vai lamentar o resto de seus dias... Não dei ouvidos e esqueci-me

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completamente do fato. Até este momento. Era um pesadelo interminável o que vivia. Sabrina não me traíra, fora vítima de um estupro... O remorso e o arrependimento rasgaram meu coração: ela chamara por mim, pedira minha ajuda, implorara para que fosse até ela. E eu, furioso por um engano, não a atendi. - Preciso ir até ela. – disse, já saindo, mas o investigador postou-se à minha frente e me impediu. - Não pode, e é por isto que está aqui. - Como? Não posso? O que quer dizer? - Ela foi encontrada nesta noite... morta em seu apartamento. Overdose de tranqüilizantes e soníferos. Não pude conter as lágrimas. -Não, não posso acreditar... Volto atordoado para casa, o porta retratos ainda está em cima da mesa. Atiro-o contra a parede. Mas logo em seguida sangro os dedos nos estilhaços tentando recuperar a foto. Minha dor não é física, mas é real, forte e indescritível... Um julgamento errado e tudo perdido... para sempre... lamento a perda e a ausência, a dor e a separação, a solidão, o abandono, e a morte... Caio ao chão, sem forças, o rosto molhado de lágrimas, segurando em uma das mãos a foto na praça, a nossa foto. Apenas a escuridão me alcança agora. Sinto que não há mais nada para viver ou sentir.

Em cada Edição a “Revista Lit!” publicará um conto selecionado, nesta seção. O vencedor receberá, além da divulgação neste espaço, um livro de um autor consagrado. Então não perca tempo! Envie seu conto com até 5000 caracteres (incluindo os espaços) para o e-mail contae.lit@gmail.com e concorra! A temática para a próxima edição será: Ficção Científica. Leia o regulamento completo no site:

www.revistalit.com.br


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HQ no Brasil: Desafio (in)justificável por Jota Fernandes

Trabalho desafiador. Creio ser esta a palavra mais aplicável no que tange aos quadrinhos nacionais. Em sua diversidade os quadrinhos alcançaram todo tipo de gostos e foram além. Desde os antigos gibis de faroeste do antigo Tex, normalmente encontrados nos bolsos daqueles que têm mais de 40 anos, até a febre do Mangá. Na quebra da barreira da mal-rotulada marginalização dos quadrinhos e de gêneros atingindo, quem diria, as garotas. Há todo tipo de leitor de quadrinhos, dos fanáticos aos esporádicos, dos colecionadores aos “cyber leitores”, dos compradores aos “filões”. E como o mercado do entretenimento é diretamente proporcional à sua exigência apurada e procura, uma abundância de quadrinhos enfeita as prateleiras das bancas e livrarias tomando cada vez mais espaço, como os frutos de uma árvore a tomar o verde das folhas em sua estação! (Ops! Acho que exagerei...) O fato é que, dentre tanta diversidade, o tipo de leitor mais raro de se encontrar é o de Quadrinho Nacional, tão raro quanto os próprios quadrinhos nacionais nas bancas e livrarias. Talvez pela dita questão da procura e demanda. Não sei afirmar se “vende mais por que é fresquinho ou é fresquinho por que vende mais”, o certo é que quase não há o que ler como quase não há quem leia. Definir a razão desta ambígua realidade é realmente desafiador – é aqui que entra a palavra da abertura desta coluna. Uma pesquisa realizada em 2008 pelo Instituto Pró-Livro com alguns indicativos do IBGE revelou que 22%, um representativo número de 38,4 milhões de brasileiros, lêm Histórias em Quadrinhos! É desafiador explicar como, num país com tantos leitores de HQ, é tão

