A ECONOMIA LOCAL
DA ÁREA MARINHA PROTEGIDA
COMUNITÁRIA DE UROK: DINÂMICAS, CONSTRANGIMENTOS E POTENCIALIDADES
Abilio Rachid Said e Alexandre Abreu Setembro 2011
FICHA TÉCNICA Autoria do Estudo: Abilio Rachid Said e Alexandre Abreu
Revisão: IMVF e Tiniguena
Composição e Edição: IMVF e Tiniguena
Concepção Gráfica: Matrioska Design
Impressão e Acabamento: Co-Financimento: Comissão Europeia Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento
Depósito Legal: ISBN: 978-989-97279-2-2 Tiragem:
ÍNDICE Sumário executivo ……………...................................………………………………………………………………………..............................................………… 5 Prefácio ......................……………...................................………………………………………………………………………..............................................………… 11 1. Introdução …………………………….……...............................................................………………………………………………………..…………………………… 13
1.1. Contexto geral do estudo - breve introdução sobre a Guiné-Bissau …..………..........................................….... 13
1.2. Objectivos do estudo ….....................................……………….................................………………………………………………………..… 19
1.3. Metodologia …………..……………….........................................................................………………………………………………………….… 20
2. A AMPC Urok ……………………………..….……....................................………………………………........................………………………………………… 23
2.1. Enquadramento: a AMPC Urok e o Projecto “Urok Osheni!”.….…..........................................……………………..… 23
2.2. Caracterização geral ………...................................………………………………………….............................…………………….…..……. 24
3. Dinâmicas socioeconómicas: realidades e constrangimentos ……..........................…………………...............……….…..………. 31
3.1. Actividades produtivas e estratégias de subsistência …………..………..…………........................................……….. 32
3.2. Propriedade e relações sociais de produção …………………….......….…..……....................................………………….… 37
3.3. Património e pobreza/afluência relativas …….……………..........……………….....................................………….…………… 40
3.4. Dinâmicas comerciais .................…………………………………………………………………......................................………………....... 47
3.5. Principais constrangimentos à actividade económica .….…………….…….........................................…….……....... 51
4. Estratégias de intervenção …………….....................……………………………………………………................................…………………………….. 57
4.1. Príncipios orientadores das estratégias de intervenção ……………..….........................................……………...………. 57
4.2. Apoio a fileiras produtivas estratégicas .........……………………………….....................................………………………...…….. 59
4.2.1. Apoio geral ao desenvolvimento da produção agrícola …............................................……………....…… 59
4.2.2. Apoio ao desenvolvimento de fileiras estratégicas do sector agrícola e das pescas ……..... 60
4.2.3. Produtos-emblema de Urok ……...............................………………..............................…...……………………………… 67
4.2.4. Outros produtos .……………….................................…............…………...................................……………………..………… 70
4.3. Formação técnico-profissional …..….............…………………………………………………….....................................……….…….. 70
4.3.1. Formação de base para a produção agrária …………....................………………..............................…………….. 73
4.3.2. Formação especializada em articulação com as necessidades do projecto “Urok Osheni!” 73
4.3.3. Formação para satisfação de procuras mais amplas ………......................…………...........................……. 74
4.4. Infra-estruturas e serviços de interesse comunitário……………………………...........................................…………...… 75
4.4.1. Expansão e reforço da rede de transportes …………......……..........................................………………....………. 76
4.4.2. Melhoria da cobertura sanitária e de serviços de saúde ……....……..........................................………… 78
4.4.3. Melhoria do fornecimento de agua potável ……..........……......…………....................................…………………. 79
5. Conclusões …………………………........................……………………………………………………………………………..................................………………... 81 Referências bibliográficas ………....................…………………………………………………………………………………….................................………… 83 Anexo I: Guiné-Bissau - indicadores económicos e socio-demográficos ……….………...………..................................……… 85 Anexo II: Índices de bens e dotação animal ……………………………………………………………..............…….................................……….. 87 Anexo III: Guião de apoio às entrevistas semi-estruturadas ………………………………..….........……................................…………. 91 Anexo IV: Questionário utilizado no inquérito aos agregados familiares .....………….....………................................……… 93 Anexo V: Fotografias ……………………..........................……………………………....................…………................................................…………….. 99
Uma iniciativa do Projecto “Urok Osheni! - Conservação, Desenvolvimento e Soberania nas Ilhas Urok”
SUMÁRIO EXECUTIVO
3. O presente estudo enquadra-se no projecto “Urok Osheni! - Conservação, Desenvolvimento e Soberania nas Ilhas Urok”, que tem vindo a ser implementado em parceria pelas organizações não governamentais Ti-
1. A Guiné-Bissau é um país costeiro afri-
niguena (Guiné-Bissau) e Instituto Marquês
cano, situado na zona de transição entre o
de Valle Flôr (Portugal) e visa contribuir
Sahel e as zonas costeiras guineenses mais
para o reforço do processo de governação
húmidas, cuja população residente é cons-
participativa e para a melhoria das condi-
tituída por cerca de 1,5 milhões de indivídu-
ções de vida da população residente no
os. Trata-se de um país fundamentalmente
AMPC Urok. Os objectivos específicos do
agrário, muito dependente da exploração
estudo consistem na identificação e com-
dos recursos naturais e caracterizado por
preensão das lógicas e dinâmicas socioeco-
níveis elevados de pobreza e pobreza ex-
nómicas locais, bem como na identificação
trema. O sector agrícola, em particular a
de constrangimentos e potencialidades de
produção e exportação de castanha de caju,
modo a apoiar intervenções susceptíveis
tem um papel central nas estratégias de
de promover a melhoria do bem-estar das
subsistência da população, na estrutura das
comunidades residentes sem perturbar os
exportações e enquanto determinante do
actuais equilíbrios socio-ecológicos.
crescimento económico. 4. O trabalho de campo no qual assentou 2. Uma das oito regiões administrativas em
a elaboração deste estudo decorreu entre
que se divide a Guiné-Bissau é a Região
26/11 e 04/12 de 2010 e envolveu a aplicação
Bolama-Bijagós, que possui uma população
e triangulação de métodos tanto quantita-
residente de cerca de 34 mil habitantes.
tivos como qualitativos em nove tabancas1
Trata-se de uma região insular, que desde
das três ilhas que constituem a AMPC Urok.
1996 possui o estatuto de Reserva da Bios-
Em particular, foram realizadas 75 entrevis-
fera da UNESCO. A Área Marinha Protegida
tas de inquérito a representantes de agrega-
Comunitária (AMPC) de Urok, sobre a qual
dos familiares, 11 entrevistas semi-estrutura-
incide o presente estudo, encontra-se intei-
das e 4 focus-groups.
ramente contida na região administrativa de Bolama-Bijagós. É constituída por três ilhas principais - Formosa (designada por Urok na língua Bijagó), Ponta (ou Nago) e Maio (ou Chediã) – e por diversos ilhéus mais pequenos.
1
Do crioulo tabanka (id.): povoação ou aglomerado populacional
5
A AMPC Urok: Aspectos Gerais
tim ou o macaco verde. Entre as espécies vegetais, subsistem importantes relíquias
5. O processo de criação da AMPC Urok
de espécimes de grande porte.
remonta a contactos estabelecidos entre
6
a Tiniguena e a população local a partir
7. De acordo com os dados do recensea-
de 1993, sendo indissociável do processo
mento nacional realizado em 2009, a Região
de criação e consolidação da Reserva da
de Bolama-Bijagós tem uma população total
Biosfera do Arquipélago Bolama-Bijagós.
estimada em cerca de 34.000 habitantes.
O facto do complexo insular de Urok ser
Destes, 2.928 indivíduos residem no terri-
uma das áreas centrais definidas aquando
tório correspondente à AMPC Urok, encon-
do zonamento da Reserva da Biosfera levou
trando-se repartidos da seguinte forma:
à sua progressiva transformação em área
1873 em Formosa; 436 em Chediã;
protegida, com a particularidade do pro-
e 619 em Nago. A população não residente
cesso de criação ter sido conduzido pela
é considerável, sendo em grande parte
Tiniguena na base de uma dinâmica
constituída por indivíduos de etnia Papel
de desenvolvimento local, assente num
oriundos do continente, que temporaria-
modelo de gestão marcadamente comunitá-
mente imigram para o complexo de Urok
rio e participativo. O Projecto “Urok Osheni!”
no quadro da exploração de recursos
surge na sequência deste processo, visando
naturais (peixe, moluscos, óleo de palma,
consolidar e aprofundar esta dinâmica.
etc.), bem como por pescadores Nhomincas originários do Senegal.
6. As três ilhas principais que constituem a AMPC Urok caracterizam-se pelo predomí-
8. A população Bijagó da AMPC Urok vive
nio dos palmares naturais densos, mangais
agrupada em aldeias (tabancas), geridas
e lalas. Porém, o coberto vegetal é tam-
de forma bastante autónoma pelos anciões
bém muito marcado pelo aumento da área
e dirigidas por régulos cuja autoridade pode
afecta às plantações de caju e à agricultura
estender-se a uma ou mais tabancas.
itinerante. O mangal, em conjugação com
A sociedade Bijagó encontra-se estruturada
os bancos vasosos, arenosos e rochosos,
de acordo com classes etárias (para cada
desempenha um papel ecológico de extre-
um dos sexos), às quais corresponde um
ma importância na manutenção da produ-
conjunto bem definido de direitos e obriga-
tividade biológica da zona, particularmente
ções. A passagem de uma classe etária para
rica em espécies aquáticas. A diversidade
a seguinte é marcada por cerimónias
faunística da AMPC Urok é muito significati-
e ritos sócio-religiosos que ocupam um
va, destacando-se a presença de numerosas
lugar central na vida das comunidades.
espécies de aves, a grande diversidade de répteis ou espécies notáveis como o mana-
Dinâmicas socioeconómicas: realidades e constrangimentos
produtivos (trabalho, instrumentos, terra) pertencentes ao próprio agregado. O pagamento de rendas fundiárias como con-
9. A AMPC Urok é um espaço onde o meio
trapartida pela utilização de terras é uma
biofísico, as estruturas socioculturais e as
prática praticamente inexistente. O trabalho
actividades económicas se encontram em
assalariado tem uma importância claramen-
articulação próxima e inseparável. A acti-
te secundária.
vidade produtiva é enquadrada de forma bastante estrita por um conjunto de normas
12. A agricultura (e não a pesca) constitui
tradicionais que se revestem de significação
a base fundamental da economia da AMPC
sagrado-religiosa e que têm permitido asse-
Urok. Isso é verdade tanto no que se refere
gurar a manutenção de equilíbrios ecológi-
ao auto-consumo como no que diz respeito
cos e sociais dinâmicos.
às mais importantes fontes de rendimento monetário (entre as quais se destacam
10. Em virtude das características do meio,
o óleo de palma e a castanha de caju).
da forma de organização da produção e do
O cultivo do arroz de sequeiro (n’pampam),
isolamento, uma parte muito substancial da
a apanha de caju, a apanha de chabéu2,
população vive numa situação próxima do
a extracção de óleo de palma e a apanha
limiar de subsistência. A isso estão asso-
de combé3 são praticados por mais de 90%
ciadas consequências adversas ao nível do
dos agregados familiares. A aposta na diver-
desenvolvimento humano (saúde, educação,
sificação da produção por parte dos agre-
rendimento), mas também um conjunto de
gados constitui uma estratégia fundamental
estratégias específicas por parte da popu-
para aumentar a resiliência face à adversi-
lação local, nomeadamente em termos de
dade, mas também constitui um obstáculo
redistribuição e solidariedade comunitárias
à especialização e ao desenvolvimento do
e ao nível da diversificação produtiva como
mercado interno.
estratégia de subsistência. 11. A população de Urok é constituída, no fundamental, por pequenos produtores independentes, no sentido em que a produção, quer se destine ao auto-consumo quer ao mercado, é na vasta maioria dos casos levada a cabo mediante o recurso a factores
2
Do crioulo cabéu ou cebén, (id.): o chabéu é o fruto da palmeira de chabéu ou dendém, de bagas laranjo-avermelhadas, que são a base de uma grande parte das especialidades culinárias guineenses; 3
Ou Kombé: o molusco de concha mais frequente no arquipélago, a mais acessível fonte proteína durante grande parte do ano;
7
13. Se a diversificação é a norma, isso não
como de animais. Porém, essas diferenças
significa que todas as actividades assumam
são claras quando comparamos agregados
o mesmo papel ou importância: algumas
com diferentes fontes principais de rendi-
destas actividades destinam-se principal-
mento: o comércio e o caju estão associa-
mente ao consumo do próprio agregado
dos a um nível de afluência relativamente
(combé, n’pampam, feijão, vegetais hortíco-
mais elevado, a pesca e o óleo de palma
las, mancarra, mandioca, arroz de bolanha),
a um nível mais reduzido.
enquanto outras se destinam fundamentalmente ao mercado interno ou externo
16. A população de Urok encontra-se forte-
(caju, óleo de palma).
mente constrangida do ponto de vista do acesso local a bens e serviços. São escas-
8
14. As dinâmicas de acumulação e mobilida-
sas as necessidades adicionais que cada
de social ascendente que são detectáveis
agregado tem a possibilidade de satisfazer
no contexto de Urok não assentam,
através da troca directa ou indirecta da
na maior parte dos casos, na actividade
produção própria com a das outras unida-
directamente produtiva, mas sim na
des familiares. O acesso local aos produtos
actividade comercial. Os agregados
oriundos do exterior encontra-se constran-
familiares que se dedicam ao comércio
gido pela debilidade dos canais de distribui-
em pequenos estabelecimentos e/ou ao
ção. Há uma relação próxima entre ‘importa-
transporte e comercialização de produtos
ções’ e ‘exportações’, pois, tipicamente,
de e para Bissau são aqueles que têm vindo
as primeiras são levadas a cabo pelos mes-
a conseguir capturar uma proporção re-
mos actores que procedem às segundas.
lativamente maior do valor acrescentado
O principal mercado de destino é Bissau,
associado às diversas fileiras e que exibem
com uma importância muito superior
maior dotação patrimonial em termos tanto
a Bubaque ou Biombo.
de bens duradouros de consumo doméstico como de animais.
17. É possível identificar cinco problemas principais que constrangem a actividade
15. A reserva de valor sob a forma de di-
económica em Urok, com efeitos sobre os
nheiro, no caso de montantes relativamente
níveis de rendimento e pobreza da popu-
consideráveis, é uma prática pouco comum.
lação: a questão da organização e divisão
Pelo contrário, a mais importante forma de
sociais da produção; o problema das pragas
reserva de valor consiste nos animais, que
e doenças; a utilização de técnicas de me-
são convertíveis em dinheiro em caso de
nor rendimento e o problema do acesso a
necessidade. Em termos agregados, não
ferramentas e insumos; a questão dos trans-
parecem existir diferenças muito significa-
portes e acessibilidades internas e externas;
tivas entre as três ilhas em termos da dota-
bem como os problemas de coordenação ao
ção tanto de bens de consumo duradouros
nível da comercialização. Com excepção do
primeiro, consideramos possível e desejável
ou “produtos-marca”, de Urok, como o sal,
que uma estratégia de apoio aos produtores
a malagueta e o artesanato. São sugeridas
locais actue sobre todos estes factores. São
estratégias de intervenção e apoio à produ-
formuladas propostas concretas de inter-
ção em relação a cada uma delas e assinala-
venção em relação a cada um deles.
das algumas iniciativas já em curso. 21. A formação técnico-profissional constitui
Estratégias de intervenção
outra importante linha estratégica de intervenção. Sugere-se que as futuras iniciativas
18. A intervenção deve assumir um carácter
de formação técnico-profissional no âmbito
estratégico, direccionar-se para o sector
do Projecto “Urok Osheni!” sejam organiza-
primário (nomeadamente para a agricultura,
das de acordo com três lógicas complemen-
pecuária, exploração florestal e pesca)
tares: (i) formação de base para a produção
e visar o aumento da produção e o reforço
agrária, nomeadamente em articulação
da segurança alimentar. Nomeadamente,
com o sistema de ensino; (ii) formação em
uma tal estratégia deverá envolver:
articulação com as necessidades do próprio
(i) o estímulo ao consumo local; (ii) a cria-
Projecto “Urok Osheni!”, nomeadamente ao
ção de reservas com base na produção
nível da hotelaria, restauração e electrome-
local; e (iii) a coordenação do escoamento
cânica; e (iii) formação para a satisfação de
dos produtos locais com maior potencial
procuras mais amplas, designadamente ao
comercial.
nível das técnicas de construção (alvenaria, carpintaria, pintura) e da construção e repa-
19. A actividade agrícola é susceptível de
ração de embarcações.
introdução de novas culturas (milho, batata, fruta-pão), inovações agro-técnicas e fac-
22. Têm-se registado progressos considerá-
tores de intensificação (irrigação, material
veis ao nível das infra-estruturas de ensino,
vegetal mais produtivo, adubação orgânica,
comunicações, transportes e abastecimento
formas de tratamento fitossanitários adap-
de água. Porém, subsistem importantes
tadas e pequena mecanização) que poderão
carências em numerosos domínios, nome-
trazer ganhos relativamente importantes em
adamente e com especial acuidade nos
termos de produção e rendimento.
domínios da saúde, transportes e acesso ao crédito. A intervenção nestas áreas
20. Algumas fileiras, como a produção ani-
deverá ter em conta que a capacidade
mal, o caju, o óleo de palma e a pesca, têm
de gestão das estruturas locais apresenta
uma importância especial ao nível da gera-
bastantes debilidades, exigindo, pelo menos
ção de rendimento e das dinâmicas comer-
inicialmente, um acompanhamento bastante
ciais com o exterior. Outras são susceptíveis
próximo.
de transformação em “produtos-emblema”,
9
10
PREFÁCIO
O sector agrícola, importante fonte de ocupação para a grande maioria das populações de Urok, continua a ser dominado por baixa
As comunidades do Arquipélago dos Bija-
produtividade dos meios de produção e fra-
gós em geral e do grupo das ilhas de “Urok”
ca acumulação do capital. Daí que este estu-
(Formosa, Nago e Chediã), em particular,
do chame a atenção para os riscos de rápida
têm conquistado durante séculos uma
monetarização, que constitui uma grande
convivência harmoniosa com o seu meio
preocupação na medida que pode gerar al-
ambiente natural circundante. Esta coabita-
guns constrangimentos na manutenção das
ção só foi possível graças a uma engenhosa
tradições locais que até agora têm garantido
estratégia do uso e utilização de diferentes
a coesão social e ancorado um sistema de
ecossistemas, na base duma combinação
solidariedade baseado na interdependência
de diferentes sistemas de produção.
de classe de idades com funções sociais específicas.
Os Bijagós vivem essencialmente da agricultura itinerante, da colecta de moluscos,
Nesta óptica, intervenções com vista
crustáceos e de produtos florestais não-
à promoção da melhoria do bem-estar
-lenhosos. A pesca, contudo, representa um
das comunidades locais residentes devem,
sector em plena expansão. Na maioria das
por um lado, contribuir para a elevação
comunidades autóctones bijagós ela con-
do nível de vida das populações e, por outro
tinua a ser de subsistência, orientada para
lado, para a manutenção do equilíbrio secu-
o consumo familiar e da aldeia (“tabanca”).
lar estabelecido entre o homem
Estas comunidades sobrevivem explorando
e a natureza. Assim, no contexto de crise
uma multiplicidade de habitats, de ecossis-
económica e financeira originada e agudi-
temas e de recursos naturais. Esta estratégia
zada pela especulação dos mercados e dos
de combinação de práticas e uso dos recur-
hábitos de consumo desmedidos, torna-se
sos naturais visa, por um lado, reduzir os ris-
pertinente o surgimento de uma obra como
cos da dependência dum só recurso, que se
esta,capaz de apresentar ensinamentos
poderia esgotar, ameaçando a sobrevivência
endógenos de gestão de espaços e recursos
do grupo que dela depende, e, por outro,
vitais para a sobrevivência das populações,
pelo facto de não haver concentração de
que dependem particularmente do seu tra-
esforços de exploração de um único recurso,
balho e do compromisso com a durabilidade
o que permite a regeneração e renovação
dos recursos.
dos stocks e a sustentabilidade dos processos ecológicos fundamentais.
11
Contudo, ao analisar processos de dinamização ao nível da economia local em contextos de insularidade, insolamento e vulnerabilidade do meio, este estudo coloca-nos perante dilemas difíceis de pronunciação entre o desenvolvimento versus conservação, tradição versus modernidade, Estado versus mercado… Nesta base, o carácter comunitário da gestão da Área Marinha Protegida de Urok, alicerçado na articulação e diálogo inter-actores (comunidades locais, estado, organizações da sociedade civil e para-estatais, organizações internacionais), a diferentes escalas (local, nacional, regional e internacional) pode, assim, constituir uma interessante estratégia de potenciação de uma economia
12
integradora da qual a Guiné-Bissau constitui um laboratório de aprendizagem de excelência. O trinómio Conservação, Desenvolvimento e Soberania do projecto “Urok Osheni” é prioritário para enfrentar estes desafios.
Justino Biai PhD em Agroeconomia e Encarregado de Programas IBAP Bubaque, Setembro de 2011
1. INTRODUÇÃO
A costa da Guiné-Bissau é muito recortada por rios e rias, os quais estiveram na origem da sua designação, em tempos, como “Rias do Sul”. A porção costeira e marinha do
1.1 Contexto geral do estudo - breve introdução sobre a Guiné-Bissau
território encontra-se na parte meridional da eco-região da África Ocidental, sofrendo a influência de numerosas correntes desta
A Guiné-Bissau é um país costeiro africano
região. Porém, devido à extensa platafor-
situado entre o Senegal, a Norte e a Repu-
ma continental, a influência dos estuários
blica da Guiné, a Sul. Localiza-se na zona
revela-se predominante, sobretudo nas
de transição entre a região saheliana, mais
áreas costeiras e insulares. Com efeito,
seca e as zonas guineenses costeiras, que
a Guiné-Bissau possui uma das mais exten-
se caracterizam por níveis mais elevados
sas plataformas continentais marinhas entre
de humidade. O seu território inclui um
os países costeiros da África Ocidental.
conjunto de ilhas tropicais continentais
As dinâmicas características das áreas de
que formam o Arquipélago Bolama-Bijagós,
estuários encontram-se presentes e activas
cuja parte Norte é constituída pelo comple-
em quase toda a extensão desta plataforma,
xo insular de Urok (Formosa).
influenciando a dinâmica hidro-sedimentar, o transporte de nutrientes orgânicos e inor-
O complexo das ilhas de Urok é constituído
gânicos e as características físico-químicas
por três ilhas principais – Urok (ou Formo-
do meio marinho.
sa), Nago (ou Ponta) e Chediã (ou Maio) – e por numerosos ilhéus mais pequenos,
A população total da Guiné-Bissau é cons-
fazendo parte da Região Bolama-Bijagós –
tituída por pouco mais de 1,5 milhões de
uma das oito Regiões Administrativas em
indivíduos (756 mil do sexo masculino
que se divide a Guiné-Bissau. Esta região,
e 792 mil do sexo feminino) e a sua taxa
à qual foi atribuído, em 1996, o estatuto
de crescimento efectivo é de cerca de 2,7%.
de Reserva da Biosfera da UNESCO, inclui
A Região Bolama-Bijagós é a menos povo-
a Península de São João e a totalidade do
ada de todas as regiões administrativas da
Arquipélago Bolama-Bijagós, sendo este
Guiné-Bissau: a sua população total é de
último constituído por cerca de 88 ilhas
cerca de 33.900 habitantes (Figura 1).
e ilhéus que emergem na plataforma marinha continental da Guiné-Bissau.
13
O país tem ocupado, de forma quase per-
- A taxa bruta de natalidade é de 40,9/1000
manente, os últimos dez lugares a nível
(MICS3 - 2006);
mundial em termos de Índice de Desenvolvi-
- A taxa bruta de mortalidade é de 17,3/1000
mento Humano , o que, por sua vez, traduz
(MICS3 - 2006);
e reflecte carências a múltiplos níveis:
- A taxa de mortalidade infantil
4
é de 138/1000 (MICS3 - 2006); - O rendimento per capita é de apenas
- A taxa de mortalidade com menos
230 US$ (ou 138.200 Francos CFA) e tem-
de 5 anos é de 223/1000 (MICS3 - 2006);
-se caracterizado por uma significativa vo-
- A taxa de mortalidade materna
latilidade associada à instabilidade politico-
é de 405/100.000 (MICS3 - 2006);
-governativa, sendo ainda assim de registar
- A dimensão média dos agregados familia-
uma taxa de crescimento de cerca de 3,1%
res é de 7,9 individuos (MICS3 - 2006);
entre 2007 e 2009;
- Apenas cerca de 36% e 12% das tabancas/
- A esperança média de vida à nascença
localidades têm acesso, respectivamente,
é de 46 anos (2006);
a água potável e a instalações de saúde
- A taxa de alfabetização de adultos
(INEC, 2010).
(15 - 49 anos) é 28.6% (MICS3 - 2006);
14
População Total: 1.548.159 indivíduos
SAB 384,960; 25%
Tombali 102,482; 7%
Quinara 65,946; 4%
Oio 226,263; 15%
Cacheu 199,674; 13%
Biombo 94,869; 6% B. Bijagós 33,929; 2% Gabú 214,520; 14%
Bafatá 225,516; 14%
Figura 1: Distribuição da População pelas Regiões da Guiné-Bissau segundo os resultados provisórios do Recenseamento Geral da População e Habitação (RGPH) de 2009 (INEC, 2010). 4
Por exemplo, em 2009 o Índice de desenvolvimento Humano da Guiné-Bissau encontrava-se na 164º posição entre os 169 países constantes da tabela do PNUD. (http://hdrstats.unpd.org/en/countries/profiles/GNB.html).
O Anexo I deste estudo apresenta um con-
estabelecidos no quadro dos Objectivos
junto de indicadores socio-demográficos
de Desenvolvimento do Milénio. Com efeito,
adicionais. É de assinalar que, segundo
os resultados provisórios do ILAP realizado
os resultados preliminares do mais recente
em 2010 indicam que cerca de 69%
Inquérito por Amostragem aos Indicadores
da população encontra-se actualmente
Múltiplos (MICS) e dos Inquéritos Demográ-
em situação de pobreza – e cerca de 33%
ficos de Saúde Reprodutiva (IDSR), alguns
em situação de pobreza extrema. Os resul-
indicadores têm registado progressos
tados do mais recente ILAP revelam tam-
consideráveis: a taxa de escolarização
bém a existência de uma forte associação
no ensino primário, por exemplo, aumentou
entre a dimensão dos agregados familiares
de 46,3 % para 69,8 % entre 1991 e 2010.
e o risco de pobreza, bem como entre este
Ainda assim, estes progressos continuam
último e os reduzidos níveis de escolaridade.
a revelar-se insuficientes para permitir que
Finalmente, ilustram as implicações
o país abandone as últimas posições do
da pobreza ao nível da segurança alimentar
ranking mundial no que se refere à genera-
da população: entre os indivíduos mais
lidade dos indicadores de desenvolvimento
pobres, a maior parte do rendimento dos
humano e socio-económico.
agregados familiares (mais de 65%) é afecto à aquisição de alimentos.
