Revista Território Rural

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Pedro da Serra Barra Alegre - S. Alta - DR. ELIAS Lumiar - Vargem

Ponto de Cultura Rural e Licenciatura em Educação do Campo da UFRRJ selecionam 32 jovens da região serrana para integrar pesquisa como bolsistas do CNPq. 06 Redução da Maioridade Penal e Políticas de Juventude

09 Causos, Lendas 07 Catiço: e Histórias da Região 12 Fechar Escola é Crime


Editorial Expediente Essa é uma publicação quadrimestral do Projeto Formação Cultural de Jovens da Região Serrana em Comunicação Comunitária, da chamada MCTI/MDA-INCRA/CNPq nº19/2014 – Fortalecimento da Juventude Rural, produzido pelo Sobrado Cultural Rural/Ponto de Cultura Rural de Santo Antonio/Bom Jardim e a Licenciatura de Educação do Campo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.

Telefone/WhatsApp: (22) 99926-1322 sobradocultural@gmail.com Coordenação: Roberta Lobo e Marjorie Botelho Coordenação de linhas de Pesquisa: Eloísa Lopes e Maria José da Silva Coordenação de Comunicação: Claudio Paolino Monitores: Aline Munhões, Elizeu Moreira, Isabel Freire, Julio Affonso Oliveira, Luciana Salles, Marcela Klain, Miguel Paolino, Pedro Emrich Adrião, Ricardo Nonato, Stefanie Ezequiel, Tayná Paolino, Vander Junior e Elaine Faustino. Agentes de Cultura e Comunicação: Beatriz C. Ribeiro, Cassiane Peixoto, Cleisson da Rosa Heggdorne, Dayane das Graças M. Philot, Dayane Schimidtt Figueira, Débora Braga Domingues, Enzo Mattos Gomes, Gabriel da Rocha Souza, Gabriela Carvalho Ramos, Jessica Aparecida Maciel Tardem, Joana Luzia Tápea Pereira, Inara de Moraes Garcia, Tainara Grativol, Lucilene Perdomo de Castro, Lorraine Hilda Dias do Amaral, Matheus Lopes Santiago, Natã Tuler Godinho, Verônica Ouverney Heringer, Vicente Nunes Chi, Victorya Marchon Teixeira, Walaziana Xavier Faria e Klaus Vianna. Ilustrador: Ramon Silva Teixeira Revisão: Zelma Gonçalves Mayer Projeto Gráfico e Editoração: marciomiranda.com

