IMPRESSOESTRILHOS Jornal Laboratório da Universidade Federal do Ceará
ano 3 / número 16
Mobilidade Por dia, o cearense põe 132 novos carros nas ruas. Entre engarrafamentos e lotações, seria o VLT a solução para se deslocar na cidade? página 8
Contra o VLT, a união faz a força
Mesmo assim, há quem queira sair
Veja a articulação das comunidades na luta para não sair do seu pedaço de terra
Saiba por que Dona Geralda quer deixar a comunidade onde criou os sete filhos
página 3
página 10
Geração Y A juventude se interessa por lutas em comunidades construídas por seus pais? entrevista na página 12
Dúvidas sobre o VLT? O Impressões coloca os pingos nos 'is' página 4
Brincadeira Mudanças e de criança incertezas página 14
Licitações, prazos, planos. Saiba a quantas anda o VLT Parangaba/ Mucuripe página 6
IMPRESSOES Universidade Federal do Ceará Instituto de Cultura e Arte Curso de Jornalismo
Professor orientador: Edgard Patrício 882/04/88-CE Repórteres: Amanda Souto, Ana Paula Lima, André Thé, Carlos Mazza, Caroline Brito, Crissie Teixeira, Iane Parente, Isabela Bosi, João V. Cavalcante, Juliana Diógenes, Laila Cavalcante, Mariana Freire, Nayana Siebra, Ranniery Melo.
Edição: Fernando Benevides, Hayanne Neves, Isadora Meneses, João V. Sales, Maurício Moreira, Raiana Carvalho, Raíssa Bastos, Roberta Tavares. Projeto gráfico e diagramação: Liana Costa, Mariana Freire, Marina Mota, Renato Sousa e Wanderley Neves.
Impressão: Imprensa Universitária Tiragem: 3 mil exemplares Fale conosco: impressões@ufc.br As opiniões expressas em artigos assinados são de inteira responsabilidade dos seus autores
Editorial
Com quem estamos falando? Foram três processos simultâneos que as equipes de produção do Impressões experimentaram no final do mês de maio. Enquanto parte dos estudantes saíam a campo para apurar as informações para a 3ª edição desse semestre, a equipe de diagramação fechava a 2ª edição e outros estudantes distribuíam os 3.000 exemplares da 1ª edição. Qual seria o processo mais importante? Apurar as informações é estar na linha de frente da produção do Jornalismo. É o contato face a face com a realidade, com o fato, com a fonte. É experimentar a ‘alma encantadora das
ruas’, como indicava João do Rio, em busca da ‘crônica reporteira’, reforço de Ronaldo Salgado. O processo de diagramação interage com a expectativa da criatividade, de esperar que textos, imagens e elementos gráficos possam compor um conjunto harmonioso que faça sentido ao repórter, que produziu, ao editor, que finalizou, e ao leitor, que consome a produção. Sempre de olho na linha editorial, que define a orientação geral que deve seguir a publicação, e no projeto gráfico, definido inicialmente e que lança as bases do ‘dese-
nho’ do jornal. Seria a distribuição dos exemplares o processo menos importante, uma vez que caracterizado pelo ato mecânico de passar o jornal de uma mão à outra? Processo besta, sem a aura da criatividade da diagramação e sem sentir o coração bater mais rápido, quando a informação inédita, e que desmascara a versão ‘oficial’ do fato, está prestes a ser conseguida, no processo de apuração? O processo de distribuição do Impressões subverte essa lógica. É na distribuição que se começa a observar o nível e qualidade de consumo da informação veiculada pelo jornal. Qual a reação do leitor ao ter em suas mãos um exemplar do Impressões? Folheia devagarinho, buscando detalhes aqui
CRÔNICA
Um 'Lagamar' no meio da cidade
artigo Tem alguma sugestão de tema que pode virar uma matéria? Alguma denúncia que deseja fazer? Escreva pra gente em impressões@ufc.br
Isabela Bosi Vivemos todos juntos naquilo que, desde cedo, aprendemos a chamar de cidade. Esbarro-me com você na rua. Compro meu espaço. Vou aonde vão. Digo que conheço toda a cidade e me orgulho disso. Passamos depressa por prédios, avenidas, luzes, acreditando ver tudo, saber de tudo. Quanta bobagem! Moramos numa cidade, sim. Mas há muitos locais que não conhecemos ou que simplesEu não sabia da Jaqueline, que aos 29 anos luta pela sobrevivência da mente esquecemos que existem. sua comunidade como uma mãe luta pela vida dos filhos. Não sabia do Percebi isso ao visitar o LagaEmanuel, que trabalha há mais de oito anos e se dedica a conscientizar mar, na manhã de um sábado seus vizinhos do que pode vir a acontecer com eles. Pois é, você provachuvoso. Justamente na típica velmente não sabe - talvez nem imagina -, mas parte da comunidade do manhã em que fazemos quesLagamar vive hoje na iminência de remoção. tão de esquecer de tudo, fui No desespero pré-copa de tornar a cidade mais ‘eficiente’, há uma presapresentada a um pedacinho sa em iniciar a obra de construção do Veículo Leve sobre Trilhos, o VLT. da cidade que, antes, por passar Um metrô de superfície que ligará o bairro do Mucuripe à Parangaba. O perto e ouvir falar, acreditava projeto ainda está no papel, mas algumas casas próximas à Via Férrea já conhecer. Ou melhor, imaginaestão marcadas com números que mais parecem contagem regressiva. va como era. A gente pensa que O sistema de transporte público de Fortaleza é, sem dúvidas, precário. imaginar é saber. Isso é sabido por que vive na cidade. Muitos de nós passa, iariamente, horas se locomovendo da casa ao trabalho em ônibus lotados e em engarrafamentos sem fim. Claro que é necessária a ampliação desses transportes, através de novos meios, como o metrô. Isso não contestamos. Entretanto, tal investimento não pode interferir na vida das pessoas de forma negativa, demolindo a moradia de mais de 200 famílias para abrir espaço para um trilho. Isso "Pois é, você sem ao menos dialogar com essas pessoas sobre as possíveis alternativas provavelmente para seus destinos. Porque sempre há alternativa! Mas no Lagamar parece não haver. O Lagamar, pelo qual passamos não sabe algumas vezes de vidro fechado, não tem voz na hora de gritar pela sua talvez nem sobrevivência. Melhor dizendo, voz tem, mas faltam ouvidos atentos. Talvez por isso eu estivesse tão atenta durante aquela manhã. A chuva imagina -, caía tranqüilamente sobre minha cabeça, mas passeava pelas ruas estreimas parte da tas da comunidade sem pressa. Eu queria aprender o lugar. As casas ligando os rádios e começando a inundar as ruas com músicas que às vezes comunidade doem nos nossos ouvidos, de ‘estrangeiros’. O Canal bem ao lado, com do Lagamar um cheiro de abandono que parece já não incomodar mais ninguém. Naquela manhã, eu conheci o Lagamar. Pouco, confesso. Mas o sufivive hoje na ciente para sentir que Fortaleza é maior e mais rica do que pensamos. iminência da E, ao contrário do que aprendemos, essa riqueza não está somente nos grandes prédios com vista para o mar. Está, também, no Lagamar. remoção"
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e acolá? Aponta para quem está ao seu lado a foto de alguém conhecido, que saiu numa das páginas? Está em pé e se senta, para uma leitura mais confortável? Levanta a vista da leitura e se perde numa contemplação do vazio, em busca das lembranças que a matéria sobre a história da comunidade lhe trouxe? Vai lá e pede mais alguns exemplares, pra distribuir com a família, porque foi fonte numa reportagem? Estão criados os Indícios de Interesse pelo Impressões. Que outros indícios poderíamos perceber? São a esses indícios que nossos estudantes devem estar atentos, para perceber a qualidade do que estão produzindo, a partir do momento em que chega às mãos de nossos leitores.
Ciclo des virtuoso João Victor Sales
Em breve, trilhos, túneis, passarelas e estações tomarão o espaço ocupado hoje por casas de famílias que, segundo o Governo, invadiram os terrenos da União. Toda a dor causada pela retirada de imóveis que tantas pessoas acreditavam serem seus reflete um problema crônico de Fortaleza: a falta de planejamento urbano. A instalação de alternativas ao trânsito caótico da capital e a necessidade de realizar as desapropriações são dois lados de um mesmo processo. Uma cidade que não regula a ocupação do próprio solo permite que aglomerados humanos se formem ao longo de toda a mancha urbana. A grande densidade populacional limita mais ainda o espaço para os veículos, que passam a ser disputados por um número crescente de usuários. Sem uma oferta de transporte público e de vias que atenda satisfatoriamente à população, é necessário criar alternativas. Nascem então os projetos de viadutos, túneis, VLT’s, metrô, etc. Mas aquela que era o motivo de tantas iniciativas acaba se tornando a pedra no meio do caminho: a população. Afinal, para construir obras relevantes numa cidade saturada de gente, é preciso tirar essa pedra do caminho para deixar as máquinas passarem. Eis o ciclo vicioso da falta de planejamento urbano em Fortaleza: a cidade não regula a ocupação residencial das áreas ao longo do trilho e depois se vê obrigada a retirar os moradores a fim de deixar passar a salvação para sua própria mobilidade. Foi o que aconteceu com as desapropriações a contragosto para construir uma Via Expressa inacabada e ainda insuficiente. É o que precisa acontecer para acabar com o sofrimento da população que frequenta os ônibus lotados e o trânsito caótico entre a Parangaba e o Mucuripe. Enquanto o discurso dos moradores se concentra na dor da desapropriação, o do Governo enfoca a ineficiência da estrutura de mobilidade urbana. Por quantas obras dolorosas mais teremos de passar para percebermos que o real problema não está nessas duas questões isoladamente? A raiz de tudo é a falta planejamento e de regulação para a ocupação de Fortaleza. O Plano Diretor está aí para ser cumprido e para permitir que o ciclo vicioso não seja repetido pelas próximas gerações.
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Comitê Popular da Copa 2014 realiza caminhada contra as remoções provocadas pelo VLT Parangaba-Mucuripe
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Foto: Crissie Teixeira
ARTICULAÇÃO
união e força contra as remoções
Desde que souberam que seriam atingidas pelo projeto do VLT Parangaba-Mucuripe, as comunidades têm se articulado para impedir a mudança Amanda Souto Crissie Teixeira Reuniões e mais reuniões para se manter sempre atualizados sobre o que está acontecendo em relação ao Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) Parangaba-Mucuripe. Essa tem sido atividade frequente de parte dos moradores e líderes comunitários das comunidades que serão atingidas pelo projeto. Tudo começou em 2010. Segundo Samuel Queiroz, um dos mobilizadores da Comunidade Lauro Vieira Chaves, no Montese, foi nesse ano que os técnicos da Companhia Cearense de Transportes Metropolitanos (Metrofor) começaram a visitar o local, fazendo medições e tirando fotos. No ano seguinte, em 2011, a população foi avisada sobre o projeto e as remoções, o que fez com que os moradores iniciassem as mobilizações. Cássia Sales, da Associação de Moradores da Comunidade Trilha do Senhor, na Aldeota, explica que, no início, as reuniões eram locais, com o objetivo de atender as próprias demandas. Até que sentiram a necessidade de se articularem com outras comunidades para resolverem, juntos, um problema comum a todos. No começo, diz Cássia, apenas as comunidades mais próximas geograficamente, localizadas no bairro Aldeota, se uniram, como Trilha do Senhor, Dom Oscar Romero e São Vicente de Paula. Depois elas começaram a mobilizar outras comunidades para a importância de reuniões conjuntas, em que seriam divulgadas as atualizações do projeto e modificações que poderiam atingir as comunidades. Hoje são 22 comunidades que se unem para defender seus direitos, organizando atos e passeatas contra as remoções.