O Inquérito Ligeiro de Avaliação da Pobreza realizado em 2002 revelou que cerca de
A Guiné-Bissau é um país essencialmen-
65% da população vivia então em situação
te agrário. Cerca de 2 milhões de hectares
de pobreza, dispondo de um rendimento
(55% do território nacional) encontram-
inferior a 2 US$ por dia (cerca de 1070
-se cobertos por uma grande diversidade
Francos CFA) - e que cerca de 21 % da
de formações florestais (PNIA, 2010), nas
população vivia em situação de pobreza
quais são objecto de exploração a madei-
extrema, com menos de 1 US$ por dia (534
ra comercial, a lenha e diversos produtos
Francos CFA). O ILAP 2002 revelou também
não lenhosos utilizados na economia local.
que a pobreza é um fenómeno com especial
Estas formações têm sofrido uma tendência
incidência nas áreas rurais da Guiné-Bissau,
geral de degradação ao longo do tempo
pois estas correspondiam então a cerca de
em consequência das alterações climáticas,
70% da população total, mas concentravam
dos efeitos do fogo e conversão de terrenos
cerca de 85% da população em situação
para a actividade agrícola (plantações de
de pobreza. Entretanto, apesar do produto
caju, cultura itinerante, etc.) e dos efeitos da
e rendimento nacionais terem apresentado
actividade pastoril.
uma tendência de crescimento nos últimos anos, o problema da pobreza parece ter-se acentuado, tornando cada vez mais remota a possibilidade de alcançar os objectivos
15
Existe um grande potencial para o desenvol-
Apesar do seu papel central, o sector agrí-
vimento da agricultura e, em especial, das
cola e, de uma forma mais geral, o mundo
culturas alimentares, para as quais, apesar
rural, têm sido objecto de atenção insufi-
de tudo, continuam a existir condições
ciente. Por exemplo, a afectação de recursos
climáticas bastante favoráveis. Por exemplo,
a este sector ao nível do Orçamento Geral
a área potencial para a produção de arroz –
do Estado nunca ultrapassou os 5%. Ainda
base da dieta guineense – é de 106.000 ha
assim, em 2010-2012 prevê-se a afectação
e 150.000 ha para o arroz de bolanha e de
de 12% do orçamento no âmbito do “Quadro
bas fonds, respectivamente. Destes, porém,
de Despesas a Médio Prazo” (QDM), o qual
apenas cerca de 50% e 10% são actualmente
deverá dar prioridade aos sectores da agri-
aproveitados (PNIA, 2010).
cultura, saúde e educação.
Os cajueiros ocupam uma área total de
O potencial para a produção pesqueira
plantação de cerca de 200.000 ha e estão
é também muito significativo6, ainda que
na origem do principal produto de exporta-
escasseiem dados actualizados relativamen-
ção do país: a castanha de caju, cuja pro-
te ao potencial neste domínio. A produção
dução anual excede as 100.000 toneladas ,
actual encontra-se estimada em cerca de
apresentando uma tendência significativa
60.000 toneladas. A pesca é praticada em
de crescimento. A exportação de caju de-
todas as regiões e em especial nas zonas
sempenha também um papel importante ao
costeiras, onde constitui a principal fonte de
nível da estrutura das receitas orçamentais:
proteínas da população7. Toda a zona costei-
em 2009, por exemplo, o imposto extraor-
ra é muito rica em biodiversidade e caracte-
dinário sobre a exportação de caju permitiu
riza-se pela elevada produção de biomassa,
ao Estado guineense arrecadar uma receita
salientando-se a presença de diversas espé-
de cerca de 1,9 mil milhões de FCFA. Para
cies de peixes de grande valor comercial.
5
16
além disso, a importância desta cultura é bem ilustrada pelo facto de ser praticada
A exploração dos recursos mineiros e petro-
pela maioria das unidades de produção
líferos apresenta também um potencial mui-
familiares da Guiné-Bissau: a dimensão mé-
to relevante. No entanto, parece faltar ainda
dia das plantações oscila em torno de uns
uma visão estratégica para a utilização dos
meros 1,6 ha.
rendimentos futuros deste sector ao serviço do desenvolvimento socioeconómico e da
5
Dados não confirmados apontam para uma exportação de cerca de 121.000 toneladas em 2010, bem como para uma produção total de 150 mil toneladas em 2010 e de cerca de 140 mil toneladas em 2009 (MEPIR, 2010).
6
Dados do PNIA apontam para um potencial de 275.000 toneladas, sendo o nível actual de exploração de 60.000 toneladas.
7
O consumo anual per capita de peixe está estimado em cerca de 26 kg.
melhoria das condições de vida das gera-
co, apesar da volatilidade do preço desta
ções presentes e futuras. Em particular,
última mercadoria no mercado mundial.
foi já confirmada a existência de reservas significativas de fosfatos e bauxite. O poten-
A importância da agricultura é demonstrada
cial de extracção petrolífera tem também
igualmente pelo facto de cada ponto
vindo a ser objecto de prospecção explo-
percentual de crescimento do PIB agrícola
ratória, mas até ao momento não foi ainda
estar associado a uma redução da incidên-
confirmada a existência de reservas com
cia de pobreza em 2,0 % e 2,1% a nível nacio-
viabilidade comercial.
nal e nas áreas rurais, respectivamente. Para a redução da pobreza, contribuiria
Em suma, a economia guineense depende
de forma especialmente eficaz uma estra-
muito fortemente da exploração dos recur-
tégia de desenvolvimento agrário centrada
sos naturais, especialmente do seu solo e
nas culturas alimentares ou que procurasse
subsolo e de certos recursos específicos da
integrar os diversos sub-sectores agrários.
biodiversidade. A agricultura é responsável
Porém, esta última exigiria níveis de investi-
por cerca de 45% do PIB nacional (INEC -
mento bastante avultados, que permitissem
Contas Nacionais 2008), tendo apresentado
a criação de estruturas públicas sectoriais
taxas de crescimento de 4% em 2004-2008
e infra-estruturas direccionadas para
e de 6,3 % em 2009 – bastante superiores
o desenvolvimento da produção agrícola
às do PIB total, que oscilaram em redor dos
e do mundo rural. No contexto do Arqui-
3%. Podemos por isso concluir que o sector
pélago Bolama-Bijagós, incluindo na Área
agrícola, especialmente a produção e expor-
Marinha Protegida Comunitária (AMPC)
tação de castanha de caju, têm constituído
Urok, este tipo de estruturas é virtualmente
o principal motor do crescimento económi-
inexistente. Aliás, mesmo a actividade das
Evolução da exportação da castanha (2000-2010) em mil toneladas
72,7
78,0
72,8
75,0
93,2
96,1
92,3
87,9
116,6
136,7
121,0
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
Figura 2: Evolução das exportações da castanha do caju (2000-2010) (Mepir, 2010).
17
organizações socioprofissionais voltadas
As pressões no sentido da intensificação
para o desenvolvimento da agricultura é
do crescimento económico fazem-se quase
ainda muito incipiente em toda esta região
sempre acompanhar por dilemas, não sendo
– ainda que, no caso específico da AMPC
sempre fácil assegurar a exploração racional,
Urok, se registe uma certa dinâmica de
durável e sustentável dos recursos naturais.
desenvolvimento impulsionada por ONGs
Porém, de uma forma geral, as comunidades
como a Tiniguena e os seus parceiros.
locais da Guiné-Bissau têm assegurado tradicionalmente este objectivo através do de-
18
O mesmo sucede com o sector empresarial,
senvolvimento de mecanismos sofisticados
cuja trajectória é exemplificada pelo desen-
de gestão dos recursos dos quais depende
volvimento do sector comercial – o qual
a sua subsistência. É na penetração das
passou, ao longo do tempo, por diversas
lógicas de mercado que podemos encontrar
fases conturbadas que comprometeram
a origem dos desequilíbrios que têm surgido
o seu desenvolvimento. O período pós-
ao nível da relação com a natureza – e que
-independência trouxe consigo o desman-
podem ter consequências tanto materiais
telamento do sector privado e a criação de
como imateriais muito negativas para as
um sector estatal alargado no contexto de
populações locais e para o conjunto da
um modelo económico desenvolvimentista
sociedade guineense. A degradação dos
de inspiração socialista. No sector comercial,
recursos naturais daí decorrente tende
por exemplo, o Estado assumiu o conjunto
a exacerbar a pobreza tanto nos meios
das actividades de importação e expor-
urbanos como rurais e a comprometer
tação, bem como o comércio de retalho
o desenvolvimento socioeconómico
formal, o que teve como consequência
e o futuro das gerações vindouras.
a desestruturação e desmantelamento do comércio privado. Este experimentou
Em resultado do predomínio da racionali-
depois um ressurgimento no contexto
dade de mercado sobre o planeamento de
da liberalização económica de meados
longo prazo, alguns dos mais importantes
da década de 1980, mas foi posteriormente
recursos naturais da Guiné-Bissau encon-
muito prejudicado pela persistente instabili-
tram-se já esgotados ou em fase de degra-
dade política e militar. Actualmente, o sector
dação acelerada. Nalgumas zonas, os solos
comercial privado encontra-se novamente
têm sofrido acentuada degradação, tornan-
em fase de expansão, estimulada pela pro-
do-se marginais e improdutivos; noutras,
gressiva inserção da economia guineense
a extensão das florestas tem vindo a redu-
no mercado sub-regional, pelo desenvolvi-
zir-se – e, com elas, a fauna e flora locais.
mento dos mercados locais e pela procura
Tudo isto ameaça o património natural da
mundial de produtos nacionais como a cas-
Guiné-Bissau e a subsistência e condições
tanha do caju.
de vida da população.
1.2 Objectivos do estudo
projecto “Urok Osheni! Conservação, Desenvolvimento e Soberania nas Ilhas Urok”.
O presente estudo foi elaborado no contex-
As intervenções previstas no âmbito deste
to do projecto “Urok Osheni! - Conserva-
projecto articulam-se em torno dos seguin-
ção, Desenvolvimento e Soberania nas Ilhas
tes eixos principais:
Urok”, que reflecte e consubstancia uma parceria de vários anos entre a ONG guine-
• Valorização da cultura e reforço das
ense TINIGUENA e o Instituto Marquês de
dinâmicas comunitárias;
Valle Flôr (IMVF), organização não gover-
• Aumento do acesso à educação e forma-
namental de desenvolvimento portuguesa.
ção profissional e de base;
Tal como indicado nos Termos de Referência
• Valorização, de forma durável, dos produ-
(TdR) do presente estudo, pretende-se que
tos agrícolas e florestais, sem comprometer
este contribua para os objectivos gerais de
os objectivos de conservação da AMPC
“reforço do processo de governação parti-
e a realidade sociocultural da população
cipativa” e para a “melhoria das condições
residente – assegurando em particular
de vida” da população residente da AMPC
o respeito pelos mecanismos de solidarieda-
Urok.
de e redistribuição de riqueza da sociedade
8
9
Bijagó; Estes objectivos gerais relacionam-se com
• Promoção de actividades produtivas
o processo, actualmente em curso, de imple-
e de transformação;
mentação de um modelo sustentado e inte-
• Eliminação e/ou atenuação de constrangi-
grado de desenvolvimento para a Reserva
mentos ligados à gestão dos factores
da Biosfera e, em especial, para as Unidades
de produção; à transformação e armazena-
de Conservação estabelecidas no seu inte-
mento; aos transportes, comunicações
rior. No caso da AMPC Urok, a prossecução
e infra-estruturas de apoio - e à colocação
desses objectivos passa pelo reforço das
dos produtos no mercado;
iniciativas de desenvolvimento socioeconó-
• Apoio à dinamização e criação de circuitos
mico que têm vindo a ser implementadas
de comercialização;
pela população com o apoio da Tiniguena,
• Promoção de fileiras com potencial
nomeadamente em parceria com o Institu-
para a criação de actividades de negócio
to Marquês de Valle Flôr e no contexto do
sustentáveis;
8
A Tiniguena é uma ONG guineense, criada em 1991, cuja intervenção incide particularmente nas áreas do ambiente, pesca artesanal sustentável, segurança alimentar, apoio à economia local e desenvolvimento sustentável. 9
O Instituto Marquês de Valle Flôr foi fundado em 1951 e tem por missão a promoção do desenvolvimento socioeconómico e cultural nos países de língua portuguesa. Desde 2001, marca presença em todos eles, actuando nas áreas da Cooperação para o Desenvolvimento, Educação para o Desenvolvimento e Ajuda Humanitária e de Emergência. O IMVF iniciou as suas actividades na Guiné-Bissau em 1999, concentrando a sua intervenção nos domínios do desenvolvimento rural e segurança alimentar, assistência técnica e reforço institucional, promoção de actividades geradoras de rendimento, educação, saúde e promoção da cidadania, numa logica de desenvolvimento integrado.
19
20
• Aproveitamento do potencial económico
Adicionalmente, os resultados do estudo
de Biombo e Bissau enquanto mercados
poderão vir a servir de base para o desen-
e dinamização dos circuitos comerciais
volvimento de planos de negócios mais
já existentes;
detalhados que incidam sobre cada uma
• Promoção da viabilidade comercial
das áreas e fileiras identificadas como
de alguns produtos locais.
especialmente propícias e virtuosas.
Tendo os objectivos do projecto como
No contexto do modelo de desenvolvimento
pano de fundo, o presente estudo tem
da AMPC Urok, assumem especial relevância
por objecto as dinâmicas socioeconómicas
as características participativas do processo
locais da AMPC Urok e visa contribuir para
de conservação e desenvolvimento, os níveis
a compreensão das lógicas que caracteri-
de insularidade e isolamento do território
zam a reprodução material da sua popula-
e a importância do património cultural da
ção, designadamente no contexto das acti-
população. É por isso fundamental pensar
vidades produtivas locais e das dinâmicas
e promover o desenvolvimento da AMPC
comerciais entre a AMPC Urok e o exterior.
Urok de uma forma integrada e sustentável
Visa também a identificação de potencia-
– e é esse mesmo o objectivo assumido pelo
lidades e oportunidades económicas que
projecto “Urok Osheni! - Conservação,
sejam susceptíveis de promover, a curto
Desenvolvimento e Soberania nas Ilhas
e médio prazo, a melhoria das condições
Urok”. Pretende-se que este estudo
de vida da população - de uma forma que
constitua uma contribuição nesse sentido.
não perturbe os equilíbrios ecológicos existentes nem comprometa as lógicas e estratégias de gestão e desenvolvimento
1.3 Metodologia
em curso na AMPC Urok. Tal como especificado nos TdR, o estudo procura ainda
A metodologia adoptada no contexto do
identificar um conjunto de áreas para imple-
presente estudo resultou de um conjunto
mentação de iniciativas de promoção
de reuniões prévias entre os autores deste
do empreendorismo e de apoio à criação
estudo e diversos responsáveis da Tiniguena
de pequenos negócios, bem como para
e Instituto Marquês de Valle Flôr, nas quais
desenvolvimento de actividades de forma-
se procurou concretizar os objectivos
ção. Pretende-se com todas estas activida-
estabelecidos nos TdR tendo em conta
des contribuir de forma durável para
as propostas metodológicas da equipa
o desenvolvimento socioeconómico
de consultores e o conhecimento prévio
da AMPC Urok e para a sua conservação,
do terreno por parte destas duas ONGs.
nomeadamente através da criação de
Para além da consulta de bibliografia
condições propícias à fixação da população.
relevante, privilegiou-se a aplicação e triangulação de três instrumentos
principais de obtenção de informação:
e 1 marinheiro) e 1 focus-group (3 residentes
um inquérito aos agregados familiares,
do sexo masculino);
de carácter estruturado e mais fechado;
• Ancadaque (Formosa): 14 entrevistas de
entrevistas semi-estruturadas a actores
inquérito e 2 entrevistas semi-estruturadas
locais e focus-groups com residentes
(comerciantes locais);
de diversas tabancas.
• Acôco (Formosa): 7 entrevistas de inquérito e 1 entrevista semi-estruturada (comer-
A aplicação dos métodos directos de
ciante local);
recolha de informação primária teve lugar
• Catem (Formosa): 9 entrevistas de inqué-
aquando de um período de trabalho de
rito e 1 entrevista semi-estruturada (comer-
campo na AMPC Urok entre 26/11 e 04/12
ciante local);
de 2010 . Considerou-se que a adopção
• Nago (Nago): 6 entrevistas de inquérito,
do método misto (triangulação de dados
1 focus-group (5 residentes locais do sexo
qualitativos e quantitativos) permitiria
feminino)
alcançar os melhores resultados possíveis,
• Cadjyirba (Nago): 13 entrevistas de inqué-
tendo em conta os objectivos do estudo
rito e 1 entrevista semi-estruturada (comer-
e as restrições logísticas e temporais asso-
ciante local);
ciadas à realização do trabalho de campo.
• Botai (Chediã): 1 focus-group (6 residentes
10
do sexo masculino) Assim, no período de trabalho de campo
• Chediã (Chediã): 11 entrevistas de inquérito
referido, foram efectuadas visitas a nove
e 1 entrevista semi-estruturada (comerciante
tabancas das três ilhas principais que consti-
local);
tuem o complexo de Urok (Abu, Ancadaque,
• Porto Nhominca (Chediã): 1 entrevista
Acôco e Catem, em Formosa; Nago
de inquérito, 1 focus-group (6 pescadores
e Cadjyirba, em Nago e Botai, Chediã
Nhominca do sexo masculino) e 1 entrevista
e Porto Nhominca, na iha de Chediã),
semi-estruturada (técnico de reparação
nas quais foi realizado um total de 75
de embarcações).
entrevistas de inquérito, 11 entrevistas semi-estruturadas e 4 focus-groups.
As entrevistas de inquérito assentaram na
Assim, para além da observação presencial,
aplicação do questionário constante do
foram levadas a cabo as seguintes activida-
Anexo IV – o qual beneficiou, por sua vez,
des em cada uma das tabancas:
de alterações introduzidas na sequência de inquéritos de pré-teste. Visaram fundamen-
• Abu (Formosa): 13 entrevistas de inquérito,
talmente a recolha sistemática de dados
4 entrevistas semi-estruturadas (2 comer-
representativos e susceptíveis de tratamen-
ciantes locais, 1 professor do ensino básico
to quantitativo relativamente a seis domí-
10
A missão de terreno foi organizada em articulação com a Tiniguena e IMVF e beneficiou de apoio logístico de diversos elementos destas duas organizações. O trabalho de recolha de informação propriamente dito foi realizado pelos dois autores deste estudo e por Miguel de Barros e Ocante Sá, membros da direcção da Tiniguena.
21
nios: (i) características gerais dos agregados
Em cada uma das tabancas, os agregados
familiares; (ii) actividades produtivas
foram seleccionados para inclusão na
e estratégias de subsistência; (iii) dotação
amostra mediante um critério de conveniên-
de competências e meios de produção;
cia (presença no local e disponibilidade para
(iv) rendimento e pobreza; (v) práticas
a realização da entrevista), o que constitui,
comerciais; e (vi) avaliação subjectiva de
naturalmente, um elemento adicional de
constrangimentos e necessidades.
afastamento face às condições ideais de aleatoriedade e representatividade. Porém,
22
Tratou-se de um inquérito aos agregados
estamos convictos de que estas opções
familiares, em que se adoptou o fogão
metodológicas não terão comprometido
(ou fogon, que neste contexto constitui
a fiabilidade dos resultados, por dois moti-
a mais autónoma unidade de produção
vos principais: (i) por um lado, a dimensão
e consumo) como critério para a identifica-
da amostra face ao universo pode ser consi-
ção e demarcação dos agregados. Em cada
derada bastante elevada: o número total
um dos casos, admitiu-se como responden-
de elementos dos agregados incluídos
te a pessoa indicada como sendo responsá-
na amostra, segundo as informações
vel pelo fogão, ou qualquer outra nomeada
proporcionadas pelos respondentes,
por esta última como estando em condições
foi de 645, o que corresponde a cerca de 1/5
de proporcionar informação fiável acerca
da população total da AMPC Urok segundo
das questões abordadas no questionário.
os dados do Recenseamento Interno realizado pela Tiniguena e do Recenseamento
Não foi possível realizar o inquérito junto
Geral da População realizado pelo INEC
de uma amostra aleatória dos agregados
(ver Capítulo 2); (ii) em segundo lugar,
familiares da AMPC Urok, uma vez que isso
procurou-se validar os dados quantitativos
exigiria o levantamento prévio do universo
recolhidos no contexto do inquérito aos
de agregados – algo que não foi possível
agregados familiares através da recolha
realizar em virtude das restrições associadas
de uma quantidade substancial de informa-
ao trabalho de campo. Assim, optou-se
ção qualitativa (tanto aquando das entrevis-
antes pela identificação prévia de um con-
tas semi-estruturadas e focus-groups como,
junto de tabancas que, por um lado, asse-
por vezes, durante as próprias entrevistas
gurasse a representatividade das diferentes
de inquérito). São ainda de assinalar os fac-
modalidades assumidas por um conjunto de
tos de não se ter verificado qualquer recusa
variáveis consideradas fundamentais (ilha,
de participação no inquérito e de o nível
nível de centralidade/isolamento, compo-
de não-respostas a questões específicas ter
sição étnica, importância relativa da pesca
sido negligenciável. Estamos, pois, convictos
e das actividades agrícolas) e, por outro
de que a probabilidade de erro estocástico
lado, reunisse um quantitativo populacional
ao nível da maior parte dos indicadores esti-
significativo.
mados no contexto deste inquérito pode ser considerada relativamente baixa.
Por sua vez, as entrevistas semi-estruturadas tiveram por base o guião constante do Anexo III e visaram sobretudo a obtenção de informação qualitativa relativamente às dinâmicas e constrangimentos que caracte-
2. A AMPC Urok 2.1 Enquadramento: a AMPC Urok e o Projecto “Urok Osheni!”
rizam as actividades produtivas e comerciais dos residentes de cada tabanca e da AMPC
Os primeiros contactos entre a Tiniguena
Urok como um todo. Em cada um dos ca-
e os “homis garandis”, ou anciões, de Urok
sos, porém, procurou-se explorar também
tiveram lugar em 1993, na casa do Ambiente
um conjunto de temáticas mais específicas
e Cultura Bolama-Bijagós, “sede” da Reserva
associadas à actividade profissional desen-
da Biosfera. A este encontro seguiram-se
volvida pelos entrevistados (p.e., professo-
muitos outros, que progressivamente
res, comerciantes, marinheiros) ou por estes
permitiram o desenvolvimento de relações
espontaneamente introduzidas no contexto
de parceria e o lançamento das bases para
das entrevistas.
o processo de criação da AMPC Urok. A criação desta última é indissociável do
Finalmente, a opção pela realização de um
processo de consolidação da Reserva da
conjunto de focus-groups (o terceiro méto-
Biosfera do Arquipélago Bolama-Bijagós:
do sistemático de obtenção de informação
aquando do processo de zonagem da
adoptado no contexto deste estudo) teve
Reserva da Biosfera, as áreas consideradas
como objectivo principal explorar duas das
mais frágeis foram incluídas na chamada
virtudes principais deste método: a possibi-
zona central, que impõe restrições mais
lidade de recolher informação junto de um
apertadas em matéria de conservação,
número relativamente elevado de informan-
tendo sido anunciado o objectivo de trans-
tes num período de tempo relativamente
formar progressivamente essas zonas cen-
curto, o que constitui uma vantagem impor-
trais em unidades de conservação (parques
tante no contexto de um trabalho de campo
ou áreas protegidas). O processo de criação
caracterizado por restrições temporais;
da Área Marinha Protegida Comunitária
e a possibilidade de estimular e tirar partido
teve por isso como antecedente o facto
da interacção entre os intervenientes
de toda a área de Urok ter sido previamente
no focus-group, particularmente no que
classificada como uma das zonas centrais
respeita a apreciações subjectivas relativa-
da Reserva da Biosfera.
mente a diferentes matérias.
23
Todo o processo de criação da unidade de
Formosa em direcção aos baixios da Ilha
conservação foi conduzido pela Tiniguena
de Soga. A Sul, a AMPC Urok encontra-se
na base de uma dinâmica de desenvolvi-
separada das ilhas de Edana e Enu por um
mento local, caracterizando-se pelas medi-
canal sem nome, enquanto que, a Oeste
das adoptadas ao nível da gestão dos re-
e Noroeste, se encontra a ilha de Carache,
cursos naturais locais e pela implementação
separada de Urok pelas coroas de São Fran-
de um modelo de gestão marcadamente
cisco e por um outro canal de profundidade
comunitário. Para este processo, contribui-
considerável.
ram também os processos de reflexão
24
a nível da sub-região da África Ocidental
O complexo insular central de Urok é consti-
que estiveram na origem da criação do
tuído por três ilhas principais – Formosa
Programa Regional Costeiro e Marinho,
(ou Urok, na língua Bijagó), Maio (Chediã)
bem como a dinâmica dos movimentos
e Ponta (Nago) –, bem como por numerosos
ambientalistas internacionais no sentido
ilhéus mais pequenos, dos quais os maiores
da criação de unidades de conservação
são os ilhéus de Manassa (Acôco) e Meio
em benefício das comunidades locais.
(Quai). Em virtude da sua proximidade,
Aliás, o próprio processo de criação da
estas ilhas e ilhéus formam um conjunto
AMPC Urok permitiu avanços significativos
único, apenas separado pelo canal do Meio
ao nível do dispositivo jurídico-institucional
e pelas suas diversas ramificações. Aliás,
da lei-quadro das áreas protegidas, que na
durante o período da baixa-mar, alguns
sua tipologia de áreas protegidas não previa
destes ilhéus e ilhas ficam ligados entre si.
inicialmente este tipo de gestão assente em
Em redor deste complexo insular central,
bases comunitárias.
a maior distância, existem diversos outros ilhéus mais pequenos, como os ilhéus de São Francisco, Papagaios, Torre, Canais,
2.2 Caracterização geral
Pedras, Flamingos, Rumai e Ancadongue.
Localização
A definição dos limites externos teve por
A AMPC Urok localiza-se no estuário do Rio
critério, de uma forma geral, a isobata dos
Geba, na parte setentrional do Arquipélago
10 metros de profundidade. No interior
Bolama-Bijagós. A extremidade nordeste
deste espaço, recortados por alguns canais
do território da AMPC Urok é constituída
profundos, destacam-se extensos baixios,
pelas Coroas de Papagaio e de Formosa, as
formados através da acumulação de sedi-
quais são recortadas por diversos canais de
mentos fluvio-marinhos, que emergem
profundidade considerável, como sejam os
à superfície aquando da baixa-mar. A par-
Canais de Formosa, Pelicano, Flamingos e
te marinho-aquática da AMPC encontra-se
Papagaio. A extremidade sudeste é cons-
inteiramente contida nas águas interiores
tituída pelo prolongamento do canal de
da Guiné-Bissau.
