Imagem: José Pessoa © DRCN/Museu de Lamego
29 Setembro de 2016| ENTRADA LIVRE
Auditório 1 – Torre B FCSH /NOVA Av. de Berna, 26-C Lisboa Organização: Sílvia Ferreira Medieval and Early Modern Art Studies Research Group
Capela de S. João Evangelista. Museu de Lamego
INSTITUTO DE HISTÓRIA DA ARTE/FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS/UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA Medieval and Early Modern Art Studies Research Group
Seminário: O Património Móvel das Ordens Religiosas face à Desamortização Oitocentista: dinâmicas e desafios 29 de Setembro de 2016 - FCSH/UNL – Torre B - Auditório 1
PROGRAMA SESSÃO I 9.15h - Recepção e entrega de materiais 9.30h - Clara Moura Soares (ARTIS/ Faculdade de Letras/ Universidade de Lisboa) O Património Artístico dos Conventos e o Mercado da Arte no Século XIX 10h - Susana Varela Flor (IHA/FCSH/Universidade NOVA de Lisboa) De Integrado a Disperso: “políticas” ministeriais relativas ao património azulejar 10.30h - Nuno Grancho (ARTIS/ Faculdade de Letras/ Universidade de Lisboa) Elvas um Caso Sui Generis na Desamortização Oitocentista 11.00h COFFEE BREAK 11.30h - Maria Isabel Roque (Universidade Europeia /CIDEHUS-UÉ/FCT) O Destino Museológico dos Objetos Religiosos Desamortizados no Século XIX 12.00h - Sílvia Ferreira (IHA/FCSH/Universidade NOVA de Lisboa) Do Regular ao Secular: a segunda vida dos altares barrocos conventuais 12.30h DEBATE 13-14.30h ALMOÇO
Seminário: O Património Móvel das Ordens Religiosas face à Desamortização Oitocentista: dinâmicas e desafios
SESSÃO II 14.30h - Henrique Leitão e Luana Giurgevich (CIUHCT/ Universidade de Lisboa) A Política de Supressão das Instituições Religiosas Portuguesas e a Inventariação das suas Livrarias (1759-1834) 15h - Hélia Silva (CML/DMC/DPC - Projeto LxConventos) Vendido, Dispersado, Derretido, Queimado: o património das casas religiosas de Lisboa (1833/1909)
15.30h - Maria João Coutinho (IHA/FCSH/Universidade NOVA de Lisboa) Secularização e Fragmentação: a desamortização do património pétreo religioso do período barroco na cidade de Lisboa 16.00h COFFEE BREAK 16.30h - Elsa Murta (LJF-DGPC) Grupo Escultórico “Fuga para o Egipto” do Mosteiro de Nossa Senhora do Paraíso de Évora: o percurso de uma obra e a sua singularidade técnica 17.00h - Ricardo Mendonça (FBA-UL) A Extinção das Ordens Religiosas e o seu Impacte na Colecção de Escultura da Academia de Belas-Artes de Lisboa 17.30h DEBATE 18.00h Encerramento
RESUMOS
Clara Moura Soares (ARTIS/Faculdade de Letras/Universidade de Lisboa)* O Património Artístico dos conventos e o mercado da arte no século XIX Foi atribuladíssimo para o património histórico e artístico dos conventos o processo que se seguiu à extinção das ordens religiosas de 1834. Um verdadeiro “terramoto” que se abateu sobre um património determinado, formado por milhares de objetos de belas-artes, gerando a sua dispersão, perdas irrecuperáveis, mas também a conservação e o restauro de algumas peças selecionadas, que se destinaram a museus e a engalanar inúmeros edifícios públicos e algumas propriedades privadas. Neste complexo processo de laicização do sagrado, o mercado da arte ganhou novas dinâmicas, servindo de palco transitório a inúmeras e valiosas peças que a desamortização de bens do clero, em países como Portugal, Espanha ou França, ia proporcionando. Perdem-se contextos, amputamse histórias para sempre. Ao mesmo tempo, a arte religiosa adquire, paradoxalmente, uma dimensão mercantil, a par de tantos outros objetos laicos, resultando na sua valorização patrimonial e artística, em detrimento da mensagem devocional que motivou a sua existência. Ampliam-se os estudos sobre artistas; crescem as atribuições autorais apressadas; determina-se o valor pecuniário de muitas peças; destacam-se connoisseurs e outros agentes do mercado da arte; acendem-se disputas entre colecionadores; diluem-se as fronteiras de circulação dos objetos; definem-se critérios de gosto; alargam-se e valorizam-se coleções. Na nossa intervenção iremos abordar algumas destas problemáticas, focadas nos contextos que a extinção das ordens religiosas, em Portugal, proporcionaram, procurando contribuir para o conhecimento de uma realidade ainda bastante desconhecida entre nós: o mercado da arte no século XIX.