As reuniões
Apesar de terem encontros frequentes, não existe uma periodicidade certa para as reuniões gerais. Elas são organizadas quando surge algum fato novo, que precisa ser discutido em grupo. Normalmente acontecem às segundas-feiras, na Capela ou no Centro Comunitário da Trilha do Senhor, no período da noite, já que a maioria trabalha durante o dia. Em geral, cerca de 25 representantes das comunidades se fazem presentes nesses encontros, em que são apresentadas matérias que saíram na mídia e outras mudanças que tenham chegado ao conhecimento deles. Também são organizadas e desenvolvidas ações e atividades que dizem respeito ao projeto, tendo constantemente o apoio e auxilio do Ministério Público Federal. É também nessas reuniões que as comunidades se articulam para os encontros com os representantes do governo, decidindo o que e como deve ser tratado nas Assembléias Gerais, que acontecem, normalmente, uma
vez por mês, e reúnem um número maior de pessoas, lideranças comunitárias e moradores.
E os resultados...
Tanto tempo dedicado a essa mobilização tem dado resultados positivos. As constantes alterações no projeto parecem indicar que as comunidades estão sendo ouvidas. O número de remoções, que no início chegava a cerca de 2.600 famílias, hoje está entre 1.400 a 1.700, segundo o Metrofor. Um dos motivos para essa tamanha redução é a mudança de local da Estação prevista para um local próximo à Rodoviária, que antes seria construída dentro da Comunidade Aldaci Barbosa, no bairro de Fátima. O deslocamento de alguns metros da estação reduziu de 250 para 20 o número de casas afetadas. Dona Maria Edileuza Alves da Silva, moradora da comunidade Trilha do Senhor, enfatiza que a organização das comunidades tem sido essencial para a articulação e os questionamentos sobre o encaminhamento do projeto. “É a luta da gente que está fazendo a gente ficar aqui”, afirma. Apesar da diminuição do número de atingidos, Ivanildo Teixeira, líder comunitário da Comunidade Lauro Vieira Chaves, esclarece que o diálogo com o governo tem sido muito difícil. “O contato com o governo é muito pouco. O contato que a gente tem é com o pessoal do Metrofor, com a Talita, que é a encarregada das remoções das comunidades. A gente tá tendo mais liberdade hoje com a Defensoria Pública (do Estado do Ceará), que está nos ajudando”, explica o morador.
MDLM e Comitê Popular da Copa
A articulação das comunidades para a não remoção dos moradores está sendo realizada não só pelas reuniões frequentes, mas também por movimentos integrados de mobilização social. Entre eles, destaque para o Movimento de Luta em Defesa da Moradia (MLDM) e o Comitê Popular da Copa 2014. A articulação iniciada em 2009 pela comunidade Trilha do Senhor deu origem ao Movimento de Luta em Defesa da Moradia (MLDM). Com o apoio de amigos, eles conseguiram se organizar e chegar até as outras comunidades, levando material e explicando o que iria acontecer em cada comunidade com as obras do VLT Parangaba-Mucuripe. O resultado foi a articulação de quatorze co-
munidades representadas na Comissão dos Moradores, entre elas as comunidades Jangadeiros, do Rio Pardo, de Canos, do Mucuripe, João XXIII, Pio XII e São João do Tauape. Em fevereiro deste ano, o movimento lançou na Internet uma “Carta aberta à sociedade cearense, ao Governador do Estado do Ceará, Cid Gomes e à Presidenta do Brasil, Dilma Roussef, em ocasião da assinatura da ordem de serviço do VLT, obra de remoção de nosso povo trabalhador”. A nota pública expressava o desacordo dos moradores com o fato da presidenta ter assinado a ordem de serviço para a construção do VLT Parangaba-Mucuripe, além de apresentar os problemas que têm passado desde que Fortaleza foi escolhida como cidade sede da Copa do Mundo de 2014. Um abaixo assinado contra as remoções também foi divulgado no site Pela Moradia (pelamoradia.wordpress.com), página eletrônica que divulga mobilizações sociais de todo o Brasil. Comunidades como a Lauro Vieira Chaves e a Aldaci Barbosa estão bastante articuladas com o Comitê Popular da Copa, que existe nas 12 cidades sede da Copa do Mundo de 2014. Os comitês são compostos por movimentos sociais, ONG´s, organizações populares, organizações políticas e estudantes e divididos em grupos temáticos (GTs). Cada um dos GTs tem uma função a realizar. Em Fortaleza, o Comitê local conta atualmente com dois GTs, um de Comunicação, responsável pela parte de imprensa e publicidade, e outro Técnico, responsável por fornecer suporte jurídico e urbano. Atualmente está sendo criado mais um GT, o de Mobilização, com o objetivo de levar os moradores das comunidades a participarem mais das decisões do Comitê. Samuel Queiroz, morador da Comunidade Lauro Vieira Chaves, destaca que a articulação do Comitê é em âmbito nacional e que essa ligação é importante. “As ações que estão sendo tomadas em outras sedes também podem ser tomadas aqui”, explica. Além de trabalhar com as remoções, o Comitê Popular da Copa busca abranger o impacto ambiental e social das obras nas cidades sede. Apesar de toda essa mobilização, existem pessoas nas comunidades que desejam sair. Segundo Cássia Sales, esses são casos específicos, de pessoas que, por motivos particulares e por perspectivas diferentes, preferem mudar-se e não se articulam nas mobilizações. Um dos motivos apontados por ela, e que é bastante comum entre os moradores que querem sair, é, por exemplo, o desejo de voltar para o interior, ou para sua cidade natal. Segundo a líder comunitária, o número de moradores a favor da remoção é pequeno e não atrapalha a articulação dos que são contra a mudança.
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PERGUNTAS
As dúvidas frequentes sobre o
VLT
Para tentar esclarecer as principais dúvidas dos moradores atingidos pelas obras do VLT, veículo leve sobre trilho, a equipe do Impressões conversou com alguns representantes do Metrofor. A seguir você confere algumas questões respondidas pela Técnica em Interferência, Talita Capistrano, pela advogada de Desapropriação, Mônica Damasceno, e por um dos assessores do órgão, Fernando Mota
A marcação nas casas de mais de 1.400 famílias significa que esses imóveis serão demolidos?
Nem todas as propriedades marcadas serão demolidas, algumas casas serão atingidas apenas parcialmente. A remoção ou não dessas casas irá depender de fatores como a distância que separa a casa do trilho ou se a casa fica na área onde será construída a estação, por exemplo. O Projeto ainda poderá sofrer alterações e mudar percursos do trajeto das linhas.
2013. Esse conjunto tem capacidade para dar moradia para as 1.500 famílias atingidas pelas obras do VLT.
Quem avaliará esses terrenos?
A empresa Comol foi contratada pelo Metrofor para avaliar os imóveis que serão removidos. A Comol é composta por uma equipe multidisciplinar, responsável pela produção do Laudo de Avaliação dos Imóveis, formada por Engenheiros Civis, Engenheiros Agrônomos e Geólogos supervisionados pelo CREA- CE (Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia).
Os moradores proprietários dos terrenos receberão indenização caso sejam desapropriados? Que órgão será responsável por esse Como será avaliado o terreno? A Comol irá seguir os critérios estabelepagamento? Sim, os proprietários receberão uma indenização que será paga pelo Governo do Estado do Ceará. Além da indenização , os moradores removidos terão direito a uma unidade residencial do Programa Minha Casa Minha Vida, de acordo com critérios exigidos pela Caixa Econômica Federal. A Secretaria de Infraestrutura do Ceará escolheu um condomínio no Conjunto Residencial Prefeito José Walter para ser o novo lar dessas famílias. O conjunto residencial ainda não está pronto, a previsão de entrega da obra é no início de
cidos pela ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas). Será levado em consideração o preço de mercado e as benfeitorias, de acordo com o custo do Método de Reprodução, consultado através da tabela do Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil – SINAPI, estabelecida pela Caixa Econômica Federal.
O Metrofor obedecerá a Lei Orgânica do Município, que prevê a
nova moradia dos removidos até estabelece que aquele que mo3 km próximo do local de origem? rou por mais de cinco anos em A distância exigida pela Lei Orgânica do um terreno sem posse até o ano Município não atende as exigências da Caixa de 2001 “tem direito à concessão Econômica Federal, financiadora do Projeto Minha Casa Minha Vida. Esses critérios es- de uso especial para fins de motão expostos na Portaria Federal 325 de 7 de radia”, isso procede mesmo em julho de 2011, do Ministério das Cidades. terras públicas”? A Caixa estipula como valores máximos de aquisição das unidades nos valores de apartamento 56.000,00 e casa 54.000,00, para capital e região metropolitana. Ou seja, o m² onde serão construídas essas moradias não pode ultrapassar esses valores, o que se sobrepõe a Lei Orgânica do Município, pois caso esse critério não seja atendido, o Programa Minha Casa Minha Vida será inviabilizado. Para atender a Lei Orgânica do Município, o Governo não poderia ter optado por esse programa da Caixa Econômica. Se o Governo Estadual não tivesse optado pelo projeto da Caixa, o gasto com as novas moradias da população removida triplicaria, ultrapassando o orçamento do Governo do Estado. A obrigação do Governo do Estado é habilitar essa nova moradia dos desapropriados com condições semelhantes ao que elas têm no local de origem, garantindo escolas, creches, áreas de lazer e comércio, saneamento básico, segurança e postos de saúde.
A Medida Provisória 2220/2001
A Lei do Usucapião não se aplica a terras públicas, pois a terra é da União, Estado e Município.Os moradores poderão até entrar na Justiça, porém dificilmente irão ganhar a causa. O máximo que eles podem conseguir é o direito a serem indenizados pelas benfeitorias, que são as construções que eles fizeram na propriedade pública
Os moradores que não portarem Nota da reportagem A equipe do Impressões entrou em contato com o defensor público José Lino Fonteles da Siveira para saber se o Metrofor tem que cumprir ou não a Lei Orgânica do Município. Segundo José Lino, o Município de Fortaleza, como todos os outros, é regido por uma Lei Orgânica e todas as intervenções urbanas dentro do perímetro do município são obrigados a respeitar essa lei, a Lei nº 10.257/01 (Estatuto das Cidades) e a legislação urbanística municipal, inclusive o próprio município.