A Figura 3 representa a distribuição de
O mangal, que ocupa uma superfície consi-
superfície terrestre da AMPC Urok segundo
derável (7.120 ha), desempenha, juntamente
o tipo de cobertura vegetal e a forma de
com os bancos vasosos, arenosos e rocho-
utilização. Destaca-se o predomínio dos
sos, um papel ecológico de extrema impor-
palmares naturais densos, mangais e lalas,
tância na manutenção da produtividade
especialmente nas ilhas principais do com-
biológica desta zona particularmente rica
plexo insular: Formosa, Nago e Chediã.
em espécies marinhas e aquáticas – entre
Porém, a distribuição do coberto vegetal
as quais se destacam o manatim, os golfi-
reflecte também o aumento da área afecta
nhos e diversas espécies de peixe de grande
à plantação de caju e ao ciclo de cultura
valor comercial. Os bancos e mangais são
itinerante. Embora isso não seja visível na
também utilizados como zonas de alimen-
Figura, é de referir que em Nago e Chediã
tação e repouso por numerosas espécies
se verifica, por outro lado, uma pressão
de aves aquáticas migradoras, algumas das
adicional sobre a terra em resultado da imi-
quais utilizam alguns dos ilhéus da AMPC
gração de indivíduos de etnia Papel, prove-
como zonas de nidificação.
nientes da região de Biombo, no território continental da Guiné-Bissau.
25 Aglomerados Populacionais; 272,3; 1%
Rizicultura Itinerante sobre Queimadas; 509,2; 2% Palmares Densos; 8487,9; 41%
Mangal; 7120,9; 34% Savanas com Vestigios de Cultura; 100,5; 1%
Palmares pouco Densos; 815,6; 4% Savana Herbácea Fourre (Cerrados); sobre Solos Arenosos; Savana Arborea; 329; 2% 1065,3; 5% 390,6; 2%
Lalas; 1563,5; 8%
Figura 3: Superfície e cobertura vegetal da AMPC Urok (Total 20,755 ha) (Fonte: Suco-Crad)
Em terra, destaca-se a grande diversidade
volvem diferentes actividades no mundo
de répteis e a presença do macaco verde,
rural, com predominância para a agricultura,
ou macado de tarrafe (Cercopithecus ae-
enquanto produtores independentes.
thiops sabaeus). A diversidade florística é também muito significativa – especial-
A população total da região Bolama-Bijagós
mente nas zonas sagradas, onde subsistem
encontra-se agrupada em cerca de 4.839
algumas relíquias de espécimes de grande
agregados familiares. Destes, apenas 262
porte – e é objecto de utilização no contex-
residem em alojamentos de construção
to da farmacopeia tradicional.
definitiva – a vasta maioria (4.577) reside em construções de carácter precário.
Demografia
Apenas 172 agregados têm acesso a água
A população total da Região Bolama
potável canalizada e o número dos que
-Bijagós é de cerca de 34 mil habitantes:
dispõem de uma fonte de energia eléctica
16.700 do sexo masculino e 17.200 de sexo
é ainda menor (155). A esmagadora maioria
feminino. A faixa etária compreendida entre
dos agregados (4.649) utiliza a lenha como
os 15 e os 44 anos constitui cerca de 50%
principal fonte de energia. Os níveis de
da população total (18.329); os menores
acesso à maior parte dos bens duradouros
de 15 correspondem a 37% (13.464); e os
domésticos é reduzido, como foi aliás con-
maiores de 44 constituem cerca de 13%
firmado directamente no quadro do inqué-
da população (4.872). As partes urbaniza-
rito desenvolvido no contexto do presente
das desta região, principalmente a cidade
estudo (ver Capítulo 3).
11
26
de Bolama e a vila de Bubaque, concentram 9.118 habitantes. A população economica-
Entre os diversos sectores administrativos
mente activa da Região Bolama-Bijagós
em que se divide a Região Bolama-Bijagós,
é composta por 10.278 indivíduos – embora
o de Formosa-Caravela é o que contém
este número subestime os níveis reais
o menor número de habitantes: 4.263.
de participação nas diversas actividades,
Destes, 2.928 residem no complexo insular
uma vez que os menores, tanto do sexo
de Urok - 1.471 do sexo masculino e 1.457
masculino como feminino, participam
do sexo feminino. A Ilha de Formosa
igualmente nas actividades de produção
é a mais povoada, com 1.873 habitantes;
e reprodução das unidades familiares.
Chediã conta com 436 habitantes e Nago
Dentro do universo dos activos, 401 são
com 619. A população não residente é consi-
funcionários públicos, 3.810 são trabalhado-
derável (embora não tenha sido claramente
res do sector privado e os restantes desen-
identificada pelo Recenseamento) e é em
12
11
Elaborado com base em dados ainda não publicados do Recenseamento da População e Habitação de 2009 (INEC). 12
Definidos no contaxto do Recenseamento como correspondendo aos individuos com 15 anos ou mais que praticam alguma actividade produtiva.
grande parte constituída por indivíduos
Apesar de, para numerosos efeitos, a gestão
de etnia Papel originários do continente,
da vida quotidiana de cada tabanca ter
que imigram temporariamente para
lugar de forma colectiva e comunitária,
o complexo de Urok a fim de explorarem
os agregados familiares são essencialmente
diversos recursos naturais (peixe, moluscos,
autónomos ao nível da produção, possuindo
óleo de palma, etc.). Existe também uma
os seus próprios terrenos de cultivo, plan-
considerável comunidade Nhominca, oriun-
tações e bolanhas. Em certos casos, porém,
da do Senegal. Os ilhéus mais pequenos
os terrenos são detidos colectivamente pela
não são habitados, mas são objecto de
djorson ou clã – unidade mais ampla que
utilização temporária no quadro de activida-
reune um conjunto de agregados unidos
des de colecta de moluscos, culturas itine-
por laços de parentesco.
rantes e cerimónias religiosas tradicionais. Os recursos naturais são extremamente imAspectos socioeconómicos
portantes para a subsistência desta popula-
A população Bijagó vive agrupada em
ção essencialmente agrícola, cuja actividade
aldeias (tabancas) sujeitas à autoridade
mais básica consiste na cultura itinerante do
tradicional dos anciões, os quais são dirigi-
arroz (n’pam-pam) em terrenos previamente
dos por um régulo que é coadjuvado nas
sujeitos a queimadas. Nalgumas áreas da
suas funções pelo “dono da tabanca”.
AMPC Urok, como é o caso da tabanca de
A autoridade do régulo pode estender-se
Abu, pratica-se também o cultivo de arroz
a uma ou mais tabancas. Em cada tabanca,
de bolanha. O arroz constitui, aliás, a base
a comunidade encontra-se dividida e orga-
da alimentação da população de Urok,
nizada segundo classes etárias (de ambos
sendo complementado por culturas secun-
os sexos), a cada uma das quais corres-
dárias como o feijão, a mandioca, a batata
ponde um estatuto, direitos e obrigações
ou a mancarra. O caju, originalmente intro-
bem definidos. A passagem de uma classe
duzido na era colonial, tem vindo a ocupar
etária para a seguinte é marcada por um
um lugar cada vez mais central nas estraté-
conjunto de ritos e actividades complexos
gias de subsistência da população de Urok
que, nalguns casos, se prolongam por mui-
(aliás à imagem do que tem sucedido um
tos meses. Os indivíduos pertencentes às
pouco por todo o país), que encontra nos
classes etárias mais jovens prestam serviços
diversos produtos associados ao caju
e devem obrigações às mais velhas como
(castanha, vinho de caju, “n’sum-sum”)
“contrapartida” pela iniciação, educação
a possibilidade de aumentar os seus níveis
e socialização.
de rendimento.
27
A produção agrícola é complementada pela
As estruturas públicas de apoio ao desen-
criação de gado, pela exploração florestal
volvimento da actividade produtiva são pra-
(sobretudo extracção de chabéu e produção
ticamente inexistentes – e as estruturas que
de óleo de palma), pela pesca tradicional
existem limitam-se aos domínios da admi-
e pela apanha de moluscos e crustáceos.
nistração, segurança, ensino básico e saúde.
A criação de galinhas, cabras, porcos
Por sua vez, o sector empresarial privado
e vacas é praticada pela quase totalidade
é basicamente constituído pelos operado-
das famílias (ver Capítulo 3), que encaram
res comerciais, incluindo um número relati-
esta actividade como uma forma de manter
vamente elevado de comerciantes de caju
uma reserva de valor susceptível de repro-
que operam exclusivamente no período da
dução. Porém, tanto a agricultura como
campanha deste produto. Tudo isto ilustra
a criação de gado são afectadas com regu-
de que modo o isolamento e a insularida-
laridade por pragas e doenças que compro-
de introduzem dificuldades adicionais que
metem as colheitas e dizimam o gado.
acrescem às que são sentidas de uma forma geral pela população da Guiné-Bissau.
28
A pesca artesanal local, que em tempos ti-
Os sectores da educação, transportes,
nha um peso muito inferior à actividade dos
comunicações e água são alguns daqueles
pescadores oriundos do exterior, floresceu
em que é mais visível o impacto da acção
ao longo dos últimos dez anos em conse-
da Tiniguena e seus parceiros, tendo sido
quência das restrições impostas pelas regras
registados progressos muito significativos
da AMPC, que estabelecem um conjunto
ao longo da última década. Porém, dado
de zonas de pesca de utilização exclusiva
o grau das carências que se fazem sentir,
por parte da população local. É de assinalar,
é certo que os níveis de provisão estão
por outro lado, a ocorrência de conflitos
ainda longe de garantir a plena satisfação
entre a população autóctone e alguma
das necessidades básicas da população
população provinda do exterior, de etnia
de Urok.
Papel, em resultado das modalidades de exploração dos recursos naturais mais intensivas e direccionadas para o mercado exterior (Biombo e Bissau) adoptadas por esta última. Tal tem sido veriificado, nomeadamente, no contexto da actividade piscatória e da exploração de produtos florestais (óleo de palma, palha, cibe13, etc.).
13
Madeira de palmeira.
A Figura 4, elaborada com base nos resulta-
a dificuldade demonstrada pelo Estado
dos do Recenseamento de 2009, representa
guineense em assumir plenamente
os níveis de acesso a um conjunto de servi-
a responsabilidade pelo desenvolvimento
ços básicos nos diversos sectores adminis-
do Arquipélago, apesar dos diversos planos
trativos da Região Bolama-Bijagós.
que têm sido elaborados com esse objectivo
Percebe-se claramente que, de uma forma
– designadamente, no quadro do Projecto
geral, se trata de uma região desfavorecida
de Desenvolvimento Integrado das Ilhas
e caracterizada por carências significativas –
Bijagós e das Propostas de Desenvolvimen-
e que o sector de Formosa-Caravela
to Integrado da Reserva da Biosfera
é atingido por essas carências de forma
Bolama-Bijagós.
especialmente aguda. Tudo isto reflecte
275 250
29
225 200 175 150 125 100 75 50 25 -
Bolama
Bijagós Bolama Bubaque Uno Caravela
Nº total de tabancas
243
80
58
59
46
Com escola
49
15
15
10
9
Serviço de saúde
32
11
4
14
3
Furo de água
51
22
11
14
4
Figura 4: Número de tabancas e disponibilidade de escolas, serviços de saúde e furos de água nos sectores administrativos da Região Bolama-Bijagós (INE, 2010).
30
Potencial económico
As águas do arquipélago são ricas em
da região Bolama-Bijagós
espécies de peixe de grande valor comercial,
O potencial económico da região assenta
embora se desconheça a capacidade de
principalmente nos seus recursos naturais
produção de forma precisa. Em todo o caso,
e, em especial, nos recursos vivos renováveis
trata-se de uma das zonas de pesca mais
- existe um potencial pesqueiro, agrícola
procuradas pelos pescadores nacionais
e florestal muito significativo. A maioria
e da sub-região. A população cobre grande
da população pratica a agricultura, a explo-
parte das suas necessidades proteicas
ração florestal artesanal e a pesca tradicio-
através do consumo de peixe e moluscos.
nal. Em geral, os solos tropicais são pouco
No interior da AMPC Urok, o potencial
férteis e muito sensíveis aos fenómenos
pesqueiro é também muito considerável
erosivos, mas aqui, apesar da descontinui-
e, se gerido de forma durável, poderá
dade territorial, podem ainda ser considera-
proporcionar benéficos consideráveis
dos abundantes em relação à dimensão da
à população local residente, que dela
população. Por outro lado, a disponibilidade
beneficia de forma quase exclusiva.
de água, restrição fundamental da produção
Finalmente, há a registar o potencial turísti-
agrícola tradicional, é em geral suficiente-
co considerável da AMPC Urok, que advém
mente garantida pelas chuvas, apesar de
não só das características paisagísticas
alguma irregularidade. A exploração florestal
desta área insular como também da pre-
é muito adaptada, assentando sobretudo na
sença de recursos faunísticos e florísticos
extracção de óleo, lenha e madeira de cons-
importantes e atractivos, que podem vir a
trução e na colecta de produtos não lenho-
viabilizar a implementação de iniciativas de
sos destinados à alimentação, farmacopeia
turismo sustentável – embora, naturalmen-
e usos religiosos e culturais.
te, seja fundamental que qualquer processo desse tipo atenda às especificidades e restrições da AMPC Urok e ao objectivo último de melhorar de forma sustentável as condições de vida da população.
3. DINÂMICAS SOCIOECONÓMICAS: REALIDADES E CONSTRANGIMENTOS A Área Marinha Protegida Comunitária de Urok, tal como o Arquipélago dos Bijagós de uma forma mais geral, é um espaço onde o meio biofísico, as estruturas socioculturais e as actividades económicas (entendidas como o conjunto de actividades que asseguram a reprodução material das comunidades) se encontram em articulação próxima e inseparável. Para além do quadro legislativo formal (e quase sempre com tanta ou mais importância do que este), as actividades produtivas são enquadradas e reguladas de uma forma bastante estrita por um dispositivo normativo de carácter tradicional, que se reveste frequentemente de significação sagrado-religiosa e que é o resultado de uma lenta evolução das instituições, de um modo que tem permitido assegurar a manutenção dos equilíbrios ecológicos e sociais. É importante sublinhar que se trata de um sistema dinâmico, pontuado por equilíbrios quase sempre precários, no contexto do qual as estruturas, práticas e representações se vão modificando em resultado da introdução de novos elementos (tecnologias, procuras, ofertas e até
novos grupos humanos) provindos do exterior, das alterações bioclimáticas e da própria autonomia relativa da esfera sociocultural. Urok é também um espaço onde uma parte substancial da população se encontra próxima do limiar de subsistência, o que está associado a um conjunto complexo de factores – entre os quais se incluem as características do meio, a forma de organização da produção, a dificuldade de aproveitamento de economias de escala e o impacto do isolamento e da insularidade sobre o acesso a insumos e sobre a estrutura de custos. Esta articulação de factores tem obviamente repercussões adversas ao nível do desenvolvimento humano (saúde, educação, rendimento/pobreza), mas está também na origem da adopção de um conjunto notável de estratégias de resposta, nomeadamente ao nível dos mecanismos de redistribuição e solidariedade comunitária ou em termos de diversificação da produção. Esta última é, aliás, uma das características mais salientes da economia local da AMPC Urok: o reduzido grau de especialização e a conjugação, por parte dos diversos agregados familiares, de um conjunto alargado de actividades produtivas como forma de aumentar a resiliência em face da adversidade. Se é verdade que, de uma forma geral, é possível apontar diferenças entre as diversas tabancas e comunidades em termos da preponderância relativa das actividades agrícola, piscatória e outras (bem como, dentro da actividade agrícola, no que se refere à importância relativa das
31
diferentes culturas), não é menos verda-
As próximas secções deste capítulo
de que, por exemplo, todos os agregados
desenvolvem cada um destes argumentos
familiares que se dedicam à pesca praticam
e apresentam dados quantitativos e qualita-
também a agricultura e que, de uma forma
tivos relativamente a cada um deles,
mais geral, são virtualmente inexistentes os
de modo a proporcionar uma perspectiva
agregados que se dedicam exclusivamente
analítica sobre cinco aspectos da economia
a um único tipo de actividade.
local de Urok: actividades produtivas e estratégias de subsistência; propriedade
Naturalmente, a diversificação não é apenas
e relações sociais de produção; rendimento
uma fonte de resiliência face ao risco e à
e pobreza; dinâmicas comerciais; e, final-
adversidade; é também uma barreira à espe-
mente, uma súmula dos principais constran-
cialização, ao desenvolvimento do mercado
gimentos à actividade produtiva.
interno (i.e. intra-ilhas) e à adopção de técnicas e práticas que permitam rendimentos mais elevados. Está, por isso, associado a consequências tanto positivas como
3.1 Actividades produtivas e estratégias de subsistência
negativas. Ainda assim, é especialmente
32
importante ter em conta que intervenções
Urok, tal como o Arquipélago dos Bijagós
profundas que provoquem a perturbação
e a Guiné-Bissau de uma forma mais geral,
dos equilíbrios ao nível das estratégias de
é fundamentalmente uma sociedade de
subsistência, mesmo que em princípio con-
pequenos produtores independentes,
ducentes a ganhos de produtividade glo-
no sentido em que a produção, quer se
bais, podem ter consequências muito
destine ao auto-consumo quer ao mercado,
nefastas (aumento da incidência de pobre-
é na vasta maioria dos casos levada a cabo
za, desigualdade, despovoamento, perturba-
mediante o recurso a factores produtivos
ção dos equilíbrios socioculturais
(trabalho, ferramentas, terra) pertencentes
e ecológicos). Para lá dos dilemas ao nível
ao próprio agregado (ou, no caso da terra
da divisão social do trabalho, porém, encon-
destinada a certas culturas agrícolas, ao
tramos outros factores – da organização dos
djorson)14. Com efeito, entre os 75 respon-
canais de distribuição à dotação de meios
dentes abrangidos pelo inquérito, apenas
de produção, passando pelas pragas agríco-
28 indicaram que algum dos elementos
las – que contribuem para a vulnerabilidade
do agregado recebeu dinheiro em troca
da economia de Urok e, por essa via, para
de trabalho nalgum momento dos doze
o agravamento dos níveis de pobreza da
meses anteriores, o que revela desde já que
população. Havendo margem para progres-
o recurso ao trabalho assalariado assume
so e melhoria a esses níveis, é neles que em
um papel muito secundário e complementar.
princípio deverá incidir a primeira linha das intervenções de fomento da economia local. O termo crioulo djorson reporta à palavra portuguesa geração, mas tem o significado mais lacto de linhagem ou série de gerações de uma família; conjunto de ascendentes e de descendentes de uma pessoa; clã.
14
As actividades levadas a cabo de forma
Outro indicador directo do grau de diver-
independente são, porém, numerosas
sificação da produção é a percentagem do
e diversas, no que constitui uma indicação
total de agregados que pratica cada uma
clara do quanto a diversificação constitui,
das actividades (Figura 7): verificamos que
ela própria, uma estratégia de subsistência.
todas as actividades antecipadas no ques-
Por exemplo, entre as quinze actividades
tionário são praticadas por mais de metade
produtivas em relação às quais se colocou
dos agregados familiares, com excepção
explicitamente a questão no inquérito ,
apenas do comércio, fabrico de cestaria
verificamos que metade dos agregados
(que estão associados um certo grau de
praticou onze ou mais, 3/4 dos agregados
especialização) e do cultivo de arroz de bo-
praticaram pelo menos nove e nenhum
lanha (apenas praticado nas tabancas onde
dos 75 agregados praticou menos do que
esta prática é uma realidade). Por outro
cinco (Figura 6).
lado, a Figura revela também que a apanha
15
15 Número de actividades
13
10
8
5
Figura 5: Número de actividades produtivas (de entre as quinze explicitamente indicadas no questionário) praticadas nos doze meses anteriores pelos agregados incluídos na amostra (diagrama de extremos e quartis16) (fonte: inquérito aos agregados familiares). Pesca, cultivo de arroz de bolanha, cultivo de n’pampam, cultivo de feijão, cultivo de macarra, apanha de caju, cultivo de mandioca, apanha de combé, apanha de chabéu, extracção de óleo de palma, produção de sal, fabrico de cestaria, comércio, horticultura e produção de esteiras. O inquérito previa ainda a possibilidade de indicação de “outras” actividades (não antecipadas), tendo-se verificado, entre estas últimas, frequências relativamente elevadas de respostas referentes ao fabrico de artesanato (“canapés”), produção de bebidas alcoólicas e fabrico de sabão. 15
Nota: o diagrama de extremos e quartis é uma forma conveniente de representar uma distribuição, na qual o traço horizontal mais em baixo representa o mínimo da distribuição, o traço horizontal que constitui a ‘parte de baixo da caixa’ representa o primeiro quartil (25% da distribuição) e assim por diante (mediana, terceiro quartil e máximo). Eventuais ‘outliers’ (valores anornalmente reduzidos ou elevados), que não existem no caso desta Figura, são representados através de pontos ou estrelas.
16
33
de combé, o cultivo do arroz de sequeiro
agregado, enquanto outras se destinam
(n’pampam), a apanha de caju, a apanha
fundamentalmente ao mercado interno
de chabéu e a extracção de óleo de palma
ou externo. Entre as primeiras, contam-se
são praticados por mais de 90% dos agre-
o combé, o n’pampam, o feijão, os vegetais
gados familiares, o que constitui uma
hortícolas, a mancarra17, a mandioca
evidência clara das duas características
e o arroz de bolanha. Entre as segundas,
fundamentais da economia local de Urok
assumem especial relevância o caju, o óleo
que temos vindo a referir: a elevada homo-
de palma e a pesca (ainda que esta última
geneidade dentro do universo dos agrega-
se destine também de forma muito signifi-
dos familiares e a elevada diversificação de
cativa ao consumo do próprio agregado).
actividades ao nível de cada agregado.
Assim, se o n’pampam desempenha um papel fundamental enquanto principal fonte
Porém, se, como ilustra a Figura anterior,
de calorias na dieta da população de Urok,
a diversificação é a norma, isso não significa
é nos três produtos acima indicados (caju,
que todas as actividades desempenhem
óleo de palma e pescado) que encontramos
o mesmo papel ou tenham a mesma impor-
as três principais fontes de rendimento mo-
tância. Com efeito, a produção resultante
netário desta população (Figura 8).
de algumas destas actividades destina-se principalmente ao consumo do próprio
100 90 80 70 60 50 40 30 20
Arroz de bolanha
Cestaria
Comércio
Mandioca
Esteiras
Mancarra
Sal
Horticultura
Feijão
Pesca
Apanha de chabéu
Óleo de palma
N’Pampam
0
Caju
10 Apanha de combé
34
Figura 6: Percentagem de agregados familiares que nos doze meses anteriores praticou cada uma das actividades produtivas indicadas (de entre as quinze antecipadas no questionário) (fonte: inquérito aos agregados familiares). Amendoim da Costa Ocidental Africana. Já a mancarra bijagó é uma espécie de leguminosa existente no arquipélago.
17
35 30 25 20 15 10
N’pampam
Vanda de animais
Esteiras
Outra
Comércio
Artesanato
Pesca
Óleo de palma
Caju
5 0
Figura 7: Percentagem de agregados familiares que indicou cada uma das actividades produtivas como tendo constituído a principal fonte de rendimento monetário nos doze meses anteriores (fonte: inquérito aos agregados familiares).
A Figura anterior permite-nos ainda enun-
e/ou à pesca (seguindo o padrão maioritário
ciar um conjunto adicional de conclusões
em Urok), aproveitando as idas e vindas
importantes. Em primeiro lugar, torna-se
a Bissau para praticar o comércio de peque-
perceptível que o comércio (entendido
nas mercadorias como fonte complementar
enquanto compra e venda de mercadorias
de rendimento.
com vista à obtenção de um lucro), que regista uma prevalência surpreendente
Outra conclusão importante que ressalta
na Figura 6 (página anterior), inclui na
das Figuras 6 e 7 consiste no facto de que
verdade práticas de significado muito distin-
é a agricultura e não a pesca, que constitui
to: no caso dos cerca de 5% dos agregados
a base fundamental da economia da AMPC
que indicam esta actividade como “principal
Urok, o que poderá constituir uma surpresa
fonte de rendimento”, estaremos perante
para quem tenha um conhecimento mais
comerciantes propriamente ditos (proprietá-
superficial desta realidade insular. Isso
rios de boutiques ou indivíduos/agregados
é verdade tanto no que se refere à produção
familiares que se dedicam à exportação
para auto-consumo (na qual o arroz, base
ou importação de mercadorias de e para
da dieta local, tem o papel primordial)
o espaço insular a uma escala relativamente
como no que diz respeito à produção
considerável); já os quase 40% que referem
destinada ao mercado, particularmente
ter praticado esta actividade nos doze me-
a que está associada à obtenção de um
ses anteriores, sem que esta tenha assumido
rendimento monetário (no contexto da qual,
o papel de principal fonte de rendimento,
como é visível na Figura, tanto o caju como
consistem maioritariamente em agregados
o óleo de palma têm uma importância clara-
que se dedicam principalmente à agricultura
mente superior à pesca)18.
35
Dito isto, este é um dos aspectos em que
Cadjyirba e Chediã; em Acôco, é a pesca
se verificam algumas diferenças entre as
que assume maior relevo, complementa-
diversas áreas geográficas das três ilhas –
da pelo fabrico e venda de canapés; Abu,
diferenças essas que são indicativas de
centro administrativo e comercial do com-
um certo grau, ainda que muito limitado,
plexo de Urok, caracteriza-se por uma maior
de especialização local. Assim, como é
diversificação de actividades produtivas e
visível na Figura 10, as principais fontes
fontes de rendimento; finalmente, a apanha
de rendimento monetário mais frequente-
do caju (seguida da venda da castanha e,
mente indicadas registam algumas diferen-
em certos casos, da comercialização de vi-
ças assinaláveis de tabanca para tabanca:
nho de caju) revela-se também como impor-
a extracção e venda de óleo de palma tem
tante em quase todos estes contextos, mas
uma preponderância visível em todas as
especialmente em Abu, Catem, Cadjyirba
tabancas, mas esta é especialmente acentu-
e Chediã.
ada nos casos de Ancadaque, Catem, Nago,
36
Ilha Tabanca19
Principais fontes de rendimento monetário mais
frequentemente indicadas (frequência relativa das respostas)
Formosa
Caju (3/13); Pesca (3/13); Óleo de palma (2/13);
Abu
Venda de animais (2/13)
Ancadaque
Óleo de palma (7/14); Pesca (2/14); Esteiras (2/14)
Acôco
Pesca (3/7); Artesanato (canapés) (2/7)
Catem
Óleo de palma (5/9); Caju (3/9)
Nago
Nago
Óleo de palma (5/7)
Cadjyirba
Óleo de palma (5/13); Caju (5/13)
Chediã
Chediã
Óleo de palma (5/11); Caju (3/11)
Figura 8: Principais fontes de rendimento monetário para os agregados familiares inquiridos em cada tabanca (frequências relativas) (fonte: inquérito aos agregados familiares). Note-se que a categoria “pesca” no contexto deste inquérito abrange actividades que, na verdade, são bastante distintas: da pesca de alto mar, em canoas a motor, à pesca ribeirinha com uma pequena rede individual. Entre os 63 agregados familiares (em 75) que afirmaram ter praticado pesca nos doze meses anteriores, apenas 21 possuem canoa e apenas quatro possuem canoa com motor. Note-se, porém, que não foi possível abranger no inquérito (apenas num focus-group) os pescadores Nhominca, que utilizam grandes canoas a motor e pescam em àreas mais distantes.
