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ISBN: 978-85-65360-01-2 Este projeto foi viabilizado com os recursos do Edital de Chamada Pública 023/ 2011 - MEMÓRIA FLUMINENSE – Inventários do acervo cultural – Edição 2011/ INEPAC / Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro.
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Inventário do Patrimônio Cultural Rural de Barra Alegre – Bom Jardim – RJ 1ª Edição - Rio de Janeiro - 2013 © 2013 - Instituto de Imagem e Cidadania Rio de Janeiro
Botelho, Marjorie de Almeida e Paolino, Claudio Marcio (organizadores) - Inventário do Patrimônio Cultural Rural de Barra Alegre – Bom Jardim – RJ, 2012 1. Patrimônio Cultural - Proteção 2. Patrimônio Cultural Rural- Inventário – Distrito de Barra Alegre/Município de Bom Jardim (RJ) 3. Projeto Memória e Patrimônio, Produção de Projetos de Pesquisas, Estudos e Documentos de Inventariação do Instituto Estadual do Patrimônio Cultural – INEPAC/Secretaria de Estado de Cultura 4. Instituto Estadual do Patrimônio Cultural - INEPAC.
FICHA TÉCNICA
Expediente
Organização Claudio Paolino e Marjorie Botelho
GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO GOVERNADOR Sérgio Cabral
Fotografia Claudio Paolino, Flávia Fafiães, Maira Norton, e Juliano Palm.
VICE-GOVERNADOR Luiz Fernando Pezão
Pesquisadores Andrea Rausch, Claudio Paolino, Juliano Palm e Marjorie Botelho.
SECRETÁRIA DE ESTADO DE CULTURA Adriana Scorzelli Rattes SUBSECRETÁRIA DE RELAÇÕES INSTITUCIONAIS Olga Campista
Assistente de Pesquisa e produção Euzebio Tardin, Mayra Muniz, João Ricardo Assis, Maíra Brêtas e Miguel Paolino.
SUBSECRETÁRIO DE PLANEJAMENTO E GESTÃO Mario Cunha
REPRESENTAÇÕES GRÁFICAS Amanda Azevedo e Henrique Dias
INSTITUTO ESTADUAL DO PATRIMÔNIO CULTURAL
Revisão Andrea Rausch
DIRETOR-GERAL Paulo Eduardo Vidal Leite Ribeiro
Projeto Gráfico Márcio Miranda
DEPARTAMENTO DE BENS MÓVEIS E INTEGRADOS Rafael Azevedo Fontenelle Gomes
Capa: Vista do Vale do Córrego de Santo Antonio Foto: Claudio Paolino
DEPARTAMENTO DO PATRIMÔNIO CULTURAL E NATURAL Denise de Souza Mendes
Instituto de Imagem e Cidadania Rio de Janeiro
DEPARTAMENTO DE PATRIMÔNIO IMATERIAL Luciane Barbosa de Souza
Sítio Córrego de Santo Antonio, s/n - Distrito de Barra Alegre - Bom Jardim – Rio de Janeiro Cep: 28.660-000 / Cel.: (22) 99929-1322 e-mail: sobradocultural@gmail.com site: www.imagemcidadania.blogspot.com facebook e fanpage: Ponto de Cultura Rural
DEPARTAMENTO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO Sérgio Linhares Miguel de Souza É permitida a reprodução parcial ou total desta obra, desde que citada a fonte e que não seja para venda ou qualquer fim comercial.
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Bom Jardim é um encanto, Encanto de flores mil, aprazível recanto, Do meu querido Brasil. Boa terra, nobre gente, Orgulho da natureza, Quem alegria não sente Vendo aqui tanta beleza. Olha as matas que verdura! Olha o céu que esplendor! Tudo aqui é formosura, Carinho, bondade e amor. Boa terra, nobre gente, Orgulho da natureza, Quem alegria não sente Vendo aqui tanta beleza. Bom Jardim, dileto amigo. Do poeta a inspiração. Alegre, deixo contigo, Meu humilde coração. Boa terra, nobre gente, Orgulho da natureza, Quem alegria não sente Vendo aqui tanta beleza. Música: Maria Ica de Carvalho e José Antônio de Carvalho
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DEDICATóRIA
Dedicamos o livro Patrimônio Cultural de Barra Alegre aos moradores de áreas rurais do nosso país, em especial, aos moradores do Distrito de Barra Alegre no Município de Bom Jardim, interior do Estado do Rio de Janeiro que vem de geração em geração, contribuindo para a preservação do patrimônio cultural presente em nosso Distrito.
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AGRADECIMENTOS
Agradecemos ao Instituto Estadual Patrimônio Cultural pela parceria para a realização desta pesquisa que possibilitou identificar patrimônios culturais que se constitui como parte da identidade cultural dos moradores do Distrito de Barra Alegre no Município de Bom Jardim. Aos moradores que compartilharam sobre a história de suas famílias, que nos mostraram suas fazendas e que permitiram a publicização das informações que disponibilizaremos nesta edição. Aos profissionais que estiveram envolvidos nesta aventura de desvendar a riqueza da nossa história através de registros fotográficos e de pesquisas.
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ÍNDICE Apresentação
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Patrimônio Cultural Rural de Barra Alegre como fonte de inspiração para o Ecomuseu Rural: compartilhando emoções, vidas e sonhos!
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Inventarium: Instrumento de proteção cultural
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Patrimônio e construção do conhecimento
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O papel e o lugar do rural nas dinâmicas de territorialização do município de Bom Jardim – distrito de Barra Alegre – RJ
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Barra Alegre e Pedra Aguda: Patrimônio Natural
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Fichas Fazenda São Marcos Fazenda Jorge Tardin Fazenda Albino Francisco Maciel Sítio Boa Vista Sítio da Família Carrielo 11
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apresentação
A publicação do estudo catalográfico, “Patrimônio Cultural Rural de Barra Alegre - Bom Jardim – RJ” de autoria de Marjorie de Almeida Botelho e Claudio Marcio Paolino é uma obra singular que amplia o campo do Patrimônio Cultural Fluminense, focando no universo rural do município de Bom Jardim. Buscando descrever o papel e o lugar do rural nas dinâmicas de territorialização do distrito de Barra Alegre no município de Bom Jardim, RJ, os autores exploraram a formação histórica do referido distrito, com ênfase na colonização daquela região por migrantes internos oriundos das terras das Minas Gerais exploradas pela obsessão provocada pelo ouro, que trouxe grande riqueza para alguns e imensas desgraças para outros. Esta fase marca o fim do século XVIII e início do XIX. Mas as ricas terras atraíram também famílias que abandonavam as terras do recôncavo da Guanabara, em buscas de terras mais férteis para a plantação de café, então decadente na região do em torno da baía de Guanabara, na primeira metade do século XIX. A segunda metade do século XIX marca a chegada de imigrantes suíços e alemães ao território que pertencia à Nova Friburgo. No início do século XX foi à vez da chegada dos italianos. Este caldeirão étnico cultural ainda era complementado pelos africanos e seus descendentes, mantidos como escravos até 1888. É nesse cenário que os autores procuram desenvolver a história do município de Bom Jardim, a fim de demonstrar que o distrito de Barra Alegre fugiu um pouco do contexto traumático sofrido pelas áreas agrícolas no pós- abolição, fim do século XIX e início do XX. Segundo os autores, é neste ambiente, “que se observa no Distrito de Barra Alegre, a emergência de iniciativas que visam contribuir com este movimento de redefinição da concepção acerca do rural e de sua re-valorização, concebidas como sendo de crucial importância na construção de uma sociedade mais equitativa e menos excludente”. Visam com isto contribuir para a construção de uma percepção valorativa deste espaço e de seus atores. O Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac) investiu na publicação dessa obra por considerar a pesquisa um aprofundamento do trabalho iniciado com o Inventário das Fazendas do Vale do Paraíba Fluminense, enquadrando-se perfeitamente na política de preservação, não só dos bens culturais materiais, mas também na preservação da memória fluminense.
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O trabalho de pesquisa “Patrimônio Cultural Rural de Barra Alegre - Bom Jardim – RJ” foi produzido com os recursos de Seleção Pública de Projetos para apoio financeiro na área de Memória e Patrimônio por meio da Chamada Pública nº 023/2011MEMÓRIA FLUMINENSE – Inventários do acervo cultural – Edição 2011, do Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac) da Secretaria de Estado de Cultura do Governo do Estado do Rio de Janeiro. Paulo Eduardo Vidal Leite Ribeiro Diretor-Geral do Inepac
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Patrimônio Cultural Rural de Barra Alegre como fonte de inspiração para o Ecomuseu Rural: compartilhando emoções, vidas e sonhos! Museu integral, museu inclusivo, museu de vizinhança, museu social, museu comunitário, ecomuseu, museu de favela, processo museal... Tantas quantas forem suas denominações, mais rica será a diversidade de atuação do campo museológico. Desde que as práticas de museologia passaram a se comprometer com as questões sociais e a se engajar nas mobilizações, em uma perspectiva comunitária, não param de surgir e de gerar produtos, resultados, discursos e questionamentos. Tais práticas nos permitem observar que os museus se reinventam e o fazem a despeito das falsas questões e das dúvidas sobre sua pertinência. Vivem, sejam eles de qualquer tipologia, das inquietudes e das vicissitudes e dos cenários de nossa realidade social contemporânea. Neste contexto, podemos inserir o Instituto de Imagem e Cidadania, que desenvolve diversas ações voltadas para contribuir com o desenvolvimento local. Situado no Sobrado Cultural Rural – no vilarejo de Santo Antonio, comunidade rural do Município de Bom Jardim, interior do Estado do Rio de Janeiro e divisa com Nova Friburgo – seus trabalhos contribuem com a garantia do direito à cultura, tanto pelo seu acesso, quanto pela sua produção e fruição. Ao longo de mais de dez anos tem experimentado iniciativas que primam pela criação de oportunidades para o encontro entre gerações, desdobrando os potenciais da memória. Hoje, com iniciativas reconhecidas pelo Ministério da Cultura como Ponto de Cultura, Ponto de Memória e Biblioteca de Artes Visuais, alcançou maturidade suficiente para assumir o desafio de desenvolver seu potencial como Ecomuseu Rural. Para isso conta com o apoio da Secretária de Cultura do Estado do Rio de Janeiro, que abriu edital visando o desenvolvimento institucional de museus. O Instituto de Imagem e Cidadania, atualmente, passa por um período de intensificação de seu processo de amadurecimento e ampliação de vocações. Partindo para trabalhos que, além de valorizar as expressões culturais do território rural, também dedicam tempo e energia para o desenvolvimento de estratégias de salvaguarda e de proteção aos patrimônios que compõem a diversidade cultural e simbólica de Bom Jardim dando um salto rumo à concretização de objetivos mais audaciosos. Assim o Inventário Patrimônio Cultural Rural de Barra Alegre patrocinado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (INEPAC) da Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro é fruto deste amadurecimento e demonstra como pode contribuir com a proteção
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dos modos de vida, saberes e fazeres da comunidade rural. Respeitando os movimentos culturais e seu dinamismo, o inventário contribui com o reconhecimento e proporciona espaço propício para a geração de iniciativas a favor da discussão e da reflexão sobre este patrimônio constitutivo da realidade local, percebendo este mesmo patrimônio como parte da vida das pessoas, sejam elas moradores ou visitantes. Assim começamos a perceber o surgimento do ecomuseu rural, com bases sólidas de desenvolvimento local, pautado em estudos, trabalhos de catalogação, valorização cultural do território e desejo de preservação das belezas e criações da natureza. O Sobrado Cultural Rural experimenta uma vocação para ecomuseu na medida em que, de forma criativa, atua com princípios que geram desenvolvimento local a partir dos vínculos com a memória, o patrimônio e a integridade física e simbólica do território. Assim, importa saber que, atualmente, o crescimento dos museus comunitários e ecomuseus, assim como dos movimentos em prol da museologia social, são incentivados por discursos e práticas institucionais aliados a atuação de profissionais engajados em contribuir com a difusão de experiências. Isso representa um universo significativo de processos em desenvolvimento, que necessitam de inspirações capazes de promover o debate e o aprofundamento de questões. Os museus são meios e não fins. Este entendimento contribui para a noção de que os museus podem e devem ser utilizados para: a confrontação de interesses; a discussão de aspectos relevantes para parcelas da sociedade; a discussão de temas que despertem a curiosidade; a apresentação de pontos de vista; a defesa do direito e para a compreensão das diversas realidades que compartilhamos. Como foi dito, os museus não são um fim em si mesmo; são meios, são pretextos, e podem contribuir com os movimentos sociais e suas diferentes frentes de luta. (CHAGAS, 2010 p. 37)*
*CHAGAS, Mario de Souza. Educação em museus: balanços e perspectivas. Anais do I Encontro Nacional da Rede de Educadores em Museus e Centros Culturais do Estado do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 2010. (Coleção FCRB Aconteceu; 10).
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Por meio das ações de catalogar, difundir e refletir sobre os bens materiais do território de Bom Jardim, este inventário contribuirá certamente para que as expressões históricas e artísticas mapeadas possam reverberar os modos de vida de quem vive no campo. O Ecomuseu Rural é uma iniciativa que está além dos discursos de valorização e preservação de patrimônios. Está a serviço das transformações e das mudanças estruturais nas relações sociais entre as comunidades, por meio do trato com o patrimônio e a memória social. E o faz com competência, seriedade e zelo. Premiados e considerados por organismos das esferas federais, municipais e estaduais, também desfruta da consideração que brota dos grupos pertencentes à comunidade rural, principal beneficiada com os avanços e amadurecimentos. Vida longa ao Ecomuseu Rural e à prática de inventariar vidas e sonhos, compartilhando emoções e criações por meio dos patrimônios! Marcelle Pereira Doutoranda em Sociomuseologia pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias/ULHT em Lisboa Portugal; Mestre pelo Programa de Pós¬graduação em Museologia e Patrimônio pela Universidade do Rio de Janeiro ¬ UNIRIO/PPG¬PMUS e graduada em História pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ. Atualmente é Professora de Museologia da Universidade Federal de Rondônia/UNIR e Diretora de Cultura e Extensão vinculada a PróReitoria de Cultura e Extensão também da Universidade Federal de Rondônia.
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Inventarium: instrumento de proteção cultural Quando falamos a palavra inventário associamos imediatamente à relação dos bens deixados por alguém que morreu ou por uma ação de pôr em inventário esses bens, para sua posterior partilha entre os herdeiros e sucessores do(a) falecido(a). Ainda pensamos naquelas listas discriminadas de mercadorias, bens e etc ou em levantamentos do ativo e do passivo de empresas. Enfim, inventário, vem do latim inventarium, e realmente possuiu todos esses significados, além de ser um instrumento de proteção do patrimônio cultural previsto no art. 216, § 1º, da Constituição Federal de 1988, bem como o tombamento e o registro. O inventário é utilizado para proteger bens culturais mais singelos e podem guardar elementos identitários de uma determinada época, comunidade ou lugar, enquanto o tombamento, normalmente salvaguarda bens considerados notáveis. A elaboração do inventário “Patrimônio Cultural de Barra Alegre” integra o conjunto de ações de valorização e preservação do patrimônio presente nos territórios rurais realizados pelo Instituto de Imagem e Cidadania, organização responsável pela gestão do Sobrado Cultural Rural, ponto de cultura rural do Distrito de Barra Alegre, que realiza ações de fomento a leitura e as artes em geral para a população do campo e de preservação do patrimônio cultural presente nas comunidades rurais. Entre as ações realizadas destacamos os documentários “Saberes se Tradições Rurais” que reúne seis histórias de vida de moradores do campo, “Folia da Bandeira do Divino Espírito Santo” que registra a história da folia de Barra Alegre e o “Rezas e Ervas” com erveiros e rezadeiras de Lumiar em Nova Friburgo; as oficinas de fotografia e vídeo, envolvendo um processo reconhecido pela UNESCO como “alfabetização do olhar” que fomenta a leitura visual e a educação patrimonial utilizando a fotografia e o vídeo, como suporte pedagógico; e a produção dos livros “Agricultores do Estado do Rio de Janeiro” que conta histórias de moradores e compartilha um acervo fotográfico sobre os modos de vida desta população, através das formas tradicionais e artesanais de produção, do livro “Receitas de Inhame” que reúne várias receitas produzidas com a cultura mais importante do Distrito de Barra Alegre, o inhame; e o livro “Ponto de Cultura Rural: uma alternativa no campo”que demonstra a importância de equipamentos culturais no campo. Essas ações contaram com a parceria da Secretaria Estadual de Cultura do Rio de Janeiro, através da Superintendência de Museus e da Superintendência de Cultura e Sociedade, do Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (INEPAC), do Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM), da Fundação Nacional de Artes (FUNARTE) e do Ministério da Cultura. O inventário Patrimônio Cultural de Barra Alegre começa exatamente pelo artigo “Patrimônio e Construção de Conhecimento” de Inês Gouveia compartilhando o sentido de patrimônio que empregamos na produção deste inventário e também em todas as outras
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ações que realizamos. Esperamos que o inventário possa contribuir para pensarmos o território, o tempo, o espaço, e também, sobre nós mesmos. motivações para o inventarium O Município de Bom Jardim conta com mais três distritos: Banquete, Bom Jardim e São José do Ribeirão, além do Distrito de Barra Alegre. Atualmente Bom Jardim tem aproximadamente 22.651 habitantes, sendo que 11.317 vivem na área urbana e 4.947 nas áreas rurais. O Distrito de Barra Alegre é considerado um dos distritos mais rurais do Município, possuindo um conjunto de vilarejos agrícolas, com uma grande extensão territorial, conforme poderá ser aprofundado no artigo de Juliano Palm sobre o papel e o lugar do rural nas dinâmicas do município de Bom Jardim, em especial do Distrito de Barra Alegre. Destaca-se o período a partir de 2006 onde o Distrito de Barra Alegre passou a ser o novo pólo industrial de Bom Jardim, recebendo diversas fábricas1 de indústrias do setor de plástico e de outros segmentos, que por conta dos incentivos fiscais, baseados na Lei Estadual nº 5.636/2010 (originalmente 4.533/2005, conhecida como Lei Rosinha) que reduzia a 2% o ICMS cobrado das empresas e também das linhas de crédito do Fundo de Recuperação de Municípios Fluminenses que oferecia créditos a juros de 2%, tiveram as condições ideias para se instalarem na localidade. A chegada das fábricas impulsionou mais um momento de transformação no Distrito de Barra Alegre que com o aumento populacional - em decorrência da imigração de diversos trabalhadores de outras cidades e estados que estavam em busca de melhores oportunidades de trabalho - ampliou o número de loteamentos, de lojas para prestação de serviços, de postos de gasolinas, entre outros. Essas transformações continuam em curso na região, por isso, a realização de uma pesquisa que permitisse contribuir para o registro e preservação do patrimônio cultural, norteou o desejo de nos enveredarmos nestas estradas de terra, para inventariarmos algumas das fazendas presentes no Distrito de Barra Alegre. Desta forma, pretendíamos contribuir para que o desenvolvimento em curso leve em consideração a importância da manutenção dos modos de vida que estão presentes nestas localidades, que passa tanto pela preservação do patrimônio material presente nas inúmeras fazendas do Distrito, como também pela manutenção e fomento das manifestações culturais, como as folias de reis, os grupos de mineiro pau, ou pelos processos de produção que respeitam o tempo da natureza como a produção de composta de doces, de remédios caseiros, das broas no forno a lenha ou das farinhas de moinhos d’águas.
Segundo dados da prefeitura da cidade, desde 2006 chegaram a Bom Jardim nove indústrias, sendo cinco do setor de plásticos, totalizando 700 novos empregos diretos. Ainda de 2006 a 2009 a receita corrente líquida do município cresceu 93,4%, passando de R$ 19,6 milhões para R$ 37,9 milhões. No Estado, a receita corrente cresceu 64,8% no mesmo período. A Elos, com matriz em Arujá, São Paulo, abriu sua fábrica em Bom Jardim justamente em 2006. (http://www. simplast.com.br/) 1
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Metodologia do inventarium O Inventário Patrimônio Cultural Rural de Barra Alegre foi constituído inicialmente pela compreensão do papel e do lugar do rural nas dinâmicas de territorialização do município de Bom Jardim, com especial atenção as relações de dominação e/ou de apropriação sociedade-espaço nos ambitos político-econômicos. Para tal, empreendemos numa minuciosa pesquisa sobre a formação histórica de Bom Jardim e de outros municípios da região serrana; o papel dos imigrantes; a importância da agricultura familiar e sua relação com o capital financeiro, com o desenvolvimento nacional e com a questão agrária; Em seguida realizamos uma contextualização do patrimônio natural presente no Distrito de Barra Alegre, fazendo uma análise da geologia de Barra Alegre e da Pedra Aguda, rochas cujo valor histórico e geológico, contam uma história que começa a mais de 630 milhões de anos atrás. Neste artigo Leonardo Pressi descreve através da geologia e da forma como as rochas se formaram nesta região um pouco da importância do patrimônio natural e destaca a importância das três Reservas Particulares de Patrimônio Natural (RPPN’S): Nossa Senhora Aparecida, Vale do Luar e Marie Camille na preservação do patrimônio natural e manutenção da relação com a floresta que compõe a identidade cultural dos moradores desta região.
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Depois foram produzidas fichas catalográficas que nos permite compartilhar os resultados da pesquisa que envolveu os proprietários das Fazendas São Marcos, Jorge Tardin e Albino Francisco Maciel e dos Sítios Boa Vista e Família Carrielo. Nestas fichas consta a descrição do bem inventariado com informações sobre a contextualização histórica do conjunto patrimonial, a situação e ambiência do imóvel, a descrição histórica e arquitetônica, o estado de conservação das principais edificações da propriedade, as representações gráficas, a bibliografia e fontes utilizadas para a produção desta ficha. As fichas deste inventário seguem a orientação preconizada pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural do Estado do Rio de Janeiro (INEPAC), garantindo assim, todas as especificações requeridas para o processo de inventariado. A pesquisa contribui para a salvaguarda do patrimônio cultural paisagístico, histórico e cultural das localidades rurais do Estado do Rio de Janeiro, pois os bens materiais que foram catalogados expressam a herança histórica, artística e cultural dos modos de vida de quem vive no campo, onde se encontra uma riqueza patrimonial presente nas fazendas, sítios e casas dos moradores, na paisagem, nos vilarejos, nas ferramentas de trabalho, nos modos de produção artesanal, entre outros. Ao mesmo tempo, que subsidia estudos e pesquisas, sobre o acervo histórico referencial da memória das áreas rurais do interior do Estado do Rio de Janeiro. Esperamos que o inventário contribua para a valorização cultural das tradições locais reconhecendo o importante papel que a opção por esse modo de vida possibilita ao conjunto da sociedade, pois a população do campo, esta marcada pelas tradições, por hábitos e costume que se perpetuam, por uma relação de pertencimento com a terra e com a comunidade; que estimule a preservação do patrimônio paisagístico, histórico e cultural das populações que vivem no campo, a partir de uma abordagem histórica, social, cultural e estética; e que, por fim, amplie o acervo e os materiais didáticos sobre o patrimônio e a memória das áreas rurais. Marjorie Botelho, formada em psicologia pela UERJ e mestre em Educação pela UFF e Claudio Paolino, repórter fotográfico, professor de fotografia, vídeo e laboratório. Ambos coordenam o Instituto de Imagem e Cidadania e gerenciam o Sobrado Cultural Rural.
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PATRIMÔNIO E CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTO Eu recuso qualquer posição fatalista diante da história e diante dos fatos. Eu não aceito, por exemplo, expressões como: “É uma pena que haja tantos brasileiros e tantas brasileiras morrendo de fome, mas afinal, a realidade é essa mesmo.” Não! Eu recuso como falsa, como ideológica essa afirmação. Nenhuma realidade é “assim mesmo”! Toda realidade está aí submetida à possibilidade de nossa intervenção nela!1 Paulo Freire
Paulo Freire é sem dúvida uma grande inspiração para este texto, especialmente por sua provocação para a transformação consciente. A partir desse pensador podemos lembrar que o mundo que habitamos está em constante mudança e que nós inevitavelmente contribuímos com isso. Freire descarta a ideia de que “é assim mesmo” e exercita a sua pedagogia crítica que provoca o indivíduo não apenas a pensar sobre o mundo, mas especialmente a pensar e agir no mundo. Além do exercício do pensamento crítico, a pedagogia freireana também estimula que a construção do conhecimento se dê a partir do contexto próprio do indivíduo. Nessa direção, este texto tem como objetivos desnaturalizar o uso do patrimônio e estimular seu uso para práticas coletivas e pedagógicas de ação no mundo. Vamos, portanto, refletir sobre o patrimônio para agir a partir dele. O patrimônio no sentido empregado aqui é uma categoria que indica a escolha de um bem (uma tradição festiva, um modo de fazer, uma construção, por exemplo), como emblema de uma determinada cultura e sociedade. Nesse sentido, o patrimônio é uma ferramenta de organização social, de escolha de memória, de construção de uma representação daquilo que deve ser conhecido, rememorado, e celebrado. O patrimônio tem portanto, a função de adjetivar algo, de evidenciar que há naquilo que foi escolhido uma característica (ou várias caraterísticas) de distinção. Essa distinção pode se dar por diferentes motivos, por exemplo, um parque natural pode ser considerado patrimônio pelo conjunto de sua fauna e flora; uma cidade pode ser patrimônio em razão dos vestígios de um determinado tempo e uma tradição religiosa pode ser reconhecida por sua singularidade. Em síntese, os atributos podem ser naturais, artísticos, históricos,
Entrevista concedida por Paulo Freire em 17 de abril de 1997, São Paulo. Disponível em https://www.youtube.com/ watch?v=Ul90heSRYfE. Último acesso em 16 de agosto de 2014. 1
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paisagísticos, arqueológicos e culturais. Essas são algumas das camadas de sentido que recobrem os patrimônios cuja expressão material ou imaterial pode ter ressonância regional, nacional ou mundial. É fundamental, além disso, observar um outro aspecto a respeito do patrimônio: todas as características atribuídas para distingui-lo e, portanto, identificá-lo como patrimônio, são sociais. Ou seja, todos os adjetivos que singularizam um patrimônio são relativos a um determinado grupo, que existe socialmente num determinado tempo e espaço. Assim, podemos compreender que o patrimônio é ao mesmo tempo uma adjetivação que serve àquilo que se patrimonializa e à quem patrimonializa. No Brasil, a institucionalização de bens nacionais é de responsabilidade do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/Iphan, do Ministério da Cultura. A história desse instituto é por si só uma evidência de como o uso da categoria de patrimônio é social. Se analisarmos o conjunto do patrimônio tombado pelo Iphan, desde a sua criação em 1937, poderemos observar que em momentos diferentes, determinados grupos (dominantes) instituíram seus patrimônios, estabelecendo com eles uma relação de adjetivação recíproca.2 Nestor Garcia Canclini (1999), destaca que a institucionalização do patrimônio se realiza quase sempre sem se levar em conta que a sociedade está dividida em classes, etnias e grupos. O autor afirma ainda que é uma simulação supor que o respeito acumulado pelos bens culturais se sobrepõe às fraturas sociais (1999, P. 17). Um patrimônio legalmente constituído pode apresentar em si mesmo a expressão dessas fissuras sociais. Um bom exemplo dessa questão é o Monumento às Bandeiras, também conhecido como Empurra-empurra, localizado junto ao Parque do Ibirapuera, na cidade de São Paulo. Inaugurada em 1953, a escultura representa os bandeirantes que abriram caminho para a colonização do interior do Brasil, no século XVII. A obra, concebida por Victor Brecheret, se institui a partir da ideia de que os bandeirantes paulistas foram heróis valentes e desbravadores, responsáveis pela ampliação do nosso território. Por outro lado, nos dias atuais, diante das fissuras sociais, o monumento é objeto de intervenções de diferentes naturezas, a exemplo do que ocorreu dias primeiro e 02 de outubro de 2013 quando um grupo de manifestantes pintou parte da escultura com tinta vermelha e nele escreveu bandeirante assassino.3 Desnaturalizar o patrimônio, no sentido do pensamento crítico que Paulo Freire estimula para a construção do conhecimento significa portanto problematizar a sua existência. Para isso, podemos elencar um conjunto de questões a partir das quais olharemos o patrimônio. Interessa saber, por exemplo, quando o bem foi criado ou construído, a partir de quais critérios, para quais usos e funções e como isso se relaciona ao seu contexto histórico. Além disso, deve-se identificar quando o bem foi tombado ou registrado e a pedido Esse assunto pode ser aprofundado em: MAGALHÃES, Aline Montenegro. A curta trajetória de uma política de preservação patrimonial. Anais do Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro, v. 36, p. 9-18, 2004 e em FONSECA, Maria Cecília Londres. O Patrimônio em Processo: Trajetória da Política Federal de Preservação no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ; MinC – Iphan, 2005. 3 A notícia foi transmitira pelo jornal Folha de São Paulo, no dia 02 de outubro de 2013 e pode ser consultada em: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/10/1350998-apos-pichacao-manifestantes-jogam-tinta-em-monumentode-sp.shtml. Último acesso em 16 de agosto de 2014. 2
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de quem e, mais uma vez, identificar aspectos específicos ou gerais do contexto histórico quando da patrimonialização.4 Como dissemos anteriormente, por meio desse exercício é possível debater coletivamente quais são os adjetivos atribuídos ao patrimônio, quais as memórias estão sendo evocadas e a partir de quais interesses. A partir daí, pode-se discutir também quais são os usos e funções contemporâneos de determinado patrimônio, como e porque esses bens se identificam (ou não) com a população que vive em seu entorno. A problematização que sugerimos deve proporcionar ainda a observação dos mecanismos legais que fazem com que um determinado bem seja considerado patrimônio, nas esferas municipais, estaduais ou federal. Observemos, por exemplo, a Constituição Federal de 1988: Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira... (...) § 1º - O Poder Público, com a colaboração da comunidade [grifos nossos], promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação. 5 Do ponto de vista do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, além disso, os processos de tombamento e registros podem ser motivados pela solicitação de qualquer indivíduo. É fundamental portanto, compreender que o uso social do patrimônio ocorre no presente, junto de nós, em nosso tempo e espaço. Qual pode ser nossa atuação diante disso? Mais do que responder objetivamente a essa questão, é fundamental que ela seja colocada. A problematização do patrimônio deve levar em conta a possibilidade de intervenção direta do indivíduo para a construção de representação de si e de seu grupo. Afinal, quais são os patrimônios reconhecidos por mim e pelo meu grupo? Quais são os bens (materiais e imateriais) que fundamentam minha comunidade e que, por isso, mesmo, são seu patrimônio fundamental? A participação nessa discussão, recoloca o eu enquanto protagonista, já que, dito de outro modo, a pergunta fundamental nesse caso é: o que é importante para você? Essas informações estão normalmente contidas no processo de tombamento ou registro do patrimônio. O contexto histórico a que nos referimos aqui diz respeito à situação política, econômica e cultural do período em questão. Um tombamento que ocorreu, por exemplo na década de 1950 (no início da industrialização do país e do crescimento dos centros urbanos), certamente apresentará diferenças de um processo de tombamento recente, do nosso século, por exemplo. 5 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ constituicaocompilado.htm. Última consulta em 17/08/2014. 4
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Seguindo as categorias que o Iphan desenvolveu e aplica para a realização do Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC), podemos coletivamente debater sobre quais são as celebrações, os espaços, saberes e linguagens que marcam a nossa comunidade6. Desse exercício com o patrimônio podem ser desdobrados vários outros, como por exemplo: a realização de pesquisas; a adoção de medidas de precaução visando a manutenção e preservação; ação educativa que amplie o sentido daquele bem para além do próprio grupo etc. Enfim, uma série de atividades que podem contribuir para o exercício da cidadania e para a participação do indivíduo na construção da representação de si e deu seu grupo. Esse exercício pode contribuir para o tombamento e registro formal do patrimônio, caso seja o desejo do grupo e isso seja requerido a uma das instâncias responsáveis.7 Enfim, o que importa do patrimônio, segundo nosso entendimento é, no fim das contas, o quanto ele é potencial para pensarmos sobre nós mesmo, sobre nossa sociedade, nosso tempo e espaço. Reafirmamos assim o que Freire nos diz em epígrafe: Toda realidade está aí submetida à possibilidade de nossa intervenção. Inês Gouveia Doutoranda em Museologia e Patrimônio, mestre em Memória Social, historiadora.