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O que contém o laudo de desapropriação Para avaliação do TERRENO - Vistoria do imóvel (in-loco). - Pesquisa de mercado da região onde está inserido o imóvel em questão (valor do m²). - Estudo comparativo do valor do m² encontrado com o mercado imobiliário da região pesquisada. - Tratamento dos dados através de inferência estatística, usando modelo de regressão linear, ou seja, os dados de mercado (venda e oferta) pesquisados que estão fora da média da região serão eliminados para que não possam influenciar no preço do m², para baixo ou para cima. - Atestado do valor do m² para se chegar ao valor do terreno a ser desapropriado. Para avaliação da BENFEITORIA (Edificação): - Vistoria técnica da edificação que será desapropriada para verificação das condições do imóvel em relação à estabilidade, solidez, estado de conservação, padrão de acabamento, idade aparente, bem como medidas da área construída e número de cômodos daquela unidade. - Com base nos dados levantados, utiliza-se a tabela SINAPI, aprovada pela Caixa Econômica Federal, com depreciação pela tabela Ross-Heidecke, para encontrar o preço da edificação a ser desapropriada. Significa que o preço da edificação será calculado como se estivéssemos construindo o imóvel nas mesmas condições que ele se encontra. - Atestado do valor encontrado no laudo: após encontrar o valor do terreno e da benfeitoria, somam-se estes dois valores para chegar ao valor da avaliação do imóvel. Ilustração: divulgação Metrofor
nenhum documento da propriedade terão os mesmo direitos?
Os moradores que não possuírem documentação do imóvel somente receberão indenização referente às suas benfeitorias na propriedade. Será necessário que esses moradores comprovem que são posseiros dessas terras. Possuir pelo menos uma conta de luz ou de água que comprove que ele reside naquele local ou mesmo ter uma testemunha. O Metrofor utiliza como comprovação de posse dos terrenos o cadastro feito pela empresa Mosaico, pois é feita uma pesquisa in loco. Já os que portam todos os documentos e comprovam a propriedade do terreno receberão indenização pelo terreno e benfeitorias. O morador só comprovará a propriedade com registro cartorário do imóvel e, à época da desocupação, matrícula atualizada.
8) Quanto à remoção parcial como será avaliado esse imóvel?
Antes da remoção parcial da estrutura física, uma equipe multidisciplinar de engenheiros irá avaliar se existem condições de moradia segura e se o imóvel não será descaracterizado após a demolição parcial. Caso o morador não tenha condições de permanecer no local, ele será indenizado pela propriedade inteira. Porém, se existir a possibilidade de
continuar na moradia ele receberá uma indenização parcial, de acordo com as proporções dos danos causados pela remoção.
Nos casos onde existem casas duplex ou “puxadinhos”, todos receberão uma moradia segundo as proporções onde vivem?
De acordo com o Diário Oficial do Estado, no art. 7 da LEI Nº 15.056, o inquilino ou simples ocupante, desde que resida há pelo menos 12 meses contínuos, anteriores à publicação desta Lei, em parte do imóvel considerada como parte autônoma, receberá exclusivamente uma unidade residencial, a ser viabilizada pelo poder Executivo através do Programa Minha Casa Minha Vida, da Caixa Econômica Federal ou de outro financiador, em local definido pela Secretaria de Infraestrutura do Estado.
Nas propriedades alugadas, quem recebe a moradia e/ou indenização, os inquilinos ou os proprietários? Os inquilinos receberão a moradia do programa da Caixa e os proprietários a indeniza-
ção pelo imóvel. O Governo do Estado buscou dar abrigo aos moradores que não têm nenhuma propriedade em seu nome. Quem for inquilino terá o direito de se cadastrar no projeto Minha Casa e Minha Vida. A única exigência do Metrofor ao inquilino será a comprovação de que reside na moradia há pelo menos um ano e tenha como comprovar isso.
Que órgão os moradores devem recorrer caso se sintam insatisfeitos com o valor da indenização proposto pelo Metrofor?
Antes de qualquer notificação sobre desapropriação, os moradores serão convidados para uma negociação no Metrofor. Com o Laudo de Avaliação do Imóvel em mão, produzido pela Comol, os técnicos do Metrofor irão apresentar a proposta de indenização para os moradores. Se o morador não concordar com a proposta oferecida pelo Metrofor, os técnicos responsáveis pela irão encaminhar o Laudo de Avaliação do Imóvel à Justiça Estadual, que será responsável pelo desfecho da negociação. Os moradores também tem a opção de recorrer a Defensoria Pública do Estado, que poderá avaliar também as condições e metragens do terreno.
SERVIÇO
Atendimento Metrofor Dias: Terças e quintas-feiras. 8h às 12h – 13 às 17h Endereço: Sede do Metrofor. R. 24 de Maio, 60. Centro Informações: 3101.7159 Atendimento Defensoria Pública Local: Central de Atendimento da Defensoria Pública Estadual. Av. Pinto Bandeira, 1111. Luciano Cavalcante Informações: 3101.3434
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DESTAQUE
Mudança de planos
Uma estação saiu; outra estação entrou; mais uma passagem de nível; menos desapropriações. Entenda o contexto e as consequências das alterações no projeto da linha de VLT Iane Parente João Victor Cavalcante
Foto: Fernando Benevides
Bruno Jannotti, engenheiro responsável pelo projeto do Veículo Leve sobre Trilhos, explica que as alterações continuam acontecendo, inclusive, por causa da pressão das comunidades.
Entre as várias alterações que o projeto do VLT sofreu, desde seus primeiros esboços em 2010, duas ganharam destaque e reascenderam a esperança de muitos moradores resistentes às remoções. As comunidades Aldacir Barbosa e Lauro Vieira Chaves, que seriam removidas quase totalmente, vão ficar. Bruno Jannotti, engenheiro responsável pelo projeto do VLT, explica que as alterações são constantes. Por ser uma obra de mobilidade, ela precisa estar de acordo com os demais planos do poder público para o trânsito, como a construção de túneis na Via Expressa. Assim, algumas alterações são para viabilizar obras de tráfego, e outras são consequências da pressão dos moradores. Jannotti diz que a pressão das comunidades interferiu nas alterações do projeto, que só podiam ser feitas com autorização do Governo. “A gente só consegue enxergar isso [possibilidades de mudar] justamente quando a comunidade rebate, não aceita, não deixa. Daí, pensamos que, se não é nesse caminho que a gente consegue, vamos por onde?” Ele exempli-
fica com o caso da comunidade Lauro Vieira Chaves, onde fizeram os primeiros laudos de indenizações. “A gente tinha os valores, sabia da resistência das comunidades, mas não sabia efetivamente quem aceita e quem não aceita [os laudos]”. Constatado que 70 a 80 por cento dos moradores recusaram o laudo, o projeto foi re-planejado. O engenheiro conta também que a recusa aos valores de indenização motivou o acordo em que as famílias cuja residência for avaliada em menos de 40 mil reais receberão uma casa do programa Minha Casa Minha Vida. O engenheiro perdeu as contas do número de mudanças que o projeto já sofreu. Elas podem elevar o custo da obra, mas Jannotti acredita que não será o caso, pois a maioria das alterações “são muito pontuais”. O encarecimento que pode existir é devido aos trabalhos que serão refeitos ou atualizados. Os laudos das indenizações aos moradores da comunidade Lauro Vieira Chaves, por exemplo, já foram entregues ao Metrofor, contudo a maioria não será utilizada. No entanto, de acordo
com Jannotti, as mudanças são econômicas. Os gastos desses “re-trabalhos” aumentam, mas o Governo poupa bem mais pagando menos indenizações. “Se você juntar tudo, a economia ainda é maior”, avalia o engenheiro.
Pessimismo Uma das mudanças mais significativas no projeto da linha de VLT Parangaba-Mucuripe ocorreu no trecho que passa pela comunidade Audaci Barbosa. Primeiramente, estava prevista a construção de uma estação que comprometeria muitas casas da comunidade. Após as alterações, a construção da estação será no outro lado da Avenida Borges de Melo, num terreno atualmente desocupado. Essa alteração, aparentemente simples, reduziu de 250 para 20 o número de casas que deverão ser desapropriadas. A mudança se deve, dentre outros fatores, às pressões por parte da comunidade que resiste às remoções, organizadas e em diálogo com outras comunidades que também serão afetadas pelo
projeto do VLT. Apesar de ser encarada como uma vitória pelo movimento de resistência contra as remoções, essas alterações ainda são vistas com certa desconfiança e pessimismo por parte de alguns moradores. Para o estudante universitário Jérsey Oliveira, morador da Audaci Barbosa, essa é uma vitória de todas as comunidades. O estudante, que faz parte do movimento, afirma que a luta é coletiva e ainda há muito para ser conquistado. Contudo, Jersey pondera que essa redução deve ser vista com cautela, pois uma conquista desse tamanho pode frear a resistência na Audaci Barbosa, enfraquecendo o movimento contra as remoções. Além disso, os moradores só tomaram conhecimento sobre essa mudança por meio da imprensa. Não houve comunicado oficial do Governo para os moradores da comunidade. O jovem diz que um diálogo mais próximo com o Governo nunca aconteceu. Desde que os primeiros boatos sobre o VLT surgiram, as informações são pouco claras. “Nas poucas comunidades que o Governo
veio, não foi pra negociar, foi para mostrar os slides de como o VLT é bom e como a gente vai se beneficiar com isso”, afirma Jersey. Para o estudante, algumas poucas garantias, frutos de muita pressão, aparecem, daí a necessidade de ficar atento, mesmo após essas vitórias. O ideal para os integrantes do movimento de resistência das comunidades é que as obras sejam concluídas com o mínimo de remoções possível. “Nossa luta é até o fim, até tudo ficar resolvido. A gente fica em alerta total até isso“, afirma.
O que falta ser licitado? De acordo com informações da Secretaria de Infraestrutura do Estado do Ceará (Seinfra), há, ainda, dois novos processos a serem licitados, ambos relacionados com a linha de VLT Parangaba-Mucuripe. Na realidade, para garantir agilidade nesta fase mais burocrática do projeto, deverá ser efetuada apenas uma licitação que abranja
as obras que ainda não foram licitadas. O primeiro processo prevê a construção de três novas estações: uma na Avenida Antônio Sales, outra em frente ao Iate Clube de Fortaleza, no Mucuripe, e uma terceira no terminal de passageiros da Companhia Docas. Contudo, esta última só poderá ser feita quando o terminal estiver pronto ou, pelo menos, próximo de ser concluído. O segundo processo é relacionado à construção dos trilhos entre as estações citadas. Quanto aos valores dessas licitações, a Secretaria estima que a primeira (construção das três estações) será em torno de R$ 11 milhões e a segunda (construção dos trilhos) será aproximadamente R$ 12 milhões, pois o custo é, em média, de R$ 4 milhões por quilômetro de trilho, e serão necessários 3 km. A Seinfra ressalta, entretanto, que esses dados são estimativas preliminares e que ainda poderão sofrer alterações. Ainda não há prazo definido para estas licitações nem para o início das obras, pois a meta da Secretaria é dar andamento às oito estações já licitadas.
