Revista in.disciplinar

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In.disciplinar (indisciplina + -ar) v.tr. fazer perder a disciplina; revoltar; sublevar

A palavra indisciplinar tem uma dimensão individual e colectiva e significa nunca nos contermos às fronteiras da disciplina individual, ousar saber mais com origem nas outras áreas que não a nossa, ousar passar a fronteira. Como se de um “contrabando“ de conhecimentos se tratasse, assim é o Mestrado de Estudos de Desenvolvimento, um caminho que nos leva a cruzar diferentes e distintos pensamentos para entender uma realidade que é, por si só, complexa e cheia de novos paradigmas. A essência do Mestrado é também um cruzamento de diversas dimensões e uma interligação de saberes, que constroem respostas numa interdisciplinaridade própria e fora do comum. Esta ligação é portanto inevitável e espelha o espírito deste projeto e de quem dele faz parte.

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Conselho Editorial Maria de Fátima Ferreiro Maria de Fátima Ferreiro, docente no Departamento de Economia Política do ISCTE-IUL. Doutorada em Economia, com docência e investigação nas áreas da história do pensamento económico, economia do território e economia social e solidária. É actualmente directora do Departamento de Economia Política e sub-directora da Escola de Ciências Sociais e Humanas do ISCTE-IUL. Foi em 2018 responsável pela direcção do Mestrado em Estudos de Desenvolvimento.

Luís Francisco Carvalho

Luís Francisco Carvalho é licenciado em Economia, pelo Instituto Superior de Economia e Gestão, da Universidade de Lisboa com o Mestrado em Desenvolvimento e Cooperação Internacional pela mesma escola. Em 2009 doutorou-se em Economia pelo ISCTE-IUL. No ano de 2017 foi o Diretor do Mestrado em Estudos de Desenvolvimento no ISCTE e um dos impulsionadores da Revista in.disciplinar.

Nota da Equipa José Manuel Henriques

José Manuel Henriques, Professor no ISCTE-IUL Instituto Universitário de Lisboa (www.iscte-iul.pt), Doutorado em Economia (Economia do Desenvolvimento), Mestre em Planeamento Regional e Urbano, é docente em Economia do Desenvolvimento nos cursos de Mestrado em Estudos de Desenvolvimento, Estudos Internacionais, Economia e Políticas Públicas, Economia Social e Solidária e Arquitectura dos Territórios Metropolitanos Contemporâneos. É investigador do centro de investigação Dinâmia-CET (https:// www.dinamiacet.iscte-iul.pt) onde é responsável pelo programa Planning for Social Innovation and Territorial Resilience in Places (Programa innPlaces).

Com o Conselho Editorial pretendemos um olhar de quem nos orienta, nos inspira e nos acompanha neste percurso académico. Dando espaço para que diferentes perspetivas tenham expressão, a rotatividade deste Conselho entre edições da Revista apela à colaboração de docentes, alunos e outros atores de referência no mundo do Desenvolvimento. O pontapé de saída está dado, agora contamos com as novas gerações de Desenvolvimentistas para continuar esta ideia!

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Ana Larcher Carvalho

Ana Larcher Carvalho é Professora Auxiliar Convidada no Departamento de Ciência Política e Políticas Públicas do ISCTE-IUL e investigadora do Centro de Estudos Internacionais (CEI-IUL). Leciona nos Mestrados em Estudos Africanos e Estudos do Desenvolvimento. Os seus interesses de investigação centram-se na crítica da cooperação internacional, nas alternativas para a transformação social nas sociedades africanas e na educação global. É consultora internacional na área do planeamento e avaliação tendo trabalhado para organizações multilaterais (ONU, Comissão Europeia, CEDEAO, OMC, BAD, Camões ICL) e organizações sem fins lucrativos (Plataforma ONGD Portuguesa, Gulbenkian, FEC, CAIS, Associação Positivo). Tem experiência profissional e de investigação em África e no Médio Oriente. Anima vários blogs, entre eles o “Guiné-Bissau.Docs”. Fez o doutoramento no Imperial College London.

Rogério Roque Amaro

Professor Associado do ISCTE no Departamento de Economia, tem sido consultor e formador de vários projetos de Desenvolvimento Local e de Luta contra a Pobreza e a Exclusão Social em Portugal e nos PALOP. É consultor do PNUD, da OIT, para as áreas de Desenvolvimento e Economia Social e Solidária, e do Governo Regional dos Açores. É membro fundador da Rede Portuguesa de Economia Solidária (RedPES) que pretende agregar as organizações, instituições, grupos informais e pessoas individuais, que se identifiquem com o conceito e as práticas de Economia Solidária.

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Conselho de Redação Um grupo de colegas dinâmicos, que sentiu vontade e necessidade de acrescentar um novo projecto ao seu percurso. De uma turma naturalmente curiosa, motivada, pioneira e indisciplinar, emergiu a iniciativa de se dar corpo a esta ideia. O caminho de conceção da revista, desde o conceito à prática foi envolvendo toda a turma, desde uma equipa mais restrita que ficou responsável por operacionalizar a ideia, passando por aqueles que reviram os artigos, até à contribuição de todos na escolha do nome. Assim, a ambição, a capacidade de sonhar, a atenção ao detalhe, a organização, o olhar estético e a ponderação foram os elementos chave para que o projeto funcionasse e conseguisse tomar uma forma colectiva, que espelha as características de um turma, de um Mestrado!

Coordenação da Revista Afonso Borga Inês Lages Margarida Simão Beatriz Carvalho Design Laura Moreno

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Índice Edição nº1 9

Organizações sem fins lucrativos em Portugal: uma breve análise do enquadramento legal Joana Luís

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Importância do Planeamento Estratégico nas organizações sociais, as condições para o sucesso e as suas limitações. Amadu Djaló

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Comércio Justo - Uma expressão da Economia Solidária Teresa Rodrigues

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The Relationship Between Chinese Third Sector and the Government Ren Haoxiang

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The Complex World of Humanitarian Assistance: Funding and Assistances Sara Bernardo

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A Economia Popular Informal de Luanda - Uma perspectiva Social e Solidária José Mavungo Cooperação Internacional na Saúde: Desafios das parcerias interorganizacionais. Reflexão a partir do caso do PIMI na Guiné-Bissau. Ana Margarida Vaz Gestão Intercultural em projetos de Intervenção para Social: A questão do género Beatriz Carvalho, Joana Luís, Laura Moreno, Tatiana Belota

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Impactes territoriais: Intencionais e não intencionais Eliseu Sequeira, Inês Lages, Maral Koohestanian, Patrícia Alegria, Sara Bernardo

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analisar a questão da definição das organizações do terceiro sector numa dupla perspetiva, que concilie os contributos da literatura com as regras instituídas pelo legislador português. Como tal, o objetivo final do presente artigo será confrontar os contributos da literatura com uma análise dos principais regimes jurídicos fixados para as organizações não lucrativas em Portugal, de forma a esclarecer quais são, afinal, estas organizações, o que fazem e como se distinguem de entidades afins.

I. Introdução

Organizações sem fins lucrativos em Portugal: uma breve análise do enquadramento legal por Joana Luís

O presente ensaio visa analisar os elementos essenciais do regime jurídico vigente para as organizações sem fins lucrativos em Portugal, identificando as principais tipologias de instituições existentes e distinguindo-as de outras figuras conexas. Para tal, confrontam-se os contributos da literatura atual com a disciplina prevista para estas organizações pelo legislador português. Por fim, conclui-se pela necessidade de promover uma maior unificação do sector, tanto ao nível teórico e dos conceitos utilizados, como ao nível jurídico. Palavras-chave: terceiro sector; economia social; organizações sem fins lucrativos; regime jurídico; legislação.

