Lisbon Talks são sessões de debate periódicas sobre temas relevantes da atualidade internacional. A apresentação das Lisbon Talks de 2018 corresponde a um resumo das questões abordadas e debatidas durante as sessões. As Lisbon Talks realizadas em 2017 são uma transcrição e edição da totalidade da intervenção verbal dos participantes.
O Clube de Lisboa visa projetar a capital do país como espaço de reflexão, debate e intervenção sobre a agenda internacional, com realce aos temas do desenvolvimento sustentável, da globalização e da segurança e com particular atenção aos desafios estratégicos para o futuro e o papel de Portugal na Europa e no mundo.
FICHA TÉCNICA Resumos e conteúdos
Patrícia Magalhães Ferreira
Paginação
A Cor Laranja
Fotos
Gustavo Lopes Pereira | Âmago Media; Catarina Benedito e Diana Alves | IMVF
Impressão
Imprensa Municipal
ISBN
978-989-20-9833-3
2 CLUBE DE LISBOA DEVELOPMENT / SECURITY
3 LISBON TALKS 2017/2018
............................................................................................................................................... 04 CHINA’S FOREIGN STRATEGY AND EUROPE 4 DEZEMBRO 2018 JIE YU | PAULO PORTAS | RAQUEL VAZ PINTO
............................................................................................................................................... 12 ANGOLA: QUE MUDANÇA? 19 NOVEMBRO 2018 ALEX VINES | LUÍS TODO BOM | RICARDO ALEXANDRE
............................................................................................................................................... 18 DEMOCRACIA E RESILIÊNCIA 19 OUTUBRO 2018 JORGE SAMPAIO | XANANA GUSMÃO | ANA LOURENÇO
............................................................................................................................................... 24 SUSTENTABILIDADE E GEOPOLÍTICA DOS OCEANOS 26 SETEMBRO 2018 PAUL ROSE | TIAGO PITTA E CUNHA | RAQUEL VAZ PINTO
............................................................................................................................................... 30 ESTADOS FRÁGEIS OU ESTADOS DE FRAGILIDADE 14 SETEMBRO 2018 HÉLDER DA COSTA | JORGE MOREIRA DA SILVA | CÂNDIDA PINTO
............................................................................................................................................... 36 TRANSIÇÕES ENERGÉTICAS 4 DE JULHO DE 2017 CARLOS PIMENTA | ANTÓNIO COSTA SILVA | HELENA GARRIDO
............................................................................................................................................... 70 O PAPEL DA DIPLOMACIA CIENTÍFICA NA PAZ E NO DESENVOLVIMENTO 26 DE MAIO DE 2017 CARLOS MOEDAS | LUÍS AMADO
CHINA’S FOREIGN STRATEGY AND EUROPE 04 DEZEMBRO 2018 JIE YU / PAULO PORTAS / RAQUEL VAZ-PINTO
6 CLUBE DE LISBOA DEVELOPMENT / SECURITY
7 LISBON TALKS 2017/2018
“
LISBON TALKS 5/2018
CHINA’S FOREIGN STRATEGY AND EUROPE
A China e a Europa estão divididas por mentalidades e abordagens, mas unidas pelas oportunidades.
”
CCIP - CÂMARA DE COMÉRCIO E INDÚSTRIA PORTUGUESA
A
política externa chinesa tem-se caracterizado pelo uso do poder económico para alargar a sua influência política, tanto no plano bilateral como multilateral. No plano bilateral, é conhecida a magnitude dos contratos e a influência económica em muitos países de África e da América Latina, com altos níveis de investimento que exigem frequentemente um não questionamento da integridade territorial chinesa. Em termos multilaterais, a China tem vindo a integrar-se no sistema económico e financeiro internacional, nomeadamente através de uma maior participação nas instituições financeiras internacionais (estando, por exemplo, a debater como poderá aumentar a contribuição chinesa para o Fundo Monetário Internacional) ou da criação de novas instituições (como o Banco Asiático de Investimento em Infraestruturas), bem como da conversão internacional da moeda chinesa, a partir de 2016. O país pretende ter uma voz cada vez mais forte nos assuntos internacionais e um peso maior na definição das agendas e das regras, como é o caso de uma potencial reforma da Organização Mundial de Comércio (OMC). A política externa chinesa desenvolve-se num quadro de tensão entre os assuntos exteriores e os desafios internos.
8 CLUBE DE LISBOA DEVELOPMENT / SECURITY
Na realidade, o gigante chinês é este paradoxo híbrido que se afirma como país desenvolvido em algumas zonas geográficas e setores, mas como um país em desenvolvimento em muitos outros aspetos, incluindo grandes desafios como a desigualdade de rendimentos ou a poluição. Internamente, é um exemplo de mobilidade social, mas não se transforma uma sociedade predominantemente rural numa sociedade digital rapidamente, particularmente tendo em conta a dimensão do país.
Por outro lado, o facto de ter aumentado o rendimento interno fez com que outros países se tornassem mais competitivos para o investimento internacional, enfrentando atualmente problemas de deslocalização desses investidores para regiões onde o custo do trabalho é menor (como a Tailândia ou o Vietname). Qual o nível de crescimento necessário para assegurar a inclusão e a estabilidade social no plano interno? E como evoluirá o contrato social, tendo em conta que não existe um “welfare state”? Os desafios internos são enormes, para além dos da vizinhança próxima, tendo em conta as relações conturbadas com vários países vizinhos ao longo da História e a consequente dificuldade de construir alianças no plano político e de segurança/defesa.
9 CHINA’S FOREIGN STRATEGY AND EUROPE LISBON TALKS 2017/2018
Mas como é que o crescimento económico se traduzirá no seu status global? A visão chinesa do mundo prefere a multipolaridade ao multilateralismo, pelo que a relação entre os principais polos - China, Estados Unidos e União Europeia - tem uma grande relevância. Se é verdade que a China tem um papel preponderante na nova ordem económica mundial, não existe propriamente uma nova ordem política em termos globais, pelo que as pretensões da China enfrentam resistências, particularmente dos EUA.
A China foi um dos últimos países a organizar um ministério dos negócios estrangeiros, que na altura se denominou de “secretariado para o resto do mundo”. Deng Xiaoping foi, a partir de finais dos anos 70 do passado século, o arquiteto da reforma económica chinesa e, ao transformar o país numa economia de mercado, contribuiu também para transformar o mundo. A China percebeu que o poder e crescimento económicos são cruciais tanto no plano interno como externo. O crescimento económico é crucial em termos de poder , pois se olharmos para o exemplo dos Estados Unidos, a riqueza foi preponderante para se tornarem uma grande potência; é igualmente fonte de legitimidade, pois muitos argumentam que a transição do antigo estilo socialista igualitário tem sido preenchido pelo crescimento e pelos benefícios que este traz, reforçando a legitimidade do regime; por fim, o crescimento tornou-se a base do novo contrato social, dado os ganhos sociais e económicos, incluindo a mobilidade social, a redução da pobreza e a melhoria dos padrões de vida. A China tornou-se o principal beneficiário da globalização e o país que melhor aproveitou as suas oportunidades, conseguindo em poucas décadas o que outras nações levaram séculos a realizar. Os números são evidentes: se em 1980 a China representava 0,8% do comércio mundial de mercadorias, trinta anos depois representava já 12%. É também o segundo país com mais patentes, tendo passado de 0,6% do mercado mundial, em 2005, para 42,4% em pouco mais de uma década, sendo igualmente o atual líder mundial de e-commerce. Cerca de metade das empresas privadas na China foram criadas na última década, a classe média regista grande crescimento e a riqueza está concentrada nas gerações mais jovens (ao contrário da Europa), o que atesta o dinamismo da economia e da sociedade chinesa. É o maior investidor mundial em Investigação & Desenvolvimento, com mais de 1300 centros de investigação de excelência, sendo que cerca de 70% dos estudantes chineses formados no exterior regressam ao seu país. No cômputo geral, a generalidade dos analistas ocidentais errou as previsões conservadoras sobre a China e os dados económicos mostram-no claramente.
10 CLUBE DE LISBOA DEVELOPMENT / SECURITY
Neste quadro, existem dilemas importantes, uma vez que, por um lado, a China pretende implementar uma política externa global que vá para além dos domínios económicos e ser reconhecida como uma grande potência mas, por outro lado, enfrenta divergências e desconfianças de diversos países, tem obstáculos de comunicação e mostra dificuldades de ir além do papel de financiador de projetos e infraestruturas. Assim, a China procura agora não apenas parceiros económicos, mas parceiros diplomáticos, que consolidem o relacionamento em várias vertentes (incluindo no plano cultural) e que contribuam para as suas aspirações enquanto ator global.
de segurança e defesa do mundo). A China é o único polo que poderá ameaçar essas lideranças, quer devido à convertibilidade da moeda chinesa, quer pelo facto de ter sido o único país com capacidade para acompanhar os Estados Unidos na subida dos orçamentos militares. Neste “campeonato” entre a China e os Estados Unidos, a liderança tecnológica e digital torna-se uma questão crucial.
Neste contexto, Donald Trump soube reconhecer que a China é o maior desafio à política externa norte-americana. No entanto, na China, e apesar de as relações sino-americanas serem o centro da política externa, existe grande dificuldade de perceber a América profunda, que está para além de Washington ou do pensamento regido pelos membros da Ivy League, Harvard e outros. Isto pode favorecer a União Europeia, mas a abordagem europeia tende a expressar um dilema entre Washington e Pequim. A perspetiva de alguns setores chineses sobre as instituições da União Europeia é que estas estarão sempre “contra a China”, independentemente da atuação desta última, existindo uma intenção de influenciar a política interna chinesa. A divergência de modelos de democracia e de crescimento contribui para esse preconceito, mas a realidade é que muitas das economias com maior crescimento no mundo adotaram o “modelo de Singapura”, com uma política autoritária e centralizada, rápido crescimento económico e forte inclusão social permitida pelos elevados níveis de crescimento. Esse não é o modelo europeu,
mas é um dos modelos possíveis, que deve ser analisado e compreendido. No plano económico, se a China foi encarada por Bruxelas como uma ameaça à indústria transformadora, com realce à têxtil, tem sido também vista como uma oportunidade, particularmente no setor dos serviços e nas exportações. Do lado chinês, o investimento em países europeus corresponde à intenção de aumentar a presença no continente, absorver tecnologias, adquirir marcas consolidadas e ainda angariar parceiros para a Belt & Road Initiative. Do lado europeu, países como Portugal, a Espanha e a Itália encaram o investimento chinês como uma oportunidade para renovarem e melhorarem as suas infraestruturas e não é por acaso que Portugal e Espanha foram escolhidos para pontos finais desta visita oficial do Presidente chinês à Europa. No caso português, ao longo da última década, as exportações portuguesas para a China quadruplicaram, enquanto o peso da China no PIB português triplicou. A China investe atualmente 7 vezes mais na Europa do que a Europa investe na China e isso é revelador da importância que esse investimento tem para muitos países europeus.
Dada a persistência de dificuldades e obstáculos à exportação da Europa para a China, as relações políticas são um fator-chave de desbloqueio de dificuldades e de aprofundamento das relações económicas, com realce à criação de um ambiente de maior confiança e abertura de canais para o setor privado.
As relações com os Estados Unidos passam por uma fase fraturante, não apenas devido à nova administração norte-americana, uma vez que a guerra comercial é apenas um aspeto entre outros. Os Estados Unidos não abdicam da sua liderança mundial em dois aspetos fundamentais: a moeda (mais de 60% das transações mundiais são feitas em dólares) e a liderança militar (com o maior orçamento
11 CHINA’S FOREIGN STRATEGY AND EUROPE LISBON TALKS 2017/2018
2h
de debate
150
participantes
ORADORES Jie Yu
Investigadora do Royal Institute for International Affairs (Chatham House)
Paulo Portas
Vice-presidente da CCIP - Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa.
MODERADORA Raquel Vaz Pinto
Investigadora do IPRI-Universidade Nova de Lisboa e membro da direção do Clube de Lisboa
PARCEIRO CCIP
12 CLUBE DE LISBOA DEVELOPMENT / SECURITY
Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa
13 CHINA’S FOREIGN STRATEGY AND EUROPE LISBON TALKS 2017/2018
ANGOLA: QUE MUDANÇA? 19 NOVEMBRO 2018 ALEX VINES | LUÍS TODO BOM | RICARDO ALEXANDRE
14 CLUBE DE LISBOA DEVELOPMENT / SECURITY
15 CHINA’S FOREIGN STRATEGY AND EUROPE LISBON TALKS 2017/2018
LISBON TALKS 4/2018
“
A realização de reformas económicas acarreta riscos políticos, mas é essencial e urgente para responder aos grandes desafios com que Angola se defronta.
”
ANGOLA: QUE MUDANÇA? UCCLA – UNIÃO DAS CIDADES CAPITAIS DE LÍNGUA PORTUGUESA
P
ouco mais de um ano após a tomada de posse do Presidente João Lourenço, Angola vive um momento complexo e insustentável do ponto de vista económico: o petróleo continua a dominar a economia mas a produção está em decréscimo, a economia não petrolífera tem um crescimento exíguo, o país importa quase tudo o que consome, o PIB per capita tem vindo a diminuir e o peso da dívida no Produto Interno Bruto (PIB) é considerável, a taxa de desemprego é alta e estão em curso negociações com o Fundo Monetário Internacional (FMI). É importante desfazer mitos, como o de que Angola é um país rico ou deque está em curso uma diversificação económica, porque os dados apontam para o contrário.
A economia é o motor da mudança e a base das reformas em curso. Este ano, calcula-se que a economia não petrolífera crescerá apenas 1% e a economia petrolífera registará um decréscimo de 8%, não existindo uma real diversificação económica. À diminuição das importações americanas de petróleo angolano, junta-se uma falta de confiança dos investidores internacionais e o êxodo das plataformas petrolíferas, numa altura em que não existe grande flexibilidade, pois a produção petrolífera já está hipotecada para o futuro. Internamente, vários interesses resistem à implementação das reformas e ainda não existe um ambiente de negócios fa-
16 CLUBE DE LISBOA DEVELOPMENT / SECURITY
vorável (Angola está nos últimos dez lugares do Índice Doing Business do Banco Mundial), pelo que seria fundamental aplicar uma lei do investimento objetiva e passar a olhar para os investidores como parceiros para o desenvolvimento. Em relação ao emprego, o objetivo da legislatura é a criação de 500 mil postos de trabalho, mas sem diversificação tal não será possível. Neste âmbito, o crescimento demográfico – na ordem dos 3,5% - é um dos principais desafios, pois centenas de milhares de pessoas chegam anualmente ao mercado de trabalho, para além da pressão que tal representa para os setores da saúde e da educação. O reforço das competências e do capital humano continua a ser essencial para o desenvolvimento do país; no entanto, a educação representa 11,3% do Orçamento Geral do Estado (OGE) e a saúde 7,4%, enquanto as forças armadas absorvem 21% dos fundos públicos. Neste âmbito, foram aprovadas várias leis para reforma do setor de segurança - em que o objetivo é cortar para metade o número de efetivos militares - e que carecem agora de implementação.
Verifica-se, igualmente, uma necessidade de investimentos públicos orientados e não dispersos como no passado: em energia, em infraestruturas e outros fatores essenciais para as atividades económicas. Em termos setoriais, é preciso um forte investimento na máquina produtiva, que é inexistente, particularmente no setor agrícola. No entanto, uma
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análise mais aprofundada demonstra que ainda não há uma verdadeira viragem económica e que os planos existentes primam pela continuidade, parecendo indicar uma subvalorização da crise económica em que Angola se encontra. Exemplo disso é o facto de o OGE não ter qualquer enfoque na criação de emprego e de a política do Banco Nacional de Angola estar centrada no controlo da inflação, através de instrumentos que prejudicam a liquidez da economia e não favorecem o emprego. É necessário que os instrumentos correspondam às prioridades enunciadas, que haja uma seleção real das prioridades (uma vez que os recursos financeiros, humanos e tecnológicos são escassos) e que se implemente uma visão de médio-longo prazo bem estruturada, assegurando a capacidade de execução.
Por outro lado, Angola tem grande dificuldade de pagamento da dívida externa e precisa de novas fontes de financiamento. Embora as relações com a China sejam cada vez mais fortes e o país seja o principal importador de produtos angolanos, os empréstimos e financiamentos chineses começam a ter condicionalidades sobre a sua utilização, o que não permite grande margem de manobra. No âmbito internacional, a estratégia do novo executivo é claramente a diversificação de parceiros, como se confirmou pelas visitas presidenciais: Bélgica para a questão dos diamantes, França para a questão do petróleo, China em termos de financiamentos e mercados, Portugal como um parceiro bilateral de continuidade e uma porta da Europa. Em termos políticos, o objetivo da nova presidência foi tomar o controlo do MPLA. A separação entre partido e Estado sempre esteve esbatida e isso determinou um momento de afastamento e deterioração da relação entre o novo e antigo presidente, mas atualmente há um processo de transição, em que alguns membros do regime anterior foram afastados dos órgãos políticos do partido, outros foram indiciados judicialmente, mas outros ainda continuam a ser importantes nos órgãos de soberania e nas empresas públicas. O controlo do partido, do executivo e das forças armadas foi conseguido, e tal pode representar um perigo a longo prazo, se não existirem mecanismos de controlo e de equilíbrio.
No espaço de um ano, o presidente angolano encetou reformas em vários setores da sociedade, tendo como objetivos estimular o crescimento económico, criar emprego e melhorar os resultados da governação.
Nesse sentido, elegeu o combate à corrupção como uma prioridade, existindo já alguns impactos desta retórica na administração pública, por exemplo ao nível dos concursos públicos e da prestação de contas. Outro aspeto importante é o processo de descentralização democrática, com a realização das primeiras eleições autárquicas previsto para 2020, embora apenas ainda de uma forma parcial e gradual. Verificam-se também sinais positivos ao nível da sociedade civil, por exemplo com o alargamento da Rádio Ecclesia a todo o território. Em suma, há uma nova orientação política, estratégica e ética; no entanto, é agora necessário e urgente concretizar o que já está definido no papel. A janela de oportunidade para demonstrar a concretização de reformas sérias e estruturais é de apenas dois anos, tendo em vista as eleições presidenciais de 2022. O equilíbrio entre o plano político e económico será decisivo, mas difícil de gerir. Por um lado, a implementação das reformas económicas envolve um risco político grande, até de sobrevivência política, dado as resistências existentes no plano interno. Por outro lado, com a pressão política a aumentar, a posição do presidente poderá ficar fragilizada, se não houver uma concretização prática e resultados concretos no plano económico.
2h
de debate
50
participantes
ORADORES Alex Vines
Diretor de investigação do Royal Institute for International Affairs (Chatham House)
Luís Todo Bom
Professor convidado da Universidade Europeia
MODERADOR Ricardo Alexandre
PARCEIRO UCCLA
18 CLUBE DE LISBOA DEVELOPMENT / SECURITY
Jornalista e diretor-adjunto da TSF
União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa
19 DEMOCRACIA E RESILIÊNCIA LISBON TALKS 2017/2018
DEMOCRACIA E RESILIÊNCIA 19 OUTUBRO 2018 JORGE SAMPAIO / XANANA GUSMÃO / ANA LOURENÇO
20 CLUBE DE LISBOA DEVELOPMENT / SECURITY
21 DEMOCRACIA E RESILIÊNCIA LISBON TALKS 2017/2018
“
LISBON TALKS 3/2018
DEMOCRACIA E RESILIÊNCIA
Nos processos de construção e de crises da democracia, é fundamental o reforço da participação cívico-política.
22 CLUBE DE LISBOA DEVELOPMENT / SECURITY
”
SEDE DO G7+
A
ssistimos atualmente a um desgaste da democracia, com fenómenos de populismo, corrupção e crises económicas que empurram os mais frágeis para as franjas do sistema, enquanto a conciliação da liberdade com a necessária componente social é cada vez mais difícil. As crises nas democracias “maduras” estão ligadas à dificuldade de conciliar os valores universais com as aspirações dos vários grupos sociais. As sociedades, o trabalho e os grupos sociais registaram mudanças profundas e as aspirações populares não estão a ser atendidas pelo atual sistema. No entanto, há uma esclerose das instituições, que se renovam muito lentamente e são cada vez mais centros de poder não representativos, nas quais as elites se confrontam sem serem capazes de estimular a participação dos cidadãos. Por outro lado, alguns líderes políticos assentam as suas posições numa descredibilização do próprio sistema democrático do qual fazem parte, aproveitando o sentimento generalizado de falta de confiança nas instituições e nos atores políticos. Em termos globais, não é possível voltar para trás na globalização, mas é possível regular melhor e reforçar a cooperação na resposta a desafios globais que exigem também respostas concertadas.
A resposta europeia à situação dos refugiados é expressão da crise democrática, pois representam uma percentagem ínfima da população europeia, que além disso precisa de ser rejuvenescida, mas a mais pequena alteração é tida como um ataque à sociedade, contribuindo para os fenómenos de populismo e práticas antidemocráticas. Neste contexto, é necessário ter em atenção que o problema está a montante, ou seja, a falta de paz é o principal fator de deslocamento forçado no mundo - e os grandes poderes do mundo têm escolhido financiar guerras em vez de financiarem a paz e a democracia.
A perspetiva dos países frágeis, e particularmente dos países membros do g7+, é um pouco diferente, pois mesmo vendo o surgimento de debilidades na democracia, esse continua a ser o único caminho que pode criar resiliência nas sociedades, sendo um processo que necessita de consolidação nestes países. Os países frágeis têm dificuldade em criar e reforçar instituições, em construir o Estado e o sistema democrático, mas isso é indispensável para que exista desenvolvimento. Neste quadro, o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 16 – sobre Paz, Justiça e Instituições eficazes – é especialmente importante para estes países e para que as populações sintam os benefícios da democracia.
23 DEMOCRACIA E RESILIÊNCIA LISBON TALKS 2017/2018
A afirmação dos direitos humanos ou da democracia acaba por ressoar pouco junto de pessoas que têm problemas prementes de fome, de doença ou de trabalho. É, portanto, fundamental, que as pessoas sintam os benefícios nas suas condições de vida. A implementação da democracia é um processo de interiorização das sociedades, que leva tempo, e que não deve ser imposto ou alvo de uma abordagem “one size fits all”, como muitas vezes se verifica na atuação dos doadores e da comunidade internacional. É necessário respeitar e adaptar estes processos às especificidades dos países, porque o caminho de cada um é único, embora respeitando os valores universais. A História demonstra que é muito mais fácil fechar uma sociedade do que abrir uma sociedade fechada, sendo imprescindível fomentar a literacia política e cívica. Esse é o ponto de partida para sociedades mais coesas dentro da diversidade (que é inevitável), pois só a educação pode permitir a capacidade de perceber “o outro” e de integrar essa diversidade.
A liberdade de expressão não pode ser pretexto para se manipular opiniões ou inventar factos, mas ter uma sociedade civil forte é um pilar essencial da democracia e da resiliência. Esta deve ter uma participação positiva, que proponha alternativas e soluções. No entanto, assistimos a um grande défice de participação cívico-política. Quantas pessoas de Lisboa sabem o número de deputados eleitos pela sua cidade? Quantas pessoas de determinada freguesia sabem qual o plano de desenvolvimento dessa freguesia e interpelam os responsáveis políticos acerca desses compromissos? Por um lado, as políticas públicas são essenciais para promover políticas sociais que promovam a diversidade e o desenvolvimento, respondendo às aspirações e problemas concretos das pessoas. Por outro lado, é preciso estimular uma cidadania ativa, em que não existam apenas testemunhas, mas atores reais da mudança. As mulheres têm aqui um papel importante, devendo ser reforçado o seu papel enquanto atores políticos. São também necessários mediadores sociais e os media têm um papel importante para fomentar o debate alargado e evitar o apagamento das forças de cidadania que são indispensáveis a sociedades justas.
2h
de debate
120
participantes
ORADORES Jorge Sampaio
Presidente da República Portuguesa 1996-2006
Xanana Gusmão
Presidente da República de Timor-Leste 2002-2007 e Eminent Person do g7+
MODERADORA Ana Lourenço
Jornalista da RTP
PARCEIRO g7+
24 CLUBE DE LISBOA DEVELOPMENT / SECURITY
“Good bye conflict, welcome development”
25 DEMOCRACIA E RESILIÊNCIA LISBON TALKS 2017/2018
SUSTENTABILIDADE E GEOPOLÍTICA DOS OCEANOS 26 SETEMBRO 2018 PAUL ROSE / TIAGO PITTA E CUNHA / RAQUEL VAZ PINTO
26 CLUBE DE LISBOA DEVELOPMENT / SECURITY
27 DEMOCRACIA E RESILIÊNCIA LISBON TALKS 2017/2018
“
LISBON TALKS 2/2018
Da informação à ação vai um longo caminho, mas os jovens têm um papel crucial na mudança de paradigma económico e ambiental.