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Tiragem: 1.000 exemplares

Estamos muito felizes com a primeira edição da Revista Territórios Rurais que compartilhará um pouco das ações que estão sendo realizadas no projeto de formação em comunicação comunitária e de pesquisa sobre a realidade da juventude rural com jovens dos territórios de São Pedro da Serra, Lumiar, Vargem Alta, Barra Alegre e Dr. Elias. Essa é uma parceria entre a Licenciatura de Educação do Campo LEC/UFRRJ e o Sobrado Cultural Rural com o apoio da Secretaria Nacional de Juventude, do Ministério de Desenvolvimento Agrário/INCRA e do Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico/CNPq. Acreditamos que essa iniciativa contribuirá para a valorização dos sujeitos jovens dos territórios rurais, estimulará uma maior integração entre jovens de territórios rurais da região, fortalecerá o ponto de cultura rural como um espaço de encontro entre os/as jovens da região e ampliará os espaços de atuação da Licenciatura de Educação do Campo na região Serrana. O diálogo com o Ponto de Cultura Rural/ Sobrado Cultural do Município possibilitou a Licenciatura em Educação do Campo da UFRRJ atingir a Região Serrana, ampliando assim a compreensão da diversidade das áreas rurais do Estado do Rio de Janeiro. A interação entre 20 jovens do Ensino Médio dos Municípios de Bom Jardim,Trajano de Moraes e Nova Friburgo e de 12 alunos-monitores da LEC/UFRRJ e do Sobrado Cultural Rural demonstra como hoje a identidade dos jovens rurais se materializa cada vez mais na sua diversidade de origem, de comportamento, de produção material da vida, de cultura e religiosidade. A atuação nestes primeiros 05 meses do Projeto apresentou a necessidade de um profundo estudo da realidade, como já nos ensinara Paulo Freire, que leve em consideração os sujeitos destes distritos em suas particularidades e contradições frente aos dilemas atuais do campo, tais como: dificuldade de pertencimento da juventude à terra, uso intensivo de agrotóxico na produção agrícola, pouco debate sobre o respeito e a tolerância frente á diversidade religiosa e sexual, preconceito racial, ausência de áreas de lazer e atividades culturais, ausência de movimentos sociais do campo na região, apropriação dos territórios para um turismo elitizado, etc. Não nos interessa dizer o que estes jovens rurais são a partir de expectativas externas, mas sim através das experiências promovidas pelo Projeto, escutá-los e incentivá-los na valorização de sua realidade, abrindo horizontes para uma apropriação em diálogo com o local e o além de suas fronteiras, mantendo o estímulo constante para novos passos e saltos rumo à Universidade Pública. Nesta edição abordamos alguns temas como a redução da maioridade penal, a importância de políticas públicas de juventude e da participação juvenil, o fechamento das escolas do campo e os prejuízos que a falta de investimento acarreta para esta população. Os textos da revista mesclam análises, depoimentos dos e das jovens, dados coletados fruto das pesquisas que estão sendo realizadas nos territórios, deixando todos integrantes deste processo juntos e misturados. E como não poderia deixar de ser, teremos um espaço dedicado para causos, lendas e histórias, compartilhadas pelos milhares de mestres de cultura popular presentes nos nossos territórios, pois a transformação social somente acontecerá com respeito á diversidade e à construção coletiva. Se sinta convidado para contribuir conosco nas próximas edições. Realização:


LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO CAMPO (LEC) Luciana Salles, Ricardo Nonato, Stefanie Ezequiel e Vander Junior

SOBRADO CULTURAL RURAL: UM PONTO DE CULTURA RURAL O Sobrado Cultural Rural é um equipamento cultural localizado na comunidade rural de Santo Antonio, em Bom Jardim, no interior do Estado do Rio de Janeiro. O espaço tem várias estruturas, tais como a Biblioteca Brinquedoteca Conceição Knupp Amaral; o Galpão de Artes Mafort; a Biblioteca de Artes Visuais e o Ecomuseu Rural. As atividades são voltadas para fomentar a leitura e garantir o acesso ao livro através de ações que estimulem a criatividade, a fruição e produção cultural e também para preservar e valorizar o patrimônio cultural material e imaterial presente nos territórios rurais. Por conta das ações realizadas foram reconhecidos por diversos órgãos de cultura, tais como: Ministério da Cultura, Fundação Biblioteca Nacional, Secretaria Estadual de Cultura do Rio de Janeiro, Instituto Brasileiro de Museus, Instituto Estadual de Patrimônio Cultural e Fundação Nacional de Artes. Atualmente o Sobrado Cultural Rural coordena junto com outras organizações do campo a Rede Nacional de Pontos de Cultura e Memória Rurais que está dialogando com o Ministério da Cultura para que sejam criadas políticas de cultura voltadas para as comunidades rurais, garantindo assim as especificidades dos povos da floresta, do campo e das águas.

