EMPRESAS Games
A segunda fase começou
As receitas da desenvolvedora de jogos Aquiris, que faturou 4,5 milhões de reais em 2014, vinham do mercado publicitário. Agora são os jogadores que bancam tudo. Até onde ela pode ir? Igor dos Santos
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m seus momentos de folga, quando não está
debruçado sobre livros de cálculos, o passatempo do estudante de engenharia da computação Bruno Marques da Silva, de 19 anos, é jogar videogame. Nos últimos tem pos, um de seus jogos preferidos é o Ballistic, cujo enredo simula uma guerra deflagrada por uma facção de mercenários contra um grupo de cientistas. O que está em questão é uma tecnologia capaz de salvar o mundo de uma crise energética. Pode parecer fanta sioso, mas, para Bruno, o Ballistic é coisa sé ria. No YouTube, onde mantém um canal sob o pseudônimo Nervoso Gamer, há mais de 150 vídeos que mostram seu desempenho no jogo. Ele é adepto de uma prática cada vez mais comum entre os jogadores mais assí duos — a de gravar partidas para ensinar ou tros jogadores a resistir às batalhas por mais tempo. Quem consegue muitos cliques chega a receber uma pequena fração do que o You Tube arrecada com a publicidade veiculada nos vídeos. “Já ganhei uns 400 dólares com o Ballistic até hoje”, diz Bruno. Jogadores engajados, como Bruno, são no vidade na história da gaúcha Aquiris, empre sa que desenvolveu o Ballistic e que, em 2014, faturou 4,5 milhões de reais, 45% mais do que no ano anterior. Até 2012, a Aquiris só
Newzoo, especializada no setor. O Ballistic é representante de um tipo de game promissor — o que permite a interação simultânea de milhares de pessoas. Os entendidos no as sunto chamam esse sistema de MMO (sigla em inglês para multijogadores massivos onli ne). No ano passado, essa categoria represen tou pouco mais de 20% do que o mercado movimentou no mundo todo. Estimativas da Newzoo apontam que, até 2017, essa fatia pulará para um terço do total. A popularização de jogos MMO nos últi mos anos ajudou a tornar comum um novo jeito de ganhar dinheiro com games. Antiga mente, as pessoas pagavam para ter acesso a seus jogos favoritos (seja no console, seja no computador). Nos últimos tempos, as em presas têm adotado um modelo de negócios conhecido como freemium (uma junção das palavras free, “de graça”, com premium). Na prática, os jogadores acessam os games gra tuitamente. Mas, para melhorar seu desem penho, podem comprar benefícios dentro do jogo. No ano passado, 67% dos games MMO arrecadaram desse jeito — um avanço de 3 pontos percentuais em relação a 2013. É assim que o Ballistic, da Aquiris, ganha dinheiro. Bruno, o Nervoso Gamer do início desta reportagem, já gastou mais de 300 reais com itens que custam de 0,75 a 60 reais. “Compro armas mais potentes e acessórios
Quanto mais aperfeiçoarmos o Ballistic, mais tempo os jogadores dedicarão ao game, o que aumenta a chance de gerar receitas recorrentes
Sandro Manfredini, Raphael Baldi, Amilton Diesel, Kely Costa, Israel Mendes (da esq. para a dir.) e Mauricio Longoni (no chão), da Aquiris: formações complementares
divulgação
— AMILTON DIESEL produzia jogos usados em campanhas publi citárias de marcas como Axe, Coca-Cola e Kibon. Por esses jogos, a empresa fechava contratos que rendiam pagamentos fixos. “Esse é um tipo de game que já nasce com da ta para acabar”, diz o empreendedor Amilton Diesel, de 29 anos, que fundou a Aquiris com o amigo de infância Maurício Longoni, de 28. “Geralmente, eles são disponibilizados no site das marcas só durante o tempo em que uma campanha de divulgação é veiculada.” Com o lançamento do Ballistic, em janeiro do ano passado, a Aquiris entrou para valer na disputa pelo gigante mercado de jogos pa ra entretenimento, que movimentou em 2014 mais de 80 bilhões de dólares em todo o mundo — crescimento de 15% em relação a 2012 —, segundo a consultoria holandesa
que diminuem o impacto dos ataques dos inimigos”, diz. Uma das principais vantagens do modelo freemium é que os jogos geram receitas recorrentes para seus desenvolvedo res. “Quanto mais nos dedicarmos a aperfei çoar o Ballistic, mais tempo os jogadores per manecem no jogo e aumenta a chance de eles gastarem lá dentro”, diz Diesel. Um dos principais exemplos desse mode lo de monetização é o League of Legends, de senvolvido pela americana Riot. O título é considerado um dos games online mais po pulares do mundo, com mais de 67 milhões de jogadores. Nele, não é possível comprar vantagens, como no Ballistic. Por lá, vendem -se apenas peças de customização, como roupas e armaduras. Na visão dos executivos da Riot, a melhor maneira de engajar seus Março 2015 | Exame pme | 45
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EMPRESAS Games
As vidas da Aquiris
Os principais momentos da trajetória da empresa e a evolução do faturamento (em milhões de reais)
2007
0,2
Depois de dois anos produzindo maquetes em 3D para empresas dos setores aéreo e imobiliário, a Aquiris começa a desenvolver jogos publicitários para marcas como Axe, Coca-Cola e Kibon. A cada contrato, a Aquiris recebe um valor fixo como pagamento
2010
1,3
Uma parceria com uma desenvolvedora americana de software para animação dá visibilidade internacional à Aquiris. A empresa fecha contrato com o canal americano Cartoon Network para fazer um jogo do desenho animado Ben 10
