IMPRESSÕES Leitura
Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará (UFC) – Ano 4 – Nº 28 – Janeiro de 2014
Foto: Banco de dados O POVO
Livros digitais
Um novo jeito de ler e de ser lido
Como os e-readers conquistaram os consumidores e transformaram a maneira de se publicar um livro Páginas 8 e 9
Foto: Vicente Neto
Entrevista: Kamille Girão
Terceira idade
Foto: Tamara Lopes
Idosos se apropriam de tecnologias para desbravar o universo literário
Página 6
Portáctil Publicação
Novas tecnologias possibilitam lançamento de livros
Conheça caminhos para a autopublicação, utilizando-se das possibilidades da web. Financiamento coletivo é uma das alternativas
Páginas 4 e 5 “O pessoal tem preconceito com Sala de aula livro digital, ainda O uso de tablets como ferramenta de ensino tem apego ao O equipamento é adotado por escolas como plataforma de acesso ao físico” material didático de forma dinâmica. A eficácia, no entanto, é Páginas 12 e 13
questionada
Tecnologia cearense inova em acessibilidade para cegos Página 10
Rede social
Skoob proporciona espaço de interação para autores, leitores e editoras
Página 14 Página 7
Impressões Leitura
IMPRESSÕES LEITURA
Jornal Laboratório produzido pela turma do 7º semestre do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará (UFC)
Tema da edição: Leitura e novas tecnologias
Repórteres: Amanda Araújo Frota,
Bárbara Danthéias, Bruna Luyza Forte, Carolina Esmeraldo, Carolina Areal, Cris Lima, Débora Lopes, Eduarda Talicy, Fátima Babini, Felipe Martins, Gleyce Any Castro, Isabele Câmara, Jully Lourenço, Mikaela Brasil , Paulo Renato Abreu, Rachel Gomes, Renan Vidal, Rosana Reis, Taís de Andrade, Thinayna Máximo, Vicente Neto e Vicente Olsen
Editores: Raissa Sampaio, Saulo Lucas e Víctor Ramalho
Editora Geral: Camila Mont’Alverne
Tiragem: 1.000 exemplares
Projeto gráfico e diagramação: Aman-
As opiniões expressas em artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores.
da Araújo, Clarissa Augusto, Ed Borges, Juliana Braga, Marcella Macena, Tamara Lopes, Thamires Oliveira
Charge
Leitura e novas tecnologias: a tecnologia não resolve sozinha
Por Juh Braga
E
preparo para lidar com elas e a disposição dos agentes envolvidos no processo. Se a pessoa não tinha o hábito da leitura anteriormente, dificilmente o contato com um tablet acarretará uma mudança na situação. É problemático, portanto imputar a culpa sobre o desinteresse das pessoas pela leitura às novas tecnologias. A matéria sobre a publicação de livros se utilizando das possibilidades da internet mostra como a rede permite diversificar a produção e ampliar a oferta de material, contrariando a visão dos que só veem malefícios na digitalização da leitura. Na que aborda o dispositivo Portáctil, é possível entender como os avanços podem servir também para ampliar a possibilidade de leitura aos que possuem limitações físicas. Por outro lado, a reportagem sobre a adoção de tablets para auxiliar no processo de
alfabetização vai de encontro à perspectiva dos entusiastas das tecnologias, ao mostrar que, não necessariamente, o contato com as ferramentas digitais resulta em um processo de aprendizagem mais satisfatório. É preciso questionar a ideia de que a internet e as novas tecnologias poderiam resolver problemas e suprir déficits que são anteriores ao contato com as ferramentas digitais. É necessário levar o debate a outro nível. Deve-se relativizar a importância das tecnologias digitais, especialmente em relação aos efeitos da utilização. A adoção de posições mais cautelosas permite que se pondere de forma sensata os benefícios e malefícios advindos com as possibilidades oferecidas pelas novas tecnologias, que devem ser encaradas dessa forma: como possibilidades. A decisão do que fazer com elas está na mão do usuário.
Artigo
Tecnologias digitais e o futuro da Educação Por José Aires de Castro Filho* *Professor Associado e vice-diretor do Instituto Universidade Virtual da UFC
A
s tecnologias podem redimensionar os tempos e espaços de aprendizagem, levando o conhecimento para fora das fronteiras da escola. As tecnologias digitais disponíveis em larga escala na sociedade atual possibilitam um acesso quase sem limites à informação em variados formatos. Além do registro oral e escrito, encontramos representações audiovisuais e multimídia. As tecnologias também permitem uma maior criação por parte dos alunos, a partir de seus interesses. Os jovens que têm acesso à tecnologia tiram fotos, criam e editam textos e vídeos e compartilham sua produção em redes sociais, passan-
do de meros consumidores a produtores de conteúdo. Qual o papel das tecnologias na Educação Contemporânea? As experiências registradas nas escolas participantes do Projeto Um Computador por Aluno (UCA) nos ajudam a pensar os rumos que a Educação deve tomar. É fundamental ter disponibilidade para um uso intensivo da tecnologia por parte de professores e alunos. A formação deve possibilitar que o professor integre a tecnologia ao currículo de forma inovadora, ampliando as formas de exposição do conteúdo e dando oportunidade aos alunos de produzirem conhecimento em diversos formatos
e em coautoria com professores e outros colegas. As tecnologias podem ainda redimensionar os tempos e espaços de aprendizagem, levando o conhecimento para fora das fronteiras da escola e permitindo a integração de alunos de diferentes localidades através de projetos colaborativos que tragam respostas para questões significativas para os alunos. Por fim, o currículo deve ser redimensionado para se tornar menos rígido e linear e mais flexível e hipertextual, abrangendo conhecimentos da várias áreas. Essa deve ser a “Educação do futuro” almejada por todos nós.
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Impressão: Impressa Universitária
Professor orientador: Edgard Patrício
Editorial
ncerrando o Impressões neste semestre, esta edição problematiza a relação das novas tecnologias com a leitura. O tema é delicado, mais ainda quando se leva em conta discursos, cheios de certeza, sobre a influência das novas tecnologias no hábito de ler e sobre o aprendizado. Buscando fugir do determinismo tecnológico – que enxerga as novidades como boas ou ruins por si sós – o Impressões propõe debater as implicações que a adoção de tablets, e-readers e outros aparelhos pode trazer, do produtor ao leitor. É necessário ter em mente, ao levantar qualquer discussão sobre tecnologias digitais, que elas são ferramentas e, por isso, dependem de quem as operam para servirem a um fim mais nobre ou não. Não faz sentido, portanto, debater somente sobre as inovações, sem levar em conta outros aspectos, como o
Ilustrações: Juliana Braga
Crônica
Sobre encontros criadores Por Vicente Neto
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uando de longe Lúcia avistou José Newton tentando atravessar a av. Abolição, lá na altura do Ideal Clube, a sobralense recém-chegada à Capital não hesitou: – Posso ajudar o senhor? – Ah! Obrigado minha, filha. Não imaginava que aquela gentileza a levaria também a cruzar uma linha. Ao auxiliar aquele senhor cego a completar o percurso, Lúcia dava os primeiros passos do caminho que ela própria iria trilhar vida adiante. – A moça vem do trabalho? – Perguntou José Newton. – Não. Procuro emprego. Minha irmã quer que eu trabalhe no comércio. Mas queria isso pra minha vida não, sabe? – Gosta de ler? – Amo! – Estou trabalhando uma ideia que tive. Se me ajudar, terá um emprego onde vai poder ler muito. Lúcia se empolgou. Nos meses que se seguiram, virou a principal aliada de José Newton na luta pela implantação do primeiro espaço de leitura para cegos do Estado do Ceará. Ousada e comunicativa, a moça chegou a furar a segurança do governador em um evento para pedir, num pequeno pedaço de papel, que a ideia fosse apreciada. – Coronel Virgílio! Coronel Virgílio! Deu certo. Virgílio Távora, governador em 1979, recebeu a dupla e o projeto escrito de um acervo público em braile. Naquele mesmo ano, a Biblioteca Estadual Menezes Pimentel passava a abrigar o espaço idealizado por José Newton e a receber os primeiros visitantes. Passados 34 anos, Lúcia segue no trabalho que escolheu para sua vida. Coordena o setor braile da principal biblioteca pública do estado. Newton se aposentou com missão cumprida. O sonho está materializado em três mil obras impressas em braile e mais de quinhentas em áudio. A história que nasceu de um encontro ao atravessar a rua, hoje, possibilita outros encontros, bonitos, fundamentais, criadores: entre as pessoas cegas e o mundo letrado.
