DESENVOLVIMENTO E SEGURANÇA ALIMENTAR
9
Só com uma combinação de políticas e medidas com impacto direto em pequena escala (nomeadamente a nível local, com uma abordagem integrada e territorial24) e de alterações estruturantes em larga escala (nas instituições, regulamentação, financiamentos) será possível responder de forma mais eficaz aos atuais desafios da disponibilidade, acesso, estabilidade e consumo/utilização dos alimentos à escala mundial. Assim, o enfoque terá de estar na transformação efetiva e no aumento da resiliência dos sistemas agrícolas e alimentares, atuando em toda a cadeia - produção, processamento, transporte e abastecimento – para atingir resultados melhores e mais sustentados na diminuição da insegurança alimentar no mundo. 1.1. IMPACTO DA PANDEMIA DE COVID-19 Os sistemas alimentares estão na intersecção da saúde humana, animal, económica e ambiental, pelo que, sendo afetados pela pandemia de COVID-19, geraram efeitos multidimensionais e multiplicadores em muitas vertentes das economias e sociedades. Desde logo, em 2020, a pandemia juntou-se aos conflitos violentos, aos fenómenos meteorológicos extremos, às pragas e aos choques económicos como as principais causas da insegurança alimentar, com vários países a sofrerem choques múltiplos (FSIN, 2020)25. A pandemia tem exacerbado a pobreza global, aumentando o número de pessoas em situação de pobreza extrema ou moderada e fazendo reverter os ganhos de desenvolvimento das últimas três décadas, com ligações estreitas à situação de insegurança alimentar. Se é um facto que os indicadores de insegurança alimentar vinham a piorar há já alguns anos, os impactos do vírus vieram agravar ainda mais a situação dos grupos populacionais mais vulneráveis, criar novas bolsas de pobreza, fome e insegurança alimentar num grande número de países, e reforçar as desigualdades económicas e sociais (FAO, 2020b). As Nações Unidas estimavam, em abril de 2020, que o número de pessoas em situação de insegurança alimentar aguda, ou seja, no nível mais grave de fome e escassez de alimentos, duplicaria em 2020, passando de 135 milhões de pessoas para 265 milhões ao longo do ano. Essas previsões deverão até estar subestimadas, pois só no último trimestre de 2020, a pandemia colocou 130 milhões de pessoas em risco de fome – e o ano de 2021 assistirá ao maior número de pessoas em situação de fome na última década26. Por um lado, em termos de consumo e acesso, os impactos da pandemia na saúde e nas economias vieram comprometer os meios de subsistência de muitas pessoas, em todas as partes do mundo, impedindo-as de aceder a alimentos nutritivos e a preços comportáveis, mesmo quando estes estão disponíveis (Cheatham e Felter, 2020). Com o fecho das escolas, Ver, por exemplo: https://www.oecd.org/gov/food-security-a-territorial-approach.htm
24
Entres os exemplos estão o norte de Moçambique, onde a pandemia acresce ao conflito e a fenómenos de inundações e ciclones sucessivos (ver “Responding to food insecurity in Mozambique”, Nações Unidas, 23.12.2020), ou toda a África Oriental, afetada em simultâneo pelas consequências da pandemia e de uma praga de gafanhotos que destruiu as colheitas (ver “The locust plague: Fighting a crisis within a crisis”, Banco Mundial, 14.04.2020). Muitos pequenos Estados insulares em desenvolvimento são fortemente atingidos, pois são importadores de alimentos, mas a pandemia gera perdas económicas enormes no turismo e nas remessas dos emigrantes, enquanto enfrentam também choques climáticos. No Iémen, Afeganistão, Síria, Sudão do Sul, nordeste da Nigéria e em vários países da faixa do Sahel, a pandemia junta-se aos conflitos violentos e fatores climáticos para agravar situações de insegurança alimentar. Para uma análise do ano de 2020, ver “2020 in review: Food security”, The New Humanitarian, 24.12.2020.
25
Em abril de 2020, o diretor do programa alimentar mundial afirmava que “a pandemia de fome” no mundo gerada pela pandemia de coronavírus poderia causar 300.000 mortes diárias (“WFP Chief warns of hunger pandemic as COVID-19 spreads - Statement to UN Security Council”, 21.04.2020)
26