A Educação do Campo nasceu como fruto de muita mobilização e pressão dos movimentos sociais por uma política educacional para as comunidades camponesas. Nasceu da combinação da luta do Movimento Sem Terra pela implantação de escolas públicas nas áreas de Reforma Agrária com as lutas de resistência de inúmeras organizações de trabalhadores rurais e de comunidades tradicionais para não perderem suas escolas, suas experiências de educação, suas comunidades, seu território, sua identidade. O Movimento da Educação do Campo surge em meados da década de 1990 a partir da luta pelo reconhecimento das experiências pedagógicas dos movimentos sociais do campo dentro da rede pública de ensino. Reconhecer e ampliar o acesso à escolarização de ensino médio e superior dos sujeitos do campo, abrangendo a diversidade das comunidades rurais: assentamentos da reforma agrária, pequenos agricultores, povos tradicionais, caiçaras, quilombolas, ribeirinhos e indígenas. O curso de Licenciatura em Educação do Campo da UFRRJ teve sua primeira turma em 2009, fruto da parceria com o Ministério de Desenvolvimento Agrário/INCRA/PRONERA. Seu Projeto Político-Pedagógico foi formulado a partir de Seminários, Fóruns e Projetos sobre a Educação do Campo, Juventude Rural, Movimentos Sociais, Educação em Contextos Específicos, Escola Ativa e Agroecologia, promovidos no âmbito da UFRRJ nas duas últimas décadas. A Pedagogia da Alternância alia-se ao debate, potencializando a formação do aluno na valorização do seu modo de vida, do seu território, da cultura local e do despertar da consciência crítica. O legado da LEC é formar jovens-cidadãos do campo não apenas para a integração nos processos produtivos, mas para o engajamento frente a problemática da modernização da agricultura, da crise social, ambiental e econômica como um todo. A Educação do Campo é o reconhecimento da diversidade das áreas rurais para além de um simples espaço de produção agrícola. O campo é território de produção de vida!

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JUVENTUDE GARANTA SEUS

Direitos! Miguel Paolino e Tayná Paolino A juventude pode ser compreendida de diversas maneiras, como por exemplo um momento de transição da infância para a fase adulta, um período de problemas ou o futuro da nação. No ano de 2005 o governo brasileiro deu um passo importante para reconhecer a juventude enquanto sujeito de direitos e como ator importante na construção da sociedade: criou a Secretaria Nacional de Juventude, o Conselho Nacional de Juventude e o Programa Nacional de Inclusão de Jovens (Lei 11.129). Depois, em 12 de julho de 2010 aprovou a PEC da Juventude que inseriu o termo jovem no Capítulo VII da Constituição Federal. E em 2013 a presidente Dilma Rousseff sancionou o Estatuto da Juventude (Lei no 12.852/2013) que consolida os direitos dos jovens, tais como: à cidadania, à participação social e política e à representação juvenil; à educação; à profissionalização, ao trabalho e à renda; à igualdade; à saúde; à cultura; ao desporto e ao lazer e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Foi necessária muita pesquisa para compreender os e as jovens desta nova geração e para criar políticas públicas voltadas para a juventude brasileira. Mas muitas conquistas

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ainda são necessárias, pois temos uma parcela da juventude trabalhando informalmente e sem carteira assinada, sendo assassinada por ser pobre e negra, fora da escola e da universidade, entre outros. Por isso, é fundamental que os e as jovens participem dos espaços de incidência política para interferir no rumo das políticas públicas de juventude, seja ocupando as ruas, como aconteceu em quase todas as cidades, para se opor à redução da maioridade pena, participando do movimento estudantil através de grêmios nas escolas, centros acadêmicos e diretórios centrais dos estudantes (DCE) nas universidades. Outra forma importante de participação é através das conferências municipais, estaduais e nacional de Juventude. Fique ligado nas datas das conferências municipais do Estado do Rio de Janeiro (http://www.conferenciajuventuderj.com). Quantos mais jovens do interior e de comunidades rurais forem eleitos para as etapas estaduais, mais fortes estaremos para pressionar os governos para investir em políticas voltadas para a nossa realidade. Diferente da imagem que a grande mídia faz do jovem, nós fazemos a diferença!!!