rara a produção, divulgação, comercialização... a sobrevivência do produto nacional no gênero. Temos a faca nacional, o queijo nacional, os comedores de queijo nacionais e ainda assim somos empanturrados com cada vez mais queijaria importada. O número crescente e opressor de mais e mais quadrinhos europeus, japoneses e especialmente americanos nos inunda num mar transbordante onde o produto nacional é gota diluída. O quadrinhista Emir Ribeiro, com toda a sua experiência, expressou seu descontentamento numa entrevista ao Jornal de Debates nas seguintes palavras: “Desisti por completo de contatar editoras, seja de onde for. Não tenho mais aspiração e ilusão alguma com quadrinhos. Está claro que o Brasil jamais sairá desse sub-estágio, enquanto não houver mudança. E não creio mais em mudança alguma. Portanto, parto para a praticidade total”. A desistência é o beco sem saída para tantos artistas que já trilharam o caminho do mercado nacional de quadrinhos. Na tentativa de encontrar algo que justifique este quadro, esbarramos em motivos contraditórios, na contramão dos fatos. E, seguindo nessa contramão, vão os nomes de tantos artistas brasileiros estampados nas páginas de apresentação destas mesmas revistas estrangeiras. São nossos artistas, com pseudônimos já não tão brasileiros, emprestando (ou vendendo) seu talento para as grandes produtoras, estas mesmas que importamos em número tão expressivo. Nada contra artistas nacionais trabalhando lá fora, sou fã declarado de muitos deles e ainda me atrevo a dizer que são mais vítimas da dura realidade do nosso mercado. Certamente a maioria deles, se não todos, gostariam de ver uma mudança justa neste triste quadro. Voltamos assim a usar a palavra “desafiador” nas questões: O que falta? O que falta para produzirmos ou divulgarmos HQs de

“22%, um representativo número de 38,4 milhões de brasileiros, lêm Histórias em Quadrinhos!”

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qualidade? Para atingirmos o público com estas HQs? Para ganharmos espaço na 9ª arte, a literatura gráfica? Responder estas questões, senhoras e senhores, é nosso desafio. E a HQLit! vai encarar um desafio ainda maior: Mudar este quadro! Vamos divulgar, resenhar, incentivar a leitura do que há de melhor na literatura brasileira! Vamos mostrar a você, caro leitor, que nem só de DC e Marvel vivem os quadrinhos. E mais: Vamos mostrar que, garimpando um pouquinho, é possível encontrar HQs de excelente qualidade que nada deixam a desejar ante os monstros lá de fora. Podemos ser poucos, mas temos qualidade. Podemos ser pequenos, mas ainda assim tão bons ou melhores. E é esta realidade que a sessão NacionaLit! vai trazer pra você. Não basta ser nacional, para estar em nossas páginas é preciso ser excelente! Não somos uma indústria comercial a vender-nos para quem pagar mais, nosso critério é qualitativo! E, caso não haja um bom produto nacional encontrado em algum determinado mês, esta sessão iniciará com uma página branca, pois preferimos isto a gastar nosso tempo e tinta para algo que não valha a pena. Que eles façam valer a pena nossa divulgação! Esta não é nossa contribuição para o Universo dos Quadrinhos Nacionais, é nossa contribuição para elevar o nível do Universo dos Quadrinhos Nacionais! Vamos buscar respostas juntos! Vamos encontrar os melhores juntos! Vamos abrir espaço para excelentes artistas terem o prazer de trabalhar numa HQ nacional. Esta é a nossa parceria, caro leitor, este é o nosso compromisso! Com todo o respeito, Emir Ribeiro, vamos provar que estás errado! Sei que estará torcendo para isso. E com esta premissa: Seja muito bem vindo à NacionaLit!

Cultura em Quadrinhos por Thelder

O Brasil ainda é um país preconceituoso em relação à cultura das histórias em quadrinhos. Sendo diretamente influenciados pelo modelo norteamericano, vemos as histórias em quadrinhos como fantasias de super-poder voltadas para crianças e adolescentes excluídos socialmente, buscando nessas histórias um escape para as frustrações comuns dessas fases da vida. No entanto, como em qualquer outra mídia, a arte sequencial (a forma artística e técnica de se referir aos quadrinhos, criada por Will Eisner) vai muito além do simples escapismo e da literatura barata que se imagina dela, tendo material que alcança várias faixas etárias e econômicas diferentes para ambos os sexos.