18
Não foi possível realizar qualquer entrevista de inquérito na tabanca de Botai e apenas uma em Porto Nhominca, pelo que não é possível levar a cabo inferências quantitativas de nível local relativamente a estas tabancas. Porém, a informação qualitativa recolhida deixou claro que os residentes de Porto Nhominca (comunidade piscatória originária do Senegal que tem vindo a instalar-se em vagas sucessivas no Norte da ilha de Chediã) são talvez o único caso de especialização quase total na actividade piscatória em todo o complexo insular, não praticando a agricultura. Já em Botai, a agricultura assume o seu habitual papel preponderante, tendo inclusivamente sido feita referência à fruticultura como actividade importante (sendo que esta actividade assume uma importância relativamente secundária nas restantes tabancas onde foi realizado trabalho de campo).
19
3.2 Propriedade e relações sociais de produção
A questão está aqui em indagar até que ponto é que as diversas unidades familiares recorrem sobretudo a factores produtivos
A secção anterior abordou principalmente a
pertencentes ao próprio agregado ou a ter-
questão de quais as actividades produtivas
ceiros: claramente, a necessidade de paga-
mais comuns no complexo de Urok, bem
mento de uma renda fundiária como contra-
como a sua importância relativa e o seu
partida pela utilização da terra, no caso de
papel no contexto de uma sociedade em
unidades familiares totalmente desprovidas
que a generalidade das unidades familiares
de terrenos próprios, sugere a existência de
produz tanto para o seu próprio consumo
situações potencialmente mais vulneráveis;
como para o mercado. No entanto, é tam-
ao mesmo tempo que, em contrapartida,
bém importante abordar a questão de como
a forte prevalência do recurso ao trabalho
são levadas a cabo essas actividades produ-
assalariado de terceiros permite vislumbrar
tivas – não tanto em termos técnicos como
a possibilidade de emergência de dinâmicas
sobretudo em termos das relações sociais
de acumulação ao nível da produção (atra-
subjacentes.
vés do aumento da escala e incorporação de maior valor acrescentado).
Esta questão assume especial importância na medida em que permite retirar algumas
Porém, podemos afirmar que, de uma forma
conclusões relevantes no que diz respeito,
genérica, ambas as situações estão pratica-
por um lado, à vulnerabilidade das unidades
mente ausentes entre a população da AMPC
familiares face ao risco de pobreza e, por
Urok. No que toca ao acesso à terra, verifi-
outro lado, à possibilidade de emergência
ca-se que a actividade agrícola é, na maioria
de dinâmicas de acumulação de carácter
dos casos, praticada em terrenos pertencen-
capitalista (i.e. assentes na produção mer-
tes ou ao próprio agregado familiar
cantil com base no trabalho assalariado).
ou à respectiva djorson (Figura 11).
Agregado Outro Djorson Outros NS/NR familiar
familiar
(fogon)
como um todo
Bolanha
9 0 3 5 0
N’pampam
28 3 27 29 0
Feijão/mancarra 35 3 21 15 1 Horticultura
28 4 6 21 0
Figura 9: Propriedade dos terrenos onde são cultivadas algumas das principais culturas (modalidades não exclusivas) (fonte: inquérito aos agregados familiares).
37
Porém, para lá da questão da propriedade
as dinâmicas de acumulação assentes no
fundiária
enquanto tal (i.e. a quem perten-
recurso à contratação de terceiros estejam
ce a terra), verificamos também que mesmo
também elas, em geral, ausentes: quando a
os agregados que utilizaram terrenos de ter-
pressão para a prestação de trabalho assala-
ceiros quase nunca pagaram qualquer tipo
riado é reduzida ou nula (uma vez que todas
de renda como contrapartida – seja ela sob
as unidades familiares têm possibilidade de
a forma de dinheiro, tempo de trabalho ou
desenvolver a sua própria actividade pro-
parte da produção. Entre os oito agregados
dutiva independente), o ‘salário de reserva’
familiares que cultivaram arroz de bolanha
é mais elevado, as vantagens de contratar
em terras não pertencentes ao próprio
terceiros são menores e a emergência de
agregado, apenas um pagou algum tipo de
processos de acumulação e diferenciação
‘renda’ (sob a forma de tempo de trabalho);
‘por cima’ torna-se também mais difícil.
20
no caso do n’pampam, a proporção foi de
38
2/59 (renda paga em dinheiro); no caso dos
O inquérito aos agregados familiares não
terrenos utilizados para o cultivo de feijão e/
incluiu questões relativas ao recurso à
ou mancarra, 1/39 (em dinheiro); e, no caso
contratação de trabalhadores por parte dos
dos terrenos utilizados para horticultura,
agregados, mas fê-lo em relação à presta-
nenhum pagou qualquer tipo de renda.
ção de trabalho assalariado. Em relação a esta última, os resultados são esclarecedo-
Estes números são de tal forma reduzidos
res: (i) em primeiro lugar, apenas 28 dos 75
que permitem inferir, com bastante certeza,
agregados inquiridos referiram ter procedi-
que o que aqui está em causa não é a emer-
do à prestação de algum tipo de trabalho
gência de um mercado vernacular de arren-
assalariado nalgum momento dos doze
damento fundiário, mas sim a prestação de
meses anteriores no interior da AMPC Urok;
uma contrapartida enquanto manifestação
(ii) por outro lado, ainda mais importante,
de reconhecimento pelo empréstimo da
apenas oito agregados referiram a presta-
terra – contrapartida essa que é determina-
ção de trabalho assalariado no contexto da
da mais por uma lógica de reciprocidade do
agricultura e outros oito na pesca. Decorre
que por uma lógica mercantil. A conclusão
daqui que o trabalho assalariado constitui
última é, pois, que o acesso à terra está de
fundamentalmente uma fonte comple-
uma forma geral assegurado para toda e
mentar de rendimento, na maior parte dos
qualquer unidade familiar de Urok, não exis-
casos associada a actividades e dinâmicas
tindo indícios de qualquer tipo de risco de
financiadas a partir do exterior21 e não um
diferenciação social ‘por baixo’ (i.e., emer-
modo central de mobilização de trabalho no
gência de agregados familiares ‘sem terra’).
contexto das actividades que constituem a
Pela mesma razão, não é surpreendente que
base da economia local.
Referimo-nos aqui à propriedade consuetudinária, naturalmente, uma vez que a propriedade formal de toda a terra é do Estado guineense. 20
Uma vez que o trabalho assalariado tem
produção é dificultada pela existência de
aqui um papel claramente secundário e
obstáculos à diferenciação tanto ‘por baixo’
complementar, o mercado de trabalho é,
como ‘por cima’. Porém, tais dinâmicas são
também ele, uma realidade apenas incipien-
possíveis e detectáveis no contexto de Urok
te. Pelo contrário, a mobilização e afectação
– estão é associadas à actividade comercial,
do factor trabalho no contexto da produção
não à actividade directamente produtiva.
é feita principalmente através de mecanismos extra-mercantis: por um lado, a mobili-
Com efeito, os agregados familiares que,
zação no seio do próprio agregado familiar,
segundo os dados qualitativos e quantita-
tipicamente sujeita à autoridade patriarcal
tivos recolhidos, mais mostram sinais de
(em que a divisão do trabalho assenta
mobilidade social ascendente no contexto
sobretudo em critérios de género e idade);
de Urok são tipicamente aqueles que,
por outro lado, a prestação de trabalho no
através da exploração de boutiques e/ou
contexto de instituições socioculturais de
do transporte e comercialização de produ-
escala mais ampla do que a da unidade
tos agrícolas de e para Bissau, têm vindo
familiar – nomeadamente, a paga garandesa
a conseguir capturar uma proporção relati-
(desempenho de trabalhos diversos durante
vamente maior do valor acrescentado asso-
períodos de tempo variáveis por parte dos
ciado às diversas fileiras, o que se reflecte
jovens pertencentes a determinadas classes
nos seus níveis relativos de afluência. É este
etárias, em benefício dos mais velhos ).
o grupo mais dinâmico no contexto da eco-
22
nomia de Urok, sendo aliás de esperar que Tendo em conta todas estas características,
venha a estar associado aos mais significati-
típicas de uma economia que poderemos
vos processos futuros de reorganização da
caracterizar como ‘tradicional’, ‘de sub-
actividade directamente produtiva que pos-
sistência’ ou ‘não-capitalista’, poder-se-á
sam vir a ter lugar no futuro, por via tanto
colocar a questão de até que ponto é que
do empreendedorismo de que dão mostras
será possível a emergência de dinâmicas de
como da maior capacidade de mobilização
acumulação e mobilidade social ascenden-
de capital (tal como é referido na secção
te. Como vimos, a acumulação na esfera da
seguinte).
Os trabalhos mais comummente referidos como tendo sido efectuados “mediante a contrapartida de um salário” nos últimos doze meses, incluem, por um lado, aqueles que na verdade correspondem à execução de trabalhos por conta própria em troca de um pagamento em dinheiro (carpintaria, alvenaria); por outro, àqueles que estão associados a dinâmicas financiadas pelo exterior (fiscalização, ensino, alfabetização, cobrança de bilhetes na canoa).
21
As classes etárias segundo a qual se encontra organizada a sociedade bijagó são as seguintes: Masculinas: Crianças: cadene; Adolescentes: canhocan; Rapaz: cabaro; Jovem adulto: camabi; Adulto: adôdo; Homem grande: cabongha; Femininas: Crianças: Nunpune; Adolescentes: Campuni; Mulheres casadas: Ocanto; Mulheres grandes: Oconto. 22
39
3.3 Património e pobreza /afluência relativas
duradouro e de animais, por um lado, e sobre as estratégias adoptadas para obtenção de dinheiro em caso de dificulda-
A actividade produtiva no contexto
de inesperada, por outro.
da AMPC Urok encontra-se constrangida
40
por diversos factores, que serão alvo de
A distribuição das respostas a esta última
um tratamento mais detalhado mais adiante
questão proporcionou resultados bastante
neste texto. Naturalmente, esses mesmos
interessantes e significativos (Figura 10):
constrangimentos co-determinam os níveis
entre os agregados familiares inquiridos,
de rendimento e pobreza monetária
a estratégia mais comummente indicada
e patrimonial: trata-se de uma população
para mobilizar dinheiro em caso de necessi-
em que, se é verdade que os mecanismos
dade consistiu na venda de animais, seguida
de solidariedade familiar e comunitária
pelo recurso a empréstimos e, só depois,
permitem em geral evitar as situações mais
pelo recurso a poupanças próprias. Daqui
graves de pobreza humana, igualmente uma
se infere que a reserva de valor sob a forma
parte substancial da população passa por
de dinheiro, sobretudo no caso de mon-
dificuldades muito consideráveis - encon-
tantes relativamente consideráveis, é uma
trando-se a um nível próximo do limiar de
prática pouco comum – pelo contrário,
subsistência e sendo por vezes assolada
a mais importante forma de reserva de
por problemas de malnutrição e acesso
valor consiste nos animais, que além
insuficiente a outros bens essenciais.
de serem convertíveis em dinheiro em caso de necessidade, podem ainda
No contexto do presente estudo (e, par-
reproduzir-se23. Nas palavras de um dos
ticularmente, do inquérito aos agregados
inquiridos, “kada mistida tene su limaria”,
familiares), optou-se por uma abordagem
isto é, “para cada tipo de necessidade,
indirecta às questões do rendimento e da
o seu tipo de animal” – ou seja,
pobreza. É sabido que as respostas a ques-
se a necessidade exigir uma soma pequena,
tões directas sobre o nível de rendimento
vende-se uma galinha; se a necessidade
monetário se caracterizam habitualmente
for maior, vende-se uma cabra, um porco
por problemas específicos – principalmente
ou uma vaca.
em termos do enviesamento voluntário e involuntário das respostas. Por esse motivo, optou-se por proceder a uma caracterização do nível de pobreza através de questões indirectas, que versaram principalmente sobre a propriedade de bens de consumo
23
Já a utilização da tracção animal na agricultura não é praticada em Urok ou, de uma forma geral, entre os Bijagós.
50 40 30 20 10 0 Poupanças acumuladas
Ajuda ou empréstimo de familiares
Empréstimo de terceiros
Venda de animais
Outra solução
Figura 10: Estratégias adoptadas em caso de necessidade que requeira a mobilização de dinheiro (frequências absolutas na amostra de 75 agregados familiares; modalidades de resposta não exclusivas) (fonte: inquérito aos agregados familiares)
Ora, em vista do importante papel que aqui
em conta que esta corresponde a cerca de
desempenham os animais enquanto reserva
1/5 daquele, podemos estimar o universo
de riqueza, é interessante averiguar acerca
de animais de criação de Urok como cor-
da dotação dos diferentes tipos de animais
respondendo a cerca de 940 vacas, 755
entre as unidades familiares pertencentes à
porcos, 1425 cabras e 4420 galinhas. Em
nossa amostra, na medida em que isso cons-
terceiro lugar, é de assinalar o facto de
titui um indicador da capacidade dos agre-
quase todos os agregados familiares pos-
gados familiares fazerem face a situações
suírem animais: sendo certo que 1/4 dos
de maior adversidade e, de uma forma mais
respondentes afirmou não possuir qualquer
geral, do seu nível patrimonial. Os resultados
vaca (o animal ao qual está associado maior
das questões relativas a este aspecto encon-
valor monetário), este facto é quase sempre
tram-se representados na Figura 13.
compensado pela posse de porcos, cabras ou, pelo menos, galinhas24. Por outro lado,
A análise dos dados relativos à dotação de
é possível observar a existência de um
animais permite retirar algumas conclusões.
reduzido número de agregados familiares
Em termos medianos, as unidades familiares
que apresentam uma dotação animal bas-
possuem uma vaca, um porco, três cabras e
tante superior à média: um dos responden-
nove galinhas . Por outro lado, assumindo
tes, por exemplo, afirmou que o seu agrega-
que a distribuição da dotação de animais
do possui catorze vacas, sete porcos,
no universo é idêntica à da amostra e tendo
três cabras e 35 galinhas. Este facto pode
23
24
Adicionalmente, nenhum dos respondentes abrangidos pela amostra possui qualquer carneiro.
41
13
65 2 11
1
10
Porcos
Vacas
8
10
21 31 58 41
5
8 1 60
8
5
3
3
0
0
13
13
10 21
10 49
Galinhas
8
72 23
45
10
Cabras
56
45 65
8
5
42
16
45
72
13
5
3
3
0
0
Figura 11: Dotação dos agregados familiares inquiridos em vacas, porcos, cabras e galinhas (diagramas de extremos e quartis) (fonte: inquérito aos agregados familiares)
ser relacionado com a discussão anterior
mas isso não se traduz necessariamente
acerca das dinâmicas locais de acumulação,
numa dinâmica de acumulação. Afinal de
na medida em que sugere que o valor adi-
contas, particularmente na medida em que
cional criado através da aplicação de uma
a tracção animal não é utilizada na pro-
maior quantidade de trabalho (ou do aces-
dução, a riqueza mantida sob a forma
so a outros factores produtivos em maior
de animais obedece a uma racionalidade
quantidade e/ou qualidade) permite efecti-
irrepreensível, mas não tem qualquer efeito
vamente a emergência de situações
em termos de ganho de produtividade ou
de relativa diferenciação em termos de sto-
criação de valor25.
ck de riqueza (e com certeza de consumo),
Foi no passado implementado um projecto-piloto no Arquipélago dos Bijagós com o objectivo de introduzir a utilização da tracção animal na agricultura neste contexto insular. Essa experiência (nas ilhas de Bolama e de Orango) não foi bem sucedida, o que se deveu ao facto de se ter optado pela introdução de animais provindos do leste do país, que não se adaptaram às condições naturais do arquipélago. Trata-se de um domínio que poderá eventualmente ser objecto de estudos de viabilidade adicionais no contexto do Projecto “Urok Osheni!” ou de outros projectos de desenvolvimento a implementar na AMPC Urok. 25
Nesse sentido, a dotação em animais apre-
de constituir uma indicação bastante po-
senta características similares às de outro
sitiva (particularmente do ponto de vista
indicador do nível de riqueza dos agrega-
do acesso à informação e possibilidade
dos familiares: a posse de bens de consumo
de comunicação). Já os telhados de zinco,
duradouro (rádios, telemóveis, bicicletas,
mesas, pavimentos de cimento e bicicletas
telhados de zinco, entre outros), em relação
estão apenas ao alcance de uma minoria
aos quais foi também obtida informação
dos agregados familiares.
sistemática. É certo que alguns destes bens são susceptíveis de utilização na produção –
A fim de analisar com um pouco mais de
e ainda mais que melhoram de formas
detalhe as características da distribuição da
muito concretas as condições de vida
dotação deste tipo de bens, levámos a cabo
das unidades familiares. Porém, traduzem
um exercício de análise de componentes
principalmente um diferencial de património,
principais (ACP) de modo a ‘condensar’ a
não de capital.
informação relativa a todos esses bens num único índice (IB) (ver Anexo II). Como é
Observemos então as características da
visível através do coeficiente com que cada
distribuição de cada um destes indicadores
um dos bens contribui para a construção
de pobreza/afluência relativa (Figura 12).
do IB (Figura 12, em cima), este Índice está
Um primeiro aspecto a assinalar é que mais
principalmente associado à posse dos bens
de 80% dos agregados familiares constan-
de consumo duradouro mais dispendiosos,
tes da amostra possuem rádio e cerca de
o que reflecte o facto do rádio e telemóvel
metade possui telemóvel, o que não deixa
serem bens de consumo tão essenciais para
Bens26
n (num
%
Coeficiente no índice de bens (IB)
total de 75)
Rádio
63 84.0
0,080
Telemóvel
40 53.3
0,194
Bicicleta
17 22.7
0,294
Telhado de zinco
4
5.3
0,216
Chão cimentado
10
13.3
0,251
Cama
32 42.7
0,243
Mesa
18 24.0
0,242
Figura 12: Posse de bens de consumo duradouro entre os agregados familiares abrangidos pelo inquérito
O questionário incluía ainda uma questão acerca de casa própria, mas os resultados revelaram que esse não é um indicador relevante: apenas nove agregados afirmam residir numa casa pertencente a elementos exteriores ao agregado (familiares ou não), mas nenhum desses referiu pagar qualquer tipo de renda, o que revela que o acesso a residência própria não é um elemento diferenciador.
26
43
alguns agregados que a sua posse está
de animais, varia i) de ilha para ilha;
mais dependente de outros factores do que
e ii) em função da principal fonte de rendi-
do nível de pobreza/riqueza enquanto tal.
mento indicada. Em relação à primeira das
Tendo levado a cabo um exercício análogo
questões, verificamos que Formosa e Nago
de modo a construir um índice semelhante
apresentam distribuições semelhantes entre
para a dotação animal (IDA: ver Anexo II),
si em termos da dotação de bens duradou-
verificamos, em primeiro lugar, que os dois
ros, as quais são porém menos ‘compactas’
índices apresentam um coeficiente de corre-
e ligeiramente inferiores em termos media-
lação positivo e significativo (0.422,
nos à exibida por Chediã (Figura 15).
α = 0.01), o que confirma que existe
Já ao nível da dotação de animais,
efectivamente um grau de diferenciação
pese embora o facto das diferenças serem
assinalável e consistente entre os agregados
pequenas, Nago aparenta alguma vantagem
da amostra: à posse de um maior número
(Figura 16). No fundo, porém, tendo em
de animais está também associado um
conta a similitude das distribuições e o facto
maior nível de posse dos bens de consumo
destes dois tipos de riqueza serem de certa
duradouro doméstico atrás assinalados.
forma ‘sucedâneos’ um do outro, a principal conclusão (talvez surpreendente) a retirar é que não parecem existir diferenças muito
tambem retirar algumas conclusões em
significativas entre estas três ilhas no que
relação à forma como o nível de pobreza/
se refere ao nível de pobreza/riqueza das
riqueza, em termos tanto da posse de bens
respectivas populações, tal como represen-
de consumo duradouros como do número
tado por estes indicadores.
4,00000 49
3,00000 IDA scores
44
Com base nestes dois índices, podemos
48
2,00000
45
1,00000 ,00000
-1,00000
-2,00000 Formosa
Nago Chediã Ilha Figura 13: Distribuição dos valores assumidos pelo Índice de Bens entre os agregados familiares das três ilhas (fonte: inquérito aos agregados familiares).
4,00000 3,00000
IDA scores
45 72 23 65
21
2,00000 1,00000 ,00000
-1,00000
-2,00000 Formosa
Nago Ilha
Chediã
Figura 14: Distribuição dos valores assumidos pelo Índice de Dotação Animal entre os agregados familiares das três ilhas (fonte: inquérito aos agregados familiares).
Onde essas diferenças são claramente
A segunda conclusão relevante é que as
detectáveis é ao nível da dotação patrimo-
unidades familiares para as quais o comércio
nial das diferentes unidades familiares em
constitui a principal fonte de rendimento
função da respectiva fonte de rendimento
monetário são também aquelas que apre-
principal. As Figuras 15 e 16 ilustram os valo-
sentam um património mais avultado, em
res médios do IB e IDA entre os agregados
termos tanto do número de animais como
que afirmam retirar o seu rendimento mo-
dos bens de consumo duradouro. A diferen-
netário principal de cada uma das activida-
ça é, aliás, bastante significativa no caso de
des indicadas, permitindo retirar algumas
ambos os índices e confirma o que foi dito
conclusões interessantes. A primeira é a
na secção anterior acerca do facto das dinâ-
confirmação de que estes índices parecem
micas de acumulação mais assinaláveis no
constituir indicadores robustos do nível
contexto de Urok assentarem na actividade
patrimonial dos agregados, uma vez que,
comercial/mercantil e não na actividade
apesar de algumas discrepâncias pontuais , 27
directamente produtiva.
apresentam valores relativamente consistentes para cada uma das fontes principais de rendimento.
Por exemplo, os agregados cuja principal fonte de rendimento é o artesanato apresentam uma dotação superior à média em termos de bens e inferior à média em termos de animais (ver Figuras 17 e 18).
27
45
35 30 25 20 15 10
N’pampam
Vanda de animais
Esteiras
Outra
Comércio
Artesanato
Pesca
Figura 15: Valor médio do Índice de Bens por fonte principal de rendimento monetário (número de agregados familiares em cada categoria indicado à frente da fonte de rendimento) (fonte: inquérito aos agregados familiares)28.
35 30 25 20 15 10
N’pampam
Vanda de animais
Esteiras
Outra
Comércio
Artesanato
Pesca
Óleo de palma
5 0
Caju
46
Óleo de palma
0
Caju
5
Figura 16: Valor médio do Índice de Dotação Animal por fonte principal de rendimento monetário (número de agregados familiares em cada categoria indicado à frente da fonte de rendimento) (fonte: inquérito aos agregados familiares). Note-se que, por construção, o IB tem média “O” e desvio-padrão “1” na amostra; logo, o significado de IB=0 para um determinado agregado familiar não é que esse agregado não possui qualquer bem, mas sim que possui uma dotação exactamente igual à média dos 75 agregados incluídos na amostra.
28
Em terceiro lugar, no que se refere às duas
especialização – devido à dimensão relati-
categorias mais numerosas (caju e óleo de
vamente reduzida do complexo insular, ao
palma como principal fonte de rendimento
acesso generalizado aos meios de produção
monetário), verifica-se que os agregados
e à diversificação como estratégia face à
para os quais a venda da castanha de caju
adversidade – a ‘margem’ para a realização
constitui a principal fonte de rendimento
de trocas, monetarizadas ou não, no seio da
tendem a possuir um maior património,
população local é também ela reduzida.
em termos tanto de animais de criação como de bens de consumo duradouro,
Como consequência, a população de Urok
do que as unidades familiares cuja principal
– especialmente nas áreas mais remotas
fonte de rendimento monetário é a venda
da AMPC – encontra-se fortemente cons-
de óleo de palma. Já os agregados familia-
trangida do ponto de vista do acesso local
res que se dedicam principalmente à acti-
a bens e serviços: por um lado, a produção
vidade piscatória apresentam um padrão
local é pouco diversificada e são poucas as
patrimonial característico: um nível de posse
necessidades adicionais que cada agregado
de bens de consumo duradouro bastante
tem a possibilidade de satisfazer através
abaixo da média, mas uma dotação em
da troca directa ou indirecta da produção
animais de criação ligieramente superior
própria com a das outras unidades fami-
à média.
liares; por outro lado, o acesso local aos produtos oriundos do exterior encontra-se constrangido pela debilidade dos canais de
3.4 Dinâmicas comerciais
distribuição. Isto mesmo foi indicado por numerosos entrevistados e participantes
Como vimos, a economia de Urok é funda-
em focus-groups (particularmente no caso
mentalmente constituída por um universo
das tabancas das ilhas de Nago e Chediã
de pequenos produtores independentes,
que não contam com boutiques), os quais
caracterizados por um grau de especializa-
referiram que, muitas vezes, a oferta local de
ção reduzido, que combinam a produção
bens de consumo (nalguns casos, produtos
para consumo da própria unidade familiar
tão simples quanto pilhas ou caldos de cozi-
com a produção direccionada para o merca-
nha) é limitada e irregular durante boa parte
do (no caso desta última, principalmente de
do ano, excepção feita à época da campa-
castanha de caju, óleo de palma, pescado,
nha do caju (quando os comerciantes do
esteiras e canapés e, acessoriamente, alguns
exterior que se deslocam às tabancas para
outros produtos agrícolas e hortofrutícolas
comprar o caju procedem também à venda
com menor preponderância). Este tipo de
de produtos).
estrutura socioeconómica está, naturalmente, associada a um mercado interno bastante diminuto: na medida em que existe pouca
47
Há, assim, uma relação próxima entre
Quando falamos das dinâmicas comerciais
‘importações’ e ‘exportações’ (no sentido
que caracterizam a economia local de Urok,
de trocas comerciais entre o espaço insular
estamos, pois, a falar de três categorias dis-
e o exterior) que advém do facto de, tipica-
tintas mas em relação próxima: (i) a expor-
mente, as primeiras serem levadas
tação dos bens que constituem a base da
a cabo pelos mesmos actores que proce-
economia local (isto é, aqueles que contam
dem às segundas, aproveitando as desloca-
com uma procura no exterior e que são
ções para os dois efeitos. Isto aplica-se
‘exportados’ em condições de garantir a sua
a três escalas/níveis distintos: o dos com-
viabilidade económica); (ii) a importação
pradores grossistas de castanha de caju que
de produtos (bens de consumo e insumos
possuem canoas próprias e visitam as ta-
produtivos) a partir do exterior; e (iii) as tro-
bancas na altura da campanha, procedendo
cas, monetarizadas ou não, no contexto do
tanto à compra da castanha de caju como
mercado interno. Olhemos para cada uma
à venda de arroz e outros produtos
destas categorias em maior detalhe.