* Clara Moura Soares é Professora Auxiliar da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e investigadora integrada do ARTIS-Instituto de História da Arte da mesma Faculdade. Licenciouse em História, Variante de História da Arte (1996), na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde também obteve o grau de Mestre em Arte, Património e Restauro (1999). Doutorouse em História, especialidade de História da Arte (2006), na mesma faculdade, com a tese As Intervenções Oitocentistas do Mosteiro de Santa Maria de Belém: o Sítio, a História e a Prática Arquitetónica. Entre 2011 e 2014 foi investigadora responsável do Eneias - A coleção de pintura da Biblioteca Nacional de Portugal: do resgate do património artístico conventual na implantação do Liberalismo ao estudo integrado de conservação e divulgação (PTDC/HIS-HEC/113226/2009). Tem desenvolvido investigação e orientado dissertações de mestrado e teses doutoramento em diversos domínios das ciências do património, nomeadamente da sua gestão, do inventário e da história e teoria do restauro, bem como do turismo cultural, com livros e artigos publicados. É sub-diretora e editora geral da Revista eletrónica ARTis ON http://artison.letras.ulisboa.pt
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Susana Varela Flor (IHA/ FCSH/Universidade NOVA de Lisboa)* De integrado a disperso: “políticas” ministeriais relativas ao Património Azulejar A 18 de Dezembro de 1965 o Decreto Lei nº 46758 (artigo 1º) dava existência legal ao Museu do Azulejo, instalado no antigo Convento da Madre de Deus em Xabregas, sob a iniciativa de João Miguel dos Santos Simões apoiado, a nível institucional, pelo Director do Museu de Arte Antiga (Dr. João Couto) e financeiramente pela Fundação Calouste Gulbenkian. Para trás ficavam mais de cem anos de um limbo jurisdicional relativo ao património azulejar, vítima, em sentido geral, do abandono, da incúria, do desconhecimento, da venda, da dispersão, da reutilização e da perda de memória do objectivo primeiro para o qual foi pensado, encomendado, executado e colocado de forma integrada. Muitas vezes sem história, apenas suportada pelas características técnicas e estéticas que apresenta, a azulejaria portuguesa hoje descontextualizada conheceu o percurso burocrático de gabinetes ministeriais, despachos técnicos e relatórios vagos, agravado pelas dificuldades das sobreposições institucionais. Reflectir sobre este último ponto será o objectivo da nossa intervenção neste seminário dedicado a momentos históricos conturbados que alteraram a percepção da obra de arte e obrigaram a novas perspectivas de investigação.
*Susana Varela Flor é doutorada em História, especialidade Arte, Património e Restauro pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em 2010, com a tese intitulada "Aurum Reginae or Queen-Gold”: a Iconografia de D. Catarina de Bragança entre Portugal e Inglaterra de Seiscentos". Entre 2006-2012, foi coordenadora da Rede Temática em Estudos de Azulejaria e Cerâmica João Miguel dos Santos Simões, tendo sido responsável pela inventariação do seu espólio e pela sua transferência para o Museu Nacional do Azulejo. Integrou ainda o Comissariado Científico da exposição evocativa do centenário do nascimento de João Miguel dos Santos Simões em 2007. Foi investigadora responsável do projecto "Biblioteca DigiTile: Tiles and Ceramic on line" (PTDC/EAT-EAT/117315/2010). No presente é investigadora integrada no Instituto de História da Arte da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e colaboradora no Instituto HERCULES, instituições de acolhimento nas quais desenvolve um projecto de pós-doutoramento – O Retrato Barroco em Portugal (1612-1706): história, arte e laboratório (SFRH/BPD/101741/2014).