Em resposta à situação de crise económica vivida num passado recente, multiplicaram-se em Portugal novas formas de resposta social, que se traduziram num aumento do número e das tipologias de organizações sem fins lucrativos a operar no país. A variedade destas organizações conduz a dificuldades crescentes na delimitação das fronteiras do terceiro sector e na distinção do mesmo face a novas realidades de natureza híbrida. Todavia, identificar de forma concreta as entidades do terceiro sector, compreender como estas se distinguem entre si e quais as particularidades dos respetivos regimes jurídicos é essencial para fortalecer este sector e para o afirmar como alternativa real às soluções de Estado e mercado. E, embora este esforço tenha vindo a ser levado a cabo pela literatura, através de diversas abordagens que permitem caracterizar o terceiro sector, fixar os seus limites e identificar as organizações que o integram, constata-se que o tratamento destas questões pode beneficiar de uma análise jurídica mais apurada. De facto, para além de teórica, a delimitação do terceiro sector é também fruto de deliberações políticas do Estado, concretizadas em leis, que fixam as tipologias, finalidades e poderes de cada tipo de organização. Impõe-se, por isso,

II. As organizações sem fins lucrativos em Portugal •

O contexto atual

Na tarefa de caracterizar o con-

junto das organizações sem fins lucrativos em Portugal, somos antes de mais confrontados com circunstância de a este grupo serem aplicadas, de forma muitas vezes indiscriminada, designações como terceiro sector, sector não lucrativo, sector sem fins lucrativos, economia social e economia solidária, organizações não governamentais ou organizações da sociedade civil. Todos estes conceitos podem ser interpretados de forma a que lhes correspondam realidades e significados distintos1 e, como tal, a sua utilização como sinónimos para descrever o conjunto das organizações sem fins lucrativos acaba por dificultar a sua caracterização precisa e a definição dos seus limites.

1 A título de exemplo desta problemática note-se o caso do conceito de organização não governamental, que é muitas vezes utilizado para definir o conjunto das organizações sem fins lucrativos, e que, em sentido estrito, servirá apenas para qualificar um pequeno grupo destas organizações às quais o legislador português entendeu conferir um estatuto jurídico especial.

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E, se a mera designação a atribuir ao conjunto das organizações sem fins lucrativos não é consensual na literatura, a variedade de organizações existentes e a multiplicação de experiências hibridas entre os vários sectores têm tornado ainda mais complexo identificar os tipos concretos de entidades passíveis de serem integradas no sector não lucrativo. Uma referência útil para identificar as características concretas a observar pelas organizações incluídas neste sector, será a chamada definição estrutural-operacional2, utilizada como referência pelo projeto internacional Johns Hopkins Comparative Non-Profit Sector (CNP)3, e cuja lógica está presente também na Conta Satélite da Economia Social portuguesa4. De acordo com Franco et al. (2005), a definição estrutural-operacional implica que, para pertencer ao sector não lucrativo, uma entidade deva preencher os seguintes requisitos: • Organização: as entidades do sector não lucrativo devem ser formalmente registadas ou, quando tenham natureza informal, devem existir provas de, pelo menos, algum grau de permanência organizacional; • Natureza privada: as organizações devem distinguir-se do governo, não se integrando no respeito aparelho nem estando sujeitas ao seu controlo; • Não distribuição de lucros: conforme a própria designação indicia, ainda que a atividade das organizações do

sector não lucrativo possa determinar a criação de excedentes, os mesmo devem ser reinvestidos na própria organização e não distribuídos pelos membros ou dirigentes das organizações; • Auto-governação: as organizações do sector não lucrativo devem ser capazes de controlar respetivas atividades, mediantes procedimentos de governação que não estejam sob o controlo de entidades externas; e • Voluntariedade: de acordo com Andrade & Franco (2007) esta característica “pode significar que as organizações deverão ter algum grau de contribuições voluntárias, seja sobre a forma de mão-de-obra voluntária, seja sob a forma de doações de dinheiro ou e bens (em espécie). Existem, contudo, situações em que as organizações não têm um carácter voluntário interpretado desta forma. Assim, uma interpretação adicional ou alternativa poderá ser o facto de os membros pertencerem à organização de uma forma voluntária, e não por laços de sangue ou outras razões que contrariem a liberdade na adesão” (p. 19). Sem prejuízo de não eliminar todas as zonas cinzentas, a definição estrutural-operacional parece ajustar-se à realidade do sector não lucrativo português. À luz da mesma, podem verificar-se dúvidas quanto à integração no terceiro sector de dois tipos de entidades que são características da paisagem organizacional portuguesa: as associações mutualistas e as cooperativas. Tais duvi-

2 A definição estrutural-operacional, que tomamos como referência para a presente análise, não é, contudo, o único mecanismos para definição das entidades do terceiro sector. Uma outra definição de relevo é “designação europeia”, proposta pela Comissão Europeia. 3 O referido projeto consiste num esforço sistemático de análise do âmbito, estrutura, financiamento e papel do sector privado não lucrativo em vários países do mundo, de forma a aumentar o conhecimento sobre este sector e a estabelecer bases sólidas para o desenvolvimento de iniciativas públicas e privadas. Informação especifica sobre este projeto pode ser encontrada em: http://ccss.jhu.edu. 4 A primeira conta satélite da economia portuguesa surge na sequência da entrada em vigor da Lei de Bases da Economia Social portuguesa, que prevê no respeito artigo 6.º a necessidade de criação

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das relacionam-se, em ambos os casos, com o cumprimento do requisito da não-distribuição de lucros, imposto pela definição estrutural-operacional. Contudo, tem sido entendido que, no caso das associações mutualistas, a melhoria de benefícios resultante da existência de excedentes não corresponde a uma distribuição de lucros verdadeira e própria, não obstando à integração destas associações no terceiro sector. Da mesma forma, e sem prejuízo de o Código Cooperativo5 prever a distribuição de lucros pelas cooperativas, continuarão a integrar-se no sector não lucrativo as cooperativas de solidariedade social, cujos excedentes, de acordo com a legislação respetiva6, “reverterão obrigatoriamente para reservas”. Menos consensual será, a luz deste critério, a integração das empresas sociais no conjunto das organizações do terceiro sector. Segundo Borzaga e Defourny (2001) e Defourny (2001), citados por Cattani et al. (2009), as empresas sociais definem-se por “encerrarem atividades contínuas de produção de bens ou de serviços, por apresentarem alto grau de autonomia, assumindo riscos económicos, por com­portarem um nível mínimo de empregos remunerados, por adotarem objetivos explícitos de prestarem serviço à comuni­dade e por seus integrantes terem poder decisório independente da posse do capi­tal. Sua dinâmica de gestão é participativa, envolvendo diferentes etapas da atividade e distribuição limitada dos lu-

cros” (p. 188). Conforme resulta desta definição, as empresas sociais reúnem características específicas do terceiro sector e do sector empresarial, constituindo uma figura híbrida que, conforme adiante se constatará, ainda não tem consagração legal, mas é reconhecida por alguma da literatura como integrante do terceiro sector. Assim, e à luz das considerações acima tecidas, a literatura7 tem integrado no sector não lucrativo as seguintes entidades: associações, fundações, cooperativas, associações mutualistas, misericórdias, organizações não governamentais para o desenvolvimento (adiante designadas por ONGD) e instituições particulares de solidariedade social (doravante, IPSS). • O regime jurídico vigente Conforme resulta das considerações até agora tecidas, o sector lucrativo é caracterizado por uma grande diversidade de entidades, com diferentes naturezas, poderes e âmbitos de atuação. Todas estas matérias são objeto de concretização legal e, como tal, no nosso entender o enquadramento teórico do sector não lucrativo português não dispensa uma análise dos regimes jurídicos mais relevantes. Atualmente, a existência do “terceiro sector” é consagrada pela própria Constituição da República Portuguesa, que prevê, no seu art.º 81.º, que a organização

e manutenção de uma conta da economia social. As contas da economia social portuguesas incluem no seu escopo todas as entidades do terceiro sector consideradas no modelo Johns Hopkins e ainda entidades abrangidas pelo modelo europeu. 5 Lei n.º 119/2015, de 31 de agosto. 6 Neste sentido, vide art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 7/98 de 15 de janeiro. 7 Neste sentido, cfr.Andrade & Franco (2007); Franco (2005); Franco et al. (2005) e Leite (2014)

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económico-social do Estado assenta, entre outros princípios, “na coexistência do sector público, do sector privado e do sector cooperativo e social de propriedade dos meios de produção”. Este sector é adiante definido pelo art.º 82.º da Constituição da República Portuguesa como compreendendo especificamente: “a) Os meios de produção possuídos e geridos por cooperativas, em obediência aos princípios cooperativos, sem prejuízo das especificidades estabelecidas na lei para as cooperativas com participação pública, justificadas pela sua especial natureza; b) Os meios de produção comunitários, possuídos e geridos por comunidades locais; c) Os meios de produção objeto de exploração coletiva por trabalhadores; d) Os meios de produção possuídos e geridos por pessoas coletivas, sem carácter lucrativo, que tenham como principal objetivo a solidariedade social, designadamente entidades de natureza mutualista”. As disposições constitucionais agora citadas, que se limitam a prever e a caracterizar o sector cooperativo e social, são depois concretizadas pela Lei de Bases da Economia Social8 que, conforme a respetiva designação indicia, estabelece “as bases gerais do regime económico da economia social” e “as medidas de incentivo à sua atividade em função dos princípios e dos fins que lhe são próprios”.