BIBLIOGRAFIA ABREU, Regina; CHAGAS, Mario (orgs.). Memória e Patrimônio: Ensaios contemporâneos. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2009. CANCLINI, Néstor García. Los Usos Sociales del Patrimonio Cultural. In: Patrimonio Etnológico. Nuevas perspectivas de estudio. Andaluzia, 1999. FREIRE, Paulo. Ação Cultural Para a Liberdade e Outros Escritos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 14ª ed. 1976. MENESES, Ulpiano Bezerra de. O Campo do Patrimônio Cultural: Uma Revisão de Premissas. In: IPHAN. I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural: Sistema Nacional de Patrimônio Cultural: desafios, estratégias e experiências para uma nova gestão, Ouro Preto/MG, 2009. Anais, vol.2, tomo 1. Brasília: IPHAN, 2012.
O Programa Nacional de Patrimônio Imaterial do Iphan foi criado pelo decreto nº 3.551, de 04 de agosto de 2000. O INRC é um instrumento inerente à este Programa, cujo objetivo é fazer a identificação dos bens de natureza material e imaterial, o que pode ser sucedido pelo tombamento ou registro do bem em questão. Vale destacar que dispositivos análogos foram criados em estados e municípios, com a Constituição Federal já previa. 7 De um modo geral, o tombamento ou registro corresponde à ressonância do bem. Isto é, caso sua expressão seja considerada nacional, é tombado ou registrado pelo Iphan; se estadual, é de encargo do órgão do estado e, o mesmo com o município se a ressonância é exclusivamente local. 6
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Bom m i d r a J
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O papel e o lugar do rural nas dinâmicas de territorialização do município de Bom Jardim – distrito de Barra Alegre - RJ Dinâmicas de territorialização de Bom Jardim. No período antecedente a última metade do século XVIII apenas transitava por esta região alguns poucos grupos indígenas, “em busca das margens do baixo rio Grande, ou do caminho menos longo, em direção ao vale do Paraíba” (Erthal, 1957: 11). Dos quais, na vertente do Rio Grande, no atual município de Bom Jardim, chegou a ser consolidado um aldeamento de índios Guarulhos (Lamego, 1945).1 Segundo os historiadores Araújo e Mayer (2003), esta região, serviu de abrigo a grupos indígenas como os: Coroados, Puris, Coropós e Guarus. Para além dos grupos indígenas, Araújo e Mayer salientam a possível existência de grupos quilombolas neste período. Na concepção destes autores, poder-seia estender para esta região a descrição da vegetação realizada por Martius em 1817, em sua passagem por Magé: As matas densas, que existem como testemunho da força criadora do Novo Continente na sua primitiva selvageria, e ainda não profanadas pelo homem, chamam-se no Brasil ‘mato virgem’. Dentro dele, o viajante sente a frescura europeia, ao mesmo tempo avista um painel da máxima opulência (2003: 270). A partir de meados do século XVIII, alguns exploradores, principalmente de origem portuguesa, em companhia de trabalhadores escravizados e assalariados, também começaram a percorrer esta região na busca de metais preciosos. Assim, iniciando o processo de colonização deste espaço, “com a fixação de ‘pousos de tropa’ em suas terras, destinados a servir de abrigo aos viajores e aventureiros” (IBGE, 1948: 3).2 Posteriormente, estas expedições instigaram o surgimento de diversas lendas sobre os aventureiros que circularam pela região, a começar pelo famigerado “Mão de Luva”.3 Segundo Erthal (1957), em 1809 foram encontrados diversos grupos indígenas nas margens do Rio Grande, próximo a sua confluência com o Rio Negro. O que o autor aponta a partir dos registros do mineralogista inglês John Maw: “alcançamos o rio Grande que atravessamos em canoa. Passamos por vários grupos de aborígenes e ocasionalmente vimos muitas de suas cabanas e aldeias” (Erthal, 1957: 12). 2 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Sinopse estatística do município de Vergel (ex-Bom Jardim). Estado do Rio de Janeiro, 1948. Esta documentação encontra-se disponível no arquivo do escritório do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística sediado na capital do estado do Rio de Janeiro. 3 Este aventureiro, possivelmente português de nome Manuel Henriques, percorreu as margens dos rios Negro e Grande, dentre outras, em companhia de seus escravos e trabalhadores assalariados, “sem contudo estar com a situação regularizada, por motivo, principalmente, de sonegar o pagamento de impostos (...) reclamados pelo Governo” (Erthal, 1957: 13). 1
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A presumível existência de minas auríferas nesta região levou o Governo Metropolitano a nomear dois Guardas-Mores, com jurisdição que abrangia as ‘Novas Minas do Sertão de Cantagalo’, no último quartel do século XVIII. Assim, o Governo visava dificultar o acesso a região e o contrabando de ouro, observável em fins do século XVIII (Araújo e Mayer, 2003: 271). Entretanto, as expedições em busca de metais preciosos logo demonstraram não serem compensatórias, em vista da ínfima quantidade encontrada nas regiões elevadas das vertentes do rio Grande, que exigiam um extenuante trabalho para serem encontradas, assim, nos anos subsequentes foram abandonadas (Erthal, 1957). As investidas governamentais contra os grupos de aventureiros que buscavam ouro, juntamente com a colonização oficial da região de Cantagalo, a partir de fins do século XVIII, ensejaram numerosos pretendentes a requererem do Governo a posse de Sesmarias na região, que atualmente compreende o município de Bom Jardim. Dentre os requerentes de Sesmaria na região, um dos pioneiros foi o Padre Vicente Ferreira Soares, que obteve a escritura da ‘Fazenda Bom Jardim’ em 1805 (Erthal, 1957: 14). Além da ‘Fazenda Bom Jardim’, Manuel Erthal (1957: 163-168) destaca a estruturação das seguintes fazendas, de fins do século XVIII a princípios do século XIX na região que atualmente compreende o município de Bom Jardim: ‘Fazenda Santa Teresa’, ‘Fazenda de Santa Bárbara’, ‘Fazenda da Soledade’, ‘Fazenda da Boa Vista’, ‘Fazenda de Santa Rita’, ‘Fazenda da Barra Alegre’, ‘Rancharia’, ‘Sesmaria de Santo Antônio’, ‘Fazenda Nossa Senhora do Socorro’, ‘Fazenda Barra Alegre’ e ‘Fazenda Campo Alegre’. Neste processo, os primeiros núcleos populacionais na região que atualmente forma o município de Bom Jardim teriam se formado “na margem do rio São José, na zona compreendida pela Serra dos Órgãos, cuja colonização se atribui à influência irradiadora da cultura cafeeira, para o interior da província, verificado em princípios do século citado (XIX)” (IBGE, 1948: 3). Ao iniciar-se o século XIX, observa-se um crescente afluxo de famílias para a região, que se disseminaram pelos quadrantes das fazendas já existentes. Levas migratórias que eram atraídas pelas possibilidades de desenvolvimento da agricultura na região. A expansão das atividades agrícolas na região em princípios do século XIX, destinavam-se, principalmente, a abastecer a área mineira com alimentos. Assim, observa-se que neste contexto “o interior fluminense foi devassado com a construção de estradas ligando a região mineira ao litoral em que se constituíam fazendas” (Araújo e Mayer, 2003: 271). Desta forma, a área foi sendo “progressivamente aberta à penetração de fazendeiros vindos quase sempre de Minas Gerais e que preparam o terreno para o advento das fazendas de café que”, já em na primeira metade do século XIX, vinham se “estendendo ao longo do Vale do Rio Grande” (Araújo e Mayer, 2003: 271). Ao longo deste processo, observa-se que a maioria das fazendas anteriormente instituídas foram sendo divididas e subdivididas nas primeiras décadas do século XIX. Com a dinamização da agricultura na região, grande parte da mata nativa existente acabou por ser derrubada, abrindo espaço para a produção, principalmente, de cafeeiros, como também de cereais e arvores frutíferas, que produziam instigantes colheitas. Conforme a historiadora Mariana Muaze (2008), a expansão da produção cafeeira para esta região teria
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se dado, sobretudo, a partir da década de 40 do século XIX, fazendo parte do segundo eixo de expansão de produção desta rubiácea: O segundo eixo partiu da baixada fluminense, onde as principais localidades cafeeiras estavam em São Gonçalo e Vila de Santo Antônio de Sá (atual Itaboraí). De lá o cultivo do café chegou a Cantagalo, na década de 1840, e fez uma nova penetração para o nordeste alcançando Nova Friburgo, Aldeia da Pedra (atual Itaocara), Bom Jesus de Monte Verde (atual Cambuci) e São Fidélis de Sygmaringa (Muaze, 2008: 300). Acerca da produção cafeeira nesta região, merece destaque o papel desempenhado pelo imigrante português Antônio Clemente Pinto, primeiro barão de Nova Friburgo, que enriquecera com o comércio do café e tráfico de escravos. Em meados do século XIX Pinto já possuía: uma das maiores fortunas de todo o país, proprietário de duas dezenas de fazendas, nas regiões de Nova Friburgo, Cantagalo e São Fidélis, e imóveis urbanos, como os palacetes Nova Friburgo (atual palácio do Catete), localizado na Corte, e do Gavião, em Cantagalo (Muaze, 2008: 314). O processo migratório para a região ainda seria incrementado por suíços e alemães no inicio do século XIX. A partir da segunda década deste século, começaram a ser estabelecidas colônias de migrantes suíços e alemães em Nova Friburgo. As quais somar-se-iam levas de migrantes italianos a partir de fins do século XIX. Neste sentido, lembra-se que as levas migratórias, em inícios do século XIX, eram motivadas pelas dificuldades enfrentadas na Europa. Onde as terras desgastadas tinham um baixo rendimento produtivo e estavam extremamente concentradas nas mãos de poucos latifundiários. Ao mesmo tempo, os impostos eram bastante elevados e a concentração populacional alta. Por sua vez, a intensa industrialização também não apresentava melhoras para grande parte da população, em vista das paupérrimas condições de trabalho oferecidas aos contingentes proletarizados (Hobsbawm, 1979; Marx, 1985). Por outro lado, havia o interesse de países com ‘vazios demográficos’, como o Brasil, em atrair estes imigrantes, o que foi realizado através de ações estatais, principalmente na primeira metade do século XIX, como também por meio de empresas colonizadoras, de capital privado, que ganharam maior expressão a partir da segunda metade do século XIX. Com a atração de imigrantes europeus para regiões de terras ‘disponíveis’, o governo imperial Brasileiro objetivava: o branqueamento racial; ocupação de ‘vazios demográficos’, em vista dos constantes conflitos com os países platinos; valorização fundiária destas terras; disseminação de técnicas e produtos praticados na Europa; além da vinculação da produção oriunda destas regiões aos circuitos mercantis estabelecidos (Petrone, 1982). Com estes objetivos foram distribuídas sementes de centeio, trigo e cevada para os migrantes, como também tentou se o cultivo de uva na região. Todavia, “como em outras partes do Brasil, a colonização se mostrava hostil a floresta e avessa aos seus produtos”.
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Desta forma, os migrantes logo “adotaram os procedimentos comuns na agricultura e criação brasileiras fazendo largo uso do fogo como instrumento de destruição da mata” (Araújo e Mayer, 2003: 272). Por outro lado, também passaram a praticar técnicas que contemporaneamente vem sendo percebidas como extremamente sustentáveis, onde o exemplo mais expressivo é a prática do pousio,4 herança deixada pelos povos indígenas (Costa, Silva, Salgado, Bertolino e Barros, 2009; Brandemburg, Floriani, Silva, Cerveira Filho, Ferreira e Sant’ana, 2010). Pelas limitações de desenvolvimento da agricultura em grande parte das terras localizadas na região centro nordeste do atual município de Nova Friburgo, muitos migrantes e seus descendentes passaram a buscar novos espaços, que poderiam ser mais produtivos. Desta forma, significativas levas de colonos suíços e alemães acabaram adquirindo terras na região que atualmente compreende o município de Bom Jardim, incrementando o desenvolvimento da agricultura neste espaço, com destaque para a produção de café; como também contribuindo para uma maior complexidade sociocultural neste território (Erthal, 1957). Juntamente, estas levas de migrantes incrementaram o processo de devastação da fauna e flora da região, que seriam registrados pelo viajante Burmeister em meados do século XIX, quando “lamentava que a beleza e a diversidade da Mata tivessem sido sacrificadas no Vale do Bengala e do Rio Grande. Já não se viam veados, macacos e antas” (Araújo e Mayer, 2003: 272). Os reflexos do vigoroso desmatamento posto em curso na região a partir de inícios do século XIX, e fortemente dinamizado com a expansão da produção cafeeira para a região, ainda podia ser claramente observado em meados do século XX, conforme é destacado no relatório referente ao município de Bom Jardim, na Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, de 1959:5 O revestimento florístico da região é representado apenas por capoeiras e capoeirões, resultado do devastamento das matas, em épocas remotas, para o plantio do café. É, pois, o município pobre em sua vegetação, muito embora ainda encontremse algumas madeiras de lei, como cedro, camélia, peroba, ipê, jequitibá e variedades de plantas medicinais e frutos oleaginosos (IBGE, 1959: 206). Entretanto, neste aspecto torna-se de crucial importância observar-se os diferentes impactos dos dois sistemas de organização socioprodutivas que coexistiam na região a partir da primeira metade do século XIX. No antigo distrito de Cantagalo dominavam as fazendas escravocratas, promovendo uma verdadeira destruição da floresta. Já nas regiões de maior altitude e com terrenos mais acidentados, em que se destacam três dos A prática do pousio consiste em deixar intocável uma delimitada área da unidade produtiva durante um período de tempo que varia entre 4 a 16 anos, assim permitindo a regeneração da vegetação a partir das sementes existentes no solo ou trazidos pelo vento e animais (Costa, Silva, Salgado, Bertolino e Barros, 2009). 5 IBGE. Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. Volume XXII. Rio de Janeiro, 1959. Documento encontrado no arquivo do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, sediado na capital do estado do Rio de Janeiro. 4
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quatro distritos que atualmente formam o município de Bom Jardim: Barra Alegre, São José do Ribeirão, Duas Barras, “onde não se verificou exploração intensiva do café e de outros gêneros tropicais, a natureza pode ser mais preservada” (Araújo e Mayer, 2003: 272), mas mesmo assim observando-se um significativo desmatamento, também nestas regiões. Somente a partir de meados do século XX observa-se a regeneração de parte destas matas, principalmente nas partes mais elevadas dos morros, conforme examinado na sequência deste texto. Com o constante crescimento populacional da região que atualmente compreende o município de Bom Jardim, a mesma foi elevada a condição de freguesia, em 1857. Conforme relatório do IBGE, de 1959: Esse florescente povoado recebeu o predicamento de freguesia por força do Decreto nº 969, de 13 de outubro de 1857, que estava assim redigido: Artigo 1º - fica ereta em freguesia – com a mesma invocação – a Capela de – São José do Ribeirão – no município de Nova Friburgo (IBGE, 1959: 203). No período anterior ao último quartel do século XIX a produção de café e demais gêneros agrícolas de menor expressão, produzidas nesta freguesia, era transportada por tropas de muares para a estação da estrada de ferro Cachoeiras de Macacu. O que foi modificado em fins de 1873, com a inauguração de uma estação da Estrada de Ferro Cantagalo na sede municipal de Nova Friburgo, de onde a produção da região passou a ser escoada a partir de então. A extensão desta Estrada de Ferro para a região que atualmente compreende o município de Bom Jardim parece ter criado sérias controvérsias. Pois, teria sido justamente pelo “fato de se negarem os habitantes da freguesia de São José do Ribeirão a consentir na passagem dos trilhos da Estrada de Ferro Cantagalo por suas terras, receosos de que as fagulhas das locomotivas viessem a danificar suas plantações” que o município tomou o nome de Bom Jardim (IBGE, 1959: 203). Destarte controvérsias existentes, em março de 1875 foi inaugurada a Estação Leopoldina, em Bom Jardim, a qual já estaria em franco funcionamento alguns meses antes de sua inauguração. A inauguração desta Estação teria sido “o marco inicial e decisivo do progresso agrícola e comercial, que rapidamente se verificou nestas margens do rio Grande, e foi igualmente o principal motivo para o acelerado crescimento do então pequeno povoado” (Erthal, 1957: 19). Com o expressivo crescimento, em 21 de novembro de 1877, foi criado um distrito de Paz “no lugar denominado ‘Bom Jardim’” (Erthal, 1957: 20). Todavia, este vertiginoso crescimento teria sofrido um forte refluxo com a abolição da escravatura no Brasil, em 1888, resultando na derrocada final da economia cafeeira latifundiária escravista do país, que vinham em crise ascendente a partir do último quartel do século XIX (Fragoso, 2000). Deste processo resultaram profundas transformações, principalmente na cultura cafeeira, que era a de maior expressão na zona rural da região. Desta forma: “as lavouras, em todas as localidades (...) ficaram abandonadas durante algum
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tempo, mas depois se foram reorganizando aos poucos e mais tarde a produção chegou a nível bastante elevado” (Erthal, 1957: 21). Neste sentido, deve-se observar que grande parte da produção cafeeira na região que atualmente conforma o município de Bom Jardim não sofreu de forma tão drástica com a abolição da escravatura, em vista de a lógica produtiva predominante nas mesmas não ter sido estruturada com mão de obra escrava. Pois como salienta Erthal (1992): Barra Alegre, São José do Ribeirão [que são dois dos quatro distritos que atualmente formam o município de Bom Jardim] Duas Barras e parte do Carmo, onde a influência europeia era forte e o regime escravocrata não tinha lançado raízes tão profundas como noutros recantos da Comarca (de Cantagalo) quase não sofreram o impacto do 13 de maio. Em certo sentido até progrediram mais do que na fase anterior, ampliando seus cafezais e tirando partido da ferrovia a pouco inaugurada para intensificar a produção (Erthal, 1992: 248). Entretanto, mesmo estas regiões não deixaram de sofrer os impactos do processo de crescente diminuição de produtividade do solo, observável nos cafezais da serra fluminense a partir de fins do século XIX, mas sentido de forma mais incisiva nesta região ao longo dos últimos anos do século XIX e primeira metade do XX (Erthal, 1992). No conturbado contexto político nacional da última década do século XIX e primeira do século XX (Ferreira e Delgado, 2003), observa-se ter ocorrido intensa movimentação política na região de Bom Jardim (Erthal, 1957: 25). Expressão desta movimentação, conforme destacado no relatório do IBGE, de 1959, foram as constantes redefinições nos marcos políticos administrativos na região: Em 24 de março de 1891, já sob o regime republicano, com a criação do município de Cordeiro, por força do Decreto número 180, Bom Jardim passou a constituir um de seus distritos, sendo desmembrado de Cantagalo. Logo após o Decreto número 280 de 06 de julho deste mesmo ano, vinha criar o município de São José do Ribeirão, tendo sede na povoação do mesmo nome, sendo constituído pela atual freguesia desta invocação, desmembrada do território do município de Nova Friburgo (...). Pouco tempo, porém, durou esta situação. Pelo Decreto número 1 de 08 de maio de 1892, retificado pelo de número 1-A, de 03 de junho do mesmo ano, foi suprimido não só o município de São José do Ribeirão, voltando a fazer parte de Nova Friburgo, como também – ao qual foi anexado (...) o distrito de Bom Jardim, continuando a pertencer à comarca de Nova Friburgo, como também foi extinto o município de Cordeiro, cujas terras, incluídas as de Bom Jardim, retornaram a Cantagalo (IBGE, 1959: 204). Entretanto, este conjunto de redefinições teria tornado ainda mais complexa a situação político administrativa na região. Assim, ainda em dezembro de 1892:
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O governo, como que achando uma solução para o problema administrativo daquela região, resolveu, por efeito da Lei que tomou o número de 37, assinada aos 17 dias de dezembro de 1892, restabelecer o município de São José do Ribeirão, ao qual foi anexado (...) o distrito de Bom Jardim, que continuou a pertencer à comarca de Nova Friburgo. No dia 05 de março de 1893, dando cumprimento ao estatuído na Lei número 37, de 17 de dezembro de 1892, que criava o município, foi ele reinstalado, dessa vez, porém, com o nome de Bom Jardim estipulado na legislação (IBGE, 1959: 204). Desta forma, estava então criado o município de Bom Jardim, em 1893, com um número total de habitantes de 13.221 (Erthal, 1957: 25). Todavia, poucos anos depois, em 1906, “o progresso da região ensejou fosse feita uma nova alteração administrativa na divisão territorial do município”, em que, “por efeito da Lei número 734, de 21 de setembro de 1906, foi criado mais um distrito de Paz no município de Bom Jardim, sob a designação de 3º, com sede no lugar denominado Barra Alegre (IBGE, 1948: 9). Sendo a Comarca de Bom Jardim criada em 23 de agosto de 1921, Lei de número 1839. Sendo, em 27 dezembro de 1929, a cidade de Bom Jardim, sede do município, “elevada a esta categoria, por efeito da Lei Estadual número 2335” (IBGE, 1959: 205). Todavia, em 31 de dezembro de 1943, no contexto da ditadura Estadonovista no Brasil (1937-1945), o nome do município, “muito a contragosto de seus habitantes, foi modificado para Vergel”, por força da Lei Estadual de número 1056 (IBGE, 1959: 205). O que perdurou por um curto período de tempo, retornando a denominação de Bom Jardim em 20 de junho de 1947, em meio as reconfigurações da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, denominação que se mantém até o contexto atual (2012). No ano de 1940, segundo dados do censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 1948: 17), a população do município de Bom Jardim estava distribuída da seguinte forma: População de fato Divisão distrital
6
Segundo a localização Total
Urbana e suburbana
Rural
Bom Jardim
6.519
1.096
5.423
Banquete
2.298
117
2.181
Barra Alegre
4.652
33
4.619
S. José do Ribeirão
5.149
160
4.989
Cálculos realizados pelo autor.
39
A partir deste conjunto de dados, pode-se observar que na década de 1940 a população total do município de Bom Jardim era de 18.618; com 1.406 (7,5%) residindo nas áreas urbana e suburbana e; 17.212 (92,5%)6 no rural. Acerca das principais atividades laborais da população de Bom Jardim na década de 1940 (IBGE, 1948: 18), foram registrados os seguintes números: Atividades:
População de fato:
Agricultura, pecuária e silvicultura
5.936
Indústrias extrativas
3
Indústrias de transformação
87
Comércio de mercadorias
171
Comércio de imóveis, créditos e seguros
4
Na década de 1940, segundo dados registrados por Manuel Erthal (1957: 183), destacavam-se como os principais produtos agrícolas produzidos no município: Produção agrícola (1942): Artigos:
Unidade:
Quantidade:
Café
Sacos
60.000 (3.600 toneladas)*7
Milho
Sacos
50.000 (3.000 toneladas)*
Feijão
Sacos
6.000 (360 toneladas)*
Arroz
Sacos
1.500 (75 toneladas)**
Batata-inglêsa
Toneladas
210
Batata-doce
Toneladas
263
Mandioca
Toneladas
2.500
Cana-de-açúcar
Toneladas
2.100
Mamona
Quilos
12.000
Banana
Cachos
180.000
Abacate
Caixa
2.000
Chuchu
Caixa
17.000
* O cálculo da produção em toneladas foi realizado pelo autor, a partir do confrontamento dos dados da produção em quilos pelo peso médio das sacas destas produções, que é de 60 quilos. ** O peso médio das sacas de arroz é de 50 quilos. 7
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Já na década de 1950, segundo dados do censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 1959: 205), a população do município de Bom Jardim estava distribuída da seguinte forma: População de fato Segundo a localização
Divisão distrital Total
Urbana e suburbana
Rural
Bom Jardim
6.433
1.414
5.109
Banquete
2.181
208
1.973
Barra Alegre
4.258
30
4.228
S. José do Ribeirão
5.009
191
4.818
Assim, pode-se observar que na década 1950 a população total do município de Bom Jardim era de 17.881; com 1.843 (10,3%) residindo nas áreas urbana e suburbana e; 16.038 (89,7%)8 no rural. Em 1956 o IBGE (1959: 205) registrou como sendo os principais produtos agrícolas produzidos no município: Produção agrícola (1956):
8
Artigos:
Unidade:
Quantidade:
Café beneficiado
Toneladas
1.720
Milho
Toneladas
1.892
Feijão
Toneladas
455
Batata-doce
Toneladas
1.965
Tomate
Toneladas
220
Cálculos realizados pelo autor.
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Num comparativo entre estes dois levantamentos, percebe-se que no interregno de 1940 a da década de 1950 a população total do município de Bom Jardim reduziu-se em 737 (3,9%) habitantes. Ao mesmo tempo, observa-se que ao longo deste período a população urbana elevou-se em 437 (31%) pessoas, paralelo ao que a população rural do município reduziu-se em 1.174 habitantes (6,8%).9 Assim, a partir do confrontamento destes dados, pode-se observar que estava ocorrendo um processo de êxodo da população rural do município neste contexto. Neste sentido, no relatório realizado pelo IBGE, publicado em 1959, encontra-se uma importante observação sobre as formas e motivações pelas quais este processo estaria ocorrendo: Presentemente, o município de Bom Jardim, se bem que ainda sofrendo com as consequências do abandono de suas terras, vem buscando equilibrar sua economia, dirigindo seu governo para a policultura e para a pecuária. Ao que consta, a crise de braços pela qual o município atravessa é atribuída às precárias condições de vida em que se debate o homem do campo. Esse motivo tem redundado num êxodo considerável do elemento humano, que labuta em seus campos, o qual, atraído por melhores perspectivas, se lança à aventura nas grandes cidades, como Rio de Janeiro e São Paulo (IBGE, 1959: 205). Neste sentido, considera-se poder inferir, pelo conjunto da análise que até o momento vem sendo desenvolvida, que o processo de êxodo rural na região esteve em curso desde o último quartel do século XIX, com a progressiva decadência da economia cafeeira no Brasil, resultante da culminância da abolição da escravatura com decadência de fertilidade dos solos para os cafezais na região, aprofundada nos últimos anos do século XIX e primeira metade do XX (Erthal, 1992). Frente ao que, mesmo com certo desenvolvimento da policultura, a mesma não parece ter conseguido se colocar como alternativa para viabilizar a grande maioria das unidades produtivas da região. Ao confrontar estes dados com as estatísticas dos anos subsequentes pode-se observar que este processo de êxodo rural foi se aprofundando na região, mantendo até a atualidade. Juntamente, com o êxodo rural, observa-se que nos anos subsequentes foi se aprofundando o êxodo agrícola10 no município. Da mesma forma, pode-se inferir que a produção cafeeira foi sendo reduzida com a elevação da produção de outros cultivares, como também, que as atividades industriais e comerciais passaram a cada vez ganharem maior importância, concomitantemente a redução do pessoal ocupado nas atividades agropecuárias.