”
SUSTENTABILIDADE E GEOPOLÍTICA DOS OCEANOS OCEANÁRIO DE LISBOA
O
s oceanos são fundamentais em várias áreas: para a sustentabilidade ambiental (são o maior ecossistema do planeta), para a luta contra as alterações climáticas (absorvem CO2), para a globalização e o comércio (90% do comércio internacional é feito por via marítima), para a produção de energia, ou para a segurança e defesa (2/3 das fronteiras europeias são marítimas). Ao nível internacional, os exemplos do Mar do Sul da China, do Mar Negro, do Mediterrâneo, do Ártico, entre outros, demonstram o interesse geopolítico e estratégico dos oceanos.
A importância dos oceanos na sustentabilidade e na geopolítica tem aumentado no palco internacional. Se há pouco mais de uma década havia um grande desconhecimento, atualmente multiplicam-se as conferências sobre o tema, de vários ângulos e perspetivas. Os avanços ao nível político são evidentes, incluindo compromissos globais sobre a conservação e defesa dos oceanos, bem como o direito internacional (p. ex. com a Convenção global sobre Pesca ilegal, não-reportada e não-regulada). Ao nível técnico, a vigilância por satélite veio trazer uma capacidade de monitorização destes compromissos, anteriormente
28 CLUBE DE LISBOA DEVELOPMENT / SECURITY
inexistente. Temos agora os instrumentos para, num futuro próximo, poder identificar, responsabilizar e trazer a tribunal aqueles que não respeitam o ambiente.
A geografia sempre influenciou as estratégias e políticas, como se comprova pelas políticas marítimas de países como o Reino Unido ou a Holanda. Nos últimos anos, porém, a preservação das florestas, o combate às alterações climáticas e a gestão dos oceanos tornaram-se questões políticas ao mais alto nível. A sucessão de fenómenos meteorológicos extremos, o aquecimento global e as alterações climáticas em geral vieram alertar para o papel dos oceanos no ambiente e na economia, uma vez que a poluição, a epidemia de plástico, o desaparecimento dos corais e outros fenómenos estão a destruir não apenas a biodiversidade, mas têm também impactos nas pescas, na economia marítima e nas perspetivas de desenvolvimento. As oportunidades da “economia azul” são cada vez mais valorizadas. A cooperação internacional será crucial, quer para salvar o que resta, quer para aproveitar essas oportunidades. Foi referido que é preciso ganhar tempo, mas que a solução de fundo passará necessariamente por uma mudança do paradigma económico. É preciso dissociar o crescimento económico da degradação ambiental, pois até agora
29 SUSTENTABILIDADE E GEOPOLÍTICA DOS OCEANOS LISBON TALKS 2017/2018
um tem implicado necessariamente o outro. E é preciso, igualmente, investir em soluções empresariais assentes na natureza e no ambiente.
Existem muitos projetos a serem implementados, com muita visibilidade, mas parece que os media ainda não estão sensibilizados para darem maior preponderância a estes assuntos. Um fator importante será a partilha de conhecimento, existindo atualmente grande desigualdade nesta matéria, pois muitos países não têm as capacidades técnicas necessárias sobre os oceanos. A partilha real de conhecimento exige grande vontade política dos países. Isto está ligado, também, à governação pública, sobre a qual existe ainda uma visão muito verticalizada e antropocêntrica. Mas os oceanos têm impactos multissetoriais e requerem uma governação horizontal, que envolva vários atores e ministérios (ambiente, pescas, negócios estrangeiros, transportes) numa abordagem integrada da política marítima. Isto é um desafio não apenas no plano nacional/interno, mas também internacional, em que muitas vezes as várias instituições e atores trabalham de forma isolada. Portugal foi também abordado no debate, na medida em que o mar faz parte da identidade portuguesa, desde logo por razões geográficas: somos o 110º país do mundo em
termos de dimensão terrestre, mas estamos entre os 15 maiores países se tivermos em conta a dimensão marítima. Portugal não tem uma economia marítima muito estruturada, mas tem grande diversidade biológica e de ecossistemas – e o capital da natureza é essencial para a economia azul. Portugal organizará a conferência mundial sobre os oceanos em 2020. A relação dos humanos com a natureza sofrerá necessariamente alterações profundas neste século. Só agora começamos a perceber que a natureza não é grátis e que é do nosso interesse preservá-la. Somos ainda marcados pela arrogância de tratar a natureza como uma coisa nos nossos sistemas legais, e não como um valor. Todos temos um papel essencial na mudança, desde a geração que está hoje em lugares de decisão até às gerações mais jovens. A informação conduz à sensibilização, que leva à consciencialização, que suscita a mobilização e a ação: é um longo caminho! Mas é possível influenciar e mudar comportamentos - e o impacto é sempre maior quando nos envolvemos diretamente nas coisas e temos uma perspetiva prática da realidade. Os jovens podem desde logo agir de 3 formas imediatas: “vote, buy, post” - participar na democracia, ser consciente sobre as opções de consumo e partilhar as suas opiniões e experiências.
2h
de debate
60
participantes
ORADORES Paul Rose
Líder de expedições da National Geographic “Pristine Seas”
Tiago Pitta e Cunha
Presidente da comissão executiva da Fundação Oceano Azul
MODERADOR Raquel Vaz Pinto
Investigadora do IPRI da Universidade Nova de Lisboa, Conselho Diretivo do Clube de Lisboa
PARCEIRO Fundação Oceano Azul
30 CLUBE DE LISBOA DEVELOPMENT / SECURITY
31 SUSTENTABILIDADE E GEOPOLÍTICA DOS OCEANOS LISBON TALKS 2017/2018
ESTADOS FRÁGEIS OU ESTADOS DE FRAGILIDADE 14 SETEMBRO 2018 HÉLDER DA COSTA / JORGE MOREIRA DA SILVA / CÂNDIDA PINTO
32 CLUBE DE LISBOA DEVELOPMENT / SECURITY
33 SUSTENTABILIDADE E GEOPOLÍTICA DOS OCEANOS LISBON TALKS 2017/2018
LISBON TALKS 1/2018
“
ESTADOS FRÁGEIS OU ESTADOS DE FRAGILIDADE
O debate sobre os contextos de fragilidade desenrolou-se na certeza de que a paz, a segurança e o desenvolvimento estão interligados.
”
34 CLUBE DE LISBOA DEVELOPMENT / SECURITY
SEDE DO G7+
A
atual lista de países em contexto de fragilidade é de 58 países e o objetivo desta classificação é identificar quais as dificuldades e desafios destes contextos, encontrando soluções e abordagens mais adequadas. Na OCDE, a análise destas realidades é efetuada segundo 5 dimensões – política, societal, económica, ambiental e de segurança -, que têm de ser abordadas de forma multidimensional e interdependente, conforme o relatório States of Fragility 2018. O g7+, enquanto grupo de países em contexto de fragilidade e pós-conflito, trabalha com os doadores a implementação do New Deal para o Envolvimento eficaz em Estados Frágeis, que deve enquadrar a atuação da comunidade internacional nestes países. Cerca de 1,5 mil milhões de pessoas vivem hoje em Estados frágeis e calcula-se que, até 2030, 80% dos pobres no mundo viverão nestes países. O número sem precedentes de deslocados forçados e refugiados está ligado a contextos de conflito e fragilidade, com impactos globais. As alterações climáticas afetam cada vez mais os países mais frágeis e, dentro destes, as populações mais pobres, acrescentando novas camadas de complexidade a este tema.
É necessário um maior investimento nos contextos de fragilidade, o que não significa apenas mais recursos financeiros. Em primeiro lugar, a ajuda ao desenvolvimento tem de ser mais focada e mais adequada, pois se 43% da ajuda pública ao desenvolvimento se destina aos 58 países frágeis, boa parte dessa ajuda é de curto prazo, nomeadamente ajuda humanitária e de emergência. É necessário, portanto, reforçar a perspetiva de longo prazo, bem como a coordenação entre os atores envolvidos, os quais frequentemente competem por visibilidade, fragmentam os financiamentos e replicam estruturas e recursos humanos, em vez de investirem em abordagens mais abrangentes e complementares. A ajuda deve ser determinada pelas prioridades nacionais dos países que a recebem e não pelas opiniões públicas dos países europeus. Para isso, é preciso humildade para ouvir quem está no terreno e também mais liderança por parte dos Estados frágeis. Em segundo lugar, é preciso atrair o setor privado, para que este se desloque não apenas para onde é mais fácil, barato e lucrativo, mas também para os que mais necessitam. Só 10% do investimento direto estrangeiro é direcionado para Estados frágeis.
35 ESTADOS FRÁGEIS OU ESTADOS DE FRAGILIDADE LISBON TALKS 2017/2018
Para atrair estes investimentos, é preciso criar mecanismos que favoreçam a participação do setor privado (tanto nos países como nas instituições financeiras internacionais), reforçar o clima de confiança e de previsibilidade através de maior estabilidade, criar condições institucionais e regulatórias favoráveis, e melhorar as condições de base necessárias – estradas, conetividade, energia/ infraestruturas básicas. Só com parcerias entre o setor privado e público será possível realizar os objetivos de desenvolvimento, até em setores como a educação. O desenvolvimento é uma oportunidade para o setor privado, calculando-se que existam cerca de 12 biliões de USD de oportunidades para este setor no quadro da Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável.
Em quarto lugar, não basta democracia e recursos financeiros, se depois a riqueza dos países frágeis é pilhada e delapidada, impedindo a mobilização de recursos financeiros internos para o desenvolvimento de infraestruturas, serviços sociais, etc. Os fluxos financeiros ilícitos são hoje um problema com grandes impactos negativos nestes países, devendo reforçar-se a cooperação internacional nesta matéria. Por último, é preciso trazer a prevenção para o topo das agendas políticas, como principal referencial de atuação da comunidade internacional. Atualmente, só 2% da ajuda pública ao desenvolvimento e dedicada à prevenção de conflitos, enquanto se gastam 233 mil milhões de USD na manutenção da paz. Isto é errado não apenas do ponto de vista moral e político, mas também económico, já que 1 USD investido na prevenção representa uma poupança de 17 USD. O exemplo de vários países - Ruanda, Timor Leste, entre outros - demonstra que é possível sair de um círculo vicioso para um ciclo vitorioso, mas também há muitos exemplos de crises esquecidas. As pessoas devem ser o centro, o princípio, o meio e o fim do desenvolvimento. Nesse âmbito, o objetivo dos países frágeis é que sejam efetivamente envolvidos – “nothing about us without us”.
2h
de debate Em terceiro lugar, é necessário investir no diálogo, na reconciliação e na democracia para lá da realização formal de eleições (que podem constituir fator de tensão e conflito). O debate demonstrou como tendemos a ver o mundo com os olhos de quem está na Europa. É necessário adaptar quadros legislativos e jurídicos para que melhor correspondam às realidades sociológicas dos países, sempre tendo por base a democracia e direitos humanos como valores fundamentais. Neste quadro, as questões da governação e da promoção dos recursos humanos locais são essenciais.
70
participantes ORADORES Hélder da Costa
Secretário geral do g7+
Jorge Moreira da Silva
Diretor da Direção de Cooperação para o Desenvolvimento da OCDE
MODERADOR Cândida Pinto
Jornalista
PARCEIRO
36 CLUBE DE LISBOA DEVELOPMENT / SECURITY
g7+
“Good bye conflict, welcome development”
OCDE
Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico
37 ESTADOS FRÁGEIS OU ESTADOS DE FRAGILIDADE LISBON TALKS 2017/2018
TRANSIÇÕES ENERGÉTICAS 04 JULHO 2017 CARLOS PIMENTA / ANTÓNIO COSTA SILVA / HELENA GARRIDO
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39 ESTADOS FRÁGEIS OU ESTADOS DE FRAGILIDADE LISBON TALKS 2017/2018
“
O debate sobre o rumo das transições energéticas e das mudanças geopolíticas em curso é importante para uma melhor compreensão dos fatores que sustentam o desenvolvimento e as próprias condições de vida do planeta.
”
LISBON TALKS 2/2017
TRANSIÇÕES ENERGÉTICAS PAÇOS DO CONCELHO, LISBOA
E
ste tema é apaixonante e vou procurar passar duas mensagens fundamentais, para além de uma terceira para o debate. A primeira mensagem é ambiental. Embora façamos o que em inglês se denomina de prestar “lip service” à mudança climática, na prática não interiorizamos no nosso comportamento o mal que estamos a fazer e a iminência de uma verdadeira catástrofe ambiental, a qual não passa apenas pelas mudanças climáticas. Em décadas a trabalhar neste assunto, penso que não consegui chamar a atenção para a gravidade, a premência e a importância que têm os nossos comportamentos enquanto consumidores, enquanto cidadãos, enquanto agentes educativos e pedagógicos, pessoas políticas. O problema é mesmo muito sério. Eu diria mesmo que é o problema mais sério, porque é estrutural e planetário, não afetando apenas regiões localizadas do planeta ou grupos humanos mais so-
1
40 CLUBE DE LISBOA DEVELOPMENT / SECURITY
fredores por razões estruturais ou conjunturais, mas a totalidade da Humanidade que está viva e a que vai a nascer. A segunda mensagem é a de que estamos a viver num mundo que é um tsunami de mudanças, sobretudo por via do trabalho dos cientistas e dos engenheiros científico-tecnológicos, que provocou mudanças sistémicas. Hoje damos por adquirido aquilo que vemos nas telecomunicações, a internet, os telefones móveis, o Simplex, e outras coisas que nos mudaram a vida, mas tudo isto será muito mais profundo. Neste sentido, o mundo da energia é uma próxima frente que será totalmente alterada pelas novas soluções e tecnologias. O terceiro desafio, que não irei desenvolver mas que pode ficar para pensarmos, é o que é que uma comunidade de cerca de 10 milhões de pessoas como Portugal, com a localização geográfica que tem, com as suas virtudes, perigos e riscos, pode fazer para melhorar a sua vida e para evitar alguns dos seus riscos (por exemplo temos uma frente litoral muito grande e um regime de clima que é muito ameno, mas também pode dar situações extremas) e nomeadamente o que podemos fazer na área da energia. A marca e a pegada ecológica que estamos a deixar no planeta são tão grandes que a União Geológica Internacional - organismo que gere por exemplo as classificações dos períodos geológicos das eras - estabeleceu um grupo de trabalho para a criação de um novo período chamado Antropoceno (da palavra grega, o Homem)1. Estes períodos são definidos pelo que se vê nos extratos, porque a quantidade de plástico e lixo não degradável que estamos a deixar
Ver http://quaternary.stratigraphy.org/workinggroups/anthropocene/ e http://www.scientificamerican.com/article/did-the-anthropocene-begin-in-1950-or-50-000-years-ago/
41 TRANSIÇÕES ENERGÉTICAS LISBON TALKS 2017/2018
no planeta é tão grande, que daqui a 10 mil anos quem cá estiver olhará para uma falésia e conseguirá identificar o Antropoceno. O termo Antropoceno é um termo cunhado por Paul Crutzen e Eugene Stoermer em 2000, que designa o período em que as condições e processos geológicos são profundamente alterados pelas atividades humanas, ou seja, a nossa influência já vai ao nível das rochas e da geologia. Será possível ler na geologia as alterações decorrentes da destruição das florestas, da erosão do solo, da alteração da atmosfera, do aquecimento global, da alteração química do mar e da quantidade de resíduos que produzimos. Estamos, portanto, a viver vários tsunamis em simultâneo: (i) o geopolítico, com a época da emergência do Pacífico (depois de termos vivido o tempo do Mediterrâneo e o tempo do Atlântico), com a alteração dos padrões demográficos e com a ascensão das redes sociais; (ii) o ambiental, com as alterações climáticas, a extinção em massa das espécies e as disrupções ambientais ao nível sistémico; e (iii) a revolução científica e tecnológica, com a inteligência artificial, a robótica, a computação quântica, novos materiais, etc. A computação quântica e a inteligência artificial são verdadeiros game changers, porque não somos capazes de antecipar o que isto traz em termos de mudança do nosso quotidiano e da maneira como produzimos, como vivemos e consumimos. É uma nova vida, a vida sintética, que é uma verdadeira “caixa de pandora”2.
“ESTAMOS A VIVER VÁRIOS TSUNAMIS EM SIMULTÂNEO: O GEOPOLÍTICO, O AMBIENTAL E A REVOLUÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA.” Em termos demográficos, até 1820, ou entre Júlio César e Napoleão, o mundo mudou muito pouco. De acordo com estudos de Angus Maddison3, a variação do Produto Interno Bruto (PIB) mundial per capita (a preços constantes em dólares de 1990), desde o ano 1 até 1700, foi muito reduzida, de 467 para 615 USD. Calcula-se que, nesses mesmos anos, a população global atingia, respetivamente, 226 e 603 milhões de pessoas. Porém, desde o fim das guerras napoleónicas e a entrada da revolução da energia (primeiro com o carvão), o PIB, o consumo de recursos e a população explodiram e o Antropoceno mudou tudo. De 1820 a 2006, o PIB per capita subiu de 666 para 7.215 USD e a população global de 1.041 para 6.560 milhões de pessoas. São duas variações à escala global verdadeiramente prodigiosas, que vieram dar maior qualidade de vida, bem-estar e riqueza a uma humanidade muito mais numerosa. O mundo integrou-se, tendo início uma exploração maciça dos recursos e uma alteração profunda do planeta, que nos coloca desafios de sustentabilidade enormes, incluindo também desafios sociais - com ganhadores e perdedores -, insegurança alimentar, escassez de água e problemas climáticos.
Focando particularmente a mudança climática, esta tem a concentração de gases era muito maior do que é hoje, os mares tinham dezenas de metros mais do que atualmente, duas abordagens simultâneas e paralelas. Uma é a estatística média estruturante, ou seja, o clima a geografia dos continentes era diferente, a Antártica era fica mais quente, há mais energia na atmosfera, há mais subtropical e a noite estendia-se durante 3 meses por ano. gases CO2, a atmosfera ou o “cobertor” que nos envolve O problema é que, atualmente, existem 7 mil milhões de pessoas. Nomeadamente, estamos a provocar a extinção de fica mais denso. A realidade é que se não houvesse este “cobertor” não havia espécies, o que é preocupante tendo em conta que o aparevida. A Terra está situada entre o deserto de Marte e a sau- cimento de novas espécies leva milhões de anos. na de Vénus. Marte já terá tido atmosfera e perdeu-a, pelo Para além das questões estruturantes existem os fenómeque toda a radiação que é emitida do Sol aquece, enquanto nos, como os acontecimentos em Pedrogão, o Katrina em Vénus tem uma enorme camada nebulosa à volta e, portan- Nova Orleães, o Sandy em Nova Iorque e outros. A quantidato, toda a energia que entra bate em Vénus e é refletida para de e a intensidade dos fenómenos extremos vão aumentar a sua atmosfera, ficando lá retida. Na Terra, se não existis- nos próximos anos, ou seja, o normal é a repetição de fenósem gases com efeito de estufa, não existiria vida, ou seja, menos anormais, sejam chuvas intensas ou secas intensas, repetição de fenómenos anormais, sejam chuvas intensas ou secas intensas, temperaturas precisamos que haja emissão que seja absorvida na terra e temperaturas muito altas ou muito baixas, variações súbitas muito altas ou muito baixas, variações súbitas e outros. Porque há muito mais energia, os e outros. Porque há muito mais energia, os fenómenos tornos oceanos e que seja fenómenos reemitida tornam-se para cima, sendo que uma todos muito mais violentos e súbitos. nam-se todos muitodomais violentos e súbitos. parte se escapa e outra é capturada pelas plantas e pelos Segundo o Earth System Research Laboratory, a concentração dióxido de carbono aumentou 42% desde o século XVIII. processos químicos, permitindo o ciclo da vida. O nosso pla- Segundo o Earth System Research Laboratory, a conneta já registou muitas variações, uma vez que, há 56 mi- centração do dióxido de carbono au mentou 42% desde lhões de anos, já depois dos dinossauros estarem extintos, o século XVIII.
Figura 2. Aumento da concentração de dióxido de carbono, 1960-2020 Figura 2. Aumento da concentração de dióxido de carbono, 1960-2020
Figura 1. Os desafios da sustentabilidade
Desafios da Sustentabilidade Desigualdades sociais e económicas crescentes Pobreza extrema e severa, fome, deficiências de assistência e cuidados de saúde e educação. Conflitos e migrações
Insegurança alimentar, escassez de água e de outros recursos naturais, perda debiodiversidade, degradação ambiental
Insustentabilidade dos sistemas de energia Fonte: Earth System Research Laboratory. https://www.esrl.noaa.gov/gmd/ccgg/trends/full.html Fonte: Earth System Research Laboratory. https://www.esrl.noaa.gov/gmd/ccgg/trends/full.html
Alterações Climáticas
Sobre estas alterações, ver Game Changers: Surfing the Wave of Technology Disruptions (disponível em http://ow.ly/Jrtu30fPlaY) e An Optimist’s Guide to Thriving in the Age of Accelerations, Thomas L. Friedman (resumo em https://www.nytimes.com/2016/11/22/ books/review/thomas-friedman-thank-you-for-being-late.html). 3 Ver http://www.ggdc.net/maddison/maddison-project/home.htm 2
42 CLUBE DE LISBOA DEVELOPMENT / SECURITY
Para além disso, as temperaturas subiram 1,5oC nos últimos 50 anos. O Prof. Richard A. Muller, da Universidade de Berkeley afirma que “Our results show that the average temperature of the earth’s land hassubiram risen by two and nos a halfúldegrees Fahrenheit over the pastthe 250 human years, including increase results from emission of greenhouse Para além disso, as temperaturas 1,5oC an increase of one and a half degrees over the most recent 50 years. Moreover, it appears likely gases. ”Esta é uma história interessante, porque o Prof. timos 50 anos. O Prof. that Richard A. Muller, da Universidade essentially all of this increase results from the human emission of greenhouse gases.” Esta Muller, das maiores matemáticas do mundo, de Berkeley afirma queé“Our show that the average uma results história interessante, porque o Prof. Muller, umauma das maiores mentesmentes matemáticas do mundo, durante aliado foi, daqueles que muitos negam asanos, alterações climáticas, durante um aliado daqueles que negam temperature of the earth’s landfoi,has risen muitos by twoanos, and um a half tendo ido várias vezes ao Congresso norte-americano afirmar que os modelos matemáticos do tendo ido várias vezes ao Condegrees Fahrenheit over theutilizados past 250 years, including anNASAasoualterações clima pelas universidades, pela pelas Naçõesclimáticas, Unidas estavam errados. No entanto, tendo pegado mais de 2 mil de medidas, em 40 mil estações medida gresso norte-americano afirmardeque os modelos matemáincrease of one and a half degrees over the em most recent 50milhões
years. Moreover, it appears likely that essentially all of this
ticos do clima utilizados pelas universidades, pela NASA
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2016, quando costumam estar perto dos -25ºC. O gelo atua como um ar condicionado para o planeta, porque reflete a energia do sol para o espaço, enquanto o mar absorve calor e radiação, ou seja, verifica-se um fenómeno com efeito de retroação positivo. ou pelas Nações Unidas estavam errados. No entanto, carvão e feroz combatente das medidas que o Presidente desde que, afinal, intervalo dos vários modelos tomou nestaoárea, o Prof. Muller acabou por apre- era muito tendo pegado em maisexistentes de 2 mil milhões de 1750, medidas,descobriu em Obama pequeno, conforme representado na figura Tendo sido convidado pelo climate Chefe da Comissão as suas3. conclusões e afirmou “I was wrong, 40 mil estações de medida existentes desde 1750, desco- sentar de Energia damodelos Câmaraerados Representantes, homem aligado à indústria doum carvão e feroz change is real”4um briu que, afinal, o intervalo dos vários muito , tornando-se partir desse momento combatente das medidas que o dos Presidente Obama tomou área, o Prof. Muller acabou pequeno, conforme representado na figura 3. Tendo sido maiores promotores da luta nesta contra as emissões e por convidado pelo Chefe da de Energia daconclusões Câma- uma paradigma. porComissão apresentar as suas e mudança afirmou de “I was wrong, climate change is real”4, tornandora dos Representantes,seum homemdesse ligadomomento à indústria um do dos maiores promotores da luta contra as emissões e por uma a partir
Figura 4. Aumento da temperatura dos oceanos, 1860-2020
Figura 4. Aumento da temperatura dos oceanos, 1860-2020
mudança de paradigma.
Figura 3. Aumento de temperatura na Terra, comparação dos vários modelos matemáticos do clima
Figura 3. Aumento de temperatura na Terra, comparação dos vários modelos matemáticos do clima
No fundo, estamos a brincar com o planeta. No nosso dia-a-dia conduzimos carros que
Fonte: http://berkeleyearth.org/results-summary/ Fonte: http://berkeleyearth.org/results-summary/
Verificamos que os meses são cada vez mais quentes. Entre 1850 e o presente a temperatura aumentou 0,06 graus centígrados por década, entre 1900 e o presente cresceu 0,86 graus por Verificamos que os meses são cada vez mais quentes. En- Assim, para além da sobrepesca e da poluição, a mudandécada e só entre 1990 e o presente já vai em 0,19 graus. Cada década acelera o aumento e a tre 1850 e o presente a temperatura aumentou 0,06 graus ça de acidez do mar é condição explosiva de destruição de mudança da temperatura, porque aumenta a concentração dos gases de estufa. A última centígrados por década, entre 1900 e o presente cresceu espécies marinhas. análise confirma 36 meses consecutivos de temperaturas recorde.
