Exame PME 80 - Livros - De Zero a Um

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Prontas para crescer

No livro De Zero a Um, o americano Peter Thiel, fundador do PayPal e investidor no Vale do Silício, relata os aspectos fundamentais para construir uma startup de sucesso ­— e que podem servir de inspiração para seu negócio IGOR DOS SANTOS

A

palavra de Peter Thiel é lei no Vale do Silício. O americano ganhou notoriedade ao fundar em 1998 o PayPal, empresa que faz intermediação de pagamentos na internet. Cinco anos depois, o negócio foi vendido ao eBay por 1,5 bilhão de dólares. Depois, Thiel fez parte do primeiro grupo de anjos a colocar dinheiro no Facebook e no Airbnb. Com uma fortuna pessoal estimada em 2 bilhões de dólares, é considerado um dos investidores de startups mais bem-sucedidos. No Brasil, fez um aporte de 13 milhões de dólares na loja online de móveis Oppa. Em seu primeiro livro, De Zero a Um, Thiel descreve como uma startup pode sobreviver à concorrência e ganhar relevância. Exame PME reuniu alguns aspectos defendidos pelo investidor. Veja a seguir. 72 | Exame PME | Dezembro 2014

Faça um produto ou serviço original

T Quanto mais você compete, mais se torna parecido com o resto

hiel afirma que grandes negócios são criados

com base em “segredos em aberto” — aqueles que todos enxergam o problema, mas ninguém achou ainda a solução — sobre o funcionamento do mundo. É o caso do Airbnb, startup de aluguel de quartos por temporada. Seus fundadores perceberam que não existia uma forma confiável para que viajantes e donos de imóveis pudessem negociar estadias. Diante dessa situação, eles desenvolveram uma saída para o problema — um site que conecta pessoas com quartos para alugar a outras que buscam hospedagem de baixo custo. Atualmente, o

Airbnb soma mais de 20 milhões de usuários e um valor de mercado superior a 13 bilhões de dólares. Uma fórmula mágica para criar um produto ou serviço original não existe, mas Thiel descreve dois fatores comuns aos empreendedores que conseguiram a façanha: eles acharam uma oportunidade de negócio em mercados pouco explorados e fizeram uso criativo da tecnologia para viabilizar a operação. “O próximo Bill Gates não vai criar um sistema operacional, tampouco o próximo Mark Zuckerberg uma rede social”, diz Thiel. De acordo com ele, fazer mais do mesmo leva o mundo de 1 a lugar nenhum. Quando se cria um produto ou serviço inédito, acontece uma inovação — algo que sai de zero

para 1, daí o nome do livro. Inovar é mais comum dentro de startups porque o tamanho reduzido proporciona espaço para pensar. “As grandes empresas têm um patrimônio a zelar e por isso se arriscam menos.”

Comece num nicho do nicho

N

a visão de Thiel, as empresas líderes do ama-

nhã não vencerão competindo de maneira impiedosa no mercado de hoje. “Quanto mais você compete, mais se torna parecido com todo o resto”, diz. “A competição destrói os lucros dos indivíduos, das empresas e da sociedade como um todo.” De

Peter Thiel, fundador do PayPal: um dos primeiros investidores a colocar dinheiro no Facebook

acordo com Thiel, qualquer negócio deve começar estimulando o desenvolvimento de um micromercado. “O alvo perfeito para uma startup são algumas pessoas específicas concentradas num grupo, mas servidas por poucos ou nenhum concorrente”, afirma. Para Thiel, é mau sinal quando um empreendedor diz que pretende conquistar 1% de um mercado de 100  bilhões de dólares. A competição implacável fará com que os lucros sejam próximos de zero. O PayPal, por exemplo, não teve sucesso ao lançar o primeiro produto em 1999 porque investiu, logo de cara, em um público grande demais. O sistema permitia às pessoas transferir dinheiro de um Palm (avô dos tablets) para outro, bastando encostar os aparelhos, uma inovação para a época. Obviamente, o Palm tinha milhões de usuários espalhados pelo mundo, mas eles não podiam se reunir num único lugar — algo necessário para concluir a transação. O PayPal só se transformou num negócio relevante quando se concentrou em conquistar um tipo de cliente bastante específico — os vendedores com as notas mais altas no site de leilões eBay. “Conseguimos convencê-los a usar a ferramenta para enviar e receber pagamentos por e-mail, substituindo os cheques, que demoravam até dez dias para chegar”, diz Thiel. Três meses depois, a empresa já atendia quase 30% dos vendedores. Dali para a frente, ganhou reputação e escala para atender mercados similares e ligeiramente maiores, e depois outros nichos, e assim sucessivamente. Thiel dá outros exemplos. O Facebook, que hoje está cotado em 200 bilhões de dólares na bolsa de valores, nasceu como uma rede social para alunos de Harvard. Na verdade, como versão politicamente correta de um site que anteriormente tinha dado o que falar: o Facemash, que exibia fotos das alunas da faculdade e permitia uma eleição online das mais bonitas. Algo parecido aconteceu com a Amazon. A empresa de Jeff Bezos dominou o mercado de livros e só depois se aventurou em setores afins, como CDs, vídeos e softwares. Dezembro 2014 | Exame PME | 73