(ou troca directa da primeira pelos segun-
48
dos); o dos residentes de Urok que são
No que se refere à exportação dos produ-
proprietários de boutiques e procedem
tos que constituem a base da economia de
à ‘importação’ dos bens de consumo que
Urok, é de assinalar, primeiro que tudo, que
vendem nessas boutiques (produtos ali-
o principal mercado de destino é, de longe,
mentares, vestuário e calçado, pequenos
Bissau. De acordo com a informação quali-
acessórios e utensílios) a par da ‘exportação’
tativa recolhida, a capital nacional polariza
da produção agrícola de outros produtores
toda a actividade comercial e tem uma im-
locais (tipicamente, óleo de palma);
portância incomparável à de qualquer outro
e o dos pequenos produtores individuais
espaço (Bubaque, por exemplo). Há evidên-
que se deslocam ocasionalmente a Bissau
cia de laços próximos e intensos entre a ilha
para venderem a sua produção própria
de Nago e a Ponta de Biombo, no continen-
(animais, óleo de palma, etc.) e que aprovei-
te, nomeadamente por parte dos indivíduos
tam para, no regresso, trazerem para Urok
de etnia Papel, mas mesmo estes afirmam
um pequeno volume de produtos essenciais
que o destino prioritário dos produtos
a fim de procederem à respectiva venda
no que concerne à comercialização é,
na tabanca e assim realizarem uma pequena
de longe, Bissau.
margem de lucro . 29
É esta prática que explica os cerca de 40% dos respondentes que referem ter praticado “comércio” nos doze meses anteriores sem que esta actividade tenha constituído a sua principal fonte de rendimento (ver secção 4.1, supra).
29
Ora, o transporte de produtos até à capital
pelo direito à ocupação do espaço de ven-
com vista à respectiva venda está associado
da. Alguns destes custos são independentes
a um conjunto diverso de custos significati-
da quantidade vendida (por exemplo,
vos que penalizam fortemente os produto-
o bilhete de canoa por cabeça), o que impli-
res locais: o transporte do produto até
ca que a não-centralização da exportação
ao local de embarque; o preço cobrado
(isto é, o facto de cada indivíduo levar
pelo transporte marítimo da mercadoria
o seu próprio bidão de óleo de palma
e da pessoa; as taxas portuárias à chegada
para vender em Bissau, por exemplo,
ao porto de Bissau e, no caso do produto
acarreta uma penalização adicional,
não ser vendido logo à chegada ao porto
em termos de punção de valor acrescenta-
de Bissau, o transporte até ao mercado
do, para os produtores locais (Caixa 1).
(táxi ou candonga) e ainda a taxa devida
Caixa 1: Um exemplo: estrutura de custos típica associada ao transporte e venda em Bissau de um recipiente (“banheira”) com 40kg de sal, por parte de um produtor da tabanca de Nago. - Transporte terrestre até ao local de embarque (recipiente 40kg): 500 xof - Transporte da mercadoria na canoa Nago-Bissau (recipiente 40kg): 500 xof - Transporte individual Nago-Bissau (por pessoa): 2000 xof - Taxa das autoridades fiscais no Porto de Pindjiguiti (recipiente 40kg): 1000 xof - Taxa de ocupação do espaço de venda (por dia x 2 dias): 100 xof x 2
- Total custos directamente associados ao transporte e venda: 4200 xof
- Preço de venda de um recipiente de 40kg de sal no mercado em Bissau:
10000 xof (variável)
- Lucro bruto (havendo ainda que deduzir os custos associados
à produção): 5800 xof
49
O tipo de estrutura de custos atrás referida
condicionado por um efeito sazonal associa-
aplica-se no caso do óleo de palma, sal,
do à deslocação até às tabancas dos com-
animais e outras mercadorias ‘exportáveis’
pradores de caju (frequentemente de etnia
que não sejam compradas ‘na origem’ por
Fula ou nacionalidade libanesa ou maurita-
comerciantes grossistas. Já no caso da
niana, como sucede no caso da maior parte
castanha de caju, pelo contrário, a escala
da actividade comercial na Guiné-Bissau).
e concentração temporal da produção justificam a deslocação até ao complexo insular
Finalmente, no que diz respeito às trocas
por parte de comerciantes grossistas que
comerciais levadas a cabo ao nível de cada
organizam o respectivo escoamento de for-
tabanca ou dentro do complexo de Urok,
ma menos fragmentada, embora pratiquem
é interessante assinalar que o fraco desen-
um preço de compra menos elevado do que
volvimento do mercado interno (pelos mo-
na generalidade do território continental de
tivos já referidos) se reflecte na inexistência
modo a compensar o custo do transporte
de espaços e tempos específicos reservados
marítimo .
à actividade comercial numa escala consi-
30
derável – mais concretamente, lumos. Pelo
50
No que se refere à importação de produtos
contrário, as actividades de troca que nos
a partir do exterior – a que aliás já nos referi-
foram reportadas pelos entrevistados têm
mos atrás – são principalmente de sublinhar
tipicamente um carácter meramente inter-
os seguintes aspectos: (i) o facto do isola-
pessoal (por oposição a comunitário)
mento e insularidade penalizarem fortemen-
e não-monetarizado, correspondendo
te os residentes locais ao nível não só do
à troca de um produto do qual o agregado
preço como do próprio acesso tout court
tem um pequeno excedente momentâneo
a muitos produtos oriundos do exterior;
ou anual por um outro do qual tem escas-
(ii) o facto de existirem fortes disparidades
sez: arroz por peixe; óleo de palma por
dentro do próprio espaço insular a este
arroz; ou peixe por castanha de caju.
nível, uma vez que as localidades que têm
É de assinalar que é comum envolver
boutiques e/ou que são servidas por liga-
nestas trocas directas um ou mais produ-
ções frequentes ao continente (como Abu
tos que não se destinam necessariamente
ou Porto Nhominca) se encontram em fran-
ao consumo por parte de quem os adquire,
ca vantagem face às tabancas mais isoladas
mas sim à sua posterior revenda (castanha
em relação a esta matéria; e (iii) como tam-
de caju, óleo de palma, sal, etc.). Em todo
bém já referimos, o facto do próprio acesso
o caso, como já vimos, a prática da troca
aos produtos do exterior ser fortemente
directa encontra-se fortemente limitada
Note-se que nem todo o óleo de palma é ‘exportado’ de forma independente por pequenos produtores. Alguns comerciantes de Urok compram óleo de palma a diversos produtores a fim de o transportarem para Bissau e aí o venderem em maior quantidade. Porém, ao contrário do que sucede com a castanha do caju, a evidência qualitativa recolhida sugere que a maior parte da produção de óleo de palma que se dirige para o mercado exterior não é escoada de forma ‘centralizada’. 30
pelo facto de quase todos os agregados
riam potenciais consequências negativas
familiares disporem dos mesmos produtos
que serão de evitar. Em todo o caso, os pro-
nas mesmas épocas, pelo que se destina
blemas a que nos referimos são: a questão
normalmente a cobrir necessidades momen-
da organização e divisão sociais da produ-
tâneas e imediatas, particularmente ao nível
ção; o problema das pragas e doenças;
da obtenção de produtos alimentares que
a utilização de técnicas de menor rendimen-
permitam de alguma forma complementar
to e o problema do acesso a ferramentas
e diversificar a dieta. Esta situação resulta
e insumos; a questão dos transportes
do facto de, dadas as condições do com-
e acessibilidades internas e externas;
plexo de Urok, os produtores viverem numa
os problemas de coordenação ao nível
situação de insegurança estrutural, o que
do escoamento. Examinemos cada um
os leva a tomarem as precauções necessá-
destes constrangimentos em maior detalhe.
rias para que a sua subsistência não dependa de terceiros, muito menos do circuito
Organização e divisão sociais da produção
comercial – procurando produzir tudo aquilo
Em relação a esta matéria, o primeiro
de que as respectivas unidades familiares
problema reside no facto da pequena
necessitam e apenas trocando ou adquirin-
produção independente, quer destinada
do esses produtos em casos pontuais.
ao auto-consumo quer ao mercado, ser tipicamente pouco conducente à emergência de dinâmicas de acumulação
3.5 Principais constrangimentos à actividade económica
(pois há uma disjunção de incentivos em termos da determinação da quantidade de trabalho incorporada que não se verifica
A partir das informações que nos foram
quando a acumulação assenta no trabalho
transmitidas no contexto das entrevistas
assalariado de terceiros). Por outro lado,
de inquérito, entrevistas semi-estruturadas
o facto dos níveis de especialização
e focus-groups, foi possível proceder
e de divisão social do trabalho serem muito
à identificação de cinco problemas princi-
reduzidos constitui também uma barreira
pais que constrangem a actividade econó-
substancial à especialização e ao aumento
mica em Urok, com efeitos sobre os níveis
da produtividade e rendimento. Finalmente,
de rendimento e pobreza da população.
pode colocar-se a questão de até que ponto
Alguns dos problemas apontados são
é que instituições socioculturais como
candidatos naturais à implementação
a paga garandesa, que nalguns casos chega
de tentativas de solução no contexto
a ser bastante exigente em termos do tribu-
do Projecto “Urok Osheni!” ou de outros
to exigido, constituem um aspecto dissuasor
projectos de desenvolvimento a implemen-
do empreendedorismo individual.
tar na AMPC Urok. Outros, porém, exigiriam recursos demasiado avultados ou implica-
51
Ora, sendo verdade que, em maior ou menor
cia” se encontram as pragas e as doenças
grau, todos estes factores constituem de
animais. Inclui-se nesta categoria um con-
certa forma constrangimentos ao aumento
junto alargado de problemas: invasão dos
da produtividade, ao empreendedorismo
campos agrícolas por macacos, vacas
individual e à emergência de dinâmicas de
e outros animais; destruição das colheitas
acumulação (motivo pelo qual são aqui re-
por pombos, gafanhotos, moscas brancas,
feridos), não é menos certo que constituem
etc.; invasão e destruição de galinheiros
instituições socioeconómicas e aspectos
por formigas e epizootias características
socioculturais absolutamente centrais entre
de vacas, porcos e galinhas.
os Bijagós, tendo em geral surgido e evoluído precisamente de modo a responder às
Trata-se de um conjunto de problemas
características do meio eco-social. A paga
que, além de afectarem a larga maioria
garandesa, por exemplo, pode e deve ser
da população da AMPC Urok, têm um
encarada como um mecanismo de protec-
impacto negativo directo ao nível das
ção social dos mais velhos – para além de
principais fontes nutricionais e de rendi-
ser, de acordo com os testemunhos que
mento (culturas agrícolas) e dos stocks de
recolhemos, uma instituição surpreenden-
riqueza (animais) da população. Contudo,
temente dinâmica e flexível . Por tudo isso,
estamos em crer que existem soluções
estamos convictos de que os constrangi-
técnicas para a maioria destes problemas –
mentos referidos neste ponto devem ser
da vacinação dos animais à construção
considerados os ‘parâmetros’ (as regras do
de vedações mais eficazes, passando pela
jogo, de certa forma) dentro dos quais de-
utilização de pesticidas biológicos. Esta área
verão ser pensadas e implementadas quais-
é, por isso, candidata prioritária a ser objec-
quer intervenções e não como aspectos
to de estudos adicionais e intervenções-pilo-
negativos a influenciar ou alterar.
to, tanto no contexto da formação técnico-
31
52
-profissional (ver Capítulo 4, infra) como Pragas e doenças
no de iniciativas de apoio aos produtores
Entre os 75 entrevistados incluídos
locais, eventualmente no contexto de uma
no inquérito aos agregados familiares,
estratégia de extensão agrícola mais ampla
46 (i.e. mais de 60%) referiram que entre os
que inclua, por exemplo, serviços de apoio
“principais problemas enfrentados pela uni-
e actividades de formação.
dade familiar para garantir a sua subsistên-
Assim, por exemplo, é comum que a um jovem adulto que desempenhe trabalho assalariado para terceiros (exteriores à comunidade Bijagó) seja permitido prestar uma maior parte do tributo associado à paga garandesa sob a forma de bens materiais em vez do desempenho de tarefas, de modo a não comprometer a possibilidade de beneficiar desse emprego. Trata-se apenas de um exemplo, mas na nossa opinião é representativo e sintomático do facto da paga garandesa ser análoga a um imposto comunitário - bastante exigente em certos momentos para certas classes estárias, mas que por si só não elimina completamente a margem de manobra para o empreendedorismo individual ou para a emergência de dinâmicas de acumulação. 31
Técnicas, ferramentas e insumos
é que, em cada um dos casos, estamos
A questão da adopção de novas técnicas
perante situações de total impossibilidade
conducentes ao aumento da produtividade
de aquisição ou acesso local a estas fer-
ou à diversificação da produção tem já vin-
ramentas/insumos ou, em contrapartida,
do a ser objecto de intervenções no passa-
situações em que o preço local é demasiado
do no contexto da presença da Tiniguena/
elevado para se tornar praticável para os
IMVF no território da AMPC Urok, nomea-
respondentes em questão. Em todo o caso,
damente através do incentivo à constituição
não há dúvida de que se trata de necessi-
de hortas comunitárias, utilização de varie-
dades manifestadas como prementes por
dade de sementes melhoradas, formação ao
uma proporção muito significativa dos
nível da produção de sal, etc. Esta aposta
respondentes, havendo certamente espaço
deverá ser mantida e, em nosso ver, poderá
para intervenções a este nível (nomeada-
no futuro ter em conta dois aspectos adicio-
mente, subsidiando ou garantindo directa-
nais importantes: em primeiro lugar, o facto
mente a oferta local nos casos em que esta
da eventual introdução do recurso à tracção
seja inexistente). A disponibilização destes
animal na produção agrícola poder, nalguns
insumos pode ser eventualmente associada
casos, permitir aumentos consideráveis de
a iniciativas de micro-crédito e direcciona-
produtividade (embora, naturalmente, não
da para iniciativas de benefício comunitário
seja isenta de dificuldades); em segundo
(embora se reconheça que se trata de uma
lugar, o facto de 24 em 75 respondentes
área de intervenção sem um grande historial
referir explicitamente a falta de acesso
de sucesso no contexto do Arquipélago dos
a ferramentas e insumos específicos como
Bijagós).
um dos “principais problemas” com que se depara a respectiva unidade familiar para
Transportes e acessibilidades internas
garantir a sua subsistência.
e externas Num contexto insular como o da AMPC
Entre as ferramentas e insumos explicita-
Urok, os transportes – especialmente os
mente nomeados pelos entrevistados como
transportes marítimos – desempenham
sendo caracterizados pela impossibilidade
um papel muito importante ao nível da
ou dificuldade de acesso, os mais comuns
mitigação dos efeitos da descontinuidade
são os materiais de pesca, as prensas de
territorial. Trata-se, porém, de meios extre-
óleo (no caso das tabancas onde estas não
mamente custosos, pouco rentáveis e difí-
existem), as ferramentas agrícolas (como
ceis de gerir por operadores privados e/ou
enxadas e catanas), as fitas para fabrico
associativos, tal como tem sido evidenciado
de canapés e os recipientes (principalmente
por diversas experiências implementadas
para fabrico e conserva de vinho de caju).
ao longo dos últimos 30 anos.
Não foi possível esclarecer até que ponto
53
Ao longo deste período, o sector dos
Urok, na medida em que além de constituir
transportes registou uma série de avanços
um forte constrangimento à actividade eco-
e recuos: em tempos, um sistema de trans-
nómica (inflacionando a estrutura de custos
portes públicos nodais serviu Bolama
e com isso deprimindo a base económica
e Bubaque, sendo a ligação entre estas
local32), exerce também um impacto negati-
duas ilhas e algumas outras ilhas do arqui-
vo ainda mais directo sobre as condições de
pélago (como a Ilha das Galinhas, Canhaba-
vida na medida em que limita substancial-
que, Uracane, Uno, Orango Grande e Cara-
mente o acesso a cuidados de saúde, edu-
vela) assegurada por uma entidade de cariz
cação e outros bens e serviços essenciais.
associativo. O complexo insular de Urok encontrava-se excluído deste circuito,
Até certo ponto, trata-se de um problema
beneficiando apenas das ligações irregula-
inevitável: as ilhas são, pela sua própria
res garantidas pelas canoas de pescadores
natureza, espaços caracterizados por algum
baseados em Porto Nhominca ou daqueles
isolamento, dificuldade de acesso e, por
que se deslocavam para as zonas de pesca
essa via, estruturas de custos menos favorá-
mais a Sul ou delas regressava.
veis à partida. No caso da AMPC Urok, aos custos e dificuldades de ligação ao conti-
54
Nos últimos dez anos, entretanto, regista-
nente (Bissau) acrescem as dificuldades de
ram-se progressos muito assinaláveis nesta
transporte entre tabancas, particularmente
matéria, nomeadamente em resultado do
no que concerne ao escoamento de volu-
trabalho desenvolvido pela Tiniguena/IMVF
mes consideráveis de produtos locais das
ao nível da garantia da viabilização
tabancas interiores até aos pontos de em-
da ligação Abu-Bissau com maior frequên-
barque. Para além de serem praticamente
cia do que sucedia anteriormente; igualmen-
inexistentes os meios de transporte mo-
te pela possibilidade de ligação e manuten-
torizados, a ausência de recurso à tracção
ção de um serviço regular de transportes
animal implica que toda a mercadoria tenha
entre as zonas nodais centrais da APC Urok
de ser transportada recorrendo unicamente
e as áreas mais remotas e isoladas. Ainda
à força humana. Naturalmente, isto, em si
assim, o grau de isolamento – e o acréscimo
mesmo, é um factor criador de emprego,
de custos que lhe está associado – continua
através do qual se procede à redistribuição
hoje em dia a ser muito considerável, parti-
de parte do valor acrescentado associado
cularmente no caso das tabancas situadas
a cada uma das fileiras dos produtores
a maior distância de Abu e Porto Nhominca.
directos para os carregadores (jovens residentes). Porém, não se trata de um
O problema dos transportes e acessibilida-
simples jogo de soma nula: nalguns casos,
des é, assim, um dos que são sentidos de
o acréscimo de custos em causa pode ser
forma mais aguda pela população da AMPC
suficiente para tornar economicamente
Nesse sentido, o problema dos transportes é referido explicitamente por 17 dos 75 inquiridos como sendo um dos principais obstáculos à subsistência. 32
inviável a ‘exportação’ de determinada
excepções parciais, na medida em que cer-
produção, caso em que os custos associa-
tos comerciantes e proprietários de bouti-
dos à falta de acessibilidade acabam por
ques procedem à compra local de produ-
ser determinantes na contracção da base
tos nas tabancas e posterior transporte e
económica local.
revenda em Bissau. No decurso do trabalho de campo, pudemos detectar esse tipo de
A nosso ver, as opções de intervenção nesta
arranjos em relação ao óleo de palma (em
matéria poderão, eventualmente, passar (i)
Abu e Ancadaque), bem como em relação
pelo estudo da possibilidade de recurso à
às esteiras e canapés (em Acôco).
tracção animal no transporte de mercadorias das tabancas interiores para os pontos
Na maior parte dos casos, porém, trate-se
de embarque, possivelmente a par de inicia-
de óleo de palma, animais, sal ou outro pro-
tivas de alargamento e limpeza dos cami-
duto qualquer (mais uma vez, exceptuando
nhos de modo a que se tornem adequados
a castanha de caju), o transporte e revenda
para esse fim; (ii) pelo subsídio ou garantia
em Bissau é levado a cabo pelo próprio pro-
directa de ligações marítimas inter-ilhas
dutor directo ou algum seu familiar, o que
mais frequentes e regulares, como estímulo
tem como consequência um enorme acrés-
ao desenvolvimento do mercado interno;
cimo de custo e um considerável desperdí-
e (iii) pelo estudo de eventuais formas
cio de tempo face ao que aconteceria caso
adicionais sustentáveis de expandir ainda
a produção local fosse adquirida ‘na origem’
mais a frequência das ligações entre
- ou caso fosse objecto de revenda em mol-
a AMPC Urok e Bissau.
des organizados e cooperativos, de modo a permitir explorar economias de escala.
Problemas de coordenação ao nível
Tal como é ilustrado pelo exemplo da Caixa 1
do escoamento
na secção 4.4 (supra), o transporte e venda
O escoamento da produção da AMPC Urok
de mercadorias em Bissau é caracterizado
para Bissau caracteriza-se por problemas
pela existência de custos que não depen-
de coordenação significativos. Não é o caso
dem da quantidade transportada: ao ser
no que toca à castanha de caju, cujo es-
organizado de forma tão fragmentada,
coamento é organizado e garantido pelos
o escoamento da produção local implica
compradores grossistas que se deslocam
uma punção substancial de valor acrescen-
propositadamente até ao complexo insular
tado, podendo com isso tornar essa
aquando da época da campanha em
mesma produção inviável e desencorajá-la
Março-Maio. Nalguns casos pontuais,
de todo33.
alguns outros produtos constituem também
O mesmo problema pode ser identificado em relação aos pequenos comerciantes instalados nas ilhas: a inexistência de “grossistas locais” leva cada comerciante a organizar separadamente todo o seu abastecimento, o que encarece os produtos e, em última instância, limita a capacidade de poupança dos residentes locais que são os consumidores finais dos produtos.
33
55
Esta questão é, no fundo, um problema de coordenação. Muitos residentes locais estão conscientes disso mesmo; porém, não tem sido possível a emergência de mecanismos espontâneos que permitam solucioná-lo. Em nossa opinião, justificar-se-á aqui que a Tiniguena/IMVF estude a possibilidade de criar incentivos à emergência de mecanismos desse tipo – por exemplo, a constituição de cooperativas de comercialização –, uma vez que isso permitiria poupanças muito consideráveis ao nível da estrutura de custos de uma parte considerável dos produtores locais e, com isso, uma expansão assinalável da base económica local. O impacto de eventuais iniciativas deste tipo poderá, por outro lado, ser potenciado
56
se estas forem complementadas por um sistema adaptado de transporte, que articule o interior das ilhas com as áreas portuárias de forma nodal – isto é, de forma a ligar as tabancas sem canoa ou portos ao porto principal, onde igualmente deverão convergir as canoas mais pequenas das tabancas e/ou ilhas que delas dispõem.
4. ESTRATÉGIAS DE INTERVENÇÃO 4.1 Princípios orientadores das estratégias de intervenção As estratégias de intervenção propostas neste estudo resultam das conclusões da análise apresentada até aqui. Dentre essas conclusões, ressaltam particularmente os factos da agricultura constituir a base principal da dieta e economia locais e de existir um défice, ainda que não estimado de forma rigorosa, ao nível da produção agrícola alimentar. Por sua vez, isso produz impactos consideráveis ao nível da segurança alimentar das populações, que se fazem sentir de forma especialmente aguda no caso das zonas mais remotas e isoladas, caracterizadas por um elevado grau de ‘autarcia’ condicionada em relação ao mercado nacional. Nesta perspectiva, a intervenção deve orientar-se de forma estratégica para o sector primário, nomeadamente para a agricultura, pecuária, florestas e pesca (actividades às quais se dedica a vasta maioria das unidades familiares de produção), devendo traduzir-se num estímulo à produção alimentar e na promoção da segurança alimentar. Uma tal estratégia é ainda justificada pela forma determinante como o sector primário contribui para o crescimento económico.
A prossecução de tais objectivos deverá assentar numa estratégia múltipla e integrada, procurando: 1º. Aumentar e diversificar a produção alimentar; 2º. Alargar a base de rendimento das famílias locais, de modo a que possam comprar, em caso de necessidade, não só os excedentes produzidos localmente como produtos importados, garantindo assim o acesso generalizado aos alimentos em quantidade e qualidade satisfatórias; 3º. Estimular o consumo local; 4º. Organizar determinadas fileiras específicas com mais potencial de comercialização e a exportação; 5º. Promover acções de formação e outras iniciativas de benefício comunitário. A implementação deste tipo de estratégia assentaria (1º) no estímulo ao consumo local, criando condições para a absorção de excedentes locais; (2º) na criação de reservas com base na produção local, susceptíveis de utilização nos períodos mais críticos; (3º) numa maior coordenação do escoamento dos produtos locais com maior potencial comercial, a par de incentivos à promoção do comércio - embora reconhecendo que a produção excedentária é ainda muito fraca e sazonal e que as exportações são muito irregulares e dependem fortemente do ritmo das campanhas, nomeadamente do caju e óleo de palma; (4º) no reforço progressivo do sistema de transportes – no interior de cada ilha, entre as diversas ilhas da AMPC Urok e entre Urok e Bissau, Biombo e Bubaque.
57
O estímulo ao consumo local, de modo
Estes eventos de carácter comunitário não
a criar condições para a absorção de
visariam substituir as estruturas já existen-
alguns excedentes locais, pressuporia
tes de comércio privado, mas promoveriam
não só uma campanha de promoção
uma dinâmica interna adicional susceptível
dos produtos locais, nomeadamente
de estimular a produção e, até certo ponto,
através da promoção de formas diversas
especialização, de modo a alargar o mer-
de utilização e preparação desses produtos,
cado e proporcionar maior segurança aos
como também o desenvolvimento de pólos
produtores locais.
de consumo específicos. Entre estes últimos, poder-se-ão incluir as escolas (através da
A adopção de uma tal estratégia mais
substituição de produtos importados por
abrangente não excluiria a possibilidade
produtos locais), os professores (como for-
de implementação de iniciativas específicas
ma de pagamento ), a casa de passagem
direccionadas para fileiras específicas,
da Tiniguena e eventualmente os centros
em função da respectiva importância,
de saúde.
potencial económico ou, ainda, da possibili-
34
dade de comercialização enquanto “produ-
58
Um outro objectivo consistiria na criação
tos-emblema” da AMPC Urok. Tal como
de estruturas comunitárias para recolha
veremos mais adiante, dentre os produtos
e concentração dos excedentes comercia-
com maior importância e potencial eco-
lizáveis, a fim de constituir reservas para os
nómicos são de salientar os produtos do
períodos mais críticos. Estas reservas pode-
palmar (especialmente o óleo de palma),
riam ser geridas sob a forma de bancos de
os produtos do caju e os produtos da pesca.
cereais, embora pudessem realizar também
Entre os produtos susceptíveis de se cons-
outro tipo de funções mais abrangentes, tais
tituírem como “produtos-emblema”, desta-
como proceder à organização da comercia-
cam-se o artesanato, a malagueta brava
lização e escoamento, ou mesmo à conces-
e o sal.
são de crédito sob a forma de produto. Igualmente promissora, nesta perspectiva, poderia ser o estímulo à realização de “lumos” rotativos entre as ilhas ou a organização de eventos socio-culturais em Formosa e em redor da “Casa de Ambiente e Cultura”, nos quais os produtos de origem local poderiam ser objecto de promoção e venda.