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IMPRESSÕES – LEITURA
Perfil
Cotidiano tecnológico e leitura: as respostas e perguntas de uma criança que (já) lê
Fotos: Vicente Olsen
Miguel Olsen, com seus recém-completados seis anos, é exemplo de uma nova forma de aprendizagem: crianças que leem – e digitam – antes mesmo de serem alfabetizadas normalmente na escola Por Vicente Olsen
Miguel, de 6 anos, aprendeu a ler e digitar antes mesmo de fazer a 1ª série. Nas fotos, ele mostra um dos seus aplicativos de leitura preferidos, o Varal de Letras
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presença dessas tecnologias em diversos lugares, e para que tal comportamento esteja ainda mais difundido e presente. As crianças de hoje crescem acompanhando essas tecnologias, comuns em seu cotidiano, elas imitam os pais no uso dessas ferramentas. Com Miguel não foi diferente, o jovem estudante passou, aos poucos (mas desde muito cedo), a mexer no computador e no tablet, buscando por conta própria os vídeos que tanto mostravam para ele. Identificando os navegadores de internet e acessando o Youtube, seja em tablets, computadores ou notebooks, Miguel indagava “como é que escreve galinha pitadinha?”. Seus parentes soletravam “G-A-L-I-N-H-A...”, enquanto ele ia digitando lentamente no teclado do computador. Selecionava o vídeo que queria assistir, por
Foto: Vicente Olsen
esde pequeno, ainda com menos de dois anos, o estudante Miguel Olsen já se aventurava à frente da tela do computador. Era comum aos tios, avós e primos mais velhos colocarem os principais “aliados” daqueles que buscam um pouco de tranquilidade nos lares tão agitados por crianças: vídeos da Galinha Pintadinha, dos Backyardigans e de outros personagens infantis no Youtube, repetidos à exaustão. Essa prática não é exclusiva da família de Miguel. Vários pais, que buscam calmaria nos lares, pelo menos por alguns minutos, recorrem a esses “aliados”. Os novos dispositivos tecnológicos se tornaram mais baratos, com fácil manuseio e, por isso, mais comuns. A portabilidade dos tablets, smartphones e gadgets contribui para a
Enquanto conversávamos, Miguel brincava com letrinhas de madeira
vezes (muitas vezes!) repetia a exibição e, aproveitando os vídeos relacionados, montava sua própria programação. Futuro “Doutor do ABC” Miguel passou por média no infantil 5. “Muito fácil”, gabou-se com ênfase no “muito”. Vai cursar o primeiro ano do ensino fundamental (antiga alfabetização) em 2014. Na escola em que estuda, terá um iPad disponível para ajudá-lo com a aprendizagem da leitura e da escrita, “vou ter tablet só próximo ano, vou ter que fazer tudo bem depressa” e, esperançoso, pretende “aprender a fazer a agenda sozinho”. Obviamente que o ônus do uso desse dispositivo recai sobre os pais, que arcam com todo o material escolar, no qual está incluso o tablet. O autodidata leitor confessa gostar mais de digitar no tablet, mas afirma que no computador é mais fácil. Ambos, no entanto, são “mais legais que escrever no papel”. Afirmou também, de supetão: “Escrevo, mas às vezes eu erro, na prática eu vou conseguindo. Na letra cursiva e naquela outra lá... lembrei: a pauta dupla”. O que então ele escreve, ou melhor, digita, com as novas tecnologias? O quê ele mais busca na internet? “O site que eu entro mais, tem muitos, mas [acesso] mais o Mundo Gloob”, afirmou, alertando “tu não vai
saber escrever, não”, ao mesmo tempo em que puxava o notebook das minhas mãos, para me auxiliar na escrita. Acrescenta ainda outros: “tem o Disney Júnior, o Discovery kids, também gosto do Nick Jr”. Em geral, estes sites reúnem vídeos, jogos educativos e imagens para pintar os personagens dos respectivos desenhos animados exibidos nos canais da TV por assinatura. Quanto ao tablet, Miguel disse que joga bastante nos aplicativos de incentivo à leitura “o de palavras (caça-palavras), os dois jogos da forca, coloca aí o da forca”, lembra. O falante estudante continua afirmando que utiliza também “o varal de letras”, o qual “é muito legal também para aprender a ler”. No entanto é sincero: “Eu curto todos, mas o que eu mais gosto mesmo é o Candy Crush”, o qual, infelizmente, não é um aplicativo para a leitura. Um lugar especial para guardar os livros Miguel diz adorar ganhar livros – e roupas – de presente, os quais guarda com muito carinho, principalmente aqueles que foram dados por alguém da família. “Debaixo de um monte de brinquedo eu tenho um monte de livro”. Perguntei quem mais o incentivava a ler, e ele, desconfiado, perguntou “incentiva?”. Quando explicado o que significava “incen-
tivar” esclareceu sem muita modéstia: “eu mesmo, mas eu não lia sozinho, quando fui fazer minhas primeiras palavras, minha vó me ensinou, agora eu consigo sozinho!”. Na finalização da nossa breve e divertida conversa, perguntei qual a leitura que Miguel mais gostava de fazer dentre todas as outras. Disse então que não lia revistinhas em quadrinhos, “nem da Mônica” e sem delongas, esclareceu: “antes de dormir eu gosto de ler a bíblia, a ‘Minha Primeira Bíblia’, do Padre Reginaldo Manzotti”, explicando que este nome se escreve “com dois t’s”. Mostrou-me então o belo exemplar, de capa dura, branco, adornado com tons dourados e bonitas ilustrações das histórias bíblicas, presente de aniversário de sua tia-avó.
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Quando fui fazer minhas primeiras palavras, minha vó me ensinou, agora eu consigo sozinho!
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IMPRESSÕES – LEITURA
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Novas tecnologias possibilitam publicação de livros impressos e digitais Não é mais preciso ser um imortal da literatura para publicar um livro com facilidade. A internet e outras ferramentas digitais estão democratizando o espaço editorial. Conheça, a seguir, caminhos para a autopublicação, com uma ajudinha da Web
Foto: Vicente Neto
Por Fátima Babini e Vicente Neto
Autores, como o professor de música Orlando Andrade, encontram na internet plataforma para publicar os livros, sem depender do aval de editoras nem de investimento próprio
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onan Doyle, Hemingway, Proust, Lima Barreto, escritores hoje renomados, tiveram uma experiência em comum. Todos tentaram publicar um livro e foram recusados por um editor. Havia uma coincidência em desfavor deles: produziram em épocas em que não existiam a internet e várias tecnologias digitais que hoje encurtam o caminho entre o autor e o leitor. Se estivessem escrevendo nos dias atuais e não fizessem questão de ter uma editora de grife chancelando suas obras, aqueles autores poderiam recorrer a diferentes estratégias na rede mundial de computadores para tirar os originais da gaveta – ou da pasta “livros a publicar” do computador. Entre as alternativas disponíveis, está o financiamento co-
letivo, conhecido no meio virtual como crowdfunding. Outra opção é participar de um clube de publicação e lançar o livro a custo zero, com impressão feita sob demanda dos leitores, pela internet. É possível também entrar numa rede social de autores e leitores, publicar os escritos instantaneamente e até encontrar colaboradores para enriquecer o trabalho. Vaquinha virtual Ter a publicação do livro financiada pelos leitores foi a saída encontrada pelos quadrinistas mineiros Jão e Bruno Pirata. Parceiros na criação do selo independente Passaporte, os rapazes aderiram ao crowdfunding para publicar os projetos e produzir como queriam, priorizando técnicas artesanais. “Lembro que o Pirata chegou
pra mim e disse que gostaria de fazer um projeto utilizando a plataforma Catarse para lançar [em livro] seu quadrinho Cidade Terra. Conversamos e resolvemos que, ao invés disso, tentaríamos algo mais ambicioso: a primeira leva de títulos do selo, completa”, Jão explica. A plataforma Catarse chegou ao Brasil em 2011 e foi a primeira de financiamento coletivo do país. Ela é uma grande oportunidade dos criadores de projetos conseguirem colaboradores para angariar fundos e colocar as ideias em prática. O sucesso do crowdfunding talvez se explique por ser um sistema onde todos levam vantagem. Os idealizadores recebem doações online para viabilizar seus projetos e os financiadores ganham recompensas de acordo com a quantia com que contribuem.
Jão e Bruno Pirata cadastraram o projeto Passaporte, com a meta de arrecadar sete mil reais até novembro deste ano, mês em que aconteceu o Festival Internacional de Quadrinhos, FIQ, em Belo Horizonte. O plano dos mineiros era lançar os títulos do selo no evento. E funcionou. Tudo graças aos 93 apoiadores da internet, que não só ajudaram os rapazes a cumprir a meta, como somaram ao valor inicial mais R$ 1.145. Um deles foi o jornalista, também mineiro, Rodrigo Castro. “Eu conheço o trabalho de ótimos cartunistas independentes que não têm como levantar recursos para publicar por uma editora, devido aos altos custos disso, e encontraram no Catarse, e no crowdfunding, a oportunidade de lançamento de projetos maravilhosos”, diz o apoiador.
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Os quadrinistas Jão e Mário Pirata arrecadaram R$ 8.145 reais na internet e publicaram uma coletânea em quadrinhos
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IMPRESSÕES – LEITURA Com o aumento dos trabalhos independentes, surge uma dúvida quase inevitável: será que a popularização da prática incentiva o surgimento de produções sem qualidade editorial? Para Castro, não em projetos de financiamento coletivo. “Nós [os leitores] escolhemos dar dinheiro para projetos diretamente, sem intervenções de ninguém – Estado, curadores, marqueteiros”, explica. “Somos nós que verdadeiramente controlamos o que sai [publicado] e o que não sai”, defende. Quer publicar? Bemvindo ao clube “No Clube de Autores, quem decide se quer ou não publicar é o próprio autor. Para isso, basta clicar em Publique seu Livro e seguir as instruções que aparecem na tela”. Estas palavras, lidas no monitor do computador pelo professor de música Orlando Andrade, puseram fim a uma busca e abriram caminho para a realização de um objetivo. Andrade elaborara um método de ensino para instrumentos de corda que, sem sucesso, havia tentado publicar em editoras tradicionais. Sem nome consolidado no mercado editorial, o músico pensou em financiar sua primeira publi-
cação, mas esbarrou nos altos valores exigidos pelas editoras para a impressão de tiragem mínima. A solução apareceu em um site de buscas. “Eu simplesmente digitei no Google: ‘quero editar meu livro’ e apareceu lá o Clube de Autores”, relembra Andrade. O professor criou uma conta no site. Em seguida, configurou o material que tinha, para adequá-lo ao formato impresso. Arquivo pronto, fez o upload do original. Uma hora depois, o método do professor de música de Caucaia, Ceará, estava disponível para ser vendido e enviado a interessados de qualquer lugar do Brasil ou do mundo. Quatro meses após a publicação, Andrade diz ter comprado 10 exemplares do próprio livro - que já revendeu a seus alunos - e afirma ter recebido do site direitos autorais pela venda de outros 15. Foi através da mesma ferramenta online que o cirurgião-dentista Amilton Costa, de Sobral, no interior do Ceará, conseguiu sua estreia literária. Ele queria combater o estigma que associa sua profissão a dor e medo. Desde 2007 postava crônicas, em um blog, com histórias ocorridas no consultório onde trabalhava, nas quais, com humor e sensibilidade, falava
Foto: Divulgação
PONTO DE VISTA
Por Ednei Procópio* *Pesquisador e especialista em livros eletrônicos e membro da Comissão do Livro Digital da Câmara Brasileira do Livro A tecnologia ajuda a disseminar o livro, digital e impresso, e democratiza o espaço editorial. Um número cada vez maior de ferramentas e processos tem viabilizado as obras de um crescente número de autores. Porém, mais autores não quer dizer mais qualidade. Boa parte das ferramentas não
dispõe de curadorias, com profissionais que zelem pela qualidade do que é publicado. O autor que se autopublica corre o risco de lançar a obra de forma amadora, o que é ruim para o leitor. É importante a democratização, mas é essencial desenvolver paralelamente estratégias para não criarmos uma geração de autores ruins.