Essa visão simplista da arte sequêncial como leitura barata e escapista vem da forma como a indústria norte-americana de quadrinhos se desenvolveu, indústria essa que influenciou a América como um todo. Quando os primeiros super-heróis surgiram, no final dos anos 30, eles foram um imenso sucesso. O mercado de quadrinhos cresceu baseando-se nesse sucesso, fato que fez com que, dentro do território dos Estados Unidos, o imaginário das histórias em quadrinhos fosse diretamente associado ao dos superheróis, atribuição que culminou no mercado que temos hoje, dominado principalmente por duas editoras cujas publicações são principalmente super-heróis: Marvel e DC. A sedimentação desse pensamento que associa quadrinhos a crianças foi feito principalmente quando o psicólogo Fredric Wertham escreveu, em 1954, o livro

Seduction of the Innocent, obra na qual defendia a tese de que os quadrinhos incentivavam a deliquência juvenil e outros comportamentos amorais e mostrava que quadrinhos continham inúmeras referências sexuais, como a servidão sexual da Mulher-Maravilha e seu laço mágico, ou da, que até hoje é motivo de brincadeira, relação homo sexual entre Batman e Robin. Nada muito diferente da ‘vilanização’ sofrida pelos videogames nos dias de hoje. Seu texto era fraco em argumento, pois era claramente escrito por alguém que nunca tinha se preocupado em ler uma história em quadrinhos para poder fazer essas considerações, mas acertou em cheio os típicos pais puritanos e superprotetores dos Estados Unidos em plena era McCarthy, levando a uma mobilização nacional que criou uma organização voltada para a censura dos quadrinhos (a antiga CCA, Comic Code Authority) e a

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extinção dos quadrinhos de gêneros mais adultos nos EUA, como os de terror, suspense ou policiais que só vieram a surgir novamente no país na metade dos anos 80, quando o próprio código dos quadrinhos começou a fraquejar. Em outros países, no entanto, principalmente no continente europeu e no Japão, o mercado de quadrinhos desenvolveu-se de uma forma bem mais saudável. Sem restrições por parte de códigos de censura e com um foco muito maior na criação autoral, os quadrinhos no resto do mundo ganharam todo o tipo de interpretação, desde o detetive infanto-juvenil Tintin de Hérge e o robô Astro Boy de Ozamu Tezuka, até a ficção científica do Incal de Alejandro Jodorowsky, o polical XIII do belga Jean Van Hamme ou o complexo Monster de Naoki Urasawa. Nesses países, ao invés de edições inteiras dedicadas a um único personagem e seus coadjuvantes, é mais comum publicações com várias histórias dentro do mesmo gênero, e depois as histórias mais famosas ganham coletâneas próprias, reunindo vários capítulos num único volume maior. Se você for numa comic shop na França ou no Japão, poderá ver um pai e um filha entrando juntos e levando cada um seu quadrinho para ler, da mesma forma que aconteceria numa boa livraria ou numa loja de DVDs. Quadrinhos não são uma forma mais simples de leitura, mas com certeza contribuem para o desenvolvimento do hábito. Incentivar o gosto pelo gênero seria uma boa maneira de promover a leitura num país como o Brasil, que apresenta um índice tão baixo de leitura de livros por ano entre seus habitantes. Não creio que a solução para nossos problemas está em copiar os outros, mas um modelo funcional sempre será um exemplo, e seria muito bom se nos livrássemos de nossas pré-concepções e déssemos chance à nona arte. Não tenho nada contra o gênero da fantasia de super-poderes, pelo contrário, ela está entre um dos meus prediletos e entendo que esta também vai além da simples história de ação colorida e boba. Há muitos quadrinhos de super-heróis complexos e interessante e isso se reflete nos filmes que adaptam eles. Por que se recusar a ler Batman, quando você assistiu o filme o Cavaleiro das Trevas e adorou? Esse filme tem suas idéias originais, mas muito do que se vê ali foi diretamente inspirado por histórias clássicas do Batman, como o Longo Dia das Bruxas, Ano Um e

a Piada Mortal. Gostaria que a indústria nacional tivesse mais chances, é uma pena que as grandes editoras que estão no país ou não são nacionais ou, quando são, mantém essa visão preconceituosa acerca dos quadrinhos, normalmente trazendo