Cálculos realizados pelo autor. Enquanto o êxodo rural se refere a migração de pessoas que residiam em áreas rurais para urbanas, o êxodo agrícola refere-se a migração de indivíduos ocupados em atividades produtivas no rural para atividades não-agrícolas. 9
10
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Segundo dados do censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística na década de 1970 (IBGE, 1970: 238), a população do município de Bom Jardim estava distribuída da seguinte forma neste período: População de fato Divisão distrital
Segundo a localização Total
Urbana e suburbana
Rural
Bom Jardim
6.617
3.875
2.842
Banquete
2.467
236
2.231
Barra Alegre
3.280
105
3.175
S. José do Ribeirão
4.631
324
4.307
Assim, pode-se observar que na década 1970 a população total do município de Bom Jardim era de 17.095; com 4.540 (26,5%) residindo nas áreas urbana e suburbana e; 12.555 (73,5%) no rural. Comparando-se estes dados com os registros do IBGE (1959) acerca da década de 1950, percebe-se que no interregno destes vinte anos ocorreu uma pequena redução no número total de habitantes no município, de 786 (4,4%) pessoas, concomitante a uma significativa elevação da população residente nas áreas urbanas, de 2.697 (146,3%) habitantes, e redução da população residente nas áreas rurais, em 3.483 (21,7%)11 pessoas. Acerca das atividades laborais praticadas por indivíduos com dez anos ou mais no município, na década de 1970, o IBGE (1970: 205) registrou o seguinte panorama: Atividades das pessoas com 10 anos ou mais (1970):
11
Setores:
Total:
Homens:
Mulheres:
Agricultura
3.460
3.308
152
Indústria
221
190
31
Comércio
501
487
14
Total
4.182
3.985
197
Cálculos realizados pelo autor.
43
Ao confrontar-se os dados referentes as atividades laborais praticadas pelos munícipes de Bom Jardim na década de 1970 com o levantamento realizado na década de 1940, pode-se observar que o quadro pessoal ocupado nas atividades agrícolas foi reduzido em 2.476 (41,7%) pessoas. Concomitante ao que foi elevado o quadro pessoal ocupado em atividades industriais e comerciais no município. No quadro de pessoas ocupadas em atividades industriais observa-se uma elevação em 131 (59,3%) indivíduos. Nas atividades comerciais percebe-se um aumento de 326 (65,1%)12 de pessoas ocupadas. Neste sentido, deve-se salientar as confluências entre o processo social em curso neste período no território de Bom Jardim com as reconfigurações na estrutura social de mais longo escopo. No Brasil, após a crise econômica e política do inicio dos anos 1960, que havia arrefecido o processo de transformações socioeconômicas em curso desde a década de 1930 e que havia sido aprofundado a partir dos anos 1950; o pacto econômico-político dominante, que sustentava um dos projetos de desenvolvimento nacional via industrialização, foi recomposto através do Golpe Militar, em 1964. Assim, desencadeando o processo de modernização conservadora13 da agricultura no Brasil, através de diferentes articulações entre o capital industrial, o Estado, e grandes e médios proprietários de terra (Delgado, 1985), com o aumento de concentração fundiária, elevação das disparidades de renda, acentuação do êxodo rural, elevação da taxa de exploração da força de trabalho nas atividades agrícolas, crescimento da taxa e auto-exploração da força de trabalho nas propriedades menores, com pioras na qualidade de vida da população trabalhadora no campo (Palmeira, 1989: 87). Neste processo observa-se que entre as décadas de 1960 e 1980 mais de trinta milhões de brasileiros migraram das áreas rurais do país para os centros urbanos, com destaque para os grandes polos urbano-industriais de São Paulo e Rio de Janeiro (Martine, 1989). Assim, observa-se que a partir de meados do século XX, foi se consolidando a concepção de desenvolvimento rural enquanto sinônimo de modernização das atividades agrícolas, em que a noção de rural o restringia como espaço de produção agrícola, na compreensão dos ideólogos e executores deste projeto modernizante. O que se valorizava era homogeneidade, o produzir os mesmos produtos e da mesma forma, através da difusão da cultura urbano-industrial e da forma de organização social fordista, com profundas transformações socioeconômicas no rural brasileiro, “que trouxeram resultados bastante penosos para os trabalhadores rurais e muito favoráveis às elites agrárias, agrícolas e agroindustriais” (Delgado, 2009: 4). Todavia, já em fins da década de 1970, com o estancamento da fase expansionista da economia capitalista mundial do pós-Guerra, esse modelo de desenvolvimento rural começou a dar expressivos sinais de suas limitações. Neste período, o crédito estatal, abundante desde a década de 1950, sofreu grandes restrições. Entre 1979 e 1984 o volume de crédito agrícola foi reduzido em mais de cinquenta por cento (Kageyama, 1987: 61). Estes Cálculos realizados pelo autor. Como foi conceituada por estudiosos influenciados por diferentes vertentes da economia política marxista, a partir da década de 1960. 12 13
44
fatores, somados as constantes secas em diversas regiões do país ao longo da década de 1980, a redução da demanda de alimentos associada à queda de renda per capita e ao crescente desemprego, as constantes altas na inflação; fizeram com que este processo ganhasse uma complexidade especifica neste contexto (Tedesco, 1994). Mesmo assim, a crise da década de 1980 não chegou a romper com a dinâmica do processo de modernização da agricultura brasileira, em curso desde meados do século XX. Destarte as expressivas reduções de crédito agrícola, os setores agroexportadores e agroindustriais mantiveram alguns de seus privilégios. Em suma, poder-se-ia dizer que na década de 1980 “as políticas cambial, de preços mínimos e tecnológicas viabilizaram o crescimento agrícola em um ambiente macroeconômico interno e externo bastante desfavorável” (Delgado, 2009: 14). O que possibilitou a manutenção do dinamismo de grande parte das lógicas produtivas estruturadas no processo de modernização da agricultura brasileira, como também do processo de transformações sociais nas varias regiões do país em curso desde meados do século XX (Tedesco, 1994). Assim, a década de 1990 pode ser considerada como um momento crucial “tanto para a continuidade do processo tradicional de exclusão e dominação que tem acompanhado o padrão de relações economia-meio rural no Brasil” no processo de modernização da agricultura; “quanto para a progressiva elaboração de uma visão alternativa acerca do significado do rural e de desenvolvimento rural sustentável e para a democratização das relações sociais e políticas no campo” (Delgado, 2009: 23). Sendo ambas perspectivas expressões da ‘confluência perversa’14 entre dois projetos políticos contraditórios e em disputa, que emergiram na sociedade brasileira, a partir deste período. Interconexo a este processo pode-se observar que em Bom Jardim, entre as décadas de 1970 e 1990, ocorreu certo arrefecimento nas transformações sociais em curso de meados do século XX a década de 1970. Segundo dados do censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em princípios da década de 1990 (IBGE, 1991), a população do município de Bom Jardim estava distribuída da seguinte forma: População de fato Divisão distrital
14
Segundo a localização Total
Urbana e suburbana
Rural
Bom Jardim
10.553
7.855
2.698
Banquete
2.797
1.064
1.733
Barra Alegre
2.945
161
2.784
S. José do Ribeirão
4.342
412
3.930
No termo cunhado por Dagnino (2004), também operacionalizado por Delgado (2009).
45
Assim, pode-se observar que na década 1990 a população total do município de Bom Jardim era de 20.637; com 9.492 (46%) residindo nas áreas urbana e suburbana e; 11.145 (54%)15 no rural. Confrontando estes dados com o observado na década de 1970, percebe-se que no interregno 1970-1990 ocorreu uma elevação da população municipal de 3.542 (20,7%) pessoas, com um expressivo aumento da população urbana em 4.952 (109%) indivíduos, e redução da população rural em 1.410 (11,2%)16 pessoas. Neste sentido, infere-se que a reversão no processo de êxodo da população municipal observado no interregno 1950-1970,17 se deveu, principalmente, a redução no êxodo rural entre os anos de 1970 e 1990, como também pela manutenção da expressiva elevação da população urbana no município. Acerca das atividades laborais da população bom jardinense com dez anos ou mais em 1991, pode-se observar a partir do Censo Demográfico - Mão-de-obra no Rio de Janeiro (IBGE, 1991: 301-332) a seguinte distribuição: Atividades das pessoas com 10 anos ou mais (1991): Setores:
Total:
Homens:
Mulheres:
Agropecuária, extração vegetal e pesca
3.409
2.170
192
Indústria de transformação
686
534
152
Indústria da construção civil
468
459
9
Outras atividades industriais
138
125
13
Comércio de mercadorias
653
571
82
Total
8.200
6.293
1.907
Cálculos realizados pelo autor. Cálculos realizados pelo autor. 17 Enquanto observou-se que no período compreendido entre as décadas de 1950 e 1970 ocorreu um êxodo rural de 146,3%, entre as décadas de 1970 e 1990 o mesmo representou um índice de redução de apenas 11,2%. 15 16
46
Acerca das atividades laborais praticadas por indivíduos com dez anos ou mais no município, na década de 1970, o IBGE (1970: 205) registrou o seguinte panorama: Atividades das pessoas com 10 anos ou mais (1970): Setores:
Total:
Homens:
Mulheres:
Agricultura
3.460
3.308
152
Indústria
221
190
31
Comércio
501
487
14
Total
4.182
3.985
197
Desta forma, a partir do confrontamento dos dados referentes as atividades laborais praticadas pelos munícipes de Bom Jardim na década de 1990 com o levantamento realizado na década de 1970, pode-se observar que o quadro pessoal ocupado nas atividades agrícolas foi reduzido em 51 (1,5%) pessoas. Concomitante ao que foi elevado o quadro pessoal ocupado em atividades industriais e comerciais no município. No quadro de pessoas ocupadas em atividades industriais observa-se uma elevação em 1.071 (484,6%) indivíduos. Nas atividades comerciais percebe-se um aumento de 152 (30,3%)18 de pessoas ocupadas.19 Na produção agropecuária de Bom Jardim neste período, pode-se observar, a partir do relatório produzido pelos técnicos do escritório da EMATER do município em 1991, que destacam-se os seguintes produtos: Produção agropecuária (1991): Produtos:
Nº de produtores:
Unidade:
Quantidade:
Chuchu
200
Toneladas/ano
11.250
Batata-doce
270
Toneladas/ano
4.380
Toneladas/ano
3.369,5
Inhame
Cálculos realizados pelo autor. Neste sentido, destaca-se a observação de que os números apresentados não devam ser tomados em sua concretude, em vista das variações metodológicas no recolhimento de dados nos Censo de 1970 e 1990, como se percebe pelos diferentes setores que ambos recensiamentos apresentam. Todavia, considera-se que os mesmos sejam emblemáticos e indiciários das transformações tendenciais que ocorreram ao longo deste período no município. 18 19
47
Tomate
90
Toneladas/ano
3.000
Pimentão
70
Toneladas/ano
1.000
Jiló
30
Toneladas/ano
400
Abobrinha
60
Toneladas/ano
320
Repolho
30
Toneladas/ano
1.152
Feijão
1.000
Toneladas/ano
580
Milho
550
Toneladas/ano
990
Café
120
Toneladas/ano
5.360
Banana
180
Toneladas/ano
13.375
Palma de Santa Rita
35
Dúzias/ano
56.000
Avicultura de corte
80
Ton/carne/ano
14.000
Bovinocultura de leite
84
Litros/ano
1.136.600
Além destes produtos agrícolas, contemporaneamente merecem destaque a produção de aves de corte e gado leiteiro em Bom Jardim. No setor avícola foram registrados 29.180 cabeças de galos, frangos e pintos no município em 2010.20 Neste setor destaca-se a integração21 de agricultores a empresa agroindustrializadora Comave Comércio e Indústria Ltda. Expressivo da produção leiteira no município é o número de bovinos existentes, em que foram registradas 15.252 cabeças em 2010.22 Este conjunto de dados acerca da produção agropecuária no município de Bom Jardim parece corroborar com a percepção, acima apontada, de que ao longo do século XX, especialmente a partir da segunda metade deste, a produção cafeeira foi sendo diminuída no município, paralelo a dinamização da policultura na produção agrícola. Neste sentido, concebe-se serem necessárias duas importantes observações. Primeiro, que a dinamização das atividades policultoras em Bom Jardim, com destaque para a produção de gêneros alimentícios a partir da segunda metade do século XX, esteve diretamente vinculada a elevação da demanda por estes produtos nos grandes centros consumidores, com destaque Fonte: http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/tabela/protabl.asp?c=73&z=t&o=4&i=P (acessado em (04/07/2012). 21 A relação de integração se caracteriza pelo estabelecimento de contratos entre empresas agroindustriais e agricultores, ficando a cargo das empresas e/ou cooperativas integradoras o fornecimento, em graus diversos nos diferentes setores, dos animais e/ou cultivares e sua seleção genética, insumos produtivos como ração, assistência técnica e medicamentos. Sendo o produtor integrado aquele que produz matéria-prima para uma empresa agroindustrial, sob supervisão da mesma, recebendo dela insumos e orientação técnica, e comprometendo-se a entregar-lhe sua produção (Paulilo, 1990; Tedesco, 1999). 22 Fonte: http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/tabela/protabl.asp?c=73&z=t&o=4&i=P (acessado em (04/07/2012). 20
48
para a região metropolitana do estado do Rio de Janeiro, neste caso. Em segundo lugar, destaca-se a percepção de que mesmo ocorrendo uma dinamização das atividades agropecuárias voltadas para a produção de gêneros alimentícios, esta não parece ter conseguido se colocar como alternativa para viabilizar a grande maioria das unidades produtivas, como pode-se observar pelos índices de êxodo rural no município, os quais, mesmo que sendo reduzidos a partir do interregno 1970-1990, ainda se mantém, como se observa pela análise dos dados que seguem. Os dados mais recentes produzidos pelo IBGE acerca da população residente nos quatro distritos de Bom Jardim, a que se teve acesso para a realização desta pesquisa, datam de 1996 e se referem as pessoas residentes nos mesmos com quatro anos ou mais:23 População residente com quatro anos ou mais Divisão distrital
Segundo a localização Total
Urbana e suburbana
Rural
Bom Jardim
10.785
8.286
2.496
Banquete
2.681
1.090
1.591
Barra Alegre
2.579
187
2.392
S. José do Ribeirão
4.257
456
3.801
No censo realizado pelo IBGE em 2010 não foram disponibilizados dados referentes a divisão distrital da população em Bom Jardim, apenas seu montante global, com os seguintes números:24 Total
Urbana
Rural
25.398
15.281
10.117
Desta forma, observa-se que em 2010 a população total do município de Bom Jardim era de 25.398; com 15.281 (60,1%) residindo nas áreas urbana e 10.117 (39,9%)25 no rural. Confrontando estes dados com o observado na década de 1990, percebe-se que no interregno 1990-2010 ocorreu uma elevação da população municipal de 4.761 (23%) pessoas, com um aumento da população urbana em 5.789 (28%) indivíduos e redução da popuEste conjunto de dados foi pesquisado a partir da plataforma SIDRA, da pagina eletrônica do IBGE, gerando-se uma tabela específica para cada item pesquisado: http://www.sidra.ibge.gov.br (acessado em 03/07/2012) 24 Fonte:http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/tabelas_pdf/total_populacao_rio_de_janeiro.pdf 23
49
lação rural em 1.028 (9,2%)26 pessoas. A partir deste conjunto de dados, pode-se inferir que no período de 1990 a 2010 ocorreu um processo bastante semelhante ao observado em curso no interregno 1970-1990, de elevação da população municipal, com redução no êxodo rural, como também pela manutenção da elevação do contingente populacional em áreas urbanas no município, mesmo que em taxas bem menos expressivas do que as observadas no período 1970-1990. Para além da crescente diminuição da população rural no município de Bom Jardim ao longo do século XX, essencialmente na última metade deste, deve-se levar em conta, ainda, o possível envelhecimento do conjunto que a compõe. Pois, como pode ser observado de forma mais geral no rural brasileiro, principalmente em regiões de predominância de agricultores familiares, crescentemente vem predominando os indivíduos de faixa etária mais elevada nas áreas rurais (Abramovay e Camarano, 1999) Todavia, em vista da inexistência de dados acerca desta conformação, não permitindo qualquer afirmação na região analisada, fica-se apenas no plano das conjecturas e dos questionamentos. Para se obter um panorama da produção agropecuária no município de Bom Jardim na primeira década de 2000, realizou-se uma compilação dos dados gerados para cada produto na plataforma SIDRA,27 da página eletrônica do IBGE, resultantes do Censo Agropecuário de 2006: Produção agropecuária (2006):
25 26
Produtos:
Nº de produtores:
Unidade:
Quantidade:
Chuchu
72
Toneladas/ano
3.019
Batata-doce
145
Toneladas/ano
4.708
Inhame
199
Toneladas/ano
9.086
Tomate
118
Toneladas/ano
6.865
Pimentão
66
Toneladas/ano
1.871
Jiló
97
Toneladas/ano
2.613
Abobrinha
112
Toneladas/ano
2.942
Repolho
89
Toneladas/ano
3.757
Feijão
-
Toneladas/ano
312
Milho
-
Toneladas/ano
392
Café
-
Toneladas/ano
2.258
Cálculos realizados pelo autor. Cálculos realizados pelo autor.
50
Confrontando-se os dados da produção agrícola em 2006 com os dados apresentados frente a mesma produção em 1991, pode-se observar que ocorreu certa redefinição na importância dos produtos, como pode ser observado pela triplicação no número de produtores de repolho e redução para menos da metade do número de produtores de chuchu. Concomitante a isto, pode-se observar que, no geral, ocorreu uma expressiva elevação de produtividade na maioria dos gêneros, a exemplo da triplicação na quantidade produzida de inhame, e da quintuplicação na produção de jiló. Ao mesmo tempo, observa-se que, no interregno 1991-2006, os produtos que tiveram a maior redução de produção foram: feijão (reduziu para a metade), milho (reduziu para terça parte) e café (reduziu pela metade). Desta forma, concebe-se que os dados acima apresentados corroborem com as observações apresentadas acerca das redefinições na produção agrícola do município pontuadas no exame dos dados de 1991, de redução na produção cafeeira, paralelo a dinamização da policultura na produção agrícola. Todavia, com uma crescente redução de importância da produção agrícola no município. Todavia, de um modo geral, pode-se observar que vem ocorrendo uma expressiva redução de importância das atividades agrícolas no município de Bom Jardim. O que tem possibilitado um processo de regeneração natural da Mata Atlântica na região desde a segunda metade do século XX, principalmente nas partes mais acidentadas e elevadas dos morros, como destacam os realizadores do Projeto Caminhos Geológicos.28 Processo aprofundado com a consolidação da Área de Proteção Ambiental municipal que abrange o município de Bom Jardim. Entretanto, observa-se que esta redução de importância das atividades agrícolas no município, possibilitando certa recuperação das matas, é resultado, principalmente, de um conjunto de pressões negativas sofridas pelos agricultores da região. Neste sentido, técnicos da Embrapa que vem desenvolvendo um trabalho junto aos agricultores do distrito de Barra Alegre do município de Bom Jardim, realizaram um instigante panorama: Especificamente nos municípios da Região Serrana do Estado do Rio de Janeiro, incluindo-se Bom Jardim, diversos fatores, tais como a estrutura fundiária, o sucateamento das instituições públicas de assistência técnica e o grau de degradação das terras, imprimem ao agricultor uma forte pressão negativa, pois rendimentos elevados das culturas apresentam-se, aparentemente, atrelados a altos investimentos em estrutura física e/ou insumos. Decorre disso que investimentos sem a devida orientação passam a comprometer a viabilidade econômica das suas atividades e do próprio ambiente em que vive. A deficiência de Arquivo digital do Projeto Caminhos Geológicos - Departamento de Recursos Minerais do Estado do Rio de Janeiro, referente ao município de Bom Jardim. Documentação que também encontra-se disponível no sítio eletrônico: http:// www.caminhosgeologicos.rj.gov.br/sitept/index.php?http://www.caminhosgeologicos.rj.gov.br/lista_placas, (acessado em 22/06/2012). 28
51
atendimento das empresas públicas de extensão rural favorece a capilaridade de representantes da indústria de fertilizantes e defensivos – os quais têm interesse na venda de seus produtos, o que leva a uma inversão de valores para os agricultores: vendedores de adubos e defensivos parecem ter mais credibilidade do que os técnicos de instituições do Estado, responsáveis por orientações técnicas de cultivo e manejo do solo (Brandemburg, Floriani, Silva, Cerveira Filho, Ferreira e Sant’ana, 2010: 5). Na compreensão destes técnicos, “a agricultura do Município de Bom Jardim não possui uma competitividade similar à de outros municípios da Região Serrana, porém a condição socioeconômica do produtor rural está acima da linha de pobreza” (Brandemburg, Floriani, Silva, Cerveira Filho, Ferreira e Sant’ana, 2010: 7). Assim, segundo estes técnicos, os principais motivadores para a expressiva evasão de jovens da área rural e das atividades agrícolas em Bom Jardim, na contemporaneidade, seriam a expansão do ideário urbano industrial e de uma percepção pejorativa do rural e das atividades agrícolas. Neste sentido, a partir do relato de um professor do ensino médio de Bom Jardim, os técnicos da Embrapa apontam que: eles ( jovens das áreas rurais de Bom Jardim) não abandonam a escola porque precisam ajudar os pais, ou começam a trabalhar porque correm o risco de passar fome. Os pais podem perfeitamente satisfazer suas necessidades de moradia, alimentação e vestuário, e podem comprar livros e material escolar; o que os pais não podem comprar é uma motocicleta ou as roupas de grife. Pode-se conceber que a proximidade de Nova Friburgo como um polo de indústria têxtil crie uma expectativa de consumo muito alta, que pressiona Bom Jardim, de modo que, como diversas vezes relatado, as pessoas sentem vergonha de trabalhar na agricultura, em contraposição ao modo de vida mais tipicamente urbano de Nova Friburgo. Mas como Bom Jardim possui uma indústria incipiente, a demanda pelo consumo teria de ser satisfeita pelo trabalho no setor de serviços, onde se inclui o comércio (Brandemburg, Floriani, Silva, Cerveira Filho, Ferreira e Sant’ana, 2010: 7). Neste sentido, observa-se que, contemporaneamente, o município de Bom Jardim concentra suas atividades econômicas na área do comércio e serviços, que representam 63,52%, seguido pela indústria com 26,62%, e da agricultura com 9,86%, segundo a Fundação CIDE. Entretanto, destaca-se a observação de que as atividades industriais estejam em expansão na região, em especial no distrito de Barra Alegre, que na primeira década de 2000, passou a ser o distrito industrial do município, vivenciando grandes transformações com a vinda de empresas que por conta dos incentivos fiscais estão se instalando na localidade. Frente ao que ainda não se possui dados para qualquer avaliação do impacto da expansão das atividades industriais no distrito de Barra Alegre, como também apontaram os técnicos da Embrapa.
52
Considerações finais: o papel e o lugar do rural. Com o exame empreendido neste texto, considera-se ter sido possível galgar importantes passos na compreensão do papel e lugar do rural nas dinâmicas de territorialização do município Bom Jardim, essencialmente em suas relações de dominação e/ ou de apropriação sociedade-espaço nos ambitos político-econômicos. Neste sentido, destaca-se a compreensão de que este processo ‘local’ só pôde ser apreendido em suas interconexões, mutuas, intermitentes e assimétricas (Elias, 1986), com o campo de relações (Bourdieu, 2011) acerca do rural e das perspectivas de desenvolvimento rural de mais longo escopo, do qual o fragmento territorial de Bom Jardim faz parte. Assim, observou-se que a partir de fins do século XVIII começaram a ser implantadas na região de Bom Jardim diversas fazendas que se voltavam ao abastecimento de gêneros alimentícios das regiões mineradoras, principalmente da província de Minas Gerais. Na primeira metade do século XIX, com a crescente crise da economia mineradora brasileira e ascensão da economia cafeeira no Brasil, percebeu-se uma expressiva expansão da produção de café para a região de Bom Jardim. Neste contexto, observou-se a coexistência de duas formas de organização sócio produtiva na produção cafeeira da região: de grandes fazendas escravistas (principalmente na região mais próxima a Cantagalo) e em menor escala com mão de obra livre, muitas vezes familiar (essencialmente nas regiões de maior altitude e com terrenos mais acidentados, em que se destacam dois dos quatro distritos que atualmente formam o município de Bom Jardim: Barra Alegre, São José do Ribeirão). A produção cafeeira nas grandes fazendas escravocratas foi fortemente impactada com a abolição da escravatura no Brasil em 1888, que veio a se somar ao desgaste dos solos e crise da economia cafeeira de fins do século XIX. Já nas regiões onde as grandes fazendas escravocratas não encontraram eco, como no distrito de Barra Alegre do município de Bom Jardim, a economia cafeeira manteve parte de seu vigor, ao menos até os primeiros anos do século XX. Todavia, também nestas regiões, com o desgaste dos solos e crescente crise da economia cafeeira no Brasil, a produção de café experienciou um paulatino decréscimo no decorrer do século XX. Com a crescente crise da economia cafeeira ao longo do século XX, observa-se que a agropecuária policultora passou a ser dinamizada na região. Entretanto, não conseguindo se colocar como alternativa viabilizadora da manutenção da grande maioria dos indivíduos membros das famílias de agricultores. Assim, observou-se ter ocorrido um expressivo êxodo rural e agrícola no município de Bom Jardim a partir de meados do século XX, que mesmo tendo diminuído significativamente a partir da década de 1990, ainda pode está ocorrendo. O que se compreende como sendo emblemático, em âmbito ‘local’, do procesNo contexto atual, técnicos da Embrapa, em conjunto com diversas entidades voltadas ao desenvolvimento sustentável, vem buscando legalizar e normatizar o pousio nas regiões de agricultura montanhosa, como expressão de uma prática agrícola sustentável. 29
53
so de aprofundamento da modernização da agricultura brasileira a partir de meados do século XX, em que foi sendo consolidada a concepção de desenvolvimento rural enquanto sinônimo de modernização das atividades agrícolas e a noção de rural se restringindo como espaço de produção agrícola, em meio a difusão da cultura urbano-industrial e da forma de organização social fordista, com crescente desvalorização da cultura rural e expansão do êxodo rural e agrícola nas mais diversas regiões do país. Todavia, a partir de fins da década de 1980, em meio a complexificação da temática do rural, ascensão de atores sociais e novas perspectivas de desenvolvimento em âmbito nacional, observa-se a implosão da identidade entre rural e agrícola, como também entre desenvolvimento rural e modernização da agricultura. Questões que passaram a ganhar maior vigor político e conceitual no decorrer da década de 1990, fortemente influenciado pelo aprofundamento e maior visibilidade, nacional e internacionalmente, das contundentes críticas “ao caráter excludente e aos nefastos efeitos ambientais, culturais, econômicos e sociais do processo de modernização agrícola da revolução verde” (Delgado, 2009: 16). É neste contexto, então, que se observa, no Distrito de Barra Alegre, a emergência de iniciativas que visam contribuir com este movimento de redefinição da concepção acerca do rural e de sua re-valorização, concebidas como sendo de crucial importância na construção de uma sociedade mais equitativa e menos excludente (Delgado, 2009). Em que merece destaque o projeto iniciado em fins da década de 2000 por técnicos da Embrapa e da EMATER Bom Jardim, que, de forma participativa com os agricultores da região, buscam valorizar e disseminar práticas agrícolas sustentáveis, a exemplo do pousio.29 Da mesma forma, destaca-se a estruturação do Ponto de Cultura Rural Sobrado Cultural em meados da década de 2000 que vem desenvolvendo um amplo conjunto de projetos que visam resgatar e valorizar as expressões socioculturais dos atores sociais das áreas rurais desta região, e assim contribuindo para a construção de uma percepção valorativa deste espaço e de seus atores.