Na prossecução deste objetivo de fixação das bases gerais do regime económico da economia social, a Lei de Bases da Economia social é sensível à problemática da indefinição dos contornos deste sector e estabelece, no seu art.º 5.º, um conjunto de princípios que deverão orientar a atividade das entidades da economia social. Tais princípios, que contribuem para delimitar as fronteiras deste sector, fazem eco dos critérios fixados a este respeito pela literatura, contando-se entre eles os requisitos já referidos da voluntariedade (prevista na al. b) do referido art.º 5.º da Lei de Bases), da autonomia de gestão face a entidades terceiras (prevista na al. f) do mesmo art.º 5.º) ou da afetação de excedentes à prossecução dos fins da entidade (al. g) do art.º 5.º)9. Para além de definir os contornos do terceiro sector através da fixação dos respetivos princípios orientadores, a Lei de Bases da Economia Social identifica ainda as tipologias concretas de entidades integradas neste sector, eliminando a controvérsia. Assim, e de acordo com disposto no art.º 4.º da Lei de Bases, consideram-se integradas na economia social: “a) as cooperativas; b) as associações mutualistas; c) as misericórdias; d) as fundações; e) as instituições particulares de solidariedade social não abrangidas pelas alíneas anteriores;

8 Lei n.º 30/2013, de 08 de maio. 9 Para além destes requisitos, o art.º 5.º da Lei de Bases da Economia Social prevê ainda: a) O primado das pessoas e dos objetivos sociais; (…) c) O controlo democrático dos respetivos órgãos pelos seus membros; d) A conciliação entre o interesse dos membros, utilizadores ou beneficiários e o interesse geral; e) O respeito pelos valores da solidariedade, da igualdade e da não discriminação, da coesão social, da justiça e da equidade, da transparência, da responsabilidade individual e social partilhada e da subsidiariedade …”

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f) as associações com fins altruísticos que atuem no âmbito cultural, recreativo, do desporto e do desenvolvimento local; g) as entidades abrangidas pelos subsectores comunitário e autogestionário, integrados nos termos da Constituição no sector cooperativo e social; h) outras entidades dotadas de personalidade jurídica, que respeitem os princípios orientadores da economia social previstos no artigo 5.º da presente lei e constem da base de dados da economia social.”10 Apesar de o conjunto de entidades da economia social estar agora claramente identificado, várias observações podem tecer-se a respeito desta matéria. Em primeiro lugar, é de destacar a circunstância de a identificação destas entidades obedecer mais ao tradicional critério da distinção entre as famílias associativa, cooperativa, mutualista e fundacional do que a um critério puramente jurídico (Leite, 2014). Veja-se, por exemplo, que a lei distingue entre associações com fins altruísticos, associações mutualistas e misericórdias, apesar de todas entidades se poderem integrar na categoria jurídica de associações. Ainda a este respeito salienta-se também que o ordenamento jurídico português não dispõe de um regime legal único para as organizações sem fins lucrativos. Pelo contrário, esta matéria está dispersa por um conjunto de legislação avulsa, que estabelece de forma autónoma o regime a aplicar a cada tipo de organização.

Como tal, importa conhecer a principal legislação aplicável a cada tipo de instituição identificado na Lei de Bases da Economia Social11 e compreender os pontos fundamentais do regime jurídico fixado para as mesmas pelo legislador português: Associações: conforme refere Leite (2014), quando falamos de associação “estamos a referir-nos a uma espécie de grande saco onde tudo parece caber” (p. 13) e onde encontramos entidades como as associações mutualistas e muitas das IPSS. Em termos gerais, as associações que não tenham por fim o lucro económico dos seus associados serão reguladas pelo Código Civil12, que trata especificamente esta matéria nos artigos 157.º e seguintes. De acordo com o Código Civil, as associações que cumpram propósitos não lucrativos adquirem personalidade jurídica quando sejam formalmente constituídas (art.º 158.º do Código Civil)13, sendo que tal constituição poderá ocorrer pela via tradicional, através da realização da escritura pública prevista no art.º 158.º do Código Civil, ou de imediato e com dispensa da escritura, através do balção “associação na hora”. Após a sua constituição formal, as associações passam a ser titulares dos direitos e a estar vinculadas às obrigações necessárias ou convenientes à prossecução dos seus fins – a capacidade das associações está, assim, limitada aos atos que sejam necessários ou convenientes ao

10 Conforme resulta da enumeração legal, e tal como acima antecipávamos, as empresas sociais foram excluídas no conjunto de organizações da economia social, opção esta que não reúnem o consenso da literatura. No sentido da inclusão das empresas sociais, vide, por exemplo (Leite, 2014) 11 Excluiremos apenas desta analise as entidades previstas na al. f) do art.º 4.º da referida Lei de Bases, pelo seu reduzido significado prático. 12 As associações criadas como pessoas coletivas de direito privado pelo Estado, Regiões Autónomas ou autarquias locais não são abrangidas pela presente lei, devendo essa criação ser sempre autorizada por diploma legal. 13 Atualmente as associações podem ser constituídas de imediato e com dispensa da realização de escritura publica, através do balcão “associação na hora”. Para além do recurso ao sistema “associação na hora”, as associações podem ainda ser constituídas pela via tradicional, com a realização da escritura publica prevista no art.º 158.º do CC.

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cumprimento dos seus objetivos. Naturalmente, a natureza não lucrativa destas entidades impede que sejam distribuídos pelos respetivos membros os excedentes produzidos na sequência da respetiva atividade. As associações com fins não lucrativos podem assumir diversos subtipos, como associações de bombeiros voluntários, de consumidores, de estudantes, de mulheres, ambientais e de deficientes, aos quais podem ser aplicados regimes jurídicos particulares14. Fundações: o reconhecimento das fundações pela legislação portuguesa é relativamente recente, remontando apenas ao ano de 1987. A par das associações, as fundações encontram-se especificamente previstas no Código Civil como entidades sem fins lucrativos. As mesmas distinguem-se, contudo, das associações, por implicarem a afetação de um património à prossecução dos respetivos fins. De acordo com o art.º 185.º do Código Civil, as fundações de interesse social podem ser instituídas por ato entre vivos ou testamento, devendo, no primeiro dos casos, constar de escritura pública. No ato de instituição da fundação é também crucial que o instituidor indique o fim da fundação, especifique os bens que lhe são destinados e fixe o destino a dar aos mesmos15. Para além da instituição, as fundações devem ser objeto de reconhecimento, mediante o qual a entidade competente confirmará que: a) os fins da fundação são consi-

derados de interesse social, designadamente por aproveitarem ao instituidor ou sua família ou a um universo restrito de beneficiários com eles relacionados; b) o património afetado é suficiente ou adequado ou gera rendimentos suficientes para garantir a realização daqueles fins; c) os estatutos não apresentam desconformidades com a lei16. O reconhecimento da fundação pela entidade competente determinará o inicio da respetiva personalidade jurídica, que também neste caso será limitada às finalidades necessárias ou convenientes à prossecução dos seus fins. Tal como acontece com as associações, também a natureza não lucrativa das fundações impede que os excedentes eventualmente produzidos na sequência das respetivas atividades sejam distribuídos, por exemplo, pelos membros da administração. Cooperativas: de acordo com o art.º 2.º do Código Cooperativo17, que estabelece o regime jurídico aplicável às cooperativas de todos os graus e às organizações afins, as cooperativas são “pessoas coletivas autónomas, de livre constituição, de capital e composição variáveis18, que, através da cooperação e entreajuda dos seus membros, com obediência aos princípios cooperativos, visam, sem fins lucrativos, a satisfação das necessidades e aspirações económicas, sociais ou culturais daqueles”. A constituição das cooperativas

14 Veja-se por exemplo, a Lei n.º 23/2006, de 23 de junho, que estabelece o regime jurídico do associativismo jovem, a Lei n.º 24/96, de 31 de julho, na versão mais recente conferida pela n.º 47/2014, de 28 de julho, que estabelece o regime legal aplicável a defesa dos consumidores ou, ainda, a Lei n.º 32/2007, que estabelece o regime jurídico das associações humanitárias de bombeiros. 15 Neste sentido, art.º 186.º do Código Civil. 16 Sobre os referidos requisitos, vide art.º 188.º do Código Civil. 17 Lei n.º 119/2015, de 31 de agosto, que aprova o Código Cooperativo e revoga a lei n.º 51/96, de 7 de setembro. 18 As cooperativas podem também ser participadas pelo Estado, conforme dispõe o art.º 6.º do Código Cooperativo, que prevê expressamente a possibilidade de existência de cooperativas de interesse público.