Nuno Grancho (ARTIS/Faculdade de Letras/Universidade de Lisboa)* Elvas um caso sui generis na Desamortização Oitocentista A desamortização oitocentista constitui um dos momentos históricos responsável por aquela que é considerada a maior ocorrência de circulação de bens artísticos provenientes dos complexos conventuais, em Portugal Continental. Esse trânsito de peças de cariz religioso e civil, encontra uma representatividade geográfica de âmbito nacional, que facilmente nos permite frequentes generalizações. O estudo que aqui apresentamos é de certo modo, uma excepção a essa realidade, 2
tanto quanto os destinos conhecidos não nos permitem falar de circulação de bens artísticos, com excepção de um número muito reduzido de peças, as quais apenas confirmam essa mesma distinta realidade. Com base na aplicação da lei de 1834 que extinguiu os conventos, nomeadamente na cidade de Elvas, pretendemos demonstrar como em termos práticos o encerramento dos mesmos acabou por ter muito pouca expressividade na movimentação de bens moveis, contrariamente ao património edificado. Consiste esta sua excepcionalidade, face à realidade maioritária ocorrida em Portugal, o verdadeiro interesse deste estudo, contribuindo desse modo, para um maior conhecimento de uma outra vertente dessa mesma realidade. Diferentes factores acabariam por ditar a permanência dos bens nos seus lugares de origem. Os mesmos que travaram a dinâmica por vezes voraz da desamortização, sem que com isso deixasse de abrir um antecedente, no estimulo dado à continuação desse percurso anticlericalista. Esse movimento foi responsável por novas narrativas artísticas, detentoras de um maior impacto na circulação dos bens móveis provenientes das igrejas conventuais elvenses, com especial incidência na I e II República.
*Nuno
Cruz Grancho é licenciado em História, tendo participado em diversos projectos de inventariação, nomeadamente para a Fundação Passos Canavarro em 2005 e, para a Fundação Calouste Gulbenkian nos anos de 2006 e 2007, respectivamente. É mestre em Arte, Património e Teoria do Restauro, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, com o tema a “Extinção dos conventos na antiga diocese elvense: o exemplo histórico-artístico de São Domingos de Elvas” (2011). É autor de diversos estudos no âmbito do património religioso da dita cidade, onde tem vindo a desenvolver acções de sensibilização patrimonial em parceria com a AIAR, a convite da Câmara Municipal. Investigador do ARTIS/ FLUL, encontra-se presentemente, a desenvolver um projecto de doutoramento na mesma instituição, consignado ao estudo da Ourivesaria religiosa espanhola no Portugal dos Filipes.
Maria Isabel Roque (CIDEHUS-UÉ/FCT)* O Destino Museológico dos Objetos Religiosos Desamortizados no Século XIX A extinção das ordens religiosas em Portugal, determinada pelo Decreto de 30 de maio de 1834, estabelecendo a incorporação dos bens dos estabelecimentos masculinos na Fazenda Nacional, deu início à desamortização de um vasto espólio patrimonial, arquitetónico, bibliográfico, arquivístico, ou cartorial, e artístico. Decorrente da tomada de posse destes bens, o Estado assumia, igualmente, a responsabilidade da respetiva guarda, classificação e inventário. Posteriormente, a Lei de 4 de abril de 1861, impondo a expropriação dos bens das ordens religiosas femininas após a morte da última freira, iniciou uma nova fase de desamortizações, em certa medida, corrigindo alguns dos erros cometidos na época precedente. A análise da legislação e dos relatórios publicados acerca do assunto, a partir de 1834, permite estabelecer a diacronia e compreender a complexidade do processo. Surgiram, neste contexto, as primeiras diligências para a constituição de um museu, concebido como um repositório do património e da identidade cultural do país, a partir de um espólio de matriz essencialmente religiosa. O estudo dos critérios museológicos da Exposição de Arte Ornamental, em 1882, que ensaiou a criação do futuro museu, e, portanto, os do Museu de Belas Artes e Arqueologia, aberto ao público em 1884, fundamenta 3
a perceção de que a função ritual ou devocional dos objetos é secundarizada num discurso que valoriza os critérios artísticos e patrimoniais. Em contrapartida, a Exposição de Arte Sacra Ornamental, em 1895, e o Museu de Arte Sacra, na Sé de Coimbra, anunciam uma embrionária tentativa de revelar o sentido religioso destes objetos, para lá da sua condição de obra de arte. A partir destes casos, formula-se a questão da descontextualização e da recontextualização do objeto religioso no museu, enquadrando a hipótese de duas tipologias expositivas distintas que se mantêm ativas até à atualidade.