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BARRA ALEGRE E PEDRA AGUDA: PATRIMÔNIO NATURAL1 Os primeiros habitantes da região de Pedra Aguda foram da família Tardim. Eles chegaram por volta de 1880 e, em meados de 1940, foram seguidos pelas famílias Maciel e Schot. A principal atividade destas famílias era a agricultura de subsistência. Sua população teve auge na década de 1970, quando foi fundada a escola municipal, exclusivamente para a comunidade. A geografia acidentada, a distância dos centros e a precariedade do acesso levaram a um movimento migratório. Atualmente restam menos de 8 famílias morando e produzindo na região. Há também três reservas particulares do patrimônio natural, RPPN, ou seja, áreas de conservação da natureza em terras privadas. O proprietário é quem decide se quer fazer de sua propriedade, ou de parte dela, uma RPPN, sem que isso acarrete em perda do direito de propriedade. As RPPNs são unidades de conservação de proteção integral e perpétua, cujo maior objetivo é manter a diversidade biológica. Sendo permitidas na reserva atividades recreativas, turísticas, de educação e pesquisa, desde que sejam autorizadas pelo órgão ambiental responsável.
O Estado do Rio de Janeiro apresenta características especiais em relação a sua geologia. Tanto na região litorânea quando no interior do Estado é notável a ocorrência de monumentos geológicos. Muitas vezes estes monumentos estão localizados em regiões com alto potencial turístico, porém ainda pouco desenvolvido. Desta forma, o Departamento de Recursos Minerais do Estado do Rio de Janeiro (DRM-RJ), na sua função de Serviço Geológico Estadual, idealizou, em 2001, o Projeto Caminhos Geológicos com o objetivo principal de levar a geologia, em uma linguagem simplificada, aos cidadãos comuns, auxiliando no desenvolvimento turístico de regiões e levando a cultura geológica para áreas carentes deste tipo de informação. O Projeto Caminhos Geológicos se materializa através de painéis explicativos sobre a evolução dos monumentos geológicos fluminenses, identificados como “Pontos de Interesse Geológico”. O Projeto Caminhos Geológicos foi inicialmente implantado na Região dos Lagos e hoje já conta com 103 painéis explicativos espalhados pelo Estado. A linguagem utilizada procura buscar no cotidiano das pessoas as comparações com os fenômenos geológicos observados, de forma a “traduzir” a linguagem usada pela comunidade científica para o cidadão comum. É uma iniciativa pioneira do Estado do Rio de Janeiro e tem como parceiros fixos a TURISRIO – Cia. de Turismo do Estado do Rio de Janeiro e o DER – Departamento de Estradas de Rodagem. Fundamental é a parceria científica desenvolvida com as universidades presentes no Estado (UFRJ, UERJ, UFRRJ, UFF, outras) e empresas públicas e centros de pesquisas (PETROBRAS, CENPES e outros), além do apoio de empresas privadas e prefeituras. 1
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RPPNs DE BARRA ALEGRE RPPN Nossa Senhora Aparecida
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RPPN vale do luar
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RPPN marie camille
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A GEOLOGIA DE BARRA ALEGRE E PEDRA AGUDA
As rochas da região de Barra Alegre e Pedra Aguda guardam uma história geológica que começa a ser contada em quase 630 milhões de anos atrás, e que teve seu momento mais importante há cerca de 580 Milhões de anos, quando se formou a rocha denominada Granito Barra Alegre. Já as rochas que compõem o maciço rochoso da Pedra Aguda, fazem parte do denominado Complexo Rio Negro e são mais velhas que o Granito Barra Alegre cerca de 50 milhões de anos. Isto é confirmado pela idade de formação dos minerais da rocha (obtida por análises em laboratórios de alta tecnologia) e pela observação de que o Granito Barra Alegre se posiciona cortando o Complexo Rio Negro. Portanto, ele já existia quando o granito se formou.
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COMO SE FORMARAM AS ROCHAS DA REGIÃO Tanto as rochas do Complexo Rio Negro quanto o Granito Barra Alegre têm sua origem na relacionada ao grande continente que existiu no passado da Terra denominado Gondwana, que se formou pela colisão de várias massas continentais. Nestes eventos a pressão e temperatura são muito altas e ocorre a fusão de rochas no interior da Terra a dezenas de quilômetros de profundidade. As rochas que hoje vemos em Barra Alegre e adjacências se formaram desta maneira. É importante destacar que a fusão da rocha em profundidade forma um material de comportamento líquido chamado magma e que o granito é uma rocha gerada por cristalização (resfriamento) de um magma de composição química específica. Durante este processo, as rochas da Pedra Aguda, que também foram originadas pela cristalização de um magma, já existiam, e foram submetidas a estas altas pressões e temperaturas. Com isto, se modificaram, em termos de textura, estruturas e minerais, e correspondem aos gnaisses e migmatitos que forma o Complexo Rio Negro. Veja no Mapa Geológico (Figura 1) a disposição das rochas existentes na área.
Figura 1: Mapa Geológico da Região de Barra Alegre e Pedra Aguda. As cores diferentes representam grupos de rochas com evolução geológica, composição e idade distintas.
Veja na Figura 2 a paisagem típica formada pelo Granito Barra Alegre. Na Figura 3 é possível observar o aspecto comum deste granito. A Figura 4 é uma imagem de uma fina fatia desta mesma rocha vista ao microscópio. O grão com estampa em xadrez corresponde ao mineral claro (feldspato) que se destaca na rocha.
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Figura 3: Aspecto do Granito Barra Alegre. O mineral retangular, claro, que se destaca dos demais é o feldspato.
Figura 4: Granito Barra Alegre visto no microscópio. O grande mineral de cor cinza e com textura em xadrez é o feldspato.
A belíssima paisagem da Pedra Aguda (Figura 5), assim como a Serra do Macabu , está relacionada ao tipo de rocha que a compõe: os gnaisses e migmatitos Rio Negro. Veja na Figura 6 o aspecto típico destas rochas. Outros tipos de rocha também são encontrados na região, porém em áreas restritas. Os objetos que aparecem nas fotografias servem para orientar quanto ao tamanho dos minerais das rochas.
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Figura 6: Aspecto dos gnaisses do Complexo Rio Negro. São rochas escuras, com bandas e veios claros, por vezes dobrados e estirados em função das altas pressões e temperaturas a que as rochas foram submetidas.
A FORMAÇÃO DO GONDWANA
Figura 7: O antigo continente Gondwana, formado há aproximadamente de 520 milhões de anos atrás.
Figura 5: Foto da Pedra Aguda, que caracteriza a paisagem típica das rochas do Complexo Rio Negro.
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Figura 8: Esquema simplificado de uma colisão continental
Há 520 milhões de anos, nasceu o grande paleocontinente Gondwana (Figura 7). Ele foi formado pela aglutinação das massas continentais da América do Sul, África, Austrália, Antártica e Índia. As massas continentais unem-se por colisão (Figura 8). Estes eventos colisionais geram cadeias de montanhas gigantescas e são chamados de “orogenias”. O melhor exemplo atual de orogenia na Terra é a que formou os maiores picos do mundo no Himalaia, devido à colisão entre a Índia e a Ásia. Com os dados científicos obtidos no Estado do Rio de Janeiro, especialmente em Armação dos Búzios, foi identificada uma das orogenias geradas na colisão entre a América do Sul e a África. Esta orogenia, denominada Orogenia Búzios, ocorreu no meio do período geológico Cambriano e durou pelo menos 20 milhões de anos. Os estudos mostram que as rochas encontradas em Barra Alegre e Pedra Aguda estão relacionadas à formação deste supercontinente. Leonardo Pressi Leonardo Frederico Pressi, geólogo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS (2009) e mestre pela Universidade de São Paulo – USP (2012). Sua dissertação teve ênfase em processos de mistura de magmas. Ingressou no Departamento de Recursos Minerais do Estado do Rio de Janeiro – DRM-RJ em 2012, onde atua no Projeto Caminhos Geológicos e participa do Projeto Geoparque Costões e Lagunas.
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fichas catalogrรกficas
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Inventário do Patrimônio Cultural Rural de Barra Alegre – Bom Jardim – RJ
Fazenda São Marcos Denominação: Fazenda
Código de identificação: BJ/BA – RJ 00
Localização: Km 18 RJ 149
Mapa de localização:
Época de construção: Segunda metade do século XIX Estado de conservação: detalhamento no corpo da ficha Uso original/uso atual: Residência/residência Proteção / proposta: Inexistente Manutenção dos proprietários Proprietário: Particular
f 1 Fachada da Casa principal da Fazenda São Marcos construída na década de 50 Levantado por Andrea Rausch, Claudio Paolino, Juliano Palm e Marjorie Botelho (setembro de 2012 a janeiro de 2013)
Revisão: Marjorie Botelho (fevereiro de 2013)
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Contextualização histórica do conjunto patrimonial Atualmente (2013), pouco antes1 de adentrarmos o povoado de Barra Alegre nos deparamos com a sede da Fazenda São Marcos (f1) de Carlos Henrique Erthal. A história da família Erthal e a trajetória das propriedades rurais que pertenceram à mesma são emblemáticas do processo de subdivisão das grandes fazendas existentes na região, ao longo dos séculos XIX e XX. A família Erthal fez parte das primeiras levas de migrantes germânicos que chegaram ao Brasil, ainda na segunda década do século XIX. João Erthal (f2), nascido em 1806, patriarca da família no Brasil, chegou ao país no ano de 1826, ao completar 20 anos de idade. Após sua chegada, João Erthal veio residir em Nova Friburgo, onde exerceu a profissão de ferreiro. No ano de 1830, João casou-se com Catarina Wermelinger e desta união nasceram onze filhos. (f3) Em 1860 João Erthal mudou-se para o município de Bom Jardim, após adquirir a Fazenda Santa Rita, no distrito de Barra Alegre. A partir deste período João passou a se dedicar, principalmente, a produção cafeeira, estendendo sua propriedade com a aquisição de diversos sítios e fazendas na região. Carlos Henrique Erthal afirmou ser uma prática familiar a compra de fazendas na região para o aumento do patrimônio e também para deixar de herança para os filhos. Assim, a Fazenda Santa Rita ficou tendo, além da sede principal, outras sedes e inúmeras residências de colonos que trabalhavam em suas 1
Cerca de 1 quilômetro.
f 2 João Erthal
terras. Entre elas destacamos a fazenda Poço D’anta, adquirida em 1887, na qual estava inserida a propriedade conhecida atualmente como fazenda São Marcos. Com o falecimento de João Erthal, em 1889, suas terras foram subdivididas entre os herdeiros (f3), José, Marianna Catharina, João Jr , Gertrudes, Manoel José, Francisco Augusto, Maria Catharina, Francisco José, João Luiz, Francisco Antonio e Eugênio José. Eugênio José Erthal (f4) herdou as terras da Fazenda Poço D’anta (f5) uma propriedade de mais de 1000 alqueires de terra no distrito de Barra Alegre, em que a principal atividade produtiva era o café. A semelhança da propriedade de seu pai, José mantinha em
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f3 Alguns dos filhos de João Erthal
sua propriedade diversas sedes de fazendas e inúmeras casas de colonos, segundo relato de seu neto Carlos. A Fazenda São Marcos estava inserida dentro desta propriedade antes da divisão da mesma entre os herdeiros. Sobre a utilização da mão de obra escrava pela família, Carlos Henrique Erthal afirma que existiam escravos na região, mas que, quando a fazenda foi adquirida pelo seu avô a escravidão já estava em declínio, sendo proibida por lei, um ano após a aquisição das terras: “Viu?
Minha família não gostava disso não, porque basicamente eles não tinham escravos…é porque eles vieram da Alemanha e lá não tinha isso, né? È, depois eles foram obrigados a botar parceiros, mas aí é diferente…” Na segunda metade do século XIX Eugênio José Erthal casou-se com Eugênia Maria Tardin com quem teve dez filhos: João Eugênio (1888), Henrique (1890), Alice (1893), Manoel (1895), Angelina (1896), Antonio Godofredo (1897), Carlos Augusto (1901), José
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f4
f5 Fazenda Poço D’Anta pertencente a Eugênio José Erthal
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Maria (1901), Argentina (1905), Aristeu (1907) e Isa (1909). Eugênio José tornou se coronel quando adquiriu do governo a patente que era vendida na época para arrecadar recursos para a guerra. Quando Eugênio José faleceu, em 9 de julho de 1941, suas terras foram subdivididas entre os filhos. Desta forma, Antonio Godofredo Erthal (f8) herdou as terras onde atualmente esta localizada a Fazenda São Marcos com aproximadamente 110 alqueires. Antonio Godofredo Erthal casou se com Maria Margarida Erthal (1912) e teve seis filhos, Antônio Luiz (14 de setembro de 1940), Maria Alice (12 de maio de 1942), Maria Auxiliadora (13 de agosto de 1949), Carlos Henrique (15 de agosto de 1950), Maria Solange (18 de novembro de 1953) e Marcos Tadeu (16 de abril de 1957). Após seu falecimento em 26 e outubro de 1969 sua propriedade foi subdividida entre os filhos do casal ficando a sede da fazenda para o filho Carlos Henrique Erthal. Atualmente a sede da Fazenda São Marcos se estende aproximadamente 17 alqueires2. Carlos Henrique Erthal nasceu no dia 15 de agosto de 1950 e estudou até a segunda série do ensino fundamental no Colégio Leopoldo Oscar Stutz, localizado no atual Distrito de Barra Alegre. Depois foi para o Grupo Ramiro Braga (atual Colégio Estadual Ramiro Braga) na sede de Bom Jardim, onde conclui o ensino fundamental. E fez o segundo grau no Colégio Anchieta em Nova Friburgo. Sempre trabalhou com agropecuária, integrando o Sindicato Rural de Bom Jardim. Foi eleito vereador pela Arena no ano de 1977, com 302 votos, tendo sido o segundo mais votado do município. Seu mandato foi prorrogado por mais dois anos e terminou em 1982. Neste período foi membro da Comissão de
f6 Posse do Prefeito em 1930 com a presença de jovens da Família Erthal
f7 Vitoriosa a Revolução de 1930, membros da família assistem a posse do novo Governo Municipal de Bom Jardim. Ao centro, o Cel. Eugênio José Erthal e o Prefeito.
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f8 Antonio Godofredo Erthal
Justiça e Redação e Presidente da Comissão de Finanças e Orçamento. Durante um período foi sócio proprietário da Cerâmica Erthal Ltda fábrica de tijolos e telhas de barro. Seu primeiro casamento aconteceu na década de 70 com Sonia Maria Moraes Erthal com quem teve três filhos: Bruno (13 de janeiro de 77), Fernanda (17 de fevereiro de 78) e Olivia (8 de julho de 1983). E na década de 90 casou novamente com Simone Junqueira Siqueira Erthal (f9) com quem divide o cuidado com a administração da fazenda e da casa que possuem na sede de Bom Jardim. Como podemos observar a trajetória desta propriedade é expressiva do processo de subdivisão das grandes fazendas existentes na região. Da mesma forma, é indiciária de diversas reconfigurações socioeconômicas e culturais mais amplas ocorridas nestes últimos 150 anos. Ao longo deste processo histórico, muitos herdeiros foram vendendo as propriedades e migraram para os centros urbanos da região e do Estado. Da mesma forma, observa-se que entre aqueles que mantiveram as propriedades rurais a renda econômica advinda da produção agrícola foi paulatinamente perdendo importância em comparação com as atividades não agrícolas. Neste sentido, merece destaque a observação de que os seis filhos de Antonio foram residir em centros urbanos da região para estudarem, assim aproximandose mais do ideário urbano industrial. As transformações observáveis nas Fazendas da família Erthal acerca das formas de abastecimento também são simbólicas do processo de externalização, em que os setores 2
produtivos urbanos foram paulatinamente assumindo funções desenvolvidas internamente nas fazendas. Até a primeira metade do século XX as Fazendas da família Erthal eram autossuficientes na grande maioria dos gêneros consumidos, tanto na produção de gêneros alimentícios quanto de bens manufaturados. Juntamente com a produção cafeeira as famílias de colonos mantinham uma expressiva produção para autoconsumo, que atendia praticamente toda a demanda de alimentos das propriedades. Neste sentido, Carlos Erthal destacou suas lembranças acerca dos dias chuvosos de inverno, em que existia grande movimentação na sede da Fazenda, para o processamento de arroz, cana-de-açúcar, queijos, dentre outros gêneros alimentícios. Ao mesmo tempo, grande parte dos utensílios, a exemplo do mobiliário, era confeccionada na propriedade. Destaca-se que em 1942, quando Antonio Godofredo Erthal herdou a Fazenda São Marcos, que atualmente pertence a seu filho Carlos Erthal, havia apenas uma casa antiga, conhecida como “casa velha” e uma edificação para o armazenamento de café. Como esta habitação, construída no ano de 1865, encontrava-se bastante prejudicada pelo tempo,
Na região cada alqueire equivale a 2,7 hectares de terra.
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Antonio Godofredo Erthal, decidiu edificar uma nova construção, hoje utilizada como casa principal. Para isso, estruturou a carpintaria/serraria, ao lado da antiga residência, confeccionando as aberturas e utensílios domésticos para sua família como também para as famílias de colonos. O paulatino declínio das atividades produtivas e de auto-subsistência das fazendas tornou se ainda mais latente a partir de meados do século XX, quando o declínio da economia cafeeira acarretou uma crise na produção agrícola sem precedentes na região, em vista de nenhum outro cultivar agrícola ter alcançado a importância econômica do café. A crise do café juntamente com a crescente atração dos centros urbanos, foi responsável por uma expressiva redução da população do distrito de Barra Alegre. Conforme relatou Carlos Henrique, na Fazenda de seu pai trabalhavam cerca de vinte e cinco famílias de colonos na produção agrícola, além de quatro funcionários nas atividades desenvolvidas na sede. Com o passar do tempo a produção cafeeira foi substituída pela criação de gado, em vista desta atividade necessitar de um contingente bem menor de mão-de-obra. Atualmente não existe mais nenhum funcionário trabalhando nas atividades agrícolas da Fazenda São Marcos, que tem uma produção agrícola pouco expressiva. Parte das terras da Fazenda esta arrendada para um vizinho e na área restante da propriedade ainda permanecem algumas pastagens, pequena produção de forragens e uma reserva florestal. Neste sentido, destaca-se a observação de que para além de uma redução da importância desta região como produtora agrícola, está em curso uma redefinição sociocultural
f10 Pintura da Casa Velha Isa Erthal
mais profunda, em que o modo de vida construído ao longo deste processo vem sendo subsumido pela lógica urbano industrial. Os próprios filhos de Carlos Henrique Erthal utilizam a fazenda para visitação nos finais de semana, ou mesmo no período de férias, transformando-a mais num espaço de lazer e turismo do que em um espaço produtivo.
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Situação e Ambiência:
f11 Situação Fazenda São Marcos ( janeiro 2013)
f12 Ambiência Fazenda São Marcos ( janeiro 2013)
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f13 Foto Aérea feita por Carlos Henrique Erthal em 2006
Seguindo a RJ 146 sentido Trajano de Moraes encontramos a Fazenda São Marcos de Carlos Henrique Erthal localizada no KM 18. A fazenda está a 200 metros da beira da RJ 146, numa estrada de terra, próxima à sede do distrito de Barra Alegre aproximadamente 5 km. Em frente a entrada da fazenda, do outro lado da estrada, tem a fábrica de asfalto Dimensional. Ao adentrar a fazenda encontramos a casa principal construída na década de 50, atrás dela avistamos a antiga casa, conhecida como “casa velha”, que existia na propriedade, quando a mesma foi adquirida pela família Erthal. Ao lado da “casa velha” avistamos a carpintaria/serraria e o gerador de energia e mais a frente o armazém, o chiqueiro e galinheiro.
À direita da carpintaria/serraria, cerca de 200 metros, chega-se à primeira casa de colono que fica próximo aos silos de forragens e ao lado do curral. Mais a frente, aproximadamente 400 metros, localiza-se outra residência de colonos, porém para chegar nesta casa o percurso deve ser feito pela estrada RJ 146, uns 600m da entrada da fazenda, pois pelo interior da fazenda precisa-se passar por uma pinguela, ou seja, por uma ponte improvisada e estreita. Atrás do conjunto habitacional pode ser contemplada uma grande extensão de floresta da Mata Atlântica onde encontramos espécies variadas de árvores, tais como: cedro, peroba, murici, jacaré, entre outros e animais silvestres como paca, gambá, tatu, mico, além de uma cachoeira.
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Descrição histórica e arquitetônica/ Estado de conservação Cabe ressaltar que a maioria dos bens, móveis e imóveis, encontram se em bom estado de conservação, em função da manutenção recorrente realizada por seu proprietário. A família Erthal, além de apresentar um cuidado com seu patrimônio, através da manutenção e preservação, também demonstra uma grande preocupação com a salvaguarda de sua memória, tendo produzido, ao longo dos anos, ampla bibliografia sobre sua história, conforme pode ser verificado na produção de Cléio Erthal em “Cantagalo, da Miragem do Ouro ao Explendor do Café” de 1993, “Cantagalo 2, do Surto da Pecuária à Industrialização do Calcáreo” de 2003, de Dulce T. Erthal em “A família Tardin” de 2000 ou a “A árvore genealógica da família Erthal”de 1998, de Manoel Erthal com “Bom Jardim, Esboço Histórico e Geográfico” de 1957, entre outros. Todo ano a família Erthal realiza uma festa de reencontro em Bom Jardim, com o intuito de unir os parentes e manter viva a história e os laços familiares.
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f19 Fachada da Casa principal da Fazenda S達o Marcos
CASA PRINCIPAL
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Para a edificação de sua residência (f19 a f25) Antonio Godofredo teria contratado um dos pedreiros mais reconhecidos na região na época, Damaceno Filot, como lembra Carlos Henrique Erthal. Na entrada da fazenda há uma porteira de madeira (f21) e um belo jardim no seu entorno (f24). A casa tem uma varanda com duas portas de entrada (f27), a porta da direita dá acesso para o salão e a da esquerda para
a saleta. Também pode se adentrar na residência através da porta dos fundos (f29) que fica na varanda ou pela porta da lateral (f30) com acesso para sala de jantar. A residência possui salão, saleta, sala de jantar, seis quartos, sendo um com suíte, cozinha, copa, dois banheiros e varanda. Feita com materiais novos, de alvenaria, segundo os relatos de Carlos Henrique, foi considerada uma construção moderna na
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época. A casa apresenta portas e janelas de cedro, retirados da própria fazenda, assoalho de taco de peroba e forro pinho de paraná- araucária. Toda parte de carpintaria da residência foi feita por Antonio Godofredo e alguns ajudantes na serraria/carpintaria adquirida na década de 50.
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A casa principal passou por algumas reformas. Primeiramente ampliou a cozinha (f32), retirando a parede do cômodo que era destinado a dispensa para colocar uma mesa grande neste espaco; construiu um banheiro num dos cômodos para ter um quarto com suite e realizou uma pequena reforma na varanda (f33), retirando o cimento batido e colocando piso de cerâmica. Destaca se nesta construção os prendedores das janelas feitos com ferro fundido (f35).
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MÁQUINA DE COSTURA
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A máquina de costura preta (f36 a 38), da marca Singer, decorada, com pedal, provavelmente da década de 1940 encontra se em funcionamento. Eugênio José Erthal comprou para sua mãe Maria Margarida Erthal a máquina de costura, pois ela gostava de costurar roupa para família.
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RÁDIO-VITROLA
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O rádio Standart Electric (f39) foi adquirido no ano de 1954 por Antônio Godofredo Erthal. Atualmente está localizado na residência de Carlos Henrique Erthal e encontra-se em funcionamento e em bom estado de conservação. Entre o acervo discográfico pode ser identificado um repertório de música clássica.
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TELEFONE
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O telefone da marca Siemens (f40 a 42) foi adquirido por Antonio Godofredo Erthal na década de 50. Nesta época a comunicação funcionava através das centrais com mesas telefônicas que estabeleciam uma ligação elétrica entre dois telefones. Esse serviço, por ser manual, necessitava do auxilio de um telefonista que fazia a conexão entre os aparelhos, pois a mesa telefônica tinha várias linhas e assinantes. Inicialmente o telefone da família Erthal estava ligado a central telefônica de Bom Jardim, mas após o falecimento de Antonio, seus filhos inauguraram uma central telefônica em Barra Alegre com dez canais distribuídos entre os familiares e para o Raul Emerich que na época possuía uma farmácia.
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OUTRAS FOTOS DA CASA PRINCIPAL
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CASA VELHA
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Localizada atrás da casa principal, a “casa velha” (f56 a 61) existia quando a fazenda foi adquirida pela família Erthal, em 1942. Construída em estilo colonial, no ano de 1865, de pau a pique, com telhas canal e feita com madeiras nobres da região, apresenta, pintado em uma das suas portas a
por paredes de tijolos furados. Nesta obra foram preservados os portais das janelas e portas que são de madeira maciça e as janelas e portas de cedro (f58). A casa tem três quartos, salão, cozinha, varanda, quarto de dispensa, banheiro e porão (f66), feito de pedra (f67), que serve
data de construção (f59). Essa residência serviu como primeira moradia para a família Erthal enquanto construíam a casa principal. Terminada a construção, a família mudou-se para a casa principal e, posteriormente em 1958, reformaram a “casa velha” que sofreu uma redução no número de janelas nas laterais, passando de cinco janelas para três (f61) e teve suas paredes de pau a pique substituídas
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como garagem para o carro. A casa possui duas portas na frente da fachada, uma com entrada para a sala (f62) e outra na área estendida (f63) que fica acoplada na cozinha. Também pode se entrar pelas portas dos fundos (f64), que permitem a entrada respectivamente pela cozinha e pela área estendida da mesma. As telhas utilizadas na casa são de fabricação da própria família e tem seu nome gravado nas mesmas. As telhas mais antigas possuíam a gravação “Erthal Bom Jardim” (f69), e as atuais, “Carlos Erthal”(f70). A fábrica Erthal Bom Jardim produzia telha de barro cozido e tijolo maciço e estava localizada dentro da fazenda Poço D’anta, na qual estava inserida também a fazenda São Marcos. O irmão de
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Antonio Godofredo, Carlos Augusto Erthal, herdou a parte da propriedade onde estava situada a olaria e em 1942 passou a produzir as telhas e tijolos furado de barro em seu nome. A fábrica teve suas atividades encerradas na década de 60. Atualmente a casa é utilizada esporadicamente pelo filho Bruno Erthal e sua família quando vem visitar o pai ou passar as férias na região. Algumas modificações foram realizadas no ano de 2000 para o melhor acolhimento da família, tais como: substituição do forro de madeira, para forro de PVC, construção de um banheiro interno que recebeu azulejos e desmonte do banheiro que ficava do lado externo, ampliação da varanda, colocação de piso na mesma e cobertura.
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Datado de 1892, o Armazém (f76), juntamente com a “Casa Velha” configura-se como um dos imóveis mais antigos da Fazenda São Marcos. Foi construído de pau a pique e servia como lugar para guarda de gêneros alimentícios como milho e arroz. Na década de 50, Antonio Godofredo, ampliou o espaco construindo ao lado uma garagem para estacionar seus carros (f77) e em frente um lavador para lavar os veículos. Atualmente o armazém serve como depósito e garagem.
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CHIQUEIRO E GALINHEIRO
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O chiqueiro (f86) está localizado em frente à carpintaria/serraria, mas a entrada para as cevas dos porcos fica em frente à estrutura para lavar carros e ao lado do galinheiro (f87 a 89).
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SILOS DE FORRAGEM E CURRAL
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Os silos de forragem (f90) foram construídos em 1975 por Carlos Henrique Erthal em parceria com a EMATER. Sua construção foi motivada pela necessidade de guardar ração para os animais existentes na fazenda. Foram feitos de alvenaria e suas paredes contam com dois tijolos furado para ficar mais resistente, 3 metros de diâmetro e cinco de altura e com uma capacidade de armazenamento de 22 toneladas cada. Estão localizados próximos ao curral (f91 a f97), pois ficava mais fácil o deslocamento do alimento para os animais. Eles foram desativados em 2009 porque essa tecnologia tornou se arcaica para o contexto atual.
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CARPINTARIA / SERRARIA
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A carpintaria/serraria (f98 a f100) da fazenda foi construída de tijolo furado, alicerce de pedras e telha francesa por Antônio Godofredo Erthal entre a década de 40 a 50 com o objetivo de confeccionar o mobiliário de sua residência, restaurar a casa velha e principalmente, edificar a nova residência da família, construída entre os anos de 1952 e 1954. Antonio instalou uma turbina e um gerador a água para que os equipamentos pudessem funcionar, pois a energia elétrica chegou à localidade apenas nos anos 80. A família Erthal vem repassando de geração a geração o conhecimento da carpintaria através da oralidade. Antonio Godofredo aprendeu o oficio da carpintaria com Eugênio José e ensinou para seu filho Carlos Erthal que ensinou ao seu filho Bruno Erthal. Desta forma seguiu uma tradição muito comum das famílias que viviam em áreas rurais onde o conhecimento era repassado através da tradição oral. A carpintaria/serraria se encontra repleta de máquinas antigas (f101 a f112), compradas no Rio de Janeiro como plaina, desengrosso, serra circular, tupia, furadeira, entre outros. Atualmente o local continua a ser utilizado tanto por Carlos Henrique Erthal quanto pelo seu filho Bruno Erthal, ambos herdaram de seus antepassados o dom por carpintaria, caracterizando-se como importante espaço para as pequenas reformas realizadas na fazenda e para construção de mobiliário (f114 a f117). A carpintaria/serraria, além de ser mantida em perfeito estado de conservação, com os instrumentos mais antigos em uso, conta atualmente com a possibilidade de funcionamento através da geração de energia hidráulica (f113) e também via rede elétrica, pois com a chegada da energia na região foi montado um sistema de distribuição que permite alternar o referido funcionamento. Carlos Henrique Erthal continua adquirindo novos maquinários, tendo recentemente comprado um torno para trabalhar peças de aço.