KRISTA ROSSOW/NATIONAL GEOGRAPHIC SOCIETY/CORBIS/LATINSTOCK

LIVROS Startups

Destaque-se em alguns aspectos

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o mundo real fora da teoria econômica, uma em-

presa faz sucesso exatamente na medida em que realiza algo que as outras não conseguem. Um negócio chega a esse patamar ao criar uma espécie de monopólio, de acordo com Thiel. Aqui, não se trata de concorrência desleal ou qualquer conduta ilegal. “Está claro que os lucros monopolistas da Apple por projetar, produzir e vender o iPhone foram a recompensa por criar maior abundância de recursos, não escassez: os clientes ficaram satisfeitos por ter a opção de pagar preços mais al74 | Exame PME | Dezembro 2014

tos para obter um smartphone que, de fato, funciona”, diz Thiel. Um monopólio não é alcançado necessariamente por causa do produto. Pode ser construído por meio de uma rede de distribuição eficaz, por ganhos de escala ou na construção de uma marca forte, como a Coca-Cola. “Faça algo que melhore a vida das pessoas em pelo menos dez vezes e você terá destaque em relação a seus concorrentes”, diz Thiel. Ele argumenta que o Google é um bom exemplo de quem inovou e foi de zero a 1. A empresa não tem concorrente em tecnologias de buscas desde o início dos anos 2000, quando se distanciou da Microsoft e do Yahoo! ao desenvolver um produto superior. Segundo Thiel,

os negócios monopolistas podem se dar ao luxo de pensar em outras coisas além de ganhar dinheiro, como fazer planos de longo prazo e financiar projetos de pesquisa ambiciosos. Por outro lado, toda empresa em mercados altamente competitivos pre­­­­cisa vender pelo mesmo preço, o que pode resultar em prejuízo. O escritor russo Leon Tolstoi diz no livro Anna Karenina que “todas as famílias felizes são parecidas entre si. Já as infelizes são infelizes cada uma à sua maneira”. Para Thiel, todas as empresas felizes são diferentes: cada uma conquista um monopólio ao solucionar um problema singular. As infelizes são iguais: fracassaram por se submeter à concorrência predatória.

LUCAS LIMA/VEJA SP

Max Reichel, da loja virtual de móveis Oppa: aporte de 13 milhões de dólares

Escolha as pessoas certas

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ma startup bagunçada em sua fundação não

consegue ser toda consertada. No Vale do Silício, essa frase ficou conhecida como a “lei de Thiel”, de tanto ser dita por seu autor. O início é um momento único de uma empresa. Más decisões tomadas nessa fase são difíceis de ser corrigidas depois. “Como fundador, sua primeira missão é acertar nas primeiras coisas, porque você não pode construir uma grande empresa sobre fundamentos falhos”, diz Thiel. Ele aponta como um erro abrir um negócio com pessoas recém-conhecidas como sócias, por exem-

Escritório do Airbnb, nos Estados Unidos: oportunidade num mercado pouco explorado

plo. “Quando penso em investir numa startup, estudo as equipes fundadoras. Elas devem partilhar uma pré-história antes de fundar a empresa.” Para Thiel, toda empresa é uma cultura, e seus sócios e funcionários devem compartilhá-la. Para encontrar as pessoas ideais, é preciso saber o que vai atrair esse funcionário. Dois fatores são fundamentais para alguém querer entrar no barco: a missão e a equipe. “No PayPal, se você estivesse empolgado com a ideia de criar uma nova moeda digital para substituir o dólar americano, iríamos querer conversar com você”, afirma Thiel. Sobre a equipe, ele diz que o proprietário deve ser capaz de explicar por que a empresa dele é o local perfeito para o novo empregado. “Se você não conseguir fazer isso, provavelmente essa pessoa não é o funcionário certo para seu negócio.” Thiel também defende que as famosas mordomias do Vale do Si­ lício não devem ganhar prioridade num processo de contratação. “Qualquer um que seja intensamente atraído por serviços de lavanderia grátis ou creche para bichos de estimação seria um acréscimo ruim à sua empresa.”