“Por que se recusar a ler Batman, quando você assistiu o filme o Cavaleiro das Trevas e adorou?”

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apenas material exportado, de venda fácil e certa, ao invés de investir em uma produção local. Concordo que há muito material bom que ainda não chegou ao país, mas isso não significa que devemos sacrificar produções nacionais. Muitos de nossos melhores artistas acabam buscando o mercado americano ou europeu, onde eles têm mais chance de sustentar-se com o próprio trabalho. É claro que não sei como é, mas se fosse o caso, se eu tivesse o dinheiro e a influência de alguém como Maurício de Souza, usaria isso para ajudar os outros. Criaria uma revista, de forma similar a uma Shonen Jump, que teria histórias da Turma da Mônica ou da Turma da Mônica Jovem, mas abriria espaço para trazer outras criações de outros escritores e desenhistas, buscando maior variedade de estilos e dando chance a talentos que muitas vezes não conseguem espaço no mercado interno e não têm dinheiro ou tempo para tentar sucesso no exterior. Isso seria uma boa forma de chamar a atenção do público para outros tipos de história. Shonen Jump Revista Semanal de Mangás


ENTREVISTA

MC: Na verdade eu sempre desenhei, desde moleque. Não lembro de um período que eu não desenhasse. Tive a sorte de nascer numa família que sempre gostou muito de Arte. Cresci no meio de Livro, Disco, Gibi, filme. Meu avô era advogado, mas era poeta também. Meu outro avô era comerciante e baterista de Jazz. Meu pai era Tabelião, mas também escrevia. Minha mãe e minha avó tocavam Piano. Tinha a minha disposição todo o tipo de literatura, desde os clássicos até Literatura Policial... Música era a mesma coisa. Ouvíamos desde Rock até Música Clássica. Cresci assim: pintando, tocando,desenhando, lendo, escrevendo...era o meio que eu vivia. Sempre foi tudo muito natural.

Marcelo Campos

Lit!: No seu caso o que fez a diferença para que passasse dos rabiscos em cadernos escolares a um glorioso desenhista reconhecido internacionalmente? Consegue identificar o marco dessa transição?

Uma das primeiras lembranças que tenho de História em Quadrinhos é de uma conversa com um amigo, aos 14 anos mais ou menos. De uma estória absurda que ele me contou (e me convenceu) sobre a origem do Wolverine. Rio sempre que me lembro desta história. Com o passar dos anos mergulhei cada vez mais nos quadrinhos. Dentre tantos artistas (desenhistas, roteiristas, argumentistas...), um dos nomes mais respeitados por mim neste meio sempre foi Marcelo Campos. Não apenas pelo seu talento diretamente nos quadrinhos, mas também por sua incrível visão empreendedora que o levou a ser, talvez, o artista mais completo nas várias facetas que os quadrinhos podem levar. Talvez por isso eu tenha ficado tão tenso em entrevistá-lo. Nunca imaginei um dia poder estar frente a frente com um artista tão admirado. E diante de tudo isso o que mais me surpreendeu foi sua simplicidade e simpatia. No final das contas saí de lá o vendo não como um distante ícone, mas como um camarada, acima de tudo amante de quadrinhos como eu e você. Um incrível e talentoso amante de quadrinhos. Confira agora essa empolgante entrevista. Senhoras e senhores: Marcelo Campos!