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BIGORNA No século XIX a bigorna foi amplamente utilizada por ferreiros em geral e por ferradores de cavalo. Atualmente, por conta dos processos industriais de fabricação, acabou caindo em desuso comercial, porém ainda é utilizada por escultores, artistas ou por ferreiros que gostam de trabalhar manualmente. Antigamente aquecia-se o ferro forjado até alcançar o nível de calor, no qual o metal ficava elástico, podendo receber fortes pancadas de diferentes tipos de martelo. A maioria das bigornas tem dois furos: um redondo para fazer furos em chapas relativamente finas e um quadrado para encaixar os instrumentos de corte e moldagem. A bigorna de ferro fundido (f118) está localizada na carpintaria / serraria, e configura como um dos instrumentos simbólicos da importância que a família Erthal teve na região. Conforme afirma Carlos Henrique “Os Erthal, vieram duros para cá, mas naquele tempo, ele (referindo-se ao patriarca da família João Erthal) veio da Alemanha ferreiro formado, e como não tinha furadeiras elétricas naquela época, foi possível ganhar dinheiro..”. Posteriormente, outros membros da família se envolveram no ramo da construção, tendo seu avô, Eugênio José Erthal, adquirido uma carpintaria, seus tios, montado uma fábrica de tijolos e o próprio Carlos Henrique Erthal, estruturado uma fábrica de telhas.
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TURBINA E GERADOR DE ENERGIA
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Localizado no interior da carpintaria/ serraria, o gerador de energia (f119 a f122) foi instalado em 1949 por Antônio Godofredo Erthal distribuindo luz própria para a “casa velha” e para o funcionamento das máquinas. No início a turbina funcionava com roda pelton e o gerador era com corrente contínua, sendo a energia fornecida para o funcionamento do maquinário e para o uso de lâmpadas na casa. A luz dentro de casa era usada apenas de noite, pois durante o dia ficava restrito para a carpintaria/ serraria e para o engenho de cana. Em 1954 Antonio muda o sistema de contínuo para alternado e faz a ligação para fornecer energia na residência principal e na utilização de equipamentos domésticos, como máquina de costura, liquidificador, ferro de passar, ente outros itens. Nesta época não tinha interruptor em todos os cômodos, apenas na sala, nos quarto e no banheiro.
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Carlos Erthal depois que assumiu a propriedade adquiriu um gerador e uma turbina nova. Implantou um sistema de abastecimento misto (f123), permitindo que carpintaria/ serraria pudesse ser movida via energia elétrica advinda da rede pública e também pelo gerador e pela turbina. Desta forma, quando falta energia elétrica pública a família altera o sistema para o sistema hidráulico. Segundo Carlos Henrique Erthal, a casa da frente “é toda matemática”, pois existem diversos voltímetros espalhados, para quando faltar luz, acionar o gerador elétrico.
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CASA DE COLONOS
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Atualmente existem três casas de colonos (f124 a f127) na Fazenda São Marcos, duas estão ocupadas por funcionários que prestam serviços para Carlos Henrique Erthal e foram construídas em alvenaria no ano de 1977 e a outra, construída na década de 1950, encontra-se desativada. Carlos Henrique Erthal recorda se que havia aproximadamente 16 famílias de colonos morando na fazenda, entre eles destaca-se as famílias Mafort, Klein, Oliveira, Silva, entre outros.
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Bibliografias e Fontes
Créditos das imagens: Acervo do Carlos Henrique Erthal (f2 a f8, f10, f13) Claudio Paolino (f9, f18, f22, f26, f29, f30, f32 a f34, f38, f39, f54, f57, f64 a f70, f73, f75, f77, f78, f80, f82, f84, f85, f87 a 89, f91 a f98, f101 a f104, f108 a f111, f113 a f117.) Flavia Fafiaes (f1, f14 a f17, f21, f23, f24, f27, f31, f35, f53, f61 a f63, f76, f79, f81, f83, f99, f100, f107, f120 a f122). Juliano Palm (f19, f25, f28, f37, f56, f58 a f60, f72, f74, f86, f90, f112, f119.) Maira Norton (f20, f40 a f50, f55, f118, f123 a f127.) Imagens do Google Earth (f11 e f12.) Morador Entrevistado para a produção do texto: Carlos Henrique Erthal Bibliografia: Erthal, Clelio Bom Jardim: Breves notas sobre a evolução do município à luz da História Regional – Niterói, RJ: Nitpress, 2011. Erthal, Clelio A Saga de uma Família Rural Fluminense – Niterói: Edição autor, 2005. Página Eletrônica: www.associacaojoaoerthal.com.br/historia.html
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Inventário do Patrimônio Cultural Rural de Barra Alegre – Bom Jardim – RJ
Fazenda JORGE tARDIN Denominação: Fazenda Jorge Tardin
Código de identificação: BJ/BA – RJ 01
Localização: RJ 146 - km 21
Mapa de localização:
Época de construção: Início do século XIX Estado de conservação: detalhamento no corpo da ficha Uso original/uso atual: Residência/residência e espaço de lazer e entretenimento Proteção / proposta: Inexistente Manutenção dos proprietários Proprietário: Particular
f 1 Fachada da Casa principal da Fazenda Jorge Tardin Levantado por Andrea Rausch, Claudio Paolino, Juliano Palm e Marjorie Botelho (setembro de 2012 a janeiro de 2013)
Revisão: Marjorie Botelho (fevereiro de 2013)
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Contextualização histórica do conjunto patrimonial A história desta fazenda (f1) começou em meados do século XIX, com o seu primeiro proprietário, Joaquim Jackes Gevezier, descendente da leva de suíços franceses que chegou ao Brasil no ano de 1818. Joaquim Jackes e sua esposa, Isabel Gevesier, tiveram uma única filha, chamada Maria Amélia que se casou com Felipe Diniz Tardin. Começava assim, a primeira das cinco gerações do sobrenome Tardin que conduziria a fazenda até os dias de hoje. Eles tiveram 15 filhos, dos quais apenas um era homem, Climério Felipe Tardin, que por ser o filho mais novo, herdou a sede da fazenda. Climério Tardin, nascido em 23 de abril de 1894, casou-se com Jurema Vieira, com quem teve os filhos Jairo e Nilva Tardin. Depois que sua esposa faleceu, casou-se novamente, com sua cunhada, Horaidia Vieira, conhecida como Inhazinha, e com ela teve mais quatro filhos: Tereza Lia, Jorge, Gelton Gabriel e Isabel. Após seu falecimento, em 26 de janeiro de 1977, na época com 77 anos, a fazenda foi dividida entre seus filhos. Jorge Tardin, único dos filhos que ainda morava com o pai, acabou comprando dos irmãos as terras herdadas do pai. Jorge Tardin (f2) nasceu em 10 de agosto de 1931 e foi o propulsor de diversas transformações pelas quais o local passaria a partir da segunda metade da década de 1950. Ele faleceu em 26 de fevereiro de 2010, deixando, do primeiro casamento, em 1963, com Elizeth Silva de Oliveira, a filha Vania Oliveira Tardin, nascida em 14 de feve-
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reiro de 1964 e o primogênito, Jorge Tardin Filho, nascido em 12 de janeiro de 1968. Do segundo casamento, em 1978, com Vilma Gevazier, nasceram os filhos Glieber Tardin em 22 de marco de 1982 e Felipe Climério Tardin em 27 de janeiro de 1985. Atualmente a fazenda é administrada pelos três irmãos. Até as primeiras décadas do século XX a propriedade chegava aos limites do atual povoado de Barra Alegre, que hoje é sede do quarto distrito do município de Bom Jardim. No decorrer desse período, mas principalmente na primeira metade do século, a área da fazenda foi dividida entre seus herdeiros, que por sua vez a subdividiram
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ainda mais, sendo expressivamente reduzida. Atualmente, estende-se por uma área de 57 alqueires, ou seja, aproximadamente 154 hectares1, e o povoado de Barra Alegre dista cerca de um quilômetro de sua sede. Conhecida como fazenda Barra Alegre, teve o seu nome alterado na década de 1970 por Jorge Tardin, para Fazenda Bossa Nova (f03), em referência ao gênero musical que fazia sucesso na época. Este nome durou até fins dos anos 1980, quando, passou a se chamar Fazenda Jorge Tardin, denominação que permanece até os dias de hoje e pela qual é conhecido também o arraial existente ao redor. Até a primeira metade do século XX, a principal atividade econômica da fazenda era o cultivo do café. Com o seu declínio, cedeu lugar, em 1950, à criação de gado leiteiro, responsável pela principal fonte de renda da propriedade até as últimas décadas de 1980. Porém, a partir de 1946, com a estruturação do campo de futebol (f4) e a formação do time local (f5), e em virtude das festas (f06 e 09) que Jorge Tardin organizava, a fazenda passou a atrair um público cada vez maior, até que na década de 1960 foi finalmente reconfigurada como espaço recreativo, atividade que passou a dividir, com a criação de gado e cultivo de café, a importância na economia interna da fazenda. Nesta época havia uma grande carência de espaços recreativos (f7) em função das longas distâncias e da precariedade do sistema de transportes na região. O convívio social também era prejudicado pela falta de energia elétrica2 que acabava restringindo bastante as possibilidades e os horários para encontros e confraternizações. A partir da década de 1960, o local tor-
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nou-se um importante espaço de sociabilização (f6) e também de fruição das expressões culturais da população, pois, a partir da estruturação do campo e do time, Jorge Tardin também passou a instigar e a realizar diversas atividades recreativas e culturais na propriedade (f8 a f11). Sendo o único lugar da região onde havia luz, “de turbina tocada à água”, o que permitia realizar diversos Um hectare equivale a 10 mil metros quadrados O fornecimento de energia elétrica chegou na região na década de 80 1 2
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eventos, fazendo com que grande parte da população da região fosse para lá nos finais de semana. Às vezes tinha folia de reis, mineiro pau, e com muita frequência havia circo, tourada, e eram também realizados concursos. Na década de 1960, Jorge Tardin foi vereador da Câmara Municipal de Bom Jardim, presidindo a Casa Legislativa. Inicialmente integrava o Partido Democrático Brasileiro (PTB)3 e depois se filiou ao Partido Democrático Trabalhista (PDT). Os eventos promovidos na fazenda eram frequentados por autoridades, como governadores, deputados e secretários, como por exemplo, a visita na década de 60 do governador Roberto Silveira e em 1982 do governador Chagas Freitas.
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f11 O PTB - Partido Trabalhista Brasileiro foi fundado em 15 de maio de 1945, tendo como liderança Getúlio Vargas. Em 1965, após o Golpe Militar (1964), o partido foi extinto, com a instauração do Ato Institucional. No processo de democratização brasileira, a partir de fins da década de 1970, um grupo expressivo de militantes do PTB voltava ao Brasil após anos de exílio. Neste contexto as lideranças do Partido vinham organizando sua reestruturação, desde o exílio. Neste contexto houve uma acirrada disputa pelo nome do Partido, entre o grupo liderado por Leonel Brizola (liderança histórica do PTB) e pelo grupo liderado por Ivete Vargas (sobrinha de Getúlio Vargas). Com a decisão do Tribunal Superior Eleitoral em dar ganho de causa para o grupo liderado por Ivete Vargas, Leonel Brizola liderou a fundação do PDT – Partido Democrático Brasileiro, ainda em fins da década de 1970. 3
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Na década de 1980 o local passou a abrigar também exposições agropecuárias (f12 a f15), e estas acabaram se tornando a principal atividade de lazer da fazenda, atraindo em cada evento, milhares de pessoas. Ao todo, foram realizadas 14 exposições, até o ano de 1993. O sucesso alcançado por esses eventos, considerados as maiores festas do município enquanto existiram (f16 a f24) foi fundamental para a extensão dos serviços públicos à Barra Alegre. O asfalto foi melhorado e, em 1982, a região foi finalmente conectada à rede elétrica. Neste ano Jorge Tardin fez o Loteamento Tardelândia com o intuito de contribuir para o desenvolvimento de Barra Alegre. Em 1990, foi instalado o primeiro telefone público do Distrito de Barra Alegre, em um poste com para-raios que se encontra até hoje ao lado do restaurante da fazenda. Por ser o único telefone público era a partir dele que eram repassadas as informações a toda população do Distrito de Barra Alegre. Em 1991, ampliando a estrutura de lazer da fazenda, foi construído um palco com alto-falante, e algumas pessoas formavam duplas sertanejas e
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ensaiavam durante o trabalho na lavoura do café: “Vinha todo mundo pra cá pra cantar, oferecer música pra namorada”. E em 1992, no local onde havia a pista de Motocross (f25) foi construído o Quioscão (f26) para servir de restaurante e pesque-pague, mas foi fechado, em virtude da falta de mão de obra e da diminuição do fluxo de veículos na região. Destaca-se a grande confluência de pessoas no dia de Finados, 2 de novembro, pois o espaço abrigava o cemitério municipal (f27 e f28) e o administrado pela família e também o período compreendido entre 1980 e 2000, onde a fazenda passou a atrair excursões de turistas vindas das mais diversas regiões do estado, com destaque para a área metropolitana, como Rio de Janeiro, Niterói e São Gonçalo. Jorge Tardin Filho relembra que nesse período era frequente desembarcarem entre 10 e 17 ônibus num único dia.
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A partir de 2010, os frequentadores da Fazenda Jorge Tardin passaram a ser, a população da região serrana, principalmente do Município de Nova Friburgo. Jorge Tardin Filho justifica essa mudança de público com o argumento de que há muitas famílias, dos diversos povoados da região, que se separaram e foram embora do Distrito de Barra Alegre entre as décadas de 1960 e 1970 – seguindo o expressivo êxodo rural ocorrido na segunda metade do século XX. Essas pessoas, principalmente entre os meses de novembro e janeiro, quando começa a temporada de verão, voltam para visitar o local, pois sabem que ali, além da possibilidade de se divertir na piscina ou jogar futebol, irão rever familiares e amigos. A importância da fazenda como espaço de reencontro motivou os irmãos Tardin a promover anualmente a Festa do Reencontro: Ano passado a gente não fez,4 mas a gente sempre estava fazendo aqui a festa do reencontro. Até que chamavam a festa dos velhos (risos). Porque, o intuito era esse mesmo, era a festa do reencontro. Porque vinha gente de São Paulo, essas pessoas que foram embora de Barra Alegre. E era muito bacana, uma festa muito bacana. Era trabalhosa, porque o público era de idosos, né? (risos) (...) Até teve o caso de duas irmãs que não se viam há trinta e cinco anos, foram se encontrar aqui. Que uma morava no Rio de Janeiro, em algum lugar, e a outra morava em São Paulo, e perderam o
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Quando Jorge Tardin (f29) faleceu, em 2010, as edificações do local ficaram sem manutenção durante o período de um ano. Todavia a preocupação em manter o espaço que durante tanto tempo serviu como ponto de encontro e divertimento dos moradores dos povoados da região, motivou os filhos a restaurarem o espaço e a centrar suas atividades econômicas no setor de entretenimento. A partir do século XXI, por conta da transformação do Distrito de Barra Alegre, no novo polo industrial do Município de Bom Jardim, os atuais administradores da fazenda redefiniram suas atividades para atender também a demanda do setor alimentício, gerada pelo aumento de trabalhados nas unidades industriais. Nesse período, entre os anos 2010 e 2011, as edificações do local ficaram sem manutenção. Todavia, após esse período, foi iniciada a restauração do espaço e a fazenda voltou a centrar suas atividades econômicas no setor de recreação. Os proprietários pretendem agora – em virtude da relevância histórica que a fazenda adquiriu
contato. Quando chegou a notícia da festa do reencontro as duas vieram e se encontraram aqui. Então, amigos que estava há vinte anos sem se ver. (...) era muito bacana, muito bacana. (Jorge Tardin Filho)
Em 2011 a ‘Festa do Reencontro’ não foi realizada devido ao falecimento de Jorge Tardin, em fins de 2010. Como expôs Jorge Tardin Filho, ao ser entrevistado: “com a morte do meu pai ficou meio difícil de a gente encarar isso no outro ano. Talvez pro próximo ano a gente já faça isso de novo.” 4
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ao longo dos anos e por sua importância para a comunidade de Barra Alegre – construir no local, onde está situado o antigo tanque de lavar roupas, a “Casa da Memória”, a fim de resgatar e contar a história da propriedade, por meio de fotografias e outros registros, desde o tempo em que ela pertencia a Climério. Segundo os irmãos, será um motivo a mais para as pessoas visitarem a fazenda. As considerações feitas demonstram a importância sociocultural do conjunto patrimonial (f30) que atualmente conforma a Fazenda Jorge Tardin, cujo processo histórico, até meados do século XX, era o mesmo da grande maioria das fazendas existentes na região. Porém, depois desse período, o local passou a seguir um caminho diferente, ao se tornar espaço de referência sociocultural, o que também é expresso em seu conjunto patrimonial.
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Situação e Ambiência:
f31 - Situação Fazenda Jorge Tardin ( janeiro 2013)
f32 - Ambiência Fazenda Jorge Tardin ( janeiro 2013)
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Próximo ao km 21 da rodovia RJ 146 (f31 e f32), distante aproximadamente 1 km da sede do Distrito de Barra Alegre, surge uma grande placa anunciando a entrada da propriedade, com os dizeres “Restaurante Fazenda Jorge Tardin Turismo” (f33). Ao lado direito e cerca de 200m depois da entrada da propriedade, encontra-se a atual sede da fazenda (f35), cercada por um extenso gramado e um jardim florido e bem cuidado, com um grande e solitário pinheiro à frente, e as montanhas ao redor, cobertas pela Mata Atlântica. Seguindo 200m a partir da casa principal, na estrada de terra que atravessa a propriedade, chega-se ao local onde se concentram as outras edificações, como a que
onde antigamente, até o começo da década de 1960, havia uma pracinha, com chafariz e alguns balanços. Logo acima, há um pequeno campo de futebol (f34) e, mais adiante, um muro falso, feito de placas de fibra, para escaladas. Levando a vista alguns metros à esquerda, nota-se um extenso gramado, com um palco (f40) e alto falante; mais adiante, as piscinas (f39) e o tanque (f37). O Posto do Departamento de Agricultura (f38) localiza-se ao lado direito do restaurante. Atrás desta construção situa-se o campo de futebol e, à frente, a área de lazer, onde estão as piscinas. Ao longe, na parte mais alta da propriedade, junto à encosta, pode-se ver o conjunto de silos. Na extensa área inclinada situada à abriga o bar e restaurante da fazenda (f36). À sua frente vê-se um pequeno gramado, frente do restaurante e do antigo posto
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do departamento de agricultura, localizase o conjunto formado pelas piscinas (f39) e um tobogã, chuveiros, e ao redor, espreguiçadeiras de plástico e barracas de proteção solar feitas com colunas de eucalipto e cobertura de amianto e um pequeno estacionamento de carros. O tanque de lavar roupas (f37) situa-se no alto da área onde estão localizadas as piscinas, de onde se pode ver boa parte da propriedade, como o bar e restaurante, o espaço de lazer, o antigo posto e o conjunto de silos, localizados na parte mais elevada da área de abrangência da fazenda. O campo de futebol está localizado em
um espaço próximo à sede da fazenda, atrás do restaurante e do antigo posto, conformando uma paisagem parecida com a de outros campos existentes nas áreas rurais do Rio de Janeiro, com grama e cercados por tela e bancos de madeira dispostos nas laterais, além de um pequeno bar anexo. Cabe ressaltar que a maioria dos bens imóveis encontram se em bom estado de conservação, pois a família Tardin, tem realizado inúmeras melhorias em todas as edificações inventariadas. Bem como está ampliando as atividades e os equipamentos do espaço, adquirindo brinquedos para um parque de diversão.
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Descrição histórica e arquitetônica/ Estado de conservação
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Os bens imóveis e móveis pertencentes à fazenda (f41) destacados por seu valor arquitetônico ou sociocultural são: a casa principal, o campo de futebol, o bar e restaurante, a antiga unidade do Departamento de Agricultura, o antigo tanque de lavar roupas, a piscina – antiga usina hidrelétrica – os silos para forragens, o cemitério municipal e o administrado pela família Tardin, o palco, a torre de telefone e a serraria.
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C ASA PRINCIPAL
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A antiga casa principal (f42 a f44 e f50) da fazenda foi demolida, mas não há registro dos motivos. Ela estava localizada na parte superior do terreno e provavelmente foi construída no século XIX. Atualmente a residência considerada a principal na fazenda (f45 a f47), fica na entrada da fazenda, segundo Jorge Tardin Filho, embora em outros tempos tenha pertencido à sua família, foi vendida para um amigo de Climério Tardin, e reincorporada ao patrimônio da fazenda por Jorge Tardin em 1970. Atualmente residem nesta edificação Jorge Tardin Filho, sua esposa, Luciana Gevezier Tardin, a mãe Elizeth, a irmã, Vânia, e as filhas Eliza e Nathalia, com 7 e 22 anos, respectivamente.
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Ao lado desta edificação havia outra casa (f48 e f49), construída provavelmente no final do século XIX, calcula-se que tenha, atualmente, cerca de 150 anos, embora não existam documentos ou outras fontes históricas que possibilitem a datação exata de sua construção e nem de sua demolição.
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Para adentrar a atual casa principal sobe-se uma rampa com piso de ladrilho e com jardins floridos nas laterais. Avista-se uma imponente porta de madeira com uma sanca (f50 e f51), ou seja, moldura na parte de cima da porta, feita de gesso. O telhado (f50.1) apresenta um grande beiral símbolo de propriedades cujos donos tinham poder aquisitivo, pois quanto maior fosse o beiral mais dinheiro aquela família possuía, conforme recordou se Glieber Tardin. Essa história esta associada ao provérbio “sem eira e nem beira”, pois antigamente diziam que os mais ricos faziam o telhado triplo, com eira, beira e tribeira como era chamada a parte mais alta do telhado, mas as pessoas mais pobres não tinham condições de construir esse telhado e por isso construíam somente com a tribeira, ficando assim “sem eira e nem beira”. A casa possui sete quartos, dois banheiros, uma cozinha, uma cozinha estendida e uma varanda.
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A característica arquitetônica desta edificação expressa o estilo colonial. De aparência rústica possui paredes grossas feitas de pedra e barro, revestida com tijolos e reboco, com estrutura e assoalho e forro de madeiras nobres da Mata Atlântica (f52 a f54), como a peroba, a braúna e o óleo vermelho, assim como, o telhado, coberto pelas chamadas “telhas canal” ou “de coxa”, provavelmente moldadas artesanalmente nas pernas dos escravos. Os adereços confeccionados sobre as janelas e espelho da residência também são evidências desse período.
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f57
Embaixo da casa, hรก um espaรงo utilizado como garagem (f55 a f57).
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f58
Na década de 1950, ao lado da casa central, foram construídos dois cômodos e um banheiro. A varanda (f58), que acompanha quase toda a extensão da casa, foi construída de tijolo e cimento, pintada com tinta cal e a estrutura do telhado, de madeira de lei (cedro, óleo vermelho, peroba), é recoberta com telhas de cerâmica de fabrico atual. Há a intenção de, em breve, realizar pequenas reformas, apenas de manutenção, na parte interna, como nova pintura nas paredes, pois a anterior mostra-se envelhecida, e concerto em alguns pontos do assoalho (f53) e do teto, que encontra-se com algumas partes deterioradas, preservando, porém, suas características originais. O cômodo anexado deverá ter seu piso rebaixado e receber nova pintura, assim como a garagem ao lado. Todavia, um dos maiores empecilhos para a realização das obras, numa perspectiva de restauração, é o alto custo.
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Bar Mercearia e Panificadora/ Bar e Restaurante
f59
f60
O Bar Mercearia Bossa Nossa (f59) foi construído por Jorge Tarden na década de 1960, em vista do grande número de visitantes que chegavam à propriedade, atraídos pelas partidas de futebol. Ao lado desta edificação havia também a padaria “Panificação Jorge Tardin” (f60), construída no mesmo período do bar. Atrás destas edificações encontra se o campo de futebol.
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f61
f62
f63
Apesar das transformações pelas quais o Bar Mercearia e a Panificadora Jorge Tardin passaram durante os anos (f59 e f60), as mesmas possuem grande importância como patrimônio histórico, pela sua relevância na dinâmica sociocultural da população local, enquanto espaço de lazer e encontro. Essas edificações foram unidas por um grande salão de festas. Atualmente funciona o Bar e o Restaurante da fazenda, mantendo sua importância, devido à afluência de pessoas da região que buscam desfrutar dos espaços de lazer existentes no local, principalmente as piscinas. E também para atender a demanda alimentícia dos trabalhadores das fábricas da região.
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f64
f65
f66
f67
Não existe uma única perspectiva arquitetônica à qual se poderia enquadrar esta edificação, pois em sua construção foram utilizados materiais de épocas diferentes, fundindo os estilos rústico, moderno e colonial. O Bar e o Restaurante tem piso de porcelanato branco (f66), bastante moderno, e as paredes são de cimento pintado. O salão (f64 a f67), que tem aproximadamente 330m² foi divido em dois por uma parede feita de tijolos reaproveitados de demolição, com janelas fixas de vidro e com tábuas de madeiras nobres de antigos assoalhos (f65). No centro do primeiro salão foi levantado um balcão, feito de madeira nobre também reaproveitada, com bancos altos e assentos redondos de um dos lados (f64); sobre ele, um tampo de granito escuro. No momento não necessita de reparos. Esta edificação sofreu diversas reformas e ampliações, a fim de atender à crescente demanda de público surgida ao longo dos anos, sendo a mais recente realizada em 2012, quando também, foi trocada toda a parte elétrica e hidráulica. A varanda, situada à frente da fachada do imóvel, tem o chão de pedra com cinco mesas quadradas de madeira, fixas, e colunas que sustentam o telhado, feitas de cimento e revestidas com tijolos antigos, de demolição (f68 e f70).
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f70
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Ao lado do Bar e Restaurante no local onde havia o coreto foi construída outraedificação de dois andares (f72 a f76), sendo a parte inferior destinada ao escritório da família e a superior a residência de Glieber Tardin. Atrás dela encontra ainda outra edificação (f75 a f77) que tem sido utilizada como depósito da fazenda e vestiário para os jogadores de futebol. Todas essas construções estão acopladas nas edificações do antigo Bar Mercearia e na Panificadora Jorge Tardin.
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Para unir a panificadora e o bar mercearia foi construído um salão que inicialmente foi utilizado como extensão para o bar e restaurante e também para apresentações culturais. Para adentrar neste espaço entra se por uma das portas da entrada principal do Bar e Restaurante. Atualmente funciona um salão de festas que normalmente é alugado para os moradores da região (f78 a f82).
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Posto do Departamento de Agricultura
f83 Jorge Tardin perto do Posto do Departamento de Agricultura
f84
f85
O Posto do Departamento de Agricultura (f83 e f84) foi construído em fins da década de 1950 por Jorge Tardin para abrigar uma unidade do governo. O governo do estado do Rio de Janeiro, por meio dessas unidades, visava disponibilizar aos agricultores, insumos agrícolas, pelo valor de seu custo. Segundo Jorge Tardin Filho, seu pai construiu o posto em virtude de suas articulações políticas, à época em que ocupava cargo eletivo. Ao lado do Posto foi construído o Mercado do Produtor de Barra Alegre (f85) que reuniu diversos agricultores com a intenção de criar uma cooperativa dos produtores da região.
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Todavia, esses postos foram sendo paulatinamente desativados, após a implantação dos Governos Militares no País, em 1964. Assim, a partir da década de 1970, esta edificação passou a ser ocupada para diversas outras atividades. Durante a realização de eventos na propriedade, era utilizada como espaço de alocação da produção dos mesmos, de exposições e de recepção de autoridades. Com o fim dessas atividades, na década de 1990, esta passou a ser utilizada como abrigo de utensílios do espaço de recreação. Apesar de bastante alterada ao longo dos anos, considera-se que esta edificação seja de relevância entre os patrimônios históricos existentes na região, por sua função original de expressar as articulações políticas que viabilizaram a extensão de políticas públicas voltadas para agricultura. A edificação do Mercado do Produtor foi desativada e no seu lugar ficou apenas o alicerce (f92).
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f91
f90
f92
O Posto de Departamento de Agricultura (f90 e f91), desde que foi construído, passou por diversas reformas e ampliação para se adequar ao uso que se fazia dele em cada contexto, o que resultou em significativas transformações em suas características arquitetônicas. No período em que eram realizados shows e outros eventos, Jorge Tardin construiu um palco em cima da edificação, e nesses momentos, o imóvel passou a servir de camarim para os artistas que se apresentavam, mas depois o palco foi demolido. Outro exemplo de transformação ocorrida foi à construção de uma varanda na frente da fachada (f90) e de duas garagens (f87 a f89), uma ao lado e outra atrás desta edificação. As paredes, de tijolo e cimento, tanto interna quanto externamente, apresentam falhas na pintura. Dos traços originais permaneceu apenas a fachada, marcadamente de estilo colonial, branca, com janelas de madeira azul claro e com pintura igualmente desgastada pelo tempo.