Nalgumas situações, as contribuições das famílias dos alunos para o funcionamento das respectivas escolas são já feitas sob a forma de produto. 34
4.2 Apoio a fileiras produtivas estratégicas
Tal processo pressuporia a criação de uma estrutura específica de apoio, vocacionada para o desenvolvimento do mundo rural,
4.2.1 Apoio geral ao desenvolvimento
cuja missão consistiria em promover
e diversificação da produção agrícola
o desenvolvimento da actividade agrícola
O incentivo e promoção da produção
e apoiar as estruturas comunitárias nas
agrícola alimentar deve constituir a base
diversas tabancas e ilhas.
da estratégia de intervenção. Tal é justificado pelos factos da população ser na sua
Uma tal estrutura permitiria um envolvimen-
maioria constituída por produtores agríco-
to mais sistemático e consequente ao nível
las, cuja primeira preocupação consiste em
da produção e da dinâmica das tabancas,
satisfazer de forma adequada as necessi-
visando melhorar a qualidade e quantidade
dades alimentares dos respectivos agrega-
dos recursos afectos ao desenvolvimento
dos familiares; igualmente uma parte muito
da agricultura e do mundo rural em geral
substancial dos rendimentos das famílias
e traduzindo, por outro lado, o alargamento
se destinar à aquisição de alimentos e ainda
de competências das actuais estruturas
dos investimentos nas fileiras de produção
de gestão da AMPC Urok. Um processo
agrícola alimentar possuírem, no contexto
alternativo, mas de menor envergadura,
guineense, especial potencial de promoção
poderia assentar em moldes semelhantes
do crescimento económico.
aos que foram já adoptados no domínio da educação – a implementação de uma
A introdução de novas culturas (milho, bata-
parceria mediante a qual o ministério da
ta, fruta-pão, etc.), de inovações agro-técni-
tutela disponibiliza a estrutura técnica
cas e/ou de certos factores de intensificação
necessária, que é depois enquadrada
(irrigação, material vegetal mais produtivo,
e acompanhada pelas estruturas
adubação orgânica, formas de tratamento
de gestão da AMPC Urok.
fitossanitários adaptados e pequena mecanização) poderiam proporcionar ganhos importantes em termos de rendimento35.
Previamente à implementação de quaisquer iniciativas e projectos concretos com estes objectivos, é fundamental que a equipa do Projecto proceda a um exercício de identificação dos respectivos impactos diferenciais em temos de género. No contexto de Urok como em muitos outros, a generalidade das actividades de reprodução social dos agregados familiares, bem como uma parte substancial das actividades de carácter produtivo, recaem já sobre as mulheres – e são muitos os exemplos de iniciativas locais de promoção do desenvolvimento implementadas noutros contextos que, inadvertidamente, tiveram como consequência um acréscimo da quantidade de trabalho que recai sobre a população feminina. A realização, pela própria equipa do Projecto “Urok Osheni!”, destes exercícios de identificação destes impactos deverá ter como objectivo garantir a repartição equitativa, entre as populações masculina e feminina, do esforço e benefícios associados aos projectos e iniciativas. Aliás, a realização desse tipo de exercício de reflexão e identificação de impactos diferenciais, preferencialmente de forma estruturada, é uma prática que poderá ser adoptada com vantagem no contexto da generalidade das estratégias de intervenção (de carácter agrário ou não).
35
59
4.2.2 Apoio ao desenvolvimento
a principal forma de conservar os rendimen-
de fileiras estratégicas do sector
tos provenientes de outras actividades sob
agrícola e das pescas
a forma de um património convertível em
As conclusões resultantes da análise dos
dinheiro em caso de necessidade. Trata-se
dados qualitativos e quantitativos recolhidos
de uma forma de património que tem ainda
permitiram identificar um conjunto de filei-
a possibilidade de se reproduzir, embora,
ras com especial importância e/ou potencial
em contrapartida, seja vulnerável a doenças
no que se refere à produção e comerciali-
e epizootias. A extrapolação dos dados do
zação no exterior: criação de animais, caju,
inquérito aos agregados familiares realizado
óleo de palma, pesca, artesanato e comér-
no âmbito deste estudo revela que o univer-
cio. Rodrigues e Pulga (2006) apresentam
so de animais de criação é bastante nume-
uma análise da viabilidade económica
roso, estando esta prática disseminada por
de alguns destes produtos, a qual comple-
praticamente todas as famílias. Ainda assim,
menta a discussão dos constrangimentos
seria importante levar a cabo um inventário
à economia local contida no ponto 3.5
mais detalhado de modo a determinar os
do presente estudo.
efectivos existentes e a respectiva distribuição geográfica.
Os próximos parágrafos apresentam alguns
60
elementos adicionais relevantes para a dis-
Eventuais acções pertinentes neste domínio
cussão do interesse de iniciativas específicas
poderão incluir o fomento das fileiras de
de apoio à produção e comercialização em
animais de ciclo curto (avícolas, caprinos
cada uma das fileiras. Note-se, porém, que
e porcinos), a introdução de raças melhora-
a eventual implementação de iniciativas
das (mais adaptadas às condições das ilhas)
desse tipo deverá ser antecedida pela rea-
e a melhoria das técnicas de criação
lização de estudos mais específicos adicio-
e da sanidade animal, nomeadamente atra-
nais, que incidam, nomeadamente, sobre
vés da realização de campanhas contra as
as características e preços de produtos
principais doenças e epizootias que afectam
análogos em diversos mercados, de modo
a população animal local. Por outro lado,
a permitir direccionar melhor a oferta
a torta do caju, do palmiste36 e os restos
e assim aumentar o rendimento associado
da transformação dos demais produtos
a cada um destes produtos.
agrícolas poderão ser utilizados para a melhoria das rações, sobretudo na época seca.
Produção animal
Para os herbívoros em particular, a introdu-
O desenvolvimento da produção animal
ção de variedades forrageiras poderá me-
tem uma importância estratégica, porquanto
lhorar a qualidade das pastagens.
representa para a maioria das famílias
Restos vegetais do caju depois da extracção do sumo/vinho, bem como restos vegetais das bagas das palmeiras de chabéu depois da extracção do óleo. 36
Na ausência de dados estatísticos, é difícil
local de animais, ao seu transporte organi-
estimar o número de animais que é exporta-
zado e em escala para Bissau e à sua venda
do a partir de Urok. Porém, os dados reco-
na capital. No inicio e caso se opte por esta
lhidos através das entrevistas mostram que
modalidade de intervenção, estes grupos
estes são regularmente objecto de compra
carecerão de apoios significativos de modo
e venda, tanto a nível local como noutros
a colmatar as suas limitações financeiras e
mercados no exterior de Urok. Poderá ser
as insuficiências ao nível da gestão e conta-
interessante incentivar a comercialização
bilidade.
regular de gado a nível local, bem como a sua exportação para os principais centros
Apoio à transformação dos produtos
de consumo, sobretudo nas alturas festivas
do caju
em que a procura é maior (Carnaval, Na-
O Cajueiro (Anacardium sp., planta originá-
tal, Páscoa, etc.). Localmente, a sua venda
ria do Brasil) foi introduzido pelos portu-
poderá ser organizada em articulação com
gueses no território da Guiné-Bissau através
o funcionamento das cantinas escolares e,
das Granjas de Estado - com o objectivo de
eventualmente, de alguns estabelecimentos
substituir a cultura da mancarra em solos
turísticos da região. Porém, tal como referi-
degradados por esta e como cultura de
do anteriormente em relação aos produtos
exportação. Algumas ilhas do complexo
comercializáveis de Formosa, é pertinente
dispunham destas Granjas de Estado, mas
que se organize o seu escoamento e trans-
desconhece-se a área actual ocupada pelas
porte de forma a ter impactos positivos
plantações de caju, apesar de se verificar
na estrutura de custos, sobretudo quando
actualmente uma expansão progressiva em
a exportação é direccionada para Bissau,
virtude desta ser uma das principais culturas
onde a concorrência é muito maior, com
de exportação da Guiné-Bissau.
produtos idênticos vindos de outras regiões do país e do Senegal. Uma outra alternativa
No interior da AMPC, tal como a nível na-
seriam os “lumos” da zona de Biombo, Caió
cional, o caju desempenha um papel muito
e Canchungo, onde a procura é significativa
importante para a grande maioria das uni-
e os preços praticados são um pouco mais
dades familiares de produção, registando-se
elevados do que em a Bissau.
uma tendência para o aumento da superfície ocupada pelos cajueiros, em detrimento das
Numa perspectiva de comercialização,
zonas de pousio e das florestas naturais.
poderá ser interessante seleccionar, numa
Estima-se que, a nível nacional, a dimensão
primeira fase, um grupo de produtores
média das parcelas ocupadas por cajueiros
locais em cada ilha, que seriam apoiados de
é de 1,8 e 15 ha, respectivamente, para as
modo a promover a melhoria desta fileira de
pequenas unidades de familiares de pro-
forma experimental - procedendo à compra
dução e para os ponteiros37 (PNIA, 2011).
37
De “ponta”, grande propriedade agrícola.
61
Consequentemente, esta cultura exerce um
O caju é um produto que tem mercado
impacto muito disseminado ao nível das es-
garantido, quer seja natural quer transfor-
tratégias de sobrevivência das famílias, que
mado. Porém, o produto transformado
vêem nos produtos produzidos não tanto
poderá ter vantagens em termos de trans-
um alimento como sobretudo uma fonte
porte e rendimento, o que poderá trazer
de rendimento e uma forma de adquirir,
benefícios adicionais aos produtores de
por troca directa ou indirecta, arroz.
Urok. É difícil estimar o volume de negócios que essa actividade poderá gerar, mas
Os cajueiros produzem principalmente
a eventual opção pela implementação
dois produtos: a maçã do caju (que é um
de actividades de apoio à transformação
falso fruto e resulta do engrossamento
do caju deverá organizar-se em torno
do pedúnculo que prende a semente
de três eixos:
aos ramos da árvore) e o fruto propriamente
62
dito, a “castanha do caju38”, que no mercado
1º. Diminuição da pressão do caju sobre
tem, actualmente, maior importância como
as florestas naturais;
produto de exportação. Quando seca, é de
2º. Aumento do rendimento das famílias;
fácil conservação e transporte. A importân-
3º. Criação progressiva de capacidade
cia da castanha deriva da amêndoa (que é
autónoma de transformação.
a semente) que se extrai do seu interior: quando transformada, pode ser consumida
Uma tal eventual iniciativa poderá benefi-
e tem elevado valor nutricional (proteínas,
ciar (1) da existência de uma dinâmica de
óleos e hidratos de carbono).
transformação socio-produtiva iniciada pela Tiniguena no seio de diversos grupos de
A quase totalidade da castanha de caju
produtores locais, que poderá ser direccio-
é exportada através da acção dos produ-
nada para o desenvolvimento desta fileira;
tores que a transportam para os principais
(2) da forte procura existente nos diferentes
centros onde a vendem não só aos comer-
segmentos de mercado para este produto;
ciantes locais, mas também aos comercian-
(3) do facto de proporcionar uma alterna-
tes em campanha na região ou até mesmo
tiva face aos baixos preços praticados nas
em Bissau. O nível dos preços varia ao longo
ilhas no caso da castanha não transformada;
da campanha em função da oferta e procura
(4) do facto da matéria-prima ser facilmente
e da evolução dos preços no mercado inter-
acessível, podendo estar disponível durante
nacional. Em Urok, tal como nas outras ilhas
todo o ano uma vez bem armazenada,
do Arquipélago, o preço de compra
e da sua transformação poder mobilizar
é geralmente 50 a 100 francos mais baixo
a mão-de-obra excedentária ao longo
do que os preços praticados nos centros
de todo o ano.
do continente.
38
Um aquênio reniforme.
Porém, uma iniciativa deste tipo teria como
te (coconote)39, vinho de palma, cibes de
obstáculo o facto do processo de transfor-
palmeira, corda de palmeira, vassouras, etc.
mação ser bastante exigente em termos
A palmiste foi no passado um importante
de tempo e qualidade da mão-de-obra,
produto de exportação da Guiné-Bissau.
uma vez que o valor comercial da castanha
Na primeira metade do século XX, o po-
é muito superior se esta estiver inteira
tencial de produção de óleo de palma nos
- o que exige igualmente algum investimen-
Bijagós levou à instalação de uma fábrica,
to em equipamento. Dada a concorrência
primeiro na Ilha de Soga e depois em Bu-
vigente no mercado de Bissau, onde
baque. As superfícies acima mencionadas
a oferta destes produtos é já muito elevada,
apontam para um grande potencial de
a sua venda poderá ser efectuada na base
produção de óleo de palma, mas este
de parcerias com alguns hotéis da região
potencial pode ser negativamente afectado
e através da oferta de uma gama mais varia-
pelo ritmo das queimadas no quadro
da e diferenciada de produtos (caju salgado,
do ciclo do “n’pam-pam”.
com um pouco de pimenta, misturado com amendoim, etc.), o que poderá aumentar
O chabéu e ambos os óleos são utilizados
a sua capacidade de escoamento junto
na alimentação, para confecção de alguns
dos centros turísticos da região.
pratos tradicionais. Ambos os óleos são também utilizados na indústria, servindo
Por sua vez, a maçã do caju é consumida
de base à produção de sabão, sabonetes,
fresca, enquanto o seu sumo é consumido
detergentes cosméticos, graxas e lubrifican-
tanto ao natural como fermentado em
tes. Devido à sua consistência o óleo
“vinho de caju”, por ser rico em açúcares,
de palma pode ser ainda utilizado na fabri-
vitaminas e sais minerais. Tradicionalmente,
cação de margarina, manteiga vegetal
o vinho é também transformado em aguar-
e confeitaria. As fibras resultantes da extrac-
dentes, comummente designadas por
ção do óleo de palma podem ser utilizadas
“n’sum-sum”.
como combustível e a “torta” resultante da extracção do óleo de palmiste por métodos
Óleo de palma
modernos pode ser ainda utilizada como
O palmar natural denso e pouco denso
ingrediente em rações animais. Nalguns
cobre respectivamente 41% e 4% da su-
países, o óleo de palma é ainda utilizado
perfície terrestre do complexo das Ilhas de
como agrocombustível.
Urok (cobrindo um total de cerca de 9.000 ha). Estas formações são dominadas pela palmeira-de-óleo (Elaeis guineensis), planta a partir do qual se fazem produtos como o chabéu, óleo de palma, óleo de palmis-
39
A amêndoa ou caroço das bagas da palmeira.
63
O óleo de palma é um dos principais pro-
plo através da introdução de métodos de
dutos de exportação do complexo de Urok.
produção semelhantes aos adoptados em
Devido à disponibilidade de fruta madura e
Cantanhez, de modo a diferenciar o produto
de mão-de-obra, a produção concentra-se
da concorrência; por outro lado, com base
na estação seca. O processo de transforma-
na selecção de dois ou três pequenos agru-
ção é feito manualmente, utilizando méto-
pamentos de produtores aos quais seriam
dos tradicionais que se encontram descritos
proporcionados equipamentos melhorados
em Leitão (2006). Salienta-se que, neste
(caldeiras, digestores, prensas, melhor con-
processo de transformação, há dois elemen-
dicionamento, etc.), a fim de produzir um
tos que comprometem a qualidade do pro-
produto de melhor qualidade destinado
duto: o facto do chabéu não ser esterilizado
a um segmento mais exigente em termos de
e de, em geral, ser enterrado e/ou colocado
qualidade – como o “mercado da saudade”
em tambores após a debulha, o que provoca
dos emigrantes guineenses.
a sua fermentação, levando inclusive à formação de fungos e ácidos gordos livres que
Esta última alternativa poderá permitir,
afectam a cor, o sabor, a acidez e a consis-
a prazo, o desenvolvimento do óleo
tência do óleo produzido.
de palma como produto-marca ou produto-emblema, dada a associação
64
O óleo de palmiste, tendo em conta a quan-
entre o arquipélago e a população Bijagós
tidade e a qualidade da produção, poderá
a este produto específico. Isso exigiria
ser direccionado principalmente para
naturalmente maiores investimentos
o consumo local, como substituto dos
financeiros, em formação, enquadramento
óleos vegetais importados. Porém, deve ser
e seguimento. Como parceiros potenciais,
procurada uma alternativa de valorização
poder-se-ia apostar nas lojas do aeroporto
do palmiste, pois em geral o caroço da pal-
e nalguns alguns restaurantes especializa-
meira é rejeitado após a primeira extração
dos na gastronomia tradicional. Apesar de
do chabéu, originando perdas consideráveis
existir já alguma concorrência a este nível,
de recursos.
um eventual aspecto diferenciador adicional poderia passar pela comercialização deste
Em termos de impacto sobre o rendimento
produto em embalagens maleáveis e fáceis
monetário das unidades familiares, o óleo
de transportar, particularmente para
de palma é, logo a seguir ao caju, o produ-
o “mercado da saudade”.
to que tem maior importância no contexto da produção local. Tendo isso em conta,
Um outro produto susceptível de aceitação
consideramos pertinente apoiar o desenvol-
no mercado é o chabéu semi-transformado
vimento desta fileira de duas formas distin-
(que foi cozido e ao qual foram retiradas
tas: por um lado, com base em melhorias
as fibras ou bagaço e as sementes), pronto
pontuais da produção em massa, por exem-
para a confecção do caldo de chabéu.
Para além dos aspectos já citados, este
A primeira variante poderá envolver
produto exigiria o desenvolvimento de uma
a introdução de uma unidade experimental
cadeia para a sua conservação a frio até à
por ilha. Já no contexto da segunda
compra pelo consumidor final – neste caso
variante, parte do processo de extracção
poderia ser empacotado em embalagens de
das fibras (bagaço do chabéu), bem como
plástico, o que, não sendo ideal, é apesar de
a separação do caroço, poderiam ser efectu-
tudo menos oneroso do que a opção por
adas à mão através do pilão, enquanto que
embalagens de lata.
a extracção do óleo poderia ser efectuada com o auxílio de prensas, aumentando assim
Por outro lado, julgamos que a melhoria
consideravelmente o nível de produção em
e desenvolvimento desta fileira poderia
relação à transformação exclusivamente ma-
começar por assentar na melhoria do orde-
nual. Idealmente, toda a produção deveria
namento agro-técnico das zonas de produ-
ser cozida, contrariamente ao que até aqui
ção - preservando estas zonas do ciclo das
é prática comum. Para qualquer uma destas
queimadas de modo a evitar o envelheci-
duas variantes de melhoria e exportação de
mento rápido e a diminuição da produção,
produtos do palmar, a intervenção deverá
o que poderia até ser incentivado através
incidir ao nível da produção propriamente
da introdução de técnicas agro-florestais
dita, dos canais de distribuição e da comer-
específicas.
cialização, reforçando a capacidade organizacional dos produtores e, em especial, dos
Por sua vez, a introdução de técnicas de
agrupamentos já existentes.
transformação em pólos produtivos e centralizados poderia assentar: i) na introdução
Produtos do mar
de fogões melhorados e caldeiras de pres-
A pesca pode ter igualmente um papel im-
são (para facilitar a cozedura de grandes
portante na expansão da base de rendimen-
quantidades de produtos), para segmentos
to das famílias de Urok. Em todas as famílias
de mercado mais exigentes; ii) na introdu-
há quem saiba pescar com a rede de lance,
ção de melhorias pontuais ao nível da pro-
mas apenas um número muito reduzido
dução em massa por parte dos produtores
de pescadores dispõe de equipamento
de Urok, com base nos métodos adoptados
de pesca40, enquanto outros trabalham,
em Cantanhez (com recurso a prensas) e
em diferentes modalidades41, para proprietá-
com o objectivo de reforçar a capacidade
rios de canoas e/ou para pescadores Nho-
concorrencial do produto no mercado na-
minca. O problema do acesso a materiais
cional e sub-regional.
e equipamentos de pesca, meios financeiros e enquadramento foi referido com bastante frequência pelos residentes locais aquando das entrevistas no terreno.
40
41
À excepção da rede de lance, que encontra-se muito bem expandida em Urok. Alguns ficam com uma parte da produção e outros trabalham como assalariados.
65
São diversas as questões que se colocam
proporcionar uma alternativa para pescado-
no contexto do desenvolvimento da activi-
res locais desprovidos de grandes meios
dade piscatória, a saber: (1) que técnicas
de pesca e, por outro lado, alargar a base
e artes devem ser permitidas, até que nível
de rendimento das famílias.
deve ser incrementado o esforço de pesca e como de que forma deve esta ser articula-
O desenvolvimento desta fileira deverá
da com os objectivos de conservação
requerer enquadramento adequado, apoios
da AMPC; (2) como fomentar o desenvolvi-
financeiros iniciais, garantias de acesso
mento da actividade piscatória de forma
à matéria-prima e disponibilização de algum
a encorajar e promover os pescadores
equipamento. Deverá deparar-se, ao nível do
locais sem incentivar a vinda de pescadores
mercado, com o mesmo tipo de problemas
não residentes e estrangeiros.
com que se deparam as outras fileiras atrás referidas, mas o reforço organizacional dos
66
A eventual criação de centros de pesca
produtores que se dedicam à transformação
(tal como os existentes em Uracane e Buba-
de pescado poderia facilitar consideravel-
que), por exemplo, pode implicar algumas
mente a organização do escoamento dos
consequências socioeconómicas negativas,
produtos para o mercado exterior, onde
além de implicar responsabilidades de ges-
a concorrência é considerável. Por outro
tão acrescidas para a AMPC. Tratando-se
lado, o estabelecimento de parcerias com
de um sector com grande potencial para
intermediários grossistas poderia trazer van-
o crescimento da economia local, o seu
tagens consideráveis. Há que salientar que
desenvolvimento deve ser articulado com
o bacalhau tem um mercado bem estabe-
os objectivos de conservação da AMPC,
lecido - uma vez que a produção não con-
sendo eventualmente necessário proceder
segue cobrir a procura nacional - e, consi-
a uma reestruturação do sector.
derando o nível actual dos preços, poderá ser muito rentável para os produtores locais.
Um outro aspecto saliente deste sector
Todos estes produtos não constituiriam pro-
é a existência de excedentes irregulares,
priamente produtos-emblema de Urok,
que não encontram mercado ao nível local
mas poderiam ser promovidos por forma
e que poderiam ser alvo de transformação
a alargar a base de rendimento das unida-
em produtos como o peixe seco ou fumado,
des familiares.
a escalada ou eventualmente o bacalhau. Alguns produtores locais dominam já estes
A ostricultura é outra das fileiras que têm
processos de transformação e alguns destes
vindo a adquirir uma certa dinâmica entre
produtos contam com uma procura con-
a população da AMPC Urok, sendo a técnica
siderável tanto a nível local como fora de
de produção muito bem dominada pelos
Urok. O desenvolvimento desta actividade
produtores locais (embora se desconheça
de transformação poderia, por um lado,
o volume da produção actual). A eventual
disseminação adicional desta técnica, por
poderá ser necessário estruturar melhor
exemplo entre a comunidade Papel, poderia
a fileira, sobretudo em termos da organiza-
permitir aliviar em certa medida a pressão
ção da produção, da comercialização e da
sobre as áreas de produção natural.
salvaguarda dos impactos ambientais, disse-
A procura local é menos expressiva entre
minando os métodos tradicionais de recolha
a população Bijagó, muito mais voltada
que preservam o tarrafe (mangal).
para a exploração do combé, do que entre
a população Papel. Coloca-se, por outro
4.2.3 Produtos-emblema de Urok
lado, a questão da finalidade da produção:
Por produtos-emblema ou produtos-marca
se o fim for estritamente comercial, isso
de Urok, referimo-nos aos produtos suscep-
poderá ter impactos sobre a comercializa-
tíveis de representar uma identidade espe-
ção de outros moluscos como o referido
cífica associada a Urok. Assumem especial
combé, até aqui tradicionalmente interdita-
relevância e potencial o sal, a malagueta e
do de comercialização. Uma alternativa de
o artesanato. Nalguns destes casos, têm já
comercialização local poderia passar pela
vindo a ser implementadas iniciativas no
articulação das vendas com a “casa
sentido do fomento da respectiva produção
de passagem”.
e comercialização, nomeadamente por parte da Tiniguena/IMVF, com o objectivo de que
É de assinalar que a ostra, tanto fresca
estes possam assumir-se como produtos
como transformada, conta com uma grande
de qualidade, fortemente associados a um
procura ao nível regional e nacional.
conjunto de conotações positivas relaciona-
Na região, a procura de ostras frescas está
das com Urok, entre as quais se destacam
principalmente relacionada com a dinâmica
a preservação e diversidade ecológicas
dos centros turísticos, em especial na Ilha
e o património cultural.
de Bubaque. Porém, devido aos problemas de transporte, o mercado de Bubaque
Sal
é pouco acessível aos produtos de Urok.
Dado o elevado preço praticado para este
Os transportes estão mais virados para
produto em Urok, justifica-se uma interven-
Bissau e Biombo - mercados onde as ostras
ção no sentido de aumentar a produção
podem ser colocadas a fresco ou transfor-
com destino ao mercado local - não só a fim
madas, embora a concorrência seja
de expandir a base de rendimento dos pro-
aí considerável. Cozida e seca - ou cozida,
dutores, como também de modo a estimular
fumada e empacotada -, pode igualmente
a redução do preço para níveis mais facil-
constituir um produto para o mercado da
mente comportáveis pelos consumidores
saudade, caso a oferta possa ser efectuada
locais. Nesta perspectiva, o método de pro-
ao nível do aeroporto de Bissau. De uma
dução do “sal solar”, mais ecológico e com
forma geral, caso se considere promover
melhor qualidade do produto, poderá ser
o desenvolvimento com objectivo comercial,
objecto de vulgarização em todas as ilhas
67
da AMPC Urok de modo a substituir a pro-
trangedor da produção, embora o resto do
dução por fervura - que além de consumir
processo de produção (embalagem, rotula-
lenha
gem e comercialização) possa estender-se
42
68
produz um sal sem iodo. Este méto-
do encontra-se descrito em Leitão (2006).
também à época das chuvas.
A intenção de uma intervenção nesta área
Malagueta
poderá passar pela estruturação da fileira de
A malagueta de Urok é conhecida como
modo a satisfazer a procura local, mas tam-
uma das mais picantes da Guiné-Bissau,
bém de modo a transformá-lo num produto-
embora não tenham ainda sido realizados
-emblema de Urok. A primeira finalidade
estudos com vista a averiguar isso mesmo.
poderá ser promovida em articulação com
Trata-se de uma malagueta que, não sendo
as unidades de transformação do pescado
muito consumida localmente, o é a nível
e as cantinas escolares, ao nível local, o que
nacional, onde é fortemente associada aos
poderá absorver uma parte da produção.
Bijagós e apreciada como condimento na
Uma tal iniciativa requereria a realização de
confeção de diferentes pratos tradicionais.
actividades de enquadramento e seguimen-
Actualmente, este produto é recolhido junto
to, mas também algum investimento em
de diferentes produtoras de Urok, sendo
instalações e equipamentos, sobretudo ao
debulhado, limpo, embalado e vendido,
nível da pesagem, embalagem e rotulagem
nomeadamente no Espaço da Terra43,
do sal, bem como um trabalho de promoção
acondicionado em sacos de plástico.
do produto em Bissau e Bubaque, sobretu-
É um produto com bastante procura
do em estabelecimentos comerciais, hotéis
e aceitação no mercado, que poderia
e restaurantes. O estudo de viabilidade
ser alargado aos supermercados e aos
realizado por Rodrigues e Pulga (2006)
restaurantes de Bissau - a sua produção
revela que este produto, caso adquira
poderia ser igualmente alargada a um
melhor qualidade através desta forma de
maior número de produtores. O uso local
produção alternativa, poderá competir no
poderia ser estimulado através da produção
mercado de Bissau com os produtos simila-
de escalada a moda antiga (com malagueta)
res importados da sub-região e da Europa,
e eventualmente da produção de conservas
seus potenciais concorrentes. O facto de ser
com base na horticultura local. Os volumes
comercializado em associação à “marca”
actualmente exportados para o mercado de
de Urok poderá constituir uma atracção
Bissau não são consideráveis, uma vez que
suplementar. Note-se, entretanto que
se trata de um produto direccionado para
o facto da produção só poder ser efectuada
segmentos de consumidores específicos,
na estação seca constitui um factor cons-
caracterizados por uma certa fidelidade
42
Estima-se que para produzir 1 kg de sal sejam necessários cerca de 3 kg de lenha.