*Maria Isabel Roque é doutora em História, especialização em Museologia, pela Universidade Lusíada, professora auxiliar e coordenadora da área de história na Universidade Europeia/ISLA, desde 2007 e membro integrado do Centro Interdisciplinar de História, Cultura e Sociedades da Universidade de Évora (CIDEHUS). Integrou os comissariados das exposições Encontro de culturas (Lisboa, 1994; Vaticano, 1996), Fons vitae (Pavilhão da Santa Sé na Expo’98) e 500 anos das Misericórdias portuguesas (Lisboa, 2000). Integrou o grupo de trabalho para a versão portuguesa do projeto internacional Thesaurus: vocabulário de objetos do culto católico. É autora dos livros Altar cristão (Universidade Lusíada, 2004) e O sagrado no museu (Universidade Católica, 2011), além de artigos no âmbito da arte religiosa, da história da museologia e da comunicação no museu. Edita o blogue a.muse.arte.
Sílvia Ferreira (IHA/ FCSH/Universidade NOVA de Lisboa)* Do Regular ao Secular: a segunda vida dos altares barrocos conventuais A nossa comunicação visa abordar o tema do impacto da desamortização oitocentista das ordens religiosas no património de talha da cidade de Lisboa, na perspectiva da reintegração em ambiente sacro. Nos primórdios do processo de extinção das ordens religiosas registaram-se vários pedidos de igrejas seculares às entidades responsáveis por este património, no sentido de suprirem nas igrejas paroquiais a ausência de equipamentos litúrgicos fundamentais. Altares, mas também móveis sacros como teias, guarda-ventos, órgãos, foram alvo de constantes solicitações. Para tal, elegemos casos de estudo tipo que ilustram as particularidades deste movimento de remoção e recolocação. A caracterização das circunstâncias que accionaram as deslocações em estudo, a identificação dos agentes envolvidos nos processos, a interrogação dos critérios de deslocação e adequação e, finalmente, a identificação das transferências e/ou transformações a nível devocional promovidas nos novos espaços de acolhimento, serão questões centrais analisadas nesta comunicação. A nossa análise organizar-se-á, assim, em torno de duas perspectivas: a do objecto que é deslocado, e assim descontextualizado, e a do novo espaço arquitectónico que o recebe. Nesta dicotomia aparente de propósitos, a forma como se articulam e convivem as duas instâncias, objecto e lugar, definem as novas leituras de sentido.
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*Sílvia Ferreira é Doutora em História na especialidade de Arte, Património e Restauro pela Faculdade de Letras de Lisboa, com dissertação dedicada ao tema: A Talha Barroca de Lisboa (1670-1720). Os artistas e as obras. Actualmente é bolseira de pós-doutoramento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (SFRH/BPD/101835/2014) com projecto intitulado: Presença, Memória e Diáspora: Destinos da arte da talha em Portugal entre o Liberalismo e a actualidade. No âmbito dos seus estudos sobre a arte da talha das oficinas de Lisboa tem participado em congressos, colóquios e outros encontros de carácter científico, promovidos no país e no estrangeiro. Para além de outras publicações de sua autoria destacam-se as monografias: A Talha. Esplendores de um passado ainda presente, (sécs. XVI-XIX), (colecção “A Arte nas Igrejas de Lisboa”), Lisboa, Nova Terra, 2008 e A igreja de Santa Catarina. A talha da capela-mor, Lisboa, Livros Horizonte, 2008.