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tanque de lavar roupas
f93
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f95
O tanque de lavar roupas foi construído na Fazenda Fortaleza (f93) situada também no Distrito de Barra Alegre no arraial Raul Moraes, em princípios do século XIX, no período em que a região tinha como principal fonte de renda a cafeicultura, com utilização de mão de obra escrava. Esta fazenda era a sede da sesmaria na qual a Fazenda Jorge Tardin pertencia. O tanque era utilizado por escravas para lavagem de roupas e utensílios domésticos. Mas somente no começo da década de XX é que foi trazido, em carro puxado a boi, para a Fazenda Jorge Tardin. Atualmente (2013), ainda se pode ver em suas laterais as marcas deixadas pelas argolas de ferro (f95) que eram utilizadas para aprisionar as mulheres enquanto trabalhavam, embora, na Fazenda Jorge Tardin, a mão de obra escrava não fosse utilizada.
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No início dos anos 1900 ele foi abandonado, em vista da canalização das fontes de água, e somente na década de 1980 foi construída uma cobertura (f96). Com isto o espaço também passou a ser ocupado para a realização de almoços pelos visitantes da fazenda, função ao qual ainda se destina como se pode notar pelas mesas e cadeiras e por uma churrasqueira de ferro, situados ao lado do tanque. O tanque possui dois compartimentos (f97): um que comporta a fonte de água e um reservatório. Foi construído com blocos maciços de pedra sabão, pintados de tinta cal externamente e em estado bruto do lado de dentro. O compartimento onde está à fonte é perfurado internamente, sem canalização. Originalmente o orifício por onde entra a água no tanque era ornamentado por uma cabeça de leão e, sobre esta, também em pedra, um macaco. Essas esculturas foram quebradas e substituídas por uma estrutura redonda de ferro com uma torneira de plástico ao centro (f98).
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f100
f101
f102
A única parede da estrutura de concreto que abriga o tanque está coberta por depoimentos e registros dos nomes de pessoas que estiveram na fazenda (f100), assim como as laterais do mesmo. O chão, também de cimento, encontra-se quebrado, com várias falhas. A estrutura de ferro ao redor da bica está enferrujada e a torneira de plástico está em bom estado (f101 e f102). As mesas e cadeiras também estão danificadas, assim como os bancos de madeira e a churrasqueira que encontra se enferrujada. Como já foi mencionado, é neste local que os irmãos Tardin pretendem construir uma espécie de museu, chamado por eles de “Casa da Memória”.
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Usina Hidrelétrica/ Piscina
f103
f104
f105
f106
Na década de 1950, a região onde está localizada a fazenda não estava conectada à rede elétrica. Buscando solucionar este problema, Jorge Tardin construiu uma pequena usina hidrelétrica para abastecer a propriedade. Desta forma, tornou-se necessário estruturar um reservatório de água (f103 a f106), para que, a partir do mesmo, acionassem os geradores de energia. Esta foi à principal função da edificação até a década de 1980, quando a região foi interligada à rede de eletricidade do município de Bom Jardim e a usina foi desativada. O reservatório passou a ser cada vez mais utilizado pelos visitantes do local para se banhar. Assim, em meados da década de 1980, a edificação foi adaptada para a função de piscina, de água natural, e, atualmente, é um dos patrimônios que mais atrai público para a fazenda.
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f107
f108
f109
f110
f111
f112
Esses reservatórios, transformados em piscinas (f107 a f110), foram feitos de cimento. Embora estejam em bom estado de conservação, ou seja, não apresentem rachaduras ou qualquer falha em sua estrutura, pretende-se realizar algumas reformas, como azulejar as piscinas e cercá-las, por motivo de segurança. A caixa de distribuição (f11 e f112) tinha três compartimentos e era acionada para direcionar o fornecimento de energia elétrica para as edificações.
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f113
f114
f116
f115
f117
A área externa a piscina apresenta um jardim com bromélias típicas da Mata Atlântica, cadeiras e guarda sol para as pessoas que frequentam as piscinas (f113 e f114). Tem também um tobogã instalado na fazenda (f116 e f117). Próximo a piscina foi construído um banheiro para homens e outro para mulheres (f115).
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Silos para forragens
f118
f119
f120
Em meados da década de 1970, foi construído na fazenda um conjunto de três silos para forragens (f118 a f120), chamados silos de encosta, que representam o modelo de ensilamento desenvolvido no contexto da chamada ‘Revolução Verde’, que ganhou impulso no Brasil, especialmente, de meados da década de 1960 à década de 1980. A exemplo, de grande parte das tecnologias agrícolas desenvolvidas sob este paradigma, esta técnica foi criada em clima subtropical para ser replicada nas áreas tropicais, e foi disseminada na região de Bom Jardim em meados da década de 1970, por técnicos da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater). Os silos de encosta, chamados assim, por serem construídos junto às encostas para facilitar o trabalho de carregamento, são construções destinadas ao armazenamento e conservação de forragens verdes, utilizadas para suplementar as pastagens durante a época em que a disponibilidade de forragem era baixa.
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f121
f122
f123
A colocação de janelas ao longo da parede do silo (f121 a f123) facilitava a descarga, pois a silagem era retirada pela janela imediatamente acima do nível da silagem, como também melhorava as condições para os trabalhadores durante a compactação e a retirada da silagem. Atualmente, pode-se observar que a grande maioria desses silos não está em atividade na região de Bom Jardim, tendo sido substituídos pela ensilagem com lona, ao longo da década de 1990, realizada diretamente sobre o solo. Os silos foram paulatinamente entrando em desuso, em vista da grande necessidade de mão de obra para a sua utilização, e atualmente encontram-se abandonados. Suas características tipológicas representam o modelo usado entre as décadas de 1960 e 1980 no país. Construídos de concreto e pintado externamente com tinta cal, têm 12 metros de altura e capacidade para armazenar 45 toneladas de forragens cada um. Os irmãos Tardin objetivam manter esta edificação por suas características estéticas, que, na concepção dos mesmos, enfatiza o aspecto de ruralidade. As três estruturas estão intactas, sem rachaduras, apresentando apenas desgaste na pintura externa.
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campo de futebol
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f125
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Na década de 1960, foi construído um novo campo de futebol (f127), atrás da área onde se localizam o bar e restaurante e o antigo posto. Atualmente, o terreno em que havia sido construído o primeiro campo, na década de 1940, faz parte de outra propriedade. Até fins da década de 1990 os jogos de futebol foram um dos mais importantes atrativos de recreação do local, levando a população dos diferentes povoados da região a passar as tardes de domingo na fazenda, para assistir aos jogos ou mesmo reencontrar amigos, conversar sobre os mais diversos assuntos, tratar de negócios, paquerar, namorar. Atualmente, os jogos de futebol nas localidades rurais de Barra Alegre vêm sofrendo um expressivo decréscimo de público, principalmente dos segmentos mais jovens. Esta redução do interesse de grande parte das comunidades pelo futebol tem levado ao desaparecimento de muitos times e ao abandono de seus campos.
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Nas estruturas ao redor do campo, ou seja, bancos e cerca, foram utilizados materiais reaproveitados de demolições, resultando em uma aparência bastante rústica O campo da Fazenda Jorge Tardin, ao contrário do que comumente ocorre com os demais existentes nas áreas rurais, possui correspondência exata com as medidas consideradas ‘oficiais’. A grama é nativa e encontra-se em bom estado de conservação, embora não tenha ocorrido mais os jogos. O campo de futebol foi o primeiro atrativo de recreação construído na Fazenda Jorge Tardin, “o primeiro centro de lazer” da propriedade. A “festa do futebol”, que passou a ocorrer quase todos os finais de semana, após a construção do campo, motivou a dinamização das atividades recreativas na fazenda. Segundo Jorge Tardin Filho, “futebol era todo o domingo, né?”. Os jogos de futebol motivavam a realização de festas, atraindo grande público: “Porque tinha futebol, ele (Jorge Tardin) sempre fez festa, e as pessoas, naquela época tinha muito pouca opção de lazer e vinham todas pra cá”. Diversos são os motivos que levavam a população a passar as tardes de domingo no campo, assistindo aos jogos dos campeonatos de futebol. Neste espaço reencontravam amigos, conversavam sobre os mais diversos assuntos, travavam negócios, como também, assistiam os jogos de futebol. Estes jogos também eram de importância para as interações sociais entre as pessoas dos diferentes povoados, pois a cada domingo os jogos eram realizados em comunidades diferentes, levando os residentes de uma comunidade visitar as demais, para assistirem e torcerem por seu time. Assim, de meados da década de 1940 a fins da década de 1990, o campo de futebol foi um dos importantes atrativos de recreação. A partir de fins da década de 1990, Jorge Tardin Filho, destacou ter passado a ocorrer certo desinteresse pelas partidas de futebol realizadas nos povoados rurais, principalmente pelo segmento juvenil, acarrentando a diminuição de público nas partidas de futebol, desaparecimento de muitos times e o abandono de seus campos de futebol (f130 a f134).
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cemitério
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f131
f134
Na fazenda está localizado o Cemitério Municipal de Barra Alegre, em terreno doado pela família Tardin, na época em que Felipe Diniz Tardin administrava a mesma, que atende todos os moradores do Distrito de Barra Alegre e, ao seu lado, o Cemitério Parque Jardim Repouso Eterno de Barra Alegre administrado pela família Tardin, construído no ano de 2000.
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casas dos colonos
f135
Havia mais de dez construções que funcionavam como residência para os colonos (f135 a f139). Essas casas foram construídas na década 50 por Jorge Tardin para abrigar os meeiros que trabalhavam na fazenda, ou seja, pessoas que trabalham em terras que não lhe pertenciam. Nesta relação o dono da fazenda cedia a casa e um pequeno lote para o cultivo particular da família do colono e este trabalhava na fazenda repartindo com o proprietário o resultado da produção. Nos anos 90 Jorge Tardin adquiriu o direito de posse dos últimos meeiros que ainda trabalhavam na fazenda, pois todo trabalhador ganhava o direito de posse sobre aquela terra onde residia. A posse não significava propriedade, mas era fundada na relação de fato, ou seja, o proprietário dava o direito ao meeiro de usufruir daquele pedaço de terra.
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engenho de serra
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f144
f145
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No início da década de 1990 Jorge Tardin adquiriu o engenho de serra (f140 a f143) de outra fazenda sediada no distrito de Barra Alegre. A partir deste período, a maior parte das construções e objetos de grande porte fabricados com madeira, que eram utilizados na fazenda passou a ser fabricado com este engenho de serra. Depois da última exposição realizada na Fazenda Jorge Tardin, em 1993, a serraria, que também abrigava outros maquinários (f144 a f146) passou a ficar alocada no antigo galpão de exposições, o qual havia sido edificado em 1982, com o objetivo de abrigar os expositores e visitantes. (f147) Ao comentar sobre a serraria, Jorge Tardin Filho também destacou a existência do engenho de serra pela sua aparência estética: “Tem uma coisa muito bonita lá. Tem um engenho de serra de 1845, importado da Alemanha”. Conforme pontuado pelo entrevistado, este engenho de serra foi fabricado em 1845, sendo de origem alemã. O engenho de serra está em funcionamento até os dias atuais, encontrando-se em bom estado de conservação. Apenas a pintura do mesmo está parcialmente comprometida, em vista do desgaste com o uso.
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f147
O engenho de serra é composto por motor, esteira, trem de sustentação da madeira, guindaste e serra. A esteira da serra tem 16,5 metros de comprimento, 1,13 metros entre os dois trilhos e os caramanchões medem 1,5 metros. O guindaste possui 2,7 metros de altura por 2,25 de comprimento. Os eixos de propulsão ligados entre a serra e o motor totalizam 6,90 de comprimento. O trem de sustentação da madeira tem 8,16 metros de comprimento, por 1,15 de largura e o espaço ocupado pelo motor possui 2,5 metros de comprimento por 1,5 de largura. A pintura da serra esta parcialmente desgastada, sendo sua cor original é azul.
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palco
f148
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f153
O palco foi construído em 1991 por Jorge Tardin para garantir uma estrutura para shows que ocorriam na fazenda. Sua estrutura foi montada com madeiras, ripas e tábuas de peroba, óleo vermelho e braúna, assoalho de cedro e telhado de amianto. (f148 a 153) Desde sua construção o espaço recebeu diversos músicos como Beto Guedes que reuniu mais de 7 mil pessoas, Biquini Cavadão, Barrerito doTrio Parada Dura, Sidney Magal, Marcio Greyck, Andréia Sorvetão, Almir Rogério, Donizeti, tendo sido a primeira vez que veio ao Rio de Janeiro, Manhoso, Dicró, entre outros. A família Tardin pretende fazer na parte de cima do palco um salão de jogos para funcionar no período que não acontecem shows.
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TELEFONE PÚBLICO
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f155
O primeiro telefone público (f155) do Distrito de Barra Alegre foi instalado em 1990, em um poste com para-raios (f154) que se encontra até hoje ao lado do restaurante da fazenda. Nesta época o telefone era de mesa e o serviço era cobrado por minuto. As pessoas forneciam o número e a atendente do Bar e Restaurante fazia a ligação. Jorge Tardin Filho relata que era ele quem repassava as informações à população, após recebê-las pelo telefone. Ele lembrou um fato que havia marcado a população: no início da década de 1990 ocorreu um problema com o sinal do telefone, que podia ser captado pelas televisões dos moradores. Assim, Jorge chegou para dar notícias a uma família, e esta falou já saber do ocorrido, pois haviam acompanhado pelo televisor.
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representação gráfica
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Bibliografias e Fontes
Créditos das imagens: Acervo Jorge Tardin Filho (f2 a f30, f41 a f44, f48, f49, f59, f60, f83 a f85, f135) Imagens Google Earth (f31 e f32) Claudio Paolino (f1, f33, f34, f36, f37, f47, f51, f52 a f58, f65, f67, f73 a f82, f87 a f89, f93 a f99, f103, f105 a f110, f113 a f117, f119, f120, f122 a 125, f138 a f145, f147, f150 a f153) Flavia Fafiães (f35, f38 a f40, f45, f46, f50, f50.1, f61 a f64, f66, f68 a f72, f86, f90 a f92, f100, f102, f104, f111, f112, f118, f126 a 129, f136, f137, f148, f154 e f155) Maíra Norton (f101, f121, f130, f131, f132, f133, f134, f146, f147, f148 e 149) Moradores Entrevistados para a produção do texto: Jorge Tardin Filho, Luciana Gevezier Tardin e Glieber Tardin Bibliografia: ERTHAL, Manoel. Bom Jardim – Dados históricos e coreográficos. Bom Jardim, 1957. FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucilia de Almeida N. (Org.). O Brasil Republicano. O tempo da ditadura: regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. Arquivo do Departamento de Projetos Especiais do Município de Bom Jardim – RJ. Localizado junto à Unidade Administrativa Municipal. Arquivo particular da Fazenda Jorge Tardin – Localizado na sede da Fazenda Jorge Tardin.
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Inventário do Patrimônio Cultural Rural de Barra Alegre – Bom Jardim – RJ
Fazenda Albino Francisco Maciel Denominação: Fazenda Albino Francisco Maciel
Código de identificação: BJ/BA – RJ 00
Localização: Pedra Aguda
Mapa de localização:
Época de construção: Segunda metade do século XX Estado de conservação: detalhamento no corpo da ficha Uso original/uso atual: residência Proteção / proposta: Inexistente Manutenção dos proprietários Proprietário: Particular
f2 Levantado por Andrea Rausch, Claudio Paolino, Juliano Palm e Marjorie Botelho (setembro de 2012 a janeiro de 2013)
Revisão: Marjorie Botelho (fevereiro de 2013)
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Contextualização histórica do conjunto patrimonial
f3
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Em princípios do século XX, Albino Francisco Maciel comprou as terras onde estruturaria sua fazenda. Ali, no ano 1914, quase no sopé da Pedra Aguda – patrimônio geológico e de exuberância estética ímpar – construiu a casa (f2 a f6) que seria a residência de sua família e a de seus descendentes, até os dias de hoje. Naquela época, as terras da fazenda se estendiam por uma vasta área, aproximadamente 100 alqueires, iniciando nos limites do atual povoado de Santo Antonio até a Pedra Aguda. Albino cobriu a propriedade de plantações de café e outros cultivares de subsistência, como milho, feijão, mandioca e
inhame; havia também criações de galinhas, suínos, peixes e gado. Estas atividades eram desenvolvidas pelas famílias dos colonos que viviam em casas espalhadas pela fazenda. Neste período, a fazenda era praticamente autossuficiente, sendo poucos os artigos consumidos que não eram produzidos no local, Grande parte desta produção era processada na própria fazenda no engenho de açúcar construído por Albino Francisco Maciel logo que veio morar no local, poucos metros adiante da casa, do qual restaram apenas as pedras, que formavam a sua estrutura. Os engenhos-trapiches eram os enge-
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nhos que não tinham o maquinário movido pela força da água e sim por animais, na maioria das vezes, por bois. Normalmente eram menores que os engenhos movidos à água e também moíam menos cana, mas sua vantagem é que podia moer cana o ano todo. (f12 a f15) (colocar legenda na foto: Engenho Trapiche de Izaltino proprietário de outra fazenda no Distrito de Barra Alegre que preservou o engenho de sua fazenda)
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Seu Djalma Stutz, bisneto de seu Albino Maciel, atualmente morador da casa, recorda-se da infância, quando ele mesmo moía a cana para fazer o caldo que ia adoçar o café. Recorda-se que na época eles utiliza-
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vam o burro amansado que ficava dando voltas pelo engenho. Depois colocavam o caldo extraído num grande tacho aquecido à lenha, como o existente na fazenda da família Schott no vilarejo de Santo Antonio, Distrito de Barra Alegre (f16) para fazer rapadura, melado e açúcar batido. O moinho foi desativo, pois pararam de plantar cana na propriedade. Atualmente o círculo de pedras serve de limites a uma pequena horta e para o moinho de pedra. Depois, para moer o milho e fazer o fubá, Albino Maciel construiu um moinho de pedra movido à água (f17 a f19) que ainda encontra-se no lugar, embora desativado a mais de 20 anos. Havia esse tipo de moinho em diversos sítios e fazendas da região, onde os moradores vizinhos levavam sua produção de milho para ser moída, deixando em troca a quinta parte da produção resultante. Aos poucos esses moinhos foram sendo desativados, em decorrência da diminuição do número de pessoas trabalhando no plantio de milho.
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A autossuficiência garantida dentro dos limites dos sítios e fazendas da região teria começado a se modificar a partir das décadas de 1950 e 1960, quando a produção agrícola da região passou a ser escoada, em sua maior parte, para os centros de comercialização da região e para a área metropolitana do estado, através dos atravessadores. Juntamente com esta reconfiguração teria ocorrido uma redefinição dos cultivares de importância mercantil, com o café perdendo espaço para culturas como inhame e hortaliças. A partir daí, os produtos adquiridos nos mercados da região passaram a ter cada vez mais importância na alimentação das famílias, como também nos insumos produtivos. Em meados do século XX foram saindo às últimas famílias de colonos que residiam nas casas distribuídas pela propriedade. Albino Maciel Francisco Maciel havia falecido em 16 de novembro de 1929. Sua esposa, Isabel Clementina Maciel, parteira da região, faleceu em 19 de setembro de 1958. O casal teve 10 filhos, com intervalo de no máximo dois anos entre eles: Altamiro, Damásio, João, Claudomiro, Hipólito, Ercília (Sila), Alcidina (Dina), Altamira, Idalina, Humbertina e Noêmia, a mais nova. Todos tinham o sobrenome do pai: Maciel. Quando este faleceu, a casa continuou a ser habitada por sua esposa Isabel Clementina e os filhos, que foram aos poucos se casando e saindo da casa, tendo ficado inicialmente Noêmia, que era a mais nova e o Damásio, que nunca se casou. A filha Altamira Maria Sanglard retornou posteriormente, com seus filhos, sendo quatro do seu primeiro casamento com Hemílio José Sanglard (f21): Nanci Sanglard, Betí Sanglard, Albino Elias Sanglard e Sotério Sanglard e um do seu segundo casamento:
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José Hermílio. A irmã Humbertina Maciel, muitos anos depois, também retornou à casa paterna quando ficou viúva, trazendo consigo, Nazaré e Getúlio, que ela havia criado. Apenas em meados do século XX, quando faleceram Altamira Maria Sanglard e o irmão Damásio Maciel, é que as terras da fazenda foram divididas entre os filhos de Altamira Maria Sanglard, que, na medida em que foram se casando, foram vendendo suas terras e indo embora para outras cidades. A residência principal ficou para o filho mais novo de Altamira Maria Sanglard, José Hermílio, que não se casou e não teve filhos. Dona Betí Sanglard, neta do seu Albino Maciel, nascida em 20 de dezembro de 1927, em São José do Ribeirão, 2º distrito do Município de Bom Jardim, viveu na sede da fazenda até se casar, com Climaco Pytago Stutz, nascido em 30 de março de 1920, lavrador, filho de Jovelina Maria Stutz e Julio José Ernesto Stutz (f22). Eles se casaram em 17 de agosto de 1946 e foram residir em uma propriedade que ficava próxima a fazenda, na entrada da localidade conhecida como Palmeirinha, onde tiveram três filhos: Djalma Stutz Américo Stutz, nascido em 17 de fevereiro de 1947, Dalmo Ernesto Stutz, em 5 de março de 1948 e Dário José Stuttz, em 14 de abril de 1949. Todavia, com a morte precoce de Climaco Stutz de febre tífoide , em 27 de dezembro de 1948, dona Beti voltou com os filhos a residir junto de sua mãe Altamira Sanglard e de seu irmão, José Ermílio (f24). Quando estes faleceram, ela herdou a propriedade. Atualmente, a casa central da fazenda é habitada por Betí Sanglard Stutz, e pelo seu filho primogênito, Djalma Stutz , e a esposa deste, Naíde Lima Stutz (f25). Naíde
é filha de Manoel Valdevino de Lima e Carmelita Barrosos de Lima e nasceu em 2 de julho de 1952, no vilarejo de Vargem Alta, localizado no Distrito de São Pedro da Serra em Nova Friburgo. O outro filho de Dona Betí Sanglard, Dalmo Ernesto Stutz, mora em outra propriedade, nas terras ao lado da sede da fazenda (f25.1), com a esposa Maria da Glória Pinheiro Stutz e a mãe desta, Inês Martins Pinheiro. Seus três filhos, Celmo Fontana Stutz, Faciane Stutz e Samarone Fauste Stutz vivem em outras cidades do estado do Rio de Janeiro. E o filho caçula, Dário José Stutz, vive em Friburgo com a esposa Maria do Carmo Pinheiro e tem um casal de filhos, Wandasan e Daiana Stutz, e cinco netos.
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Seu Djalma Stutz em 1969 trabalhou como cobrador de ônibus na rota que fazia Nova Friburgo - Santo Antônio, mas o emprego durou apenas seis meses. Depois se mudou para Japeri no Município do Rio de Janeiro e passou a trabalhar como motorista de caminhão, até 1981, quando retornou ao sítio para trabalhar fazendo biscates de manutenção de chapas, tanques e fogões. Ele utilizava o galpão, construído em 1980, pelo tio José Hermílio, falecido em 1993, para servir de paiol e oficina de ferragem. (f26,f27) Djalma Stutz casou-se em 1973, na cidade de Niterói e teve três filhos do primeiro casamento: Leônidas Stutz, nascido em 15 de fevereiro de 1974, atualmente vive em Nova Friburgo com a esposa Poliana do Amaral Stutz e um casal de filhos Hugo e Sofia Stutz; Itevilda Stutz, nascida em 2 de agosto de 1980, mora no vilarejo de Vargem Alta, Distrito de São Pedro da Serra em Nova Fri-
burgo, com o marido José Elivelton Frenan e o filho, Pietro; e o mais novo, Leonardo Stutz, nascido em 11 de março de 1987, atualmente mora no Distrito de Lumiar em Nova Friburgo, com sua esposa Arlete Mafort. Dona Betí Sanglard Stutz e o filho Djalma Stutz guardam na casa uma relíquia: um livro (28, f29, f30), que data de mais de cem anos, iniciado por dona Isabel Clementina Maciel, onde ela registrava, por escrito, todos os acontecimentos relevantes na região de Bom Jardim, principalmente do Distrito de Barra Alegre, incluindo as dívidas, a compra do primeiro caminhão da região e as datas de falecimento das pessoas. Neste último o primeiro registro de falecimento data de 1899 e a família, entendendo a importância histórica de documentar essa informação, vem até os dias de hoje registrando no livro o falecimento dos moradores da região.
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LOCALIZAÇÃO e Ambiência:
f31 Situação Fazenda Albino Francisco Maciel ( janeiro 2013)
f32 Ambiência Fazenda Albino Francisco Maciel ( janeiro 2013)
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Para chegar à sede da Fazenda Albino Maciel deve-se pegar a RJ 146 sentido Distrito de Barra Alegre, 4º distrito do Município de Bom Jardim. Ao avistar a Fábrica Elos e o Posto de Polícia Militar no km 17,5 deve se entrar a direita no sentido Santo Antonio. Antes do arraial de Santo Antonio na BJ 014 avista-se uma placa indicando o caminho para a Pedra Aguda e depois de aproximadamente 300 metros depara-se com um lindo pé de mandacaru (f33) em frente à sede da antiga Fazenda Albino Francisco Maciel. Segundo o dito popular, quando o pé de mandacaru dá flor, significa o anúncio da chegada da chuva. À frente da residência localiza-se o galpão de utensílios (f33), e, ao lado deste, um paiol (f34) e a bica de água (f35). O moinho de fubá fica atrás da casa (f36), e fica bem próximo da porteira (f37) que dá no pasto das terras do filho Dalmo Stutz.
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Descrição histórica e arquitetônica/ Estado de conservação Em 1914 Albino Francisco Maciel concluiu a construção de sua residência, que configurava a sede da fazenda (f38), com moinho de cana-de-açúcar, moinho de fubá (f39), galpão para armazenar utensílios agrícolas (f40) e bica d’água (f41). A construção destas edificações teria levado mais de dois anos, por conta das dificuldades encontradas no processo de estruturação da fazenda, como o árduo trabalho para obtenção das madeiras necessárias para as obras. As toras de Ipê e Pau Brasil foram trazidas do alto da Tapera, em Vargem Alta, Nova Friburgo, a cerca de oito quilômetros da fazenda, em carro de boi, pois não havia estrada.
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O construtor, cujo nome exato não se conseguiu averiguar, mas que era conhecido como Casimiro Pedreiro, cortou as madeiras no machado, pois não havia serra. Naquela época também não existia cimento, e o embolso era feito de cal, ou de barro e areia. Das benfeitorias estruturadas na propriedade por Albino Francisco Maciel, ainda nas primeiras décadas do século XX, resta, além da residência central (f42), o fogão à lenha (f43) construído com pedras maciças, a bica de água (f41) e o moinho de fubá (f39). Todos os bens inventariados estão em bom estado de conservação, precisando apenas a residência principal de alguns reparos.
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C ASA PRINCIPAL
As características arquitetônicas da residência central da Fazenda Albino Francisco Maciel representa o estilo colonial presente na época. (f44 a f63). O uso de grandes blocos de pedra nos muros (f49 a f56), no alicerce da casa e nas escadarias (f53 a f61) que dão acesso à residência, como também suas grossas paredes de tijolo maciço e assoalho de madeiras (f58 a f63) nobres da Mata Atlântica (Ipê e Pau Brasil), cortadas a machado, conferem traços bastante rústicos a esta residência.
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A casa principal possui sete quartos (f65 a f68), sala de jantar, varanda (f73) e dois banheiros (f74), sendo que originalmente havia apenas um, do lado de fora da casa; o outro foi construído há 15 anos. Nesta residência encontra-se vários móveis antigos como relógio pedestal estilo retrô, cristaleira de vidro, cômodas, armários, sofás, máquinas de costura, entre outros. (f69 a f72)
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Além de uma cozinha original (f75), a residência possui outra cozinha, construída em 1992, onde antes era um quarto para empregados (f86, f87). A cozinha original possuiu um fogão à lenha construído na década de XX com blocos de pedra maciça e sem pintura, (f76 a f85), uma grande mesa de madeira e um fogão comum (f82). O fogão a lenha ou fogão caipira são muitos comuns nas áreas rurais do Distrito de Barra Alegre no Município de Bom Jardim. Normalmente construídos de alvenaria, sendo a lenha colocada diretamente abaixo dos bocais do fogão. Muitas pessoas instalam serpentinas de canos de cobre na base desses fogões para distribuir água quente para a pia da cozinha e para o chuveiro do banheiro. Quase todas as famílias preparam receitas nesse artefato que integra a identidade cultural da população rural. Há 20 anos o fogão a lenha foi pintado de vermelho escuro para preservar sua estrutura. Seu formato é característico do período colonial, possuindo oito bocas, permitindo assim, um grande número de pessoas envolta do fogão. Atualmente é utilizado em datas comemorativas e encontra-se sem necessidade de reforma. O piso desta cozinha anteriormente era de madeira, mas em 1994 foi substituído por cerâmica.
