Eduardo Giglio, do Blumpa:
a cada dois meses, ele faz faxina, literalmente, na casa de um cliente
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RAQUEL CUNHA/FOLHAPRESS
FAZER MELHOR Processos
GENTE QUE
FAZ
Por que as pequenas e médias empresas em que o dono e os executivos colocam a mão na massa — como varrer a casa dos outros e lidar com a louça suja — podem ser mais eficientes IGOR DOS SANTOS
N
o mundo das empresas, é muito comum que a distância entre os empregados da linha de frente e a diretoria fique cada vez maior à medida que o negócio cresce e se torna mais complexo. E não é difícil que o alto escalão comece a criar processos e a tomar decisões apenas com base em relatórios e planilhas, sem considerar o impacto causado no trabalho dos funcionários que realmente colocam a mão na massa. Uma alternativa para evitar esse descompasso é criar um programa de imersão, em que sócios e funcionários administrativos passam um tempo trabalhando no “chão de fábrica”. É um método chamado management by walking around — ou, em bom português, gerir gastando sola de sapato. A ideia é identificar problemas e oportunidades de melhorias difíceis de ser percebidas por quem fica trancado no escritório. A seguir, leia um guia sobre como elaborar um programa desse tipo.
ESCOLHER OS
PARTICIPANTES De acordo com os especialistas, qualquer funcionário pode participar do programa de imersão, mas a presença dos sócios e dos gestores é indispensável. “Em períodos
de economia estagnada como o atual, que demandam mais produtividade e combate à ineficiência, os diretores não podem passar o dia no escritório manuseando documentos”, diz Josué Bressane Junior, diretor da consultoria de recursos humanos Gemte. “É preciso um entendimento detalhado do que está acontecendo nas lojas, nas filiais e também fora da empresa, com clientes e fornecedores.” A bem da verdade, apenas aprovar contas e ler relatórios nunca foi suficiente para tomar boas decisões à frente de uma empresa.
Veja o que aconteceu na Vivenda do Camarão, rede de restaurantes de frutos do mar que faturou estimados 200 milhões de reais em 2014. Alguns anos atrás, o sócio Fernando Perri, de 65 anos, percebeu, durante as reuniões mensais com seus gerentes e diretores, que alguns deles sugeriam mudanças em aspectos ligados às lojas que, na prática, eram inviáveis. “Pelo que era dito nesses encontros, ficava clara a incompreensão sobre as operações de nossas unidades”, afirma Perri. As incoerências podiam ir do desconhecimento de algum item do cardápio, por exemplo, à sugestão de reduzir a quantidade de funcionários num restaurante que não podia se dar a esse luxo. Diante da situação, Perri decidiu criar um programa de reciclagem para os 25 funcionários do setor administrativo com cargos de chefia, que batem ponto na sede, em Cotia, na Grande São Paulo. “Com o crescimento da empresa, alguns executivos deixaram de lado o hábito de acompanhar o dia a dia das lojas”, diz Perri. Desde 2009, uma vez por mês, um executivo é escalado para passar um dia inteiro dando expediente numa loja. Lá, ele exerce funções que vão desde preparar os pratos, como massas, risotos e grelhados, até atender a clientela e fechar o caixa. Nem os filhos de Perri — Rodrigo, de 38 anos, e Diego, de 37, Janeiro 2015 | Exame PME | 67
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DEFINIR A
PERIODICIDADE Logo no segundo mês de funcionamento do Blumpa, site que intermedeia a contratação de diaristas para serviços domésticos, o fundador Eduardo Giglio, de 24 anos, precisou arregaçar as mangas para limpar a casa de um cliente. “A faxineira escalada para o trabalho deu o cano e eu mesmo fui substituí-la”, diz Giglio. A única experiência que ele tinha na função era do tempo em que fazia intercâmbio na Europa e precisava limpar o próprio apartamento para economizar dinheiro. Pelo serviço, Giglio recebeu nota 7 (todas as faxinas contratadas pelo Blumpa são posteriormente avaliadas pelos clientes). “Perdi pontos ao esquecer um pano molhado no canto da cozinha”, afirma. A experiência forneceu ao empreendedor a oportunidade de entender os detalhes que as pessoas mais valorizam ao contratar uma faxina. A expectativa do Blumpa é faturar 3 milhões de reais em 2015, três vezes mais do que no ano passado. A empresa fica com uma comissão que varia de 20% a 30% sobre os agendamentos. Atualmente, Giglio ordena que todos os dez empregados da startup — acostumados a passar o dia no computador — ajudem uma faxineira a fazer seu trabalho. A cada dois meses, os programadores e designers devem reservar um dia do expediente para lavar louças, limpar banheiros e lustrar móveis. “Tocar uma startup por controle remoto não funciona”, diz Giglio. De acordo com os especialistas, cada empresa deve estabelecer a periodicidade adequada para o programa de imersão segundo sua realidade. “Para evitar bagunça, uma pessoa deve ficar responsável por conciliar as agendas e montar o calendário de visitas”, diz Maurício Galhardo, sócio-diretor da consultoria em gestão Praxis Business. 68 | Exame PME | Janeiro 2015
orientado a não palpitar imediatamente sobre a forma de trabalho nem dar broncas. A recomendação é relatar ao supervisor da unidade a situação observada, para que ele tome as medidas necessárias. “Nesses momentos, é a hierarquia da linha de frente que deve prevalecer”, diz Filho. “De outra forma, os empregados ficam confusos sobre a quem obedecer.”