0,86 graus por década e só entre 1990 e o presente já vai Além disso, o gelo está a derreter mais depressa e a temOutro acelera aspetoode que see fala masdos com efeitos catastróficos, o aumento peratura oceanos está a subir, como é demonstra a fi- da acidez do em 0,19 graus. Cada década aumento a mu-menos, Talaumenta já aconteceu no passado, pois, de cada vezdoque houve umaa extinção gura 4. O Ártico é a zona planeta que está aquecer maciça de dança da temperatura,mar. porque a concentração no mar, este36registou maior. do mara famosa está a passagem alterar-sedoe a acidez dámaisacidez depressa, sendoOjáPH navegável dos gases de estufa. Aespécies última análise confirma meses uma 5 Noroeste, onde tantos navegadores no séc. XIXdos consecutivos de temperaturas . se malrecorde. com o ciclo do cálcio, ou seja, as espinhas dos peixesmorreram ou as conchas moluscos, Outro aspeto de que se sendo fala menos, masde comcálcio, efeitos catasAs temperaturas Ártico Assim, atingirampara valores na ordem dos feitas são afetadas por estenofacto. além da sobrepesca e da tróficos, é o aumento dapoluição, acidez do mar. Tal já aconteceu no -5ºC novembro de 2016, quando costumam estar perto de espécies a mudança de acidez doemmar é condição explosiva de destruição passado, pois, de cada vez que houve uma extinção maciça dos -25ºC. O gelo atua como um ar condicionado para o marinhas. de espécies no mar, este registou uma acidez maior. O PH planeta, porque reflete a energia do sol para o espaço, enAlém disso, o gelo está a derreter mais depressa e a temperatura dos oceanos está a subir, do mar está a alterar-se e a acidez dá-se mal com o ciclo do quanto o mar absorve calor e radiação, ou seja, verifica-se como demonstra a figura 4. O Ártico é a zona do planeta que está a aquecer mais depressa, cálcio, ou seja, as espinhas dos peixes ou as conchas dos mo- um fenómeno com efeito de retroação positivo. já navegável famosa luscos, sendo feitas de sendo cálcio, são afetadas poraeste facto. passagem do Noroeste, onde tantos navegadores morreram no
séc. XIX5. As temperaturas no Ártico atingiram valores na ordem dos -5ºC em novembro de
No fundo, estamos a brincar com o planeta. No nosso dia- de Paris é um marco muito importante porque incorpora desperdiçam 4 em cada 5 litros de gasolina, ou seja, só aproveitam 20% do combustível, sendo -a-dia conduzimos carros que desperdiçam 4 em cada 5 um objetivo de longo prazo, tem alvos definidos e ideno restante perdido em poluição e calor. Continuamos a chegar a casa e a comer um 1kg de bife litros de gasolina, ou seja, só aproveitam 20% do combus- tificados, define um mecanismo de transparência para ao jantar a família a produção bife utilizou milhares de litros de água, podermos verificar o desse que está a acontecer, tem previstos tível, sendo o restante perdido em para poluição e calor. toda, Conti- quando alémumde1kgmetade dajantar carne mecanismos ter sido desperdiçada no supermercado (deitada de climate justice and money, com um fun- fora por ter nuamos a chegar a casapara e a comer de bife ao passado o prazo de validade), nos restaurantes ou na nossa própria casa, por não ter sido para a família toda, quando a produção desse bife utilizou do para as zonas menos desenvolvidas do mundo e para consumida. não édapossível nem sustentável. quee esta intervenção comunidades mais Espero vulneráveis com um mecanismo vos inquiete a milhares de litros de água, para além Isto de metade carne as sério. Temos de mexer com quotidiano e não(para estar apenasàs ao nível do discurso. Quando loss and damage responder perdas financeiras ter sido desperdiçada no supermercado (deitada fora por o de temos um ciclo de vida dos objetos cada vez mais curto, quando temos ter passado o prazo de validade), nos restaurantes ou na dos países vulneráveis, devido a impactos climáticos comoum padrão de insustentável, quando temos o atual padrão de Com mobilidade, fenómenos meteorológicos extremos). todas as é óbvio que nossa própria casa, poralimentação não ter sido consumida. Isto não éou os deficiências e dificuldades que tem uma negociação interpossível nem sustentável. Espero que esta intervenção vos isto. estamos a contribuir para tudo inquiete a sério. Temos de mexer com o quotidiano e não nacional, Paris é um grande passo em frente do ponto de estar apenas ao nível do discurso. Quando temos um ciclo vista do consenso mundial, tendo conseguido muito mais que alguma vez sido possível em Quioto de vida dos objetos cada(DESTAQUE: vez mais curto,Espero quando temos que um esta do intervenção vosteria inquiete a sério. Temos- partide mexer com o cularmente se virmos a evolução de países que olhavam padrão de alimentaçãoquotidiano insustentável,e ou quando temos o não estar apenas ao nível do discurso) atual padrão de mobilidade, é óbvio que estamos a contri- para a mudança climática como mais uma maneira de os países ricos poderem manter os restantes de fora. Este é buir para tudo isto. o caso da China e da agora também Índia, em que 2015, tomaram a Vale a pena ler os documentos de preparação Cimeira dedaParis, nomeadamente o 6 dianteira na defesa deste processo. No entanto, o Acordo “ESPERO QUE ESTA INTERVENÇÃO VOS Laudato Si , e os Acordos de Paris, onde os Estados assumiram compromissos sérios, mas 7 de Paris, base de referência e económiINQUIETE A SÉRIO.ainda TEMOS DEinsuficientes MEXER COM assim . O Acordo desendo Parisuma é um marco muitojurídica importante porque incorpora ca internacional que constitui uma boa base de trabalho, O QUOTIDIANO E NÃO ESTAR APENAS AO um objetivo de longo prazo, tem alvos definidos e identificados, define um émecanismo de também insuficiente. Os compromissos de diminuição das NÍVEL DO DISCURSO.” transparência para podermos verificar o que está a acontecer, tem previstos mecanismos de emissões de gases com efeitos de estufa são nacionais e climate justice and money, com um fundo para as zonas menos desenvolvidas do mundo e Vale a pena ler os documentos de preparação da Cimei- não são juridicamente vinculativos8, para além de estarem ra de Paris, em 2015, nomeadamente o Laudato Si6, e os muito abaixo do necessário (como se demonstra na linha Acordos de Paris, onde6 os Estados assumiram compro- vermelha da figura 5) relativamente ao objetivo dos 2ºC Disponível em http://w2.vatican.va/content/francesco/en/encyclicals/documents/papamissos sérios, mas ainda assim insuficientes7. O Acordo definidos em Paris (linha verde).
francesco_20150524_enciclica-laudato-si.html
Ver mais em http://www.cop21.gouv.fr/en/learn/ e em http://citiscope.org/topics/implementingparis-agreement-climate 7
4
Ver o artigo http://www.nytimes.com/2012/07/30/opinion/the-conversion-of-a-climate-change-
skeptic.html Ver o artigo http://www.nytimes.com/2012/07/30/opinion/the-conversion-of-a-climate-change-skeptic.html 5 Sobre as temperaturas no Ártico, ver o vídeo da NASA: https://earthobservatory.nasa.gov/IOTD/view.php?id=84418&src=eoa-iotd 4
Sobre as temperaturas no Ártico, ver o vídeo da NASA: https://earthobservatory.nasa.gov/IOTD/view.php?id=84418&src=eoa-iotd 5
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Disponível em http://w2.vatican.va/content/francesco/en/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclica-laudato-si.html Ver mais em http://www.cop21.gouv.fr/en/learn/ e em http://citiscope.org/topics/implementing-paris-agreement-climate 8 Ver as Intended Nationally Determined Contributions (INDCs) em http://unfccc.int/focus/indc_portal/items/8766.php 6 7
45 TRANSIÇÕES ENERGÉTICAS LISBON TALKS 2017/2018
diminuição das emissões de gases com efeitos de estufa são nacionais e não são juridicamente vinculativos8, para além de estarem muito abaixo do necessário (como se demonstra na linha vermelha da figura 5) relativamente ao objetivo dos 2ºC definidos em Paris (linha verde). Figura 5. Impacto dos compromissos nacionais (INDC) nas emissões, até 2100
Figura 5. Impacto dos compromissos nacionais (INDC) nas emissões, até 2100
Isto é particularmente evidente nos oceanos, que são uma cadeia muito complexa e rica. Com a destruição da cadeia marítima e do ecossistema marítimo, por via do aumento da temperatura, da acidez, da pesca excessiva e da poluição – sobretudo da poluição com origem em terra, que é fonte de 80% da poluição marítima – o ecossistema marítimo está a simplificar-se e a empobrecer-se, como demonstra a explosão das alforrecas, ocupando o espaço de outras espécies10. Temos hoje uma zona no Pacífico, de convergência das correntes, com três vezes o tamanho da Península Ibérica, formada por vários triliões de sacos de plástico e outros objetos e detritos a flutuar. É um mar, não dos sargaços, mas do plástico e dos dejetos humanos, que flutua no centro do Pacífico, conforme representado na figura 7.
O plástico é um dos grandes problemas, não apenas em termos de poluição ambiental - uma vez que demora mais de 400 anos a ser absorvido pelo ambiente -, mas também de saúde pública, pois encontra-se espalhado em nanopartículas pelos alimentos11. Uma fralda demora 500 anos para ser reciclada, uma garrafinha de plástico 450 anos. Como não são reciclados, estes plásticos vão-se partindo em partículas cada vez mais pequenas. Atualmente, quando colocamos sal na comida estamos também a pôr plástico, porque já há micropartículas de plástico dentro do sal resultante da evaporação da água nas salinas. Isto entra no peixe, entra no ciclo alimentar, entra em nós. Algumas destas partículas têm efeitos cancerígenos e tóxicos, outras têm efeitos hormonais (por exemplo, devido a aditivos do plástico que são percebidos pelo corpo como estrogénio).
Figura 7. A massa de plástico no Oceano Pacífico
Gostaria também de abordar o tema da biodiversidade, que a única diferença é que as anteriores derivaram de causas geralmente é o “parente pobre” da conversa entre enge- naturais - asteroides, vulcões, placas tectónicas – e esta é 9 provocada pelo Homem nheiros. O ecossistema éGostaria um sistema vivo e interrelaciona. Segundo um estudoque da Univertambém de abordar o tema da biodiversidade, geralmente é o “parente pobre” do, que tem uma grande capacidade de resiliência e adap- sidade da Califórnia , que mede o risco de destruição dos da conversa entre engenheiros. O ecossistema é um sistema vivo e interrelacionado, que tem tação. Mesmo quando cai um asteroide, como aconteceu ecossistemas da natureza, verificamos que os riscos não grande capacidade e adaptação. quando cai um asteroide, como há 66 milhões de anos, a uma vida renasce, tal como já tinha re- de estãoresiliência apenas no Ártico ou nas florestas Mesmo tropicais, mas na nascido quatro vezes antes, em outras grandes Península da figura já 6). tinha renascido quatro vezes aconteceu há 66extinções. milhõesprópria de anos, a Ibérica vida (conforme renasce,o mapa tal como Estamos a viver a sexta extinção maciça de espécies, mas antes, em outras grandes extinções. Estamos a viver a sexta extinção maciça de espécies, mas
a única diferença é que as anteriores derivaram de causas naturais - asteroides, vulcões, placas tectónicas e esta é no provocada pelo Homem. Segundo um estudo da Universidade da Figura 6. Projeção da perda de habitats–e biodiversidade mundo 9 Califórnia , que mede o risco de no destruição dos ecossistemas da natureza, verificamos que os Figura 6. Projeção da perda de habitats e biodiversidade mundo riscos não estão apenas no Ártico ou nas florestas tropicais, mas na própria Península Ibérica (conforme o mapa da figura 6).
Ver as Intended Nationally Determined Contributions (INDCs) em http://unfccc.int/focus/indc_portal/items/8766.php 8
Estudo disponível em http://ucsdnews.ucsd.edu/archive/newsrel/science/0208BattlegroundsForConservation.asp . Sobre a sexta extinção maciça das espécies, ver também Ceballos et al (2015), Accelerated modern human–induced species losses: Entering the sixth mass extinction, Fonte: Infografia disponível em http://visual.ly/great-pacific-garbage-patch disponível em http://advances.sciencemag.org/content/advances/1/5/e1400253.full.pdf Fonte: Infografia disponível em http://visual.ly/great-pacific-garbage-patch 9
Fonte: Universidade da Califórnia.
Fonte: Universidade da Califórnia.
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Estudo disponível em http://ucsdnews.ucsd.edu/archive/newsrel/science/02-08BattlegroundsForConservation.asp . Sobre Isto é particularmente evidente nos oceanos, que são uma cadeia muito complexa e rica. Coma sexta extinção maciça das espécies, ver também Ceballos et al (2015), Accelerated modern human–induced species losses: Entering the a destruição da cadeia marítima e do ecossistema marítimo, por via do aumento da sixth mass extinction, disponível em http://advances.sciencemag.org/content/advances/1/5/e1400253.full.pdf
temperatura, da acidez, da pesca excessiva e da poluição – sobretudo da poluição com origem em terra, que é fonte de 80% da poluição marítima – o ecossistema marítimo está a 46 simplificar-se e a empobrecer-se, como demonstra a explosão das alforrecas, ocupando o CLUBE DE LISBOA DEVELOPMENT / SECURITY espaço de outras espécies10. Temos hoje uma zona no Pacífico, de convergência das correntes, com três vezes o tamanho da Península Ibérica, formada por vários triliões de sacos de plástico e outros objetos e detritos a flutuar. É um mar, não dos sargaços, mas do plástico e dos
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Sobre os riscos financeiros associados à mudança climática12, estes incluem: os ativos Sobre a explosão das alforrecas, ver por exemplo http://www.lenfestocean.org/en/news-and-publications/data-visualizations/coulabandonados ou improdutivos, como as reservas de hidrocarbonetos e carvão; a incapacidade d-fishing-and-jellyfish-suppress-gulf-menhaden de segurar as operações ou de só as conseguir segurar a um custo elevado (p. ex. seguros de Sobre o plástico nos oceanos, consultar http://www.noaa.gov/, https://www.plasticoceans.org/ e http://www.algalita.org/ cheias para instalações em zonas costeiras); questões de acesso aos recursos (p. ex. setores com utilização intensiva de água, como a agricultura, são vulneráveis ao stress hídrico,47 com TRANSIÇÕES ENERGÉTICAS impacto potencial nos meios de subsistência, nas vendas e nos lucros); o aumento dos2017/2018 custos LISBON TALKS jurídicos e de conformidade (p. ex. a alteração rápida da regulamentação ambiental na China, os sistemas de preços do carbono no Canadá, a proposta de restrições às emissões elétricas
fator acima descrito ter impacto na cadeia de abastecimento ou afetar um elemento importante da cadeia de valor das empresas; e também alterações no mercado devido a inovações tecnológicas, levando a produtos obsoletos ou a novas soluções de mercado para o setor. É importante salientar o trabalho notável do Governador do Banco de Inglaterra, Mark Carney, que foi um dos primeiros grandes financeiros mundiais a alertar para os riscos sistémicos para os fundos de pensões, para os fundos onde as pessoas põem as suas poupanças, para os bancos, e para outros efeitos no sistema financeiro. Os efeitos do clima nas atividades económicas e humanas são transversais: umas empresas perdem valor e outras Sobre os riscos financeiros associados à mudança climática12, ganham, umas são afetadas por desastres e perdem inestes incluem: os ativos abandonados ou improdutivos, fraestruturas, outras ainda porque a mudança climática como as reservas de hidrocarbonetos e carvão; a incamuda a produção de alimentos, afeta os fluxos turísticos, pacidade de segurar as operações ou de só as conseguir etc. Mark Carney conseguiu fazer aprovar no G-20 a criasegurar a um custo elevado (p. ex. seguros de cheias para ção de um grupo especial de trabalho dos governadores instalações em zonas costeiras); questões de acesso aos dos bancos centrais destes países, dedicado ao risco firecursos (p. ex. setores com utilização intensiva de água, nanceiro associado às mudanças climáticas e a outros como a agricultura, são vulneráveis ao stress hídrico, com riscos ambientais. impacto potencial nos meios de subsistência, nas vendas Perante estes factos destacam-se várias inovações e tene nos lucros); o aumento dos custos jurídicos e de condências no mundo da energia, que estão a alterar a matriz formidade (p. ex. a alteração rápida da regulamentação energética mundial e a refletir-se nas da maisenergia, variadas áreas. ambiental na China, sistemas de preços dovárias carbono Perante estesosfactos destacam-se inovações e tendências no mundo que Estas são positivas, mas constituem uma revolução tão no Canadá, a proposta de restrições às emissões elétriestão a alterar a matriz energética mundial e a refletir-se nas mais variadas áreas. Estas são foram a internet e os telefones portáteis a cas nos EUA de acordo com o “Clean uma Powerrevolução Plan”, etc.), tão grande positivas, mas constituem grandecomo como foram a internet e os telefones nível das comunicações. São elas: a eletrificação, que implicam consequências financeiras significativas portáteis a nível das comunicações. São elas: a eletrificação, a descarbonização ae desa carbonização e a digitalização dos sistemas de energia. para quem atentar contra ambiente;de o risco de qualquer digitalização dos osistemas energia.
FiguraFigura 8. Desafios para a indústria da energiada elétrica: as “redes inteligentes” 8. Desafios para a indústria energia elétrica: as “redes inteligentes”
Relativamente à eletrificação refira-se que a eletricidade mais camadas de proteção que encarecem a obra e as inrepresenta atualmente cerca de 20% a 25% da energia que fraestruturas. É claro que o nuclear funciona mais horas, usamos, sendo o restante maioritariamente composto por mas tem riscos e custos de desmantelamento de resíduos combustíveis. Contudo, a eletricidade vai entrar em domí- que outras fontes de energia não têm, os quais têm de nios anteriormente reservados aos combustíveis, a come- ser incorporados no custo de funcionamento. Os levelized çar pela mobilidade (não apenas os carros ou autocarros, costs of energy têm tudo isto em consideração, ou seja, inmas os sistemas globais de mobilidade) e pelos edifícios corporam os custos de investimento, desmantelamento e (nomeadamente na questão térmica). Em segundo lugar, funcionamento, estando representados na figura 9. a descarbonização: essa eletricidade vai ser cada vez mais Se analisarmos também o custo das baterias em dólares de fontes renováveis e de fontes com zero carbono. Por fim, por kilowatt/hora, em 2010 este ascendia a 1.000 dólares, a digitalização, em que as redes deixaram de ser verticais entre o preço da bateria, a vida da bateria e a sua reciclanuclear nuclear funcionafunciona mais serem horas, mas temmas riscos eriscos custos de desmantelamento que maispolinucleares, horas, tem custos de desmantelamento de resíduos gem, maseem 2015 já eram apenasde 350resíduos dólares. Verifica-que (emissor-transmissor-recetor) para outras fontes de energia não têm, os quais têm de ser incorporados no custo decusto de fontes de todos energia não têm, têmcorrespondência de ser incorporados no docusto mososquequais há uma entre a baixa ou seja, com milhõesoutras de núcleos em que passámos funcionamento. Os levelized costs of energy têm tudo isto em consideração, ou seja, funcionamento. Ose consumidores. levelized costs da of energia energysolar tême atudo istodoem consideração, ou seja, descida custo da bateria, conforme a ser emissores e recetores, produtores incorporam os custos de investimento, desmantelamento e funcionamento, estandoestando incorporam os custos de investimento, desmantelamento e funcionamento, Com a internet, todos nós trabalhamos a informação que demonstrado pelos dois gráficos. representados na figurana9.figura 9. representados recebemos, pomos fotografias, mandamos e-mails, publica- As baterias são “os telemóveis da energia” e nós vamos também o custo baterias em por kilowatt/hora, em 2010 este Sediscos analisarmos também odas custo baterias emcom dólares por kilowatt/hora, emcomo 2010 este umadólares rede armazenagem a nível central, hoje mos tweets,Se etc.analisarmos Temos rígidos, temos memórias nosdaster ascendia a 1.000 dólares, entre o preço da bateria, a vida da bateria e a sua reciclagem, mas ascendia a 1.000 dólares, entre o preço da bateria, a vida da bateria e a sua reciclagem, mas telefones, nos iPad, nos computadores, nos data servers, ou a EDP e a REN têm com as barragens, mas também a níem 2015 já eram apenas 350 dólares. Verificamos que há uma correspondência entre a baixa em 2015 já eram apenas 350 dólares. Verificamos que há uma correspondência entre a baixa vel regional, a nível de edifícios, a nível da casa, etc. O que seja, todos nós armazenamos e todos nós produzimos. da energia a descida daÉ bateria, conforme demonstrado pelosde dois do custodo dacusto energia solar e asolar descida do dacusto bateria, conforme demonstrado pelos dois édo um carro? uma bateria sobre rodas. Na Faculdade O custo de produção da eletricidade é um fator ae ter emcusto gráficos. gráficos. conta nesta equação. Segundo o World Economic Forum, Engenharia do Porto podem ver um inversor bidirecional As 2017 baterias são “osInternacional telemóveis da e nósmaior vamos uma redearmazenagem com de armazenagem é pouco do ter que umcom telemóvel, fabricoa por- a utilizando osAsdados de de energia” baterias são da “osAgência telemóveis da energia” eque nós vamos ter uma rede nível como hojeem a REN têm aspermite barragens, também nível regional, nível central, como hoje a EDP e aa EDP RENetêm com as com barragens, masque também acarregue nível aregional, a na a tuguês, o qual omas carro da tomada Energia, a energia solar é acentral, que mais diminuiu custo de de edifícios, a nível casa, etc. queecarro? étambém um Écarro? Ébateria umaà casa bateria sobreé preciso. rodas. Na nível denível edifícios, nívelmomento da casa,da O que éO um uma sobre rodas. Na garagem dê energia quando produção, mas o eólico onshore éaneste a etc. forma 13 Faculdade de Engenharia dopodem Porto podem um inversor bidirecional que éamaior pouco maior de Engenharia Porto verCada um ver inversor bidirecional é pouco do um de nós passará de que consumidor prosumer, ou do mais barataFaculdade de produzir eletricidade . Odo custo da energia um de português, fabrico português, o qual permite que ocarregue carro carregue tomada na um que telemóvel, de fabrico o qual que o carro da tomada na seja, permite produtor, armazenador, comercializador eda vendedor. nuclear estáque a aumentar, por telemóvel, razões inerentes à sua prógaragem e também dê energia à casa quando é preciso. Cada um de nós passará de garagem e também dê energia à casa quando é preciso. Cada um de nós passará de pria tecnologia e à falta de segurança, pondo-se cada vez
consumidor a prosumer, seja, produtor, armazenador, comercializador e vendedor. consumidor a prosumer, ou seja, ou produtor, armazenador, comercializador e vendedor.
Figura 9. Custo de produção energia (média mundial) e custo das baterias (kilowatt/hora) Figura 9. de Custo de produção de energia (média mundial) e custo das baterias (kilowatt/hora)
Figura 9. Custo de produção de energia (média mundial) e custo das baterias (kilowatt/hora)
NEW CHALLENGES FOR THE ELECTRIC POWER INDUSTRY: THE SMARTGRID
Tomorrow: distributed / on-site generation with fully integrated network management
Yesterday Central power station
Photovoltaics power plant
Transmission Network
Central Storage (Hydro)
Storage
Local CHP plant
Houses
Factory
Distribution Network
Storage
Buildings
Flow Control Storage Power quality device
Storage
Wind power plant
Power quality device
House with domestic CHP
Commercial building
Wind power and solar PV power characterized by large variability effectively managed by a new smart grid
Fonte: World Economic Forum. Fonte: World Economic Forum.
Fonte: World Economic Forum.