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O telhado, cuja estrutura também é de madeira nobre, era coberto por telhas canal (f95 a f97), mas em 1994 passou por uma reforma e as telhas canal foram trocadas por telhas francesas (f88). A casa necessita de reformas, principalmente nas janelas, cujas madeiras não estão em bom estado de conservação e os vidros quebraram, e no assoalho, que
encontra se com buracos , comidos pelos cupins. Porém, neste momento, os proprietários não tem como arcar com os altos custos das obras de restauração. Neste sentido, os moradores destacaram a necessidade de auxílio dos poderes públicos, para que patrimônios como a residência que habitam sejam mantidos, em vista de sua importância histórica.
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bica de água
A bica de água possui aspecto rústico, característico do período colonial, com estrutura toda de pedra, medindo 0,80 x 1,40cm. A água, que vem da nascente do Rio Pedra Aguda, passa pela vala e sai pela manilha de barro revestida de pedra. A bica é mantida exatamente como foi construída, sendo modificada apenas a sua localização. Seu Djalma Stutz e o tio José Hermílio é que a trouxeram para uma área mais próxima à residência central. (f89 a f94) f91
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moinho de fubá
O moinho de fubá movido à água encontra-se protegido das intempéries, dentro de uma pequena edificação de tijolos maciços, com chão de pedra e portal de cedro. Sua cobertura é de cedro (f98 a f100) e telhas canal. O moinho de fubá, também conhecido como moinho de pedra, tem estrutura de pedra maciça, sendo que a moenda, local onde se coloca o milho, é de cedro. (f98, f99, f100) O fubá do moinho de pedra tem um gosto mais intenso de milho, pois os grãos são triturados sem acréscimo de nenhum conservante, sendo mais espesso que os industrializados. A peça fundamental destes moinhos
são as duas pedras circulares, ou mó, como são chamadas (f101). Essas pedras são grandes, duras e de altura pequena, e uma fica fixa e não se move; enquanto a outra fica acima dela para moer. Esse movimento é possível porque a passagem da água faz mover os rodízios que estão ligados a uma mó, que trabalha lentamente para triturar os grãos, permitindo que o fubá não esquente e não fique com gosto de amargo. A banca do moinho foi substituída por outra de tijolo e cimento. Atualmente encontra-se desativado, no mesmo local em que foi estruturado, pois a família não planta mais milho. (f102 a f108)
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galpão e paiol
Construídos em 1980 por José Hermílio, irmão de dona Betí Sanglard Stutz, estes espaços foram idealizado para ser, de um lado, o paiol, onde se guardava o milho e o café, e, de outro, a oficina de ferreiro de José Hermílio. O galpão onde funciona a oficina de ferreiro foi todo estruturado em eucalipto (f110), com cobertura de cedro, chão de terra batida e telhas canal (f112), estas últimas aproveitadas de antigas construções. O espaço abriga ainda hoje as mesas e equipamentos utilizados por José Hermílio, todos muito antigos (f109, f111 a f113). No local pode-se ver uma grande mesa de madeira pesada, com várias gavetas (f114), uma furadeira de ferro (f115), uma forja (f117) e um sargento (f118). A oficina, uma das mais equipadas do Distrito de Barra Alegre, possui ainda, esmeril (f119), bigorna (f120), lamparina (f121), balança (f122), torrador de café (f116) e várias outras ferramentas e instrumentos. Destaca os trançadores, ferramenta antiga semelhante ao serrote, dentadas e travadas, com pega-mão nas duas laterais, para o trabalho de serrar madeira com duas pessoas (f123). Atualmente quem trabalha no local é o sobrinho Djalma Stutz, filho de dona Betí Sanglard Stutz, que, como mencionado, faz biscates em manutenção de chapas, fogões e tanques. Ele aprendeu muito sobre o manusear destes equipamentos com o seu Tio José Hermílio.
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O paiol é utilizado para depósito de objetos usados, que precisam de reparo, além de utensílios domésticos e de lavoura. Foi construído com sobras de tábua de 30 cm e de outras madeiras que estavam armazenadas. Seu espaço serve para a guarda de objetos para trabalhar na manutenção da fazenda (f124 a f128) f124
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Bibliografias e Fontes
Créditos das imagens: Claudio Paolino (f1, f2, f4, f5, f12 a f16, f25, f38, f40, f43 a f45, f47.1 a f47.4, f48, f57, f64, f73, f75 a 78, f90, f92 a f94, f97, f110 a f124) Flavia Fafiaes (f3, f17, f27, f34, f35, f37 a f39, f47.5, f49 a f52, f54 a f56, f65 a f68, f74, f79, f80, f83, f89, f101, f102, f105 a f109, f125 a f127) Juliano Palm (f6, f18 e f20, f26, f33, f36, f42, f53, f69, f70, f82, f86, f88, f96, f98 a f100) Maíra Norton (f25.1, f41, f46, f47, f47.6, f58 a f63, f71, f72, f81, f84, f85, f87, f91, f95, f103, f104, f128) Acervo da Família Maciel (f7 a f11, f21 a f24, f28 a f30) Imagens Google Earth (f31, f32) Moradores Entrevistados para a produção do texto: Djalma Stutz , Betí Sanglard e Naíde Lima Stutz Bibliografia: Livro de Registros da Família Stutz
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Inventário do Patrimônio Cultural Rural de Barra Alegre – Bom Jardim – RJ
sítio boa vista Denominação: Sítio Boa Vista
Código de identificação: BJ/BA – RJ 02
Localização: Arraial de Boa Vista
Mapa de localização:
Época de construção: Início do século XX Estado de conservação: detalhamento no corpo da ficha Uso original/uso atual: Residência, campo de futebol, igreja, coreto e centro comunitário Proteção / proposta: Inexistente Manutenção dos proprietários Proprietário: Particular
f1 Levantado por Andrea Rausch, Claudio Paolino, Juliano Palm e Marjorie Botelho (setembro de 2012 a janeiro de 2013)
Revisão: Marjorie Botelho (fevereiro de 2013)
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Contextualização histórica do conjunto patrimonial Atualmente o arraial de Boa Vista é um dos menos populosos dentre os povoados que compõem o distrito de Barra Alegre. Todavia, nem sempre foi assim, entre as décadas de 1960 a 1980, o arraial de Boa Vista, viveu seu período de maior efervescência, conforme pontuam os moradores da região, Luiz Rufino Meyer, Vanda Pereira, Dulcinéia Iris Mateus, Nilcéia Klein, Aroni Dejair Klein e Antônia Martins Klein, que contribuíram para a construção desse inventário. Em princípios do século XX, Augusto Ballonecker, descendente de suíços, adquiriu um terreno que passou a ser chamado de “Sítio Boa Vista”, o qual, com cerca de dez alqueires, englobava toda a área do atual arraial (f1.1 a f3). Por volta de 1910, edificou duas residências, que ainda se encontram no local e que fazem parte desse inventário, uma para sua família (f4 a f6) e outra para os colonos (f8 a f10) que trabalhavam em seu sítio. Naquele tempo, os cafezais cobriam toda a área do sítio, sendo a principal atividade econômica. A produção era escoada por muares1 e depois por caminhões, até a linha férrea que cruzava o município de Bom Jardim. O Sítio Boa Vista teve um papel crucial nos processos de ocupação territorial e de socialização, caracterizando-se, até os dias de hoje, como o “coração” do vilarejo, pois foi a partir dele, que o arraial foi se estruturando.
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Diz-se de ou animal proveniente do cruzamento da raça cavalar com a asinina.
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Ainda na primeira metade do século XX, após o falecimento de Augusto Ballonecker, o Sítio Boa Vista foi subdividido entre os filhos, Julio Ballonecker e Jovelino Ballonecker. Assim, a residência que se destinava aos colonos que trabalhavam no sítio ficou pertencendo a Julio Ballonecker; a casa principal ficou com Jovelino Ballonecker e as terras do sítio foram divididas entre eles. Mas em ambas as propriedades a produção cafeeira continuava sendo a principal atividade econômica. Os irmãos Ballonecker mantiveram suas propriedades apenas por um curto período de tempo. Jovelino vendeu a casa principal (f8 a f10) e parcela das terras para Henrique Klein, mas em virtude de seu falecimento a família – esposa e filhas – optou por vender o sítio e ir embora para o centro citadino do município. Assim, em princípios da década de 1950, José Ney Mafort comprou a casa principal e a área de terras do sítio que pertencera à família Klein. E Julio arrendou sua parcela de terras e o alojamento (f12 a f14) onde residiam os colonos para Tiófone Guinâncio que a transformou na primeira casa de comércio de Boa Vista, porém, sua administração aconteceu durante um curto espaço de tempo, pois este logo a transferiu para o Sr. Altino Reis, que por sua vez também a repassou em poucos anos. A pequena venda, durante as décadas de 1940 e 1950, permaneceu bastante incipiente e somente começou a se expandir em fins da década de 1950, quando foi adquirida por Luiz Gabriel Frez, oriundo de Pito Acesso, outro arraial do Distrito de Barra Alegre. Ele iniciou com uma pequena vendinha e com o crescimento da mesma, construiu no mesmo local um armazém maior, onde comercializa-
va os mais variados produtos, desde gêneros alimentícios, tecido e ferramentas. O comércio era o único existente na região abastecido pela produção dos moradores locais, e por isso, acabou adquirindo grandes proporções, chegando a ter dias em que carregava de 60 a 70 animais para a cidade de Nova Friburgo. De acordo com os moradores, estes teriam sido os anos áureos do arraial de Boa Vista, período de maior movimentação sócio-econômica da região. Como recorda o Sr. Meyer (f15): “de 1960 em diante, mais ou menos, tinha muito movimento aí... Aí as pessoas se encontravam na venda, né? (...) Aquela casa grande, lá em cima, também dava aula ali... porque não tinha escola, né? Aí dava muita gente aí.” Toda esta movimentação também instigou a construção de um campo de futebol (f16) na década de 1970. Ao lado da residência de José Ney Mafort havia um bananal, em grande parte, de plantas antigas e de baixa produtividade. José Ney Mafort doou o terreno, afirmando, conforme relato de Luiz Rufino Meyer, que “só não pode dividir o campo, o campo é do povo, o campo não tem dono…”. Assim, seus filhos, juntamente com outros jovens da comunidade, João Silva, Lorival Silva e Sininho de Souza, devastaram o bananal para em seu lugar construir o campo de futebol de Boa Vista. Após sua conclusão formou-se o time local, que passou a disputar campeonatos regionais. E o campo tornou-se o espaço também de reunião dos moradores da localidade nos domingos de tarde. Ao longo da década de 1970, Boa Vista, assim como em praticamente toda região serrana do Rio de Janeiro, vivenciou uma reconfiguração de importância nos principais
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cultivares agrícolas. Se até este momento era a produção de café que se destacava, a partir de meados da década de 1970, com a decadência do mesmo os bananais e a produção de hortaliças passaram a predominar nos sítios da região. Na década de 1980 foram construídas a Escola Municipal de Boa Vista (f17 e f17.1) e a Igreja Católica de Boa Vista (f18). A Escola Municipal de Barra Alegre foi construída em terreno doado por José Ney Mafort, tendo seu nome alterado para Escola Municipal José Ney Mafort como uma homenagem a contribuição dada por ele para o desenvolvimento local do arraial. A Igreja Católica de Boa Vista foi construída em terreno doado pelo Luiz Gabriel Frez, que segundo relatos de moradores do povoado, aconteceu devido ao falecimento de dois moradores antigos, o José Klein e o Zeca França. Na ocasião, os moradores solicitaram ao pároco local a realização de uma missa e a partir desta celebração, as visitas do padre ao arraial começaram a ocorrer com certa regularidade, resultando, assim, na construção da Igreja Católica do arraial. Cerca de dois anos depois da construção da Igreja, em 1983, a comunidade boa-vistense também conseguiu construir um coreto onde eram realizadas as festas e bailes de forró, configurando mais um lugar de sociabilização comunitária. No ano de 1982, Luiz Rufino Meyer, frequentador da região e que ajudou, inclusive, na construção da Igreja, passou a assumir a atividade de comerciante no povoado de Boa Vista, alugando a venda do seu antigo proprietário, Luiz Gabriel Frez, pelo período de 11 anos. Na época, conforme relatou, “o pessoal engordava muito porco, aí trazia aqueles capado, já morto, né? E galinha,
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ovos... que dava muito, né?”. Nesses anos a casa comercial ainda contava com grande estoque e público. Todavia, com as reconfigurações econômicas ocorridas no cenário nacional em fins da década de 1980 e começo da década de 1990, tal realidade começou a se modificar. Com a implantação do Plano Cruzado, conjunto de medidas econômicas, lançada pelo governo em 1986, Meyer parou
de comprar mercadorias e o seu comércio entrou em declínio, espelhando parte das transformações vivenciadas na localidade de Boa Vista naquele período, quando também intensificou o êxodo da população local, em virtude, das transformações na matriz econômica da região que acabaram aprofundando o processo de migração das famílias de colonos para a cidade. Para exemplificar esse fenômeno, pode-se citar também a transformação ocorrida no início dos anos 90 em uma das maiores fazendas da região, a Fazenda Cachoeira, antiga fazenda de produção de café e de batatas, com mais de 80 alqueires e com edificações de 1892, onde trabalhava um grupo de oito famílias de colonos, que partiram em busca de melhores oportunidades. Em 1992 a Fazenda foi adquirida por José Cesar Galliez e Martina Willach Galliez e atualmente é conhecida como Morgenlicht, luz da manhã em alemão, onde funciona um espaço de convivência para atividades em grupo. Outro fator que contribuiu para que Luiz Rufino Meyer abandonasse a atividade comercial foi à expansão de redes de supermercado para o município de Bom Jardim, também na mesma época. Como a sua loja era pequena em relação ao novo comércio que se instalava, ele não podia competir com preços menores e acabou tendo de fechar. O povoado de Boa Vista passou a enfrentar uma crescente diminuição de sua população e de várias atividades; como contou o Sr. Meyer: “tudo foi parando assim também... a partir do início da década de 1990”. As principais atividades agrícolas praticadas na região foram, em grande parte, abandonadas: “a bananeira foi ficando tudo velha, o café já não dava mais muito, a lavoura também... aí
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foi diminuindo e acabando, né?” O antigo alojamento de colonos, posteriormente utilizado como venda por Tiófone Guinancio, Altino Reis, Luiz Gabriel Frez e Luiz Rufino Meyer, foi comprado em 2011 por Nélio Pereira, que utilizava o espaço como residência. Atualmente residem no local, a sua viúva Vanda Pereira e seu filho. A atual condição produtiva vienciada nas propriedades que constituíam o Sítio Boa Vista é emblemática do que acontece no povoado ao redor. Onde antigamente funcionava a casa comercial, atualmente existem apenas algumas árvores frutíferas. Da mesma forma, com o crescente êxodo da população local, o time de futebol de Boa Vista acabou sendo desativado. Todavia, mesmo com mais de seis meses sem partidas, a motivação dos moradores em manter a grama do campo cortada, à espera de um retorno do movimento vivenciado em outros anos, retrata a relação sentimental destes com sua localidade, como destaca o Sr. Meyer: “agora mesmo tá mais de seis mês, nem pelada não saia aí no domingo de tarde. Mas mesmo assim a gente sempre corta o campo, né? Deixa a grama cortadinha, né? Agora que tão falando em arruma uma turma aí, pra voltar a jogar, né? Aí eu sempre brinco, ‘é, até os oitenta ano eu jogava aí... agora’ (risos). Depois disso eu aposentei as chuteira, né?” (risos).
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LOCALIZAÇÃO e Ambiência:
f19 Situação do Sítio Família Carrielo
f19.1 Ambiência do Sítio Carrielo
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Para chegar ao arraial de Boa Vista deve-se entrar no km 21 da RJ 146, passar pela entrada da Fazenda Jorge Tardin e seguir pela estrada de chão seguindo uma pequena placa de madeira com os dizeres “Boa Vista”. Depois de alguns quilômetros adentra-se na rua principal do vilarejo, feita com paralelepípedos e onde se encontram os principais imóveis pertencentes a este inventário. Do lado direito encontram-se o antigo alojamento de colonos, posteriormente utilizada como venda e atual residência de dona Vanda Pereira; a casa do senhor
Luiz Rufino Meyer, construída na década de 1980; a casa e o bar de sua filha Leni Meyer Nantes e de seu genro Sebastião Nantes; o campo de futebol e, ao seu lado, a residência de Dirceu Mafort e sua companheira Dulcinéia Iris Mateus. Do lado direito da rua principal encontram-se, majoritariamente os espaços comunitários: o coreto, a Igreja com sua praça e o centro comunitário, anteriormente utilizado como escola, para além de um galpão abandonado e outras residências mais afastadas que não foi objeto desse estudo.
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Descrição histórica e arquitetônica/ Estado de conservação Os bens imóveis pertencentes ao arraial de Boa Vista que foram inventariados por seu valor arquitetônico, histórico ou sociocultural são: a casa principal; o alojamento de colonos, posteriormente ocupada como armazém e depósito; o campo de futebol; o centro comunitário; a igreja católica; o coreto. Também pertencem a esse inventário alguns bens móveis localizados no vilarejo de Boa Vista como: forno de barro do José Rufino Meyer, o torrador de café, pertencente a Dirceu Mafort e o moinho de farinha da família Klein. Considerou-se relevante inventariá-los não apenas pela sua antiguidade, mas, sobretudo, pela extrema ligação que esses bens possuem com a história e o cotidiano dos moradores do arraial de Boa Vista e da região até os dias de hoje.
A situação atual de conservação dos bens imóveis é bastante heterogênea, variando de acordo com o seu período de construção e também com a intervenção dos seus proprietários. As edificações mais recentes, erigidas entre as décadas de 1970 e 1980, como o a escola que atualmente funciona o centro comunitário, a igreja, o coreto e a residências da família Meyer, encontram-se em ótimo estado de conservação, com estruturas e pintura em boa situação. Enquanto as edificações mais antigas, construídas na década de 1910, como as residências de Vanda Pereira e Dirceu Mafort (antigo alojamento de colonos e armazém e antiga casa principal da família Ballonecker) apresentam estado de conservação variado, de acordo com as intervenções preventivas e restaurações feitas pelos seus proprietários.
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A casa principal (f20 a f24) foi construída em 1910 por Augusto Ballonecker e é a mais antiga construção do Sítio Boa Vista junto com o antigo alojamento de colonos. A casa principal foi herdada por seu filho, Jovelino Ballonecker e posteriormente vendida para Henrique Klein. Após o falecimento de Henrique Klein, em meados de 1950, a família vende a propriedade para José Ney Mafort com quem permanece até os dias de hoje. Atualmente residem no local o filho de José Ney Mafort, Dirceu Mafort, sua companheira Dulcinéia de Iris Mateus (f25) e os filhos do seu primeiro casamento Josilane e Josinei Mafort.
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A casa principal foi construída com paredes de pau a pique, madeiras nobres da Mata Atlântica e tem algumas paredes de alvenaria (f26 a f29). As características coloniais desta edificação, bem como a rusticidade dos seus materiais são bastante visíveis nas janelas, portais e piso de madeiras nobres (f30, f31, f32) dos quartos e da sala.
O estado de conservação desta edificação apresenta graves problemas, sendo que três dos cinco cômodos, originalmente construídos como quartos (f33, f34, f35), encontram-se interditados, por problemas no forro e no telhado (f36). O cômodo atualmente utilizado como sala também apresenta um rebaixamento no piso.
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Na década de 1960 a casa foi reformada, sendo construída uma cozinha nova, aproveitando as madeiras para sustentação do telhado, e colocando piso de cimento queimado (f37 a 40). A junção das duas partes fica evidenciada na fachada da edificação
f34
(f40.1 a f40.4) e é testemunha das mudanças de técnicas e materiais construtivos ao longo dos anos. Na cozinha, como é muito comum nas residências rurais, encontramos um fogão a lenha, revestido de azulejos e um torrador de café antigo, que se encontra enferrujado pela ação do tempo e por isto está em desuso (f41, f42).
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Alojamento de colonos / Depósito e Armazém
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O alojamento de colonos (f43 a f46) foi construído na mesma época que a casa principal, na década de 1910, por Augusto Ballonecker. Tendo sido herdado por Julio Ballonecker, passando por diversos proprietários, Tiófone Guinâncio, Altino Reis e Luiz Gabriel Frez, que utilizaram com finalidade comercial até meados de 1990, quando este último, vendeu em 2011 a propriedade para a família Pereira que atualmente reside na mesma. É importante ressaltar que recentemente a casa passou por reforma e pintura para o recebimento da família Pereira, não alterando, porém, as suas características estruturais principais, nem mesmo, na fachada da edificação. As alterações efetuadas foram à mudança de piso, colocação de azulejos e de telhado novo na parte da cozinha (f47), reforma no banheiro e mudança do forro para compensado (f48)
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O imóvel apresenta originalmente pé direito baixo nas portas (f49), de 1,80, telha de coxa (f50) e piso original de peroba (f51). Nas partes onde foi efetuada a reforma nota-se o aumento da altura das portas para, 1,10 m e a utilização de piso de pinus. A construção alterna paredes de barro com alvenaria. O alojamento construído nos mesmos moldes (f52 a f59) e com os mesmos materiais que a casa principal, enquadra-se, portanto, no estilo arquitetônico colonial. Constituída inicialmente por cinco cômodos, teve sua primeira intervenção com o proprietário Luiz Gabriel Frez que em meados de 1950 construiu mais dois cômodos para serem utilizados como depósito para mantimentos e armazém (f45, f46). Ambos foram construídos de alvenaria, sendo o piso do depósito de cimento e o do armazém de madeira com uma pequena parte a direita do imóvel de cimento queimado. Entre esses cômodos existe um pequeno corredor que permite uma ligação entre os mesmos, para facilitar a reposição dos produtos no armazém. O cômodo onde inicialmente funcionava um depósito para os mantimentos, com acesso direto ao pátio da residência, foi transformado pelo Luiz Gabriel Frez num salão de baile de forró, recebendo pintura decorativa nas paredes cuja temática era o baile que ocorria no local, retratando assim, os moradores que participaram do mesmo (f60 a f61). E no cômodo onde havia o armazém encontram-se ainda os móveis de madeira para expor os produtos, prateleiras, bancadas, construídas por Luiz Rufino Meyer, na época em que o mesmo era o comerciante da localidade (f62 a f64).
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igreja católica
A Igreja Católica (f65) encontra-se em bom estado de conservação e está localizada em terreno doado pelo Luiz Gabriel Frez. Ela foi construída em 1980 por uma forte demanda da comunidade e como só havia dinheiro para pagar o construtor, Astrogildo Mozart, oriundo do Distrito de Lumiar, Município de Nova Friburgo, foi necessário um grande envolvimento da comunidade, que se organizou em forma de mutirão, para a edificação da mesma.
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A Igreja Católica conta com um salão principal de aproximadamente 20 metros de comprimento por 12 de largura (f66, f67), área adjacente para serviço, dois banheiros (f68) e nos fundos um salão paroquial (f69). Construída com alvenaria, apresenta algumas janelas em vitral (f70, f71), piso de cerâmica e teto de madeira em processo de substituição por PVC. Tem em sua parede uma cruz com Jesus Cristo (f72) e ao lado dois painéis homenageando Nossa Senhora Aparecida: um retratando a Basílica (f73) erguida em sua homenagem e outro contando a história da Santa. Atualmente a torre da Igreja encontrase em processo de construção. A Igreja Católica fica ao lado do coreto e do centro comunitário (f75). Possuiu uma fonte de água natural do lado externo para os fiéis e moradores beberem água e bancos. (f76 a f81) O acesso para a Igreja se dá pela escadaria ao lado do coreto e também pela rampa de lajotas e paralelepípedos.
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coreto
O coreto foi edificado cerca de 1 ano e meio após a finalização da Igreja, em 1982 e está localizado na lateral direita da mesma. Foi construído de alvenaria, com pintura branca e telhado de zinco e apresenta ótimo estado de conservação. (f82 a f91) Atualmente apesar de ser utilizado com pouca freqüência o espaço é aproveitado para realização de bailes de forró, promovidos por Antônio Klein, morador da região que toca sanfona.
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ESCOLA MUNICIPAL / CENTRO COMUNITÁRIO A Escola conhecida como Escola Boa Vista foi construída em 24 de outubro de 1959 e integrava o Movimento Popular de Alfabetização do governo Roberto Silveira. (f92.1) Em 1970, num terreno doado por José Ney Mafort, que ficava ao lado da Igreja, a Prefeitura de Bom Jardim construiu uma edificação para abrigar a Escola Municipal de Boa Vista (f92 a f94) para que as crianças e adolescentes da localidade tivessem um lugar para estudar. No ano de 2000 a Escola foi fechada pela Prefeitura de Bom Jardim. Essa mudança causou descontentamento dos moradores, que se organizaram e fizeram, inclusive, um abaixo- assinado pela manutenção da mesma. (f92.2) Em 2010 a edificação passou a ser ocupada como Centro Comunitário de Boa Vista e utilizada como espaço para reuniões, festas e atividades em geral. Ela foi construída toda em alvenaria e encontra-se em bom estado de conservação. Apresenta três portas na fachada, que dão acesso a duas salas, um depósito e um recuo, onde estão os sanitários e o refeitório. (f95 a f110)
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CAMPO DE FUTEBOL
O campo de futebol de Boa Vista foi construído em terreno doado por José Ney Mafort e está situado ao lado do terreno de Dirceu Mafort (f111 a f116.2). Construído coletivamente por seus filhos e moradores da região onde antes existia uma plantação antiga de bananeiras. Teve grande utilização durante as décadas de 1970 e 1980 quando o time de Boa Vista organizava campeonatos e servia como um importante espaço de convivência
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comunitária. (f117 a f119) Apesar do campo de futebol estar sendo utilizado com menos frequência pelos moradores da região, a comunidade continua a cuidar do mesmo, mantendo a grama sempre cortada e impedindo o estacionamento de caminhões no local para evitar a degradação do campo. f113
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Forno de Barro À Lenha da Casa de Luiz Rufino Meyer O forno de barro está localizado no pátio dos fundos da casa de Luiz Rufino Meyer, filho de Anthero Meyer e Honorina Guilhermina Tardin, descendente de suíço, nasceu em Pito Acesso, outro vilarejo rural do Distrito de Barra Alegre, Município de Bom Jardim, em 30 de julho de 1931 e de sua esposa Jacira Mozer Meyer, descendente de alemães, nascida em 17 de outubro de 1936. Juntos tiveram cinco filhos: Antonio Sir-
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ley Meyer, nascido em em 01 de janeiro de 1958; Maria Luzia Meyer Custódio, nascida em 30 de setembro de 1960; Honorina Lineia Meyer Sandre, nascida em 03 de abril de 1963; Leni Meyer Nantes, nascida em 19
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de agosto de 1967 e Janeti Mozer Meyer Silvestre, nascida em 20 de abril de 1974. O forno de barro foi construído por Luiz Rufino Meyer (f125), juntamente com a residência, em 1983 (f126 a f129). O forno de barro funciona a lenha e é utilizado pela família do proprietário para a fabricação de broa de milho e biscoitos para consumo próprio. O forno encontra-se em bom estado, coberto por um telhado de zinco (f129 a f138). Uma parte da produção é comercializada na venda administrada pela filha Leni Meyer, que seguindo os passos do pai, mantém um comércio em Boa Vista que atende os moradores da região. A venda fica ao lado da casa de Luiz Rufino Meyer e mantém a fachada e a cor do conjunto de edificações (f139 a f142).
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Moinho de Fubá da Família Klein O moinho de fubá (f143) da família Klein está localizado na propriedade de Irani Dejair Klein e Nilcéia Klein. O sítio da família Klein situado no terreno onde no início do século XX moravam o senhor Conrado Klein, avô de Nilcéia e o irmão do Henrique Klein que havia residido na casa principal do Sítio Boa Vista. No local, parte da família Klein erigiu um sobrado (f144) de dois andares que foi demolido com mais de 100 anos para a construção
de 70 anos na região. O moinho de Fubá encontra-se nos fundos do terreno, em uma encosta onde perpassa um rio, dentro de uma pequena casa de alvenaria, com cimento aparente. Reformado há cerca de dez anos, o moinho substituiu outro mais antigo, provavelmente construído concomitantemente ao antigo sobrado, que possuía uma estrutura de pau a pique e que era utilizado pela família e por moradores da
de outra casa para a família, restando apenas à estrutura da cozinha como testemunha daquela edificação. Feita de pau a pique, mescla elementos construtivos mais atuais, como o piso de cerâmica e a utilização de azulejos. Atualmente residem no local, o casal Klein e a mãe de Nilcéia Klein, Antônia Martins Klein, filha de Conrado Klein e moradora há mais
região para moer fubá e fazer farinha. Atualmente (2013) a família Klein continua a permitir que os moradores do Sítio Boa Vista utilizem o moinho, configurando-o como importante elo entre a comunidade e servindo como um instrumento de convívio comunitário, subsidiando assim, a transmissão e manutenção das tradições locais.