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Do projeto à ordem de serviço Entre planos, prazos e orçamentos, saiba como funciona um projeto de licitação Caroline Brito João Victor Cavalcante Antes de começar as obras da linha de VLT Parangaba-Mucuripe, o projeto passou pelo processo de licitação para incentivar uma concorrência entre as empresas interessadas em fazer a construção. Esse passo serve para garantir a prestação de um serviço mais barato e com a melhor qualidade possível, conforme prevê o artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal. Esse artigo determina a obrigatoriedade de licitação, ou seja, uma seleção da proposta mais vantajosa, feita em todas as aquisições de bens e contratações de serviços e obras das administrações públicas. Primeiramente, é realizado um estudo chamado de Termo de Referência. As informações desse processo são dispostas em um documento utilizado
pelo governo que faz uma descrição prévia da obra desejada e da metodologia de construção, enumerando particularidades como os recursos necessários. Esse estudo é analisado seguindo os padrões do órgão competente. No caso do projeto do VLT, isso foi verificado pela Secretaria de Infraestrutura do Estado do Ceará (Seinfra). Feito o termo, a Secretaria elabora o edital com as especificações exigidas para a construção. O edital é analisado pelo setor jurídico do órgão competente, averiguando se ele está conforme o que é exigido pela lei. Após isso, o documento vai para a Procuradoria Geral do Estado (PGE) e é publicado na internet. Em obras como o
VLT, que há um processo licitatório, o edital é divulgado também no Diário Oficial do Estado e em um jornal de grande circulação nacional. Neste caso, foi publicado na Folha de São Paulo. As empresas interessadas têm um prazo para enviarem as propostas que, após 45 dias, são verificadas pela PGE. As propostas são colocadas em dois envelopes: um com as informações do serviço que será prestado e outro com o preço. Primeiramente, a procuradoria analisa o serviço e seleciona empresas capazes de atenderem as condições do edital. As empresas inabilitadas têm um prazo para se adequarem e voltar a participar da concorrência. Depois, são abertos os envelopes com os preços co-
brados pelas empresas. A empresa que atender todos os requisitos do termo de referência e cobrar o menor preço é escolhida para executar a obra. Em seguida, caso o processo licitatório ocorra dentro das regras legais e do edital, ele é homologado. Posteriormente, contrato e ordem de serviço são assinados pela secretaria responsável, e as obras são iniciadas.
lidade do secretário de infraestrutura do estado Adail Fontenele. No caso dessa obra, a empresa licitada para realizar a execução foi o consórcio CPE, formado pelas empresas Consbem Construções e Comércio LTDA, Construtora Passarelli LTDA e Engexata Engenharia LTDA. O gerente do consórcio, Flávio Azevedo, explica que um consórcio funciona de maneira independente, mesmo que as empresas tenham participação percentual diferente dentro do conjunto. Essa diferença, contudo, não interfere na responsabilidade na obra. A assinatura da ordem de ser- “O nosso contrato é para a viço do ramal de VLT Paranga- construção de obras civis do ba-Mucuripe aconteceu no dia VLT. Então, aquisição de trem, 27 de fevereiro sob responsabi- operação e manutenção não faz parte do nosso contrato.
ParangabaMucuripe
Nossa função é ligada com execução de terraplanagem, trilho, construção das estações e os viadutos e elevados”, declara. Flávio Azevedo também explica que técnicos contratados pela Seinfra fiscalizam a construção. Mensalmente, antes de a Secretaria repassar o valor destinado à execução da obra, é feito um levantamento de tudo o que foi executado. A partir disso, é elaborada uma planilha com o saldo final que é apresentada à equipe de fiscalização. Ela confere, atesta e envia para a Secretaria de Infraestrutura. Só depois disso, a Caixa Econômica Federal, órgão responsável pelo pagamento da obra, libera a verba. “A gente só recebe de acordo com o que faz. A verba é da Seinfra”, afirma ele.
Linha
Parangaba-Mucuripe Dos primeiros esboços até o que existe hoje, o projeto do VLT sofreu inúmeras alterações. Desde a construção de uma passagem de nível a mais no São João do Tauape, até a mudança na estação da Avenida Borges de Melo – o que livrou da remoção mais de 200 casas. Além disso, “quase todas as estações foram reduzidas um pouco” para evitar desapropriações, explica o engenheiro Bruno Jannotti. Confira as mudanças mais significativas que o projeto sofreu.
Será construída uma estação a mais, na Avenida Abolição.
Praia Mansa
Serviluz
Estação Antonio Sales saiu do projeto. A Seinfra pretende, posteriormente, retomar os planos para a construção dela, que seria num terreno ao lado do Colégio Ari de Sá.
Estação Pontes Vieira ficaria no quarteirão onde hoje é a sede da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e agora ficará no quarteirão do Curral do Boi.
Mucuripe Papicu
Caucaia
João Felipe Xico da Silva
Pontes Vieira Rodoviária
Montese
Vila União Aeroporto
Parangaba
M
Castelão
Pacatuba
Os trilhos próximos ao Aeroporto Pinto Martins, que ficariam sobre a comunidade Lauro Vieira Chaves, ficarão “encostados” no muro do aeroporto, pelo lado de dentro, reduzindo as desapropriações na área cerca de 90%.
São João do Tauape
A Estação Rodoviária, na Borges de Melo, que seria em cima da comunidade Aldacir Barbosa, agora será do outro lado, vizinho ao mercantil G Barbosa, entre a Edmundo Almeida filho e a via láctea. O numero de desapropriações foi reduzido cerca de 95%.
Estima-se que, com as alterações, as residências atingidas sejam reduzidas de 2.700 para 1.700. Destas, cerca de 1.000 residências seriam totalmente removidas e o restante teria parte desapropriada, mas poderiam continuar no local onde. Linhas
Integração
Intervenções
Parangaba-Mucuripe (implantação futura)
Parangaba-Mucuripe Sul (metrô)
N
Ônibus
Oeste (trem/VLT)
M
Metrô
BRT (ônibus)
BRT
Distâncias fora de escala Trajetos simplificados
WANDERLEY NEVES e RENATO SOUSA fonte: Metrofor
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mobilidade
Pra que tanto carro assim? Fortaleza já tem quase 790 mil veículos nas ruas, e a consequência é um trânsito cada vez mais problemático. A variação de meios de transporte é uma solução para garantir o deslocamento da população Foto: Mariana Freire
A comunidade pede passagem Nayana Siebra Ranniery Melo
Para o trânsito complicado de Fortaleza, a solução é o surgimento de novas alternativas de transporte
Mariana Freire Em 1980, a frota da Capital passava pouco da marca de 104 mil veículos automotores. Depois de 31 anos, o número cresceu 7,5 vezes e chegou a 781 mil, segundo o Departamento Estadual de Trânsito do Ceará (Detran-CE). O aumento é sentido a cada dia pelo fortalezense: engarrafamentos se espalham por toda a cidade e poucas são as alternativas para ir de um lugar a outro. Com uma média de 132 novos veículos por dia, a frota de Fortaleza já chega perto de 790 mil veículos. “Em torno de 20% da população tem acesso a carros e ocupa mais de 80% do sistema de transporte da cidade”, alerta André Soares, professor de Urbanismo e Planejamento Urbano da Universidade de Fortaleza (Unifor). O índice é um reflexo de investimentos em um sistema viário que tem como prioridade o veículo particular, como o carro e a moto, afirma André. “Se formos trabalhar com a hipótese de que todos vão ter um carro, a cidade teria um colapso”, ressalta o professor. De acordo com ele, é grande a necessidade de investimento em outras formas de deslocamento. Agora, André aponta, é possível identificar as primeiras alternativas para o trânsito. O VLT, atualmente em obras e com previsão de entrega para julho de 2013, fará a ligação entre o Mucuripe e a Parangaba. Segundo Fernando Mota, assessor da presidência da Companhia Cearense de Transportes Metropolitanos (Metrofor), o traçado do veículo irá atingir 20% da população fortalezense. “É ótimo que exista esse tipo de investimento na cidade para que as pessoas percebam que existem outros tipos de modais”, considera o professor André. “A finalidade do sistema de transporte de uma cidade é permitir que todo cidadão tenha possibilidade de se deslocar para todos os espaços”, explica o professor. Essa possibilidade, segundo ele, se dá tanto pela qualidade e o alcance de cada meio de transporte quanto pelo preço cobrado por isso. “Devemos promover a democratização do acesso através da oferta de transporte coletivo. Esse acesso é espacial e econômico”. De acordo com André, intervenções na malha viária como reasfaltamento e construção de túneis e viadutos beneficiam uma parte pequena das pessoas. “Congestionamento não é o problema. O problema é que existe uma parcela enorme da população que não tem capacidade de ir para todas as áreas da cidade”, afirma ele.
Para André, ainda há outra tarefa necessária para a melhoria do trânsito: a conscientização das pessoas. “Para fazer com que quem usa veículo próprio passe a usar outro sistema de transporte, não basta simplesmente variar os modais”, ele frisa. Ações de educação para a troca do carro por outro tipo de transporte é imprescindível, assim como a existência de modais com características específicas.
A solução não é completa
Numa cidade em que a prioridade do sistema viário é dada aos veículos particulares, o investimento em modais é um ganho, de acordo com André. “Dentro das nossas condições, é ótimo que isso exista, mas é uma pena que ele tenha sido criado nessas circunstâncias”. O problema, ele aponta, é a falta de um estudo a respeito do comportamento de deslocamento para elaborar um projeto que atenda às necessidades do fortalezense. “É uma pena que se invista tanto dinheiro em um sistema que não foi pensado para o transporte de passageiros, mas de cargas”, afirma André. O VLT Parangaba – Mucuripe será construído seguindo a faixa de domínio férreo já existente. “É uma alternativa barata”, explica Fernando Mota. Não houve um estudo que definisse quais eram os bairros pelos quais o VLT deveria passar para beneficiar a população”, argumenta o professor. “A justificativa é a contenção de gastos, mas nós sabemos que existe uma séria limitação em encaixar um transporte de passageiros dentro de um ramal de carga”. O problema, segundo ele, é que a linha férrea de carga não passa prioritariamente pelos espaços de maior demanda de pessoas.
E, afinal, o que é matriz modal? Matriz modal indica a variedade de opções de deslocamento que uma cidade oferece. Os modais podem ser de diversos tipos: veículos particulares, ônibus, metrôs, trens, ciclovias, calçadas acessíveis e muitos outros. Cada um desses meios atende a diferentes demandas de custo, quantidade de passageiros, destinos e distâncias.
A muleta de detalhes amarelos é um terceiro braço, apoio do corpo marcado por toda uma vida. Depois de 76 anos, a artrose e a osteoporose já pesam sobre a locomoção de Rocilda Oliveira, moradora do Lagamar há mais de 30 anos. A comunidade, dividida pelos trilhos do futuro VLT, possui um único posto de saúde, justamente do lado oposto à moradia de Rocilda. “O posto de saúde daqui é maravilhoso e eu preciso ir lá quase todo mês, mas eu não vou ter condições de subir escadas para atravessar o trilho e chegar lá. Mal consigo descer o degrau da minha calçada”, lamenta. Atualmente, não existe nenhuma delimitação que impeça os moradores do Lagamar de atravessar o trilho. Para manter a segurança em relação ao VLT, porém, será necessária a construção de uma grade por todo o percurso. A alternativa inicialmente proposta pelo Metrofor para ligar os dois lados da comunidade era a construção de três passagens de nível tanto para pedestres quanto para carros. “O projeto do VLT está sendo alterado para incluir mais uma passagem no Lagamar, totalizando quatro, devido à reivindicação da comunidade. Não estão incluídas, entretanto, passarelas no Lagamar, pois elas podem ser incluídas a qualquer momento, mesmo depois do fim das obras”, informa Bruno Janotti, engenheiro civil da projetista do Metrofor.