2012
3,1 Riccardo Zacconi, da King: queda no faturamento com os jogos sociais
O jogo Ballistic começa a ser desenvolvido com financiamento parcial de uma distribuidora de games americana. O acesso é gratuito, mas os usuários podem comprar itens para melhorar seu desempenho — o que gera receitas recorrentes à Aquiris
4,5
O fundo gaúcho CRP compra 25% da empresa. Com o aporte, a Aquiris começa a desenvolver jogos apenas com recursos próprios — o que aumenta seu risco, mas também a possibilidade de melhorar a rentabilidade do negócio Fonte Empresa
Call of Duty (à esq.) e League of Legends: modelos a ser seguidos Activision/AP Photo
2014
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Jin Lee/Bloomberg via Getty Images divulgação/riot games
usuários é criar uma cultura de adoração em torno do game. “Eles compram um item da mesma forma que fãs de rock compram camisetas de suas bandas favoritas”, diz Roberto Iervolino, diretor-geral da Riot no Brasil. Vem dando certo. Em 2014, o League of Legends faturou, aproximadamente, 1 bilhão de dólares em todo o mundo — segundo os analistas do setor, o avanço foi de mais de 50% em relação ao ano anterior. Para a Aquiris seguir esse caminho, seus sócios precisam transpor um desafio. Hoje, só 1% dos jogadores do Ballistic compra alguma coisa no jogo. Segundo especialistas, uma boa taxa de conversão gira em torno de 5%. Uma explicação para isso é que 80% da audiência do Ballistic vem do Facebook — e esses usuários tendem a gastar menos com jogos. Depender tanto da rede social, portanto, não parece uma boa ideia. Não faltam exemplos de empresas que vêm sentindo os efeitos negativos dessa estratégia. A King, responsável pelo Candy Crush Saga, cuja au diência vem predominantemente das redes sociais, anunciou que as vendas caíram 11% no último trimestre de 2014 em relação ao mesmo período em 2013. O game ainda dá lucro, mas a expectativa é que as vendas continuem em queda. Algo assim aconteceu com o Farmville, da americana Zynga. Depois que a febre do game, lançado em 2010, passou, as pessoas deixaram de gastar. O faturamento da empresa, de 1,2 bilhão de dólares em 2012, caiu pela metade no ano passado.
Aquiris vai produzir de forma totalmente independente. Até agora a empresa sempre trabalhou no esquema de coprodução. O Ballistic, por exemplo, é fruto de uma parceria com a distribuidora americana Rumble, que financiou parte do projeto e é responsável pelas campanhas de divulgação fora do Brasil. Em troca, ela fica com 30% do que é arrecadado com o jogo. Criar um novo título só com recursos próprios aumenta o risco da Aquiris — mas, se tudo der certo, a possibilidade de ganhos também é maior. “Queremos desenvolver jogos com mais tempo de vida, que possam ser atualizados todos os anos e se tornar uma espécie de franquia de entretenimento”, afirma Diesel. O raciocínio é muito parecido com o o da gigante americana EA Games, dona de títulos como Fifa, Need for Speed e Call of Duty. Todos esses jogos já tiveram pelo menos 12 versões lançadas no mercado — e renderam 4,3 bilhões de dólares em faturamento no ano passado, quase 5% mais do que em 2013. Se a história da Aquiris rendesse um jogo, seria possível dizer que muitas vidas já foram deixadas para trás. Fundada em 2005, nos primeiros dois anos a empresa sobreviveu produzindo maquetes em 3D utilizadas em demonstrações de produtos de empresas como Chevrolet e Embraer e por profissionais do setor imobiliário. Com a chegada do sócio Israel Mendes, de 37 anos, que trabalhava com comunicação, a empresa desenvolveu os primeiros jogos publicitários. “Es-
Em 2014, a Aquiris recebeu um aporte estimado em 4 milhões de reais do fundo CRP. Com o dinheiro, os sócios deverão lançar um novo jogo em 2016 Para não passar por situação parecida, a Aquiris vem se preparando para estrear uma nova fase. No ano passado, 25% da empresa foi vendida para o fundo gaúcho CRP por um valor estimado pelo mercado em 4 milhões de reais (a Aquiris e os investidores não confirmam). Com parte desse dinheiro, os sócios querem lançar o Ballistic no portal Steam, frequentado por jogadores mais assíduos do que os dos games sociais. “Pretendemos alcançar 30 milhões de usuários do Ballistic até o ano que vem”, diz Diesel. Outra parcela do investimento será destinada à produção de um novo jogo próprio, com lançamento previsto para 2016, em versões para computador e console. Será o primeiro game de entretenimento que a
sa experiência foi importante para que nossos funcionários aprendessem a transformar uma ideia num jogo com diferentes níveis de dificuldade”, diz Mendes. Nos últimos anos, a entrada de três novos sócios ajudou a profissionalizar a gestão. Kely Costa, de 31 anos, e Raphael Baldi, de 30, cuidam das áreas financeira e de programação, respectivamente. O último a integrar o time foi Sandro Manfredini, de 39, responsável pela área comercial. “A pluralidade da equipe da Aquiris chamou nossa atenção quando estávamos analisando a possibilidade de comprar uma parte do negócio, diz José Augusto Albino, sócio da CRP. “Ter empreendedores que se complementam aumenta as chances de elevar a empresa a um novo patamar.” n Março 2015 | Exame pme | 47
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