Henrique Leitão* e Luana Giurgevich** (CIUHCT/Universidade de Lisboa) A Política de Supressão das Instituições Religiosas Portuguesas e a Inventariação das suas Livrarias (1759-1834) No longo processo de secularização dos bens eclesiásticos, as bibliotecas das instituições religiosas tornaram-se num dos principais centros de interesse governamental. Essas importantes colecções de livros foram alvo de estratégias político-culturais por vezes drásticas, mas sempre independentes da administração interna das próprias congregações religiosas. Por um lado, a intervenção estatal foi decisiva na dispersão do património bibliográfico eclesiástico; por outro, foi determinante na gestão destas livrarias e na sua inventariação. Nesta comunicação vai ser traçada uma cronologia e análise das principais fases de inventariação das bibliotecas eclesiásticas tendo como datas-limite a expulsão da Companhia de Jesus em 1759 e a extinção de todas as ordens regulares masculinas de 1834.
*Investigador no Centro Interuniversitário de História das Ciências e da Tecnologia (CIUHCT), e docente no Departamento de História e Filosofia das Ciências, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Com uma vasta obra no estudo da ciência europeia nos séculos XV a XVII, tem também trabalhado em história do livro científico.
**Investigadora
no Centro Interuniversitário de História das Ciências e da Tecnologia (CIUHCT), da Universidade de Lisboa. Especialista de história do livro e das bibliotecas em Portugal, tem trabalhado sobretudo sobre fundos monásticos nacionais. Tem publicado em Portugal e no estrangeiro e organizado encontros internacionais sobre o tema.
Hélia Silva (CML / DMC /DPC – Projecto LxConventos)* Vendido, dispersado, derretido, queimado: o património das casas religiosas de Lisboa (1833/1909) 5
No início de Oitocentos existiam em Lisboa 70 casas religiosas em funcionamento, 40 masculinas e 30 femininas. Na presente comunicação pretende-se, de forma esquemática, apresentar as vicissitudes de um processo que vendeu, dispersou, mandou derreter e queimou de forma sistemática os bens destes verdadeiros polos culturais. O Decreto de 31 de maio de 1834, que extinguiu todos os Conventos, Mosteiros, Collegios, Hospicios, e quaes quer Casas de Religiosos de todas as ordens Regulares, abriu caminho a um processo de dispersão de bens móveis e imóveis que decorreu em Lisboa ao longo de 76 anos. A portaria de 4 de junho seguinte veio explicitar as instruções para o cumprimento do Decreto, nomeadamente através das orientações para se proceder ao inventário dos objetos destas casas, dividido em cinco categorias: Vasos sagrados e paramentos; Objetos preciosos não sagrados; Objetos de refeitório, cosinha, enfermaria, e mais mobília do comum; Livrarias, e manuscriptos; Casco, cerca, prédios rústicos e urbanos, fóros, pensões, títulos de juros, dinheiro, e outros quaisquer efeitos de valor. São estes inventários que nos permitem acompanhar o percurso de muitos dos bens que existiam nestas casas assim como perceber a forma como muitas das coleções de Museus, Bibliotecas e Arquivos Nacionais foram criados. Por outro lado, o estudo do desenvolvimento urbano de Lisboa de finais do século XIX e inícios de XX não pode ser feito sem considerar a integração na Fazenda Nacional de um elevado número de edifícios e terrenos que permitiram a concretização dos grandes planos de expansão de Ressano Garcia e de pontuais remates e ligações na cidade. Dos 40 conventos masculinos existentes em 1834, o Estado absorveu vinte e três edifícios (Forças de segurança e militares - 11; Escolas - 3; Hospitais civis – 3; outros usos - 6), vendeu doze a particulares e cedeu outros cinco a instituições civis. O património móvel dos 40 edifícios foi disperso. O processo de supressão dos 30 conventos femininos levou muito mais tempo porque a legislação necessária só foi escrita em 1861 e regulamentada um ano depois. Assim, o processo de extinção destas casas religiosas é mais prolongado, finalizando-se apenas em 1909 com a morte da Carolina Augusta de Castro e Silva (de 93 anos), última religiosa professa do Mosteiro de Nossa Senhora da Nazaré.
*Licenciada em arquitetura pela Universidade Lusíada no ramo de recuperação (1991). Mestre em Arte, Património e Restauro pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (2005). Técnica da Câmara Municipal de Lisboa desde 1992, tem desenvolvido o seu percurso profissional nas áreas da reabilitação urbana, do planeamento urbano e na proteção do património edificado. Investigadora do projeto FCT – PTDC/CPC-HAT/4703/2012: “Da cidade sacra à cidade laica: a extinção das ordens religiosas e as dinâmicas de transformação urbana na Lisboa do século XIX” entre 2013 e 2016.