13 12
Ver mais em http://www.iigcc.org e em unpri.org/download_report/17724
Relativamente à eletrificação refira-se que a eletricidade representa atualmente cerca de 20% 48 a 25% da energia que usamos, sendo o restante maioritariamente composto por combustíveis. CLUBE DE LISBOA Contudo, a eletricidade vai entrar em domínios anteriormente reservados aos combustíveis, a DEVELOPMENT / SECURITY começar pela mobilidade (não apenas os carros ou autocarros, mas os sistemas globais de mobilidade) e pelos edifícios (nomeadamente na questão térmica). Em segundo lugar, a descarbonização: essa eletricidade vai ser cada vez mais de fontes renováveis e de fontes com
Para além das novidades tecnológicas, aparecerão enormes mudanças, novos protagonistas e
Ver WEF (2017), Investment Handbook: A Guideenormes for Institutional Investors, disponível em http://www3. ParaRenewable além dasInfrastructure novidades tecnológicas, aparecerão mudanças, novos protagonistas e novas formas de ligação entre as pessoas. O mercado, a maneira de produzir e de consumir, weforum.org/docs/WEF_Renewable_Infrastructure_Investment_Handbook.pdf novas formas de ligação entre as pessoas. O mercado, a maneira de produzir e de consumir,
vai ser completamente diferente e vai ter milhões de outros concorrentes (o próprio vai ser consumidor completamente diferente e vai terdamilhões de Endesa, outros ou concorrentes próprio passará a ser concorrente EDP ou da da Iberdrola).(oTudo será muito 49 consumidor passará a ser concorrente da EDP ou da Endesa, ou da Iberdrola). Tudo será muito mais complexo, colocando desafios brutais aos atuais atores no sistema energético. TRANSIÇÕES ENERGÉTICAS mais complexo, colocando desafios brutais aos atuais atores no sistema energético. LISBON TALKS 2017/2018 Com o aumento da informação, os consumidores reagirão e adaptarão os seus consumos. Um Com o aumento da informação, os consumidores reagirão e adaptarão os seus consumos. Umligando consumidor pode, já hoje, alterar no seu telefone os padrões de consumo da sua casa, consumidor pode, já hoje, alterar elétricos no seu telefone padrões de consumo da sua Mas casa, para ligando e desligando aparelhos atravésosde uma aplicação gratuita. além da e desligando aparelhos elétricos através de uma aplicação gratuita. Mas para além da
Para além das novidades tecnológicas, aparecerão enormes mudanças, novos protagonistas e novas formas de ligação entre as pessoas. O mercado, a maneira de produzir e de consumir, vai ser completamente diferente e vai ter milhões de outros concorrentes (o próprio consumidor passará a ser concorrente da EDP ou da Endesa, ou da Iberdrola). Tudo será muito mais complexo, colocando desafios brutais aos atuais atores no sistema energético. Com o aumento da informação, os consumidores reagirão e adaptarão os seus consumos. Um consumidor pode, já hoje, alterar no seu telefone os padrões de consumo da sua casa, ligando e desligando aparelhos elétricos através de uma aplicação gratuita. Mas para além da eletrónica e das inovações sofisticadas, também a velha engenharia pode ter um papel na eficiência energética. A arquitetura é “a arte de moldar a luz natural” e isso é evidente no exemplo da nova igreja em Fátima, cujo caderno de encargos foi desenvolvido pela Faculdade de Engenharia do Porto. O planeamento desta igreja foi feito de forma a garantir a melhor eficiência energética a longo prazo, incluindo ao nível da luz natural, da circulação natural do ar, etc. Pelo contrário, há também muitos exemplos menos positivos, como é o caso de intervenções em escolas ou em hospitais que resultaram numa impossibilidade de abrir janelas, para o ar condicionado poder estar ligado. Gostava ainda de referir o papel dos municípios e o CO2 como critério de gestão urbana. Por exemplo, na Câmara
50 CLUBE DE LISBOA DEVELOPMENT / SECURITY
Municipal do Porto, podem destacar-se medidas a dois níveis: o Metro do Porto (que foi um investimento muito caro, mas do ponto de vista energético tem efeitos muito positivos por tirar carros da cidade) e a distribuição de água, que deixou de ser por bombas e passou a ser por gravidade (ou seja, em vez de os depósitos estarem junto ao rio Douro e depois bombear-se a água para os consumidores, os depósitos passaram a estar em cima e a água desce por gravidade). Isto representa uma poupança enorme para os consumidores, para a Câmara Municipal e para o ambiente. Em suma, se formos coerentes com tudo o que dizemos sobre a energia, o clima e o ambiente, temos de tomar medidas concretas e urgentes. Destas medidas, destacam-se: • cumprir integralmente o Acordo de Paris sobre o Clima; • limitar as emissões de CO2 e outros gases com feitos de estufa, e alterar as regras da Organização Mundial de Comércio - OMC sobre comércio e ambiente, em consonância com essas medidas; • definir metas vinculativas para as energias renováveis e para a eficiência energética; • estabelecer objetivos para uma mobilidade sustentável; • reforçar a proteção legal da biodiversidade e a gestão sustentável dos bens comuns; • promover a economia circular e combater a pobreza.
LISBON TALKS 2/2017
TRANSIÇÕES ENERGÉTICAS PAÇOS DO CONCELHO, LISBOA
ANTÓNIO COSTA SILVA A minha intervenção sobre transições energéticas centra-se em cinco pontos: a geopolítica da energia, os “energy game changers”, a evolução dos preços do petróleo – que condiciona todas as mudanças da matriz energética mundial –, a transição energética e o papel crucial das energias renováveis e, por fim, as consequências para o futuro.
1. A GEOPOLÍTICA DA ENERGIA E AS MUDANÇAS ESTRATÉGICAS E ESTRUTURAIS
Q
uando analisamos hoje os problemas da energia não podemos discuti-los fora daquilo que está a ocorrer ao nível geopolítico e estratégico. Há muitos autores que defendem, e eu partilho dessa ideia, que a nossa civilização está à beira de uma singularidade tecnológica. A nova onda de inovações tecnológicas no campo da inteligência artificial, da robótica, do big data e dos sensores está a transformar o mundo, o que significa que iremos ter num futuro próximo estes robôs nas nossas casas, fábricas e escritórios. Eles serão uma extensão da memória humana, pesquisarão informação científica, auxiliarão o diagnóstico, mudarão completamente as profissões, incluindo as profissões na área jurídica, na medicina ou na engenharia. Esta questão é crucial. Há pouco tempo o New York Times publicou uma fotografia do robô Simon, talvez o mais avançado do Mundo, desenvolvido pelo Instituto de Engenharia da Geórgia, e que já responde e articula frases complexas, bem como gestos complexos. Com esta revolução regressa também a ideia de demonização das máquinas. Eu acredito que a tecnologia é exógena e que nós ditamos as regras da tecnologia. É evidente que há muitos desafios que se colocam, mas é certo que as máquinas vão mudar o mundo e o campo da energia, estando em curso uma revolução absolutamente extraordinária. Uma segunda questão está relacionada com o que se vai passar nas cidades. A inteligência artificial é baseada nas
redes neuronais, que funcionam como o nosso cérebro, sendo treinadas com imagens da internet, através de sensores que reconhecem as imagens. Todos os anos realiza-se um concurso mundial - o Internet Image Challenge - com equipas que trabalham com inteligência artificial, com capacidade de reconhecer imagens. Em 2012 verificou-se um salto brutal, pois a equipa da Universidade de Ontário conseguiu esse reconhecimento com uma fiabilidade de 82%, e em 2015 a fiabilidade chegou aos 96%. Ora a fiabilidade humana é de 95%. É por isso que a paisagem das cidades irá mudar: por um lado, os self-driving cars vão ser uma realidade e, por outro lado, a economia partilhada (a nova tendência das gerações jovens que querem pagar para ter acesso aos meios, como os automóveis, mas não para serem proprietários dos meios) pode mudar toda a paisagem das nossas cidades. Muitos destes problemas que parecem apocalípticos vão calmamente resolver-se com o trabalho sereno das indústrias da energia. Para vos dar um exemplo claro, se aplicarmos o modelo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico - OCDE à cidade de Lisboa, com self-driving cars e economia partilhada, podemos prescindir de 80 a 90% dos carros. É um impacto brutal que pode gerar mudanças enormes. A terceira questão diz respeito às interfaces conversacionais e à internet das coisas. A internet das coisas está a caminho, com a internet da energia. Isto significa que passamos a ter em casa o automóvel, a fábrica, o escritório.
51 TRANSIÇÕES ENERGÉTICAS LISBON TALKS 2017/2018
O grande impulso está a vir da China, de uma companhia da sequenciação do genoma humano (nos EUA já há uma denominada Baidu. A Baidu tem 700 milhões de utiliza- empresa com trabalho nessas áreas), ou seja, podemos ter dores de smartphones e, sendo os ideogramas da língua o primeiro ser humano com genoma desenhado e editado chinesa bastante difíceis e complexos, esta empresa é a à nascença, com todos os problemas éticos que isto pode mais avançada no mundo a trabalhar a voz e a linguagem, transportar. As ideias podem, de facto, mudar o mundo. transformando-a em interfaces, o que vai ter repercussões A nossa civilização tem 250 mil anos, mas apenas há 10 mil anos a revolução agrária veio trazer grandes mudansignificativas (incluindo no plano da energia). Apesar de todos os problemas no mundo vivemos tempos ças. No entanto, o Produto Interno Bruto (PIB) mundial absolutamente fascinantes e a capacidade de inovação e manteve-se praticamente estável até à primeira revolução criatividade humana são extraordinárias. Nesta altura, esta industrial, onde se transformou a tração animal em tração é a civilização que pode ligar tudo o que se passa no mundo das máquinas. Este salto foi condensado no séc. XX, um físico com estes veículos sem condutor, a impressão tridi- século extraordinário no plano das invenções e da tecnomensional, a robótica, tudo aquilo que se passa no mundo logia: o motor de combustão interna baseado no petróleo, digital, desde logo a inteligência artificial, as learning ma- o avião, o carro, a eletricidade, o laser, o computador, o techines, a internet das coisas e o poder dos sensores – e tudo lefone e outras invenções transformaram definitivamente isto, articulado com o que se vai passar no mundo biológico, a trajetória da nossa civilização e levaram o progresso aos irá colocar desafios extraordinários. Estamos na iminência vários continentes do mundo. Estamos, atualmente, à beide ter o primeiro ser humano com memória artificial e na ra da 4ª revolução industrial. iminência da transformaram edição genética começar a funcionar poracausa definitivamente trajetória da nossa civilização e levaram o progresso
vários continentes do mundo. Estamos, atualmente, à beira da 4ª revolução industrial.
Por outro lado, a questão dos recursos é crucial. Vamos ter cada vez mais conflitos ligados à água, uma vez que há 41 países do mundo em situação de stress hídrico, o que significa que o acesso da população à água é inferior a 2 mil m3/ano por habitante, abrangendo atualmente 100 milhões de pessoas do nosso planeta. Salienta-se ainda a importância dos minerais estratégicos, como se demonstrou pelo exemplo do primeiro grande choque entre a China e o Japão nas ilhas Senkaku, em setembro de 2010. Nesse episódio, o Japão capturou um barco de pesca chinês e, perante a recusa dos japoneses em libertarem o barco de pesca, a China cancelou a exportação de terras raras para
o Japão. Terras raras são um grupo de 17 elementos que ocupam uma posição muito específica na tabela periódica de Mendeleev, a qual é uma espécie de código genético do nosso planeta, codificando os 118 elementos que dão origem às mais de 2 mil ou 3 mil espécies minerais que aqui existem. Perante essa posição da China, o Japão capitulou em menos de 48 horas. Isto porque a China produz mais de 95% das terras raras ao nível global - os lantanídeos, o disprósio, o neodímio - que são absolutamente cruciais para a indústria eletrónica de alta precisão, para os computadores, para os telemóveis e smartphones, entre outras utilizações.
Figura 2. Tendências globais: geopolítica, ameaças, recursos
aos
Em que direção vamos?
Figura 1. A evolução das ideias que mudaram o mundo
Figura 1. A evolução das ideias que mudaram o mundo 2ª METADE do SÉCULO XVIII 1760 a 1840 Primeira Revolução Industrial
FIM do Século XIX /Século XX Segunda Revolução Industrial
• Máquina a Vapor
• Advento do Motor de Combustão Interna • Carro / Avião • Eletricidade • Fábricas para a produção em massa
• Transição da tração animal para o poder das máquinas
HÁ 10 000 ANOS ATRÁS • A Revolução Agrária e a Domesticação dos Animais
A Geopolítica e a Economia
UMA IDEIA PODE MUDAR O MUNDO
1960 até fim Século XX Terceira Revolução Industrial: Computadores • Desenvolvimento dos semicondutores
• Efeitos da globalização • Declínio do Estado Nação • Emergência de novos atores • Transferência parcial do poder financeiro • Crise global do capitalismo
Ameaças Globais
• Climáticas (migrações) • Terrorismo • Pirataria • Estados falhados • Colapso da ordem em zonas do globo • Proliferação nuclear • Armas de destruição maciça
Recursos • Recursos mais escassos
• Intensificação da luta pelos recursos - Minerais - Energia - Alimentos - Água • Controlo das matérias-primas estratégicas
• Computação mainframes (1 60’s) • Computador pessoal (1 70/1 80’s) • Internet (1
0’s)
SÉCULO XXI Quarta Revolução Industrial: Revolução Digital • Internet Móvel • Sensores poderosos • Inteligência Artificial • As Máquinas que aprendem (“Machine Learning”) • A Tecnologia Digital combinada com “BIG DATA”
Quando falamos em tecnologia não podemos, contudo, esquecer a encruzilhada em que está
Quando falamos em tecnologia não podemos, contudo, internacional, a crise geral do sistema capitalista e as váPortugal, a Europa e o Mundo. Nela se intercetam os problemas da geopolítica e da economia, esquecer a encruzilhada em que está Portugal, a Europa rias ameaças globais. O colapso da ordem em algumas zoos efeitos da globalização, o declínio do Estado-Nação, a emergência de novos atores na cena e o Mundo. Nela se intercetam os problemas da geopolí- nas do mundo é preocupante, com expressão nos Estados internacional, a crise geral do sistema capitalista e as várias ameaças globais. O colapso da tica e da economia, os efeitos da globalização, o declínio falhados; só no Médio Oriente temos quatro países nessa ordem em algumas zonas do mundo é preocupante, com expressão nos Estados falhados; só do Estado-Nação, a emergência de novos atores na cena situação: a Líbia, o Iémen, a Síria e o Iraque.
no Médio Oriente temos quatro países nessa situação: a Líbia, o Iémen, a Síria e o Iraque.
52 CLUBE DE LISBOA DEVELOPMENT / SECURITY
Por outro lado, a questão dos recursos é crucial. Vamos ter cada vez mais conflitos ligados à água, uma vez que há 41 países do mundo em situação de stress hídrico, o que significa que o acesso da população à água é inferior a 2 mil m3/ano por habitante, abrangendo atualmente 100 milhões de pessoas do nosso planeta. Salienta-se ainda a importância dos minerais estratégicos, como se demonstrou pelo exemplo do primeiro grande choque entre a China e o Japão nas ilhas Senkaku, em setembro de 2010. Nesse episódio, o Japão capturou um barco de
Os desafios serão cada vez maiores e mais complexos. Temos atualmente um planeta com
12 anosda a passar parabiliões os 7 mil deuma Os desafios serão e maisde complexos. cercacada de vez 7.3 maiores mil milhões pessoas,Te-um apenas PIB mundial ordemdos dos6 65 demilhões dólares, pessoas. Tudo isto exige recursos e respostas ao nível da mos atualmente um planeta com cerca de 7.3 mil milhões frota automóvel de 800 milhões de carros; nos próximos 25 anos podemos atingir 8,5 a 9 mil energia.significativamente Em 1950, o PIB do planeta 5 biliões de USDduas de pessoas, um PIB mundial da ordem biliões dea crescer milhões de pessoas, umdos PIB65mundial e umaeram frota automóvel e em 2012-13 chegou aos 65 biliões, ou seja, no espaço Em dólares, umaafrota automóvel de 800 milhões de carros; três vezes maior. Cada um destes fatores é absolutamente crucial e surpreendente. de 60 anos a quantidade temos planeta mas nos próximostermos 25 anos populacionais, podemos atingir 8,5 a 9 milhumana milhões demorou a raça 250 mil anosdea riqueza chegarque aos mil no milhões, aumentou 13 vezes. Isto deve-se às grandes tecnologias de pessoas, um PIB mundial a crescer significativamente depois demorou apenas 12 anos a passar dos 5 para os 6 mil milhões, e apenas 12 anos a e uma frota automóvel duas a três vezes maior. Cada um descobertas e/ou desenvolvidas no séc. XX. Ainda não passar dos 6 para os 7 mil milhões de pessoas. Tudo isto exige recursos e respostas ao nível da destes fatores é absolutamente crucial e surpreendente. temos a certeza que as grandes tecnologias do séc. XXI energia. Em 1950, o PIB do planeta eram 5 biliões de USD e em 2012-13 chegou aos 65 biliões, Em termos populacionais, a raça humana demorou 250 – como o big data, a inteligência artificial, a robótica - teou seja, no espaço de 60 anos a quantidade de riqueza que temos no planeta aumentou 13 mil anos a chegar aos mil milhões, mas depois demorou nham o mesmo impacto na produtividade total dos fatores vezes. Isto deve-se às grandes tecnologias descobertas e/ou desenvolvidas no séc. XX. Ainda apenas 12 anos a passar dos 5 para os 6 mil milhões, e de produção como as tecnologias do passado tiveram, mas
não temos a certeza que as grandes tecnologias do séc. XXI – como o big data, a inteligência artificial, a robótica - tenham o mesmo impacto na produtividade total dos fatores de produção como as tecnologias do passado tiveram, mas trabalhos como o do economista53 norte-americano Robert Gordon são um alerta importante nesse âmbito. ParaTRANSIÇÕES além disso,
ENERGÉTICAS LISBON TALKS 2017/2018 quando olhamos para a frota automóvel verificamos que a China tinha 1 milhão de carros no seu imenso território em 1990 e em 2012 tinha atingido 100 milhões de carros, ou seja, a frota automóvel desta grande potência mundial aumentou 100 vezes no espaço de 22 anos. Isto
trabalhos como o do economista norte-americano Robert Gordon são um alerta importante nesse âmbito. Para além disso, quando olhamos para a frota automóvel verificamos que a China tinha 1 milhão de carros no seu imenso território em 1990 e em 2012 tinha atingido 100 milhões de carros, ou seja, a frota automóvel desta grande potência mundial aumentou 100 vezes no espaço de 22 anos. Isto coloca muitos desafios em termos das respostas de energia e da sustentabilidade do nosso planeta. Relativamente às tendências emergentes, verifica-se um fenómeno novo, que é a globalização da procura de petró-
leo e de gás no mundo, conforme representado na figura 3. No passado, 75% do incremento da procura mundial era proveniente do Japão, da Europa e dos EUA, mas, nos últimos anos, 85% da procura mundial vem dos países emergentes (com a China à cabeça), com os vários super-ciclos das matérias-primas e o aumento exponencial da procura, a volatilidade dos preços e a financeirização das matérias-primas. O petróleo é hoje uma matéria-prima estratégica, mas também é um ativo financeiro, o que atrai para o mercado bancos de investimento e edge funds, que complexificam a dinâmica dos preços.
Figura 3. Tendências nos mercados mundiais de matérias-primas
Figura 4. Produção de matérias-primas selecionadas, em 1950, 1975 e 2000 (em milhares de toneladas, exceto quando especificado)
1950
•
O exemplo do petróleo
•
85% do crescimento da procura mundial vem dos países emergentes
A LUTA GEOPOLÍTICA PELO CONTROLE DAS MATÉRIAS-PRIMAS •
TENDÊNCIAS EMERGENTES NOS MERCADOS DAS MATÉRIAS PRIMAS
OS SUPER CICLOS DE PREÇOS ALTOS DAS “COMMODITIES” •
O choque da procura em 2008
•
Repetição em 2012
•
Choque da oferta a partir de 2014
O PAPEL DOS PAÍSES EMERGENTES E OS CONSTRANGIMENTOS • •
A VOLATILIDADE DOS PREÇOS •
O balanço cerrado entre a oferta e a procura não explica tudo
•
O efeito geopolítico
•
O efeito especulativo
•
O efeito dos “stocks” estratégicos
A “FINANCEIRIZAÇÃO” DAS MATÉRIAS PRIMAS • •
Personalidade dupla Matérias-Primas + Ativos financeiros
A crise das Terras Raras China / Japão 2010
25.401
135.000
1.513
Cobalto
7
30
33
371
2.645
6.960
13.200
399
250.000
887.389
1.061.148
324
Níquel
146
787
1.250
756
Titânio
814
3.298
5.187
537
Petróleo bruto (crude, mil milhões de barris)
3.8
19.5
27.3
618
Gás natural (biliões de metros cúbicos)
7.2
55.8
85.1
1.082
Fonte: US Geological Survey, Minerals Yearbook; BP, Statistical Review of World Energy.
Os recursos necessários para suportar o desenvolvimento económico O crescimento demográfico
UMA NOVA ERA NA DINÂMICA DOS PREÇOS • • •
2000
8.370
Minério de ferro A GLOBALIZAÇÃO DA PROCURA MUNDIAL DE MATÉRIAS-PRIMAS
1975
Bauxite
Cobre
Figura 3. Tendências nos mercados mundiais de matérias-primas
Aumento percentual 1950 - 2000
PRODUÇÃO
Volatilidade elevada Papel da “especulação” “Players” tradicionais + gama diversa de entidades financeiras
para osdonúmeros do U.S. Geological Survey, conclusões são surpreendentes. de lixo eascada cidadão produz 6 toneladas de lixo.Nos Se OlhandoOlhando para os números U.S. Geological Survey, as das últimos 60 anos, emNos termos a consumir atualmente 618 dos vezes mais forem reciclados, cerca de 25% da procura minerais conclusões são surpreendentes. últimospercentuais, 60 anos, em estamos petróleo, 1000 vezes mais gás, 756 vezes níquel, 1500 do vezes mais estratégicos da aproximadamente Europa é respondida através reprocestermos percentuais, estamos a consumir atualmente 618 mais samento de lixo. São civilização grandes segmentos de negócio que vezes mais petróleo, 1000 vezes gás, bauxite, conforme a mais figura 4.756 Istovezes nãomais é possível; somos uma que sofre de bulimia vão avançar. níquel, aproximadamente 1500 vezes mais bauxite, conforenergética e transformamos recursos em lixo a uma velocidade sem precedentes na História. do começar problema, a quetransformar é inevitável para me a figura é possível; uma civilização Uma4. Isto das não respostas é somos a economia circular, Outra pois dimensão temos de lixo resem ao crescimento desta procura recursos, que sofre de bulimia e transformamos recur- noponder recursos - eenergética isso é possível, por exemplo, âmbito da União Europeia. Nomundial nosso de continente é a mineração espaço marítimo. Muitas das reservas sos em lixo a uma velocidade sem precedentes na História. geramos anualmente 3 mil milhões de toneladas de lixo edo cada cidadão produz 6 toneladas de de minerais estão offshore, pelo que é imperioso ordenaré Uma daslixo. respostas é a economia circular, pois temos de Se forem reciclados, cerca de 25% da procura dos minerais estratégicos da Europa espaço um espaço para a começarrespondida a transformaratravés lixo em do recursos - e isso é possí-de olixo. reprocessamento Sãomarítimo grandescomo segmentos defundamental negócio que vão estabilização da vida no planeta, dando respostas ao nível vel, por exemplo, no âmbito da União Europeia. No nosso avançar. continente geramos anualmente 3 mil milhões de tonela- dos recursos, da eficiência e da sustentabilidade.
Outra dimensão do problema, que é inevitável para responder ao crescimento desta procura mundial de recursos, é a mineração do espaço marítimo. Muitas das reservas de minerais 54 estão offshore, pelo que é imperioso ordenar o espaço marítimo como um espaço CLUBE DE LISBOA fundamental para a estabilização da vida no planeta, dando respostas ao nível dos recursos, da DEVELOPMENT / SECURITY eficiência e da sustentabilidade.