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deve obedecer, pelo menos, a forma escrita19, sendo que tanto a referida constituição como o regular funcionamento das cooperativas são atestados através da emissão de uma credencial pela Cooperativa António Sérgio para a Economia Social (adiante abreviadamente designada por CASES), nos termos dos artigos 115.º e 117.º do Código Cooperativo. Sem prejuízo de não prosseguirem finalidades lucrativas, as cooperativas em sentido lado procedem à distribuição de excedentes, conforme decorre dos artigos 16.º, n.º 1, al. e), art.º 18.º, n.º 2 e art.º 38.º al. f) do Código Cooperativo. De acordo com a definição estrutural-operacional que acima se tratou, esta distribuição de lucro excluiria a generalidade das cooperativas do terceiro sector. Contudo, esta situação parece ter sido especificamente acautelada pela Lei de Bases da Economia Social, que não só identifica as cooperativas em geral como parte do sector social, como destaca que o principio de afetação dos excedentes à prossecução dos fins das entidades não prejudica “o respeito pela especificidade da distribuição dos excedentes, própria da natureza e do substrato de cada entidade da economia social, constitucionalmente consagrada”20. Para além do regime geral das cooperativas contido no Código Cooperativo, tem especial relevo para a presente exposição o regime especifico das Cooperativas de Solidariedade Social, previsto pelo Decreto-Lei n.º 7/98, de 15 de janeiro. Isto porque, conforme acima

destacávamos, para alguns segmentos da literatura, este tipo de cooperativas serão as únicas passíveis de serem integradas no sector não lucrativo, por serem as únicas cujos excedentes são transformados em reservas21. De acordo com o art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 7/98, de 15 de janeiro, são “cooperativas de solidariedade social as que através da cooperação e entreajuda dos seus membros, em obediência aos princípios cooperativos, visem, sem fins lucrativos, a satisfação das respetivas necessidades sociais e a sua promoção e integração”. Ainda de acordo com a mesma disposição legal, as cooperativas de solidariedade social operam em domínios como o apoio a grupos vulneráveis, em especial a crianças e jovens, pessoas com deficiência e idosos, o apoio a famílias e comunidades socialmente desfavorecidas com vista à melhoria da sua qualidade de vida e inserção socioeconómica, entre outros. A natureza deste tipo de cooperativas, o seu legal funcionamento e os respetivos fins de solidariedade social são também confirmados através da emissão pela CASES da credencial prevista no Código Cooperativo. Misericórdias: as Misericórdias são das mais antigas organizações não lucrativas de Portugal. Dada a sua longevidade e a ligação tradicional à Igreja Católica e ao próprio Estado, a natureza e regime jurídico das Misericórdias reveste algumas particularidades. De acordo com

19 De acordo com o Decreto-Lei n.º 54/2017, de 02 de junho, é atualmente possível constituir imediatamente uma cooperativa, através do sistema “cooperativa na hora”. As cooperativas podem também ser constituídas através do procedimento tradicional, por instrumento particular/escritura pública, conforme previsto no art.º 10.º do Código Cooperativo. 20 Neste sentido, vide art.º 5.º, al. f). 21 Art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 7/98, de 15 de janeiro.

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a legislação em vigor, as Misericórdias são associações reconhecidas na ordem jurídica canónica, que têm como objetivo satisfazer carências sociais e praticar atos de culto católico, de harmonia com o seu espirito tradicional, informado pelos princípios da doutrina e moral cristãs. Sem prejuízo de serem pessoas coletivas de direito canónico, as Misericórdias gozam do estatuto de instituições particulares de solidariedade social, que lhes é conferido pela legislação civil22. Assim, a atividade das Misericórdias é regulada também pelo Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social (doravante IPSS)23 e, em particular, pelo aí disposto acerca das associações de solidariedade social. Associações mutualistas: de um ponto de vista estritamente jurídico, as associações mutualistas podem ser integradas no “grande saco onde tudo parece caber” (Leite (2014)) que são as associações. Todavia, este tipo de associações é objeto de regulamentação especifica no Código das Associações Mutualistas24. As associações mutualistas são definidas pelo respetivo Código como “instituições particulares de solidariedade social (…) que através da quotização dos seus associados praticam, no interesse destes e de suas famílias, fins de auxilio reciproco”. Neste sentido, os fins fundamentais das associações mutualistas compreendem a concessão de benefícios de segurança social e de saúde destinados a reparar as consequências da verificação

de factos contingentes relativos à vida e à saúde dos associados e seus familiares e a previr, na medida do possível, a verificação desses factos. Todavia, de acordo com o art.º 2.º, n.º 2 do Código das Associações mutualistas, estas entidades podem também prosseguir outros fins, de proteção social e promoção da qualidade de vida dos seus associados, através da gestão e organização de equipamento que visem o desenvolvimento moral, intelectual, cultural e físico dos associados e das suas famílias. As associações mutualistas são constituídas por escritura pública e, apenas adquirirão personalidade jurídica no ato da constituição, conforme previsto no art.º 13.º do respetivo Código. De acordo com o disposto no art.º 109 do Código das Associações Mutualistas, estas entidades estão sujeitas à ação tutelar do Estado, que garante o cumprimento da lei, promove a compatibilização dos fins e atividades das associações mutualistas com os fins legalmente previstos e defende os interesses dos associados. Entidades abrangidas pelos subsectores comunitário e autogestionário: a respeito desta última categoria prevista pela Lei de Bases da Economia Social, deixaremos apenas uma nota breve para salientar nela estão compreendidas entidades como as assembleias de compartes, os conselhos diretivos de baldios, os coletivos de trabalhadores e outras organizações de natureza comunitária25. Analisados os traços genéricos

22 Neste sentido, artigos 1.º e 2.º de Estatuto das IPSS (Decreto Lei n.º 119/83, de 25 fevereiro). 23 Decreto Lei n.º 119/83, de 25 fevereiro, na sua versão mais recente, conferida pela Lei n.º 76/2015, de 28 de julho. 24 Decreto-Lei n.º 72/90, de 30 de março. 25 Neste sentido, vide Conta Satélite da Economia Social de 2013.

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do regime jurídico previsto para as várias identificadas integradas no sector da economia social por via da Lei de Bases da Economia Social, importa fazer uma breve nota para distinguir estas entidades de outro tipo de figuras jurídicas que muitas vezes surgem associadas ao sector social. Em rigor, é frequente encontrar referências às IPSS, às organizações não governamentais para o desenvolvimento (ONGD) e às pessoas coletivas de utilidade pública enquanto entidades autónomas. Todavia, qualquer uma destas designações corresponde a um estatuto jurídico atribuído por lei a determinadas entidades, e não a uma tipologia de entidade propriamente dita. Assim, e em termos sucintos:

autónoma, mas antes a um regime especifico a que estão sujeitas muitas das entidades identificadas na Lei de Bases da Economia Social, tais como as associações mutualistas ou as misericórdias. Pessoas coletivas de utilidade pública: a concessão do estatuto de utilidade pública é também objeto de regulamentação legal, por via do Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de novembro, na sua versão mais recente conferida pelo Decreto-Lei n.º 391/2007, de 13 de dezembro. De acordo com o referido diploma, serão pessoas coletivas de utilidade pública as associações ou fundações que prossigam fins de interesse geral, ou da comunidade nacional ou de qualquer região ou circunscrição, cooperando com a administração central ou a administração local, em termos de merecerem da parte desta administração a declaração de utilidade pública. Nos termos do art.º 2.º e 5.º do mesmo inciso legal, o estatuto de utilidade pública pode ser requerido pela entidade interessada junto da Secretaria Geral do Conselho de Ministros, sendo declarada pelo Primeiro-Ministro. O estatuto de utilidade publica também ser obtido, ex lege, conforme se verifica, por exemplo, no caso das associações mutualistas ou, como veremos de seguida, das ONGD27. As entidades a quem seja conferido o estatuto de utilidade pública gozam das isenções fiscais que forem previstas na lei e, ainda, das regalias previstas no art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de novembro.

