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Não somos nós falando sobre nós
“Aescrita é a libertação, é um espaço que você pode utilizar a criatividade para discutir temas que muitas vezes são reprimidos no cotidiano e na oralidade. Então você pode utilizar a escrita como um escape para fugir dessa realidade que pode ser tão massacrante.” A frase é de Karollyne Silva Ferraz, 25 anos, advogada, que tem a escrita inserida na sua vida em diversos campos: acadêmico, dentro da sua atuação profissional e na militância nos movimentos sociais.
A escrita pode ser um ato de libertação, mas também pode ser elitista e limitadora. Em muitos casos, exclui a população LGBTQIAP+, que está inserida em contexto de vulnerabilidade e, por conta disso, acaba não acessando esses espaços, não conseguindo discutir temas que são da sua própria realidade. De acordo com Karoline, na escrita acadêmica não é diferente, pois a representação que existe vem do outro. Em alguns livros dentro do Direito, sua área de atuação, por exemplo, a temática LGBTQIAP+ é escrita por pessoas cisgêneras heterossexuais, que acabam ocupando o local de fala dessa comunidade.
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Ainda trazendo pontos citados pela advogada que ressoam em torno da oportunidade de crescer no ramo da escrita acadêmica, não existe estímulo para que temas voltados à população LGBTQIAP+ sejam mais discutidos. Pois a comunidade é colocada à margem da sociedade. A sexualidade e o gênero ainda são tabus sociais e temas não estimulados a serem discutidos dentro das escolas e Universidades.
Nos espaços educacionais, as pessoas LGBTs sofrem processos violentos de opressão para tentar se adequar às normas sociais. Não é comum ver muitos textos acadêmicos que trabalham e que trazem a perspectiva da primeira pessoa, do indivíduo falando da sua realidade, em espaço de protagonismo.
“Não somos nós falando sobre nós, não somos nós falando das nossas demandas, dos problemas que a gente enfrenta”. Karoline reflete que as experiências LGBTQIAP+ são faladas em terceira pessoa, partem de escritos de outras pessoas que não têm essa vivência, o que acaba tirando o protagonis- ção ainda muito pequena, tanto do ponto de vista dos temas de pessoas trabalhando com o tema LGBTQIAP+, quanto de pessoas que publicamente tenham essa representação da sua orientação sexual”, nessa declaração, Ricardo Alvarenga, 30 anos, professor universitário e jornalista, dialoga com o depoimento de Karoline. Ele também acredita que assim como em outros âmbitos da sociedade, ser uma pessoa lgbtqia+ dentro da Academia ainda é um grande tabu. Apesar do tema ser tratado com mais naturalidade, ainda não é o suficiente para se dizer que isso é uma questão resolvida. vou ter interesse em escrever? Por que vou escrever sendo uma pessoa assumidamente LGBTQIAP+? Parece que não há espaço para esse tipo de produção, então precisamos de uma mudança na sociedade”, afirma Alvarenga. Uma mudança estrutural da sociedade é urgente para que as pessoas LGBTQIAP+ deixem de ser vistas como objetos e passem a ser compreendidas como sujeitos de suas próprias histórias.
A escrita como estratégia de luta “A escrita é primordial para que se possa elaborar estratégias de luta, resistência e formação política da comunidade LGBTQIAP+. Digo isto, porque nós, LGBT’s, somos uma parcela da sociedade carente de conhecimento”, declarou Jean Pierr, 39 anos, estudante de Sociologia na Universidade Federal do Maranhão, escritor que integra a comunidade. Os sujeitos LGBT’s muitas vezes não têm o reconhecimento merecido por vários motivos: primeiro, por conta da homofobia. Segundo, por serem marginalizados socialmente. mo da comunidade, que de fato vive as opressões diárias, que tem capacidade e qualificação suficiente para falar das demandas e reivindicações de forma técnica e acadêmica. Posto isso, tem uma discussão na Academia sobre ser sujeito ou objeto de estudo. Em muitas publicações, a comunidade LGBTQIAP+ é reduzida a objeto de estudo.
Jean Pierr trabalha com questões relacionadas ao ativismo LGBTQIAP+, atuando na formação política através de apresentações em Rodas de Conversa e Seminários (Universidade, escolas públicas e atividades do Coletivo LGBT ArcoITZ). O estudante de sociologia faz leituras que se conectam às suas próprias vivências enquanto pessoa gay. Por isso, indica o livro “Direitos em Disputa - LGBTI+: Poder e Diferença no Brasil Contemporâneo”, da autora Regina Facchini. Este, em especial, ele lê para pensar e repensar as lutas por direito e saúde.
Pierr expôs, ainda, que suas leituras o ajudam a contribuir com o coletivo LGBTQIAP+ de Imperatriz, considerando o fortalecimento do corpo coletivo e a construção de uma visão crítica do espaço municipal, na identificação de opressões e violências homofóbicas. Ele reitera que muitas pessoas da cidade maranhense dizem nunca ter sofrido LGBTfobia. No entanto, para Pierr, existem preconceitos diários na cidade.
“Eu sinto uma representa-
Para o professor e pesquisador, a primeira mudança que a sociedade precisa ter é na forma de compreender o sujeito. O preconceito que existe contra os membros da comunidade lgbtqia + é muito grande. Isso acaba gerando um constrangimento e um fechamento para as possibilidades de crescimento. “Então se eu cresço em uma sociedade que não me valoriza, que não valoriza minha fala, minhas ideias, por que que
ESCRITA SITUADA
Invisibilidade e marginalização LGBTQIAP+ na literatura brasileira: a importância de ressignificar as representações sobre a comunidade e de reconhecer o lugar de protagonismo através da escrita