MC: Na realidade eu nunca pensei em me tornar profissional. Era natural pra mim: desenhar, escrever, tocar... Acabei entrando nisso meio que pelo meu irmão. Nós tínhamos uma banda de Rock. Eu morava no Rio com ele e fazíamos uns quadrinhos juntos, assim de brincadeira. Gostávamos de coisas de Terror. A gente fez uma historinha de Terror, ele gostou muito e mandou pra uma editora aqui de São Paulo. Tinha um concurso e tal... Daí o cara da editora gostou, publicou, começou a pedir mais histórias e acabou sendo assim.

Lit!: Como foi seu início no Universo do Desenho? 45


Fui fazendo as historinhas. As vezes era roteiro meu, as vezes ele mandava o roteiro. Foi então que um cara da Abril viu meu trabalho e me chamou para fazer um teste. Fiz e passei. Não foi uma coisa planejada, sabe? Nunca tive uma estrutura de carreira no sentido de “eu quero aquilo”... “vou lutar por aquilo”... As coisas foram se desdobrando, fui conhecendo pessoas, fazendo testes...foi algo bem natural, não teve um direcionamento. Lit!: Em muitos casos o incentivo pode ser o grande diferencial pro crescimento e desenvolvimento do artista. No seu caso, o incentivo de sua família e seus amigos foi o diferencial pra você entrar nesse Universo? MC: Acho que é provável, é provável...eu nunca tive uma resistência a isso vinda dos meus pais. Meu pai que se preocupava um pouco na época “Pô filho isso aí vai dar grana...você vai conseguir viver disso?”. E acabou rolando de eu conseguir viver disso. Sabe como é, no início é difícil, você não ganha, trabalho não é pago...você vai pela paixão e fala: “Pô que legal isso aqui”... talvez não digo incentivo, mas a falta de resistência talvez tenha me facilitado um pouco as coisas...mas eu sou um cara meio teimoso, talvez se houvesse resistência eu tivesse ficado mais até motivado... Lit!: Sua carreira no Universo das ilustrações é notável, 46

pra se dizer o mínimo. Fazendo uma retrospectiva: Qual foi a porta que se abriu que expandiu seu mundo pro Universo do desenho profissional? MC: Acho que foi quando eu entrei na Abril. Lá eu conheci muita gente, e graças a Deus sempre fui um cara de fazer amizade fácil. Os caras viam que eu era muito profissional que executava os projetos sempre em curto prazo, nunca furava prazos. Sinceramente eu não me acho um bom desenhista. Me acho um desenhista competente, mais um bom profissional do que um bom desenhista. Credito minhas conquistas a algumas

atribuições como por exemplo ser um cara disciplinado, regrado e ter o hábito de levar a coisa bem a sério, entender o Mercado e como ele funciona. Sempre me achei um cara regular, mediano. Entrar na Abril, conhecer as pessoas e estar sempre aberto e disposto a desafios diferentes. Curtia muito esse negócio. Quando entrei na Abril era assistente de Arte e pintou uma chance de fazer desenho animado, nunca tinha feito. Falei: “vou lá.” Saí da Abril, fiz o teste e passei. Topava qualquer parada, passando inclusive por contos pra novela. Diversidade é o legal. Entender o meio, seja qual for é o interessante.


L i t ! : Vo c ê f o i u m d o s p i o n e i r o s , talvez o precursor da publicação da nossa Arte para os E.U.A, o que abriu caminho para muitos outros. Qual foi seu segredo pra conseguir penetrar nesse campo até então desconhecido? MC: Foi por acaso também. Eu era Editor de Arte da Abril, na época. Cuidava de toda as publicações de quadrinho da Abril Jovem e o pessoal estava começando a montar o Estúdio Art Comics. Tínhamos um projeto pra própria Abril relacionado a fazer quadrinhos pra fechar espaços que ficavam faltando nas revistas, tipo 8, 10 páginas. Daí embora a Abril não tenha topado isso, foi bem visto lá fora, o pessoal gostou dos desenhos. A idéia do pessoal foi de tentar. Claro que eu não apostei de imediato. Falei: ”Vocês estão doidos? Claro que não vai rolar.” Estar no lugar certo na hora certa ajudou bastante...