Maria João Pereira Coutinho (IHA/ FCSH/Universidade NOVA de Lisboa)* Secularização e Fragmentação: A desamortização do património pétreo religioso do período barroco na cidade de lisboa Tal como Luís Espinha da Silveira caracterizou, "a desamortização, ou seja, a alienação em hasta pública, levada a efeito pelo Estado" do património dos conventos extintos, após a supressão das 6
ordens religiosas, incluiu "os bens dos conventos de religiosas, os das mitras, cabidos, colegiadas e seminários, sendo depois sucessivamente ampliada de modo a abranger o património das restantes corporações de mão morta." (SILVEIRA: 1991). Esse processo, largamente influenciado pelo procedimento espanhol, que teve como expoente máximo o ministro Juan Mendizábal (17901853), foi, no contexto português, posto em prática por Joaquim António de Aguiar (1792-1884), ministro dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça. A voracidade da alienação de bens que decorreu da deliberação desse estadista, que decretou a célebre lei de 30 de Maio de 1834, onde se declararam extintos "todos os conventos, mosteiros, colégios, hospícios, e quaisquer outras casas das ordens religiosas regulares", não excluiu a subsequente alienação do património pétreo do barroco português. É sobre esse segmento patrimonial, primeiramente incorporado na Fazenda Nacional e depois fragmentado, vendido e reutilizado em templos seculares, que a presente comunicação trata. Exemplos de migração de objectos pétreos, como aqueles que ocorreram com partes do espólio do mosteiro de São Bento da Saúde, do convento de Nossa Senhora da Conceição de Agostinhas Descalças, do convento de Santo Elói, ou do convento de Carmelitas Descalços de Nossa Senhora dos Remédios, entre outros, sobressaem neste episódio da história da arte religiosa do período contemporâneo.
*Maria
João Pereira Coutinho é doutora em História (especialidade em Arte, Património e Restauro), pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, e desenvolve um projecto de pósdoutoramento em Estudos Artísticos, intitulado "Pórtico: estruturas de pedraria em fachadas de igrejas do distrito de Lisboa do domínio Filipino ao Terramoto", pelo Instituto de História da Arte da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa, de que é membro integrado. O seu projecto é apoiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (SFRH/BPD/85091/2012), com financiamento comparticipado pelo Fundo Social Europeu e por fundos nacionais do Ministério da Educação e da Ciência. Desempenhou funções docentes entre 1998 e 2005 na Escola Superior de Artes Decorativas da Fundação Ricardo do Espírito Santo Silva. Foi bolseira de doutoramento entre 2006 e 2009 (SFRH/BD/22602/2005) e entre 2010 e 2013 do projeto "Lisboa em Azulejo antes do Terramoto" (PTDC/EAT-EAT/099160/2008). Tem desenvolvido estudos individuais e colectivos, em Portugal e no estrangeiro, no âmbito da História da Arte e das Artes Decorativas, dando particular relevo nos últimos anos à arte da pedraria nos períodos filipino e barroco.