Foto: Vicente Neto
Sophie Teles, estudante cearense, publicou o primeiro livro em rede social que reúne escritores e leitores do mundo inteiro da relação paciente-dentista. Em 2011, decidiu reunir os textos em livro. Procurou editoras convencionais, mas foi a proposta do Clube de Autores que lhe pareceu mais viável. “O ponto crucial foi não ter que investir nenhum valor para impressão. O Clube também parecia oferecer mais visibilidade e retorno”, justifica o dentista-escritor. Publicou. Em dois anos, o seu De Boca Aberta, foi parar nas mãos de 110 leitores, a maioria, de fora do Ceará. Em 2012, Costa lançou um romance, que soma até aqui quase uma centena de compradores. E já prepara um terceiro lançamento. Segundo Índio Brasileiro, sócio-diretor do Clube de Autores, a iniciativa tem tido sucesso por aproveitar um grande mercado inexplorado: “todo mundo tem uma história pra contar, um conteúdo pra dividir”, argumenta. Desde o surgimento em 2009, a empresa, sediada em São Paulo, já cadastrou 30 mil autores, dos quais 252 são cearenses. Pelo site, eles publicaram mais de 24 mil títulos e venderam cerca de 360 mil exemplares. Cada livro é impresso e enviado apenas quando um leitor faz um pedido, o que encarece o preço final. Mesmo assim, os autores veem vantagem em participar do Clube. Além de não precisar pagar pela publicação, eles definem quanto querem receber de direitos autorais. O valor compõe o preço final do livro, junto com o custo de impressão (que pode ser eliminado, caso o autor ofereça versão e-book) e com uma taxa fixa cobrada pelo site, em cada venda.
Widbook, a rede social dos livros Imagine todos os seus amigos do Facebook, subitamente, transformados em viciados em livros. De repente, ninguém faz mais nada na rede social, além de publicar romances, recomendar e comentar as obras uns dos outros. Parece irreal, mas essa rede social existe. Ela se chama Widbook e, curiosamente, foi criada em um país onde se lê apenas quatro livros por ano, o Brasil. Apesar da origem nacional, o Widbook foi criado para ser global. Todo em inglês, o site tem escritório nos EUA, que é onde está a maior parte dos 120 mil usuários. O Brasil é apenas o terceiro país em número de cadastros. A rede foi lançada em junho de 2012. De lá para cá, dois mil livros já foram publicados, em vários idiomas, e 10 mil estão sendo criados neste momento, como o da universitária Juliana Rios, do Rio de Janeiro. Mesmo não tendo finalizando ainda o romance, ela já compartilhou quatro capítulos iniciais com os usuários do Widbook. Espera concluir o livro em 2014, ter boa recepção na rede social e, quem sabe, conseguir uma editora que se interesse em publicá-lo impresso. “Ainda quero sentir as palavras no papel”, confessa a internauta escritora. Se depender da aprovação de Jadson Ribeiro, usuário que segue a publicação da carioca no Widbook, o sucesso está garantido. “Você é uma grande escritora”, escreveu no perfil da moça. De Fortaleza, a estudante do ensino médio Sophie Te-
les experimenta a liberdade da criação literária. “Eu ficava muito chateada quando lia um livro, gostava, mas o final não era o que eu gostaria. Aí eu pensei: vou fazer uma versão com o final que quero. E comecei a escrever”, conta ela, sobre seu início literário. No Widbook, ela é Blue Dammerung, pseudônimo com o qual assina o livro de ficção que já concluiu, aos 18 anos, e postou na rede. O Widbook também se propõe a ser um espaço de criação colaborativa. Juliana Rios e Sophie Teles, mesmo que nunca se encontrem presencialmente podem, se desejarem, um dia criar um livro juntas. Os membros podem publicar quase de tudo. Os termos de uso proíbem conteúdos protegidos por direitos autorais de terceiros, material pornográfico, textos que incitem a violência, o alcoolismo ou contrariem as leis e os direitos humanos. No mais, qualquer um pode publicar o que quiser, do jeito que quiser, sozinho ou com quem quiser. E nem precisa ser tão bom quanto Doyle ou Hemingway.
MULTIMÍDIA Em vídeo,autores contam mais detalhes de suas experiências de autopublicação. Confira conteúdo extra na internet: Entrevista com Sophie Teles: http://migre.me/gYAYm Entrevista com Orlando Andrade: http://migre.me/h0Sjq
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Inclusão digital
Terceira idade no terceiro milênio: a inclusão dos idosos no mundo virtual A apropriação das novas tecnologias de leitura pelos idosos surpreende e mostra que sempre é tempo de descobrir novas ferramentas Por Cris Lima e Rosana Reis
Foto: Jr. Panela
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A gente acaba incentivando que eles (os alunos da terceira idade) leiam, passo muita poesia para eles pesquisarem (na internet) e lerem
Aula de informática para idosos no Sesc
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ritas. Então eu procuro e leio pelo computador”. Maria Nilza adora ler e não cresceu usando o computador, como os netos, mas já se acostumou e abandonou o modo tradicional de ler livros. “Pelo computador eu não sinto sono, mas se eu me sentar pra ler um livro eu cochilo que só”. E as vantagens não param por aí. Com a internet ela descobre novos livros mais facilmente do que indo a uma livraria. “Eu estava lendo um livro pelo computador, chamado Pérola Negra, e vi outro com mesmo título. Aquilo me chamou atenção aí eu fui ler”. A dona de casa afirma também que encontrar o que não se está procurando é uma das maravilhas da internet e que, apesar de gostar de ir a livrarias, ao navegar na rede não é necessário sair de casa. Dona Maria Nilza diz que o melhor livro que já leu através do download pela internet foi “Mediunidade, desafios e bênçãos”. Inclusão digital e literária Professor de informática há 15 anos, Gregório Oliveira, 35, trabalha há 13 dando aulas para idosos no Serviço Social do Comércio do Ceará (Sesc-CE). O curso tem três módulos, com duração de seis meses cada. Ele afirma que a principal diferença em dar aula para idosos é no conteúdo e no ritmo
de ensino, ou seja, a paciência. “O idoso tem um ritmo de aprendizado mais lento do que os jovens e as crianças, a gente ensina mais lentamente e com muita repetição”. São ofertadas 30 vagas por semestre e Gregório afirma que a procura no Sesc é muito grande. “Pra você ter uma ideia, sempre que a gente abre vagas pra novatos, as filas são enormes. O pessoal chega lá 6 (horas) da manhã. O atendimento começa às oito, mas o pessoal chega seis pra garantir a vaga”. O professor atribui essa procura ao fato de que existem poucas ofertas de cursos de informática na cidade voltados para idosos e também à vontade que eles possuem de se atualizar. O curso parte do pressuposto de que o aluno não possui contato nenhum com o computador, ensina-se desde a ligar o aparelho até a navegar na internet, mandar e-mails e escrever textos. Gregório também é formado em Letras Português, e aproveita as aulas de informática para reforçar o hábito da leitura nos alunos. “A gente acaba incentivando que eles leiam. Passo muita poesia para eles pesquisarem e lerem. Uma vez que eles descobrem que a internet está lá e que podem acessar os assuntos mais diversos, muitas vezes, na hora do intervalo, eles ficam no computador pes-
quisando e lendo textos”. Pessoas da terceira idade utilizam as novas tecnologias para leitura de variadas formas. Alguns preferem ler no computador, outras somente pesquisar para depois imprimir. O fato é que fazer o download de textos e livros é comum entre eles, o que mostra o quanto a internet faz parte de seus cotidianos. O aposentado da Marinha Fernando Barros, 72, aluno de Gregório no Sesc, está fazendo o curso pela terceira vez e utiliza o computador há cinco anos. “É porque quando termina uma turma e vai começar outra eu procuro ver se tem alguma vaga, se tiver uma vaga eu me inscrevo novamente. Eu gosto sempre de estar me atualizando, sempre tem alguma coisa pra gente aprender”, explica. Fernando adora ler livros,
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mas não pelo computador. Porém, faz uso de novos métodos de leitura, pois se define como “muito curioso” e gosta de procurar textos na internet, principalmente, poesias, além de usar as ferramentas para escrever seu próprio livro. “Eu utilizo o computador também para escrever um livro das minhas memórias. O título é De mudança em mudança, o mundo mudou e nós também”. Outro aluno de Gregório Oliveira é o cirurgião-dentista aposentado Dilson Meneses, de 83 anos. Ele usa o computador há dez anos e passa três horas por dia fazendo pesquisa e procurando textos para ler. “Quando eu tenho um texto mais interessante eu imprimo pra ler, porque eu não gosto da leitura na tela, eu não me habituei. Acho a tela cansativa”. Foto: Bruna Luyza
utilização de novas tecnologias de leitura, como computadores, tablets, smartphones, faz parte do cotidiano de jovens e adultos. Assim como já invadiu a rotina dos idosos, que começam, aos poucos, a usufruir das facilidades trazidas com tais tecnologias. Segundo uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope), divulgada em fevereiro deste ano, 28% das pessoas entre 65 e 75 anos procuram se manter atualizadas com o uso da internet e computadores. A pesquisa foi realizada com 20.736 idosos, no período de julho de 2011 a agosto de 2012. Esse número pode parecer pouco, porém, para uma geração acostumada a esperar meses por uma carta, conhecer as possibilidades oferecidas com a internet é um desafio. Tal desafio foi encarado por Maria Nilza, 66, que é dona de casa e há cinco anos resolveu se aventurar no computador. Ela afirma que foi um modo encontrado para espantar a solidão, pois marido, filhos e netos passam o dia fora de casa. Dona Maria Nilza pediu para os netos a ensinarem o básico e sozinha aprendeu mais coisas, como baixar livros, por exemplo. “Eu pesquiso livros e tem livros que me chamam atenção. Eu sou espírita e gosto muito de ler os romances espí-