Além disso, criar um bom portfólio , cumprir prazos, levar a sério. Lit!: Quando comparado aos quadrinhos europeus e americanos, a visão dos quadrinhos no Brasil é muito retrógrada, apesar da qualidade dos nossos artistas deste meio. Na sua visão, o que falta pros quadrinhos serem encarados e produzidos aqui como é lá fora? MC: O artista existe. O que falta é Mercado de trabalho. Venda. Que se consuma quadrinho nacional. Acho difícil criar um mercado regular de quadrinhos aqui. Que o artista seja pago o suficiente pra desenvolver o seu trabalho e viver disso. O gibi de linha de produção mensal como existe lá fora é muito difícil ser estabelecido nacionalm en te. A Marvel, por exemplo, tem mais de 100 gibis publicados todo mês. A DC, a Dark Horse. Existe um mercado gigante lá. Lit!: Você acha que isto parte da visão do leitor de achar sempre que os quadrinhos lá de fora são melhores?

Lit!: Que dicas Recepção da Quanta você dá para aqueles que sonham em alçar vôos tão altos na “Terra de Tio Sam? MC: É mais difícil lutar contra o que vem de fora por que eles pensam globalmente. Não MC: No caso de trabalhos em editoras como é só o gibi. O gibi gera filme, gera animação, DC e Marvel é estudar muito desenho e brinquedos... Mesmo que o leitor não conheça técnicas. O que os caras procuram neste tipo o gibi ele sabe quem é o “homem-aranha”, de quadrinhos é um desenhista que tenha por exemplo, pelo filme, pela animação ou conhecimento técnico pra conseguir passar em pelo vídeo-game. Então você põe o “homemimagens o que o roteirista e, principalmente, aranha” e o “quebra-queixo” na banca o garoto o que aquele tipo específico de público vai comprar o “homem-aranha”. E as editoras espera. A narrativa de quadrinhos já é meio preferem investir no produto internacional. direcionada. Existe uma série de linguagens Porque vão gastar muito menos comprando gráficas específicas deste meio. É interessante o material lá de fora do que produzindo o aprender o estilo de desenho de super-heróis. material aqui. 47


Lit!: Durante sua carreira você acompanhou mudanças nos quadrinhos nacionais e internacionais. Pela sua observação durante estes anos, podemos ser otimistas quanto ao futuro dos quadrinhos nacionais? MC: Não precisamos pensar em quadrinhos a nível de Brasil somente. Podemos pensar maior. Hoje há uma porta aberta pra publicar nos EUA, na Europa, existe a grande ferramenta da internet... Antigamente era mais fechado. Hoje é totalmente possível tornar nossa arte conhecida lá fora. O mercado hoje é completamente aberto. Precisamos pensar á nível global. Você consegue publicar seu material hoje. Ganhar dinheiro com isso é outra história. Mesmo assim, se seu material for bom você pode atrair a atenção de editoras grandes lá fora ou até ser reconhecido por uma produtora de cinema e seu trabalho gerar um filme! Muitas vezes você faz um material de 64 páginas e não ganha nada! Mas pode ser um portfólio pra atrair a atenção pra grandes trabalhos. Lit!: Existem muitas escolas de arte e quadrinhos hoje. Qual o diferencial da Quanta na formação de desenhistas e ilustradores? MC: Nossa primeira preocupação é não chamar professores pra dar aula. Chamamos profissionais que trabalham com isso. Tanto na área de ilustração quanto na de quadrinhos. É uma base técnica, básica, mas também damos uma base mais realista do mercado. E estes profissionais trazem essa realidade através de suas experiências. Também abrimos a visão dos alunos mostrando todo o Universo dos quadrinhos. O quadrinho europeu, oriental, nacional, argentino. Ensinar o aluno a chegar até o leitor, saber como ele pensa. Ensiná-lo a pensar globalmente e criar um artista dinâmico. Lit!: Que incentivo você deixa para os leitores da Lit! aspirantes a desenhistas? MC: Curta o que você faz! Não faça isso só por dinheiro. Se você gostar do que faz pode ser que gere uma grana alguma hora. Mas o mais importante é curtir. 48