Elsa Murta (LJF-DGPC)* Grupo escultórico “Fuga para o Egipto” do Mosteiro de Nossa Senhora do Paraíso de Évora: O percurso de uma obra e a sua singularidade técnica O Mosteiro de Nossa Senhora do Paraíso de Évora teve a sua origem num beatério fundado por duas irmãs, Beatriz e Inês Galvoa, no segundo quartel do século XV. Convertido em casa de terceiras Dominicanas cerca de 1496 adotou a invocação de Nossa Senhora do Paraíso e passou definitivamente a mosteiro de freiras em 1516. Por falta de confreiras e segundo os dados do arquivo no Arquivo Nacional Torre do Tombo, no ano de 1897 “(…) pela morte da última Madre Prioresa Soror Maria Isabel Coração de Jesus, no dia 18 de Novembro, encerrou as portas” sendo demolido em 1900 e no seu local construído um asilo. 7
Segundo os arquivos o edifício teria uma excelente construção, seria rico em arquitetura tumular, constituindo um belo exemplo da Arquitetura gótica, mas ocupava uma situação privilegiada e central da vila, facto que contribuiu para que não chegasse aos nossos dias. Túlio Espanca, na sequência do convite feito para a realização dos Inventários Artísticos do Concelho e do Distrito de Évora, descreve o interior do mosteiro, conforme os documentos de inventariação dos bens existentes na AATT: “(…) ao estilo Manuelino, com as paredes todas guarnecidas de azulejos. (...). Entre as várias capelas existentes, destaca-se a Capela de Nossa Senhora do Egipto, (…) um grande oratório, com porta envidraçada, contendo um grande grupo de perfeitas esculturas em barro, muito bem trabalhadas e denotando obra de artista de mérito: Nossa Senhora, com o Menino, sobre a mula e S. José. O Menino tem no pescoço um finíssimo cordãozinho com uma pequena pedra cor de topázio. S. José, tem na mão esquerda uma varinha lisa, de prata. Na direita segura a rédea da mula – uma correiazinha de prata com alguns lavores, e terminando em borla. O fundo do oratório tem ornamentações de flores e palmitos (papel) – 155.000 reis”. Pensamos tratar-se do grupo escultórico em estudo. Seguindo as diretrizes do despacho notarial de extinção das ordens religiosas, assinado em Évora, a escultura “Fuga para o Egipto” foi escolhida para ingressar no rol de peças enviadas para o Museu Real de Belas-Artes de Lisboa, atual Museu Nacional de Arte Antiga, (por Despacho de 19 de Junho de 1899) com 4056 peças provenientes da “Exposição Retrospectiva da Arte Ornamental Portuguesa e Espanhola” e era atribuído ao grande escultor Machado de Castro, terminada a sua vertente de caracter cultual, permanecendo a vertente catequética pela descrição iconográfica e museológica, para usufruto de todos Ali permaneceu durante 76 anos, participou em diversas exposições temporárias até que foi cedida, em regime de empréstimo e por protocolo, para a Igreja de São Francisco de Paula, junto ao Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa, retomando o seu primitivo estatuto de obra de imaginária religiosa e cultual. Entre 2003 e 2004 o grupo escultórico foi estudado, diagnosticado o estado de conservação e intervencionado em conservação e restauro no ex-Instituto Português de Conservação e Restauro, atual Laboratório José Figueiredo, em Lisboa, por Joana Rosário, no âmbito de um estágio curricular para grau de mestre em Conservação e Restauro pela FCT-UNL, trazendo grandes novidades quanto à sua materialidade, técnica de execução formal, decorativa e policroma. O grupo escultórico voltou para a Igreja de São Francisco de Paula onde se encontra exposta dentro de uma vitrina executada propositadamente, como forma de conservação preventiva.
*Elsa Filipe de Andrade Murta, nasceu em Aveiro em 1960. Bacharel de técnico de conservação e restauro, com especialidade em escultura (1981-1986 no Instituto de José de Figueiredo); Mestre em Artes Decorativas – Talha , com a dissertação A estética e a materialidade: A talha na Igreja de Santo Alberto, em Lisboa (2008 - 2011 pela Escola das Artes da Universidade Católica de Portugal; Doutoranda em História de Arte, na especialidade Arte, Património e Restauro com o tema de tese Presença das oficinas de escultura norte Europeia em Portugal no século XVI e o universo Luso-Flamengo (2011 pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa). A carreira profissional inicia-se em 1986 na Divisão de Escultura do Instituto de José de Figueiredo, onde atualmente é técnica superior / conservadora-restauradora de Escultura do quadro do Laboratório José Figueiredo, DGPC. Ministrou aulas de diagnóstico, conservação e restauro de talha dourada, integrada no Curso de especialização Recuperação e Valorização de Edifícios e Conjuntos Históricos, promovido pelo FUNDEC, ministrados pelo Professor António Lamas no Instituto Superior Técnico de Lisboa 8
nos anos de 1997, 1998, 2001, 2003, e no Mestrado Recuperação e Conservação do Património Construído, do Instituto Superior Técnico, em 2005. Também no âmbito da Cadeira de Análise Laboratorial das Obras de Arte, Licenciatura em História de Arte, FCSH-UNL nos anos de 1999, 2000 e 2001. Orientou os trabalhos de estágio curricular ou profissional de cerca de 60 alunos procedentes de Instituições Nacionais e Estrangeiras entre 1994 e 2015. Participou integrada em equipas pluridisciplinares para o diagnóstico do estado de conservação de escultura e talha dourada nos Projectos: Igreja Segura; investigadora no Projecto financiado pela FCT - Gilt-Teller: um estudo interdisciplinar multi-escala das técnicas e dos materiais de douramento em Portugal, 1500-1800 (PTDC/EAT-EAT/116700/2010) da unidade de investigação REQUIMTE (Rede de Química e Tecnologia) - Laboratório Associado para a Química Verde da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa; coordenadora da equipe de conservadores restauradores de escultura e talha, na conservação e restauro da nave e coro baixo do Igreja da Madre Deus em Lisboa (1999 / 2001); coordenadora do Projecto de estudo conservação e restauro do retábulo quinhentista da Sé do Funchal (2011/2014). Tem autoria individual e em coautoria de diversos artigos em revistas ou capítulos de livros da especialidade, em formato impresso e on-line, sobre a temática das técnicas de conservação e restauro de escultura e talha.
