EMPRESAS Estratégia
Ingredientes para crescer
Como a rede paulistana de confeitarias Cristallo planeja expandir-se ao abrir unidades em mais regiões do país e vender seus produtos em empórios e supermercados IGOR DOS SANTOS
pal da confeitaria Cristallo, em São Paulo, acontece aos domingos, entre 3 e 6 horas da tarde. É quando as famílias estão saindo dos restaurantes e das lojas chiques da rua Oscar Freire, reduto de compras da cidade e onde fica a loja. São pessoas atrás das famosas bombinhas com recheios de creme, avelã e licor Baileys, livres de conservantes — a mes ma fórmula criada há 60 anos —, ou do ex presso feito com um blend desenvolvido pa ra a marca. “Temos clientes que frequentam a Cristallo desde criança e hoje trazem os fi lhos”, diz Giovanna Poppa, de 66 anos, dona da Cristallo, com o irmão José Poppa, de 64. “Eles exigem o mesmo sabor registrado em suas memórias afetivas.” A Cristallo foi fundada em 1953 pelo pai, o italiano Armando Poppa, que veio para o Brasil alguns anos antes, a convite da família Bauducco, para ajudar na produção das pri meiras fornadas de panetone vendidas no país. Na Itália, Armando trabalhava na Ferre ro, mundialmente conhecida por seus bom bons e cremes de avelã. Os filhos, José e Gio vanna, assumiram a Cristallo em 1979, quan do o patriarca passou a se dedicar à sua verda deira paixão — a invenção de guloseimas, co
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mo confeitos de gianduia e um bolo do tipo floresta negra. “Meu pai trabalhou supervisio nando a fábrica até o último dia de vida”, diz Giovanna. Sob o comando dos filhos, a con feitaria tornou-se uma rede com 15 unidades e prevê faturar 40 milhões de reais em 2014, cerca de 10% mais do que no ano anterior. Agora os donos da Cristallo enfrentam um novo desafio — expandir mais depressa para não perder o momento de consolidação
mineira Taciana Kalili, de 37 anos. A inten ção da Brigaderia é chegar a 200 unidades até 2018. Também em 2013 o fundo Innova, que tem o empresário Jorge Paulo Lemann entre os sócios, comprou 20% da fabricante de sor vetes artesanais Diletto. Por mais de três décadas, os Poppa foram contrários a uma expansão acelerada da Cristallo. “Recebemos mais de 50 e-mails por mês de pessoas propondo parcerias ou que
Não queremos ganhar escala deixando de lado o padrão que construímos durante décadas — JOSÉ POPPA
pelo qual passa o mercado de docerias e ali mentos gourmet. Até aqui, o crescimento da Cristallo foi tímido quando comparado a concorrentes como Kopenhagen e Cacau Show, que em pouco mais de duas décadas construiu uma rede com 1 600 lojas. Em 2013, a própria Cacau Show montou um fundo de investimento com 100 milhões de reais para adquirir participações em outras varejistas. A primeira aquisição foi a Brigade ria, rede especializada em brigadeiros com 11 lojas no estado de São Paulo, fundada pela
rendo abrir franquias”, diz José. “Não dáva mos muita atenção.” O receio era perder o controle sobre a qualidade dos produtos, o principal aspecto que fez a marca angariar um público fiel, sobretudo das classes A e B. “É uma característica da qual não queremos abrir mão”, diz Giovanna. Todos os docinhos e salgados que abastecem as lojas, por exem plo, saem dos fornos de uma fábrica própria, no bairro do Limão, em São Paulo. “São pro dutos que precisam ser repostos diariamente para manter a textura e o sabor”, afirma José.
DANIELA TOVIANSKY
O
período mais movimentado na loja princi
José e Giovanna Poppa, da Cristallo, na principal loja da marca, em São Paulo: em busca de um sócio estratégico para a sucessão
EMPRESAS Estratégia
DANIELA TOVIANSKY
Taciana Kalili, da Brigaderia: aporte de capital para chegar a 200 lojas até 2018
Mais fermento na receita Três frentes recentes de expansão da Cristallo
VENDAS
PRODUÇÃO
LOJAS
Alguns produtos da marca, como o café e o pão de queijo, serão vendidos em empórios e supermercados para as classes A e B POR QUÊ? A Cristallo fez uma pesquisa em que 40% dos clientes disseram que gostariam de preparar em casa os mesmos produtos servidos nas lojas
A empresa investiu numa tecnologia de refrigeração que congela salgados e doces sem perder o sabor e a consistência POR QUÊ? A técnica permite o transporte de mercadorias para regiões distantes da fábrica, onde antes não havia lojas, como em Salvador, na Bahia
A Cristallo negocia abrir unidades em prédios comerciais, onde há um fluxo frequente de pessoas que trabalham no local POR QUÊ? As unidades de São Paulo no Hospital 9 de Julho e no E-Tower, sede de multinacionais, geram tíquetes 20% maiores que a média das lojas
Em 2014, os irmãos contrataram uma con sultoria para ajudá-los a traçar estratégias de expansão. Uma das ideias colocadas em prática foi investir numa tecnologia de re frigeração chamada supercongelamento. A técnica permite o transporte de doces e salga dos para lugares distantes da fábrica sem que percam a consistência. “Isso nos deu a possi bilidade de abrir lojas em outras regiões do país”, diz José. A primeira unidade beneficia da com o método foi a de Salvador, na Bahia. 56 | Exame PME | Dezembro 2014
Outra oportunidade detectada recente mente foi a abertura de unidades em edifí cios-sede de grandes empresas. A Cristallo já tem duas unidades nesse modelo. Uma está localizada no E-Tower, sede de empresas co mo o canal de TV Discovery e o banco Cru zeiro do Sul. A outra fica no Hospital 9 de Julho. Segundo estimativas de mercado, lojas de alimentação dentro de edifícios comer ciais geram um tíquete de vendas 20% supe rior à média de uma unidade de rua, pois
não há a concorrência de serviços similares no mesmo local. “Estamos negociando com mais administradoras prediais”, diz José. Uma terceira frente de expansão é a venda dos produtos da marca, como o café e o pão de queijo, em supermercados de alto padrão, como o St. Marche e a Casa Santa Luzia, em São Paulo. A Cristallo fez uma pesquisa e 40% dos clientes disseram que gostariam de preparar em casa o mesmo café servido nas lojas. “Estamos adaptando a produção, e o primeiro lote deverá ser colocado à venda até abril de 2015”, diz José. Enquanto lidam com os vários planos de crescimento, os irmãos têm uma questão de licada para resolver daqui para a frente — a sucessão na empresa. “A Giovanna não tem filhos, e os meus estão felizes na carreira”, afirma José. “Eles não pensam em assumir o negócio.” Algumas possibilidades são cogi tadas. Neste momento, a Cristallo negocia com fundos de investimento a venda de uma parte da empresa ou a fusão com outra marca do setor. “O conservadorismo dos só cios trouxe a Cristallo até aqui”, afirma Leo nardo Toscano, da Excelia, consultoria em gestão de pequenas e médias empresas. “A maior dificuldade será adaptar um ambiente familiar a uma cultura de entrega de resulta dos e métricas mais agressivas.” n