Dona Maria Nilza e sua paixão pela leitura
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Skoob
Rede social reúne apaixonados por literatura e novos escritores Foto: Divulgação
Autores, leitores e editoras possuem espaço de interação e se beneficiam com a rede social Skoob, site de relacionamentos gratuito criado no Brasil Por Bruna Luyza Forte, Eduarda Talicy e Carolina Areal
O perfil no Skoob permite ao usuário marcar os livros que já leu, tem interesse em ler ou abandonou
“O
que você anda lendo?”. Para os leitores ávidos, daqueles que carregam o livro na bolsa para ler em qualquer sala de espera ou até mesmo em um engarrafado percurso no trânsito, a pergunta provavelmente desenrola uma animada conversa. Quando uma obra literária nos faz “perder” noites de sono entre páginas da trama, compartilhar a leitura com os amigos é quase obrigatório. Nesse escambo cultural nasceu o Skoob, a primeira rede social exclusiva para literatura. Criado no ano de 2009 pelos amigos cariocas Lindenberg Moreira e Viviane Lordello, o Skoob é uma grande estante virtual com mais de 350 mil títulos, 10 mil autores e 26 editoras ca-
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ao tema, como o Orelha de Livro, desenvolvido pelo grupo MuccaShop. Catalogação e troca Leitora assídua e apaixonada por literatura, a estudante de Comunicação Aline Lima, 24, ingressou na rede social Skoob em 2011. “Essa mídia social me encantou desde que a conheci. Achei um espaço muito legal para ter mais informações sobre livros e para catalogar minha biblioteca. Adoro marcar os livros que li, que vou ler e os que possuo. Tenho cadastro no Orelha de Livro do blog Literatortura, no Goodreads (site de relacionamentos da Amazon), mas eles não conseguiram me conquistar como o Skoob”, conta. Para Aline, uma das maiores vantagens da rede social é a catalogação da biblioteca dela, assim como a possibilidade de conhecer mais livros através das resenhas de outros usuários. “Geralmente as avaliações são bem elaboradas e dão uma boa ideia da leitura. Um ponto positivo é que as pessoas leem de tudo, sem preconceito se é Crepúsculo (história americana sobre vampiros criada por Stephenie Meyer) ou algum clássico da literatura, e fazem uma boa resenha explicando porque acham que Crepúsculo, por exemplo, é bom ou não”, explica a estudante. Como uma boa “rata de bibliotecas”, a estudante de
Novos escritores Além de beneficiar os leitores, o Skoob também pode auxiliar bastante os novos escritores. É o caso de Jairo Sarfati, 18, usuário da rede social e autor do “Diário Póstumo de Charlotte”. Para o jovem, a rede social o ajuda tanto como leitor quanto como autor. “Eu posso ter uma resposta de leitores ao redor do Brasil, ver os comentários deles em relação ao livro, ver se o feed está positivo ou não. É como se você escrevesse para um blog, e tivesse uma resposta imediata”, explica. O Skoob permite a aproximação entre usuários e autores através de comentários e mensagens rápidas que podem ser publicadas nos murais. Para Jairo, as vantagens são maiores que eventuais transtornos, como a inatividade de alguns moderadores. “Algumas pessoas viram os amigos marcando o meu livro como ‘quero ler’ ou “desejado” e acabaram por gostar da capa e da sinopse. E isso é gratificante”. Para participar do Skoob é necessário apenas se cadastrar gratuitamente no site.
SERVIÇO Endereços eletrônicos: Skoob www.skoob.com.br Orelha de livro www.orelhadelivro.com.br
Foto: Divulgação/ Arquivo pessoal
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(...) O Skoob se consolidou como ponto de encontro dos ‘skoobers’, pessoas apaixonadas por literatura
dastrados. Nele, o leitor pode listar os livros que já leu, está lendo e ainda vai ler, bem como os que possui, os que deseja e os que abandonou. Além dessas funcionalidades, o site permite que os usuários avaliem e escrevam resenhas sobre as obras, o que permite maior interatividade entre os internautas. “A ideia de criar o Skoob surgiu por acaso, estava conversando com amigos e perguntei se havia algum lugar na Internet onde fosse possível ver a opinião de outras pessoas sobre os livros. Achei que seria interessante criar uma rede social onde fosse possível trocar nossas experiências literárias”, explica Lindenberg. No começo, o site foi criado apenas para a troca de ideias entre conhecidos, mas acabou crescendo. “Nós criamos um ‘sisteminha’, era uma ideia bem pequena. Quando vimos, várias pessoas que curtiam leitura se cadastraram, pessoas que nem eram do nosso hall de amigos”, conta Viviane. O sucesso da rede é tão grande que, hoje, o Skoob já reúne mais de 500 mil usuários cadastrados. Reflexo no espelho da palavra inglesa “books”, que significa “livros”, o Skoob se consolidou como ponto de encontro dos “skoobers”, pessoas apaixonadas por literatura. A pioneira rede social no Brasil influenciou a criação de fóruns de discussão literária e até mesmo o surgimento de mais sites de relacionamentos relacionados
Enfermagem Ruth Rocha, 23, visitava constantemente blogs literários e foi em um deles que conheceu, ainda em 2010, a rede social Skoob. “Uso o tempo inteiro, atualizo sempre os livros que quero ler e os livros que terminei de ler. Ter o controle dos livros que tenho, de quais quero ler, e de quantos eu já li. Simplificando, uma grande vantagem é ter um controle de números”, ressalta. A rede social também é um canal de aproximação entre leitores. “Já fiz amizades graças ao Skoob”, conta Ruth. “A primeira amizade que fiz me deu até um livro e nunca nem nos vimos pessoalmente. Também já conheci pessoas daqui de Fortaleza e trocamos livros”, complementa. A troca de livros entre usuários é uma das inovações oferecidas pela rede social. Por meio da ferramenta “Plus”, os membros do grupo disponibilizam os títulos para troca e solicitam obras de outros internautas. “É super confiável porque a troca favorece os dois lados, então se um não sai satisfeito de uma troca, o outro, consequentemente, vai sair prejudicado. Mas o confiável também vai depender de com quem você vai trocar. Cada pessoa tem uma “reputação” e lá você pode ver pelos comentários de outras se a pessoa é boa Skoober”, explica Ruth. “Eu recomendo, apesar de ter passado sufocos em algumas trocas. Mas não foi culpa do Skoob, foi dos Correios ou da outra pessoa com a qual eu estava trocando”.
Membro do site de relacionamentos Skoob desde 2010, a estudante Ruth Rocha já conheceu pessoas e trocou livros por meio da rede
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IMPRESSÕES – LEITURA
Plataformas digitais
A digitalização do universo da leitura e a conquista de espaço dos livros digitais As vantagens de possuir um e-reader, o fascínio dos jovens pela nova plataforma e os desafios de quem está à frente do mercado da publicação digital
Foto: Banco de Dados O Povo
Por Gleyce Any Castro, Jully Lourenço e Renan Vidal
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ossuir uma biblioteca virtual pode ser o sonho de muita gente. E, há algum tempo, ele já é possível. Os livros digitais invadiram o mercado editorial como uma alternativa eficaz aos livros de papel. Com apenas um clique, é possível baixar ou comprar um livro, revistas ou qualquer mídia digital pela internet por meio dos e-readers, sendo o Kindle, da empresa Amazon, o mais conhecido do mercado. O Kindle é desejado por muitos jovens, especialmente os mais aficionados por leitura. O leitor, que já está na sua quarta geração, vem apresentando novos recursos a cada lançamento. A última, apresen-
tada em novembro deste ano, integra o Kindle ao Goodreads, espécie de rede social de leitores. Por meio de release, o vice-presidente da Amazon, Peter Larsen, publicou: “O novo Kindle Paperwhite já é o melhor e-reader do mundo, e estamos animados para torná-lo ainda melhor, com novos recursos que os leitores vão adorar”. Alguns livros são grátis, para o deleite dos leitores como Karoline Félix, assistente administrativa, que garante não sair de casa sem o Kindle. “É muito prático. Eu levo para todo lugar, e fico lendo nos tempos de ócio. Ter um livro em um clique é algo que sempre sonhei. Foi o melhor presente que já
tive.” Karoline ainda afirma que o leitor de livros digital pode ser uma boa alternativa à “febre” das redes sociais. “Naturalmente, a gente pega o celular quando não faz nada. E aí todo mundo vai olhar aquelas bobagens. Eu me acostumei a pegar o Kindle. Nesse ritmo, esse ano eu já li mais de 15 livros. É um ganho enorme.” Por outro lado, algumas pessoas não se convencem da ideia de ler um livro por meio dessa plataforma digital. É o caso de Geanne Nascimento, dona de casa e leitora fervorosa de livros espíritas. “Nunca que eu compraria um negócio desses. E o cheiro do livro? O toque? O passar de cada página?