Outra premissa é que todos que se envolvem com sua empresa devem trabalhar em tempo integral, pelo menos é o que pensa Thiel. Ele é contra trabalhadores temporários e consultores. “A tendência desses profissionais será distribuir valor no curto prazo, o que não ajuda a criar valor no longo prazo”, diz. Até mesmo o trabalho remoto é visto como uma prática a ser evitada. “Quando as pessoas não trabalham juntas o tempo todo, pode haver um desalinhamento grande.”

Seja o exemplo para seus funcionários

É mais fácil começar dominando um pequeno mercado do que tentar conquistar um grande

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aron Levie, fundador da Box, startup que forne-

ce armazenamento de dados na nuvem, morou num quartinho com apenas um colchão durante os primeiros quatro anos da empresa. Ele fazia questão de ter um salário menor do que todos os funcionários. A equipe, por sua vez, notava o esforço de Levie. Para Thiel, o presidente de uma startup não deve receber muito mais do que 15 000 dólares por mês. Isso Dezembro 2014 | Exame PME | 75


PETER DASILVA/THE NEW YORK TIMES

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Aaron Levie, fundador da Box: o salário mais baixo da empresa

porque o salário do CEO serve de parâmetro para todas as demais remunerações do médio e baixo escalão. É claro que nenhum funcionário gosta de ter um salário abaixo da média do mercado. Uma forma de contornar essa situação é distribuir ações da empresa. “Qualquer um que prefira ter parte de seu negócio a ser pago em dinheiro revela uma preferência pelo longo prazo e um empenho em aumentar o valor de sua empresa no futuro”, diz Thiel. Ele recomenda cuidado ao distribuir participações da empresa. Dar a todos a mesma quantidade é um erro, por exemplo, já que as funções e as responsabilidades são distintas. “Os funcionários iniciais costumam obter mais participação acionária porque correm mais risco”, afirma Thiel. “Mas alguns empregados que entraram depois podem ser ainda mais cruciais para o sucesso do empreendimento.” Um exemplo de confusão nesse sentido é o caso de um grafiteiro que pintou as paredes do escritório do Facebook em 2005 e recebeu ações que 76 | Exame PME | Dezembro 2014

hoje valem 200 milhões de dólares. Enquanto isso, um engenheiro que começou na empresa em 2010 pode ter ganhado apenas 1% dessa quantia.

Forme uma equipe vendedora

N Startups são o ambiente ideal para criar produtos inovadores

uma startup todas as pessoas devem saber ven­

der. “Não importa qual é sua função — fundador, cofundador, analista, investidor —, você tem um produto para vender”, afirma Thiel. Na essência, o processo de distribuição e venda de uma mercadoria é o que gera faturamento. Porém, os clientes não vão aparecer só porque a empresa desenvolveu algo supostamente inovador. Por melhor que seja seu produto, se não houver um jeito eficaz de vendê-lo, você tem um mau negócio. O desafio é criar um processo pelo qual uma equipe de vendas possa levar o produto a um público maior. Para a Box, foram as vendas presenciais que deram certo, mesmo sendo

um negócio virtual. A empresa sofria com a falta de conhecimento das pessoas em relação a seu serviço. A equipe formada pela Box conseguiu a primeira grande venda para um departamento da Clínica do Sono de Standford. Passado um tempo, todos os estudantes e professores de Stand­ ford usavam a ferramenta. “Eles não teriam vendido nada se tivessem oferecido primeiro ao presidente da instituição uma tecnologia revolucionária para toda a organização”, diz Thiel. Vendas maiores, na casa dos milhões, podem levar meses para ser rea­ lizadas. Nesses casos, a melhor maneira é não ter vendedores. Alex Karp, CEO da Palantir, empresa de análise de dados fundada por Thiel e Karp, passa 25 dias por mês em busca de novas vendas. Ele se encontra com clientes atuais e possíveis compradores. As vendas da empresa variam de 1 milhão a 100 milhões de dólares. “Nesse nível de preço, os compradores não querem conversar com o diretor comercial”, diz Thiel. “Eles querem falar diretamente com o dono.” n


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