Grades de segurança
A preocupação entre os moradores, porém, é grande. O motivo principal é a falta de informação sobre as futuras mudanças. “Eu moro do outro lado do Lagamar, mas por conta do meu trabalho eu preciso atravessar o trilho pelo menos quatro vezes por dia. Eu ainda não sei como vão fazer, mas eles precisam resolver de uma forma que não atrapalhe a nossa vida. Eu preferiria que não fizessem as grades, pois isso dificultaria a nossa passagem”, reclama Cristiane Martins, outra moradora do Lagamar. Bruno Janotti, porém, afirma que a construção da grade é necessária para evitar acidentes, já que o VLT passará numa frequência muito maior que os trens que cruzam a comunidade atualmente. É por esse motivo que as passagens de nível terão cancelas programadas para permitir a passagem nos momentos em que os veículos não estiverem sobre os trilhos. Caso o fluxo de pessoas seja ainda mais intenso, é possível construir posteriormente as passarelas de passagem por cima do trilho. A tentativa de isolamento do trilho em relação à comunidade, porém, já aconteceu. Um muro foi construído pela Rede Ferroviária Federal (RFFSA), mas em pouco tempo foi destruído pelos próprios moradores, que transformaram a barreira em partes dos muros das suas casas.
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Pelos caminhos do VLT
O burburinho de agitação da Parangaba está separado da paisagem calma do Mucuripe por 12,7 km. É essa distância que o VLT pretende percorrer em 30 minutos. Para conferir qual deve ser o impacto causado na locomoção entre os dois extremos da cidade, fizemos o trajeto Parangaba – Mucuripe – Parangaba de ônibus e de carro
Fotos: Mariana Freire
Ao volante
Para quem faz o percurso de carro, um desafio recorrente é o congestionamento. Em vários pontos, as vias são cortadas pelos trilhos
O trajeto que mais se assemelha ao do projeto do VLT inclui 10 vias, entre ruas e avenidas. Comecei a executá-lo no Terminal da Parangaba, na Rua Eduardo Perdigão, às 16 horas e 29 minutos de uma quinta-feira. Em pouco tempo, já era perceptível a dificuldade de locomoção na Parangaba. Os veículos disputavam o espaço estreito das vias, deixando o trânsito bastante lento. Do andar vagaroso da Parangaba, passei ao caminho livre e tranquilo da Av. Carlos Jereissati, via que dá acesso ao Aeroporto Internacional Pinto Martins. Entre todo trajeto que percorri nesse dia, esta foi a via onde o trânsito fluiu melhor. Não há buracos na pista, a via possui quatro faixas, sem semáforos, e a velocidade máxima permitida é de 80km/h. Atravessar o perímetro que cerca o aeroporto parece fácil quando comparado com o que vem poucos metros depois: a Av. Raul Barbosa. Além da má conservação da via, uma faixa interditada por conta das obras de mobilidade urbana para a Copa do Mundo de 2014 complica o trânsito no local. Os trilhos bem próximos às ruas marcam o final do trajeto de ida. Demoramos dez minutos entre a Via Expressa e
Última parada Das múltiplas assimilações do coletivo. O coletivo que transporta. Mas também o coletivo que unifica, de parada em parada, desde o terminal, o trajeto comum. Da aldeia Parangaba até onde as velas partem, no mar do Mucuripe, enfrento pela primeira vez a experiência de fazer o percurso proposto pelo VLT, desta vez, de ônibus. Às 17 horas e dois minutos, o veículo para diante da fila de cerca de quarenta e cinco pessoas. O propósito é coletivo, mas o sentimento não é de coletividade. Sim, é o final de um dia de trabalho, de estudo e de qualquer outro afazer. O que não deveria excluir uma dose de gentileza ao evitar empurrões e xingamentos desnecessários. A falta de cortesia típica se desfaz aos poucos dentro do meio de transporte. Durante todo o trajeto, o ônibus se mantém estável no número de passageiros. Com sorte, minha colega de reportagem, Mariana Freire, consegue um lugar para se acomodar. Trinta minutos de viagem. A marca prometida pelo VLT para a chegada ao destino corresponde a menos da metade do percurso via ônibus. Após meia hora dentro do coletivo, o veículo ainda se encontrava no cruzamento da Av. Barão do Rio Branco com a Rua Rocha Lima,
Nayana Siebra a Av. Abolição. Andamos por vias conservadas, com poucos buracos e com boa sinalização. Todo o trajeto inicial, da Parangaba ao Porto do Mucuripe, foi percorrido de carro em 32 minutos, apenas 2 a mais que o tempo de viagem prometido pelo VLT. Entretanto, é preciso considerar o horário em que o traçado foi percorrido. Tanto que, na volta, quando trafeguei em horário de pico, o trânsito prolongou bem mais a demora. Para retornar, parti do Mucuripe em direção à Parangaba, às 17 horas e 02 minutos. Fiz o mesmo percurso da ida, porém demorei 53 minutos para chegar ao Terminal da Parangaba. O trânsito estava bem intenso na saída da Via Expressa, na Av. Raul Barbosa e no entorno da Parangaba. Novamente, a parte mais rápida foi o trajeto da Av. Carlos Jereissati. Somando o tempo de ida e volta, executei o trajeto proposto pelo VLT de carro em uma hora e 25 minutos, o que equivale a quase três viagens sobre os trilhos. Os 12,7 km percorridos de carro representaram um consumo de 2,6 litros de gasolina o que, pela cotação do dia, resultou em um gasto de R$ 6,76 de combustível.
Ranniery Melo no Centro. Somente uma hora e onze minutos depois, às 18 horas e 13 minutos, o ônibus alcança o ponto de chegada. Agora, tanto Mariana quanto eu estamos sentados. É sem fazer paradas e quase vazio que o transporte faz o caminho de volta. Menos atordoado por dentro, mas com o escarcéu cotidiano do auge das dezoito horas do lado de fora. Há trânsito bravo. Mas há que resistir. E cada um resiste da maneira que pode. Se, por acaso, encontro uma revista de palavras cruzadas dentro da minha mochila, Mariana resiste sem resistir: é vencida pelo cansaço, cochilando ao meu lado, embalada pelas buzinas impacientes das rodas particulares. São 19 horas e 41 minutos. Somados os 89 minutos do percurso Mucuripe/ Parangaba, retornamos ao terminal da Parangaba, ironicamente, nunca antes tão desejado. No total, o percurso inteiro durou duas horas e trinta e nove minutos, tempo em que o VLT faria cinco viagens, de acordo com o prometido. Com o corpo, embalagem, todo gasto na viagem, como diria o Pessoal do Ceará, refleti enfim a ida diária daqueles que tomam o ônibus, desejando que o novo meio de transporte corresponda ao que é tão anunciado.
Espera longa no terminal e ônubus lotado na viagem do ônibus Parangaba / Mucuripe. O tempo gasto foi o de cinco viagens do VLT
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mobilização
Os que querem
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Embora a postura mais frequente encontrada nas comunidades atingidas pelas obras do VLT Parangaba-Mucuripe seja a resistência às remoções, há quem queira ter seu imóvel desapropriado Igor Gadelha
Lúcia de Senna quer sair devido às confusões na comunidade Foto: Pedro Vansconcelos
Basta andar poucos metros em qualquer comunidade afetada pela construção do Veículo Leve Sobre Trilhos (VLT), ramal Parangaba-Mucuripe, em Fortaleza, para facilmente encontrar vários moradores que não querem sair das casas onde vivem. Apesar de a postura mais frequente ser a resistência, há também quem pense o contrário: pessoas que querem deixar o imóvel por vontade própria. Na comunidade Trilha do Senhor, nas proximidades da Via Expressa, no bairro Aldeota, por exemplo, existe quem compartilhe esse pensamento. A aposentada Geralda dos Santos Freitas, de 78 anos, mora há mais de 56 anos no local e afirma que, “se pudesse, já tinha saído”. “Aqui já foi bom, quando era tudo ‘mato’. Agora, ninguém tem mais sossego”, desabafa a idosa ao se referir à violência no local. De acordo com Dona Geralda, a droga e a marginalidade são os principais motivos para que ela queira sair da comunidade onde criou os sete filhos. “Ninguém dorme sossegado. Aqui acolá tem tiroteio. Todo dia são dois, três assaltos”, conta. A idosa confessa que nunca participou de nenhuma reunião sobre as desapropriações nem foi procurada pela Companhia Cearense de Transportes Metropolitanos (Metrofor). A aposentada não é a única da família que deseja sair da comunidade. O marido da neta de Dona Geralda, o vigilante Lourenço Paulino dos Santos Neto, de 35 anos, também tem vontade de deixar a casa onde mora com a esposa e os dois filhos. A principal causa apontada por ele é a criação das crianças. “Ë próximo de tudo, mas a questão é a droga. Ninguém quer que seus filhos sejam criados aqui”. Outro problema indicado por Lourenço é a ausência de estrutura da comunidade. Segundo ele, falta principalmente saneamento básico. “Aldeota é para quem mora em condomínio”, desabafa o vigilante, que nasceu no Estado do Maranhão e mora há 19 anos
na comunidade Trilha do Senhor. “Se não tivesse todos esses problemas, seria ótimo”, completa. Lourenço conta ainda que, assim como a avó da esposa, não recebeu nenhum comunicado do Governo do Estado. “Teve uma reunião há um ano, mas nada concreto; só boatos”. Na opinião dele, mudar para um local distante não será problema. “É melhor morar em um canto civilizado, do que num cheio de risco”, diz ao comparar a comunidade onde vive com o bairro José Walter, para onde as famílias desapropriadas devem ser transferidas. Ao contrário de Lourenço e de Dona Geralda, a doméstica Lúcia de Senna, de 48 anos, quer sair da comunidade, mas não devido à violência. Os motivos são outros: “as conversinhas e confusões”, define. “Tem vizinhos que são como da família. Já outros...”, desabafa ela, que mora com os três filhos, há 20 anos, em uma casa de dois cômodos à beira do trilho. O desejo de Lúcia é residir próximo à irmã no bairro Granja Portugal, também na Capital cearense. “Tendo um canto para morar, eu vou”, diz. A doméstica, no entanto, afirma que nunca foi procurada pelo Metrofor, apesar de a casa já ter sido marcada. “Esse Metrofor não sei nem onde fica”, dispara. Ela diz desconhecer qualquer serviço de atendimento a quem quer sair por vontade própria.