Perde a mágica, né?” Muitas pessoas corroboram com esse pensamento, e talvez esse seja o principal motivo da não substituição dos livros de papel pelo livro digital, o que garante, portanto, a manutenção de livrarias e bibliotecas por todo o mundo. O mundo que envolve o lançamento de um ebook pode ser bastante extenso. Paula Cajaty, escritora e dona da editora Jaguatirica Digital, esclarece que um dos diferenciais da plataforma são os tipos de serviços disponibilizados, como o próprio sistema de divulgação, o qual conta criação de site, booktrailer, “fanpage”, convite virtual, administração da página no Facebook do livro, entre
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A velocidade da automação e inclusão digital do público brasileiro é bem mais lenta
”
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IMPRESSÕES – LEITURA Foto: Renan Vidal
Nunca que eu compraria um negócio desses. E o cheiro do livro? O toque? O passar de cada página? Perde a mágica, né?
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Geanne é uma das muitas pessoas que resistem à nova plataforma
EM NÚMEROS Em
2012
foram gerados, no Brasil, cerca de
3,8 milhões de reais com a venda de livros digitais. O valor representa apenas
0,1%
do faturamento total do mercado editorial,que foi de
4.,8 bilhões. No total, foram vendidos durante esse ano mais de
230 mil
Praticidade que faz a diferença Entre as principais vantagens oferecidas pelos ebooks aos leitores, além da facilidade em poder levar sem adicionar peso, está a possibilidade de uma compra imediata do produto, sem a necessidade de esperar dias através do frete. “Numa sociedade capitalista, sabemos que muitas compras são feitas por impulso. Se você demora sete dias úteis para entregar seu produto, você pode perder a venda para quem o entrega de forma instantânea”, destaca Paula. No entanto, o impacto da venda de ebooks no mercado é pouco. Segundo a pesquisa anual da Fundação Institu-
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exemplares de livros digitais
outras ferramentas. No mercado desde 2010, a Jaguatirica Digital publica, anualmente, uma média entre 20 e 30 livros. Para Paula, priorizar a qualidade na divulgação é um dos pontos essenciais para um bom andamento das vendas. Segundo ela, a maior editora do mundo, a europeia Penguin Random House, já possui, de forma consolidada, 25% da renda oriunda da venda de ebooks, podendo subir rapidamente para 30%, percentual de peso quando comparado ao mercado tradicional. Porém, embora em ascendência mundial, Paula ressalta que o consumo dos livros digitais no Brasil ainda tem muito o que crescer, “a velocidade da automação e da inclusão digital do público brasileiro é bem mais lenta”
”
to de Pesquisas Econômicas (Fipe), encomendada pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel) e pela Câmara Brasileira do Livro (CBL), o ano de 2012 gerou R$ 3,85 milhões através da venda de livros digitais, valor que representa menos de 0,1% do faturamento total do mercado (R$ 4,8 bilhões). Ainda conforme a amostra, foram vendidos mais de 230 mil exemplares no ano. Os benefícios para quem opta por publicar nessa plataforma ainda podem ser muito maiores em questões burocráticas. Como exemplo, somente para o lançamento de uma versão impressa, pode ser necessário produzir até mais de cinco notas fiscais, que vão desde serviços de trânsito de mercadoria à entrada e saída do produto nas livrarias. Já para a publicação digital, o processo é bem mais direto, envolvendo apenas os passos comuns, tais como preparação do original, revisão, diagramação e, então, a conversão. Para o escritor cearense Pedro Salgueiro, o qual já teve uma coletânea de contos infantis publicada em formato digital, a experiência de lançamento no meio ainda é um espaço a ser explorado. Mesmo já tendo vivenciado a publicação em ebooks, Pedro considera o processo “exótico, quase surreal”, principalmente quando se volta ao universo dos cheiros e das texturas das folhas. No entanto, logo ressalta que não é preconceito “mas é apenas uma questão de hábito”.
Foto: Tamara Lopes
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Bibliotecas Universitárias na internet
As bibliotecas da UFC mantêm acervos digitais na internet As Bibliotecas Universitárias (BU) representam uma parcela significativa como apoio na formação de muito estudantes, como também na aprendizagem dos professores e técnicos administrativos. Porém, é com o acesso a livros digitais que a comunidade acadêmica se desperta para novas possibilidades. Na Universidade Federal do Ceará (UFC), por exemplo, que conta com seis bibliotecas no Campus do Benfica, cinco no Campus do Pici, uma no Campus do Porangabuçu, uma no Instituto Ciências do Mar e em Sobral e uma no Campus da UFC em Quixadá, sem contar os acervos agregados a órgãos administrativos e departamentos da universidade, há uma página de acesso aos livros digitais ofertados pela própria UFC. Trata-se do dot.lib (ufc.dotlib. com.br), que reúne um total de 8.352 livros eletrônicos, em texto completo, em língua portuguesa e estrangeira. Nesse acervo, as editoras Atheneu, a mais importante editora de autores nacionais em Medicina, Zahar, com títulos abrangendo as áreas de Ciências Humanas e Sociais, Arte, Literatura e Letras, e Springer, com títulos de Arquitetura, Física e Astronomia, por exemplo. “As áreas que mais utilizam (o acervo) são as Engenharias seguidas das Ciências da Saúde”, ressalta Ana Elizabeth Maia, diretora da Biblioteca de Ciências Humanas (BCH). O acesso ao conteúdo do Portal da Pesquisa realiza-se por intermédio da Universidade. Ou seja, somente a biblioteca da UFC pode liberar usuário e senha aos interessados, que devem possuir vín-
culo institucional. A diretora ainda explica que “se o usuário estiver dentro de um Campus da UFC, é só clicar na editora desejada”. E sobre a importância em dispor livros eletrônicos, Ana Elizabeth acredita que, dessa forma, se permite extrapolar o conceito tradicional de informação que é o impresso. Logo, “romper as barreiras geográficas, permitir múltiplos acessos e livre circulação da informação”, justifica a diretora da BCH que avalia mais um fator positivo aí. Para ela, “o livro eletrônico é perpétuo”, complementa. Já no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE), o Departamento de Bibliotecas coordena e supervisiona as atividades do Sistema de Bibliotecas de todos os campi, que, ao total, somam vinte e três, nas ações de padronização e normatização de suas atividades. No entanto, das bibliotecas do IFCE, a da Capital se sobressai perante as demais. É que os alunos, docentes e técnicos administrativos do campus de Fortaleza passam a dispor de mais de 2.300 livros virtuais, disponibilizados gratuitamente para a leitura online. O serviço, adquirido recentemente, integra a Biblioteca Virtual Universitária (BVU) do Instituto. Percebido como um recurso a favor da disseminação do conhecimento e, também, da facilitação do acesso ao acervo, a BVU abriga títulos que contemplam as áreas de computação, engenharia, geografia e outras. Quanto ao uso, os alunos e professores acessam por meio do sistema acadêmico, e os técnicos administrativos pelo link www.fortaleza.ifce.edu.br/bvu.
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IMPRESSÕES – LEITURA
Acessibilidade
Tecnologia cearense permite leitura de livros impressos e digitais por cegos Dispositivo desenvolvido por empresa privada em parceria com o IFCE captura imagem das páginas do livro, converte em texto e transforma em impulsos físicos na linguagem Braille Por Carolina Esmeraldo e Felipe Martins
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Quando entrei no mundo da cegueira e vi a dificuldade que era, meu filho tinha mais ou menos um ano. Eu olhava pra ele e pensava: e se fosse o meu menino?
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professor Anaxágoras e minha. Nós dois inicialmente. A gente conseguiu R$ 180 mil do Banco do Nordeste e foi assim que o Portáctil começou”, lembra Heyde. Em 2010, o então reitor do IFCE, Cláudio Ricardo, aproveitou a visita de Fernando Haddad, à época, ministro da Educação, à Universidade Federal de Ceará (UFC) para apresentá-lo ao projeto. O interesse do ministro pelo Portáctil acabou rendendo o investimento de cerca de R$ 1 milhão através do Ministério da Educação (MEC) em troca da patente do equipamento, que passou a ser do instituto. Hoje, a empresa precisa do licenciamento para comercializar a tecnologia. Heyde confessa que, no início, ficou meio temeroso com o convite de Anaxágoras em trabalhar com tecnologia para cegos. “Quando entrei no mundo da cegueira e vi a dificuldade que era, meu filho tinha mais ou menos um ano. Eu olhava pra ele e pensava: E se fosse o meu menino?”, lembra o empresário, que hoje é dedicado exclusivamente ao Portáctil. “Quando vejo um menino [cego] desses gostando do que a gente faz, ganho o dia”. A leitura e mais um pouco O conjunto Portáctil consegue garantir a leitura, mas a equipe pretende expandir esses horizontes iniciais e construir um aliado mais forte para a educação e lazer a pessoas cegas. “É a ponta do iceberg pra muita coisa que deve surgir pra esse pessoal”, conta Heyde, lembrando do início do Portáctil, ainda em formato de caneta. “A próxima evolução do Portáctil vai ser conseguirmos criar uma suíte de sub-aplicativos. Já temos uma estrutura para livros. Podemos, por exemplo, fazer jogos para cegos. A gente já vai fazer o jogo forca”.
