EMPRESAS Estratégia
Fidelidade para o povão
A paulista Netpoints, fundada pelo empreendedor Carlos Formigari, faturou 50 milhões de reais em 2014 — o dobro do ano anterior — ao administrar um programa de fidelidade para consumidores emergentes IGOR DOS SANTOS
conhecida por interpretar papéis cômicos na TV e no teatro, tem aparecido numa série de vídeos vista por mais de 2 milhões de pessoas na internet. Na série, ela conversa com famílias e grupos de amigos prestes a viajar de ônibus para lugares turísticos do estado de São Paulo, como Campos do Jordão, Ubatuba e a própria capital. Heloísa é a protagonista da campanha de divulgação do Curta Viagem, iniciativa da paulistana Netpoints, empresa que mantém um programa de fidelidade voltado para o varejo. Por meio do Curta Viagem, os associados ao programa podem trocar pontos, que ganham ao fazer compras em lojas conveniadas, por passagens rodoviárias. “Já temos parcerias com quatro companhias, que chegam a mais de 75 destinos”, diz o estatístico Carlos Formigari, de 42 anos, presidente da Netpoints. Fundada por Formigari e outros quatro ex-executivos do mercado de cartões de crédito, a Netpoints disputa espaço com outros programas de fidelidade mais antigos, como o Multiplus e o Dotz. Sua grande diferença em relação aos concorrentes é a estratégia montada para atrair os brasileiros que subiram na pirâmide social ao longo da última
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década. A classe C — composta de famílias com renda mensal de 1 792 a 3 273 reais — representa mais da metade da população, segundo o instituto de pesquisas Data Popular. Em 2004, essa parcela dos brasileiros chegava a 40% do total. Apesar de já ser maioria, a classe C responde por apenas 3% dos cadastros em programas de fidelidade. Em seus primeiros anos, a Netpoints criou uma série de vantagens consideradas atrativas pelos consumidores emergentes. Começa com os prêmios. Quem junta pontos pode
adquirir mais de 100 000 produtos. Entre eles há itens que não exigem uma infinidade de pontos, como sanduíches, refrigerantes e vale-compras em supermercados. Uma barrinha de chocolate, por exemplo, vale 160 pontos. Já uma passagem de ônibus de São Paulo para Ubatuba pode ser adquirida por cerca de 2 600 pontos — quantidade que se junta ao fechar uma compra de 520 reais no supermercado. “Com prêmios simples, o usuário usa mais o programa porque não demora a perceber seus benefícios”, diz Formigari.
Pontos para todos
Como a Netpoints se aproximou dos clientes da base da pirâmide
Diversidade de prêmios
Entre os mais de 100 000 produtos e serviços disponíveis para troca estão prêmios que não exigem um número enorme de pontos, como sanduíches, refrigerantes, passagens de ônibus e vale-compra
Vantagens em todo lugar
Em 2014, a Netpoints lançou um cartão pré-pago, que pode ser recarregado pela internet, para que seus usuários juntem pontos mesmo quando fazem compras em lugares que não são credenciados à rede de parceiros do programa
Trocas sem burocracia
Há 600 pontos de troca em locais de grande circulação — como supermercados, lojas de material para construção e de roupas — para que usuários sem acesso à internet possam comprar produtos no balcão
DANIELA TOVIANSKY
D
esde o início do ano, a atriz Heloísa Périssé,
Com prêmios simples, os associados logo percebem os benefícios do programa e acabam usando pontos com mais frequência — CARLOS FORMIGARI
Avião da Gol no Rio de Janeiro: a Smiles detém 25% do capital da Netpoints
Muitos usuários almejados pela Netpoints aprenderam a utilizar a internet depois de adultos e têm pouca familiaridade com o computador. Por isso, a empresa mantém quiosques para resgate de prêmios em mais de 600 locais de grande circulação, como supermercados e lojas de material para construção. Em festas de grande apelo popular, como o Rodeio de Americana e a Festa do Peão de Barretos, há barraquinhas itinerantes para troca de pontos por cachorro-quente e cerveja. Recentemente, a empresa lançou um cartão pré-pago para que os consumidores acu42 | Exame PME | Fevereiro 2015
ANDRÉ LUIZ MELLO/AG. O DIA
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mulem pontos mesmo quando não fazem compras na rede credenciada. “Há quem peça para o patrão depositar o salário no cartão pré-pago para poder acumular pontos ao fazer compras em qualquer lugar”, diz Formigari. Atualmente, 70% da base de usuários da Netpoints pertence à classe C. Num dos concorrentes diretos, o Dotz, essa parcela não ultrapassa um terço do total de filiados. A dinâmica de geração de receitas da Netpoins segue o padrão dos programas de fidelização direcionados ao varejo. As pessoas não pagam nada para participar. Na prática,
funciona assim: cada vez que um associado do programa faz uma compra numa loja conveniada, a Netpoints credita certo número de pontos ao comprador. Nesse momento, a loja faz um pagamento à Netpoints, que corresponde ao número de pontos creditados. É daí que vêm as receitas. Mais tarde, o associado troca os pontos por prêmios, cujo custo sai do caixa da Netpoints. A operação dá lucro se o custo dos prêmios for menor do que a receita com a venda de pontos. No ano passado, a empresa faturou cerca de 50 milhões de reais — praticamente o dobro de 2013. Formigari acredita que a Netpoints atingirá o ponto de equilíbrio ainda em 2015. Enquanto não dá lucro, a operação tem sido sustentada por aportes de capital. Além dos fundadores, que controlam um quarto da empresa, a Netpoints tem como sócios a rede de moda feminina Marisa, o family office Turim e a Bozano Investimentos — que também investe em empresas de educação, tecnologia e alimentos. Em 2013, a Smiles, empresa de fidelidade da companhia aérea Gol, comprou 25% da Netpoints como forma de começar sua operação no varejo — um mercado que a Multiplus, criada pela TAM, já explorava desde 2009. “Foi a forma que encontramos de aproveitar o potencial do varejo sem perder o foco inicial da Smiles, que é o programa de fidelidade para quem viaja de avião”, diz Leonel Andrade, presidente da empresa. Até 2019, a Smiles poderá assumir o controle da Netpoints. Curiosamente, o aspecto que diferenciou a Netpoints da concorrência até agora é também um de seus principais desafios para continuar crescendo no futuro. Com a economia em ritmo lento, em 2014 as famílias brasileiras consumiram apenas 0,9% mais do que em 2013 — uma expansão tímida se comparada ao avanço superior a 6% em anos como 2010. Estudos recentes mostram que as demissões causadas pelo baixo crescimento do país nos últimos anos atingiram principalmente os brasileiros da classe C. Para a Netpoints, esse panorama pode ser visto como um percalço — mas também como uma oportunidade. “A economia fraca compromete a renda dos que usam programas de fidelidade, mas isso não é necessariamente uma má notícia para quem já conseguiu uma boa base de usuários”, diz Carlos Daltozo, analista de investimentos do Banco do Brasil. “Quando precisam cortar custos, os consumidores tendem a trocar os pontos com mais frequência.” Em 2014, a Netpoints chegou a uma base de 11 milhões de associados — quase o triplo do ano anterior. n