A velha ordem petrolífera, embora enfrente todos os desafios decorrentes das energias renováveis e de outras mudanças, ainda hoje está no centro da matriz energética mundial e assenta no Médio Oriente. Ghawar é o maior campo de petróleo do mundo, na Arábia Saudita, produzindo 5 milhões de barris de petróleo por dia e o North Field é o maior campo de gás do mundo, situado no Qatar. Mas o Médio Oriente está atualmente em convulsão, assistindo-se ao desmoronamento do Estado-Nação, à emergência de Estados falhados e ao desmoronamento da ordem anteriormente existente. Parece que regressamos àquilo que é descrito no Leviatã de Thomas Hobbes, com uma espécie de medievalização do poder político no Médio Oriente. Por outras palavras, a Idade Média era marcada por impérios, corporações, ordens tribais, grupos religiosos, mercenários, a lutarem entre si pela posse de território e recursos, o que é similar ao cenário atual nesta região. Tal é agravado por uma política norte-americana que incita à fragmentação, à venda de armamento e à política externa como negócio, em vez de trabalhar para desenvolver esquemas de segurança regionais. A análise geopolítica e geoestratégica revela dados interessantes. Os 20 milhões de barris de petróleo que todos os dias passam pelo Estreito de Ormuz representam 86%
das importações do Japão, 82% das importações da Coreia do Sul, 42% das importações da China e 22% das importações da Europa. No grande Médio Oriente, com o Irão e o Iraque, estão concentradas 65% das reservas mundiais de petróleo. Mas a 6 de janeiro de 2013, na fronteira entre a Argélia e a Líbia, a indústria petrolífera sofreu o pior ataque da sua história: o campo de gás de In Amenas foi capturado por grupos terroristas e 39 pessoas foram mortas. E perante uma zona sul do Mediterrâneo em convulsão e um Médio Oriente mergulhado na instabilidade, a Europa revela-se incapaz de dar resposta aos problemas, porque os seus líderes são tecnicistas que não pensam do ponto de vista estratégico. Quem tem dado algumas respostas nesta área são os Estados Unidos, com várias descobertas em termos do shale gas e do shale oil, o que representa uma mudança do paradigma energético. Na indústria petrolífera, trabalhámos durante 160 anos no paradigma de que os hidrocarbonetos se geram numa rocha-mãe e depois, em função dos movimentos tectónicos, migram para uma rocha reservatória ou alto estrutural onde se acumulam. Mas uma ideia, lançada pelas empresas de pequena e média dimensão dos Estados Unidos, veio mudar o paradigma, ao olharem diretamente para a
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paradigma, ao olharem diretamente para a rocha-mãe. A revolução do shale gas está a ter um impacto brutal nas emissões de CO2 no nosso planeta, em combinação com a grande aposta dos EUA nas energias renováveis. Os EUA estão a substituir as centrais a carvão por centrais a onde asdoemissões CO2 são Emdo2015, os EUA consumiram menos 13% importância problema climático, a combinação entre o de rocha-mãe. gás, A revolução shale gas de está a ter um60% im- inferiores. carvão e as emissões de CO2 caíram 2,5%, o que é uma boa notícia para o planeta, tendo pacto brutal nas emissões de CO2 no nosso planeta, em gás e as energias renováveis pode ser uma solução válidaesta sido acentuada emenergias 2016. Apara China está a seguir o mesmo caminho, com a o futuro. combinação tendência com a grande aposta dos EUA nas substituição centrais carvãoa por a gás, tendo consumido 2015 mais 5% de No âmbito da geopolítica da energia,em o Oceano Atlântico renováveis. Os EUA estão adas substituir as acentrais car- centrais gás aegás, menos de carvão. Se60% olharmos para o panorama verificamos que as pode desempenhar um papel global, importante, estando reprevão por centrais onde as1,5% emissões de CO2 são emissões no planeta aumentaram em média 1,6% ano durante trêsconflitos, décadasex-e, de na figura 5. Éao uma zona com poucos inferiores. Em 2015, os de EUACO2 consumiram menos 13% de sentado emCO2 2015, estabilizaram. Esta tendência consolidou-se 2016 ocidental, e é por eisso ceto o das Ilhas Falklands e em do Sahara 90% que carvão e as repente, emissões de caíram 2,5%, o que é uma acredito que,tendo independentemente da importância problema combinação entre do comérciodo mundial faz-seclimático, atualmenteapor mar, pelo que boa notícia para o planeta, esta tendência sido aceno gás e as energias renováveis ser uma válida para para o futuro. estesolução oceano vai ser crucial desenvolver todo o trading tuada em 2016. A China está a seguir o mesmopode caminho, com a substituição das centrais a carvão por centrais a no séc. XXI. No âmbito da geopolítica da energia, o Oceano Atlântico pode desempenhar um papel gás, tendo consumido em 2015 mais 5% de gás e menos importante, estando representado na figura 5. É uma zona com poucos conflitos, exceto o das 1,5% de carvão. Se olharmos para o panorama global, veri- "ACREDITO QUE, INDEPENDENTEMENTE DA Ilhas Falklands e do Sahara ocidental, e 90% do comércio mundial faz-se atualmente por mar, ficamos que as emissões de CO2 no planeta aumentaram IMPORTÂNCIA DO PROBLEMA CLIMÁTICO, pelo que este oceano vai ser crucial para desenvolver todo o trading no séc. XXI. em média 1,6% ao ano durante três décadas e, de repente, A COMBINAÇÃO ENTRE O GÁS E AS ENERem 2015, estabilizaram. Esta tendência consolidou-se em GIAS RENOVÁVEIS PODE SER UMA SOLUÇÃO 2016 e é por isso que acredito que, independentemente da VÁLIDA PARA O FUTURO."
chinês Xi Jinping a afirmar a defesa do comércio livre, por outro. A China tem uma liderança que pensa efetivamente em termos estratégicos. O projeto que denominam de OBOR – “One Belt, One Road” - retoma uma formulação do geógrafo alemão Ferdinand von Richthofen, que chamou Rota da Seda à rota ancestral que vem da dinastia Han e dos Persas e que atravessava toda a Ásia Central e ligava ao Mediterrâneo. O OBOR é um projeto para formatar o comércio mundial, abrangendo 65% da população do planeta, 30% a 40% do PIB mundial e 25% das cio livre, por outro. A China tem uma liderança que pensa volvidos: o corredor para norte, para a Sibéria Oriental, o trocas de bens e serviços. No mapa da figura 6 é possível observar os vários corredores que efetivamente em termos estratégicos. O projeto que de- corredor para a Rússia, o corredor para o centro da Europa estão a ser desenvolvidos: o corredor para norte, para a Sibéria Oriental, o corredor para a nominam de OBOR – “One Belt, One Road” - retoma uma (que termina em Madrid, embora eu pense que Portugal Rússia, o corredor para o centro da Europa (que termina em Madrid, embora eu pense que formulação do geógrafo alemão Ferdinand von Richthofen, também tem de participar neste projeto), o corredor do Portugal também tem de participar neste projeto), o corredor do Paquistão com o Porto de que chamou Rota da Seda à rota ancestral que vem da Paquistão com o Porto de Gwadar (que encurta o caminho Gwadar (que encurta o caminho pelo Estreito de Malaca, que é de cerca de 12 mil dinastia Han e dos Persas e que atravessava toda a Ásia pelo Estreito de Malaca, que é de cerca de 12 mil quilómequilómetros, quase 4 mil quilómetros). Assim, China está a quilómetros). aproveitar aAssim, retração dosestá a tros,a em quase 4 mil a China Central e ligava aoem Mediterrâneo. O OBOR é um projeto Estados Unidos para se colocar no centro e reformatar o comércio mundial, o qual para formatar o comércio mundial, abrangendo 65% da aproveitar a retração dos Estados Unidos para se colocar representava 52%30% doaPIB em 2010 e pode representar 2/3oda riqueza mundial emrepreno centro e reformatar comércio mundial, o qual população do planeta, 40%mundial do PIB mundial e 25% 2020. das trocas de bens e serviços. No mapa da figura 6 é pos- sentava 52% do PIB mundial em 2010 e pode representar sível observar os vários corredores que estão a ser desen-
2/3 da riqueza mundial em 2020.
Figura 6. Projetos completados e planeados no âmbito dano estratégia “One Belt, One Road”,“One dezembro 2015 Figura 6. Projetos completados e planeados âmbitochinesa da estratégia chinesa Belt,deOne
Road”, dezembro de 2015
(DESTAQUE: Acredito que, independentemente da importância do problema climático, a combinação entre o gás e as energias renováveis pode ser uma solução válida para o futuro)
Figura 5. O papel geoestratégico da Bacia do Atlântico
Figura 5. O papel geoestratégico da Bacia do Atlântico A SEGURANÇA NA BACIA DO ATLÂNTICO Degelo do Ártico Degelo do Ártico
A revolução do Shale Gás do A revolução Macondo Shale Gás Oil Spill Sabine Macondo Pass Oil Spill Sabine Rotas RotasComerciais Comerciais Pass Energéticas Energéticas
Rotas Nordeste e Noroeste Rotas Nordeste e Noroeste
• • • • •
Primavera Árabe Instabilidade Primavera Árabe Política Instabilidade Estados Falhados Política • Estados Pirataria Fechados Eixo Sul-Sul Eixo SulSul
Operações Operaçõe Operações Offshore Operaçõe s & Gas Oil sOffshore Offshore Oil & Gas Offshore Oil & Gas Oil & Gas • Ciber Terrorismo • Ciberterrorismo • Ameaça Climática • Ameaça Climática • Ameaças Ambientais • Ameaças Ambientais • Reorientação • Reorientação Estratégica Estratégica das rotas Oil & Gas das rotas Oil & Gas
Vaca Vaca Muerta Muerta
Degelo da Antárctida 4 Julho 2017
Clube de Lisboa António Costa Silva – Presidente da Comissão Executiva
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2. OS 2. “ENERGY GAME CHANGERS” Os “Energy Game Changers”
Importa, igualmente, olharmos para o papel da China neste quadro geoestratégico. O novo paradigma de organização das sociedades é afluxos conetividade, oudeseja, quem conectado de tecnologia, finanças, de está dinheiro, de talen- nas Importa, igualmente, olharmos para o papel da China neste aos várias redes globais vai prosperar e quem está fora vai empobrecer. Existem rotas e em quadro geoestratégico. O novo paradigma de organização to, de pessoas. Em suma, temos de pensar em rede as marítimas, as rotas comerciais, rotaseligadas àsoscadeias abastecimento, as rotas é isso que chinesesde estão a fazer. das sociedades é a conetividade, ou seja, quem estátodas conec- as fluxos ligadas cadeias produção industrial aos fluxos de tecnologia, deexemplo finanças, de dinheiro, de Davos de 2017 foi um paradigmátitado nas várias redesàsglobais vai de prosperar e quem está AeCimeira fora vai empobrecer. Existem as rotas marítimas, as rotas comerciais, todas as rotas ligadas às cadeias de abastecimento, as rotas ligadas às cadeias de produção industrial e
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co, com o Presidente dos EUA a desenvolver uma política protecionista e de isolamento do mundo, por um lado, e o Presidente chinês Xi Jinping a afirmar a defesa do comér-
Nos últimos anos, tivemos alguns acontecimentos com forte impacto no sistema energético, os chamados “game changers”: a revolução do shale gas; alguns acidentes raros mas catastróficos para a imagem da indústria petrolífera (particularmente nas plataformas, como por exemplo o acidente de 20 de abril de 2010 no poço de Macondo, em que 5 milhões de barris de petróleo foram debitados diretamen-
te no mar); o acidente na central nuclear de Fukushima, no Japão (em que o pior cenário era a ameaça de uma nuvem radioativa se dirigir para sul e chegar à área metropolitana de Tóquio); a instabilidade nos países produtores de petróleo e a instabilidade do fornecimento; a emergência da Bacia do Pacífico como grande consumidor de energia; e, também, a ameaça decorrente das alterações climáticas.
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Em 2011, uma capa da Time dizia que o shale pode dar energia ao mundo e resolver a crise de energia14. Esta descoberta extraordinária, que consiste em olhar diretamente para a rocha-mãe, transformou os EUA no maior produtor de gás e também de petróleo (em paralelo com a Arábia Saudita), com três grandes bacias: Bakken/Three Forks (no Dakota do Norte), Eagle Ford e Permian (ambas no Texas). E isto está a mudar a geopolítica da energia. As reservas mundiais de gás estavam estimadas em 187 biliões de m3, mas as de shale gas podem ser entre duas a três vezes maiores. Verifica-se, de repente, uma abundância deste recurso que, nos EUA, é extremamente barato. Conforme demonstrado no mapa da figura 7, as reservas
de shale gas são muito maiores do que as reservas convencionais em países como o Canadá (6 vezes maiores), a Argentina (20 vezes maiores) ou a China (12 vezes maiores). Em relação à França ou à Alemanha, os EUA têm preços muito mais baixos, o que lhes confere uma grande vantagem competitiva com esta revolução. É necessário salientar que não podemos tratar os combustíveis fósseis da mesma forma, uma vez que o gás é o mais limpo destes combustíveis e pode, em combinação com as energias renováveis, ter um papel no processo de descarbonização mundial, promover a mudança energética e ser uma espécie de fuel de transição, numa mudança da matriz energética mundial que esperamos estruturada e inteligente.
Segundo as previsões de Mackenzie, para conseguir um cenário favorável (a verde, no gráfico da figura 8), é necessário diminuir o consumo de carvão em cerca de 40% até 2030 (diminuição esta que já se está a verificar em países como os EUA e a China), diminuir o consumo de petróleo em cerca de 15% (ou seja, uma redução de aproximadamente 1% ao ano), aumentar o consumo de gás em 15-20% e as energias renováveis em 40%. Isto é possível. Esta tendência já está em curso nos grandes poluidores mundiais, com a China e os EUA
alinhados numa aposta crescente nas energias renováveis, na sua combinação com o gás e na substituição das centrais de carvão. No início de 2017, o Primeiro Ministro da Índia anunciou ao mundo que, num espaço de dez anos, o peso do gás na matriz energética do país passaria de 6% para 15%. Na realidade, poderemos ter uma diminuição das emissões de CO2 mais cedo do que se estava à espera, depois de em 2015-16 já se ter verificado uma estabilização.
Figura 8. Crescimento da procura de energia, 2000-2015 e cenários 2016-2030
Figura 7. Reservas mundiais de gás, convencionais e não convencionais (azul: reservas convencionais; branco: reservas não convencionais, shale)
Fonte: Wood Mackenzie.
Wood Mackenzie. Fonte:Fonte: Wood Mackenzie.
Fonte: The Economist, 6 de agosto de 2011.
Fonte: The Economist, 6 de agosto de 2011.
As alterações climáticas são uma questão de segurança e de sobrevivência global, que agora ganha relevância. O primeiro cientista do mundo que relacionou a temperatura da terra com a As alterações climáticas são uma questão de segurança e de Temos de estabilizar o clima do planeta, mas como o podereconcentração de CO2 da atmosfera foi o químico sueco Arrhenius, em 1896. Antes da sobrevivência global, que agora ganha relevância. O primei- mos fazer? É necessária uma redução das emissões de CO2, revolução industrial, numa altura em que a concentração de CO2 na atmosfera era de 280ppm ro cientista do mundo que relacionou a temperatura da terra que tem de estar ligada a mecanismos de mercado; a cons(hoje é cerca de 400ppm), este cientista previa que uma duplicação na concentração de CO2 com a concentração de CO2 da atmosfera foi o químico sue- trução de economia de baixo carbono, que até hoje tem tido faria com que a temperatura do planeta aumentasse entre 3 e 4 graus, o que está em linha co Arrhenius, em 1896. Antes da revolução industrial, numa parcos resultados; ações focadas nos centros poluidores, ao com os mais modernos modelos climáticos. altura em que a concentração de CO2 na atmosfera era de nível dos sistemas de energia, de transporte, etc.; e, também, Temos estabilizar o clima do planeta, mas como o poderemos fazer? É necessária uma a mobilização dos cidadãos, a mudança de comportamentos, 280ppm (hoje éde cerca de 400ppm), este cientista previa que redução na das emissões de deCO2 CO2, ligada mecanismos mercado; a ação local, paraa além da ação dasde instituições multilaterais, uma duplicação concentração fariaque comtem que ade aestar construção de economia de baixo carbono, que até hoje tem tido parcos resultados; ações temperatura do planeta aumentasse entre 3 e 4 graus, o que no sentido de uma reestruturação da economia mundial. centros poluidores, ao nível dos sistemas de energia, de transporte, etc.; e, está emfocadas linha comnos os mais modernos modelos climáticos. 14
também, a mobilização dos cidadãos, a mudança de comportamentos, a ação local, para além mundial.
“This da rockação coulddas power the world: Why shale can solve energyde crisis”, Time, 11 de abril 2011 instituições multilaterais, nothe sentido umarevista reestruturação dade economia
Segundo as previsões de Mackenzie, para conseguir um cenário favorável (a verde, no gráfico da figura 8), é necessário diminuir o consumo de carvão em cerca de 40% até 2030 (diminuição CLUBE DE LISBOA esta que já se está a verificar em países como os EUA e a China), diminuir o consumo de DEVELOPMENT / SECURITY petróleo em cerca de 15% (ou seja, uma redução de aproximadamente 1% ao ano), aumentar o consumo de gás em 15-20% e as energias renováveis em 40%. Isto é possível. Esta tendência já está em curso nos grandes poluidores mundiais, com a China e os EUA alinhados numa
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Os dados demonstram uma diminuição do peso do petróleo na matriz ene Conforme demonstrado pela figura 9, esta fonte representava aproximad 1975, representando atualmente cerca de 32%. Os EUA, a China e a Índia consumidores de carvão, podendo o seu peso vir a diminuir. O gás e as ene apresentam uma ascensão muito significativa, embora estas últimas tenham pequena da matriz energética mundial (cerca de 3,8%). Se lhes somarmos a h que se mantém estável (cerca de 5%), a azul no gráfico, atingimos quase 9% base importante.
Os9.dados demonstram uma 1965-2015 diminuição do pesopara do 2035 petróleo na matriz energética mundial. Figura Peso das fontes de energia, e previsões Peso das fontesaproximadamente de energia, 1965-201550% e previsões Conforme demonstrado pela figura 9, estaFigura fonte9. representava em para 2035 1975, representando atualmente cerca de 32%. Os EUA, a China e a Índia são os grandes
consumidores carvão, podendo peso vir a diminuir. O gás e as energias renováveis Os dados demonstramde uma diminuição do pesoodoseu petróleo naapresentam matriz energética Conforme umamundial. ascensão muitodemonstrado significativa, embora estas últimas tenham ainda uma fatia pela figura 9, esta representava pequena da fonte matriz energéticaaproximadamente mundial (cerca de 3,8%). Se lhes somarmos a hidroeletricidade, 50% em representando atualmente cerca que1975, se mantém estável (cerca de 5%),dea32%. azul no gráfico, atingimos quase 9%, o que já é uma Os EUA, a China e a Índia são os grandes consumidores base importante. de carvão, podendo o seu peso vir a diminuir. O gás e as energias renováveis apresentam uma ascensão muito significativa, embora estas últimas tenham ainda uma fatia Figura 9. Peso das fontes de energia, 1965-2015 e previsões para 2035 pequena da matriz energética mundial (cerca de 3,8%). Se lhes somarmos a hidroeletricidade, que se mantém estável (cerca de 5%), a azul no gráfico, atingimos quase 9%, o que já é uma base importante. Fonte: Energy Outlook 2035, BP, 2015.
Fonte: Energy Outlook 2035, BP, 2015.
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Outro facto interessante é que há uma reorientação dos investimentos globais nas indústrias de energia. Em 2015, estes fluxos de investimento foram de 1.8 biliões de dólares (conforme a figura 10), sendo o investimento em petróleo e gás aproximadamente 583 mil milhões de dólares. Em 2015, o petróleo e o gás continuaram a ser os principais destinos do investimento, o que(queda é apenas esta 50 milque milhões abaixo doapetróleo do gás. Outro facto interessante que há uma reorientação maséregistaram uma quedados de 25% se voltou repetire em 2016), havendo um Tal nunca se tinha verificado no passado,nas apontando para renováveis e na investimentos globaisaumento nas indústrias energia. Em 2015, dodeinvestimento na geração elétrica e, sobretudo, energias um reequilíbrio das fontes de energia e uma reorientaçãochegamos a um estes fluxos de investimento foram energética. de 1.8 biliões de dólares eficiência Se somarmos o investimento nestes segmentos (conforme a figura 10), sendo o investimento em petróleo do sistema energético mundial. investimento de 530 mil milhões de dólares em 2015, o que é apenas 50 mil milhões abaixo do e gás aproximadamente 583 mil milhões de dólares. Em Esta reorientação é uma tendência positiva, embora não petróleo e do gás. Tal nunca se tinha verificado no passado, apontando para um reequilíbrio 2015, o petróleo e o gás continuaram a ser os principais suficiente. A intensidade carbónica na geração elétrica das fontes de energia e uma reorientação do sistema energético mundial. destinos do investimento, mas registaram uma queda de mundial é atualmente 400 kg de carbono por cada Me-
Figura 11. Figura A queda 11. Ados queda preços dos do preços petróleo do petróleo em 2008em e 2014 2008 e a2014 alteração e a alteração da procura da procura
Figura 11. A queda dos preços do petróleo em 2008 e 2014 e a alteração da procura
gawatt/hora e precisamos de chegar aos 100. há 25% (queda esta que Esta se voltou a repetir em 2016), havendo reorientação é uma tendência positiva, embora não suficiente. A Assim, intensidade carbónica na um aumento do investimento na geração elétrica e, sobre- um imenso caminho a percorrer, mas esse caminho já está geração elétrica mundial é atualmente 400 kg de carbono por cada Megawatt/hora e tudo, nas energias renováveis e na eficiência energética. Se a acontecer, com a crescente eletrificação da economia precisamos de chegar aos 100. Assim, há um imenso caminho a percorrer, mas esse caminho já somarmos o investimento nestes segmentos chegamos a mundial, a descarbonização, a localização e a otimização. está a acontecer, com a crescente eletrificação da economia mundial, a descarbonização, a um investimento de 530 mil milhões de dólares em 2015,
localização e a otimização.
Figura 10. Investimento global em energia, 2015
Figura 10. Investimento global em energia, 2015 Fonte: Fonte:Mackenzie. Wood Mackenzie. Fonte: WoodWood Mackenzie. Os gráficos da figura 11 demonstram como, em 2008-09, e na rentabilidade: no início deste processo faziam poços Os gráficos gráficos da está figura da11 figura demonstram 11 como,e em 2008-09, a queda a dos queda preços dosfazê-los está preços mais está ligada ligada em em dois 2008-09, meses, hoje conseguem em 12 mais dias; no a queda dosOs preços mais ligada ao demonstram PIB mundial àcomo, ao PIB mundial ao PIB mundial e à diminuição e à diminuição da procura, da procura, enquanto enquanto em 2014 em a 2014 procura a procura e o PIB e mundial o PIB mundial se diminuição da procura, enquanto em 2014 a procura e o início, os poços horizontais atingiam 500 a 600 metros e se estandoestando o colapso colapso dos dos preços dos preços ligado ligado excesso ao da oferta da eIsto oferta àquilo e que àquilo otudo The que o The hojeao chegam a 2excesso quilómetros. reconfigura o que PIBmantiveram, mundial mantiveram, se mantiveram, estando oo colapso preços Economist Economist apelidou apelidou de umade luta uma “sheikhs” entre “sheikhs” (em alusão (em àalusão ArábiaàArábica, Saudita Arábiacom Saudita e aos produtores e aos produtores se passa na Península a erosão da influência ligado ao excesso da oferta e àquilo que oentre Theluta Economist do Médio Médio Oriente) e “sheikhs” “shale”. e “shale”. A verdade A àverdade éArábia que, no édaque, início, noeainício, Organização a Organização dos Países Produtores Países OPEP com a Arábia Saudita nodos centro desteProdutores tsunaapelidou de do umaOriente) luta entre (em alusão de Petróleo deprodutores Petróleo (OPEP) do (OPEP) subestimou o processo o processo em curso emnos curso EUA. nosOs EUA. Estados Os Unidos têm uma têm uma Existe hoje uma transição emEstados curso na Unidos Arábia Saudita, Saudita e aos Médio subestimou Oriente) e “shale”. A mi. mentalidade mentalidade muito focada muito focada nos ganhos nosProduganhos de produtividade, dequeprodutividade, nosuas controlo no controlo custos de(uma custos e vez na que e na país mudou as regras dede sucessão verdade é que, no início, a Organização dos Países o poder passava dedois irmãomeses, para conseguem irmão) quer atenuar a tores de Petróleo (OPEP) subestimou o processo processo em curso poços rentabilidade: rentabilidade: no início nodeste início deste processo faziam faziam em poços doisem meses, hoje hojee que conseguem fazê-los fazê-los sua dependência do petróleo e colocar a Saudi Aramco em nosem EUA.12 Osem Estados Unidos têm uma mentalidade muito dias;12nodias; início, no os início, poços os horizontais poços horizontais atingiamatingiam 500 a 600 500 metros a 600 metros e hoje echegam hoje chegam a2 a2 bolsa, entre outras mudanças. focada nos ganhos de produtividade, no controlo custos quilómetros. quilómetros. Isto reconfigura Isto reconfigura tudo o de tudo que se o que passa se na passa Península na Península Arábica,Arábica, com a erosão com a erosão da da
Fonte: IEA, 2016. Fonte: IEA, 2016.