Instituições Particulares de Solidariedade Social: nos termos do respeito Estatuto26, são IPSS as pessoas coletivas, sem finalidade lucrativa, constituídas exclusivamente por iniciativa de particulares, com o propósito de dar expressão organizada ao dever moral de justiça e de solidariedade, contribuindo para a efetivação dos direitos sociais dos cidadãos, desde que não sejam administradas pelo Estado ou por outro organismo público. Este estatuto pode ser conferido a instituições que sigam a forma de associações de solidariedade social, associações mutualistas ou de socorros mútuos, fundações de solidariedade social e Irmandades da Misericórdia. Desta forma, e à luz do disposto nos artigos 1.º e 2.º do Estatuto das IPSS, compreende-se que as IPSS não correspondem a uma categoria jurídica

26 Decreto Lei n.º 119/83, de 25 fevereiro, na sua versão mais recente, conferida pela Lei n.º 76/2015, de 28 de julho. 27 Neste sido, vide art.º 16.º do Código das Associações Mutualistas.

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Organizações não governamentais para o desenvolvimento: a atribuição do estatuto de ONGD é especificamente regulada pela Lei n.º 66/98, de 14 de outubro. De acordo com o referido diploma, consideram-se ONGD as pessoas coletivas de direito privado, sem fins lucrativos, que tenham como objetivo a conceção, a execução e o apoio a programas e projetos de cariz social, cultural, ambiental, cívico e económico, designadamente através de ações nos países em vias de desenvolvimento nas áreas da cooperação para o desenvolvimento, assistência humanitária, ajuda de emergência e proteção e promoção dos direitos humanos. Para serem reconhecidas como ONGD, as referidas entidades devem proceder ao registo junto do Ministério dos Negócios Estrangeiros, sendo que o reconhecimento deste estatuto é apenas tem natureza temporária28 e pode negado ou revogado em caso de irregularidade. As ONGD registadas nos termos da referida Lei n.º 66/98, de 14 de outubro, adquirem automaticamente a natureza de pessoas coletivas de utilidade pública e gozam das isenções fiscais atribuídas pela lei a estas entidades.

III. Conclusões Pretendia o presente ensaio esclarecer quais são as organizações que integram o sector não lucrativo português, o que fazem e como se distinguem de entidades afins. Isto, através da análise dos contributos da literatura e do legislador português para a caracterização do referido sector. Finda esta tarefa, são diversas as conclusões que podem extrair-se da referida análise. Conforme resulta do que tem vindo a expor-se, as dificuldades de caracterização e delimitação do terceiro sector são hoje mitigadas pela Lei de Bases da Economia Social. O referido diploma foi sensível à problemática da indefinição dos contornos do sector da economia social e, como tal, procedeu a uma delimitação conceptual do mesmo e estabeleceu um conjunto de princípios orientadores a que devem obedecer todas as entidades que o integrem. Da mesma forma, é também a referida Lei de Bases que lança luz sobre uma questão de índole ainda mais concreta e define as tipologias concretas de entidades integradas neste sector. Sucede, contudo, que apesar de a intervenção do legislador português ter tido manifesta utilidade para fixar os contornos do sector social em Portugal, existem ainda diversas questões por resolver. Uma das questões mais fulcrais e que resulta particularmente evidente da análise da redação da Lei de Bases da Economia Social relaciona-se com o estatuto jurídico das ditas “empresas sociais”, entidades

que revestem natureza hibrida e adotam soluções que se inspiram também na lógica do mercado. Sem prejuízo de uma parte significativa da doutrina não hesitar em integrar este tipo de entidades no terceiro sector, o legislador português tomou a opção inversa, excluindo-as do elenco de organizações da economia social. Como resultado, as empresas sociais multiplicam-se na sociedade e ordenamento jurídico português, sem que beneficiem de um estatuto adequado às suas características, que não se compadecem com uma lógica puramente social ou mercantil. Atento o significado que estas entidades têm vindo a adquirir, a regulação legal das respetivas atividades apresenta-se como prioritária, não só como forma de proteger e fazer crescer estas iniciativas, mas também como garantia dos direitos do que delas beneficiam. Em paralelo, cumpre também destacar que, sem prejuízo do importante papel da Lei de Bases da Economia Social, o enquadramento legal do terceiro sector continua a ser extremamente complexo. Atualmente prolifera a legislação avulsa, que estabelece de forma autónoma o regime a aplicar a cada tipo de organização. Tal situação conduz a que a mesma organização possa ser titular de uma diversidade de estatutos, benefícios e categorias, previstos em leis distintas e aplicáveis em simultâneo, num contexto que torna complexo caracterizar as ditas organizações e compreender a plenitude do seu regime jurídico. Cremos que esta é uma fragilida-

de do sector, que gera incerteza naqueles que com o mesmo se relacionam e que prejudica o seu crescimento e afirmação. Assim, e em conclusão, consideramos que, sem prejuízo de hoje ser mais fácil definir o sector não lucrativo em Portugal e efetuar o seu enquadramento legal, continua a existir espaço para a intervenção do legislador português, não só no âmbito da fixação do regime jurídico das empresas socias, mas também na sistematização da diversa legislação avulsa em vigor.

28 O reconhecimento do estatuto de ONGD é efetuado por um período de dois anos.

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Antes de proceder, um esclarecimento conceitual seria preciso. Para efeito deste ensaio, os termos – “terceiro setor”, “ organização sem fins lucrativo” e “organização social” – são usados de forma intercambiável, ou seja, como sinónimos, indicando “uma organização de iniciativa privada, que fornece bens, serviços e ideias para melhorar a qualidade de vida em sociedade, onde poderá existir trabalho voluntário, e que não remunera os detentores ou fornecedores de capital” (Carvalho, 2005:23). A bem dizer, estas organizações têm como vocação resolver ou satisfazer necesidade, sendo a lucratividade substituída por outras variaveís, igualmente importantes como, por exemplo, aumento de qualidade de vida da população-alvo. Isto, obviamente, não significa dizer que a lucratividade não seja relevante para essas organizações, bem pelo contrário! Mas sim, diferentemente das empresas do mercado – cujo objectivo último da organização é prossecução e maximização do lucro – nas organizações socias, o lucro é visto como um meio para atingir os objectivos socias e desenvolver auto-sustentabilidade necessária para melhor desempenhar o seu papel. O trabalho está organizado de seguinte forma: num primeiro memento procurou-se fazer um enquandramento conceitual – definir o conceito de planeamento estratégico – , e de seguida, debruçou-se sobre a importância do mesmo para as organizações sem fins lucrativos.

I. Introdução

Por conta das constantes muta-

Importância do planeamento estratégico nas organizações sociais, as condições para o seu sucesso e as suas limitações. por Amadu Djaló

Due to ever-growing social and economic importance of NGOs, this piece sets out to analyze the importance of strategic planning – a management tool widely employed in business enterprises to take advantage of the opportunities presented by the environment as well as tackle the challenges that come alongside these opportunities – to NGOs, the conditions for its success and its limitations. One of the principal advantages of strategic planning for NGOs is that it serves as guidelines for an organization, guiding its decisions by taking into account the external environment and internal competences. Moreover, the results shows a strong positive correlation between strategic planning and company performance. However, for this tool to produce the expected results, some conditions need to be in place – participation of the stakeholders in the decision making process, in-depth analysis of external environment etc... Finally, despite its potential benefits, the tool is not without its shortcomings: difficulty associated with predictability of future and it may stifle creativity. Palavras-chave: organização sem fins lucrativos; organização social; terceiro sector; planeamento estratégico.