JUVENTUDE DA REGIÃO SERRANA PARTICIPA DE Ato contra a redução da maioridade penal Klaus Vianna e Natã Tuler A redução da maioridade penal foi um dos assuntos mais discutidos nos últimos meses, pois estava tramitando no Congresso Nacional a PEC (171/93) que pretendia diminuir a idade penal dos 18 para os 16 anos de idade. Jovens de todo Brasil uniram-se para protestar contra essa emenda e realizaram atos envolvendo movimentos estudantis, sociais e culturais, além de órgãos ligados aos direitos da criança, adolescente e da juventude. Em Nova Friburgo, na tarde de 30 de junho, jovens estudantes realizaram um ato na praça Demerval Barbosa Moreira, cuja intenção era debater e conscientizar a população local sobre os equívocos da redução. Confecção de cartazes, malabares e mesas de discusão ocorreram durante toda a tarde para que houvesse melhor comunicação com a população regional. Ocorreu também distribuição de panfletos

Juventude de Vargem Alta pesquisando sua realidade!

Abusos e Usos nas Redes Sociais!

com o intuito de passar de forma mais detalhada informações sobre os motivos contra a redução da maioridade penal. Ao fim da tarde os estudantes caminharam até à Prefeitura Municipal com o intuito de maior visibilidade para a causa do ato. Uma das organizadoras, Rafaella Jaeger, disse que o ato foi organizado porque a atual conjuntura requer a união e mobilização da juventude e da classe trabalhadora para barrar os retrocessos do Congresso conservador. E concluiu que os jovens pretendem continuar a mobilização com grupos de conversa e debates para prosseguir na luta contra a PEC. Apesar de ter sido aprovada no plenário da Câmara dos Deputados e ter seguido para o Senado Federal os jovens estão unidos e mobilizados para prosseguir na luta por direitos e contra as injustiças sociais.

Walaziana da Silva, Lorraine Amaral, Cassiane Peixoto E Jessica Tardem A internet é considerada um dos maiores meios de comunicação para os jovens. Na pesquisa realizada pela equipe de jovens pesquisadores do Ponto de Cultural Rural/UFFRJ com as turmas 7º, 8º e 9º do CEFFA Flores em Vargem Alta, observamos que a maioria tem acesso à internet e que utiliza redes sociais como Facebook e WhatsApp. Entre os dados levantados identificamos que algumas pessoas conversam e marcam encontros com estranhos, sem considerar o perigo que atitudes como essa podem acarretar. Para levantar o debate na escola a equipe do território de Vargem Alta exibiu o filme “Confiar”, que relata a história de uma jovem que confiou num estranho e que ao marcar um encontro acabou sendo abusada sexualmente. Depois realizamos um debate para relatar os perigos da internet e também mostrar os riscos que corremos sem saber.

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Juventude da Região Serrana

Mostrando a sua cara! O Projeto Formação Cultural dos Jovens Rurais em Cultura e Comunicação Comunitária possui como filosofia e dinâmica de funcionamento a Pedagogia da Alternância; alternar e integrar tempos e espaços distintos. A Alternância principal ocorre entre o Curso de Extensão em Cultura e Comunicação Comunitária (180h) com atividades no chamado Tempo Sobrado Cultural Rural e a atuação semanal dos Orientadores das 03 Linhas de Pesquisa (História Oral e Memória Social; Imagem e Mídias; Produção Literária e Comunicação Comunitária) nos 04 Territórios (Lumiar, São Pedro da Serra, Barra Alegre e Vargem Alta). O Curso e as Linhas de Pesquisa nos Territórios vão consolidando uma atuação onde as atividades de formação no Curso não se distanciam de um estudo da realidade local, fazendo surgir imagens, charges, poesias, feitas pelos/as jovens sobre si, sobre o que pensam e debatem sobre o mundo e seus territórios. Portanto, a filosofia da alternância nos permitiu integrar as produções que ocorrem no Curso e nos Territórios, surgindo deste modo as Atividades Culturais nas Escolas, o Jornal Mural e a Revista Território Rural - O Catiço, como processos de construção coletiva do conhecimento.