3. Evolução dos preçosEdoMERCADOS petróleo e mercados 3. EVOLUÇÃO DOS PREÇOS DO PETRÓLEO Em 2008, o preço do petróleo atingiu o máximo na História mimos atualmente cerca de 95 milhões e produzimos 97 milhões de por dia. excesso–de oferta provocou – 147 USD por barril -, altura em que a OPEP do tevepetróleo de atuar, atingiu Em 2008, o preço o barris máximo naEste História 147 USD por barril -, altura em uma diminuição dos preços, em ligação com outros mecacortando cerca de 4 que milhões de barris, entre novembro de a OPEP teve de atuar, cortando cerca de 4 milhões de barris, entre novembro de 2008 e como o contango (quando há excesso de produção, 2008 e março de 2009. Em tal já não março2014, de 2009. Emsucedeu, 2014, portal já nismos não sucedeu, porque os EUA já eram um novo ator de grande que os EUA já eram um novo ator de grande dimensão no os preços de venda do futuro são superiores aos preços da dimensão no mercado, passando de uma produção de aproximadamente 6 milhões de mercado, passando de uma produção de aproximadamen- venda física diária), o que estimula todos os operadores a barris/dia em 2008, para 10 milhões de barris/dia em 2013-14. A revolução do shale gas e do te 6 milhões de barris/dia em 2008, para 10 milhões de armazenarem, fazendo por exemplo com que as reservas shale oil nos EUA contribuiu para um excesso da oferta no mercado de cerca de 2 milhões de barris/dia em 2013-14. A revolução do shale gas e do shale estratégicas tenham chegado a 540 milhões de barris nos barris, uma vez da que consumimos atualmente cerca de milhões e produzimos 97 milhões de um recorde absoluto na 95 História. oil nos EUA contribuiu para um excesso oferta no mer- EUA, barris depor dia.uma Este cado de cerca de 2 milhões barris, vezexcesso que consu-de oferta provocou uma diminuição dos preços, em ligação com
influência influência da OPEPdae OPEP com aeArábia com a Saudita Arábia Saudita no centro no deste centrotsunami. deste tsunami. Existe hoje Existe uma hoje transição uma transição em curso emnacurso Arábia na Saudita, Arábia Saudita, país quepaís mudou que mudou as suas as regras suasde regras sucessão de sucessão (uma vez (uma quevez o poder que o poder Figura 12. Opassava Papel dade OPEP e irmão) dapara Arábia Saudita passava de irmão para irmão eirmão) que quer e que atenuar quer atenuar a sua dependência a sua dependência do petróleo do petróleo e colocar e colocar a a Saudi Aramco Saudi Aramco em bolsa, ementre bolsa,outras entremudanças. outras mudanças. Figura 12. Figura O Papel 12. Oda Papel OPEPdae OPEP da Arábia e da Saudita Arábia Saudita
O PAPEL da OPEP e da ARÁBIA SAUDITA
outros mecanismos como o contango (quando há excesso de produção, os preços de venda do futuro são superiores aos preços da venda física diária), o que estimula todos os operadores a armazenarem, fazendo por exemplo com que as reservas estratégicas tenham chegado a 540 milhões de barris nos EUA, um recorde absoluto na História.
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4. A transição energética e o papel das energias renováveis
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Relativamente ao petróleo e gás verifica-se atualmente que as descobertas são das mais baixas de sempre (em 2016 foram as mais baixas desde 1947), os investimentos na exploração
Relativamente ao petróleo e gás verifica-se atualmente que as descobertas são das mais baixas 40 sempre (em1947), 2016 foram asnamais baixas desde 1947), os investimentos na exploração dedas sempre (emrenováveis 2016 foram de as mais baixas desde os investimentos exploração rgética e o papel energias 4. A transiçãoeenergética papel das energias renováveis decresceram existe umae o espécie de sobreabundância, conforme representado na figura 13, decresceram e existe uma espécie de sobreabundância, conforme representado na figura 13, uma vez que existem 1.7 biliões de reservas e até 2040 será necessário cerca de 1 bilião para A transição energética e condicionar o papel energias renováveis uma quedas existem 1.7 biliões reservas e até 2040 será necessário cerca de 1 bilião para responder à 4. procura Istosão irávez a evolução dos preços, quede é vital para eo e gás verifica-se atualmente que asmundial. descobertas das mais baixas Relativamente ao petróleo e gás verifica-se atualmente que as descobertas são das mais baixas países como Angola ou o Brasil. oram as mais baixas desde 1947), os investimentos na exploração responder àDAS procura mundial. Isto irá condicionar a evolução dos preços, que é vital para dede sempre 2016 foram as mais baixas 1947), os investimentos na exploração Quando olhamos para os vários continentes, verificamos 4. A(em TRANSIÇÃO ENERGÉTICA E Odesde PAPEL RENOVÁVEIS ma espécie sobreabundância, conforme representado na figura 13,ENERGIAS Relativamente ao petróleo e gás verifica-se atualmente que as descobertas são13, das mais baixas existe depaíses sobreabundância, conforme representado na figura que a matriz energética é completamente diferente. A fiou oosBrasil. 7 biliões decresceram de reservas eeaté 2040uma seráespécie necessário cerca decomo 1 bilião Angola para de sempre (em 2016 foram as mais baixas desde 1947), investimentos na exploração uma vez que existem 1.7 biliões de reservas e até 2040 será necessário cerca de 1 bilião para gura 15 demonstra que o carvão tem uma parcela muito forme representado na figura 13, uma vez que existem 1.7 biRelativamente ao petróleo e gás verifica-se atualmente que as Figura 13. A sobreabundância: reservas vs. procura mundial undial. Isto irá condicionar a evolução dos preços, que é vital para decresceram e existe uma espécie de sobreabundância, conforme representado na figura 13, responder à procura mundial. Isto irá condicionar a evolução dos preços, que é vital para significativa na Ásia Pacífico, pelo que o processo de deliões de reservas e até 2040 será necessário cerca de 1 bilião descobertas são das mais baixas de sempre (em 2016 foram Brasil. uma vez que existem 1.7 biliõesna deexploração reservas epara atéresponder 2040 será necessário 1 biliãoapara países como Angola ou o Brasil. clínio do carvão na China, já em curso, é absolutamente à procura mundial.cerca Isto iráde condicionar evoluas mais baixas desde 1947), os investimentos responder à procura mundial. Isto irá condicionar a evolução dos preços, que é vital para vital. Na América Central e do Sul o carvão é residual e decresceram e existe uma espécie de sobreabundância, con- ção dos preços, que é vital para países como Angola ou o Brasil. Figura 13. A sobreabundância: reservas vs. procura mundial países como Angola ou o Brasil. na Europa também está a diminuir. As energias renováveis ância: reservas vs. procura mundial Figura 13. A sobreabundância: reservas vs. procura mundial têm ainda uma fatia pequena nos vários continentes, mas Figura 13. A sobreabundância: reservas vs. procura mundial
Figura 13. A sobreabundância: reservas vs. procura mundial
são fundamentais nesta transição energética. Na Figura 16 é evidente o seu crescimento, particularmente em países
como a China, o Japão e os Estados Unidos, no que diz respeito à energia solar. Em 2015, as renováveis cresceram 15,8%, sobretudo a energia eólica e solar, onde os custos estão a diminuir, particularmente esta última (os custos de produção caíram 76% nos últimos seis anos).
"AS ENERGIAS RENOVÁVEIS TÊM AINDA UMA FATIA PEQUENA NOS VÁRIOS CONTINENTES, MAS SÃO FUNDAMENTAIS NESTA TRANSIÇÃO ENERGÉTICA."
Figura 15. Consumo primário de energia, por região e por fonte, 2015 (em percentagem) (em percentagem)
Fonte: Gaffney Cline & Associates, 2017.
ociates, 2017. Fonte: Gaffney Cline &Cline Associates, 2017. Fonte: Gaffney & Associates, 2017. Fonte: Gaffney Cline & Associates, 2017. O consumo primário de energia aumentou cerca de 2% por ano, entre 1996 e 2010, mas
O consumo primário de energia aumentou cerca de 2% por ano, conforme a figura 14. Apesar de o petróleo continuar a aumenatualmente cresce aproximadamente 1% ao ano. Em 2015 verificou-se uma evidente queda na tar, podemos notícias importantes para14.o início do declínio entre 1996 e 2010, mas produção atualmente cresceeaproximadamente de carvão um aumento das energias renováveister e do gás, conforme a figura Apesar deuma o petróleo continuar a aumentar, ter notícias importantes para o início das emissões, se mantivermos a queda dodo carvão, o aumento 1% ao ano. Em 2015 verificou-se evidente queda na produ- podemos declínio das emissões, se mantivermos a queda do carvão, o aumento das renováveis e do gás ção de carvão e um aumento das energias renováveis e do gás, das renováveis e do gás e um ajustamento do petróleo. e um ajustamento do petróleo.
Fonte: Gaffney Cline & Associates, 2017.
Figura 14. Aumento do consumo primário de energia (média de 10 anos, 2014 e 2015)
Figura 14. Aumento do consumo primário de energia (média de 10 anos, 2014 e 2015)
Fonte: BP, 2015.
Fonte: BP, 2015.
ficativa daterenergia nuclear (a amarelo) É interessante comparar o mix energético, poderíamos É interessante comparar o pois mix energético, pois poderíamos uma maior competitividade em e da energia hídrica termos de matriz energética OCDE. enerA figura 16 mostrasendo a evolução dosdas combustíveis não(a azul), o peso energias renováveis ainda pequeter uma maior competitividade em termos denamatriz fósseis, verificando-se na OCDE uma parte significativa da energia nuclear (a amarelo) e da gética na OCDE. A figura 16 mostra a evolução dos combus- no, mas com grandes perspetivas de crescimento no futuro. energia hídrica (a azul), sendo o peso das energias renováveis ainda pequeno, mas com Esta fatia tender a crescer, combinada tíveis não-fósseis, verificando-se na OCDE uma parte grandes perspetivas de crescimento nosignifuturo. Esta fatia vai vai tender a crescer, combinada com com o gás. o gás.
Figura 16. Crescimento dos combustíveis não-fósseis, na OCDE e fora da OCDE, 1990-2030. Figura 16. Crescimento dos combustíveis não-fósseis, na OCDE e fora da OCDE, 1990-2030.
Fonte: BP Statistical Review of World Energy 2016. Fonte: BP Statistical Review of World Energy 2016.
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Quando olhamos para os vários continentes, verificamos que a matriz energética é completamente diferente. A figura 15 demonstra que o carvão tem uma parcela muito significativa na Ásia Pacífico, pelo que o processo de declínio do carvão na China, já em curso, é absolutamente vital. Na América Central e do Sul o carvão é residual e na Europa também está a diminuir. As energias renováveis têm ainda uma fatia pequena nos vários continentes, mas são fundamentais nesta transição energética. Na Figura 16 é evidente o seu crescimento, particularmente em países como a China, o Japão e os Estados Unidos, no que diz respeito à
Fonte: BP2016. Statistical Review Fonte:2016. BP Statistical Review 2016. Fonte: BP Statistical Review
Em 2015, a capacidade Em 2015, instalada a capacidade no mundo instalada em termos no mundo de energia em termos eólicadesubiu energia eólica subiu aproximadamente 18% aproximadamente e a energia solar 18% 32%. e a Neste energia século, solar a32%. energia Neste solar século, podea ser energia uma solar das pode ser uma das grandes fontes, poisgrandes todos osfontes, dias recebemos pois todos do os sol diasoito recebemos mil vezesdomais sol oito energia mil do vezes quemais aquilo energia do que aquilo Fonte: Review 2016. queBP o Statistical planeta consome. que o Com planeta a criatividade consome. Com humana a criatividade e a redução humana dos custos, e a redução poderemos dos custos, poderemos aproveitá-la da melhor aproveitá-la forma. da melhor forma. Refira-se também dois Refira-se tipos específicos também dois destas tiposenergias. específicos Pordestas um lado, energias. o caminho Por um quelado, está oa caminho ser que está a ser
Em feito 2015, a capacidade instalada mundoum em termos de mercado energia eólica com subiu pela energia eólica feito pela em offshore, energia eólica que éno em atualmente offshore, que mercado é atualmente emergente um com grande emergente grande aproximadamente 18% e a energia solar Nestede século, a custos energia solar pode sere uma crescimento no investimento, crescimento embora no investimento, haja 32%. necessidade embora haja reduzir necessidade edede reduzir se tornar custos de sedas tornar
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5. Consequências para o futuro e estratégia Termino com algumas considerações sobre fatores que considero fundamentais para o futuro, do ponto de vista estratégico, apresentando também na figura 18 as componentes de uma possível visão sobre o mundo da energia em 2030. Em 2015, a capacidade instalada no mundo em termos de energia eólica subiu aproximadamente 18% e a energia solar 32%. Neste século, a energia solar pode ser uma das grandes fontes, pois todos os dias recebemos do sol oito mil vezes mais energia do que aquilo que o planeta consome. Com a criatividade humana e a redução dos custos, poderemos aproveitá-la da melhor forma. Refira-se também dois tipos específicos destas energias. Por um lado, o caminho que está a ser feito pela energia eólica em offshore, que é atualmente um mercado emergente com grande crescimento no investimento, embora haja necessidade de reduzir custos e de se tornar competitiva e comercial. Por outro lado, o potencial da energia das
ondas, que são uma espécie de fábrica oculta da energia. Se olharmos para as ondas, correntes de marés, correntes profundas, variações do gradiente termal e de salinidade, a estimativa do potencial oscila entre os 20 mil terawatts (Twh)/hora e os 30 mil Twh/hora, sendo que 20 mil Twh/ hora é a totalidade do consumo de eletricidade no mundo. Será necessário, porém, desenvolver mais as tecnologias marinhas e reduzir fortemente os custos. Em suma, estas energias ainda não são competitivas – sobretudo a energia oceânica - mas há muitas possibilidades de desenvolvimento, no âmbito da transição energética em curso. E o nosso país pode desempenhar um papel relevante.
Figura 18. Visão do mundo da energia até 2030
Figura 18. Visão do mundo da energia até 2030 TRANSPORTES
MERCADO DO PETRÓLEO
MATRIZ ENERGÉTICA MUNDIAL
• Penetration of gas in boats (LNG), trucks and taxi fleets (US) • Growing share of electric cars • Internal combustion engines fighting for survival
•
Mais gás
• •
Mais energias renováveis Menos carvão
• Peso decrescente do petróleo
• Capacidade de reduzir e controlar custos • Como competir num mundo com baixos preços do petróleo
• Similar to telecommunications revolution • Self-driving cars with technologies of information
GERAÇÃO DE ENERGIA • Inovação e tecnologias emergentes • Produção distribuída • Evolução dos modelos de negócio • Novos serviços de resposta à procura, fornecimento, armazenamento, eficiência energética • Competição baseada em algoritmos, sensores, processamento - o modelo da internet
MERCADO DO GÁS • A ascenção do gás • O LNG (Liquefied natural gas) como força motriz da globalização do mercado do gás • O menos poluente dos combustíveis fósseis
ENERGIA 2030 • Uma visão do mundo em 2030, dos muitos “mundos possíveis” que compõem a realidade atual • 4 grandes tendências: - Eletrificação - Descarbonização - Otimização - Localização
ENERGIAS RENOVÁVEIS • Parcela crescente da matriz mundial • Crescerá de 5% em 2015 para 20/25% em 2050 • Grande redução dos custos da energia solar: 75% em 6 anos • Papel dos capitais de risco • Energia oceânica: uma “máquina oculta” de energia
Figura 17. Crescimento das energias renováveis Figura 17. Crescimento das energias renováveis TECNOLOGIAS E RISCOS • Tecnologias disruptivas na área do armazenamento, consumo inteligente, eficiência energética • Um novo coBaterias • Cibersegurança e segurança das infraestruturas de energia • njunto de riscos
Fonte: BP Statistical Review of World Energy 2016.
Fonte: BP Statistical Review of World Energy 2016.
5. Consequências para o futuro e estratégia Termino com algumas considerações sobre fatores que considero fundamentais para o futuro,
5. CONSEQUÊNCIAS O FUTURO E ESTRATÉGIA do ponto dePARA vista estratégico, apresentando também na figura 18 as componentes de uma
possível visão sobre o mundo da energia em 2030. Termino com algumas considerações sobre fatores que consi- apresentando também na figura 18 as componentes de uma dero fundamentais para o futuro, do ponto de vista estratégico, possível visão sobre o mundo da energia em 2030. Figura 18. Visão do mundo da energia até 2030 TRANSPORTES
MERCADO DO PETRÓLEO
MATRIZ ENERGÉTICA MUNDIAL
• Penetration of gas in boats (LNG), trucks and taxi fleets (US) • Growing share of electric cars • Internal combustion engines fighting for survival
•
Mais gás
• •
Mais energias renováveis Menos carvão
• Peso decrescente do petróleo
• Capacidade de reduzir e controlar custos • Como competir num mundo com baixos preços do petróleo
• Similar to telecommunications revolution • Self-driving cars with technologies of information
GERAÇÃO DE ENERGIA • Inovação e tecnologias emergentes • Produção distribuída • Evolução dos modelos de negócio • Novos serviços de resposta à procura, fornecimento, armazenamento, eficiência energética
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• Competição baseada em algoritmos, sensores, processamento - o modelo da internet
MERCADO DO GÁS
ENERGIA 2030 • Uma visão do mundo em 2030, dos muitos “mundos possíveis” que compõem a realidade atual • 4 grandes tendências: - Eletrificação - Descarbonização - Otimização - Localização
TECNOLOGIAS E RISCOS • Tecnologias disruptivas na área do armazenamento, consumo inteligente, eficiência energética • Um novo coBaterias • Cibersegurança e segurança das infraestruturas de energia
• A ascenção do gás • O LNG (Liquefied natural gas) como força motriz da globalização do mercado do gás • O menos poluente dos combustíveis fósseis
ENERGIAS RENOVÁVEIS • Parcela crescente da matriz mundial • Crescerá de 5% em 2015 para 20/25% em 2050 • Grande redução dos custos da energia solar: 75% em 6 anos • Papel dos capitais de risco • Energia oceânica: uma “máquina oculta” de energia
Descarbonização
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Tecnologias limpas Papel da China O pós-Paris
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Descarbonização Tecnologias limpas Papel da China O pós-Paris Respostas estratégicas a uma agenda de baixo carbono
A primeira consideração é sobre as previsões apontarem para uma ascensão imparável do consumo de energia primária do planeta, com o desenvolvimento da economia e o crescimento demográfico. Em 2035, a China deverá consumir mais de 4 mil milhões de toneladas equivalente de petróleo por ano, o que significa um salto enorme, passando a representar cerca de 28% da matriz energética mundial. Vai ser um ator fundamental no futuro, estando alinhado com as principais tendências. Em segundo lugar, o novo paradigma energético, com as smart grids, a digitalização e a internet da energia, que está a caminho. Para além disso, estão a ocorrer mudanças espetaculares a nível dos modelos de negócio, particularmente no âmbito da geração elétrica e térmica. Existe uma série de novas empresas a operar nos EUA, compostas por jovens saídos das universidades, que vão aos clientes para terem uma procura inteligente, trabalham com a gestão da procura, do abastecimento, do armazenamento e da eficiência energética. Quais são os meios de combate que têm? Algoritmos, sensores, poder de processamento da informação e bom marketing. Isto está a convulsionar as grandes companhias de geração elétrica e térmica nos EUA, porque as companhias convencionais (utilities) são verticalizadas, com o calcanhar de Aquiles de terem que investir milhões, às vezes biliões de dólares, para manter uma capacidade de geração elétrica e responder ao pico do consumo. Mas atualmente não há pico, com esta gestão do consumo inteligente, a chamada revolução dos megawatts. Quer na armazenagem quer noutros desenvolvimentos estamos a assistir
MERCADOS E MODELOS DE NEGÓCIO • • •
Globalização do mercado de gás Melhorar a eficiência do capital Mercados de capital e investimento em energia
a uma espécie de revolução como a que aconteceu há alguns anos na indústria dos computadores, em que tínhamos os mainframes e os terminais e, de repente, temos o armazenamento na nuvem e a internet. A internet da energia está a caminho e pode revolucionar muitas coisas. Em terceiro lugar, gostaria de referir as nanotecnologias, ligadas a esse extraordinário cientista do século XX, o Professor Richard Feynman, que em 1956, numa aula na Universidade de Caltech, na Califórnia, afirmou que “there is plenty of room at the bottom”. Estas são tecnologias que operam à escala infinitesimal, com novos materiais e que estão a mudar muita coisa. Apesar de falarmos muito da necessidade de descarbonização, sendo evidente que queimar carbono tem algumas consequências negativas para o planeta, a realidade é que o carbono não vai desaparecer. Temos hoje toda uma geração de novos materiais - os nanotubos de carbono, as fibras de carbono e o grafeno - que são indispensáveis para a eletrónica, para os sensores, para os materiais de muitos aviões, para novas reconfigurações, para a impressão 3D, etc. Perto de Chicago foi impresso o primeiro carro do mundo de forma tridimensional, tendo demorado 44h. A impressão 3D é o que se chama de “additive manufacturing”, ou seja, com camadas e camadas, e pode vir a revolucionar muita coisa, com grande impacto para as indústrias existentes. Em quarto lugar, as potencialidades da economia circular, que gera ganhos triplos, ao nível económico, social e ambiental. No plano económico aumenta a eficiência na utilização das matérias-primas e na reutilização dos materiais,
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ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS •
ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS
MERCADOS E MODELOS DE NEGÓCIO • • •
Globalização do mercado de gás Melhorar a eficiência do capital Mercados de capital e
as cidades inteligentes, são tudo exemplos de ideias que estão realmente a mudar o mundo. E é por isso que, apesar dos grandes desafios e dos problemas que temos, penso que a tecnologia, a imaginação e a criatividade humana podem dar uma boa resposta a todas estas questões. gerando mais eficiência em todos os segmentos da cadeia industrial. Em termos sociais impede o desperdício, melhora a gestão dos resíduos e sensibiliza os cidadãos para um uso mais sustentável dos recursos. Nos ganhos ambientais destaca-se a reparação e reciclagem de produtos, a alteração de um paradigma de exploração exponencial dos recursos, evita a deterioração do sistema climático da terra, altera hábitos e converte lixo em recursos. Por último, o papel das cidades, as quais são vitais para tudo o que se está a passar. Na minha opinião, as cidades são a maior invenção do Homem, porque marcaram a morte da distância, são uma plataforma giratória que agrega o capital humano, são fontes de inovação e possibilitaram todos os grandes desenvolvimentos tecnológicos. Se olharmos para a História, foi nas ruas de Florença que nasceu o Renascimento e das ruas de Birmingham que saiu a Revolução Industrial. Hoje são as ruas de Tóquio, Bangalore, ou Nova Iorque que estão a mudar o mundo. As cidades ocupam apenas 2% da superfície do planeta, mas concentram mais de 50% da população mundial, sendo atualmente responsáveis por 75% do consumo de energia e 80% das emissões. A China está a organizar o seu território em torno das chamadas “megacidades”, que são atualmente 24, cada uma delas com 100 milhões de habitantes. Olhando para a nossa realidade nacional, poderíamos ter uma megacidade Porto-Lisboa com Aveiro e Coimbra no meio, que se tornasse um grande competidor mundial. A questão da escala é absolutamente decisiva, bem como a inserção nas redes, cadeias de abastecimento, e o pensamento em termos de fluxos. As cidades enfrentam grandes desafios, incluindo a questão da segurança energética e da sustentabilidade. A sustentabilidade é um conceito multidimensional que deve questionar a lógica de “crescimento constante” e combater o desperdício de recursos. Assim, as cidades precisam de novos modelos em termos de gestão da água, de gestão da energia, do tratamento de resíduos, de novos modelos de mobilidade e transporte baseados nos transportes públicos, nos carros elétricos e na eliminação dos engarrafamentos, bem como de novos modos de acesso e distribuição dos recursos. Não existirá sustentabilidade sem uma nova visão para o desenvolvimento de cidades mais inteligentes. Para terminar, é interessante olharmos para o exemplo da revolução em curso no setor automóvel. Temos esta luta entre o motor de combustão interna no topo, com o gás ou o petróleo, e depois os motores elétricos. Segundo um estudo do MIT, até 2050, todos os tipos de veículos vão ter o seu progresso em termos de diminuição do consumo de combustível e de limitação das emissões. No entanto, se durante mais de um século todas as inovações foram feitas
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dentro da indústria, atualmente, pela primeira vez, as inovações aqui estão a vir do exterior: nos motores elétricos é o grupo Bolloré em França ou a Tesla, nas baterias é a LG ou a Panasonic, nos sistemas de processamento de informação é a Google ou a Microsoft. O próprio conceito de carro está a mudar, pois no passado era uma peça de hardware, mas no futuro é simultaneamente hardware, software, sistemas de processamento de informação, sensores, um escritório onde iremos trabalhar, um produto que se vai dirigir sem condutor. Na realidade, a indústria automóvel está a passar por uma revolução similar à das telecomunicações. Há uns anos, a Nokia e a Motorola dominavam completamente o mercado e, de repente, é a HTC e a Apple. Os fabricantes de automóveis de hoje arriscam-se a ser assemblers das inovações que vêm do exterior, de outros setores, se não tiverem resposta para os desafios atuais. Com a inteligência artificial, tudo está a mudar. E aqui a mecânica quântica e a computação quântica têm um impacto extraordinário. Em 1986, Richard Feynman visitou o Instituto de Los Alamos, onde trabalhou no projeto Manhattan e, no fim da visita disse “esqueçam estes computadores, daqui a alguns anos vão ter que substituir tudo isto por computadores quânticos”. A computação atual funciona em sistemas binários, com 0 e 1, mas no mundo quântico podemos ter os cubits com várias combinações, o que aumenta o poder de computação. Mas, para mim, o grande trunfo que permitirá que a computação quântica se afirme é a segurança. No mundo quântico há o denominado entanglement das partículas quânticas, ou seja, se mexermos numa partícula, tal é sentido no próprio segundo em que interferimos. Se olharmos para os atuais problemas do ciberterrorismo e para a imensa vulnerabilidade da nossa civilização em relação aos hackers, provavelmente a computação quântica será mais eficaz, mais veloz e mais segura. Estamos realmente a viver tempos fascinantes, com ideias que estão a mudar o mundo em vários setores e vertentes, conforme resumido na infografia da figura 19. O dinheiro digital (que pode mudar toda a forma como se negoceia a energia, porque acaba com os intermediários), a economia partilhada, a inter-conetividade global, a internet nos olhos das pessoas (por exemplo para os engenheiros mecânicos que fazem as inspeções vai ser extraordinário ter numa lente a informação das máquinas e dos materiais), as roupas ligadas à internet, o supercomputador no bolso, o big data, a internet das coisas, as neuro-tecnologias, as cidades inteligentes, são tudo exemplos de ideias que estão realmente a mudar o mundo. E é por isso que, apesar dos grandes desafios e dos problemas que temos, penso que a tecnologia, a imaginação e a criatividade humana podem dar uma boa resposta a todas estas questões.