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ções no ambiente externo das organizações, o planeamento estratégico tem sido amplamente usado como ferramenta de gestão que auxilie as organizações em melhor adaptarem à este conturbado contexto, permitindo-as atingir, de forma mais eficiênte e eficaz, os objectivos estabelecidos. Dito de outro modo, devido a complexidade do ambiente externo onde as organizações estão inserido – incerteza sobre o futuro da economia e política, o rápido desenvolvimento tecnológico, mudanças sociais e demográficas, para citar apenas alguns – muitas organizações, inclusive as organizações sem fins lucrativos, sentiram a necessidade de desenvolverem capacidades e competências que lhes permitam tirar proveito das oportunidades decorrentes deste ambiente, bem como encarar os desafios daí provenientes (Ogonji, 2014). Com efeito, foi proposto a “ misteriosa fórmula” de strategic planning, sendo – supostamente – uma ferramenta de gestão que facilitasse as organizações atingirem eficazmente e de forma controlada os seus objectivos. Tendo em conta a relevância económica e social do terceiro sector, como também é conhecido, o presente trabalho tem como objectivo: discutir, embora de forma sucinta, a importância do planeamento estratégico nas organizações sem fins lucrativos; as condições para o seu sucesso e as suas limitações.

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Na terceira secção, discutiu-se sobre os presupostos para o seu sucesso e as suas limitações. Por fim, a conclusão deu uma reflexão final, ao mesmo tempo tecendo algumas recomendações que se impõem no contexto actual.

de melhor resposta à uma determinada circunstância e dinâmicas, muitas vezes, hosteis. No entanto, a organização é confrontada com um leque de opções das quais tem de escolher apenas uma, em detrimento das outras, tendo em consideração: as mudanças nas necessidades dos clientes/ população-alvo, disponibilidade de financiamento e factores de concorrência. Portanto, o planeamento estratégico requer uma clara identificação de alternativas existentes e subsequênte escolha de uma (a melhor), por isso, o processo é ou deve ser estratégico. Em boa verdade, qualquer processo dito “estratégico” pressupõe um elemento de escolha e toda escolha pressupõe renuncia que, por sua vez, implica uma sensação de perda. Isso só para dizer que é um processo complexo, doloroso e, amiúde, repleto de decepções. O segundo elemento chave da definição é a “sistematização”, isto é, o processo de planeamento estratégico pressupõe, por um lado, a sistematização de procedimentos, que ajudam a organização a atinguir de forma mais controlada e concentrada os seus objectivos (Carvalho, 86), e por outro, estabelecimento de um processo bem estruturado que permita a organização – utilizando as suas experiências e forças –, alinhar as suas estratégias com a sua missão e visão (Ogonji, 2014; Allison & Kaye, 1997). Um outro elemento que se destaca como chave na definição de planeamento estratégico é “priorização”, quer dizer, hierarquização dos itens segundo a

II. Enquadramento Conceitual

Ao longo dos anos vários são os

atores que procuraram propor uma definição concisa e aceitável para o conceito de planeamento estratégico; existem tantas propostas tanto quanto as tentativas. Assim sendo, não há uma única definição utilizada e aceite por todos os atores que se debruçaram sobre este tema. (Allison & Kaye, 1997; Mittenthal, 2002; Carvalho, 2005; Bryson, 2011). A falta da unanimidade não obstante, existe pontos de tangência, isto é, elementos, de algum modo, que todas as definições propostas contêm, ou ainda melhor, os pontos sobre os quais, quase todos concordam sobre a necessidade da sua inclusão na definição do conceito. Trata-se, no entanto, de elementos cuja inclusão seria condição sine qua non para definição do mesmo. Essencialmente, e reconhecendo a simplificação em que incorremos, podemos indentificar quantro elementos chave da definição do conceito. O primeiro elemento chave da definição é que o processo deve ser “estratégico”, pois, como sustentam Allison e Kaye (1997), o processo de planeamento estratégico envolve a escolha

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sua importância – assente no princípio de first things first. Por outro lado, este elemento remetenos igualmente para tomada de decisões sobre os meios e as metas do longo e curto prazo, sendo as metas do primeiro imbricadas nas do segundo. O quarto elemento chave é a inclusão e participação dos stakeholders no processo. Conforme a revisão bibliográfica feita, todos os autores que se debruçaram sobre este tema realçam a pertinência deste elemento (Allison & Kaye, 1997; Mittenthal, 2002; Carvalho, 2005; Bryson, 2011; Ogonji, 2014). Segundo Allison & Kaye (1997), uma participação sistemática dos stakeholders no processo de identificação de prioridades permite que as divergências fossem integradas de forma construtiva, permetindo atingir um consenso de base alargada que, por seu turno, viabiliza não apenas uma melhor comunicação bem como coordenação dentro da organização e, consequentemente, uma maior comprometimento dos stakeholders na implementação. A partir destas observações, podemos definir o planeamento estratégico como um processo deliberativo, participativo e sistemático, que auxilia as organizações na tomada de decisões, guiando as suas práticas e conferindo uma maior eficiência, eficácia e controlo das suas actividades. Tendencialmente, este processo é composto por seis fases, sendo a primeira o desenvolvimento de missão e visão da organização – o que basicamente significa responder as duas perguntas fundamentais: o que é que a organização faz e

porquê; a segunda fase trata-se de análise externo para perceber as dinâmicas do mercado e tendências sociais, culturais e políticas (as oportunidades e desafios); a terceira implica uma análise interna com objectivo de entender as competências da organização – as suas forças e fraquezas; já na quarta fase procede-se para desenvolvimento do plano estratégico; seguida de implementação e finalmente, monitorização e avaliação. Na secção que se segue procurou-se, ainda que de forma bastante sucinta, analisar a importância do planeamento estratégico nas organizações sociais. III. Importância de Planeamento Estratégico nas Organizações Sociais Feito, de forma sintética, o esclarecimento do conceito, vejamos agora os beneficios desta ferramenta de gestão para as organizações sociais. Tal como haviamos já referido na introdução, uma das razões principais do uso de planeamento estratégico nas empresas, em geral, e nas organizações sociais, em particular, prende-se com o facto de que o ambiente externo onde as organizações estão inserido torna-se cada vez mais complexo e volátil em termos de natureza e magnitude de oportunidades bem como ameaças que dele emergem, no entanto, várias organizações recorrem ao planeamento estratégico como uma ferramenta de competitividade, que lhes permitem desenvolver as suas capacidades e

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neamento estratégico nas organizações sociais é o melhoramento do processo de tomada de decisões, pois segundo afirma Nutt (2002), pelo menos, cinquenta por cento (50%) das decisões estratégicas são fracassadas por motivos relacionados com o processo de tomada de decisão (Nutt, 2002 apud Bryson, 2011: 16). Adicionalmente, planeamento estratégico ajuda os decisores a focalizarem sobre as questões cruciais, e o que a organização deve fazer face aos desafios. Bryson (2011) argumenta que o planeamento estratégico aprimora a eficácia, capacidade de resposta e resiliência organizacional. Por outro lado, acrescenta Bryson (2011), esta ferramenta pode reforçar e melhorar a eficácia do sistema social global, posto que a maioria dos problemas sociais com que confrontamos – saúde, educação, pobreza, meio ambiente etc– requerem uma intervenção integrada e coordenada, ao nível do sistema, não a nível organizacional, requerendo, portanto, uma parceria e colaboração. O planeamento estratégico, segundo ele, pode ajudar as organizações sociais a considerarem este facto e ajuda-las em encontrar melhores formas de criar parcerias para um melhor ambiente. Por último mas não menos importante, esta ferramenta proporciona uma acrescida legitimidade às organizações socias, na medida em que as mesmas justificam a sua existência por valor real que acrescentam na sociedade. Deste modo, as organizações que proporcionam valor à seus utentes/população-alvo e continuam encontrar formas de fazê-lo, apesar

competências para tirar melhor proveito das oportunidades que vão surgindo, e enfrentar os desafios com elas provenientes (Ogonji, 2014). Por outro lado, devido a necessidade de as organizações sem fins lucrativos desenvolverem a auto-sustentabilidade necessária para desempenhar as suas funções, e competirem com outras organizações da mesma natureza e/ou não, aliádas às razões inerentes à sua condição, torna-se cada vez mais urgente a necessidade de utilização destas técnicas administrativas eficazes? para beneficiar das vantagens delas advindas (Oliveira et al, 2005). Entretanto, uma das vantagens dessa ferramenta é servir efectivamente como guia, orientando as decisões da organização – tendo em consideração o contexto externo e as competências internas da organização. Uma pesquisa levada a cabo por Arasa e K’Obonyo (2012), aponta para uma forte “correlação positiva” entre planeamento estratégico e desempenho de organização, com coeficiente de correlação de Pearson de 0.616. As suas análises apontam ainda para uma correlação positiva entre o planeamento estratégico e indicadores financeiros e não financeiros (Arasa e K’Obonyo 2012). Segundo Beggy (2002), as organizações que não utilizam o planeamento estratégico são menos hábeis em encontrar soluções para os seus desafios, em relação àquelas que o utilizam (BEGGY, 2002 apud Oliveira, 2006: 73). Um outro obvio benefício de pla-