Loja de comércio eco e solidário onde são vendidos produtos guineenses produzidos por várias iniciativas locais da ONG Tiniguena e de organizações parceiras. Situa-se no Bairro de Belém, em Bissau. 43
aos produtos originais e típicos do país.
Alguns produtos artísticos e do artesana-
Porém, a sua produção poderia ser mas-
to, como máscaras, estatuetas, canapés
sificada, uma vez que existe uma procura
de diferentes tamanhos e cassinque, já são
nacional e sub-regional muito grande que
recolhidos junto de alguns produtores de
é manifestada em diferentes mercados.
Urok e comercializados com o apoio da Tiniguena. Porém, alguns destes produtos
Produção artística e artesanato
têm problemas de acabamento e a recolha
O artesanato local é muito diversificado
dos mesmos não é automática, pois depen-
e indissociável das manifestações culturais
de fortemente da procura que, em certos
e religiosas da população Bijagó (cerimó-
casos, é ainda reduzida em relação à oferta.
nias, danças, ritos, etc.), bem como
O apoio ao aperfeiçoamento artístico,
de certos usos tradicionais. São especial-
sobretudo ao nível dos acabamentos, atra-
mente de salientar:
vés da aquisição e capacitação no uso de
- Os trajes femininos, constituídos essencial-
equipamentos modernos e mais aperfei-
mente por diferentes tipos de saias produzi-
çoados, poderia melhorar a qualidade da
das a partir da casca de troncos e ramos
produção. A pintura, por exemplo, poderia
de inúmeras espécies de árvores;
ser comercializada caso pudesse ser feita
- Máscaras e adornos talhados em madeira,
em suportes móveis, isto é em telas ou em
pintados com cores vivas e utilizados nas
quadros de madeira, suportes que não são
danças dos diferentes grupos de idade
normalmente utilizados pelos artistas pin-
e noutros ritos sagrados;
tores Bijagós. Da mesma forma, a promo-
- Estatuetas representando não só as dife-
ção através de exposições articuladas com
rentes figuras da sociedade Bijagó, como
eventos culturais (teatro, danças, eventos
igualmente os diferentes irãs e cópias
musicais, etc.) direccionados para a promo-
de objectos diversos (barco, avião, canoa
ção da cultura Bijagó, poderá contribuir para
Bijagó antiga, etc.), que atestam a capacida-
alargar a capacidade de absorção da arte
de criativa dos artistas Bijagós;
e do artesanato Bijagó por parte de certos
- Artesanato muito diversificado com base
segmentos de mercado. Uma outra alter-
em madeiras (balaio, pratos, colheres, pen-
nativa de alargamento do mercado destes
tes, etc.), fibras vegetais (cassinque, esteiras,
produtos poderia assentar em acordos de
canapé, “sangra”, “corda de sibi”) e couro
fornecimento com algumas unidades turísti-
(tambores, couro utilizado nas cerimonias,
cas que procedam à venda de souvenirs.
etc.); - Pinturas (originalmente, murais) muito
Um outro factor não menos importante
ricas em representações do imaginário
é a reprodução desta capacidade de
Bijagó, do ambiente natural e especialmen-
criação, pois nalgumas fileiras artesanais
te de animais, na qual são utilizadas tintas
o conhecimento sobre a técnica de produ-
produzidas localmente.
ção tem vindo a perder-se. Por exemplo,
69
já quase não existem ferreiros nas tabancas
4.3 Formação técnico-profissional
Bijagós. Pode ser de considerar a possibilidade de promover o ensino de algumas das
Enquanto estratégia de intervenção no
técnicas que estão na base destas activida-
contexto de iniciativas de desenvolvimento,
des de produção artística no contexto das
a formação técnico-profissional visa, tipica-
escolas, de modo a assegurar a preservação
mente, dois tipos de objectivos: (i) capacitar
e continuidade deste legado cultural ao nivel
os indivíduos de modo a que a sua activida-
das gerações mais jovens.
de produtiva independente possa ser mais diversificada e/ou alcançar um rendimento
4.2.4 Outros produtos
mais elevado; e/ou (ii) dotar os indivídu-
Para além dos produtos já referidos, foram
os de competências que os tornem mais
identificados alguns outros que parecem
empregáveis ou susceptíveis de prestarem
apresentar um potencial considerável para
serviços para os quais exista, ou venha a ser
se assumirem como produtos-emblema
criada, uma procura.
de Urok, mas que carecem de análise mais
70
aprofundada. É o caso do mel, do “site
Como é facilmente depreensível, o objectivo
malgós”, do sabão e da mancarra-Bijagó,
(ii) depende, em grande medida, do grau de
que são produzidos localmente mas ainda
desenvolvimento dos mercados locais de
em pouca quantidade e através de técnicas
trabalho e de serviços. Ora, num contexto
rudimentares, que carecem de melhorias
como o da AMPC Urok, onde esses mer-
consideráveis. Estes produtos são utilizados
cados apresentam um grau de desenvolvi-
de forma quase exclusiva pelas famílias que
mento apenas incipiente, é especialmente
as produzem, não tendo grande expressão
importante que as apostas na formação téc-
no mercado local.
nico-profissional incidam sobre áreas temá-
A mancarra-Bijagó – em virtude da sua
ticas em relação às quais haja um elevado
designação e da sua área de produção,
grau de certeza: (i) que permitirão introduzir
que consiste essencialmente no Arquipélago
novas práticas ou técnicas que melhorem
dos Bijagós – poderia a tornar-se um pro-
directamente a produção independente;
duto-marca especialmente interessante para
(ii) que permitirão satisfazer procuras efec-
a região Bolama-Bijagós. Porém, este produ-
tivamente existentes (e que se fazem acom-
to encontra-se num processo de desapareci-
panhar por capacidade e disponibilidade
mento progressivo, correndo-se o risco
para pagar); ou (iii) que o próprio projecto
de que, a concretizar-se, esse desapareci-
que implementa as acções de formação terá
mento implique uma perda significativa
possibilidade de viabilizar a procura, seja di-
não só do ponto de vista genético, como
rectamente, na medida em que recorra aos
também no que se refere ao conjunto de
bens e serviços prestados pelos formandos,
elementos e aspectos socioculturais que
seja indirectamente, subsidiando a provisão
estão ligados a este produto, que é muito
desses bens e serviços por se entender que
utilizado em cerimónias.
se revestem de utilidade e interesse comunitários.
O inquérito aos agregados familiares
Outra questão constante do inquérito
incluiu uma questão acerca das iniciativas
aos agregados familiares - que proporcio-
de formação de que os respondentes e os
nou informação relevante no que diz
membros dos respectivos agregados benefi-
respeito à avaliação das áreas temáticas
ciaram no passado. Verificamos que mais de
potencialmente mais interessantes para
metade dos entrevistados (38 em 75)
a implementação de acções de formação
indicou que eles, ou algum membro do
- foi aquela em que se perguntou aos res-
agregado, receberam já algum tipo de
pondentes “De que serviços carece a sua
formação técnico-profissional (Figura 17).
família?”. O objectivo desta questão passava
Algumas das respostas mais frequentes
pela tentativa de identificação de eventuais
(“horticultura”, “produção de sal”, “fuma-
procuras por satisfazer a nível comunitário
gem/conservação de peixe”) tiveram ligar
que pudessem vir a constituir nichos de
no âmbito de iniciativas anteriores da Tini-
mercado viáveis para os beneficiários de
guena/IMVF e incidiram sobre o apoio
futuras acções de formação. Os resultados,
à diversificação e produtividade da produ-
porém, não foram especialmente encoraja-
ção directa independente. Outros (“alfabe-
dores ou esclarecedores – principalmente
tizador de adultos”, “agente de saúde de
porque a maior parte dos respondentes
base”, “gestão participativa”) visaram funda-
indicou serviços ou formas de apoio de que
mentalmente a satisfação de necessidades
carece do ponto de vista do apoio à produ-
comunitárias, mais do que o reforço
ção (p.e. acesso a crédito) ou do ponto
da empregabilidade dos beneficiários.
de vista das infra-estruturas comunitárias (p.e. poços) mas não enquanto potenciais consumidores.
Área/tema da formação
Número de agregados (em 75) que referiram ter beneficiado de formação nessa área
Horticultura
9
Produção de sal
8
Alfabetizador de adultos
5
Fumagem/conservação de peixe
4
Agente de saúde de base
4
Tecelão/bordadeira
3
Gestão participativa
3
Ostricultura
3
Marinharia
2
Figura 17: Áreas/temas em que os entrevistados ou outros membros do agregado beneficiaram de formação técnica ou profissional no passado (indicadas apenas as áreas indicadas por pelo menos dois respondentes) (fonte: inquérito aos agregados familiares).
71
Por outro lado, impõe-se cuidado na inter-
Em vista de todos os elementos anteriores,
pretação destas respostas na medida em
os autores deste estudo recomendam que
que o facto de um determinado serviço
as futuras iniciativas de formação técnico-
ser indicado como estando “em falta” não
-profissional no âmbito do Projecto “Urok
significa necessariamente que ele não es-
Osheni!” se organizem de acordo com três
teja localmente disponível – simplesmente,
lógicas distintas mas complementares: (i)
pode ser demasiado caro para viabilizar a
formação de base para a produção agrária;
sua contratação por parte dos agregados
(ii) formação em articulação com as neces-
familiares que o referiram (como quase
sidades do próprio Projecto “Urok Osheni!”;
certamente sucede no caso dos que res-
e (iii) formação para a satisfação de procu-
ponderam “mão-de-obra agrícola”, por
ras mais amplas. Os próximos parágrafos
exemplo). Dito isto, as respostas à questão
desenvolvem cada um destes pontos.
sugerem que a alvenaria e a carpintaria são áreas para as quais existe procura considerável (embora, certamente, também oferta) e que entre as áreas eventualmente mais promissoras para formação especializada se inclui certamente a mecânica (de bicicletas
72
e motores de canoa).
Número de agregados entrevistados (em 75)
que referiram esse serviço como fazendo falta
Serviços em falta
ao seu agregado familiar
Pedreiro
23
Mão-de-obra agrícola
12
Carpinteiro
12
Lojas comunitárias com insumos
10
agrícolas e/ou para a pesca
Agente de saúde de base/enfermeiro
8
Mecânico
6
Crédito
5
Alfaiate/costureiro
4
Poços
3
Electricista
3
Figura 18: Serviços considerados em falta pelos agregados abrangidos pelo inquérito aos agregados familiares (respostas mais comuns)
4.3.1 Formação de base
4.3.2 Formação especializada
para a produção agrária
em articulação com as necessidades
A formação de base para a produção
do projecto “Urok Osheni!”
agrária assenta na constatação de que
O Projecto “Urok Osheni!” tem vindo
a agropecuária no seio de pequenas
a introduzir um conjunto de novas dinâmi-
unidades independentes de cariz familiar
cas socioeconómicas no contexto da AMPC
constitui a base fundamental da economia
Urok – com especial intensidade no caso
local de Urok, sendo previsível que isso
da tabanca da Abu –, as quais devem ser
não se venha a alterar no futuro próximo.
consideradas como oportunidades para
Faz por isso todo o sentido procurar dotar
o reforço da densidade do mercado de
as unidades familiares de algumas compe-
trabalho local. Um dos contextos em que
tências que elas ainda não possuam e que
isso pode e deve acontecer consiste na
permitam aumentar a resiliência e rendibili-
futura criação de casas de passagem - uma
dade da sua produção. Referimo-nos aqui
vez que, previsivelmente, a futura utilização
à adopção de novas culturas, à aprendiza-
destas exigirá a existência de um contingen-
gem de técnicas biológicas de combate
te, adequadamente formado, de residentes
a pragas, técnicas de enxertia, vedações,
locais capazes de assegurar um conjunto
etc. Na nossa opinião, faria todo o sentido
de serviços mínimos ao nível da hospeda-
que muita desta formação fosse ministrada
gem e alimentação.
em articulação com a escolaridade oficial por exemplo, através da criação de um
Porém, esta mesma lógica aplica-se também
módulo, com quatro a seis horas semanais,
no caso de actividades mais especializadas:
de consciencialização agro-ecológica duran-
em vez de recorrer ciclicamente a serviços
te as quatro primeiras classes, seguido
especializados de terceiros provenientes
de um módulo idêntico versando sobre
do exterior da AMPC Urok para satisfazer
técnicas agrárias durante a quinta e sexta
necessidades que se verificam com alguma
classes. O objectivo seria dotar progressi-
frequência (p.e. electricistas, mecânicos,
vamente todos os jovens de Urok de um
soldadores, técnicos de painéis solares),
conhecimento básico acerca de técnicas
faz todo o sentido que o Projecto assuma
que, nalguns casos, não estão ainda dissemi-
o custo da formação de alguns indivíduos
nadas e que permitiriam não só diversificar
nestas áreas de modo a que a satisfação
a produção de cada agregado familiar
de cada uma dessas necessidades do Pro-
como também aumentar o seu rendimento
jecto se torne também uma oportunidade
por unidade de superfície e/ou tempo
de rendimento para um residente local.
de trabalho.
Na verdade, dado o efeito multiplicador potencial que aqui está em causa, consideramos que esta opção deve ser considerada
73
preferível mesmo que seja relativamente
capazes de desempenhar as tarefas em
mais cara para o Projecto (desde que
causa. Por esse motivo, seria importante
a diferença não seja incomportável).
recolher informação adicional a fim de esclarecer se o elevado número de responden-
74
Assim, em jeito de resumo das recomenda-
tes ao inquérito aos agregados familiares
ções relativas a esta segunda linha orienta-
que refere esses serviços como “estando
dora das acções de formação, consideramos
em falta” é motivado por aquilo que eles
que a equipa do Projecto “Urok Osheni!”
próprios consideram ser um preço demasia-
poderá ter interesse em estudar a futura
do elevado face ao que têm possibilidade
implementação de acções de formação
de pagar ou se, efectivamente, há falta de
com alguns meses de duração em duas
carpinteiros e pedreiros no sentido de
áreas principais: (i) hotelaria e restauração;
que existem famílias dispostas a pagar
e (ii) electromecânica. Idealmente, estas
pelo serviço, mas ninguém em condições
acções de formação deverão ser desenvol-
de o prestar, não por uma questão de preço
vidas localmente e não em Bissau, de modo
mas por uma questão de inexistência
a potenciar tanto quanto possível os efeitos
ou insuficiência da oferta. É natural que
de disseminação local do conhecimento tá-
a resposta a esta questão varie de tabanca
cito. Porém, reconhecemos que isso poderá
para tabanca, mas, a verificar-se a segunda
ser difícil no caso da electromecânica,
hipótese, o Projecto “Urok Osheni!” poderá
dados os requisitos em termos de material.
ter também interesse em considerar, a par das acções de formação referidas no ponto 6.2, uma outra acção de formação em “téc-
4.3.3 Formação para a satisfação
nicas de construção”, que incluiria módulos
de procuras mais amplas
de alvenaria, carpintaria e pavimentação.
Como vimos atrás, a dimensão e o grau de desenvolvimento do mercado local
Finalmente, a última área em relação à qual
permitem vislumbrar poucas áreas em
consideramos ser de recomendar que o Pro-
que a procura local (independente do
jecto “Urok Osheni!” estude a possibilidade
Projecto) oferece grandes garantias
de implementação de uma acção de forma-
de viabilizar, por si mesma, algum serviço
ção, uma vez que existe comprovadamente
ou actividade profissional. Aparentemente,
uma forte procura, consiste na “construção
as excepções poderão passar por duas
e reparação de embarcações”. A AMPC
áreas que são, tradicionalmente, objecto
Urok, pela sua ligação ao mar, situação
de procura consistente no contexto de
geográfica e tradição piscatória, encontra-se
todas as tabancas: alvenaria e carpintaria.
em condições privilegiadas para o desenvol-
No entanto, estas são também áreas em
vimento de um micro-cluster de construção
que, em maior ou menor grau, quase todas
e reparação naval – área para a qual existe
as tabancas contam já com indivíduos
uma forte procura que permitiria um fluxo
de rendimento bastante substancial para um
Através da informação qualitativa recolhida
número razoável de indivíduos e agregados
aquando dos focus-groups e entrevistas
familiares. Subjacente à afirmação anterior
semi-estruturadas, verificamos que pelo
está a ideia de que esta actividade contaria
menos uma parte substancial da população
não só com a procura local dos próprios
considera que se têm registado melhorias
residentes na AMPC Urok, como também
consideráveis ao nível das infra-estruturas
com a de um mercado potencial muito
escolares, das comunicações, dos transpor-
mais amplo, no Arquipélago dos Bijagós e
tes e do abastecimento de água, as quais se
na Guiné-Bissau continental. Em nosso ver,
devem em grande parte ao trabalho reali-
faria especialmente sentido que esta forma-
zado pela Tiniguena/IMVF. É desejável que
ção/estímulo à criação de um micro-cluster
esta estratégia de intervenção seja prosse-
tivesse lugar entre a comunidade Nhominca
guida e que os processos de gestão que lhe
– tanto pela sua mais forte ligação ao mar
estão associados sejam consolidados, tendo
e à navegação, como pelo facto de esta ser,
em conta que a oferta actual nestes domí-
claramente, a comunidade mais descontente
nios ainda não cobre as três ilhas principais
com as alterações ao modo de vida introdu-
de uma forma tão abrangente quanto seria
zidas pelas regras de AMPC e a que menos
desejável.
se encontra em condições de beneficiar de acções e medidas futuras ao nível da produ-
É importante que o processo de criação e
ção agropecuária.
expansão deste tipo de infra-estruturas e serviços seja articulado com o envolvimento, capacitação e responsabilização das estru-
4.4 Infra-estruturas e serviços de interesse comunitário
turas locais tradicionais e associativas - pois no contexto actual das ilhas a capacidade destas estruturas, em especial a organização
Tal como foi já referido neste estudo, o
e gestão, é muito fraca. O envolvimento em
sector administrativo de Caravela, na qual
iniciativas comunitárias, associativas e socio-
o complexo das ilhas de Urok está inserido,
culturais - mesmo socio-religiosas - poderá
é um dos que conta com mais fraca oferta
estimular estas estruturas a trabalharem
de serviços sociais, registando-se carências
com maior sinergia, o que ´tenderá a re-
significativas que decorrem, em grande
forçar a coesão comunitária e a estimular a
medida, das dificuldades dos organismos e
entreajuda, a colaboração e a auto-estima.
estruturas públicas em lidar com os desafios específicos das zonas insulares.
75
Para além do reforço das infra-estuturas e
4.4.1 Expansão e reforço da rede
serviços nas áreas-chave já referidas, ficou
de transportes
ainda patente o interesse manifestado por
A falta de um sistema de transporte
alguns entrevistados num conjunto adicional
plenamente satisfatório e adequado
de serviços de interesse comunitário, con-
às especificidades de Urok constitui um
siderados potencialmente mais relevantes.
forte estrangulamento ao desenvolvimento
Entre estes, incluem-se:
deste território. Porém, são de reconhecer
– Expansão e reforço da rede de transportes
alguns avanços significativos efectuados
inter-ilhas e para Bissau e Biombo;
neste domínio, sobretudo o estabelecimen-
- Melhoria da cobertura dos serviços
to de uma ligação regular por canoa entre
de saúde e expansão da cobertura sanitária;
Formosa e Bissau via Chediã. Duas outras
- Expansão da rede de poços;
canoas mais pequenas, que servem algumas
- Criação de um fundo de desenvolvimento
tabancas mais afastadas de Chediã
comunitário por ilhas;
e Nago, funcionam em coordenação
- Criação de casas de ambiente e cultura
com esta ligação. Porém, algumas tabancas
em Nago e Maio.
da AMPC Urok são ainda bastante desfavorecidas.
A eventual opção pela criação de um fundo
76
de desenvolvimento comunitário justificar-
A Figura 19 apresenta o custo do transporte
-se-ia pela necessidade de dar resposta
por canoa entre Formosa e Bissau para
a uma ou outra solicitação mais específica
um conjunto de produtos. Constata-se que
em cada ilha ou tabanca, podendo com isso
a canoa actual é mais rentável na época
estimular-se a emergência e reforço
seca, isto é, de Novembro a Junho, por isso
de processos participativos de planificação
realiza neste período viagens semanais.
e execução de iniciativas comunitárias autó-
É neste período que as pessoas mais viajam
nomas. Por sua vez, a criação de duas novas
e ao mesmo tempo levam alguns produtos
Casas de Ambiente e Cultura teria como
para venda no mercado de Bissau. Na época
objectivo estimular a dinâmica das iniciati-
das chuvas é reduzido o número de viagens,
vas socioculturais em Nago e Chediã. Em
sobretudo a partir de Agosto até Novembro,
todo o caso, a opção pela implementação
passando as viagens a quinzenais.
de iniciativas em qualquer um destes domínios adicionais, terão que ser integradas num processo mais amplo de reforço do Processo de Governação Participativa e na Melhoria das Condições de vida das populações residentes no interior da AMPC de Urok.”
Produto
Oleo de Palma
Quantidade Cada bidão de 25 l
Esteiras
cada
Custo 750 200
Arroz
Saco 50 Kg
750
Cimento
Saco 50 kg
1.000
Cibes
cada
1.000
Pessoas
cada
2.00
Figura 19: Custo de transportes Formosa-Bissau de alguns produtos na canoa Umba Maraka.
Os problemas de transporte foram já objec-
Várias alternativas poderiam ser propostas
to de discussão neste estudo, tendo sido su-
para solucionar o problema dos transpor-
gerida como solução a adopção de um sis-
tes entre as tabancas de cada ilha e en-
tema de transporte nodal, à imagem do que
tre estas e o porto mais próximo: tractor,
já está a ser praticado entre as canoas mais
carro, bicicletas com carroçaria, etc.. Para
pequenas e a grande - e poderia ser articu-
além destas propostas “mecanizadas”, é
lado com um sistema de transporte terrestre
de considerar igualmente a possibilidade
para servir as ilhas nos dias de carreira. Há
de estudar e avaliar, a título experimental, a
que pensar no desenvolvimento de outras
introdução a médio prazo da tracção animal
duas linhas, com base em duas canoas gran-
com recurso a raças locais. Esta alternativa
des: uma que poderia servir Biombo, dada
poderá beneficiar do facto de poder contar
a relação da população Papel com as suas
com a presença de uma população islami-
zonas de origem. E uma outra que poderia
zada com experiência acrescida de rela-
servir Bubaque e constituir uma alternativa
cionamento com o gado. Para além da sua
para a ligação a Bissau, caso fosse articula-
eventual utilização como força motriz para
da com a saída do Barco de Bubaque, mas
transporte de mercadorias no contexto do
ao mesmo poderia ser um factor de estímu-
sistema nodal acima referido, a introdução
lo de transacções comerciais entre Formosa
experimental da tracção animal beneficiaria
e Bubaque. O período morto de Agosto a
também a produção agrícola, nomeadamen-
Novembro poderia ser aproveitado para os
te no contexto da lavoura de culturas como
trabalhos de manutenção, reparação, forma-
a mancarra e o feijão.
ção e preparação da campanha seguinte.
77
O desenvolvimento dos transportes ma-
sua vez, esta primeira linha de cuidados bá-
rítimos é muito exigente em termos tanto
sicos de saúde poderia ser complementado
de investimento como de gestão e manu-
com a colocação de um médico em Formo-
tenção. Requer uma disciplina rigorosa e
sa e/ou visitas médicas regulares e rotativas
capacidades específicas, o que, por sua
para atender os casos mais graves na AMPC
vez, coloca exigências específicas ao nível
Urok, eventualmente a par da criação de
da supervisão, apoio à gestão e formação
uma farmácia fixa em Formosa para fazer
contínua dos profissionais envolvidos no
face ao problema da falta de medicamentos.
processo (marinheiros, mecânicos, cobradores, gestores).
A actuação de uma estrutura deste tipo poderia ser optimizada mediante o envolvi-
78
4.4.2 Melhoria da cobertura sanitária
mento de programas de saúde pública tais
e de serviços de saúde
como o de fornecimento de medicamentos,
As normas de distribuição das estruturas
medidas de combate à malária e à cólera,
dos serviços de saúde são pouco adapta-
de prevenção do VIH-SIDA, etc., que pos-
das às particularidades das ilhas, sobretudo
suem recursos significativos mas que nem
considerando a descontinuidade territorial
sempre cobrem adequadamente zonas tão
e o tamanho das suas populações. Por este
isoladas quanto Urok. Por outro lado, a sua
motivo, são preferíveis soluções tão autó-
eficácia poderia ser reforçada através da
nomas quanto possível, uma vez que as
articulação com as escolas e o sistema de
possibilidades de evacuação de doentes são
transportes. Ao nível da escola, com vista
muito limitadas e condicionadas pela dispo-
a divulgar as práticas de higiene e de sanea-
nibilidade de transportes.
mento mais adequadas. Ao nível dos transportes, de modo a responder às necessida-
Poderão ser consideradas várias formas de
des de evacuação de doentes graves, sendo
intervenção neste domínio, mas, de uma for-
eventualmente abordado o ministério da
ma geral, o sucesso destas intervenções de-
tutela a fim de solicitar que este constribua
penderá sempre, em maior ou menor grau,
para suportar os respectivos custos.
da vontade política do ministério da tutela e das perspectivas futuras para o sector.
Deverá ser dada especial atenção ao pes-
Uma das opções que julgamos mais perti-
soal de saúde – tal como ao da educação –,
nente e em relação à qual existe já alguma
no sentido da melhoria das suas condições
experiência adquirida, poderá consistir na
habitacionais e de trabalho, pois estes facto-
replicação do modelo actualmente adopta-
res são fundamentais para a capacidade de
do no domínio do ensino – ou seja, a cons-
atração e retenção destes profissionais,
trução de postos de saúde em Nago
a fim de reduzir a incidência de abandono
e Chediã, cada um contando com um ou
de postos de trabalho, que constitui
dois enfermeiros, inseridos numa estrutura
um problema grave e comum em todo
gerida de forma análoga à das escolas. Por
o arquipélago.
4.4.3. Melhoria do fornecimento
Uma possibilidade interessante consistiria
de água potável
na concepção e implementação de um
Apesar de se terem registado melhorias
programa de construção de médio prazo,
consideráveis nos últimos tempos, a rede
levado a cabo por uma empresa que garan-
de poços melhorados não cobre todas as
ta um trabalho de qualidade e envolvendo
tabancas e a falta de água potável tem leva-
a possibilidade de formação de jovens locais
do a população a utilizar águas impróprias
em construção e manutenção de poços.
para consumo, por vezes contaminadas por
O recurso a alguns programas já existentes
vectores de doenças intestinais e diarreicas.
neste domínio (UNICEF, Direcção de Águas,
O fornecimento de água deve ser enquadra-
Direcção da Integração Regional44, etc.)
do numa estratégia mais ampla de melhoria
poderia permitir a mobilização de meios
da qualidade de vida das populações locais.
financeiros adicionais para este fim.