Ricardo Mendonça (FBA/UL)* A extinção das ordens religiosas e o seu impacte na colecção de escultura da Academia de Belas-Artes de Lisboa
A extinção das ordens religiosas de 1834 contribuiu de diversas maneiras, para a constituição de fundos de objectos artísticos que depois levaram à formação de museus nacionais. Contudo, contrariamente ao que sucedeu com a colecção de pintura da Academia de Belas-Artes de Lisboa é pouco provável que este acontecimento tivesse dado pretexto à criação de uma colecção de escultura de direito próprio. Com efeito, o único registo seguro que temos de obras com esta procedência dá conta que em 1837 se incorporaram alguns bustos, procedentes das bibliotecas dos extintos conventos. Todavia, isso não impediu que de forma algo fortuita se tivesse constituído uma miscelânea de esculturas, constituída em todo o caso por obras antigas e modernas com as mais diversas procedências, tendo a eventual incorporação de obras de imaginária procedentes dos extintos conventos, contribuído para uma maior diversificação da mostra de escultura Medieval e Renascentista, aberta ao público em 1884 no Museu Nacional de Bellas Artes e Arqueologia. Não obstante, importa salientar que a maioria das obras que aqui se exibiram se adquiriram ao longo da intendência do Marquês de Sousa Holstein, que entre 1862 e 1878 se empenhou em coligir diversas obras de arte sacra que se achavam ainda em mosteiros mas também nas mãos de antiquários e proprietários particulares. Nesta comunicação procuraremos dar conta das repercussões que a extinção das ordens religiosas teve na colecção de escultura da Academia de Belas-Artes de Lisboa.
*Ricardo Mendonça é Licenciado em Escultura pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa (FBA-UL), salientando-se no âmbito da sua actividade artística a participação em algumas exposições e a execução de esculturas públicas como: “sem título” (Faro, Escola 9
Secundária João de Deus, 2000) “Cidadania” (Coimbra, Fundação Bissaya Barreto, 2008) e “Liberdade” (Lisboa, Parque Eduardo VII, 2009). Ainda no decurso da licenciatura, em 2006, começou a estudar a história da colecção de reproduções de gesso da Academia de Belas-Artes de Lisboa, um objecto de investigação que prosseguiu depois no doutoramento em Ciências da Arte, defendido na FBA-UL em 2014. Este último trabalho debruça-se sobre as vertentes artística, pedagógica e museológica da principal colecção de modelos de escultura e ornamentos em Portugal. Desde 2015 é investigador integrado no grupo “A Antiguidade e a sua recepção”, do Centro de História d’Aquém e d’Além-Mar (CHAM). Em 2016 foi-lhe atribuída uma bolsa internacional Staatliche Museen zu Berlin — Stiftung Preußischer Kulturbesitz, para estudar o contributo dos museus de Berlim na criação de um circuito internacional para a permuta de reproduções artísticas. Para além destes temas, no âmbito da sua actividade científica tem participado e colaborado na organização de conferências, colóquios e workshops que abordam a história da escultura portuguesa no século XVIII, XIX e XX.
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