FICHADO

Marcelo Campos Quadrinhista, ilustrador e empresário, Marcelo Campos iniciou seus trabalhos em 1984 com histórias de terror e ficção e posteriormente foi editor de arte na editora Abril. Até 1988 ilustrou caixas de brinquedos da Estrela (Comandos em Ação) e desenhou e roteirizou várias histórias em quadrinhos de personagens como He-Man, Thundercats, Galaxy Rangers, Centurions, Bravestarr, Xuxa, Angélica, Faustão e Sérgio Mallandro. Em 1989 tornou-se um dos primeiros brasileiros (junto com o desenhista Watson Portela) a publicar no mercado de histórias em quadrinhos nos Estados Unidos, desenhando e arte-finalizando edições para as Malibu Publishing, Innovation e Cosmic Comics. Em 1991 foi o primeiro brasileiro a ingressar em uma grande editora de HQs dos EUA, a DC Comics e também o primeiro brasileiro e ser desenhista oficial de um título importante da indústria; Liga da Justiça. Nos anos que se seguiram foi desenhista e artefinalista de outros importantes títulos da DC e Marvel Comics como Superman, Teen Titans, Extreme Justice, Lanterna Verde, Spiderman, Thor, Homemde-Ferro, X-Men, Vingadores e outros e, na Dark Horse ilustrou o personagem O Máskara. Seu traço também pode ser visto em títulos da Image Comics (Darkness, Ascention, entre outros) e nas adaptações de quadrinhos das animações Disney; Mulan, Hércules e Tarzan. No Brasil seu personagem QuebraQueixo rendeu-lhe diversos prêmios. Foi animador de desenhos animados como Smurfs, Snorkels e Flintstones da Era Dourada para a Hanna-Barbera. Em 1998, tornou-se um dos fundadores do estúdioescola Fábrica de Quadrinhos, que deixou em 2002 para fundar a escola Quanta Academia de Artes. Foi diretor do video-clipe em animação “Os Cegos do Castelo” da banda Titãs, desenhista de produção do programa de tevê “As Aventuras de Tiazinha” para a rede Bandeirantes, ilustrador de veículos como Playboy, Veja, Exame, Marrie Claire, Superinteressante, Época e Folha de S. Paulo; desenhista e ilustrador para agências de publicidade do país e do exterior; designer de capas e encartes de CD para as gravadoras Warner, Abril Music e Trama; e ilustrador de livros para as editoras Saraiva, Atica, Moderna, Fisk e MBooks, entre outras. Lançou o álbum autoral Talvez Isso... pela editora Casa 21, e participou da exposição Design Brasileiro – Uma Mudança do Olhar, organizado pela Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP) no Itamaraty – Brasília, que viajou todo Brasil e exterior.


Concurso de ilustrações HQ Lit! Recebemos algumas artes dos leitores Lit! E temos a honra de publicar as melhores! Além de ter sua arte publicada, o grande vencedor ainda leva uma incrível HQ! A mais nova edição do Quebra-Queixo Technorama vol. 3 autografada e “desenhografada” pelo seu criador, o renomado Marcelo Campos! Está arrancando os cabelos por ter ficado de fora dessa? Então não perca mais tempo! Corra pra prancheta e prepare-se para enviar suas ilustrações para a próxima edição! Leia o regulamento completo no site: www.revistalit.com.br

1º Lugar: Por Bruno de Paula Vieira

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2ยบ Lugar: Fan Art Por Bruno de Paula Vieira

3ยบ Lugar: Por Ednei Assis

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