A partir das atividades já implementadas neste primeiro momento do projeto está sendo possível visualizar um panorama de temas trazidos e vivenciados por esses jovens, fazendo ver e ouvir seu cotidiano. Em pesquisa realizada com integrantes do projeto e outros das escolas envolvidas, por exemplo, foram trazidos como fatos marcantes das suas trajetórias de vida: as mudanças (sejam elas de endereço, de escola ou na família), acesso às tecnologias, primeiros relacionamentos, estudos, envolvimento com bebida alcoólica ou drogas, música e outros. A partir de suas histórias de vida tem sido possível perceber, entre outras coisas, a diversidade presente nas comunidades rurais e também a ausência da garantia de direitos para os jovens que residem nestes territórios, que chamamos de fronteira rural desta região, pois envolve áreas rurais dos municípios de Nova Friburgo (São Pedro da Serra, Vargem Alta e Lumiar), Bom Jardim (Barra Alegre) e Trajano de Moraes (Dr. Elias). Há histórias de jovens, por exemplo, que vêm de outras localidades com suas famílias, atraídos pelo estilo de vida do campo, mas que não chegam a estabelecer de fato um contato com a terra. Também o fato de que, aqueles que têm contato com a agricultura, começam esta


relação de trabalho cedo. A parcela de jovens que têm ou já tiveram contato com a agricultura familiar está, em peso, nos territórios de Barra Alegre e Vargem Alta. Enquanto a maioria daqueles que não têm contato pertencem às áreas de São Pedro da Serra e Lumiar, locais com forte apelo turístico. Em outra pesquisa realizada entre os agentes e com auxílio dos monitores no intuito de pensar o que é ser jovem em seus territórios pudemos perceber alguns temas que os e as jovens ressaltam como temas importantes em suas vidas. Dos mais marcantes trazidos podemos destacar questões de gênero e sexualidade, o que freqüentemente gera comentários e posicionamentos de vários membros do grupo, concluindo que esta é uma pauta importante para a juventude, sobretudo nos territórios em que se encontram. O posicionamento sobre a discussão da política de drogas também é bem presente, mostrando diversas opiniões num

debate atualizado do tema. Questões sobre religiosidade também apareceram, ressaltando o cristianismo como uma narrativa quase hegemônica na região, embora existam outras religiões nos territórios, mesmo que em menor número, e os jovens reconhecem isto. Diferente deste imaginário presente na sociedade onde os e as jovens são identificados como descompromissados, despolitizados, sem responsabilidade, o que temos vivenciado nestes meses aponta para outra realidade, onde os jovens se preocupam com temas globais e locais, construindo trajetórias, mesmo diante das adversidades impostas pelos descaso com a juventude destes territórios. Nesta perspectiva, o estudo da realidade dos jovens a partir dos jovens tem mostrado quais os interesses, opiniões e perspectivas destes sujeitos tão diversos. Com isto, pretendemos fortalecer cada vez mais este grupo para conhecer, refletir e atuar em suas realidades.

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Fechar Escol a

é crime Roberta Lobo

O Censo Escolar do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) de 2015 apresentou o seguinte dado: 37 mil escolas do campo fechadas nos últimos 15 anos. Do triste cálculo temos: ao longo de um ano 8 escolas do campo são fechadas por dia em todo o País. Somente no ano de 2014 foram fechadas 4.084 escolas. Desde 1998, com o surgimento da Articulação do Movimento Por Uma Educação Básica do Campo composta por MST, CNBB, Unicef, Unesco e UnB, todos os esforços apontavam para lutas unitárias por políticas públicas de educação do campo, fortalecendo o reconhecimento das experiências pedagógicas dos sujeitos do campo pelo sistema público de educação. Em 2002, a criação das Diretrizes Operacionais da Educação Básica do Campo (Parecer CNE/CBE 36/2001 e Resolução CNE/CBE n°.1 2002) e o Parecer CNE/CEB n°.21/2002, que reconhece as Casas Famílias Rurais, foram os primeiros passos para a institucionalização da Educação do Campo. Depois em 2006, tivemos a criação do Parecer CNE/CEB n°.11/2006, que refere se à aplicação da Pedagogia da Alternância nos Centros Familiares de Formação por Alternância (CEFFAS); entre 2005 e 2007, a criação no MEC do PROCAM-