Figura 19. Século ideias XXI: que podem mudar FiguraXXI: 19.As Século As ideias queo mundo podem mudar o mundo A ECONOMIA PARTILHADA e NOVOS MODELOS de NEGÓCIO • O “Asset-light” Model • Modelo UBER • A digitalização da Economia
A Interconectividade Global • Telemóveis/Smartphones ao alcance de todos • A presença digital de grande parte da Humanidade
O BITCOIN O Blockchain Maior inclusão Financeira Maior Transparência Combate à corrupção
AS CIDADES INTELIGENTES • Maior eficácia na utilização de recursos
• A tecnologia cada vez mais pessoal
SÉCULO XXI AS IDEIAS QUE PODEM MUDAR O MUNDO
• Novos modelos de gestão dos transportes, água, energia , resíduos
AS NEUROTECNOLOGIAS
• O primeiro ser humano cujo genoma é desenhado e editado à nascença?
• Cuidados de Saúde • Tomar melhores decisões
UM SUPER-COMPUTADOR NO BOLSO de CADA PESSOA • Participação económica dos mais desfavorecidos • Acesso à Educação/Skills • Expansão do mercado / ecommerce • Participação Cívica
A INTERNET das COISAS
• O primeiro ser humano com memória artificial?
• A visão como nova interface • Os óculos da Google e o seu impacto nos serviços, indústria, navegação, educação, lazer, namoro
AS ROUPAS LIGADAS À INTERNET
O DINHEIRO DIGITAL • A confiança digital • • • • •
A INTERNET nos OLHOS DAS PESSOAS
• A conectividade do carro, escritório, casa, fábricas, aparelhos • Maior eficiência na utilização dos recursos • Aumento da produtividade • Criação de novos negócios
BIG DATA • Armazenamento e processamento da informação • A mudança das profissões: Jornalistas/Médicos/Advogados • As Bases de dados
• A extensão da memória pessoal • A AI na pesquisa e na tomada de decisões
DEBATE jete o que queremos a 25/30 anos e que nos integre nas Entre as questões abordadas, salienta-se o impacto que DEBATE redes e fluxos globais, sob pena de ficarmos de fora de todas as “revoluções” em curso – tecnológica, do conhecisoluções e projetos importantes (como o “one belt, one mento, geopolítica, etc. - estão a ter no mundo da energia road”, já referido intervenções). Temos de em ter conse nos vários setores, porquestões um lado, e oabordadas, papel que o setor da Entre as salienta-se o impacto quenastodas as “revoluções” curso – ciência das nossas fragilidades em termos ambientais, energia podetecnológica, dar – e está a dar a estes desafios. do conhecimento, geopolítica, etc. - estão a ter no mundo da energia e nos vários uma vez temospode um interface o setores, por um lado, e o papel que o setor da que energia dar – marítimo-terrestre e está a dar - a eestes impacto dos fenómenos sentir-se-á mais nas zonas de desafios. interface entre o mar e a terra. E projetar a longo prazo Neste âmbito, focou-se particularmente o de caso de Portugal, contextodenacional forma estratégica,debatendo-se porque existe aotendência nos e de como nos podemos preparar para estas mudanças, quer em termos centrarmos nos acontecimentos – comointernos o mar a quer entrardas nossas mais-valias e posicionamento internacional. Portugal tem experienciado revolução em Ílhavo ou em Esposende há poucos anos,a ou os fogos do conhecimento, pelo acesso generalizadoemà2017 educação e à formação, tendo hoje ativos – e depois a esquecê-los, ou então a falarmos importantes e matéria-prima em termos demuito recursos de inovação e de durante tempo e humanos, de forma recorrente dos mesmos conhecimento. No entanto, é preciso umfenómenos pensamento projete o quemedidas queremos a 25/30 sem que que sejam tomadas integradas anos e que nos integre nas redes e fluxos eglobais, sob pena de ficarmos estratégicas, com princípio, meio ede fim.fora de soluções e projetos importantes (como o “one belt, one road”, já referido nas intervenções). de ter Quando temos esse pensamento estratégico,Temos conseguiconsciência das nossas fragilidades em termos ambientais, temos um interface mos bons resultados.uma Foi o vez casoque do processo de reflexão estruturada e de debate público que levou ao documento Neste âmbito, focou-se particularmente o caso de PorEnergia 2010, onde se apresentaram os desafios políticos tugal, debatendo-se o contexto nacional e de como nos em termos de descarbonização, diminuição da dependência podemos preparar para estas mudanças, quer em termos energética, aumento da eficiência e outros, incluindo os insinternos quer das nossas mais-valias e posicionamento trumentos e programas para prosseguir esses objetivos (ininternacional. Portugal tem experienciado a revolução do cluindo o programa E4, leis, restruturação da administração conhecimento, pelo acesso generalizado à educação e à pública em termos dos organismos, regulação independente, formação, tendo hoje ativos importantes e matéria-prima etc.). Isto teve resultados, como o crescimento das energias em termos de recursos humanos, de inovação e de conherenováveis e a redução da dependência energética de 86% cimento. No entanto, é preciso um pensamento que pro-
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para 74%. Portugal tem hoje entre 1/4 e 1/5 de eletricidade de energia eólica, tem uma incorporação nacional no fabrico dos equipamentos entre os 70% e os 90% (conforme a marca do gerador), houve uma substituição da importação de carvão e gás natural e toda esta estratégia permitiu o nascimento de um cluster anteriormente inexistente, que emprega atualmente milhares de pessoas e que exporta entre 400 a 500 milhões de euros de equipamentos e bens transacionáveis. O processo valeu a pena e teve resultados, mas atualmente o país está parado nesta área. Por esta razão, não basta apenas realçar os fenómenos positivos de evolução do nosso país nas últimas décadas – como foi o caso das eólicas, uma história de sucesso na criação de valor em Portugal – mas é preciso reforçar as políticas públicas em várias áreas, para dar quadros de referência onde as pessoas possam atuar. A energia eólica desenvolveu-se em Portugal porque existiu uma visão para o setor, que estava explanada no E4 e que depois teve expressão em vários concursos e medidas, no estabelecimento de metas e de regras. É necessário que as opções sejam claras noutras vertentes do setor energético e numa perspetiva de médio prazo, particularmente porque a energia é um setor muito mais pesado em termos de investimento do que as telecomunicações, ou seja, os setores de produção ou de consumo duram mais anos e custam mais dinheiro. No debate foi referido como exemplo da falta de visão estratégica a questão da prospeção de gás no Algarve, em que não foi realizado um debate abrangente nem se incluiu a questão no âmbito de um modelo energético mais vasto, por exemplo de combinação da exploração de gás com as energias renováveis. Foi tomada a decisão de suspender os projetos tendo em conta a realização de eleições autárquicas este ano e, naturalmente, as empresas rumaram a outros destinos. A prospeção de gás em offshore, especialmente em jazidos convencionais, é muito segura e gera riqueza, podendo propiciar mais uma alavanca de desenvolvimento económico, desde que seja sustentável e respeite as regras ambientais. E existem exemplos de onde podemos tirar lições importantes, como o Brasil ou a Noruega, que fazem prospeção offshore e têm centros de proteção ambiental ao longo de toda a costa. Torna-se, assim, urgente e necessário ter um debate sobre políticas públicas nos setores que consideramos prioritários para o nosso país e que seja sério, abrangente e estruturado, com base em informação fidedigna, para definir respostas para a energia, a mobilidade, a gestão do espaço urbano e várias outras questões interligadas. Isto já não acontece há bastante tempo. Há uma parte que é da responsabilidade dos políticos e outra que diz respeito à sociedade civil e à intervenção cívica estruturada, com um papel importante no debate e na resolução de problemas concretos (tendo
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sido destacado o papel das universidades e das autarquias, nomeadamente para pensar as cidades). Um exemplo do papel da sociedade civil referido durante o debate foi o setor do calçado, onde foi feita uma verdadeira revolução nas últimas duas décadas por via da associação do calçado e das suas seis centenas de membros: substituição e/ou requalificação da mão-de-obra não qualificada, substituição de produtos, punch de internacionalização de moda/design de marca, como se fossem multinacionais e mantendo o tecido económico muito disperso. Isto prova que é possível ter essa intervenção estruturada, abrangente e integrada, tendo em vista o que queremos atingir no futuro. Relativamente à escassez de inteligência nas políticas públicas, foi referida a publicação “Porque falham as Nações?”, em que Daron Acemoglu e James Robinson enunciam três fatores fundamentais para o sucesso dos países, sendo um deles a qualidade das instituições. Ora vivemos num país que não cultiva muito essa qualidade e que até destrói instituições (veja-se o setor dos serviços florestais, por exemplo). Estes autores referem igualmente a inteligência nas políticas públicas, particularmente no plano económico, em que é necessário pôr o mercado a funcionar de acordo com a visão estratégica que temos e não o contrário. Frequentemente não damos muita atenção àquilo que os economistas denominam de design mechanisms, ou seja, os incentivos que se devem implementar e por no mercado para que os jovens empreendedores possam atuar nesse mercado, possam criar as empresas, tenham acesso ao capital de risco, possam desenvolver e implementar as suas ideias. Em Portugal, os clusters e os ecossistemas que se criaram à volta das universidades são muito promissores, só que é também necessário haver escala e mercado. Foi referido, a este propósito, o exemplo de Évora, com a InovGrid, que foi muito bem recebida pela população – imagine-se poder ler num ecrã digital o consumo, e ajustá-lo sem ter de gastar dinheiro – e que hoje deveria estar implementada em várias cidades portuguesas. Os recursos humanos existem e as ideias também, o que pode dar origem a laboratórios de experiências de startups, a soluções ligando as universidades, ligando empreendedores (não apenas jovens, mas também tradicionais); mas para isso é preciso criar condições e um caldo de cultura positivo, de risco e de experimentação. O terceiro fator referido pelos autores do livro, ao qual não damos importância no nosso país, é a construção de mercados inclusivos. No setor energético dos EUA, isso é evidente, com os jovens que saíram das universidades a terem condições para atacarem o modelo de negócio das grandes elétricas, das utilities, funcionando através de algoritmos, processamento da informação, programação. Ou seja, no nosso país não faltam as ideias e o conheci-
mento, mas é preciso dar condições para implementação dessas ideias. E isto é particularmente importante numa altura em que a digitalização da economia abre muitas oportunidades: a maior companhia de táxis do mundo, a Uber, não tem um táxi; a maior companhia de redes sociais do Mundo, o Facebook, não fabrica um conteúdo; o Ali Baba, que é o maior revendedor do Mundo, não tem um armazém. Foi também referido que Portugal deve explorar o recurso geográfico que é o mar. A bacia atlântica está a ser revitalizada, a abertura do canal do Panamá vai abrir múltiplas oportunidades, e 90% do comércio do mundo faz-se por mar, ou seja, seguir o comércio é seguir a riqueza. É necessário pensar o país, não apenas na sua dimensão continental, mas também com as regiões autónomas, fazer os nossos portos penetrar nas redes marítimas de tráfego energético, fazer a ligação aos grandes armadores mundiais. Isto está ligado também a outro recurso, a plataforma continental, cuja extensão para 4 milhões de kms2 deverá ser aprovada pelas Nações Unidas. É uma extensão do tamanho da Índia projetada no Oceano Atlântico. E é preciso não esquecer os grandes recursos estratégicos existentes em toda esta área, incluindo o facto de a sul dos Açores existir a maior mancha de sulfuretos polimetálicos do mundo - os quais têm calcopirite de onde sai cobre, têm galena de onde sai chumbo, têm esfalerita de onde sai zinco – e de a norte dos Açores existirem grandes crostas de manganês, cobalto e níquel. Para aproveitar estes recursos é preciso desenvolver uma estratégia, valorizar o oceano, criar nos Açores polos científicos, construir uma política de alianças (com empresas, com universidades), atrair companhias internacionais. Neste modelo estratégico que é preciso desenvolver, a atração do investimento é fundamental, incluindo a questão da articulação entre as instituições e a questão jurídica. Existem exemplos de empresas criadas por portugueses e com criação de postos de trabalho em Portugal, mas cuja sede não é no nosso país, devido às dificuldades ao nível jurídico, fiscal e administrativo. Isto não diz respeito apenas ao IRC, mas principalmente à estabilidade, rapidez e previsibilidade do sistema fiscal, do sistema administrativo de licenciamento, de relacionamento com o Estado e do funcionamento da justiça. A reforma do setor da justiça é uma das questões para a qual são necessários o consenso e a ação, no quadro da visão e implementação das políticas públicas. A previsibilidade das políticas é outra, uma vez que as regras do jogo não podem mudar várias vezes a meio de um projeto ou de um investimento. Ainda no âmbito da visão estratégica, outro exemplo referido foi a rede de transportes europeia, uma vez que a União Europeia está a investir 16 mil milhões de euros nesta rede lançada há poucos anos, que inclui o corredor do Atlân-
tico (de onde saem quatro portos de Portugal para ligar ao resto da Europa). O que estamos a fazer em relação a isso? Estas redes transfronteiriças e o modelo estratégico de resposta podem mudar muita coisa. Em suma, Portugal poderia ser um polo de liberdade na experimentação de novas soluções, se existisse capacidade para políticas públicas estáveis, reforço das instituições e resolução rápida de alguns problemas práticos, em associação com uma visão e um modelo estratégico positivo para o futuro. Para além do contexto nacional foi debatido o enquadramento global, as tendências e o contexto dos países em desenvolvimento, particularmente no que respeita ao enorme potencial das energias renováveis, que permitem aproveitar os recursos endógenos dos países. E não há nenhum país no mundo com sucesso se não olhar para os seus recursos endógenos, não construir um cluster tecnológico com base neles e não investir no mercado. Apesar de grande parte da matriz energética do continente asiático ainda ser dominada pelo carvão, isso terá de se reduzir significativamente no futuro. Essa tendência já está em curso, como se demonstra pelas políticas indiana e chinesa, que tiveram já resultados ao nível das emissões do planeta. Foi salientado o caso da Índia, onde está em curso uma alteração da matriz energética que assenta não apenas na passagem do carvão para o gás, mas também na implementação das energias renováveis de forma descentralizada, nomeadamente fora da rede, podendo revolucionar o acesso à energia. Já a China está a investir em grandes redes estruturais que lhe permitam essa transição. Nomeadamente, encontra-se a construir a maior rede elétrica de super alta tensão - 800 kilovolts de corrente contínua - para escoar as novas energias renováveis. Foi inaugurado recentemente um parque fotovoltaico com 46 km2 e 2 mil megawatts, e um eólico com 1200 megawatts, estando em projeto mais 30 mil quilómetros de linha de super alta voltagem de corrente contínua (que tem menos perdas). Atualmente, a China é já o maior investidor do mundo em energias renováveis e só a energia solar cresceu 60% neste país, em 2015. Com efeito, a China está presente em várias “revoluções” em curso, nomeadamente no setor dos transportes (carros elétricos, sistemas de motorização, etc.), onde pretende rivalizar com o Ocidente, afirmando mesmo essa intenção quer em documentos políticos quer nos media. E isto faz parte da tendência geopolítica mais abrangente, discutindo-se atualmente se o centro de gravidade da economia mundial está a passar do Atlântico para o Pacífico. Foi expressa a opinião de que isso não significa uma substituição do Atlântico pelo Pacífico, do Ocidente pelo Oriente, ou dos EUA pela China, mas sim a tendência para um sistema multipolar complexo, em que o papel da China e dos países asiáticos é cada vez mais importante.
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Nos países em desenvolvimento tem havido saltos tecnológicos brutais em várias áreas, incluindo no setor energético. Em várias zonas de África há um crescimento enorme dos sistemas de telecomunicações, dos pagamentos e funcionamento bancário através de telemóveis, do acesso à banca, que está a revolucionar as economias, não seguindo necessariamente os modelos tradicionais do Ocidente. Existem projetos de energias renováveis com um grande impacto na vida das pessoas, na sua saúde e educação, tendo sido dado o exemplo dos fornos solares com um sistema triplo que permite cozinhar os alimentos, aquecer e descontaminar a água, e dar energia à noite. A descentralização da energia solar é, portanto, um aspeto que pode ter grande impacto nos países mais pobres. Questionado sobre o ritmo da mudança na matriz energética mundial, um dos oradores defendeu que é impossível passar das energias fósseis para as energias renováveis de um dia para o outro, no contexto atual. Foi evidenciado o facto de o petróleo e o gás continuarem a dominar a matriz energética mundial por várias razões, incluindo a versatilidade e a competitividade. Podemos armazenar petróleo e gás e consumi-los quando necessário, mas o mesmo não pode ser feito com a eletricidade a larga escala. Mas essa descoberta acontecerá certamente no presente século, bem como outras inovações que contribuirão para a mudança de paradigma que já está em curso. Foi referido o exemplo de um laboratório perto de Chicago que se encontra a desenvolver as chamadas flow batteries, em que os materiais são simultaneamente elétricos e eletrólitos. A qualidade da eletricidade é muito importante para a economia do conhecimento e para a sociedade digital e as renováveis são intermitentes se não houver capacidade de armazenagem. Até lá, a combinação com o gás pode propiciar essa vertente. Foi salientado, ainda, que os custos das energias renováveis estão a declinar de forma muito clara; nesse âmbito, poucos terão hoje dúvidas de que a energia eólica, especialmente onshore, é altamente competitiva, e que vai fazer o seu caminho no futuro. O cenário mais provável de transição nos próximos anos é, portanto, o de continuação de um papel importante para os combustíveis fósseis, embora com uma redução do peso do petróleo e aumento do gás a par de um aumento das energias renováveis, até para caminhar no sentido das metas definidas pela Conferência de Paris. Para além disso,
deverá haver uma diminuição clara do peso do carvão e um aumento da aposta numa combinação de energias renováveis, gás e eletricidade. O ritmo destas mudanças pode ser impulsionado por políticas públicas que apostem numa diversificação da matriz energética. Foi também mencionado que as várias perspetivas sobre os dados podem influenciar os resultados e a própria tomada de decisão. Nomeadamente, a análise das energias renováveis como energia primária resulta num peso muito pequeno destas energias na matriz energética mundial, mas o que interessa ao consumidor é a energia final, a energia consumida. Por exemplo, se analisarmos os dados da contribuição da energia eólica e solar para a geração elétrica mundial, verificamos que já é bastante significativa - na ordem dos 15-17% - e com um peso crescente. As energias fósseis são mais ineficientes no processo físico de serem transformadas de energia primária em energia final, pelo que têm mais peso nessa energia primária. Precisamos de 3 unidades de carvão para produzir 1 de eletricidade, de 2 unidades de gás natural para produzir 1 de eletricidade, de 1,1 de unidade de potencial hidroelétrico para produzir 1 de eletricidade, e nas energias solar e eólica não é tão importante a taxa de conversão, porque os recursos são infinitos. Isto significa que, se focássemos a nossa análise na energia final, o peso das renováveis seria muito maior, pelo que o público, os governantes e os decisores teriam uma perceção completamente diferente. No entanto, o mindset e a linguagem da energia são ainda muito formatados pelos combustíveis fósseis e hidrocarbonetos (medidas de equivalência ao petróleo), até no quadro da Agência Internacional de Energia e das grandes instituições internacionais, pelo que há todo um caminho a percorrer também a esse nível.
3h
de debate
50
participantes
ORADORES Carlos Pimenta
Membro do Conselho de Administração do NovEnergia II e membro da Direção da Plataforma para o Crescimento Sustentável
António Costa Silva
Presidente executivo da Partex Oil & Gas e Professor catedrático do Instituto Superior Técnico
MODERADORA Helena Garrido
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Jornalista
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O PAPEL DA DIPLOMACIA CIENTÍFICA NA PAZ E NO DESENVOLVIMENTO 26 MAIO 2017 CARLOS MOEDAS / LUÍS AMADO
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“
A União Europeia é um grande contribuinte financeiro na área da ciência e inovação, mas nem sempre a utilidade e relevância desse apoio são assumidas no plano público e político.
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LISBON TALKS 1/2017
O PAPEL DA DIPLOMACIA CIENTÍFICA NA PAZ E NO DESENVOLVIMENTO PALÁCIO FOZ
A globalização é incontestável e trouxe benefícios para muitos, mas também gerou desigualdades, pelo que é necessário “civilizar a globalização”. A ciência e a inovação têm um contributo importante a dar nesse sentido. Na Europa, existe um certo elitismo na ciência e inovação, quando estas devem estender-se à sociedade e ao cidadão comum. Temos de saber vender aquilo que fazemos em ciência, e conseguir transformar essa ciência fundamental em produtos. A União Europeia deve avançar mais no aprofundamento de três vertentes da interação entre ciência e diplomacia /
V
ivemos momentos difíceis e delicados que interpelam os políticos para pensarem a forma como têm olhado o mundo nos últimos dez anos. O tema da globalização vai certamente definir os próximos dez anos em termos de política, pelo que gostaria de centrar a minha intervenção na ligação dessa globalização com a minha missão na ciência europeia, salientando de que forma é que a ciência e a globalização podem funcionar para melhorar os padrões de vida de todos nós no futuro. Os pais fundadores da União Europeia pensaram sempre que a geoeconomia levaria a uma maior integração geopolítica. Robert Schuman dizia que “a Europa não se fará num só dia nem com um só plano, far-se-á de realizações concretas”, portanto de geoeconomia, o que levaria a uma solidariedade de facto. Penso que o que deixou de funcionar na máquina e nesta ideia de que a geoeconomia levaria a uma integração geopolítica foi exatamente o facto de a geoeconomia se ter globalizado e a geopolítica se ter lo-
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política externa: a “Science for Diplomacy” (a ciência pode ajudar a diplomacia, estabelecendo pontes), a “Science in Diplomacy” (agregar conhecimentos na resolução dos desafios globais) e a “Diplomacy for Science” (a forma como a diplomacia também ajuda na resposta a esses desafios) . A União Europeia deve assumir no plano político e multilateral uma visibilidade e influência que corresponda ao seu peso financeiro, uma vez que é um grande contribuinte financeiro na área da ciência e inovação, mas nem sempre a utilidade e relevância desse apoio são assumidas no plano público e político.
calizado, verificando-se uma dessincronização entre estes dois mundos que levou à sua separação e ao contexto atual. Se olharmos para a globalização percebemos porque é que isso aconteceu. Percebemos que os políticos mais à direita defenderam uma globalização que parecia apenas positiva, enquanto os partidos mais à esquerda expressaram as suas dúvidas através de uma radicalização contra a globalização. Penso que a globalização não é má nem boa, é um facto. Tentar parar a globalização é um pouco como tentar
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colocar um dedo num rio e pensar que esse rio vai parar. E quando olhamos para a globalização como um facto, o percebemos é em parte o que Branko Milanovic descreve no seu “gráfico do elefante”, ou seja, que a globalização foi boa para muitos. Foi boa para mil milhões de pessoas, ou seja, para aqueles que saíram da pobreza extrema, mas também foi boa para aqueles que eram muito ricos e ficaram muito mais ricos. Mas a globalização foi má para outros, como a classe média dos países desenvolvidos.