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das vicissitudes de circunstanância, são as que vão continuando existir, ou seja, são as que vão sobrevivendo. No entanto, planeamento estratégico permite as organizações sociais sobreviverem efectivamente as turbulências externas, continuando a desempenhar a suas funções e atingindo os seus objectivos. Portanto, de modo geral, o planeamento estratégico proporciona vantagens competitivas às organizações sociais, visto que não só ajuda a administração em melhor adaptar-se ao meio ambiente e realizar coordenação entre as partes, bem como auxilia-las na cristalização dos assuntos mais importantes, economizando tempo e recursos financeiros ( Terence, 2002) De seguida fazemos uma análise das condições necessárias para o sucesso de planeamento estratégico.

porque não existe nenhuma organização que actue num contexto estático. Sendo assim, o processo de planeamento estratégico deve reflectir às mutações sociais, económicas, política e desenvolvimento tecnológico, visto que estes factores não só influenciam a procura, como também as expectativas da população-alvo. No entanto, um plano estratégico que não reflita as mutações no ambiente externo da organização é, no mínimo, esviesado. Por outro lado, uma realista e abrangente avaliação das forças e fraquezas da organização são considerados factor igualmente indispensável para o sucesso de qualquer plano estratégico – pois só nos é possível tirar proveito das oportunidades que o ambiente externo nos proporciona, se realmente conseguimos identificar as nossas forças, bem como é apenas com o conhecimento das nossas fraquezas poderemos efectivamente enfrentar os nossos desafios. Ademais, o processo de planeamento estratégico deve ser um processo inclusivo e participativo, ou seja, os stakeholders devem ser envolvidos no processo porque, se é verdade que, com a sua inclusão, sentir-se-ão mais responsabilizados pelo sucesso do plano, daí um maior comprometimento na implementação do mesmo, não é menos verdade que, o seu envolvimento irá melhorar a sua motivação, empenho e espírito de epertença e identificação para com a organização, condição necessária, a nosso ver, para sucesso de todo e qualquer plano estratégico. Portanto, um processo de planeamento estraté-

IV. Condições para o sucesso do planeamento estratégico Obviamente, para que o planeamento estratégico seja bem-sucedido, certos pressupostos devem ser confirmados, ou seja, algumas condições deverão ser satisfeitas para que o plano estratégico produza os resultados dele esperados. Mittenthal (2002) nos propõe algumas condições indispensáveis para sucesso de qualquer plano estratégico numa organização social. Um critério, segundo este autor, é uma clara e detalhada compreensão das oportunidades e desafios externos; isto

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gico que não fosse participativo está, logo à partida, condenado ao fracasso. A hierarquização de prioridades e um plano de implementação bem definido são igualmente condições necessárias para o sucesso de planeamento estratégico, ja que são as prioridades que orientam alocação de recursos e um plano só tem importância se for implementado. Podemos, no entanto, afirmar que, apesar de todos benefícios de planeamento estratégico, o mesmo não garante, como o bem disse Bryson (2011), que a organização vai beneficiar de todos os benefícios dele esperado porque, o sucesso do plano depende de muitos variáveis, entre os quais: a vontade e engajamento dos participantes, um plano flexível, e muitas outras contigências. Daí, a limitação da própria ferramenta.

jectivo principal de planeamento estratégico no princípio era, e continua sendo, reduzir, senão eliminar, os riscos ligados a tomada de má decisão, a partir da previsão do ambiente externo, e da integração das decisões num plano que as norteiam (Ichikawa,1998). Conforme discutido anteriormente, embora não seja uma unanimidade total, em grosso modo, os passos seguidos para delimitar o planeamento estratégico são: primeiro, a definição da missão da organização – o negócio da organização e porquê o faz. A segunda etapa é fazer análise do ambiente externo, percebendo as oportunidades e desafios; depois procede-se para a análise interna (verificar os pontos fracos e fortes, recursos disponíveis, habilidades internas etc..). Por fim, a partir dessas análises desenvolver as estratégias e objectivos, que vão se desdobrar em planos, procedimentos – a nível operacional. Uma das críticas ao planeamento estratégico normativo é, por um lado, a falta de utilização de aspectos fundamentais da vida, como a criatividade e a intuição, e por outro, o facto desse modelo de planeamento pressupor um ambiente muito previsível, e funciona na lógica de top down, sem ter as questões humanas e políticas em consideração (Idenburg, 1993 apud Ichikawa, 1998: 3). Uma outra crítica ao planeamento estratégico veio de um autor chamado Hayes; este não questiona a lógica do planeamento estratégico, mas sim a forma com que é aplicado, isto é, definir primei-

V. As limitações do Planeamento estratégico Nos primórdios dos anos 60 até 70, tanto no mundo académico como empresarial era comum as abordagens prescritas, que tentavam dar melhor fórmula de planear estrategicamente. Contudo, com a passagem do tempo essa fórmula foi se esgotando e, consequentemente, iniciou-se a surgir fortes críticas ao valor desta ferramenta de gestão. Isto porque, os planeadores normativos acreditavam que apenas esta ferramenta podia resolver os problemas estratégicos organizacionais (Ichikawa, 1998). Merece ainda destacar que o ob-

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enfatizam a importância de participação dos stakeholders no processo de formulação do plano – pois o sucesso do mesmo depende muito da participação dos colaboradores. Em boa verdade, não é possível separar a implementação da formulação porque os dois são, metafóricamente falando, duas faces da mesma moeda! A terceira falácia é a que ele denomina de “falácia de formalização” – a idea de que é possível formalizar todo o processo de planeamento. Para o autor, o insucesso do planeamento estratégico tem muito a ver com a fraqueza do sistema funcionar melhor ou igual que as pessoas. Portanto, a ideia de que inteligência artificial, sistema de especialistas/péritos vai ou pode substituir a intuição humana necessária a nível estratégica nunca materializar-se-à. Resumindo, podemos agrupar as críticas feitas ao planeamento estratégico em três grandes categorias: a dificuldade de prever o futuro; excesso de burocracia provocado pelo processo; e as dificuldades de implementação do plano propriamente dito.

ro o objectivo, e depois caminhos e por último meios ( Ends-way-means). Para este autor, esta sequência constitui uma inadequação, propondo, alternativamente, um modelo que segue a sequência: Meios-caminhos, ou seja, começar por capacitar a organização e depois explorar o mercado à medida que o ambiente possibilite caminhos (Hayes, 1993 apud Ichikawa, 1998:3). Convém também referir à um autor que é estudioso e crítico da produção empresarial e académica do planeamento estratégico – Mintzberg. Segundo ele, as premissas do planeamento estratégico estão baseadas em três falácias (Mintzberg, 2007), sendo a primeira a “falácia de previsão”. Conforme argumenta, as premissas do planeamento estratégico pressupõem que o mundo continue a ser, como ele é, aquando do desenvolvimento do plano, e que persista com o curso previsível aquando da implementação contudo, segundo afirma, as evidências apontam para o contrário – ainda que algumas tendências, como estações, sejam de algum modo previsíveis tadavia, as inovações tecnológicas e aumento do preço são virtualmente impossíveis de prever (Mintzberg 2007). A segunda falácia é a que ele chama de “falácia de separação”; isto é, se o sistema é que pensa, então a formulação da estratégia deve e pode ser separada da implementação e das estratégias dos seus objectos de estratégia. A nosso ver, é justamente por causa dessa percepção errónea que muitos autores, que vêm debruçando sobre este tema últimamente,

VI. Conclusão e Recomendações Numa primeira fase deste trabalho, tentou-se apresentar e analisar o conceito do planeamento estratégico – entendido como um processo sistemático de planeamento que pressupõe seguimento de alguns passos: definição da missão da organização; análise do ambiente externo, a análise interna, e por fim, como já tí-