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representação gráfica Casa Principal
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Igreja Cat贸lica
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Escola / Centro Comunitรกrio
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Casa Luiz Rufino Meyer e Venda da Leni Meyer
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Casa FamĂlia Klein
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Bibliografias e Fontes
Créditos das imagens: Claudio Paolino (f1, f10 a f12, f16 a f49, f51 a f65, f68, f69, f77 a f116, f125, f127 a f131, f133 a f142, Acervo Imagem e Cidadania (f4 a f9, f13, f14, f40.1 a f40.4, f50, f66, f67, f70 a f74, ff126, f132, f143, f145 a f147) Acervo dos moradores (f1.1, f2, f3, f15, f117 a f124, f144, f144.1) Moradores Entrevistados para a produção do texto: Luiz Rufino Meyer, Janete Meyer, Vanda Pereira, Dulcinéia Iris Mateus, Nilcéia Klein, Aroni Dejair Klein e Antônia Martins Klein.
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Inventário do Patrimônio Cultural Rural de Barra Alegre – Bom Jardim – RJ
sítio da família carrielo Denominação: Sítioda Família Carrielo
Código de identificação:
Localização: Córrego de Santo Antônio, s/nº Boa Sorte
Mapa de localização:
Época de construção: meados do século XX Estado de conservação: detalhamento no corpo da ficha Uso original/uso atual: residência e espaço de lazer / residência Proteção / proposta: Inexistente Manutenção dos proprietários Proprietário: Particular
f1 Levantado por Andrea Rausch, Claudio Paolino, Juliano Palm e Marjorie Botelho (setembro de 2012 a janeiro de 2013)
Revisão: Marjorie Botelho (fevereiro de 2013)
277
Contextualização histórica do conjunto patrimonial O processo de ocupação do território que atualmente conforma o município de Bom Jardim – RJ remonta ao período histórico de fins do século XVIII e início do século XIX. Àquela época, a Coroa Portuguesa distribuía cartas de sesmarias na região para fomentar a ocupação da região serrana do Estado do Rio de Janeiro. Assim, no começo dos anos 1800, a família Sanches ocupou parte da região que atualmente encontra-se na zona limítrofe entre os distritos de Barra Alegre (Bom Jardim) e São Pedro da Serra (Nova Friburgo – RJ), na localidade que na época era conhecida como Alto de Barra Alegre. A partir de 1850 outras famílias foram se estabelecendo na região, adquirindo parcelas de terra das grandes fazendas estruturadas a partir de fins do século XVIII, que, em sua maioria, foram sendo paulatinamente subdivididas. Nesta época chegaram à região Graciano Carrielo, filho de um lavrador que partiu de Gênova, em setembro de 1890, no navio Duca di Galliera, chegando ao Brasil um mês depois, e sua mulher Vicenzia Carrielo, também descendente de imigrantes italianos. Ao chegar à região serrana, que antes era conhecida como Alto de Barra Alegre, Graciano Carrielo comprou parte das terras da família Sanches e construiu a casa onde passariam a viver com a mulher e criariam os sete filhos: Graciano Carrielo (Gracianinho), Domingos Carrielo, Juca Carrielo, Antônio Carrielo, Tanela Carrielo, Miloca Carrielo e Angelina Carrielo. Naquela época predominava nas fazendas da região a cafeicultura, cuja importân-
cia durou até meados do século XX. Quando comprou as terras, que se estendiam entre 40 a 50 alqueires, chegando até onde atualmente está situada o Distrito de Vargem Alta em Nova Friburgo, Graciano construiu mais algumas casas, em sua maioria de pau a pique, para abrigar as famílias dos colonos do sítio. Esses imóveis, porém, foram demolidos ao longo dos séculos XIX e XX, e algumas foram substituídas por novas edificações. Havia também no sítio um engenho de cana e um moinho de fubá; do primeiro não existem vestígios e do segundo restaram apenas duas pedras que servem atualmente de degrau na entrada da casa principal. Juntamente com a produção de café para o mercado, praticava-se uma agricultura de subsistência. Com a decadência da produção cafeeira as culturas de banana, inhame, batata inglesa e feijão passaram a ocupar o espaço dos pés de café, sendo, até hoje, os principais cultivos praticados no sítio. Conta-se que Graciano Carrielo promovia festas muito animadas, em todos os seus aniversários, sempre com bailes de forró, e também no carnaval. Essas festas são lembradas até hoje pelos moradores mais antigos de Boa Sorte. Graciano faleceu, na década de 1970, ocasião em que a propriedade foi repartida entre os filhos, sendo que o mais novo, que tinha o mesmo nome do pai e era conhecido como Gracianinho, herdou a sede do sítio. Domingos ganhou o terreno mais no alto da propriedade, quando se casou, passou a viver em uma das antigas casas de colonos que foi
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demolida, até que seu Dozino da Silva, casado com uma de suas filhas, Edes Carrielo, como era pedreiro, construiu para o sogro uma casa no mesmo local da anterior, só que não mais de pau a pique, mas de tijolo e cimento, onde ele viveu até cerca de 80 de idade, quando mudou se para uma das casas de baixo, aonde veio a falecer aos 94 anos, em 2 de julho de 2005. Os outros irmãos, assim que herdaram suas terras, que se estendiam em direção a Vargem Alta, venderam-nas e partiram para outras cidades no estado do Rio de Janeiro. Domingos Carrielo (f2), viveu sua vida toda no sítio e casou com Maria Knupp com quem teve 12 filhos: Ezaltina, Enedir, José, Helena, Edes, Altamira, Reinaldo, Valdecir, Dejair, Laér-
Laércia Carrielo Jacinto (f4), nascida em 20 de junho de 1947, uma das filhas, conheceu Sebastião Geraldo Jacinto no sítio (f4.1), pois ele trabalhava transportando cargas e volta e meia prestava alguns serviços na região. Casaram-se, em 1969 e foram morar em São Pedro da Serra, no distrito vizinho de Nova Friburgo, aonde vivem até hoje e tiveram um casal de filhos, Marcia Carrielo Jacinto, nascida em 06 de fevereiro de 1979 e Marcos Carrielo Jacinto, nascido em 31 de janeiro de 1970. Porém, Laércia sempre manteve uma forte relação com o sítio da família e com o povoado de Boa Sorte. Quando seu tio Graciano faleceu, em meados da década de 1980, sua esposa, Ivani
cia, Jurema e Domair. No entanto, todos eles partiram ao se casar. Depois que fi¬cou viúvo em 10 de dezembro de 1998, casou-se novamente com Roberta Knupp. (f3)
Heringer Carrielo, que havia herdado parte da propriedade, queria acabar com o campo de futebol, que fica próximo à casa principal. Por esta razão, Sebastião Jacinto, marido de La-
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ércia, junto com o vizinho e amigo Valter Debossan, comprou as suas terras e também as dos irmãos de Laércia, transação efetuada em uma só escritura. Valter, porém, trocou o seu terreno com o de Sergio Sanches, que morava nas proximidades, e, quando este morreu,
Sebastião comprou também a sua parte, totalizando a área que conforma hoje o sítio, aproximadamente com 25 hectares. Laércia Carrielo teve um papel fundamental no processo histórico do sítio, pois foi ela quem estruturou o campo de futebol e o
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time de Boa Sorte, que tem as cores vermelha e branca (f5). Aliás, este nome foi sugerido por ela, e com o sucesso alcançado pelos jogos, o povoado ao redor também passou a ser conhecido pelo mesmo nome. O time era formado pelos sobrinhos de Laércia, Valdeci, José Amarildo, Roberto, Rosiney e Adair José; pelo seu filho Marcos e seu marido, Sebastião; pelos filhos de seu Athaíde Amaral, Célio, Ricardo e José (Zeca); por Everaldo Amaral
(irmão de Athaíde) e seu filho Rony, além de vários outros jogadores que também vestiram um dos dois uniformes do time. Ao longo dos anos, o sítio tornou-se um importante ponto de encontro dos moradores do povoado, não só pelos bailes realizados por Graciano Carrielo, mas, também posteriormente, pelos jogos de futebol organizados por sua neta Laércia e a filha desta, sua bisneta Marcia Carrielo (f6 a f6.4). Ao lado do
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campo, foi construída a sede do time e um bar, onde Laércia e a filha vendiam os pastéis que fritavam nos dias de jogo; e pouco abaixo, edificaram uma piscina e uma sauna, que funcionam até hoje. Além do complexo formado pelo campo de futebol (f7), a sede do time (f8), a sauna (f9) e a piscina (f10), o sítio inclui a casa principal (f11) e mais quatro edificações (f12 a f15). Atualmente duas delas encontram-se fechadas. As outras duas, são habitadas, uma, por Everaldo Amaral, sua esposa Maria Lucimar Pereira Dias do Amaral (f16 e f17) e o filho mais novo, Rogério Amaral (f18). E a outra, construída entre as décadas de 1980, pelo filho mais velho, Rony Amaral (f19), sua mulher Marlene Amaral (f20) e três filhos: Paola, Caíque e Yago (f21). Seu irmão, Athaíde Amaral (f22), é um dos moradores mais antigos da propriedade, residen¬te desde a década de 1970 na casa principal, junto com outro irmão, Hernandes Amaral, e a sobrinha Thalia Amaral (f23). Porém, com 79 anos, encontra-se aposentado. Filho dos lavradores Regina Mafort ( f23.1) e Manoel Gerônimo Amaral, Athaíde Amaral é o segundo dos nove filhos do casal. Nascido em 1934, na localidade conhecida como Córrego de Santo Antônio, quando tinha por volta de 12 anos de idade começou a frequentar com os colegas o distrito vizinho, de São Pedro da Serra. Nesta época também conheceu Graciano Carrielo, e passou a ir aos bailes de forró que este organizava em sua casa, no seu aniversário e nos de sua família, e onde, como se recorda, dançava muito. Quando ficou viúva, a mãe de Athaíde foi trabalhar na lavoura para Domingos Carrielo, e levou os fillhos Jaciro, Everaldo e José Carlos. Foram morar na primeira casa onde Domin-
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gos havia morado inicialmente com a família e que atualmente encontra se vazia. Athaíde (f23.2) veio para o sítio com 25 anos, para trabalhar como caseiro na propriedade de Antonio Carrielo; nesta época jogava como ponta esquerda e lateral no time de Santo Antonio, com a camisa 6. Quando Antonio vendeu suas terras Athaíde foi morar em uma casa na propriedade vizinha e depois veio definitivamente
para o sítio trabalhar para Domingos Carrielo, ajudando a estruturar o campo e as tarefas que fossem necessárias, além de trabalhar na lavoura; do milho, mandioca, batata inglesa e inhame que plantava, dava a terça parte para seu Domingos. Na década de 1970, a casa principal, que estava vazia, começou a ser invadida e rou¬bada, até que Laércia Carrielo pediu a
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Athaí¬de que se mudasse para lá, com sua esposa, Conceição Knupp Amaral (f24) e os sete filhos: Adriana, José Carlos, Célio, Ricardo, Rita e Nilcéia.(f24.1), a fim de tomar conta da casa e ajudar na manutenção do campo e do time. Dona Conceição, falecida em 28 de janeiro de 2006, era uma importante motiva¬dora cultural no povoado de Boa Sorte, e, por esta razão, o Sobra¬do Cultural Rural, um ponto de cultura rural da comunidade de Santo Antonio, homenageou-a, dando seu nome a brinquedoteca da entidade. (f25) Um dia, enquanto lidava no roçado, Athaíde foi mordido por uma jararacuçu e por pouco não perdeu o pé. Foi seu Domingos Carrielo, pai de Laércia Carrielo, quem o salvou com
uma simpatia. O pai de seu Athaíde também foi mordido por uma cobra – uma víbora –, mas não teve a mesma sorte: morreu por causa do veneno, aos 45 anos. Seu Athaíde tem hoje 16 netos e oito bisnetos. O sítio da família Carrielo sempre foi mantido com a mão de obra dos colonos que ali trabalhavam e residiam, e que, nas épocas áureas das plantações, chegaram a ser de 10 a 20. Hoje, contudo, o único trabalhador do local é um dos filhos de seu Athaíde, José Carlos Amaral, que, contudo não reside na propriedade, mas em uma casa num terreno vizinho. No sítio ele planta feijão, inhame e milho, e, da colheita reserva a terça parte, como pagamento do uso da terra, para a família Carrielo.
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LOCALIZAÇÃO e Ambiência:
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A localidade encontra-se nas proximidades do córrego de Santo Antônio, na estrada que interliga os distritos de Barra Alegre (Bom Jardim) e São Pedro da Serra (Nova Friburgo).(f28) Pega se uma pequena via de terra à direita de quem vai de São Pedro da Serra para Bom Jardim, poucos metros adiante da entrada do Ponto de Cultura Rural. Avista-se uma estrutura de cimento coberta (f29), que funciona como garagem, e, em seguida, a casa principal (f30), situado próximo à encosta. A paisagem de ambos os lados da via de acesso à propriedade é formada por uma grande quantidade de bananeiras, interrompida por outra via de terra que vai levar às outras edificações do sítio (f31). Esta via também é ladeada por bananeiras. As quatro outras edificações do sítio encontram-se espalhadas pela propriedade. Pri-
meiro, ao entrar na via de terra à direita de quem chega ao sítio, depois de passar por diversas bananeiras, avista-se uma das casas, onde mora Rony Amaral e sua família (f32, f33). Esta casa possui, ao redor, um galinheiro e um paiol. Mais adiante, seguindo a mesma paisagem (f34), e depois de passar pela sauna, pelo campo e pela piscina, chega-se à residência (f35) de Everaldo Amaral, onde mora com a mulher e os filhos. Além das bananeiras ao redor, nota-se ao lado também desta casa um galinheiro, cujas dezenas de galinhas são alimentadas diariamente por Maria Lucimar, que também cria alguns porcos. Essas duas casas situam-se no caminho que leva à casa que se encontra na parte mais alta do sítio. (f36) Esta construção pode ser vista da estrada, assim como o campo de futebol e a sede do time. Há poucos metros de uma de suas laterais, possui um pequeno santuário cons-
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truído sobre um bloco de pedra maciço. (f37) Próximo a sua entrada encontram-se as ruínas de duas casas que não chegaram a ser construídas. (f38) Esta edificação, assim como as outras do sítio, é rodeada pela mata atlântica. O campo de futebol, bem como sua sede, e logo abaixo, a piscina e a sauna, encontram-se ao pé da encosta coberta por eucaliptos, angelins e imbaúbas, e lo-
calizam-se na parte média da propriedade (f39); para chegar neles deve-se atravessar boa parte sítio, entre plantações de banana, milho, feijão, inhame e jiló. Depois de passar por uma das edificações, por caminhos de bananeiras, bastante mato e flores de açucena, chega-se na sauna. Para ir à piscina, é preciso subir mais um pouco, passar pelo campo e seguir em frente.
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Descrição histórica e arquitetônica/ Estado de conservação Os bens imóveis pertencentes à fazenda que merecem ser destacados por seu valor arquitetônico, histórico ou sociocultural são: casa principal, casa do alto, 2 casas secundárias, campo de futebol, piscina e sauna.
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C ASA PRINCIPAL
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A casa principal foi construída na se¬gunda metade do século XIX, por Graciano Carrielo, que viveu ali com sua mulher até morrer, na década de 1970. Graciano gos¬tava de comemorar seus aniversários com festas animadas a forró e muita dança. Criou seus quatro filhos e três filhas: Maria, Olivia, Miloca, Graciano, Antonio, Juca e Cridioliandro. Depois que ficaram idosos, ele e a esposa Vicenzia foram levados por seu filho mais novo, Graciano, para morar com ele e sua família no Distrito de São Pedro da Serra no Município de Nova Friburgo, pois precisavam de mais cuidados. A residência principal do sítio passou a abrigar João Klein, um caseiro procedente de Rio Bonito. Posteriormente este foi embora e veio, da mesma localidade, para morar na casa e tra-
balhar no sítio, Augusto Ouverney. Quando este partiu, Oswaldo Cardoso viveu por dois curtos períodos na casa. Com a sua partida a casa ficou vazia por algum tempo, até que começou a ser delapidada por ladrões, pois não havia trancas. Em fins de 1970, mudouse para esta residência Athaíde Amaral, que vive até hoje na propriedade, com o irmão Hernandes e a sobrinha Thalia Amaral. Obedecendo ao estilo que vigorava no período colonial, a edificação tem características rústicas (f40 a f50), com estruturas de assoalhos e janelas de cedro ou outras madeiras nobres oriundas da Mata Atlântica, paredes de tijolos maciços e telhas canal, ou “de coxa”. Originalmente tinha oito cômodos, todos com forro, também de madeiras nobres, separados por paredes de tábuas corridas.
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Atualmente a casa possui seis cômodos (f51 a f58), pois dois deles foram transformados em cozinha (f59 a 63) e sala de jantar (f64 a f70). Há um porão, construído com blocos maciços de pedra, unidos por um composto bastante utilizado nas construções do século XIX na região: terra e estrume de vaca. (f71 a f76) Este subsolo é utilizado para o armazenamento de utensílios domésticos e agrícolas, desde que foi construído. (f77 a f80) Por volta do ano de 1949, Graciano rea¬lizou uma reforma na propriedade, trazendo a cozinha, que era de pau a pique e se en¬contrava na parte frontal da residência (f82), onde atualmente encontra se as moendas do moinho, para dentro da casa, no local onde antes era um pequeno quarto (f81 a f89). O fogão à lenha (f90 a f100), mesmo ten¬do sido construído nas últimas décadas do século XX tem sua estrutura externa de ma¬deira, com preenchimento acimentado, téc¬nica anteriormente realizada com barro, além de uma chaminé de barro. (f101 e f102) O fogão está na entrada da porta de serviço, que normalmente é utilizada como porta principal. (f103, f104) Em frente á casa foi construída no final de 2003, uma estrutura de cimento coberta que funciona para abrigar parte da produ¬ção em dias de colheita, como gara¬gem (f106, f107) e para a produção de cestas de bambus e de estruturas para as festas da co¬munidade, como a carcaça do bumba meu boi para o Sobrado Cultural Rural (f105) . No começo do século XXI foi feita outra reforma, no telhado, que apresentava mui¬tas goteiras; a estrutura foi substituída por outra, de eucalipto, e as telhas canal fo-
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ram substituídas por telhas francesas. (f108, f109) Por volta do ano de 2009 foram trocadas as janelas da residência por outras do mesmo estilo, porém feitas de madeira mais nova. (f110). E em 2012 foi construído um banheiro no interior da casa (f111), tendo sua entrada pela cozinha, pois o banheiro desta residência, construído na década de 50, encontra se do lado externo. (f112) Atualmente, tanto o piso quanto algumas paredes que separam os cômodos estão com várias falhas e buracos, necessitando serem trocados. Em um dos quartos, o forro que havia sido roubado foi substituído por pedaços de madeiras variadas e portas de armários velhos. As paredes estão precisando de pintura, pois a atual mostra-se envelhecida.
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casa do alto
A casa que se encontra na parte mais alta do terreno foi habitada por Domingos Carrielo e sua família.(f113 e f114) Atualmente a filha Laércia Carrielo e a neta utilizam a casa em finais de semana. Laércia Carrielo recorda-se que certo dia um enorme bloco de pedra desceu a montanha e parou a uma distância muito pequena de uma das laterais da casa. Tendo considerado o fato um milagre, a mãe de Laércia Carrielo, Maria Knupp – falecida na década de 1980 aos 69 anos – , mandou erguer sobre a pedra um pequeno santuário, que até
hoje permanece no local.(f115a f118) Esta casa foi edificada com tijolos e cimento, mas aproveitaram as telhas canal e as madeiras nobres das antigas residências de colonos do sítio para as janelas, forros e estrutura do telhado. A casa é composta por cinco cômodos, sendo três quartos, uma cozinha e uma sala. (f119 a f124) As telhas foram substituídas por telhas francesas há poucos anos e as as paredes internas foram pintadas, bem com as externas não apresentando rachaduras. O santuário permanece intacto, estando em reforma.
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C ASAs secundárias
Antigamente, até o começo do século XX, havia seis casas de colonos no sítio, construídas de pau a pique. Estas foram desmanchadas e outras três foram reconstruídas ao longo dos anos 1900 para abrigar as famílias de trabalhadores do sítio, mas aproveitou-se o material da demolição dos imóveis anteriores, como telhas e ripas de madeiras nobres.
A casa situada na beira da estrada tem paredes de tijolos e cimento, telhado coberto com telhas francesas, sem forro, possui uma sala e uma cozinha, além de dois quartos, e um pequeno banheiro do lado de fora. (f125 a f132) Atualmente é habitada pelo filho de Everaldo, Rony Amaral, a esposa Marlene e os filhos Paola, Yago e Caíque.
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A casa foi construída por Sebastião Jacinto para o filho de seu Athaíde, Ricardo Amaral, quando este se casou com Luzia Maciel, uma das irmãs de sua esposa Laércia. Depois de ficar fechada algum tempo, foi alugada em 2001, para o casal Claudio Marcio Paolino e Marjorie de Almeida Botelho com seus filhos, Miguel Emílio Botelho Paolino e Catarina Botelho Paolino. (f133) Atualmente proprietários das terras em frente, do outro lado da estrada, onde coordenam o Sobrado Cultural Rural, espaço educativo de cultura que desenvolve ações voltadas para o fomento a leitura e as artes em geral e para a preservação do patrimônio presente nas áreas rurais. O espaço conta com uma brinquedoteca, Biblioteca Conceição Knupp Amaral; um galpão de artes, Galpão de Artes Mafort; uma biblioteca de artes visuais, Biblioteca Rural de Artes Visuais da Fundação Nacional de Artes e um centro de memória, o Ecomuseu Rural. (f133 a f137)
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Mais próxima ao campo de futebol, encontra-se uma das outras casas, a mais recente, cuja data de construção, 1987, encontra-se escrita à tinta, na fachada do imóvel. (f138) Abrigou seu Domingos Carrielo (f139) quando este ficou viúvo, até a sua morte, em 2007. A partir daí, passou a ser habitada pelo irmão de Athaíde, Everaldo Amaral, sua esposa Maria Lucimar e o filho Rogério. (f140) A casa tem um estilo moderno, típico do ano em que foi construída. (f141 a f144) Paredes de tijolos, pintadas externamente (f142 a f145), piso de cimento queimado (f146, f147), telhas francesas (f148). Possuí dois quartos, uma sala, um banheiro e uma cozinha (f149 a f153). Dentro da casa há um fogão à lenha constantemente acesso, onde Maria Lucimar costuma pendurar, no alto, o fumeiro que produz com as carnes dos porcos de sua criação. (f154 a f157) Do lado de fora há um forno a lenha, construído com tijolo e barro, utilizado para fazer pães e broas (f158 a f160). A família Amaral vem mantendo a tradição da feitura de broas na comunidade. De tempo em tempo reúne familiares e amigos para produzir broas feitas com inhame, chuchu, batata doces, ovos, manteiga, açúcar, bicarbonato, fubá, trigo com fermento e sal. O ritual envolve ainda retirar do bananal folhas de bananeira para envolver a massa da broa e preparar o forno para assar as broas. (f161 a f172) A casa possui uma varanda, com estrutura de madeira e cobertura de telhas de amianto.(f173 a f175) Ao lado da casa encontra-se o chiqueiro e em frente o galinheiro construído com ripas de taquara. (f176, f179)
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campo de futebol
Inicialmente, havia um pequeno campo de futebol no sítio, atrás da casa principal, a partir do qual foi se formando o time de Boa Sorte. Até que caiu uma barreira e o campo teve de ser refeito, em outro lugar, mais pra cima da propriedade. Isto aconteceu em meados da década de 1990. Dona Laércia e a filha é que começaram a arrumá-lo. Um rapaz de Bom Jardim abriu o espaço com a máquina e D. Laércia plantou a grama, com a ajuda de seu pai, Domingos, da filha, Marcia, de Athaíde, do irmão deste, Everaldo, e a esposa, Maria Lucimar, além de contarem também com a ajuda de um amigo que gostava de acompanhar os jogos, seu João Teixera, e de sua família. Fizeram também uma barraquinha, onde
Laércia vendia os pastéis que fritava nos dias de jogo, e um pequeno banheiro. Logo depois, acatando a sugestão de Marcia, filha de Laércia, foi construída, ao lado, uma sede para o time, com bar, e, embaixo, piscina e sauna. D. Laércia é a liderança do time desde o seu início, configurando uma situação atípica em um cenário marcado pela predominância masculina. Laércia e, mais tarde, sua filha Márcia, eram as duas únicas mulheres a liderar um time de futebol na região. Laércia (f185) lembra com grande emoção daquela época, não apenas pelos torneios de futebol, aos domingos, mas também pelos frequentes festejos realizados no
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campo e na sede, como bailes de forró e de carnaval. Os jogos atraíam os moradores da localidade, e levavam os diferentes povoados rurais a interagirem. As partidas aconteciam alternadamente entre os campos dos diversos povoados da região, a partir de acordos firmados na base da confiança, sem garantias em dinheiro, de foma oral e finalizados com aperto de mãos. Todavia, de forma semelhante à grande maioria dos times de futebol dos povoados rurais, o time de Boa Sorte entrou em certa decadência nos últimos anos, o que é visto com tristeza por grande parte daqueles atores que participaram desta história, e que constantemente pedem a Laércia que retome as atividades no campo. Diversos fatores contribuiram para a decadência do time de Boa Sorte, assim como dos campeonatos e demais festejos realizados no local. Laércia conta que com o falecimento de seu pai, em 2007, e o de Dona Conceição Knupp Amaral, esposa de seu Athaíde, e depois que seu marido teve de amputar a perna por causa da diabete, o time de futebol foi acabando aos poucos. Contudo, além das razões expostas por Laércia, ressalta-se também o enfraquecimento geral desse esporte na região, provocado pelo desinteresse dos jovens pelo futebol, aspecto sentido nas mais diversas comunidades rurais da região. Seu Athaíde se recorda dos times que neste processo deixaram de existir: o Maria Mendonça, o Rio Bonito e o Macaé de Cima. O campo de futebol do time de Boa Sorte (f180 a f184) mede cerca de 70 metros de largura por 100 metros de comprimento e é cercado por uma tela alta de arame trançado com tramas largas. (f185) De um
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lado, um conjunto de cinco mesas de concreto, com bancos ao redor, também fixos, do mesmo material (f186). Ao lado, completando a extensão do campo, encontra-se a sede do time, construído com blocos de cimento, ocupando uma área de cerca de 20 metros quadrados (f187 a f190). Dentro da sede, coberta, mas aberta no lado que dá para o campo, há um bar, hoje desativado, fechado com cortinas de ferro. (f191) O piso é de cimento, a parede maior possui duas pequenas janelas tipo basculante e o teto é feito de tijolos. Não existe pintura interna e nem externamente, tendo esta edificação a cor cinza escura do cimento. Atualmente encontra-se abandonado,
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com a grama alta e com as traves do gol enferrujadas. A cerca está inalterada, completa e em bom estado. As mesas de concreto estão com a pintura, verde, descascada. A sede parece bem conservada, com janelas de alumínio e vidro intactas, sem aparente necessidade de reformas em sua estrutura.
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PISCINA E SAUNA
Logo abaixo da sede e do campo, foi construída, também na década de 1990, uma sauna a vapor. (f192 a f197) E depois do campo, uma piscina. (f198 a f200) Aos domingos, em dias de jogos, vários ônibus desembarcavam no sítio para assistir às partidas e usufruir do espaço. Atualmente, apesar de não haver mais jogos no local e da sede estar desativada, tanto a piscina quanto a sauna são eventualmente utilizadas pela família dos atuais moradores do sítio e por vizinhos. A piscina mede cerca de 20m2 e é toda feita de cimento, com a borda pintada de azul. Em volta, um piso de cimento bruto, cin-
za, rodeado por um muro de concreto. Bem próximo da piscina situa se a estrutura onde funciona a sauna a vapor, com cerca de 50m2 , toda em tijolos e cimento, sem pintura. Há uma parte coberta por telhas com uma pequena pia em um dos cantos, e uma porta de alumínio à entrada da sauna; internamente possui bancos de alvenaria. Na lateral externa, localiza-se o forno que aquece a sauna, todo feito de tijolos e cimento. Essas estruturas encontram-se aparentemente sem rachaduras, necessitando de nova pintura na piscina, e de um concerto na porta que dá acesso à sauna, pois encontra se quebrada.
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Bibliografias e Fontes
Créditos das imagens: Acervo f2 a f6.4, f23.1, f23.2, f24.1, f25, f47, f133, f134 a f142, f144 a f146. Cláudio Paolino f7 a f24, f28, f29, f31 a f39, f39.2, f39.5, f40 a f45, f48 a f53, f55, f56, f59 a f65, f71 a f80, f82 a f86, f93, f94, f96, f97, f101 a f132, f143, f148 a f200 Flavia Fafiaes: f0, f1, f30, f39.1, f39.3, f39.4, f46, f54, f57, f58, f66 a f68, f81, f87, f88, f91, f92, f95, f98, f100 Maíra Norton f69, f70, f89,f99, f99.1, f99.2 Imagens Google Earth f26, f27 Moradores Entrevistados para a produção do texto: Laércia Carrielo, Athaíde Amaral, Everaldo Amaral, Maria Lucimar Pereira Dias do Amaral e Rogério Amaral.
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ISBN: 978-85-65360-01-2