Quero sair, como faço? Para os moradores que desejam ser desapropriados, o Metrofor disponibiliza um serviço de esclarecimento de dúvidas. O atendimento é realizado todas as terças e quintas-feiras, das 8h às 12h e das 13h às 17h, na sede do órgão (Rua 24 de Maio, número 60 – Centro de Fortaleza). A assessoria de imprensa do Metrofor explica, no
Foto: Pedro Vansconcelos
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Para além dos trilhos O projeto Vila do Mar, assim como o Veículo Leve sobre Trilhos, tem como base as desapropriações dos imóveis para dar lugar a grandes obras. Conheça o mundo novo de quem já mudou de lar Pedro Vasconcelos
264 famílias que viviam na Costa Oeste de Fortaleza moram, hoje, no Residencial Padre Hélio Campos
❝ "A questão é a droga. Ninguém quer que seus filhos sejam criados aqui" Lourenço Santos morador da Trilha do Senhor
entanto, que atualmente as negociações das desapropriações estão suspensas. O motivo, segundo informado, é por conta de uma revisão que o projeto da linha Parangaba - Mucuripe está passando, para diminuir o impacto nas comunidades. A estimativa do órgão é que o número de imóveis afetados, total ou parcialmente, diminua de, aproximadamente, 2.400 para cerca de 1.400 a 1.700. O Metrofor garantiu ainda que qualquer negociação, partindo do Governo ou das próprias famílias, só será feita a partir de junho. Aqueles que não quiserem esperar o contato do Metrofor têm a opção de procurar a Defensoria Pública do Estado, responsável por atender quem não tem condições de pagar um advogado. O órgão pode ajudar desde o processo de negociação das indenizações até o auxílio em ações na Justiça contra o projeto do VLT. O endereço da Central de Atendimentos é Avenida Pinto Bandeira, número 1111, bairro Luciano Cavalcante.
SERVIÇO Atendimento Metrofor Dias: Terças e quintas-feiras. 8h às 12h – 13 às 17h Endereço: Sede do Metrofor. R. 24 de Maio, 60. Centro Informações: 3101.7159 Atendimento Defensoria Pública Local: Central de Atendimento da Defensoria Pública Estadual. Av. Pinto Bandeira, 1111. Luciano Cavalcante Informações: 3101.3434
O mundo de Vera, hoje, é vermelho. As janelas e as portas da residência da dona de casa, o tom dos tijolos e os lares mais próximos. Em tudo se vê o encarnado. No começo de outubro de 2011, Vera Luiza Lopes teve de fazer a mudança mais drástica da vida. Por conta das obras do Projeto Vila do Mar, da Prefeitura de Fortaleza, ela saiu da casa onde havia nascido e morado nos últimos 48 anos, no Pirambu, para desembarcar no Residencial Padre Hélio Campos, na Avenida Francisco Sá. A princípio, a nova realidade foi desnorteante. “Quando cheguei aqui foi tão estranho, meu Deus do céu. Pra eu sair (de casa) foi osso”, conta. No local onde ficava a casa de Vera, na travessa São Francisco, vai passar uma grande avenida. A nova via, ao lado de diversos equipamentos esportivos e culturais, representa a principal obra de infraestrutura do Projeto Vila do Mar, que tem o objetivo de requalificar o litoral oeste de Fortaleza. Até agora, 264 famílias foram removidas, cerca de 1320 pessoas. Outras 1170 famílias vão ter de se mudar até o final de 2012 para outros três residenciais que ainda estão sendo construídos pela Fundação de Desenvolvimento Habitacional de Fortaleza (Habitafor). Ainda que o Projeto Vila do Mar seja de responsabilidade do Município, e o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) esteja a cargo do Governo do Estado, as semelhanças são consideráveis. Em ambos os casos, um grande número de pessoas vai ter de deixar o local de origem para dar vez a vultosas obras de infraestrutura. Os dois projetos também têm sofrido alterações para tentar diminuir o impacto sobre as propriedades. Outro ponto em comum diz respeito às opções oferecidas aos moradores. As famílias do litoral oeste puderam escolher entre indenização e uma nova casa cedida pela Prefeitura. Para aqueles atingidos pelas obras do ramal Parangaba-Mucuripe do VLT, o Governo está oferecendo um apartamento, a princípio, em um conjunto habitacional do bairro José Walter. Vera optou pela nova casa no Residencial Padre Hélio Campos. Padrão que foi seguido pela maior parte das famílias que moravam nas áreas já desapropriadas. De acordo com setor social do Projeto Vila do Mar, só os moradores mais antigos preferiram ficar no local de origem. A princípio, Vera recebeu a ideia de um novo lar com alegria, afinal a antiga residência era instalada em uma zona de risco. “Enfrentei a maré cheia que entrava na minha casa com lixo. Enfrentei briga de gangue...”, relembra. Hoje, a vida da dona de casa é marcada por saudade e apreensão. A violência crônica, mas dispersa, do Pirambu, agora está concentrada “num ninho só”, com tráfico de drogas e disputa por espaços no Residencial. O novo lar foi responsável, também, por
separar a família de Vera. A casa original, na beira da praia, era suficiente para seis pessoas. Como a nova residência não comporta tanta gente, a filha mais nova tem de dormir todos os dias na vizinha. Já a filha mais velha precisou se mudar para a casa da sogra, em outro bairro. A saudade latente faz com que Vera olhe para passado e presente e chegue à conclusão: “Não queria ter saído não, sabe por quê? Porque não tenho minha filha do meu lado, morando comigo. Lá, eu tinha”. Incomoda, também, a distância da nova residência para o antigo bairro. “Um perto longe”, nas palavras da própria dona de casa. Mas os moradores atingidos pelas obras do VLT que optarem pelo apartamento oferecido no bairro José Walter farão uma mudança bem maior que a de Vera. O conjunto habitacional construído para abrigar as famílias fica a pelo menos 10 quilômetros da comunidade mais próxima. No caso do Vila do Mar, a articuladora institucional do setor social do projeto, Maria Luiza Mesquita, afirma que houve “vontade política para encontrar os terrenos em uma área próxima”. Mas para Vera, o vermelho do novo lar ainda não se compara ao azul do mar, revelado em um abrir de janelas. Coisa de quem tinha o mar à porta de casa. Para ela, não há nada que se compare com “ir pra praia, tomar banho, pegar um bronze. Comer um peixinho, um peixinho torrado”.
E a história se repete... Do outro lado da cidade, os irmãos Roche dos Anjos e Joana D’arc relembram uma realidade historicamente bem mais remota. Em 1974, eles tiveram de se mudar da Rua Pereira Valente, no Meireles, para o Conjunto Alvorada, a dois quarteirões da Avenida Washington Soares, onde residem até hoje. A mudança forçada foi resultado de um amplo processo de desapropriações tocado pela Prefeitura de Fortaleza no começo dos anos 1970. À época, as grandes obras de infraestrutura já eram justificativas para a remoção de famílias de áreas mais centrais da cidade. O local onde Roche e Joana moravam deu lugar ao alargamento da Avenida Estados Unidos, hoje Virgílio Távora. A remoção empurrou a família para um novo terreno a cerca de oito quilômetros do bairro antigo. Nos anos 1970, a sensação de distância era intensificada pela própria dinâmica do que era o Conjunto Alvorada: “Aqui pra gente era o fim do mundo. A gente nasceu e se criou pro lado de lá, tudo pertinho. A princípio, aqui nem tinha energia”, comenta Joana D’arc. “Você mora em um local que tem todos os equipamentos, com toda uma história, aí de repente te expulsam dali... Foi muito ruim pra quem morava lá (no bairro antigo)”, reforça Roche dos Anjos.
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Entrevista
A exceção da exceção
Fotos: Carlos Mazza
O estudante de ciências sociais Jersey de Oliveira, 23 anos, foi o responsável por trazer a notícia da possível desapropriação para as obras do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) aos moradores da comunidade Aldaci Barbosa, local onde mora desde que nasceu. Ficou sabendo da inclusão da comunidade nos planos do governo pelo movimento estudantil, do qual faz parte. A pouca idade do Hermes da Aldaci Barbosa sugere a participação juvenil nas lutas sociais. Mas, como diz o próprio estudante, tal participação está longe de ser regra. Para ele, a luta em defesa dos direitos sociais é maior entre os mais velhos, e mesmo entre os jovens de classe média, do que entre os filhos daqueles que ajudaram a construir a comunidade. Carlos Mazza Laila Cavalcante Quando surgiu seu interesse por questões políticas, sociais? É uma longa história. Eu fiz tudo que é curso social que você pode imaginar da prefeitura para jovens carentes. Comecei um curso no centro comunitário da Aldaci Barbosa, que é o Crescer com Arte, onde você podia fazer teatro, dança... E ganhava, no final do dia, um recheado e um copinho de suco (risos). Aí foi o meu contato inicial, porque ali tinha algumas oficinas sobre coisas mais críticas, mas muito vago. Depois, através de contatos do Crescer com Arte, eu comecei a fazer curso numa ONG, o Instituto de Juventude Contemporânea, IJC, que era com a galera ligada à juventude do PT. Fiquei uma época nisso. Lá, eu fiz um curso de webdesign, capenguinha, mas foi um curso bom. E lá no IJC a gente tinha mais oficinas de direitos humanos, questões de gênero, essas coisas. Paralelo a isso, na escola pública em que estudei a vida inteira, a gente formou, no segundo ano do ensino médio, um grêmio que estava desativado, que era o Karl Marx e Friedrich Engels, o nome do grêmio. A gente tinha contato com a UJS, com a UBES, e começaram a se delinear mais essas posições políticas. E aí eu entrei na UECE, onde eu me envolvi primeiramente com o pessoal do Psol. Na época do Fórum do Comitê da Copa, eu já tinha rompido com esse pessoal. Foi aí (no fórum) que a gente descobriu a questão do VLT, porque até então a gente achava que ia rolar mais coisas lá perto do Castelão, na (avenida) Dedé Brasil, no Itaperi... Existe certo senso comum de dizer que o jovem hoje não se interessa mais por essas questões como há algumas décadas. Você concorda com isso? Eu acho que é fato. É só ver o meu caso. Eu sou a exceção da exceção. Se você vir o movimento, a maioria do pessoal é formada por traba-
lhadores. E não é porque eles têm mais tempo livre do que os jovens, porque a dona de casa que participa do movimento tem dupla jornada: a maioria trabalha e (também) trabalha em casa, e tem que sair de reunião pra ficar com o filho e tudo mais. A questão é o impacto ideológico que a gente vive dos anos 80 pra cá. O ciclo do PT, a crise da esquerda... A questão é que a geração que está vindo da classe trabalhadora está vindo mais alienada do que os pais, infelizmente. Por quê? Aí entra a TV, entra o tipo de debate que está havendo nas escolas, a questão do ‘anestesiamento’ do governo Lula, que é o governo dos trabalhadores, de que está tudo bem. E a questão principal, que é o fato de que a maior parte da juventude tem necessidades imediatas, o emprego, a bandidagem, parecem mais imediatos do que essa questão das casas, que fica parecendo mais algo que envolve os pais, né? E quando você participa de assembleia, como é que você se sente? Você é o único? Como eles te tratam lá? Ah, eu deixei a barba crescer justamente pra isso (risos)! Não, é de igual pra igual. A relação sempre foi horizontal, tanto entre jovens e adultos quanto entre homens e mulheres. É importante colocar isso: a questão de gênero já não se pauta tanto, não porque não haja, mas porque, dentro do movimento, homens e mulheres têm o mesmo peso, estão juntos na luta. Quanto aos jovens, existem outros, principalmente na Trilha do Senhor, que tem bem mais jovens. Mas é uma galera que, no geral, não se interessa tanto pela questão das reuniões, da estratégia em si. A juventude se anima mais quando é ato. Por exemplo, quando a gente fechou a Borges de Melo. São mais da ação mesmo, e menos da reflexão. A reflexão fica para os mais velhos, infelizmente, né?