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PO/Programa de Apoio às Licenciaturas em Educação do Campo e o surgimento das ExperiênciasPiloto da Licenciatura em Educação do Campo. Em 2011, são mais de 30 Cursos de Licenciaturas em Educação do Campo nas Universidades e Institutos Federais. Mas e as escolas fechadas? O que vemos hoje é o fracasso da política de educação do campo, onde os municípios alegando ausência de alunos e verbas para a manutenção das escolas são tiranos no massacre ao direito à educação das crianças e jovens do campo. 83 mil alunos foram atingidos com o fechamento das 37 mil escolas em todo o País entre os anos de 2000 e 2015. Formar professores e fechar escolas, imagens da contradição em andamento que atinge o distrito de Santo Antônio, conforme a reportagem dos jovens deste território. A Escola Municipal Vieira Batista está localizada no distrito de Santo Antônio do Município de Bom Jardim. A Vieira Batista era um CEFFA, Centro Familiar de Formação por Alternância. A tradição da Escola Família Agrícola no Brasil se iniciou nos anos de 1960 e construiu a base para o reconhecimento do que hoje chamamos de Pedagogia da Alternância. Alternar e integrar os espaços e tempos na formação das crianças e jovens. O tempo comunidade que alterna e integra com o tempo escola na produção dinâmica do conhecimento, participando do mundo da produção da vida e da comunidade como um todo. A alternância possibilita uma integração real da produção do conhecimento com a prática comunitária. Recentemente, o ex-Ministro da Educação Renato Janine Ribeiro se declarou surpreso diante da grandeza das Escolas Família, pois no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) de 2014 as Escolas Familiares Agrícolas estão entre as melhores instituições que atendem os alunos de nível sócioeconômico baixo. Lutar pela Escola Vieira Batista, agora e depois do Projeto, porque Fechar Escola é Crime!!!


depoimento Escola para Comunidade Rural Dayane das Graças M. Philot A escola é um lugar de convivência e aprendizado. Contribui para termos um futuro melhor e de qualidade. Mas atualmente a Prefeitura parece não pensar desse jeito. Fecham as portas de milhares de salas de aula, afetando direta ou indiretamente cada um de nós. A Escola Vieira Batista, localizada no distrito de Barra Alegre, em Palmeirinha, está sendo fechada. Essa escola tinha uma rotina diferente das escolas que estamos habituados. O aluno ficava uma semana em casa e uma na escola. A Escola Vieira Batista não deve fechar, pois é de qualidade e conta com ensino voltado para a área agrícola, que é a área local. A família e a comunidade estão sempre interagindo, ajudando e colaborando. Uma escola que luta para oferecer um ensino de qualidade e um maior conforto para o aluno. Vieira é uma escola familiar. Com ela aprendi várias coisas como: união, empenho, parceria, colaboração, amizade. Quando estudei lá, em 2011, era CEFFA (Ibelga). Havia um projeto de alternância, em que ficávamos uma semana em casa e outra na escola. Quando estávamos em casa havia várias tarefas a serem realizadas e todos os dias tínhamos que relatar o que fizemos, em um caderno. Tínhamos aula de zoologia e agricultura. Visitávamos fazendas, plantávamos em nossa própria horta na escola. Hoje em dia acabou o CEFFA e cada ano diminui uma turma, já que as matrículas foram fechadas. Temos que reabri-las, pois foi nesse espaço que aprendi a ser amigo, ser família e a ser comunidade Ser é melhor que ter, mas muitos levam isso ao contrário. A escola sendo menor permite um contato direto com o aluno, professor e diretor. Ganha uma intimidade e com isso flui melhor o ensino. O ambiente familiar é muito importante.