Foto: Divulgação/ AED
U
ma tarde numa agência bancária como outra qualquer. A deficiência precisa angariar a paciência alheia. Não por isso. O gerente passa duas horas lendo o contrato para o rapaz cego. A partir deste momento, o pesquisador e empresário Heyde Leão, participando da cena de maneira ocular, decide se aventurar na ideia do amigo e professor Anaxágoras Girão de melhorar o mundo das pessoas que sofrem com essa deficiência. Após muito trabalho e pesquisa, eis que surge o Portáctil, fruto “da cabeça, das mãos, do suor, do sangue e do choro de pelo menos vinte pessoas”, afirma Heyde. O projeto almeja a inclusão de deficientes visuais no mundo da tecnologia usando o Braille como código e uma espécie de mouse de computador como suporte. O Portáctil teve início dentro da empresa AED Tecnologia, instalada na incubadora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE). “É uma ideia conjunta do
Tipo de mouse se transforma em leitor de Braille para cegos
Desafios Martônio Carneiro, deficiente visual que participou dos testes do Portáctil, conta que é difícil substituir a leitura Braille tradicional para tecnologias como a do dispositivo. “Foi interessante [a experiência], mas ainda requer algumas modificações. Gosto de ler em Braile, mas no tablet, precisa ser aperfeiçoado”, afirma. Para o professor e pesquisador Anaxágoras Girão, um dos principais idealizadores do projeto, é comum, de início, a relutância por novas tecnologias pela falta de adaptação. “É natural que se enfrente esses problemas no começo. Foi assim com a escrita, com a internet. Essas barreiras, o Portáctil vai quebrar quando começar a ser usado”, garante. “A gente testou o Portáctil, em Brasília, com um adolescente que é louco por jogos e ele adorou. Lia tudo.
O que falta é o costume”. O pesquisador ressalta ainda a importância do Portáctil como ferramenta de alfabetização e readaptação ao Braille. “A maioria dos deficientes visuais foram educados no Braille, mas, de uns dez anos para cá, tiveram acesso ao áudio e esqueceram o Braille. A fluência [no Braille] foi desaparecendo assim como vem acontecendo com a escrita hoje”, afirma. “É necessária uma readaptação ao Braille, já investindo na educação infantil”. O Portáctil está em fase de pré-lançamento e deve passar por uma nova fase de testes. Segundo Anaxágoras, o dispositivo deve ser entregue nas escolas já no início de 2014. As crianças com deficiência visual deverão receber o Portáctil e levar para casa para que o processo de aprendizado seja mais rápido e mais proveitoso.
COMO FUNCIONA? Pequeno, leve, portátil e de fácil manuseio, o Portáctil busca garantir uma experiência inovadora de comunicação e acessibilidade a deficientes visuais. O “conjunto Portáctil”, como ressalta Heyde, é formado por um tablet e outro equipamento, que se assemelha a um mouse de computador e apresenta células Braille importadas da Alemanha. A partir da tecnologia Bluetooth, o dispositivo traduz o texto que está na tela do tablet em caracteres Braille e, através de pinos que sobem e descem em contato com os dedos, possibilitam a leitura dos deficientes visuais. É possível ainda controlar a velocidade, voltar ou adiantar a leitura. No caso do material físico, a imagem impressa é capturada pela câmera do tablet, compatível com a ajuda de um software, e através da técnica OCR (Optical Character Recognition) é transformada em texto.
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Informação e tecnologia
Do papel para a tela do computador: jornais digitais ganham espaço no mercado e conquistam leitores No Ceará, três jornais disponibilizam suas versões em formato digital: O Povo, Diário do Nordeste e O Estado. A tendência é que o método se espalhe pelo mercado consumidor e conquiste cada vez mais os leitores que optam pela facilidade e agilidade da internet Por Amanda Araújo Frota e Rachel Gomes Foto: Banco de Dados O Povo
C
omprar um jornal impresso na banca ou recebê-lo em casa é um hábito cada vez menos frequente entre os leitores. Com as novas mídias digitais, o público tem a possibilidade de obter notícias atualizadas constantemente por meio de sites e blogs. Seja no computador de mesa, laptop, tablet ou celular, os leitores agora acessam, em tempo real, os fatos que mais lhe interessam. Parte desse conteúdo online, no entanto, ainda é o mesmo produzido para o jornal impresso. E daí que vem o processo de digitalização, que é basicamente a transcrição dos textos de impresso para a plataforma virtual. Além disso, muitos jornais ainda optam pela disponibilização do jornal impresso em formato PDF (Virtual Paper), que simulam até mesmo o barulho das folhas passando. O jornal O Povo, que atualmente disponibiliza tanto o jornal em PDF como digitalizado em seu site, começou o processo de digitalização em 2007. Segundo Juliana Matos Brito, editora chefe do O Povo Online, o processo de digitalização é interligado entre a produção do impresso e do online. “A equipe que diagrama o jornal impresso, ao encaminhar as páginas para a impressão, salva os arquivos em PDF para que a equipe do
O novo formato digital agrada a quem valoriza a rapidez e a praticidade oferecida pela internet para a leitura de informativos portal, a partir de um programa específico, coloque as páginas no O Povo Online”, explica. Com o advento dos jornais digitais, a maioria gratuita, é de se pensar que o jornal impresso seria erradicado. Fato este que ainda não ocorreu, mas Juliana destaca que, com a chegada do Portal, foi preciso pensar em novas estratégias. “A redação não sentiu uma queda de vendas, mas novas táticas foram utilizadas, de maneira que ambos [impresso e online] caminhassem da melhor forma possível.
Praticidade x Originalidade: jornal digital divide opinião dos leitores Algumas pessoas apostam na velocidade da internet como fator preponderante para escolher os jornais digitais como primeira opção. A médica Terezinha Braga é uma delas. Segundo ela, a velocidade da internet permite que a pessoa fique informada em um curto espaço de tempo e sem necessidade de locomoção. “Eu prefiro a internet por questões objetivas. Hoje, você tem que ler não só um jornal, mas vários, ao mesmo tempo. Muitas vezes eu faço isso enquanto ainda estou no avião, a caminho de uma viagem a trabalho”, conta.
Quem prefere o jornal impresso, por sua vez, acredita que essa “independência” da Internet é justamente o diferencial. José Erivaldo Abreu, auxiliar administrativo, acredita que o impresso é mais acessível. “Nem sempre a Internet está disponível, então não ficamos reféns da rede com o impresso”, explica. Ele também levanta a questão da confiabilidade. “Acho que as notícias veiculadas na Internet nem sempre são confiáveis”, opina.
Hoje, não há esse sentimento de canibalização”, enfatiza. Enquanto que alguns jornais ainda disponibilizam suas versões impressas gratuitamente, como O Povo e O Estado, outros jornais, como Folha de São Paulo e Diário do Nordeste, cobram pelo conteúdo. No caso do Diário do Nordeste, a assinatura de um ano da versão virtual com o impresso custa R$590, 00 (a assinatura tradicional somente do impresso custa R$490,00 e a versão online não é vendida sozinha). A
Folha, por sua vez, aposta em uma forma de cobrar ainda mais audaciosa, em que divulga as noticias “superficialmente” mas dá ao leitor a possibilidade de mais informações através de compra pela matéria na íntegra. Recentemente, houve mudança no acesso do impresso virtual do O Povo, em que apenas leitores com cadastro podem ter acesso à versão digital. O jornal continua gratuito e, segundo a editora, ainda não há nada definitivo sobre um futuro pago. Ela destaca que a ideia do
cadastro foi ter um maior conhecimento sobre os leitores. Juliana afirma que a discussão sobre o fim do jornal impresso não é muito levantada no O Povo. “Nós não acreditamos no fim do jornal impresso. Acreditamos apenas que o jornal deva ter sempre um conteúdo editorial especial, que o diferencie em qualidade dos concorrentes - seja no impresso, seja na Internet”, completa. Segundo ela, existe público para todas as plataformas, desde que o conteúdo seja relevante e de qualidade.
MAIS INFORMAÇÕES – O jornal impresso digitalizado do O Povo utiliza o sistema Flip. Antes o grupo utilizava o Virtual Paper, mas a ideia da mudança foi ter uma ferramenta responsiva (adaptável a cada plataforma) ágil, mais atrativa e com mais possibilidades para o leitor. Tecnologia responsiva significa adaptado em todas as plataformas (web, tablet e celular). Com esse sistema, o leitor pode
compartilhar nas redes sociais a página e pode copiar um texto que esteja na página (a partir do modo texto). – O Grupo de Comunicação O Povo possui uma editoria de Audiência que está diariamente em contato com os leitores. Todas as demandas dos leitores são compartilhadas com os mais diversos setores da empresa, e com a mudança para o Flip,
um canal ligou os leitores diretamente com os programadores, para que, segundo Juliana, as dúvidas fossem resolvidas. – Até o fechamento desta edição, o jornal Diário do Nordeste não se pronunciou acerca do seu sistema de digitalização dos jornais. As perguntas foram encaminhadas por email e não houve resposta da direção.
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IMPRESSÕES – LEITURA
Entrevista
Foto: Tamara Lopes
Entre páginas e cliques: os novos caminhos da literatura Autora dos livros Yume e Outubro, disponíveis apenas na versão e-book pela Amazon, a escritora Kamile Girão fala sobre os desafios e vantagens do mercado digital, espaço que tem atraído o público e os novos autores Por Mikaela Brasil e Taís de Andrade
I
nteresse do público pela leitura, a chegada do mercado digital de livros e negociação com editoras são questões refletidas por aqueles que sonham em escrever e publicar um livro. De acordo com a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, aplicada em 2011, do Instituto Pró-Livro, o brasileiro lê, em média, 4 livros por ano. Ainda de acordo com a pesquisa, 82 % dos entrevistados nunca leram um e-book, mas da porcentagem que leu, 54 % gostaram muito. A chegada dos e-readers – aparelhos eletrônicos feitos para a leitura – e do baixo preço dos livros digitais causam mais dúvidas no caminho incerto que se desenha na literatura nacional. Afinal, os e-books podem substituir os livros de papel? A pesquisa
diz que 52 % dos entrevistados acreditam que os dois possam conviver entre estantes e arquivos digitais. Agora, como tudo isso pode afetar o mercado de escritores nacionais? A interação com as editoras, redes sociais e com plataformas de venda online podem indicar um pouco do que pode vir por aí.