O estudante Jersey de Oliveira entregou a notícia da possível desapropriação à Aldaci Barbosa
Fora das comunidades, o que você percebe a respeito da participação dos jovens com relação às questões sociais? É maior. Por exemplo, a galera do direito que nos ajuda, lá da UFC, é uma galera nova, do movimento estudantil, nova. E aí você vê a contradição: a juventude vem mais de fora, porque mesmo sendo de classe média, ela constrói a luta de fato. E mesmo quem atrapalha a luta - porque tem a galera de fora que atrapalha a luta -, também é o jovem da universidade. Uma coisa que eu sempre coloquei é essa contradição da classe trabalhadora: eu tive que sair daqui, no sentido político, pra poder aprender mais sobre aqui, aprender a interferir mais aqui. O que é uma coisa muito chata, apesar de um caminho necessário hoje. Tem alguma coisa que poderia ser feita para contornar essa situação, para levar esses jovens da comunidade a participarem mais da própria comunidade? É complicado, porque é uma coisa que é anterior e maior que a nossa organização imediata. E eu tenho consciência de que a gente não vai resolver isso. Agora, ironicamente ou não, um dos exemplos que podem ser muito
utilizados é o da Trilha do Senhor, que é o pessoal da Igreja. Eles têm grupos por faixa etária. Lógico que o núcleo que os une é a Igreja, e é mais fácil, porque todo mundo se encontra na missa. Aqui, nem todo mundo se encontra na reunião da associação, então não sei como seria. Mas uma coisa que a gente estava pensando em começar a fazer são os grupos mais focados, tentando agregar essa galera, porque é importante. Mas a gente sabe que, a curto e médio prazo, dificilmente a gente vai ter a totalidade dos jovens. A não ser em espaços mais ‘agitativos’. Mas aqui e acolá uma galera nova aparece. Por exemplo, o pessoal do Mucuripe, que é um pessoal novo, e ironicamente uma parte dele é universitária. Em questão de informação, os jovens sabem quais as consequências de o VLT ser construído aqui, está todo mundo consciente disso? Eles sabem pelos pais e pelas matérias de TV, porque eles assistem muito à televisão. E eles até perguntam quando a gente está passando ‘o que é que está acontecendo?’. Mas muito por cima, porque esse pessoal tem outras preocupações imediatas, coisas de adolescente. É f...
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porque não era pra estar separado, não era pra ser coisa de os pais resolverem, até porque são eles que irão ficar nas casas depois, né? O sentimento entre os jovens em relação a se mudar daqui, como você acha que eles encaram isso? É maior o sentimento de mudança entre os mais jovens do que entre os mais velhos. Porque os mais velhos construíram as casas, viram o bairro crescer, sentiram isso aqui sem nenhum aparelho e isso aqui com todos os aparelhos que a gente tem hoje. A juventude é muito frágil em relação à captura do capital, da promessa de ir pra um lugar melhor, de sair da favela. A questão é que, mesmo nesse nível de diálogo, o governo está muito ruim. Porque, também, a galera não é burra: (sabem que) não é nenhum status ir pro (bairro) José Walter, que é muito longe daqui, ou ir pra Paupina, que é no meio do mato. Então, por tabela, (os jovens) também são contra a remoção. Mas, talvez, se o governo chegasse com uma proposta mais bonita, à la shopping center, (o jovem) seria bem mais “comprável”... E você, nunca pensou algum dia em sair da comunidade? Não (risos), eu não quero não. Por mim, eu moraria o resto da minha vida aqui. Pensei algumas vezes já, quando era mais novo, até porque a gente sempre tem essas ideias de visitar outros países, onde dizem que é bom, né. Ir pra fora, Europa, e tudo. Agora acho que seria uma experiência legal, mas existem as contradições aqui, né. Queria muito fazer um mestrado na Unesp (Universidade Estadual Paulista), no interior de São Paulo, só que tenho consciência de que não tenho como sair daqui antes dessa questão se resolver, se liga? Então acho que vou acabar ficando por aqui mesmo. Qual foi a sua reação ao saber que a Aldaci Barbosa estava incluída entre as comunidades a serem desocupadas para as obras do VLT? Cara, foi medo né. Foi uma situação muito incomum, porque não foi nem aqui [na comunidade] onde eu recebi a notícia, acabei sabendo pelo movimento estudantil. Eu faço ciências sociais, e na época estava participando de um fórum para discutir os impactos da obra da Copa na cidade, de forma bem despretensiosa mesmo. A gente nem cogitava essa questão das comunidades, isso nunca tinha nem passado pela cabeça das pessoas daqui. Como falei, achávamos que ia ser coisa lá pro Castelão, Itaperi... Aí chegou essa informação de que as comunidades seriam afetadas pelo VLT, né, e que uma delas era onde eu morava. Acabou que fui eu que vim trazer a notícia para a comunidade, levar o assunto pras reuniões da associação de moradores daqui. Isso em fevereiro de 2010. E qual foi a reação das pessoas ao receber a notícia? Foi uma mistura de espanto e desdém. Desdém porque muita gente mais velha diz que isso é uma promessa antiga, tirar o pessoal daqui. Desde que a galera entrou que ela escuta isso, né, então chega a levar isso até com um certo descrédito. Eu acho isso perigoso, porque hoje a gente tem fatores diferente, como a Copa e um governo empenhado nisso, então é bem mais real do que antes. Mas boa parte da comunidade começou a ter preocupação. A ficha foi caindo aos poucos, depois que a gente foi sabendo o que ia acontecer, da visita do Cid Gomes, a medida em que foram saindo projetos... então tudo isso foi deixando a galera mais
❝ “Uma coisa que eu sempre coloquei é essa contradição da classe trabalhadora: eu tive que sair daqui, no sentido político, pra poder aprender mais sobre aqui, aprender a interferir mais aqui”
cética. Hoje ainda tem gente que acha que não vai rolar, mas é uma minoria. Voltando à questão da juventude... Ao mesmo tempo que é uma geração fudida, mais difícil de se mobilizar, apesar de viver no dia a dia os mesmos problemas, a gente tem que lutar com o que tem hoje, e os nossos idosos infelizmente estão morrendo já. Também por essa questão do VLT, muitos morreram de enfarto (já foram três desde o início). Tem que ter a consciência de que, mesmo que a gente consiga vencer essa luta contra o VLT, vão ter outras que quem tem que tocar é essa galera que é nova hoje. Fortaleza tem problema de mobilidade urbana, então muita gente considera magnífico o projeto e o que vai resultar dele. Para você, o que o VLT significa? Assim, pra a comunidade, ele é frustração, medo, morte, além de pressão e sonos mal dormidos. Para mim, ele é apenas a continuação de um processo de tentativa de expulsar os pobres do centro e mandar eles pra longe,
Para Jersey, a luta em defesa dos direitos sociais é mais comum entre os mais velhos
abrindo caminho para especulação imobiliária. Nesse sentido ele não é surpresa, e essa história da Copa é só a desculpa da vez. A Copa indo embora, a gente pode ganhar essa luta imediata, mas talvez o governo não desista de tirar a gente. Então é f.. dizer isso, mas eu vejo o VLT também como uma oportunidade de unir as comunidades. É a contradição do Capital, ele cria as mazelas, ao mesmo tempo que essas mazelas fazem com que os trabalhadores se unam, para estarem mais fortes para a próxima luta. E essa união, você acredita que esteja dando certo? Dois anos de resultado, e tá bem. Não imaginávamos que íamos nos juntar tanto tempo, que a gente ia expor tanto o governo ao ridículo, conseguir mobilizar a opinião pública, né. De mobilizar e sair no Jornal Nacional, e saber que o governador já se tocou de que, se ele não dobrar a gente, não sai essa obra. E é importante que se trabalhe isso, porque um dos jogos do governo é colocar as comunidades umas contra as outras.
É possível trazer infraestrutura sem prejudicar ninguém? O VLT na Europa não é nos trilhos, e sim nas avenidas. Até porque ele é feito para substituir carros, então não tem lógica ele ser num trilho de trem, que já tem um trajeto de cargas. Se ele fosse feito com uma lógica pelo menos desenvolvimentista, ele deveria ser feito nas avenidas principais, né, do Porto até o Castelão. No caso de melhorar a qualidade, seria caso do governo melhorar o que a gente já tem né. Veja o nosso centro comunitário aqui, tá jogado as baratas. É a tal da remoção indireta, como eles tem a crença de que a gente vai sair, eles desativam os aparelhos, pra forçar nossa saída. No centro comunitário, funcionava um posto de saúde e uma escolinha de alfabetização, que também foram fechados. A Prefeitura pagou uma escola particular, próxima daqui, para acolher os estudantes da comunidade. Ela tá pagando para uma escola o que ela poderia dar de graça. Temos a promessa de um Cuca aqui próximo, mas que parece que não vai sair, e que também está entregue as baratas.
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LAZER
Diversão levada a sério
Todo sábado, a comunidade Lauro Vieira Chaves reúne crianças de diferentes idades para jogar futebol. O treino começa cedo e, mesmo com o sol intenso, o ânimo das crianças permanece durante toda a manhã
Isabela Bosi
É no campo Internacional que a maioria das partidas de futebol da comunidade acontece
Era uma manhã típica de sábado na comunidade Lauro Vieira Chaves: sol a pino, areia grudada no suor do corpo e gritos eufóricos ecoando no campo. Os jogos de futebol começam cedo, às 7h, e só terminam quatro horas depois. No dia 5 de maio, a competição era entre o time da casa, Vitória Esporte Clube, e o time visitante, o Peru, do bairro Montese. Faltando pouco tempo para o fim do jogo e o placar estava acirrado: cinco a cinco. Notava-se a tensão nos gritos dos técnicos, quando, nos últimos minutos do segundo tempo, o Peru fez o gol da vitória. Ironicamente, deixando o Vitória sem o título de campeão. Porém, os sorrisos, os abraços e as brincadeiras no pós-jogo mostravam que o que importa ali é a diversão. Fundado em 8 de outubro de 2009, o Vitória Esporte Clube é, hoje, uma das principais atividades de lazer das crianças da comunidade. Todo sábado, o campo de futebol recebe crianças da Lauro Vieira Chaves e de outras comunidades próximas. Os grupos são divididos em duas categorias: de 10 a 13 anos e de 14 a 16 anos. O time é fruto do Projeto Caminhando para Luz, promovido pela Igreja Assembleia de Deus Ministério Aeroporto. A iniciativa é de Cristiano, Felipe e Raimundo. Três adultos apaixonados por futebol, que se revezam no treino das crianças. A iniciativa é totalmente voluntária e sobrevive basicamente da dedicação dos moradores. Raimundo Nonato Filgueira, um dos voluntários no projeto, mora há 22 anos na comunidade. Hoje, tem a casa cadastrada pelo Metrofor para ser removida, por causa das obras do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT). “Independente para onde eu for, vou fazer o esforço para estar aqui todo sábado”, compromete-se. Rai-
mundo afirma que todo sábado chega alguma criança nova para jogar. Alisson tem 10 anos e é zagueiro do Vitória. O sonho de ser jogador de futebol no futuro é concretizado a cada sábado, quando veste o calção vermelho e a camiseta azul. Cores que já indicam o time do coração: Fortaleza. Ele morou a vida inteira no local e, assim como Raimundo, tem a casa ameaçada de remoção. O tio de Alisson, Ari Rebouças, demonstra insegurança em relação ao futuro do sobrinho. “Se ele for pra outro conjunto, ninguém sabe se lá vai ter lazer para eles, né?”. Ari assiste a todos os treinos do Vitória e, no dia 5, apitou o jogo pela primeira vez.