“EU ENCARO ESTA CIVILIZAÇÃO DA GLOBALIZAÇÃO COMO UMA ARMA POLÍTICA PARA CONECTAR E CONTACTAR COM AS PESSOAS QUE PERDEMOS NOS ÚLTIMOS VINTE ANOS” Se a globalização provocou esta desigualdade no nosso mundo ocidental, como é que podemos mudar este contexto? Qual deve ser a nossa prática, enquanto políticos, para podermos alterar esta globalização que criou desigualdades e que hoje sentimos que não nos trouxe nada? Efetivamente parece que a globalização não trouxe nada àqueles que vivem em Portugal, Espanha, França, na Europa Ocidental; trouxe-nos tecnologia e inovação, mas parece que não sentimos isso diretamente nas nossas vidas. Quando olhamos para este contexto, penso que temos uma oportunidade política para a Europa, ao termos um papel de “civilizar a globalização”, como refere Pascal Lamy, que define bem qual pode ser o papel da Europa no futuro. É neste papel que temos que nos centrar como europeus, porque as outras partes do Mundo não estão interessadas na civilização da globalização, ou seja, em reduzir essa desigualdade. Eu encaro esta civilização da globalização como uma arma política para conectar e contactar com as pessoas que perdemos nos últimos vinte anos. Tal pode ser feito de uma maneira externa e de uma maneira interna. Relativamente à política externa da União Europeia, temos um trabalho profundo a fazer em relação ao contexto atual do comércio internacional. Em primeiro lugar, constatamos que as empresas chinesas presentes na Europa podem ser financiadas pelo nosso programa de Ciência, porque nós acreditamos num mundo aberto, mas as nossas empresas europeias na China não podem ser financiadas pelo programa nacional chinês, ou seja, não há reciprocidade. Penso que o primeiro princípio para se idealizar a globalização em termos de política externa é focalizarmo-nos nesta ideia política de reciprocidade. Se não tivermos reciprocidade estamos a criar desigualdade, porque temos o mercado de compras públicas maior e mais aberto do mundo, e se deixamos que os outros participem no nosso mercado também têm que deixar que participemos no deles. Só quem quiser jogar por estas regras poderá participar e só assim conseguiremos, de cer-
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ta forma, criar um mundo mais igual em termos da política externa do comércio. O segundo ponto tem a ver com a aplicação de sanções para quem não cumpra as nossas próprias leis. Nós temos a sorte de ter grandes traços de identidade, que às vezes esquecemos. Quando vivi nos Estados Unidos, senti que viver fora da Europa nos torna mais europeus. E parte desse sentimento europeu tem a ver com o facto de existir, até há muito pouco tempo, uma intolerância maior à desigualdade do que noutras partes do mundo. Dos 16 países mais iguais do Mundo, 14 são na Europa. Temos um equilíbrio muito grande entre o coletivo e o individual, e quando vivemos noutras partes do mundo verificamos que temos um equilíbrio muito maior. Isto para além de termos maior atenção às políticas de ambiente e de clima, o que sentimos como uma característica nossa que contrasta com as outras partes do mundo. Temos que ter, portanto, um enforcement superior das nossas leis, ou seja, quem cumpre as nossas regras pode participar no nosso mundo da globalização e quem não as cumpre não pode participar. Finalmente, verificamos que as pessoas sentem hoje a questão dos impostos como uma injustiça: como é que podemos ter uma globalização em que as empresas não pagam impostos onde produzem os seus benefícios? Isto é um princípio básico para a globalização, ou seja, se eu produzo num determinado local, pago impostos nesse local. Foi isto que a minha colega Margrethe Vestager [Comissária Europeia para a Concorrência] fez, através da multa aplicada à Apple no valor de 12 mil milhões de euros, exatamente porque esta empresa não pagava impostos no local onde produzia os seus iPhones. É preciso coragem para tomar estas medidas, que no fundo dão um sinal de que a Comissão Europeia tem poder para as tomar, quando muitas vezes vivemos o drama de não ter poder efetivo para tomar decisões em muitas áreas. Neste contexto, devemos estar atentos ao futuro do Livro Branco sobre a Europa e como é que este poderá clarificar o projeto europeu. Para além de civilizar da globalização na parte externa, devemos igualmente olhar para nós e pensar no que podemos fazer em relação à parte interna. Isto significa analisar o que está a falhar na Europa. Da minha parte, vejo muitas vezes o que está a falhar na área da inovação e da ciência. Temos a melhor ciência do mundo, pois temos apenas 7% da população global mas 35% da produção científica mundial, mas depois não sabemos capitalizar aquilo que fazemos. Não sabemos vender aquilo que fazemos em ciência, nem conseguimos transformar essa ciência fundamental em produtos. Há algumas semanas, a NASA anunciou a descoberta de sete novos planetas, três deles em zona habitável, mas esqueceu-se de dizer que a única coisa que fez foi alugar o telescópio a um europeu de Liége, um grande cientista belga que recebeu uma das maiores bolsas euro-
peias de ciência, do European Research Council. Ou seja, essa bolsa acabou por se traduzir na descoberta de novos planetas, mas o anúncio foi feito pela NASA. Este cientista explicou-me que, não tendo telescópio, teve de alugar um telescópio da NASA e assim foi feita a descoberta, porque apenas e só na Europa ainda se admite hoje a possibilidade de investir na intuição científica. Esta capacidade europeia pode levar-nos também a liderar o mundo da globalização, porque somos atores que ainda acreditamos na intuição dos nossos cientistas, e essa inovação disruptiva proveniente de várias áreas é uma das nossas características mais importantes. Com efeito, no mundo atual, a inovação é apenas para alguns e não para todos, ou seja, a difusão da inovação no mundo digital devia ser automática mas parece não o ser. Isto porque não estamos a evoluir no sentido da interdisciplinaridade e da capacidade de termos uma inovação além-fronteiras, pelo que devemos apostar cada vez mais nestes elementos. Outro ponto relacionado com tudo aquilo em que falhámos nos últimos anos é a falta de investimento, porque os Estados Unidos investem mais 200 mil milhões do que a Europa, o que tem efeitos extraordinários para os EUA menos bons para o continente europeu. Por fim, existe um pilar simultaneamente interno e externo, que tem a ver com a diplomacia científica, onde temos atualmente um papel único. A Europa tem um poder de atracão de cientistas de outras partes do mundo e uma capacidade única de fazer com que essa ciência chegue não só aos ricos, mas também aos pobres, através de três instrumentos de diplomacia científica que gostaria de salientar.
“TEMOS A MELHOR CIÊNCIA DO MUNDO, POIS TEMOS APENAS 7% DA POPULAÇÃO GLOBAL E 35% DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA MUNDIAL, MAS DEPOIS NÃO SABEMOS CAPITALIZAR AQUILO QUE FAZEMOS” Como é que podemos usar a ciência, que não tem fronteiras, que sempre foi global muito antes de nós sermos globais? É bom relembrar que Einstein escreveu sozinho, em 191415, três papers que mudaram o mundo (sendo um deles a Teoria Geral da Relatividade) e que, 100 anos depois, o paper científico que prova que as ondas gravitacionais respeitam o que Einstein já tinha sonhado contou com 1000 autores, todos de países diferentes. Isto demonstra como a ciência mudou ao longo do último século e se tornou mais global, embora tenha sido sempre mais global do que outras matérias. Em termos de diplomacia científica, a definição da Royal Society estabelece três áreas para as quais devemos olhar, como formas de ajudar no combate à desigualdade trazida pela globalização: a “Science for Diplomacy”, a “Science in Diplomacy” e a “Diplomacy for Science”.
Para mim, “Ciência para a Diplomacia” (Science for Diplomacy) significa as formas de a ciência ajudar a diplomacia. Como é que a ciência pode criar pontes onde não temos pontes? Um exemplo a referir foi um projeto no Médio Oriente sobre um acelerador de partículas na Jordânia, à semelhança do CERN na Suíça, em que sentámos à volta da mesa israelitas, palestinianos, paquistaneses e iranianos. Ver um israelita e um palestiniano a falar de ciência e a desenvolver uma relação que nunca tinham tido fez-me sentir que a ciência pode tornar-se útil à diplomacia de maneiras muito únicas. Assim, temos vindo a investir neste tipo de projetos que conseguem sentar à mesa países que, de outra forma, não desenvolveriam um relacionamento positivo. Outro exemplo é um projeto sobre dois temas que serão dos mais importantes para o nosso futuro, a água e a alimentação, desenvolvidos com todos os países do Mediterrâneo. Mais uma vez, a primeira reação está sempre ligada ao problema de sentar Israel com os outros países. Se isso não acontecesse o projeto também não avançava. Se conseguirmos reunir de forma efetiva estas pessoas durante muitos anos a falar de ciência, vamos seguramente ter um efeito na política, e este papel da ciência tem sido relativamente subestimado. Na Comissão Europeia, o comissário da ciência e inovação não faz formalmente parte do grupo de comissários da Ação Externa e eu pedi para participar nas reuniões de maneira informal. Esta área não é vista pelos Ministérios dos Negócios Estrangeiros como uma arma da diplomacia, mas hoje já se começa a reconhecer esse valor, porque em muitas relações a única maneira possível é através da ciência, uma vez que as outras pontes já não existem. Como exemplo, refira-se a assinatura de um acordo da Associação de Cientistas da Ucrânia com a União Europeia. Foi um momento histórico, porque dávamos um sinal à Ucrânia que podiam contar connosco, e a primeira associação que eles tinham à Europa foi através da ciência. Fizemos o mesmo na Tunísia, onde associámos os cientistas tunisinos ao programa europeu, e isso foi muito emocionante porque era a primeira vez que a Europa lhes dava um sinal de que tinha valido a pena tudo o que tinham passado e o que tinham feito na revolução.
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A “Ciência na Diplomacia” (Science in Diplomacy) consiste na resolução dos desafios atuais, que são globais por definição. Isto leva-me a um campo mais delicado, o da soberania. Vivemos há 400 anos, desde a paz de Vestefália, nesta ideia de que a soberania é um direito. Jean Bodin dizia que a soberania é o direito de imprimir moeda, de cobrar impostos e de declarar a guerra. Num mundo de desafios globais, a soberania deixa de ser um direito e passa a ser uma obrigação que tenho para com os meus vizinhos, ou pelo menos assim o vejo e assim o interpreto. Richard Haass refere, num artigo extraordinário denominado “World Order 2.0”, fala exatamente desta obrigação que temos, para evitar efeitos e externalidades negativas sobre os meus vizinhos. Isto porque os desafios são globais e só podem ser resolvidos por vários países em conjunto. A ciber-segurança, ou o ambiente e o clima, são temas sem fronteiras que vêm desafiar o próprio conceito de soberania, impossíveis de resolver sozinhos. Um exemplo evidente de “ciência na diplomacia” foi a crise do Ébola, com a qual me deparei quando cheguei à Comissão Europeia. Em 2014, era preciso começar a trabalhar numa vacina para o Ébola, mas análise histórica demonstrava que teria sido possível chegar a uma vacina uma década antes, se os países tivessem estado de acordo. Ninguém o fez. Teria custado, segundo estimativas, cerca de 20 milhões de euros, enquanto a crise do Ébola custou 11 a 12 mil mortos e mais de 4.5 mil milhões de euros. Isto aconteceu porque continuamos a viver num paradigma em que cada país quer fazer a sua parte, mesmo em áreas como a saúde. Outro exemplo é a resistência aos antibióticos. No ano 2000, cada país tentava tomar as suas medidas, mas foi a União Europeia que pôs esta matéria na agenda e começou a fazer as primeiras comparações da resistência aos antibióticos nos vários hospitais europeus, porque cada país não tinha sequer capacidade ou escala para resolver a questão. Foi devido a estas ações que os holandeses tomaram consciência, em 2002-2003, do excesso de antibióticos dados aos seus animais, por comparação com os congéneres europeus, tendo então corrigido essa questão. Assim, a “Ciência na Diplomacia” consiste exatamente na capacidade de resolver estes desafios globais. Finalmente, a “Diplomacia para a Ciência” (Diplomacy for Science) consiste em como a diplomacia pode, também, ajudar a ciência nesta resolução dos problemas globais. A ciência tem bastante a aprender com a Diplomacia sobre como civilizar esta globalização, como estudar este tema em termos económicos, como analisar os dados que temos no contexto da diplomacia e da ciência. Vivemos atualmente num mundo de big data, mas temos muitos dados
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e pouca análise dessa informação. Estamos a desenvolver um projeto de cloud para todos os cientistas europeus, em que poderemos ter essa capacidade para fazer a análise de dados económicos e, assim, estudar exatamente o que foi a globalização. Se olharmos para os dados da globalização, verificamos que, antes da I Guerra Mundial, 33% do PIB mundial era comércio internacional, mas no fim da II Guerra Mundial o comércio internacional pesava apenas 7% no PIB global. Durante a I Guerra Mundial o PIB caiu 14% e na II Guerra Mundial caiu 22%. Se estudassem a história económica e da globalização, os populistas e os extremistas defendem o encerramento das fronteiras e a tomada de medidas protecionistas conseguiriam perceber que o fechar da economia só nos trouxe pobreza. Com este tipo de estudos, e através da História europeia, temos de conseguir levar a diplomacia para a ciência, para conseguirmos passar a mensagem na Europa e no mundo.
“SE ESTUDASSEM A HISTÓRIA ECONÓMICA E DA GLOBALIZAÇÃO, OS POPULISTAS E OS EXTREMISTAS DEFENDEM O ENCERRAMENTO DAS FRONTEIRAS E A TOMADA DE MEDIDAS PROTECIONISTAS CONSEGUIRIAM PERCEBER QUE O FECHAR DA ECONOMIA SÓ NOS TROUXE POBREZA” Quando Benjamin Franklin decidiu assinar a Declaração da Independência, um cientista britânico seu amigo, Joseph Priestley, escreveu-lhe uma carta onde lhe dizia que “a ciência das nossas Nações pode estar em paz, mesmo e quando a sua política está em guerra”. Era um pouco esta a mensagem que vos queria deixar hoje, ou seja, a capacidade que a ciência tem para ajudar a diplomacia e vice-versa, porque só assim conseguiremos diminuir este elitismo em que a inovação e a ciência são só para alguns. Tornar a ciência em algo para todos é um grande desafio que temos pela frente.
DEBATE No debate, o Comissário foi questionado sobre a influência do facto de ser português e qual o papel de Portugal na área da ciência e inovação. De facto, Portugal não é, à primeira vista, rapidamente identificado como um país de ciência e inovação, e o trabalho de um Comissário Europeu português nesta área pode contribuir indiretamente para alterar essa perspetiva. Na realidade prática, Portugal tem empresas e cientistas de primeira ordem, tendo sido referidos como exemplos a Fundação Champalimaud na área neurológica, a Veniam relativamente à “internet das coisas” na cidade do Porto, ou a presença de potenciais Prémios Nobel que escolheram Portugal como espaço para desenvolverem os seus projetos. É necessário valorizar não só estes exemplos, mas também dar maior visibilidade a instrumentos que a Europa utiliza para apoiar a ciência e que são fator de prestígio nacional, como é o caso das bolsas do Centro Europeu de Investigação atribuídas a cientistas portugueses, em si mesmas um reconhecimento do trabalho de excelência. Embora exista por vezes um negativismo derivado das dificuldades e da crise, a perspetiva em Portugal está a mudar, como se vê pelo aproveitamento dos programas europeus. No programa anterior, Portugal contribuiu com um montante semelhante ao que beneficiou (cerca de 500 milhões de euros) mas no programa atual já conseguiu 400 milhões, em metade do tempo. Foi abordada a inteligência artificial (IA) e a sua interação com o emprego e a política. A tecnologia avança mais rapidamente do que a política, estando atualmente a entrar em áreas muito reguladas como a energia, a alimentação ou a água, o que faz com que se tenha de relacionar de formas diferentes com a política e os políticos. A escolha e decisão política são importantes para definir o que queremos que a IA seja na Europa: queremos que nos substitua em tarefas repetitivas e nos ajude a ser mais inteligentes, ou queremos que a IA nos substitua por completo? Carlos Moedas considerou que existe uma ideia exagerada sobre o que a IA poderá fazer nos próximos anos e que será impossível substituir a inteligência humana nos tempos mais próximos. Por outro lado, a componente digital e a IA liberta tempo para tarefas criativas, em vez de estarmos a repetir tarefas, o que nos torna pessoas melhores e mais felizes. Temos de acreditar que a IA vai contribuir, também, para criar novas profissões. As profissões nunca acabarão porque sempre existirão problemas para resolver. Se olharmos para a última década, vemos que foram criadas muitas profissões que nem sabíamos que poderiam existir. Nos últimos dez anos, na Europa, conseguimos criar mais de 10 milhões de novas profissões e postos de trabalho, ou seja, existe criação de emprego. Para além disso, o mundo digital é um mundo para todos, ou seja, todos podem par-
ticipar e trabalhar no mundo digital, pelo que teremos de ter a capacidade para incluir pessoas com variados níveis académicos e de formação. Foi salientada a ideia de que a produtividade não é só inovação e de que a ciência tem de chegar a todos. Neste momento, as melhores empresas do mundo continuam a ter altos índices de produtividade, mas as empresas médias estagnaram. Ou seja, o desafio atual está em passarmos essa produtividade, que está circunscrita aos melhores, para toda a sociedade – algo que sempre aconteceu mas que não acontece atualmente. Algo similar acontece na ciência e inovação, uma vez que, tal como Mario Draghi afirmou numa conferência sobre ciência e inovação no Banco Central Europeu, a Europa não diminuiu o nível nesta área, continuando a inventar, a inovar e a criar novos produtos, mas verifica-se um défice de capacidade para levar tudo isto para toda a economia. A própria ciência e inovação mudaram tanto nos últimos anos, que as empresas não estão a ser capazes de atrair os talentos que hoje inovam, porque estes são muito caros e situam-se na interseção das disciplinas. A difusão desta produtividade passa pela capacidade de continuarmos a investir na ciência, de mudarmos os nossos sistemas de ensino no sentido da interdisciplinaridade e de criarmos sistemas mais “bottom-up”, menos dirigistas e mais multidisciplinares. Ligada à ideia de difusão da ciência e da inovação, está também a implementação e replicação de programas que tenham a capacidade de ligar as pessoas ao projeto europeu. Foi referido o Programa Erasmus como um desses programas, bem como a necessidade de levar o Programa Ciência para além da comunidade científica, conectando-o com a comunidade. De qualquer forma, tudo é definido com grande antecedência na Comissão Europeia, pelo que é preciso uma visão estratégica de futuro nestes programas. O comissário foi questionado especificamente sobre a cooperação europeia com África, tendo referido um pilar específico da última fase do Programa Horizonte 2020 para o relacionamento com os países africanos, bem como a existência de projetos que estabelecem novas relações numa base de igualdade e com ganhos mútuos, nomeadamente o projeto EDCTP no setor da saúde, sobre o HIV-SIDA, a malária e outras doenças, com a participação de 11 países europeus e 11 países africanos. Foi referida a fragmentação dos programas europeus, nomeadamente na área da inovação, o que gera um desconhecimento e falta de entendimento dos cidadãos. No fundo, cada pessoa quis deixar a sua marca através da criação de programas, o que gerou uma enorme fragmentação. A ideia para o futuro seria a de criar um European Innovation
79 O PAPEL DA DIPLOMACIA CIENTÍFICA NA PAZ E NO DESENVOLVIMENTO LISBON TALKS 2017/2018
Council, que englobe todos os programas e que apresente uma visão mais unificada para a inovação. A questão da desigualdade gerada pela globalização foi amplamente referida pelos participantes e pelo orador, interligando-a com os populismos e protecionismos que renascem na Europa. Carlos Moedas considerou esquizofrénico considerar que voltar para trás (com medidas protecionistas e perspetivas nacionalistas, por exemplo) pode trazer alguma solução a problemas que são globais e que exigem respostas concertadas. Uma forma de reduzir a desigualdade criada pela globalização é conseguir que a União Europeia tenha uma maior capacidade de implementar regras que exijam às empresas o pagamento de impostos – e o seu pagamento no local onde produzem. Atualmente, a população em geral paga um nível de impostos muito superior ao que é pago por grandes empresas, o que, apesar de ser feito por meios legais, suscita questões éticas e cria grandes desigualdades. Para além disso, coloca-se a questão de regulação do mundo digital, uma vez que ainda não percebemos bem como regular estas novas redes. Vivemos hoje num mundo em que as pessoas podem fazer afirmações racistas e xenófobas dentro de uma rede social, o que constitui um crime público mas não é crime dentro dessa mesma plataforma digital. Temos de trabalhar com essas redes sociais e com o mundo digital, que investir em inovação e ciência, que aumentar as nossas capacidades de regulação em certas áreas, de forma a conseguir reduzir essa desigualdade. A democracia só conseguirá sobreviver se conseguirmos diminuir as desigualdades criadas pela globalização. O comissário considerou que este não é um tema de esquerda ou de direita, mas que antes deveria suscitar um consenso entre todas as forças políticas. Um dos participantes referiu a ideia de que o crescimento ajuda a combater o populismo, e que nesse sentido, o fraco crescimento da Europa tem contribuído para uma enorme insatisfação de certas classes sociais relativamente aos decisores políticos nacionais, gerando assim as bases de reforço destes movimentos populistas no continente europeu. Nesse sentido, Carlos Moedas considerou que o crescimento diminui o populismo se não criar desigualdade, ou seja, se existir uma distribuição mais equitativa. Neste contexto, foi abordado o papel da União Europeia no futuro e o contributo do Livro Branco para a mudança
e para o crescimento. O Comissário considerou que o Brexit pode constituir uma grande oportunidade para fazer o que a União Europeia pretender, sem a desculpa constante de que o Reino Unido bloqueava ou queria algo diferente. Os cenários propostos pelo presidente Juncker não são para inventar uma Europa diferente, mas sim para a clarificar e para voltar a ligar a Europa aos cidadãos. Atualmente, as pessoas não percebem muito do que é feito pela União Europeia. Por exemplo, para negociar um tratado comercial com o Canadá, as pessoas não percebem como é que a Europa pode ficar refém da Valónia, de um parlamento regional, o que acaba por descredibilizar a atuação europeia. As pessoas exigem responsabilidades à Comissão Europeia por nada ter feito em relação ao desemprego juvenil, não percebendo que 99,7% do orçamento para essa área está nos Estados e não na Comissão Europeia. Existe uma falta de clareza relativamente à missão e mandato das organizações europeias nos vários setores. O objetivo dos cenários propostos pelo Livro Branco não é mais Europa, mas sim melhor Europa, uma Europa com um futuro mais claro. Um dos pontos importantes para o futuro da Europa será acabar com a quantidade de intermediários entre as instituições europeias e as pessoas. As pessoas gostam de programas como o Erasmus porque existe um relacionamento e interação direta mas, em muitos outros casos, esse apoio europeu não é visível e existem intermediários (em alguns casos, as autoridades nacionais) que anulam a visibilidade e utilidade do apoio europeu. Isto está também ligado ao ADN do funcionalismo público europeu, uma vez se construiu uma linguagem difícil de perceber e uma postura low-profile que deixa o crédito para os países ou para outras instituições, quando muitas vezes o apoio da União Europeia é o mais relevante em termos financeiros. Carlos Moedas defendeu que a União Europeia tem de deixar de ser low-profile de uma vez por todas, defendendo a visibilidade e utilidade daquilo que faz a todos os níveis e em todos os espaços. Deve também deixar de ser tão reativa e apostar em ser mais pró-ativa, assumindo a liderança quando tem conhecimentos e capacidade para o fazer, nomeadamente quando falamos em “ciência para a diplomacia”, em áreas tão diversas como a saúde, a energia, a segurança e o terrorismo. A ciência pode e deve ser um instrumento dessa proatividade da diplomacia europeia.
2h
de debate
120
participantes
ORADORES Carlos Moedas
Comissário Europeu para a Investigação, Ciência e Inovação
MODERADOR Luís Amado
80 CLUBE DE LISBOA DEVELOPMENT / SECURITY
Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros 2006-2011
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PARCERIAS LISBON TALK “CHINA’S FOREIGN STRATEGY AND EUROPE”
PARCERIAS LISBON TALK “CHINA’S FOREIGN STRATEGY AND EUROPE”
LISBON TALK “ANGOLA: QUE MUDANÇA?”
LISBON TALK “CHINA’S FOREIGN STRATEGY AND EUROPE”
LISBON TALK “ANGOLA: QUE MUDANÇA?” LISBON TALK “ANGOLA: QUE MUDANÇA?”
LISBON TALK “DEMOCRACIA E RESILIÊNCIA”
LISBON TALK “DEMOCRACIA E RESILIÊNCIA” LISBON TALK “DEMOCRACIA E RESILIÊNCIA”
LISBON TALK “SUSTENTABILIDADE E GEOPOLÍTICA DOS OCEANOS”
LISBON TALK “SUSTENTABILIDADE E GEOPOLÍTICA DOS OCEANOS” LISBON TALK “SUSTENTABILIDADE E GEOPOLÍTICA DOS OCEANOS”
LISBON TALK “ESTADOS FRÁGEIS OU ESTADOS DE FRAGILIDADE” LISBON TALK “ESTADOS FRÁGEIS OU ESTADOS DE FRAGILIDADE”
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