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A juventude em Serra das Almas:

Ontem e hoje! Elizeu Moreira da Silva Todos os dias pela manhã eu ia para a escola, e à tarde seguia para a lavoura com meus pais. Lembro-me que não tinha muitos brinquedos, mas me divertia muito fazendo bonecos com batata-doce ou então ficava brincando com a água. De noite quando chegava em casa corria para assistir TV e sempre tentava ficar acordado até mais tarde para ver o futebol, porém nunca conseguia. Estudei o ensino fundamental na Escola Dr. Elias, localizada em Monte Café. Sinto saudades daquela escola até hoje. Quando concluí o ensino fundamental fui obrigado a trocar de escola e iniciar o ensino médio no CELOS, em Barra Alegre. Nesse momento comecei a enfrentar o meu primeiro desafio, que era a distância e a dificuldade de deslocamento até o local da escola. Na época, um trecho da estrada que ligava Serra das Almas não era asfaltado e quando chovia a estrada ficava cheia de lama. O ônibus não entrava, sendo assim eu era obrigado a realizar esse percurso de bicicleta, que na maioria das vezes me deixava a pé. Devido às dificuldades enfrentadas, estudei no CELOS apenas um mês. Troquei de escola e passei a estudar em Visconde de Imbé no turno da manhã. Fiquei na escola apenas até o término do primeiro semestre e depois acabei

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passando a estudar por supletivo, pois queria trabalhar para poder me tornar independente. Meus pais sempre se esforçaram para não deixar nada faltar, mas devido às dificuldades que surgiam nem sempre isso era possível. Por outro lado, também não achava justo ficar dependendo totalmente deles. Atualmente, devido ao avanço da tecnologia e também de melhorias na infraestrutura, os jovens que vivem aqui passaram a ter menos dificuldades e também mais oportunidades, alguns exemplos de melhoria são: o asfaltamento do trecho que eu fazia de bicicleta para estudar; a chegada da internet que trouxe mais informação; telefonar tem ficado cada vez mais fácil, pois quase todo mundo tem um telefone em casa, ou mesmo um celular; a Prefeitura disponibiliza meio de transporte para os jovens cursistas e também universitários, entre outras melhorias. Devido a estes grandes avanços, principalmente o acesso à informação, os pais dos jovens de hoje estão passando a ter um pensamento diferente de antigamente, passando a dar mais importância à educação de seus filhos, além de passarem a enxergar novos caminhos e possibilidades de profissionalização sem precisar sair daqui.


Contar histórias é existir! “Quem encontra ainda pessoas que saibam contar histórias como elas devem ser contadas? Que moribundos dizem hoje palavras tão duráveis que possam ser transmitidas como um anel, de geração em geração? Quem é ajudado hoje por um provérbio oportuno? Quem tentará, sequer, lidar com a juventude invocando sua experiência?” Walter Benjamin Eloísa Lopes A partir das perguntas que iniciam este ensaio, gostaria de propor uma breve discussão – que talvez, pela duração, sirva mais como provocação – sobre memória, identidade e conhecimento. A partir do Projeto de Formação Cultural dos Jovens Rurais em Cultura e Comunicação Comunitária (Ponto de Cultura Rural e LEC/UFRRJ), que atua em territórios rurais na região serrana do Rio de Janeiro, tem sido possível, junto com as juventudes locais, realizar uma série de pesquisas nestas áreas. Sobretudo pesquisas que contam as histórias dos sujeitos desta região, trazendo suas lembranças, seus saberes, suas artes. Mas, afinal de contas, qual a importância destas histórias? Uma história nunca é apenas uma história. Nela estão em jogo questões sobre a memória, a identidade e o conhecimento de um povo. Quando uma história é contada, ela é capaz de transmitir muito mais do que os dados nela contidos, passa também valores, idéias e conceitos que formam os sujeitos do grupo, atuando na maneira que este se coloca diante da vida e dos outros. Por isso temos considerado a valorização desta memória coletiva como um fator marcante para a resistência da cultura e tradições do campo; na medida em que são recontadas (re-conectadas) pelas gerações