MONTAR A GRADE DE ATIVIDADES
Antes mesmo de sair do escritório para ir à loja ou à fábrica da empresa, o executivo deve saber exatamente quais serviços vai realizar. “É necessário que ele tenha acesso a um cronograma detalhado com as tarefas a ser cumpridas em cada momento do dia”, diz Dorival Donadão, sócio da DN Consult, especializada em cultura organizacional. Entre as atividades programadas, é importante estabelecer um rodízio de funções. Assim, os gestores podem conhecer melhor as particularidades de cada tipo de trabalho na linha de frente. Na data combinada, uma pessoa do RH pode acompanhar o funcionário que vai passar pela experiência. No caso de uma loja, o indicado é que o gerente do local faça uma reunião antes do expediente para passar informações e apresentar o executivo aos demais empregados.
APERFEIÇOAR OS PROCESSOS
PREPARAR OS PARTICIPANTES
Segundo os especialistas, os funcionários e os sócios devem ser orientados a seguir as mesmas regras dos demais enquanto estiverem participando do programa. O uso de celular para resolver questões do escritório, por exemplo, não deve ser permitido caso o aparelho seja proibido para os outros. “O ideal é o participante receber um caderninho com orientações sobre comportamentos, trejeitos e vocabulários usados na área de imersão”, diz Américo José da Silva Filho, sócio-diretor da Cherto Atco, consultoria em treinamento e processos. Durante o programa, os executivos da Vivenda do Camarão vestem — literalmente — a camisa. “Nós usamos o mesmo uniforme do pessoal da loja, seguimos a mesma rotina, com horários para entrar e sair, e as mesmas metas”, diz Perri. É comum que o funcionário administrativo encontre falhas na execução dos processos feitos pela equipe de base. Ele deve ser
GABRIEL RINALDI/OWNER
diretores da empresa — escapam das atividades. “Quando atingem determinado estágio na carreira, alguns executivos resistem a ‘sujar as mãos’ na cozinha”, diz Perri. “Eles acham que é perda de tempo.” Se isso acontecer, o empreendedor deverá deixar claro quais são os objetivos do programa e os benefícios que a prática pode trazer ao negócio.
Fernando Perri, da Vivenda do Camarão:
cozinheiro e atendente por um dia para vivenciar a vida como ela é em suas lojas
O objetivo final de um programa de imersão é que os executivos e os sócios tenham subsídios para questionar o modo como as tarefas são realizadas, rever decisões e indicar melhorias em processos antiquados. Também é uma ótima maneira de conhecer a história dos empregados e as dificuldades que eles enfrentam no dia a dia. Os especialistas sugerem que o participante escreva um relatório contando os pontos positivos e negativos da experiência. No Blumpa, algumas mudanças foram feitas depois que os funcionários começaram a ajudar na limpeza das casas. A lista de produtos de limpeza indicados para os moradores comprarem, por exemplo, passou por adaptações. “As faxineiras reclamavam que os clientes sempre esqueciam alguns itens de limpeza importantes para manter a qualidade do serviço”, diz Giglio. “Agora enfatizamos que são materiais obrigatórios.” Na Vivenda do Camarão, as sugestões de melhorias são levadas às reuniões da diretoria, que decide se a implantação deve ser levada adiante. “Na última imersão, percebi que um funcionário podia perder praticamente 3 horas por dia apenas manuseando um molho de alcaparras, dependendo do movimento da loja”, diz Perri. O condimento pode ser adicionado em pratos como o salmão grelhado. Na ocasião, o molho chegava às lojas em embalagens de 1 quilo. Cada vez que um cliente solicitava o produto, um empregado da cozinha tinha de separar uma pequena quantidade para ser colocada no prato. Dali para a frente, a Vivenda do Camarão passou a armazenar o molho em potinhos de 50 gramas, o tamanho exato usado numa porção. “O tempo de preparo dos pratos caiu pela metade, pois agora basta aquecer o molho na hora e colocá-lo em cima da carne”, diz Perri. n Janeiro 2015 | Exame PME | 69