Campos de futebol da comunidade
A comunidade Lauro Vieira Chaves possui dois campos de fute-
❝ "Tem criança que só vai pra casa se os pais chamarem. Até 11 horas da noite você vê menino brincando na rua" Samuel Queiroz líder comunitário da Lauro Vieira Chaves
bol: o Internacional e o da Gurita. O Vitória já passou pelos dois. No início, os treinos eram no campo menor, o da Gurita, mas, com a chegada de mais crianças, o espaço tornou-se insuficiente para o time. Então, os jogos passaram para o campo Internacional. O campo da Gurita tem mais de 20 anos. Hoje, funciona como área de lazer para crianças e adultos. Na realidade, o nome deveria ser guarita, pois refere-se a uma guarita abandonada, localizada na entrada do campo. O líder comunitário da comunidade, Samuel Queiroz, se diverte ao falar sobre o assunto. “Todo mundo chama de Gurita mesmo”, explica. O campo Internacional é bem maior que o da Gurita. Reformado pela Prefeitura há mais de 10 anos, o campo tem alambrado e iluminação própria. Além dos treinos do Vitória Esporte Clube, o espaço serve também para torneios com times de outros bairros e outras atividades da comunidade.
Na lan house, crianças e adolescentes pagam R$1,50 por hora
Outras brincadeiras
A rua é o playground da Lauro Vieira Chaves, onde bila e arraia são brincadeiras oficiais. “Tem criança que só vai pra casa se os pais chamarem. Até 11 horas da noite você vê menino brincando na rua”, diz Samuel. No período de férias escolares, “ninguém vê fio da Coelce, de tanta arraia”, conta Dona Célia. Ela é dona de outro grande ponto de lazer da comunidade: a Lan House. O espaço existe há dois anos e tem sete computadores disponíveis. Apesar de receber crianças e jovens diariamente, dona Célia afirma que a comunidade ainda tem poucos espaços de lazer.
Após o jogo, um refresco para aliviar o cansaço e o calor
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Os meninos do time da casa, Vitória Esporte Clube, vêm de diferentes bairros de Fortaleza só para jogar no campo Internacional Faça chuva ou faça sol, o jogo é disputado em um campo de areia
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Energia de sobra, apesar da pouca estrutura
Correr, pular, andar de bicicleta, empinar pipa. Na comunidade Lauro Vieira Chaves, tem o básico que uma criança precisa para brincar na rua. Do campinho de futebol à lan house, a diversão é garantida em todas as faixas etárias. A carência se concentra na estrutura: com a passagem do VLT, o espaço será ainda mais apertado na comunidade, que se queixa de falta de espaços como praças e parquinhos. Ensaio fotográfico de Juliana Diógenes
Perto da hora do almoço, com o sol a pino, é comum boa parte da criançada ficar em casa assistindo desenho animado
Além de jogar futebol, as crianças também gostam de inventar brincadeiras na rua para se divertir
Também na lan house da comunidade, as crianças podem garantir outras brincadeiras, comprando bila ou alugando filmes
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HISTÓRIa
João XXIII na linha do trilho Também conhecida como Pau Pelado, a comunidade dará lugar à estação Pontes Vieira do VLT Ana P. Lima Lardyanne Pimentel Os muros da extinta Rede Ferroviária Federal S.A (RFFSA), antiga estatal responsável pela malha ferroviária federal, ainda separam a comunidade João XXIII da Via Expressa. A comunidade situa-se da Rua Vicente Leite à Avenida Desembargador Moreira, por trás da Avenida Pontes Vieira. Dona Josefa Carneiro, 67 anos, moradora da comunidade há 30, recebe todo mês a conta de água enviada à Rua Leonardo Mota, endereço que seria nobre se estivesse do outro lado da Pontes Vieira, onde está – em direção à Beira-Mar, entre a Barão de Studart e a Dom Luís – a maior concentração de renda da cidade. Por indicação de colegas de trabalho que viviam na João XXIII, Josefa comprou a casa por 200 mil cruzeiros, o que equivaleria hoje a pouco menos de 73 reais. Josefa era auxiliar de enfermagem, tendo deixado a profissão sete anos após o ingresso na comunidade e, hoje, tem uma pequena mercearia na casa onde vive. É vizinha da engomadeira de profissão Maria Irene Pereira, 81 anos, moradora da comunidade há cinquenta. Ela morava nas proximidades Rua Coronel Alves Teixeira com, hoje, Avenida
Rui Barbosa. Segundo Maria Irene, com as obras para a construção da avenida, teve a antiga casa desapropriada e foi direcionada para outra, construída pela prefeitura, no bairro Vila União. Na época, Maria Irene optou por ceder a nova casa para um morador de rua que dormia em frente à residência e comprou a casa em que mora até hoje por 12 mil réis (a mesma moeda do Brasil Império, equivalente a 12 cruzeiros a partir de 1942) de Júlio Jorge Vieira, conhecido representante do setor imobiliário da capital. Segundo Maria Irene, todos os terrenos ao longo da ferrovia na altura das comunidades João XXIII e Pio XII, que são vizinhas, eram de propriedade de Júlio, pai do vereador Jorge Vieira (PSB), que assumiu a cadeira de Gerson Ferraz (PSB) na Câmara de Vereadores em fevereiro deste ano, depois de três legislaturas. Nota-se a influência da família no local pelo nome de uma das mais importantes avenidas de acesso à zona leste da capital, lá situada: a Avenida Pontes Vieira, homenagem ao tio de Júlio, o jurista João Jorge de Pontes Vieira, que fora professor, deputado federal, promotor, juiz e escritor pertencente à Academia Cearense de Letras.
O sobrinho, Júlio Jorge, abriu a avenida em terras da família, por onde também passava a linha da RFFSA, que iniciou o Ramal Parangaba-Mucuripe em 1873, chegando ao Mucuripe em 1941. A professora do curso de arquitetura e urbanismo da Universidade Federal do Ceará (UFC), Clarissa Figueiredo Freitas, também representante da universidade no Conselho Municipal de Habitação Popular de Fortaleza, explica como ocorreu a apropriação das marginais dos trilhos da RFFSA. “A ocupação se deu em diversas ocasiões, às vezes até antes da construção do próprio trilho. Entretanto, esses assentamentos, assim como outros assentamentos precários de Fortaleza, adensaram-se bastante na década de 80 e 90, quando houve um período de recessão econômica e declínio das políticas de habitação de interesse social”. Ela acrescenta que, sem alternativas de moradia na área urbana, as famílias de baixa renda “buscam lugares bem localizados no contexto da cidade e de baixo custo, por serem desvalorizadas pelo mercado imobiliário”. Afirma ainda que processo semelhante acontece com a ocupação de outros tipos de espaços inadequados para usos urbanos, mas de fácil acesso a serviços, como os leitos de rios, faixas de alta tensão, encostas e dunas. A compra do terreno é, além da questão do direito real de uso, importante na questão da legalidade da situação dos imóveis das comunidades, que, a partir da sua comprovação, permitirá a indenização das famílias de acordo com valor real dos imóveis. As marginais da RFFSA são, de fato, terreno da União, mas não deslegitima o processo indenizatório. “O projeto do VLT prevê o alargamento da faixa da RFFSA atualmente existente em 7 metros e isso atinge áreas particulares. Por outro lado, a regularização (das propriedades às margens dos trilhos) em terras públicas é viável sim, pela atual legislação urbana brasileira. Entretanto, em todos os casos de regularização fundiária, seja em áreas publicas ou particulares, é preciso solucionar eventuais situações de risco”, explica a arquiteta.
Foto: André Thé
Trilho à altura da comunidade João XXIII (à direita). Aqui será erguida a estação Pontes Vieira da Linha Parangaba-Mucuripe Foto: Ana P. Lima
O início Maria Irene conta da vida à luz de lamparina dos primeiros anos da João XXIII. “Aqui só era mato e esse trilho. Não tinha nada: nem luz, nem água. Vim pra cá porque não queria morar lá não (Vila União)”, conta. Ela e Dona Josefa relatam ainda o surgimento de serviços básicos, sendo o mais curioso o acesso à rede elétrica. “Eu comprei esse poste aí. Perguntei quem queria comprar comigo, mas ninguém quis. Então eu e a Dona Laura, a única, fomos lá e pagamos 7 cruzeiros. E está aí até hoje. Aí os outros tomaram de conta”, disse. Os demais serviços, como escolas e postos de saúde, são ainda dependentes da comunidade Pio XII, que inicia seus limites após a Avenida Desembargador Moreira, seguindo o trilho no sentido Parangaba. Até
mesmo os diálogos iniciais com o governo do Estado para tratar do assunto das desapropriações por conta do VLT se deram no Centro Comunitário da Pio XII. Dona Josefa e Dona Maria Irene não compareceram. Relatam apenas a chegada dos técnicos do projeto, as marcações na casa – que Dona Josefa logo tratou de pintar da cor original – e o diálogo que tiveram com os moradores. “Veio um rapaz primeiro. Depois vieram outros e botaram essa tinta aí. Ninguém nem viu. (Quando perguntavam da pintura das casas) eles diziam ‘não, não vamos fazer nada não’. Esse negócio faz dois anos já”, lembra Josefa. Perguntada sobre a real possibilidade de sair da João XXIII, Dona Maria Irene é enfática: “Eu não vou não! Tem um terrenão enorme atrás dessa rua aí (Via Expressa), porque não fazem isso lá?”, respondeu.
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“Aqui só era mato e esse trilho. Não tinha nada: nem luz, nem água” Maria Irene moradora do João XXIII há 50 anos
Entenda o usucapião Usucapião é a aquisição do domínio pela posse ininterrupta e prolongada. Significa que o indivíduo – que tem a posse de uma propriedade, por um longo período de tempo, determinando em lei – teria o direito de se tornar o proprietário. É o que define o Código Civil: “Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé”. Já o direito à concessão de direito real de uso é o ato pelo qual a administração pública pode ceder o uso de bens de seu domínio para o particular, de forma remunerada ou gratuita, por tempo certo ou determinado, para fins específicos de urbanização, industrialização, edificação, cultivo ou qualquer outra exploração de interesse social. O Vice-presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-CE (Ordem dos Advogados do Brasil – Ceará), Tiago Albano, explica que o poder público só pode dispor de terreno particular se, primeiramente, desapropriar. “Em se tratando de terreno particular, o poder público primeiro promove a desapropriação, passando o imóvel a ser declarado de utilidade publica. Aí sim, o poder público poderá cedê-lo por meio dos instrumentos de regularização fundiária”, esclarece. A concessão especial para fins de moradia é o título de concessão de uso conferido àquele que exerce a posse para fins de moradia, em área pública de até 250 metros, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, desde que não seja proprietário de outro imóvel. A concessão de uso não constitui transferência de propriedade.