mais novas, as histórias também repassam os sentimentos de pertencimento, de orgulho e identificação. Estamos falando aqui de uma prática talvez universal, embora cada vez mais rara: a escuta dos mais novos às histórias dos mais velhos. Quem não se lembra de ter ouvido histórias dos mais velhos na família? Quem não tem uma história para contar ou recontar? O desenvolvimento de pesquisas sobre as histórias locais pelos jovens da região serrana vem respondendo também a esta necessidade: a de valorizar a memória coletiva dos territórios no fortalecimento das identidades do campo. Nisto as juventudes de Barra Alegre, São Pedro da Serra, Vargem Alta e Lumiar cumprem um papel primordial: ao recontarem as histórias de seus antepassados, reinventam os saberes e fazeres tradicionais da terra, indo contra uma cultura globalizante que vem eliminando as histórias que lhe parecem sem importância ao longo do tempo – com isso, também eliminando seus sujeitos. Contar as lendas e histórias da nossa gente, como as da rezadeira de Lumiar, Dona Hilda, ou do Mestre Popular Toninho Mafort, é também um jeito de lutar e estar verdadeiramente conectados uns aos outros. Contar histórias é resistir! Contar histórias é existir!

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Um

Lendas Locais:

pouquinho da cultura

Lumiarense

Inara Garcia, Joana Tapea, Verônica Heringer

Noiva de Três metros Conta Dona Hilda que certo dia, suas filhas saíram para ir ao banheiro, que naquela época era do lado de fora de casa. Quando voltaram estavam assustadas e sem fala. Dona Hilda rezou as filhas que falaram ter visto uma noiva. Noiva essa que só crescia. A noiva ficava gigante e jogava pedrinhas nelas. (Imagina o medo das coitadas!!!)

Lobisomem

Dona Hilda Hilda Maria Pinto de Aguiar, mais conhecida como Dona Hilda, é uma rezadeira, moradora de Lumiar. Dona Hilda nasceu no dia 28 de novembro de 1934, em Rio Bonito de Lumiar. Mulher firme que coleciona 80 anos de muita sabedoria e luta. Ela reza desde nova e diz que começou vendo sua mãe rezando. Dona Hilda reza desde dor de dente até para ter sucesso no vestibular.

Dona Hilda relata que um dia, voltando da missa, se deparou com um lobisomem. O bicho tinha cabeça de bezerro e casco de cabrito. Dona Hilda diz que o lobisomem pode assumir qualquer forma, basta rolar três vezes para um lado e três vezes para o outro. Ela também conta que o mesmo lobisomem também foi visto por seu marido.

Singela Homenagem: Mestre Toninho Vicente Chi

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Antonio Everaldo Mafort, Mestre Griô, reconhecido como mestre de sabedoria popular pelo Ministério da Cultura, grande fazedor de balaios, lavrador e morador de São Pedro da Serra e de Santo Antonio. Fez a passagem em 26 de junho de 2015. Como bom antigo desta região, valorizava sua trajetória, vinda de tempos de privação e dificuldades, marcadas nas mãos calejadas que lavrava terras que não lhe pertenciam. Valorizava a história local e quem por ela se interessasse. Gostava de falar, de contar casos, sem nunca tirar o cigarro da boca. Deixou filhos bem-educados. Morre com ele um pouco de São Pedro da Serra e de Santo Antonio.


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