“Eu vou pra eles”, até porque o primeiro livro (Yume, lançado em 2011) tinha saído do mercado. As editoras não estavam aceitando e o pessoal estava me cobrando muito, então decidi me jogar de cabeça na Amazon. Foi entre abril e maio (de 2013) que a plataforma chegou ao Brasil e já fui logo correndo.
Impressões – Como você ingressou no mercado digital? Kamile – Quando a Amazon abriu, já era um plano ir para eles. Um dos motivos era que você recebia diretamente o pagamento, coisa que não acontece tanto em editora – no meu caso, como só peguei editora de demanda (na qual o escritor paga pela publicação) – era o que não acontecia. Então, assim que abriu a Amazon, assim que eu soube, disse:
Impressões – Como foi, para você, entrar na Amazon? Kamile – É muito fácil. Você só precisa carregar o arquivo. A única desvantagem que está acontecendo ainda é porque o pessoal tem um preconceito muito grande com livro digital, ainda tem aquele apego com o físico. Por exemplo, muitas pessoas chegaram para mim: “Ah, eu não vou comprar o Yume agora, porque só tem em formato digital. Vou esperar
pelo físico.” “Mas meu filho, o físico não tem nem data para sair”, eu dizia isso, às vezes. Fora isso, o pessoal está aderindo aos pouquinhos. A gente acha que o mercado vai crescer daqui a algum tempo. Impressões – Na editora por demanda, você encomendava por exemplares? Kamile – Mais ou menos isso. Na primeira editora que fui, eles cobravam por todo serviço, de diagramação, de revisão. A capa, consegui fazer por fora, mas foi uma luta também. E, além desse serviço todo, eles cobravam os cem livros para rodar. Já a outra que fui, era de trinta em trinta livros, de oitenta em oitenta livros, dependia da quantidade que eu quisesse. Mas era muito caro, eu não recebia nada,
não tinha relatório nem nada, o que a gente tem na Amazon. Impressões – Quais as maiores vantagens do livro digital? Kamile – Tem tantas! Primeiro, o preço sempre é razoável, costuma sair barato e a divulgação é muito legal. O pessoal acaba comprando mais, porque está mais divulgado na Internet e nunca está muito caro. Além do mais, você receber o pagamento mensalmente é uma das melhores vantagens, coisa que não acontecia comigo na editora de demanda. Impressões – Como é estabelecido o preço? Kamile – Você que estabelece! Impressões – Você planeja voltar para o mercado físico? Kamile – Pretendo. Yume vai sair, talvez, no próximo
IMPRESSÕES – LEITURA
Impressões – Outubro (2013) também será apenas digital? Kamile – Vai entrar só em digital. Seria em dezembro, mas quero colocar uma nova capa. Acho que será no início do próximo ano. Impressões – O mercado digital é o que você imaginava que seria? Kamile – Quando entrei, não sabia de muita coisa, até porque era algo muito novo. Eu tinha lido alguns artigos sobre escritores que tinham começado no mercado digital. Eles eram estrangeiros e conseguiram se sobressair devido ao mercado digital. Isso pesou muito na minha decisão. É muito tranquilo! Impressões – Você costumava ler livros digitais? Kamile – Não, comecei quando entrei na Amazon. Também tinha os livros dos meus amigos que estavam lançando apenas pelo digital, então decidi começar a ler o digital também. Até gostei. A gente tem preconceito, à primeira vista, porque é realmente apegada ao físico, mas gostei!
Foto: Tamara Lopes
Impressões – Você acha que os livros digitais modificam o hábito de leitura das pessoas? Kamile – Não, acho que a pessoa que gosta de ler, vai ler tudo, de bula de remédio a livro de 500, 600 páginas. Acho que é só mesmo costume, se aproximar. Porque também tem muito daquela coisa: “Não gosto de ler no computador” – também tem como ler livros digitais na plataforma da Amazon, baixando o aplicativo no
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Foto: Tamara Lopes
ano, numa edição pela editora Wish, que é nova. Mas não tenho data ainda, estou satisfeita na Amazon por enquanto.
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(...) Acho que a pessoa que gosta de ler, vai ler tudo, de bula de remédio a livro de 500, 600 páginas. Acho que é só mesmo costume, se aproximar
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computador. Acho que é só mesmo falta de hábito. Impressões – Antes de começar a ler os livros digitais, você também tinha algum preconceito? Kamile – Tinha. Inclusive era aquela coisa: “Ah, não vai substituir o físico.” Mas dá para conviver com os dois. Impressões – Agora, você prefere o digital ou o físico? Kamile – Não estava lendo muito o digital, porque gosto de sair com o livro e sair com tablet aqui em Fortaleza não rola! Mas sempre que dá, em casa, eu leio livros digitais. Impressões – Tem algum escritor, apenas do mercado digital, que você admira? Kamile – A Vanessa Bosso. Ela escreveu A Aposta, Senhor do Amanhã, O Imortal, O Elemental, não me lembro de todos agora. Ela é brasileira e está
Yume, publicado em 2011 como livro físico, foi relançado em formato digital em 2013 conseguindo muito respaldo, foi até para os Estados Unidos dar entrevista e conseguiu o livro impresso também, a partir apenas da Amazon. Também tem a JosyStoque, que é autora da saga Os Quatro Elementos. Ela conseguiu a publicação estrangeira, o pessoal vai traduzir os livros dela para colocar no mercado americano. Impressões – Você acha que as pessoas têm algum preconceito com livros independentes, que não tenham a marca da editora conhecida? Kamile - Um pouco, isso rola. Eu não vejo tanto, mas muitos escritores dizem que rola. O pessoal olha meio feio para livros independentes. Até porque, quem é independente precisa batalhar muito pela divulgação, é você por você. Impressões – Você acha que os tempos atuais estão mais favoráveis aos escritores novatos? Por quê? Kamile – Estão. O mercado está mais aberto, principalmente com o negócio de rede social. Quando as redes sociais tiveram um boom, o pessoal começou a divulgar mais os próprios trabalhos. Por exemplo, no Orkut, a gente tinha um negócio muito legal que eram comunidades de livros. Ou seja, a pessoa postava um tópico lá e ia botando o livro dela, ia divulgando. Eu conheci muitos livros a partir disso, muitos livros de novos escritores. Com o Facebook a coisa melhorou, porque você podia divulgar mais, com o negócio do compartilhamento. Então isso começou a atrair os olhos das editoras, porque estava tendo muitos escritores brasileiros. Só que eles ainda eram meio ignorados. E o pessoal começou a também gostar desses escritores que estavam surgindo e a partir
daí as editoras abriram mais. Rede social é tudo de bom para quem quer escrever. Impressões - Teve uma época em que o livro (Yume) estava gratuito, como foi? Kamille - Foi. Foi a gerente lá da Amazon. A gente (estava) conversando e ela disse: “Ei, tem uma promoção para divulgar mais, se você quiser investir, só pra ver o que vai dar...”. E eu (disse): “Tá, o que foi?”. Ela (disse):“Deixar o livro gratuito por três dias”. E eu (respondi): “Tá, não tô perdendo nada...”. Rapaz, em um dia foram 280 downloads! Em um dia! Eu fui ver quantos downloads foram feitos nos três dias e foram 388. Impressões – Você acha que essa estratégia deu certo? Kamile - Acho que deu, que aí o livro começou a ser vendido mais. E o pessoal também ficou muito animado quando a (Editora) Wish disse que iria publicar o Yume. O pessoal ficou bastante entusiasmado. Impressões – A Editora Wish vai publicar, então, o Yume e o Outubro também? Kamile - Outubro ainda não. Outubro a gente vai fazer primeiro a experiência só na Amazon e aí depois a gente vê como é que fica. Impressões – E os próximos livros? Como você pensa em produzir? Kamile - Ainda não sei. Estou escrevendo um, só que prefiro terminar de escrever, depois eu penso. Mas acho que depois desse eu vou dar um tempinho, vou tentar focar na faculdade, vou tentar arranjar um estágio, depois volto a pensar nisso. Impressões – O livro pode ser vendido em outros sites também ou tem alguma exclusividade de ser só na Amazon?
Kamile – Não, a gente só bota na Amazon porque, enfim, é plataforma KDP (KindleDirectPublishing, da Amazon, que publica livros de forma independente no site). Mas acho que tem como, porque eu ainda não me informei direito, tem como colocar no formato do Kobo. Mas aí não lembro como é que faz pra ajeitar o arquivo em formato Kobo. Então, por enquanto, só estou na Amazon. Impressões – Você acha que o seu estilo Jovem Adulto é facilitado pelo mercado digital? Ou tem algum estilo que não seja muito contemplado pelos e-books? Kamile – Eu não sei. Tem cada coisa em e-book... Tem Fantasia, tem Erótico, tem Chick-lit, tem Suspense, tem muita coisa. Acho que depende muito da divulgação do próprio escritor. Impressões – As pessoas têm um preconceito muito grande com e-books e o mercado digital como se fossem uma espécie de “inimigos dos livros”. O que você diria a essas pessoas? Kamile – A televisão não destruiu o rádio, o cinema não destruiu o teatro e nem a fotografia destruiu a pintura. Então, só porque existe um novo formato dos livros não quer dizer também que os livros físicos vão acabar. Acho que seria legal a pessoa abrir a mente para conhecer os livros digitais, porque tem livro que está sendo lançado só em formato digital, tem livros bacanas que estão só nesse estilo. E, assim, a pessoa pode, por conta de algum preconceito, perder (a chance) de ler livros muito legais. Então é bom dar uma chance e ter isso em mente: um não vai destruir o outro, eles podem coexistir.
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IMPRESSÕES – LEITURA
Educação
Aprendizado digital: o uso de tablets como ferramenta de ensino e interação na sala de aula A educação se prepara para viver um novo tempo: a era dos tablets. O equipamento aos poucos invade as salas de aula e traz mudanças nas formas de ensinar e de aprender. As escolas que já adotam a ferramenta mostram que o tablet chegou para ficar
Por Bárbara Danthéias, Débora Lopes e Thinayna Máximo Foto: Bárbara Danthéias
sem tablet, isso não acontece. O processo de aprendizagem é o mesmo”, afirma.