A necessidade do reforço da rede de poços melhorados a fim de garantir o acesso à água potável por parte de toda a população foi recorrentemente referida como premente pelos entrevistados em todas as ilhas, mas especialmente nas ilhas de Nago e Chediã. Estas ilhas parecem apresentar carências maiores pelo que, numa primeira fase, a estratégia deve ser direccionada para a supressão das assimetrias existentes entre as três ilhas para depois, numa segunda fase, proceder à ampliação da rede de forma a garantir o acesso adequado a este tipo de serviços e/ou facilidades para toda a população – princípio aliás válido para a generalidade das intervenções, a bem da equidade e coesão territoriais.
Esta Direcção administra recursos financeiros provindos de organizações sub-regionais da África Ocidental que se destinam à construção de infra-estruturas sociais. Ultimamente, tem dado prioridade aos domínios da educação e abastecimento de água, havendo também sensibilidade acrescida para os problemas das zonas mais isoladas.
44
79
80
5. CONCLUSÕES O presente estudo procurou corresponder
A análise da informação recolhida permitiu,
aos objectivos estabelecidos nos TdR atra-
por outro lado, identificar um conjunto de
vés da recolha sistemática de informação
constrangimentos principais ao nível da acti-
aquando de um período intensivo de tra-
vidade produtiva, cuja solução ou mitigação
baho de campo, a qual serviu de base ao
poderá permitir melhorar as condições de
trabalho de análise do qual decorrem os re-
produção e comercialização – bem como,
sultados que aqui foram apresentados. Esta
de uma forma mais geral, o nível de vida
análise deixa claro que neste grupo de ilhas,
e a resiliência económica e alimentar da po-
apesar dos inúmeros estrangulamentos, está
pulação, de uma forma durável e adaptada
em curso uma dinâmica de transformação
à realidade ambiental e socio-cultural local.
associada à acção de forças tanto internas como externas. Entre estas últimas, é so-
O estudo sugere um conjunto alargado e ar-
bretudo de salientar a pressão exercida pela
ticulado de estratégias de intervenção, que
racionalidade comercial decorrente da pro-
visam principalmente reforçar o processo
gressiva integração desta zona relativamen-
de desenvolvimento integrado actualmente
te marginal num mercado mais amplo, bem
em curso e consolidar o processo de gestão
como as influências socioculturais, técnicas
comunitária. Esse conjunto de estratégias
e outras, introduzidas sobretudo pela popu-
articula-se em torno de três eixos principais:
lação Papel e Nhominca, que, embora não sendo etnias originárias de Urok, constituem
• Apoio ao desenvolvimento de fileiras
actualmente parte da população residente,
de produção
embora mantenham laços muito fortes
• Formação técnico-profissional
e activos com as suas regiões de origem.
• Desenvolvimento de infra-estruturas
Por outro lado, está também em curso
e serviços de interesse comunitário
uma dinâmica de desenvolvimento durável, assente num processo participativo e comunitário com base na valorização do património natural e cultural, que tem vindo a ser conduzido pela Tiniguena, IMVF e seus parceiros e que se enquadra nos objectivos subjacentes à criação da Reserva da Biosfera e da AMPC Urok.
81
82
Através do apoio ao desenvolvimento de
O terceiro eixo consiste no reforço das infra-
certas fileiras de produção, pretende-se
-estruturas e serviços de interesse comuni-
aumentar a segurança alimentar, estimular
tário, especialmente nos domínios da saúde,
o consumo local e alargar a base de rendi-
fornecimento de água e transportes. Even-
mento das famílias produtoras, nomeada-
tuais iniciativas nestes domínios, embora
mente através da organização de algumas
bastante exigentes em termos organizacio-
fileiras para comercialização e exportação.
nais e financeiros, poderão beneficiar direc-
Neste eixo privilegia-se de forma geral
tamente e indirectamente as populações
o desenvolvimento e a diversificação da
a diversos níveis - nomeadamente consti-
produção agrícola, o apoio ao desenvolvi-
tuindo oportunidades para o reforço das
mento de fileiras estratégicas (produção
capacidades técnicas e organizacionais
de animais de ciclo curto, transformação
locais e para o aprofundamento dos me-
do caju, óleo de palma e produtos do mar)
canismos participativos de deliberação e
e o desenvolvimento de produtos-marca
gestão comunitárias.
de Urok (sal, malagueta e artesanato). O segundo eixo de intervenção consiste num programa de formação escolar e técnico-profissional, organizado de acordo com três lógicas complementares: (i) formação de base para a produção agrária; (ii) formação em articulação com as necessidades do próprio Projecto “Urok Osheni!”; e (iii) formação para a satisfação de procuras mais amplas. As estratégias sugeridas no contexto deste eixo visam dotar a generalidade da população escolar de Urok de um conjunto de competências de base susceptíveis de melhorar e reforçar a actividade agropecuária, bem como proporcionar formação mais avançada de carácter técnico, em áreas de comprovada procura ou utilidade, a um conjunto alargado de formandos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Ba, M. M. D. (2007) Estudos de mercado sobre a comercialização de produtos locais do sector de São Domingos. Programa de Desenvolvimento Comunitário de São Domingos – Kasumai (ONG-PVD/2003/020-858/GW) IMVF, AD, ACEP. Julho 2007. 2. Brenier A., Ramos, E., Henriques A. (2009) Palavras de Urok! Ensinamentos e impactos da Área Marinha Protegida Comunitaria das Ilhas de Urok. Dezembro 2009 3. Brito, B. R. (2006) Estudo Socioeconómico e Diagnóstico para Acompanhamento das Condições de Bem-Estar das Famílias da Região de Cacheu. Projecto Integrado de Segurança Alimentar de Cacheu (PISAC), CE: FOOD/2003/057-028/109. IMVF & AD. Novembro de 2006. 4. Casimiro A. R. S. et al (2000) Avaliação de leveduras industriais na Fermentação de suco de caju. Embrapa Agroindústria Tropical, Circular Técnica No 4. Setembro, 2000 5. Coelho, S. T. et al. (2005) Uso de óleo de palma “in natura” como combustível em comunidades isoladas da Amazónia. Trabalho publicado e apresentado em: III Workshop Brasil-Japão em Energia, Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável-23 a 25 de Novembro de 2005- Campinas, SP. 6. Cruz n. J. T., Silva, M. V, Filho, R. A. M. (2007) Consumo dos principais produtos derivados do caju e potencialidade dos produtos alternativos do caju na cidade de Maceió-Alagoas. Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife, pe, BRASIL. Apresentação oral Comercialização, mercados e preços agrícolas. Londrina, 22 a 25 de julho de 2007. 7. Filho et al. Aspectos da colheita, pós-colheita e transformação industrial do pedunculo do caju (Anacardium occidentale L.). AspectoColheita_Caju_000g7d94xb102wx5ok0wtedt3xxfvd00. 8. GARRUTTI, D.S. (2001) Composição de Voláteis e Qualidade de Aroma do Vinho de Caju. Tese de Doutorado. Campinas: FEA – UNICAMP, p. 220, 2001. 9. Histórias Tradicionais das Ilhas de Urok- Guiné Bissau (“Estórias do Chão de Urok. Pasadas di con di Urok”). Urok, IMVF, Tiniguena, Cooperação Portuguesa. Dezembro 2009. 10. HOLANDA, J.; OLIVEIRA, A.; FERREIRA,A (1998) Enriquecimento proteico de pedúnculo de caju com emprego de leveduras, para alimentação animal. Pesquisa Agropecuária rasileira, 33 (5), p. 787-792, 1998.
83
11. INE-MEPIR, UNICEF Guiné-Bssau-2010 4º inquérito por amostragem aos indicadores múltiplos (MICS) & 1º inquérito demográfico de saúde reproductiva (IDSR) – Resultados Preliminares. INE-MEPIR, UNICEF, Dezembro, 2010. 12. Leitão, A. E. B. (2006) Manual de técnicas de transformação de produtos locais nas ilhas de UROK: Sal, pescado e óleo de palma. Projecto “Tebanke Urok: Desenvolvimento comunitário no Grupo de Ilhas de Formosa, Guiné-Bissau”, CE:ONG-PVD/2003/062-200. Novembro de 2006. 13. Leonardo CARDOSO, L & BIAI, J. (2004) Estudo do impacto sócio-economico da criação da área marinha protegida de gestão comunitária das ilhas “Urok” (FORMOSA, NAGO E CHEDIÃ). Reserva da Biosfera do Arquipélago Bolama-Bijagós Guiné-Bissau. Bissau, Agosto de 2004 14. MEPIR (2010) Relatório sobre a campanha de caju 2010. Dezembro 2010. 15. Modesto, C. (2005) Refino de óleo de palma e palmiste. Agropalma. Maio 2005. 16. Neto A. B. T et al. (2006) Cinética e caracterização físico-química do fermentado do pseudofruto do caju (Anacardium occidentale L.). Quim. Nova, Vol. 29, No. 3, 489-492, 2006. 17. Neto A. B. T et al. :Análise sensorial e físico-química do vinho de caju (anacardium occidentali l.).
84
VIII Encontro Latino Americano de Iniciação Cientifica e IV Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba. Pag 269-272. 18. Neto, T. A.B., et al. (2002) Estudo da Cinética de Produção de Vinho de Caju. VI INIC, UNIVAP, 2002. 19. Neto, T. A.B., et al (2003) Estudo do Aproveitamento do Pedúnculo do Caju para Produção de Vinho. VII INIC, UNIVAP, 2003. 20. Pinheiro, A. P. (2008) Desenvolvimento de néctares mistos a base de caju (Anarcadium accidentale) e açai (Euterpe oleracea mart.). Fortaleza-CE, 2008. 21. Princípios e Critérios da RSPO para Produção Sustentável de Óleo de Palma Guia de Orientações Formato com ênfase nas Orientações para Interpretação Nacional. Março de 2006. 22. Rodrigues D. & Pulga J. (2006) Estudo de Viabilidade Económica e Comercial de Produtos Agro-Alimentares das Ilhas Urok. Projecto “Tebanke Urok: Desenvolvimento Comunitário no Grupo de Ilhas de Formosa – Guiné-Bissau”, CE: ONG-PVD/2003/062-200. Novembro de 2006.
ANEXO I Guiné-Bissau - indicadores económicos e socio-demográficos Resultados provisórios RGPH 2009 (INEC, 2010)
Regiões Masculino Tombali 49.598 Quinara 32.443 Oio 109.497 Biombo 45.103 B. Bijagós 16.725 Bafatá 109.489 Gabú 104.777 Cacheu 95.271 SAB 192.956 País 755.859
% 48,4 49,2 48,4 47,5 49,3 48,6 48,8 47,7 50,1 48.82
Feminino 52.884 33.503 116.766 49.766 17.204 11.027 109.743 104.403 192.004 792.300
% 51,6 50,8 51,6 52,5 50,7 51,4 51,2 52,3 49,9 51.18
Total 102.482 65.946 226.263 94.869 33.929 225.516 214.520 199.674 384.960 1.548.159
Comparação do PIB per capita na zona UEMOA em 2005, em FCFA (INEC, 2010)
Benin (1) Burquina Faso (1) Costa do Marfim Guiné-Bissau Mali Níger (1) Senegal Togo (1)
315.000 230.000 475.000 230.000 280.000 150.000 420.000 215.000
Contudo, a contribuição ao PIB dos diferentes sectores económicos não alterou muito (INEC, 2010)
Contribuição ao PIB Sector Primário Sector Secundário Sector Terciário
Nova Série 45% 15% 40%
Antiga Série 50% 15% 35%
85
Decomposição do consumo final das famílias em 2008, em bilhões de FCFA corrente
Produtos alimentares Têxteis e vestuários Outros produtos manufacturados Transporte e comunicação Educação e saúde Outros serviços
Valor 295,4 2,6 23,1 5,2 11,7 19,4
% 82,7 0,7 6,5 1,4 3,3 5,4
PIB e seus empregos em 2008, em bilhões de FCFA corrente (INEC, 2010)
86
Produto Interno Bruto Consumo Final Consumo Final das Famílias Consumo Final das Administrações Públicas Investimento Exportação Líquida Exportação Importação
377 403 357 46 33 -59 59 118
Fonte: INEC (Instituto Nacional de Estatística e Censos) Nota: Dados Recentes do Recenseamento e Inquéritos MICS 2000, 2006 RGPH 1991
Tab.2 INDICADORES DEMOGRÁFICOS Esperança de Vida à Nascença Total Anos Homens Anos Mulheres Taxa Bruta de Natalidade Por 1000 Taxa Bruta de Mortalidade Por 1000 Taxa de Mortalidade Infantil -Total Por 1000 Taxa de Mortalidade Materna Por 100.000 Índice Sintético de Fecundação Crianças
1991 2000 2006 47,1 44,5 46 45,4 42,7 43,4 48,6 44,07 46,2 44,1 42,3 40,9 17,7 17,5 17,3 145 124 138 914 349 405 6,8 6,8 6,8
Fonte: INEC (Instituto Nacional de Estatística e Censos) Nota: Dados Recentes do Recenseamento e Inquéritos MICS, 2000 e 2006; RGPH 1991.
ANEXO II Índices de bens e dotação animal A análise de componentes principais é uma técnica estatística utilizada para descrever a variação de um conjunto de variáveis observadas em função de um número mais reduzido de variáveis subjacentes ou implícitas, designadas por “componentes”. No contexto do presente estudo, recorremos à análise de componentes principais a fim de criar dois índices – de bens (IB) e de dotação animal (IDA) – ou seja, de modo a podermos caracterizar cada agregado em relação à dotação nestes dois tipos de activos, utilizando apenas uma variável para a dotação animal (em vez de quatro: nº de vacas, porcos, cabras e galinhas) e apenas uma variável para os bens de consumo duradouros (em vez de sete: existência ou não de rádio, telemóvel, bicicleta, telhado de zinco, chão cimentado, cama e mesa). Assim, executando em SPSS a análise de componentes principais da matriz de dados em que os 75 agregados familiares constituem as linhas e a dotação de cada um dos animais corresponde às colunas, obtemos o seguinte resultado:
87
Total Variance Explained Component
Initial Eigenvalues
Extraction Sums of Squared Loadings
Total % of Variance Cumulative % Total
1
1,934 48,346
% of Variance Cumulative %
48,346 1,934 48,346
2
,921 23,020
71,367
3
,609 15,224
86,591
4
,536 13,409 100,000
Extraction Method: Principal Component Analysis. Component Matrixa Component 1 Vacas ,773 Porcos ,401 Cabras ,738 Galinhas ,794 Extraction Method: Principal Component Analysis. a. 1 components extracted.
48,346
A primeira das tabelas em cima revela, entre outras coisas, que as relações de associação entre as quatro variáveis originais são tais que é possível explicar 48,346% da variância total das variáveis através de uma única variável: a primeira componente, que constitui o nosso “índice de dotação animal”. O valor (ou “score”) assumido por cada um dos agregados em termos desse índice é calculado automaticamente pelo SPSS e gravado como uma nova variável, sendo obtido através da soma algébrica do número de animais de cada espécie que esse agregado possui (standardizado através da subtracção da média e divisão pelo desvio-padrão), ponderado pelos coeficientes contidos na segunda das tabelas apresentada em cima44. O índice assim calculado permite obter uma única variável que se encontra fortemente associada (sem demasiada perda de informação) com o conjunto de variáveis originais, mas que permite uma manipulação muito mais prática do que se tivéssemos de trabalhar com quatro variáveis em vez de uma. Procedendo ao mesmo exercício em relação aos bens de consumo duradouros, obtemos: Total Variance Explained Component
88
Initial Eigenvalues
Extraction Sums of Squared Loadings
Total % of Variance Cumulative % Total
1
2,792 39,891
39,891 2,792 39,891
39,891
2
1,300 18,574
58,465 1,300 18,574
58,465
3
,860 12,288
70,753
4
,628 8,972
79,726
5
,558 7,969
87,695
6
,457 6,523
94,218
7
,405 5,782 100,000
Extraction Method: Principal Component Analysis. Component Matrixaa Component
1 2
Rádio
,224 ,823
Telemóvel
,541 ,626
Bicicleta
,822 -,019
Telhado de zinco ,604
-,418
Chão cimentado ,700
-,200
Cama
,680 -,070
Mesa
,676 -,101
Extraction Method: Principal Component Analysis. a. 2 components extracted.
% of Variance Cumulative %
Em virtude das características dos dados, neste caso o software sugere que substituamos as sete variáveis originais por duas (e não uma) componentes, a cada uma dos quais corresponderão os coeficientes constantes das colunas 1 e 2 na tabela imediatamente acima. Porém, uma vez que o nosso objectivo é obter uma única variável que reflicta a “riqueza” dos agregados familiares (para maior comodidade de análise) e que, convenientemente, observamos (através das duas colunas de coeficientes) que a componente 1 traduz a posse de bens relativamente dispendiosos, enquanto que a componente 2 reflecte apenas a posse de rádio e telemóvel (pelo que, mais do que a riqueza do agregado, parece estar associado à maior ou menos necessidade deste se manter em contacto com o exterior), podemos neste caso considerar que a componente 2 é um bom indicador da capacidade económicae patrimonial das unidades familiares e utilizá-lo como o nosso Índice de Bens, utilizando para isso os scores calculados pelo SPSS. Curiosamente, a própria análise da correlação entre o nosso IB e IDA corrobora a hipótese de que estes dois índices constituem indicadores robustos de uma variável subjacente, que podemos legitimamente considerar ser a “riqueza” ou “dotação patrimonial”. Como é visível pelo quadro em baixo, o IDA e o IB apresentam um coeficiente de correlação positivo (0,422) e significativo para um nível de significância de 99,9% (ou α=0,001). Já o IDA
e um hipotético Índice de Bens alternativo (IB-2), construído através da utilização dos coeficientes constantes da coluna correspondente à componente 2, não se encontram significativamente correlacionados, o que mostra que essa segunda componente (que podemos especular estar ligado ao “grau de necessidade de contacto a longa distância”) não traduz o nível de dotação patrimonial. Correlations IDA scores
IB2 scores
1
,422**
,112
Sig. (2-tailed)
,000
,340
N
Pearson Correlation
Sig. (2-tailed)
IB2 scores
IB1 scores
Pearson Correlation
IB1 scores
IDA scores
N
75 75 75 ,422**
1
,000
,000
1,000
75 75 75
Pearson Correlation
,112
,000
Sig. (2-tailed)
,340
1,000
N
1
75 75 75
**. Correlation is significant at the 0.01 level (2-tailed).
89
90
ANEXO III Guião de apoio às entrevistas semi-estruturadas Questões: 1. Quais são as actividades produtivas mais importantes para a subsistência dos habitantes da AMP Urok/desta tabanca? 2. Quais são as actividades produtivas mais importantes para o rendimento monetário dos habitantes da AMP Urok/desta tabanca? 3. De que forma se processa o processo de distribuição/comercialização desses produtos? A quem são vendidos, onde, quando? 4. Quais são os principais problemas com que se deparam as pessoas no contexto das actividades acima indicadas em termos de produção/transformação/comercialização? 5. Quem são os principais compradores dos produtos locais? Que problemas constata ao nível dessa relação comercial (exº preços baixos, controlo da procura por parte de um reduzido número de compradores, empréstimos usurários,…)? 6. Quais consideram ser os principais problemas dos próprios produtos em termos de qualidade? De que forma(s) poderiam ser melhorados? 7. Na sua opinião, de que forma(s) seria possível aumentar a receita/valor acrescentado associado à produção desses produtos? 8. Quais os possíveis problemas que poderiam estar associados a um tal aumento de produção/receita/valor acrescentado? 9. Quais os conhecimentos e competências dos habitantes da AMP Urok / desta tabanca (profissões e/ou potencial de produção de determinados produtos) que poderiam ser aproveitados melhor do que o são actualmente? 10. Quais os principais conhecimentos e competências que estão em falta entre os habitantes da AMP Urok/desta tabanca e que seria importante reforçar para aumentar a qualidade de vida local e o dinamismo da economia local? 11. Que outros produtos locais poderiam ser objecto de comercialização, caso se verificassem condições mais favoráveis? 12. Que outras actividades geradoras de rendimento poderiam e/ou deveriam ser promovidas? Que condições seriam necessário preencher para que esses produtos e actividades pudessem ser promovidos? 13. Que outras actividades de interesse comunitário poderiam/deveriam ser promovidas?
91
92
ANEXO IV Questionário utilizado no inquérito aos agregados familiares Nº de Série do Questionário: __________ Nome do/a respondente: _______________________________________________________________ Tabanca: ____________________ Ilha: ____________________________________________________ Data: ______ /______ / 2010 Secção 1. Caracterização Geral do Agregado Familiar 1.1. Número total de membros do fogão ____________ 1.2. Número de indivíduos do sexo feminino (15 anos ou mais)? ____; destes, quantos sabem ler?____ 1.3. Número de indivíduos do sexo masculino (15 anos ou mais)? ____: destes, quantos sabem ler?____
Secção 2. Actividades Produtivas e Estratégias de Subsistência 2.1 Quais das seguintes actividades produtivas são praticadas pelas pessoas deste fogão? Pesca ____; Cultivo de arroz de bolanha ____; Cultivo de arroz n’pam-pam ____; Plantação de caju ____; Mandioca: ____; Feijão ____; Mancarra ____; Apanha de combé ____; Corte de chabéu ____; Transformação de óleo de palma ____; Produção de sal ____; Fabrico de cestaria ____; Comércio ____; Esteiras ____; Horticultura ____; Outras. Quais? ______________________________________________________________________ 2.2 Das actividades acima, indique por favor as três de onde provém maior rendimento monetário (por ordem): 1ª _________________________ 2ª ___________________________ 3ª ________________________ 2.3 Quantos dos seguintes animais é que as pessoas desta unidade familiar possuem actualmente? Vacas ______ Porcos ______ Cabras ______ Carneiros ______ Galinhas ______ 2.4 Relativamente à produção agrícola e pesqueira, quais as principais mudanças verificadas ao longo dos últimos dez anos (após a criação da AMPC)? ____________________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________________
93
2.5 Entre os produtos produzidos para auto-consumo, quais são aqueles em que têm sempre um excedente anual? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 2.6 A quem pertence a terra em que é feita a produção desta unidade familiar? (assinalar todas as opções aplicáveis) Bolanha: propriedade do fogão _______; de um parente _______; do Clã a que pertence (“Djorçon”) ______; de outros (Quem?) ___________________________________________; N’pam-pam: propriedade do fogão _____; de um parente ______; do Clã a que pertence (“Djorçon”) ______; de outros (Quem?) __________________________________________; Feijão/mancarra: propriedade do fogão_____; de um parente ______; do Clã a que pertence (“Djorçon”) ______; de outros (Quem?) ___________________________________________; Horticultura: propriedade do fogão _____; de um parente ______; do Clã a que pertence (“Djorçon”) ______; de outros (Quem?) ___________________________________________; 2.7 Se a terra não pertence a unidade familiar, pagam algum tipo de renda? Bolanha: Não__ N.A. __Sim, dinheiro__ Sim, parte da produção__ Sim, tempo de trabalho__
94
N’pam-pam: Não__ N.A. __ Sim, dinheiro__ Sim, parte da produção__ Sim, tempo de trabalho__ Feijão/mancarra: Não__ N.A. __ Sim, dinheiro__ Sim, parte da produção__ Sim, tempo de trabalho__ Horticultura: Não__ N.A. __Sim, dinheiro__Sim, parte da produção__ Sim, tempo de trabalho__
Secção 3. Dotação de Competências e Meios de Produção 3.1 Para além da escolaridade, algum dos indivíduos deste fogão beneficiou de algum tipo de formação nalguma área? Qual(is)? __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 3.2 As pessoas deste fogão possuem uma canoa? ______ Se sim, tem motor? ______ 3.3 As pessoas deste fogão possuem redes de pesca? ______
Secção 4: Mobilidade/Rendimento e Pobreza/Afluência 4.1 Indicar os trabalhos efectuados por indivíduos desta família em troca de alguma remuneração. Tipo de Na tabanca trabalho
Interior do parque fora da tabanca
Fora do Biombo Bissau parque mas no interior da reserva
Outras zonas
da biosfera
Forma de pagamento
Em dinheiro Em produto
4.2 Caso existisse procura, que tipo de trabalhos é que os membros deste fogão estariam interessados em desenvolver? __________________________________________________ __________________________________________________________________________ 4.3 Quais dos seguintes bens é que as pessoas deste fogão possuem? Rádio _____; Telemóvel ____; Bicicleta ____; Telhado de zinco ___; Chão cimentado ____; Cama _____; Mesa ____ 4.4a A quem pertence a(s) residência(s) onde habitam as pessoas desta unidade familiar? Própria____ Familiares____ Outros___ 4.4b Pagam algum tipo de renda? N.A.__ Não__ Sim___ Quanto ______ Francos CFA’s 4.5 Em situações de dificuldade extrema ou inesperada, qual a forma principal de mobilizar dinheiro? Poupanças acumuladas___ Ajuda de familiares___ Empréstimo de familiares___ Empréstimo de terceiros___ Venda de bens_______ Que bens? _______________________ _____________________ Outra solução (qual?) ___________________________________
95
Secção 5: Relação com o mercado e práticas comerciais 5.1 No último ano, quais foram os produtos que as pessoas deste fogão trocaram por outros produtos? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ 5.2 No último ano, quais foram os produtos que as pessoas deste fogão venderam no mercado local e a quem? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 5.3 No último ano, quais foram os produtos que as pessoas deste fogão venderam no mercado exterior (fora da ilha) e a quem? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________
96
Secção 6: Avaliação Subjectiva de Constrangimentos e Necessidades 6.1 Quais os principais problemas mais específicos que enfrentam as pessoas desta unidade familiar para garantirem a sua subsistência? (indique os três problemas principais, por ordem de importância) 6.2. Em relação à situação antes da criação da AMPC, considera que a situação actual desta unidade familiar é… Muito pior____ Pior____ Igual____ Melhor____ Muito melhor____ 6.3 Indique o que poderia ajudar a sua família a melhorar as actividades enumeradas na pergunta 2.2). Actividade 1 Actividade 2 Actividade 3
6.4 De que serviços carecem os membros deste fogão? _____________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________
97
98
ANEXO V
Fotografias
Fotografia 1: Perspectiva da tabanca de Ancadaque, na ilha de Formosa
Fotografia 2: Chegada de canoa a Porto Nhominca - Ilha de Chedi達
99
100
Fotografia 3 e 4: Transporte nas ilhas
Fotografia 5: Ilha de Chedi達
Fotografia 6: Focus-group com residentes da tabanca de Botai
101
102
Fotografia 7: Fabrico artesanal de canap茅s em Ac么co (Formosa)
Fotografia 8: Fabrico artesanal de esteiras
Fotografia 9: Fabrico artesanal de esteiras
Fotografia 10: Processo de fabrico de 贸leo de palma
103
104
Fotografia 11: Processo de fabrico de 贸leo de palma
Fotografia 12: Pesca artesanal
Fotografia 13: Pesca artesanal
Fotografia 14: Pesca artesanal
105
106
Fotografia 15: Colheita de arroz
Fotografia 16: Colheita de arroz
107
108