Os tablets são cada vez mais usados pelas crianças como complemento no aprendizado em sala de aula
O
s tablets, por meio de aplicativos coloridos, desenhos e sons, atraem cada vez mais as crianças a um processo de aprendizagem interativo e se transformam em aliados da educação. Entretanto, com tanta informação disponível em apenas uma ferramenta, surgem questionamentos referentes à eficácia e o poder de dispersão do uso de tablets no ensino. Para a coordenadora pedagógica de informática Telma Nobre, o tablet, devido à mobilidade e variedade de aplicativos, “conquistou o público infantil, jovem e adulto’’. O equipamento “permite ao aluno novas formas de aprender, pois vincula a tecnologia ao processo ensino-aprendizagem, o que torna o estudo mais atrativo e eficaz”, complementa. O tablet começa a ser adotado pelas escolas particulares como plataforma que permite o uso do material di-
dático de forma mais dinâmica. Na escola em que Telma trabalha, o material é oferecido para os alunos por meio de um aplicativo que conta com uma aparência diferenciada. “Esse aplicativo tem uma interface interativa que reforça o aprendizado por meio de recursos como ferramenta de busca e anotações, marcações de textos e desenho à mão livre, além de disponibilizar videoaulas sobre diversos temas abordados no conteúdo”, explica. Além de disponibilizar a ferramenta, as escolas têm investido em capacitação para os professores. “Logo no início da implantação dos tablets, nossos professores já começaram a ser treinados com o objetivo de mostrar a aplicabilidade desse instrumento como ferramenta de planejamento didático, explorando as possibilidades pedagógicas, e de conhecer e vivenciar atividades pedagógicas a partir dos aplicativos”, completa Telma.
Utilização pelos alunos O tablet funciona como um recurso tecnológico, mas não é utilizado pela maioria dos alunos. É o que explica a professora de Língua Portuguesa Maria Izabel Diógenes. “Em uma sala com 50 alunos, por exemplo, você tem 20 alunos, em média, com o tablet”. A docente também esclarece que a escola disponibiliza apenas o material digital, sendo o tablet comprado pelo próprio aluno. Quanto às vantagens, Maria Izabel considera o tablet mais prático e mais leve. “Ele contém todos os livros ali: Matemática, Português, Física... Outra vantagem que eu vejo, às vezes, é na disciplina de Matemática, quando tem algo mais animado, como um gráfico”, comenta. Ainda assim, a professora não acredita que o uso da tecnologia favorece o processo de aprendizagem. “Dizer que eu verifico que o aluno com tablet aprende com mais facilidade que o aluno
Dispersão Muitos pais temem que, com o acesso ao tablet, o filho passe a utilizá-lo apenas para jogos ao invés dos estudos, como é o caso de Edna Rangel, empresária. A mãe ficou em dúvida ao comprar o equipamento para Rodrigo, de oito anos, uma vez que ele já tinha o hábito de jogar constantemente no videogame. “No começo, ele não queria, mas nós mostramos jogos simples como Tetris, que ajuda o raciocínio e, hoje, ele mesmo encontra outros tipos”, afirma. De acordo com ela, é preciso ficar de olho para evitar que as crianças se encantem com os mais variados aplicativos e queiram usar somente para o lazer. “Se o tablet for usado sem exagero, tem benefício”. Quando a analista de sistemas Suzi Anne Paiva notou uma estagnada no processo de alfabetização do filho, que hoje está no segundo ano, resolveu recorrer aos joguinhos de computador. Segundo ela, jogos como forca e palavras cruzadas funcionaram como um estímulo a mais ao aprendizado. “O joguinho servia para memorizar mais, chamar a atenção, saber com quais letras se escrevia as palavras”, explica. “É mais uma ferramenta. No final das contas, esse processo também passa por uma memorização, por uma repetição. Quando você oferece muitas alternativas de repetição e de memorização é legal, eu gosto”, complementa. O não favorecimento do aprendizado, no entanto, não significa que o uso de tablets nas escolas possa prejudicar o aluno. Para a professora Maria Izabel Diógenes, não é
possível afirmar que o acesso à internet é mais fácil para os alunos que possuem tablet em sala de aula. “Isso eu não posso alegar, porque todo mundo tem celular e, hoje, todos os celulares têm internet. Então o uso do tablet não facilita para o aluno se dispersar. Acho que é a mesma coisa”, declara. Papel do professor Outro fator contribuinte de destaque para que o uso do recurso tecnológico no aprendizado atinja seus objetivos é o papel do professor, orientando a utilização dos aplicativos para pais e alunos, principalmente, se a escolha dele contribuir com alguma necessidade que a criança tenha na escola. Pedro Ferreira, de sete anos, em plena conclusão do 2º ano do Ensino Fundamental, estava com dificuldade no processo de leitura, até que, aconselhado pela professora, começou a utilizar um aplicativo direcionado para o desenvolvimento desta habilidade. “Minha professora me pediu para utilizar um aplicativo de histórias que dá para ler com ajuda do som. Comecei a usar e já estou conseguindo ler melhor”, destacou o garoto. Saúde dos olhos De acordo com o oftalmologista Dácio Carvalho, a utilização de tablets, por si só, não prejudica a visão. O que pode vir a acontecer é o ressecamento dos olhos devido ao seu uso prolongado. “Quando estamos diante de aparelhos tecnológicos como computador, celular ou tablets, nossos olhos piscam quatro vezes menos, ocasionando o ressecamento dos olhos”, explica. O médico também alerta para a possibilidade de desenvolvimento de miopia.
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Ex Libris N
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Espaço de resenhas, contos, poesias e tudo o que a criatividade permitir
Conto
Poesia
Alice
Do que são feitas as coisas
Por Lúcio Flávio Gondim
Por André Bloc E então, ele disse: – Mãe, quanto tempo demora daqui pra bem longe? – O tempo de um sonho –, respondeu ela, enquanto repousava o indicador e o polegar nos olhos do filho, e assistia ao céu fundindo num misto de dourado e negro. Tudo e nada num plano só. André Bloc, Jornalista do Núcleo de Cultura e Entretenimento do jornal O Povo.
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aminhando no jardim, Ela viu o Coelho. Ficou estática. Sabia no que aquilo ia dar. Tudo de novo faz a gente cansar... Hoje não. Ela não estava para viajar. Então, voltou para o quarto, abriu os livros de química, mas enquanto lia, pensava no Gato (e nos prótons), no Jardim (e nos fótons), na Lagarta (e nos nêutrons). O mundo era mais imaginário ou mais real? A Verdade respondia. Um dia lhe ensinaram que a gente tinha o tamanho que quisesse ter, mas não era bem assim que tudo funcionava. Ela ficava grande e pequena. Enorme e mediana. Gigante,
minúscula e extra-G. De que tamanho deveria ser? Precisava de cinco versões de si mesmas para escolher quem era. E não bastava. O quarto era um conforto, mas era também um exército em guarda. Dava vontade de fugir, mas medo de se entregar. Pra onde correr? Lá foi ela, então, de volta pro jardim e agora firme, sem hesitação. Olhou o mundo com olhos de ânsia. Ordenava que as portas do ‘País’ se abrissem, mas que nada. O Coelho é que desapareceu, quem não mais lhe dava a mão. Foi caindo, caindo, mergulhando no chão e sentou perplexa diante do
mundo das não-maravilhas que a rodeava. Ficou por horas incontáveis na mesma posição. Via o Sol nascer e morrer, as folhas caírem dos galhos, o mundo mudar. A moral lhe dizia “beba-me”, a loucura sussurrava “coma-me”. Choraria até formar um mar de lágrimas, mas decidiu deixar os olhos bem abertos dessa vez. Consciente de que não podia fugir, nem se ocultar em outras realidades, viu que era melhor permanecer assim: Ser para sempre realidade. Foi levantando, levantando, deixando o chão sumir de sua áurea e tomar nova postura. Não mais es-
conderijo, não mais ocultação, mas sim maturidade. Era Ela, o novo que começava. Escondido por trás de uma rosa branca, o Gato, malicioso e vadio, espiava e esperava a hora de buscar Alice.
PERFIL Lúcio Flávio Gondim é estudante de Letras na Universidade Federal do Ceará. Além de escrever, Lúcio é artista visual e também ator – protagonizou peças, como Woyzeck e Plastic Wood.
Ilustrações: Juliana Braga
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O outro olhar, a mesma leitura Por Isabele Câmara
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uando se nasce ou se adquire deficiência visual, é necessário aprimorar os outros sentidos e aprender a enxergar o mundo de uma maneira diferente. Especial. As mãos passam a ser os guias desses leitores. Quando elas percorrem as páginas pontilhadas dos livros em Braille, mundos são descobertos e distâncias são diminuídas. Em Fortaleza, o Instituto dos Cegos (foto 5) é um dos locais responsáveis pela alfabetização em Braille (foto 1). A instituição atende 40 alunos, entre crianças (foto 3) e adultos. Eles não possuem apenas problemas de visão, mas múltiplas deficiências, entre elas a cognitiva e a motora, além de autismo. O Instituto dos Cegos incentiva a independência dos alunos. Por isso, eles têm aulas de música, natação, psicomotricidade e AVD (Atividade da Vida Diária). Informática educativa também é ensinada aos alunos (foto 2). Na aula, é utilizado um computador comum. A única diferença é Dosvox, sistema de voz operacional, que lê para o deficiente visual o que está na tela. Aulas de artes também são oferecidas pela instituição. Nesta época do ano, foram produzidos enfeites natalinos (foto 4). Todos com texturas para que os alunos possam sentir com as mãos os objetos.
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