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nhamos referido, desenvolver estratégias e objectivos a partir dessas análises. Depois, falou-se sobre as suas vantagens para as organizações sociais, os pressupostos para o seu sucesso e as suas limitações. Nas últimas décadas, as organizações sociais têm vindo a multiplicar-se um pouco por todo lado. Estima-se que este sector movimenta recursos equivalentes a 4.7% do PIB mundial (Oliveira, 2006). Conforme a mesma pesquisa, só em 1995 essas organizações fizeram uma movimentação de volta de 1.1 trilhões de dólares em 22 países. No entanto, estas organizações têm vindo a ocupar um lugar muito importante na economia local e global, promovendo equidade? e justiça social? Em virtude da relavância que este sector tem vindo a conquistar, considerou-se relevante explorar e reflectir sobre a importância do planeamento estratégico para as organizações neste sector, visto que é uma ferramenta amplamente utilizada nas empresas com fins lucrativos – com visíveis benefícios. Conforme as análises bibliográficas feitas, viu-se que, embora com algumas limitações, o planeamento estratégico pode auxiliar as organizações sem fins lucrativos adaptar-se ao seu meio ambiente exterior, permitindo-lhes atingir os seus objectivos de forma mais eficiênte e eficaz; o planeamento estratégico não só ajuda as organizações sem fins lucrativas em ser mais competitivas, assim como mais atractivas na concorrência para financiamentos. Importa também referir que, apesar

da diferença existente entre os ambientes externos das organizações com e sem fins lucrativos, a essência e a própria lógica do planeamento estratégico faz com que o processo seja semelhante para ambos tipos de organizações. A razão pela qual, muito dos modelos de planeamento estratégico empresarial podem ser adaptados/ adequados às organizações do terceiro sector – claro com muito cuidado! Por último, tendo em consideração a importância do planeamento estratégico e as suas limitações, propomos as seguintes recomendações, com vista a aumentar o sucesso do mesmo nas organizações sem fins lucrativos.

mesmo seja ajustado à medida que o ambiente vai mudando. Finalmente, uma igual atenção deve ser dada à fase de implementação. Porque, geralmente as organizações dão mais atenção ao processo de formulação de plano do que a implementação propriamente dita. repetindo: um plano é valioso apenas se, e somente se, for implementado. Dito de outro modo, por mais extraordinário que um plano pode ser ou parecer, ele não tem nehuma utilidade prática se não for implementado, o que pressupõe, entre outras coisas, um plano de implementação bem concebido!

A primeira seria a utilização de uma abordagem participativa no processo de planeamento. Este factor, a nosso ver, é indispensável para o sucesso de qualquer organização social não apenas porque esta inclusão é crucial para o comprometimento dos trabalhadores em diferentes níveis hierárquicas da organização, mas também porque estas organizações são dependentes, em grande medida, de voluntários para o seu funcionamento. Daí que, a inclusão dos mesmos, parece ser, um factor determinante, senão indispensável, para o seu sucesso. Uma outra recomendação tem a ver com a elaboração de um plano estratégico flexível que permita pensamento estratégico, ao invés de um plano estratégico rígido que o impede. Isto porque, o ambiente externo está em constante mutação; um plano flexível vai permitir que o

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portar um vasto leque de bens e serviços por largas distâncias, que este ensaio se centrar-se-á. O primeiro ponto incide, numa primeira fase, na contextualização histórica do Terceiro Sector e das várias demonizações utilizadas frequentemente para o designar e, numa segunda fase, na conceptualização do termo Economia Solidária. O segundo ponto procura fazer a ponte entre o conceito de Economia Solidária e do CJ e de como este encontra na dinâmica de interação da Economia Solidária uma forma de ir ganhando espaço e importância na sociedade. O terceiro ponto propõe-se a fazer o enquadramento histórico do CJ, apresentando a sua linha de orientação e principais valores e princípios. Por fim, a conclusão apresenta alguns desafios do CJ que, ora recebem um envolvimento a nível internacional, sendo debatidas por várias entidades, ora são resultado da minha análise e reflexão pessoal.

Introdução

Comércio justo – uma expressão da Economia Solidária por Teresa Rodrigues

Este ensaio incide no estudo da relação entre Economia Solidária e Comércio Justo (CJ). Procura-se analisar como esta “outra forma de economia” através dos seus valores e princípios específicos disponibiliza ao CJ um conjunto de instrumentos que permita a sua instalação no espaço público (local, nacional e internacional) de forma a constituir-se como sendo mais do que um “modismo”, recolhendo o interesse e solidariedade de consumidores/produtores. Palavras-chave: economia solidária; comércio justo; consumo responsável.

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Nos finais do século XX, a liberalização comercial constituía o lema da liderança política, quer de esquerda, quer de direita, nos países industriais mais avançados (Stiglitz; Charlton, 2009). Desde então, sob a projeção de que o comércio internacional poderia ter um efeito positivo e significativo sobre o crescimento económico, o desenvolvimento e em ganhos de bem-estar, foram vários os marcos históricos que procuraram reforçar este “sonho”, nem sempre realista, de potencial de um grande mercado global, sem fronteiras, onde todos nós, aparentemente, faríamos parte. Por sua vez, a globalização contribuiu para o aceleramento da instalação deste novo modelo de comercialização. Na sequência de um mercado global, surgem igualmente novas e globais necessidades e interesses de consumo. No caso da vida humana, o consumo não visa apenas satisfazer as necessidades biológicas e naturais, mas também as necessidades culturais que todas as sociedades produzem segundo o seu próprio modelo de vida (Mance, 1999). Hoje, podemos equacionar que este “próprio modelo de vida” é moldado, na mesma proporção, pelos modelos de vida a nível global. É precisamente no âmbito da proliferação dos interesses de consumo, que hoje não se limitam à capacidade de produção local mas que vão além-fronteiras com a possibilidade clara de fazer trans-

I. Enquadramento Conceptual do Terceiro Sector Em meados dos anos 70, tornou-se visível a existência de um novo ator no debate e reflexão em torno do Estado-Providência - o terceiro Sector - assim descrito por englobar um conjunto de práticas e organizações que não se incluíam nem na esfera do Estado nem na esfera do Merca-

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do (Ferreira, 2009). A partir dos anos 1990, fruto do crescente contributo a nível académico e das experiências quotidianas, este conjunto de práticas viria a crescer em termos de visibilidade e importância e a ser visto quer como ator económico – fonte de emprego e empreendedorismo, capaz de satisfazer necessidades dos consumidores e gerar riqueza; quer como ator político – promotor de cidadania e da capacitação, e parceiro do Estado na governação local (Amin et al., 2002:2). Na sequência da II Guerra Mundial, experienciaram-se profundas mudanças políticas, sociais e económicas marcadas pela sua instabilidade, pela crise de valores e pelo medo do eclodir de um novo conflito armado mundial. O mundo confrontava-se com problemas locais, nacionais e mundiais cuja superação dependia da articulação de um amplo espectro de agentes locais. Assim, na incapacidade do Estado e do mercado conseguirem dar resposta a todas as necessidades, começaram a surgir, gradualmente, algumas iniciativas da sociedade civil. De acordo com o autor Theodor Levitt (1973 cit in. Ferreira, 2009:173) estas iniciativas faziam, ou exigiam que fosse feito, aquilo que o Estado e o mercado não faziam, não faziam bem ou não faziam com a frequência suficiente. Progressivamente, estas iniciativas ganharam um peso significativo em termos de argumentação a favor de políticas de apoio para a resolução dos problemas de emprego e de fracasso das políticas sociais

(Ferreira, 2009:175). «Sector das organizações sem fins lucrativos»; «Terceiro Sector»; «Economia Social e Solidária» são denominações utilizadas frequentemente de forma indistinta para designar um mesmo conjunto de organizações. Numa análise nacional e internacional, verificamos que estas não são as únicas terminologias a serem utilizadas. De facto, proliferaram vários nomes e definições sobre este grupo de organizações, o que tem vindo a contribuir para a certa lentidão na afirmação do sector como um sector, em paralelo com o sector público e o sector privado empresarial (Andrade et. al., 2007). Alguns exemplos mais utilizados em todo o mundo são: «Terceiro Sector»; «Sector não lucrativo» e «sector sem fins lucrativos»; «Economia Social» e «Economia solidária»; «Organizações não-governamentais»; «Organizações da sociedade civil». Apesar das diferentes designações mencionadas anteriormente serem tidas frequentemente como sinónimos e utilizadas indistintamente para referir o mesmo conjunto de organizações sem fins lucrativos, segundo Ferreira (2009) estas diversas formas semânticas devem ser interpretadas tendo em conta o seu contexto de surgimento e as configurações específicas da relação Estado, economia, comunidade e sociedade civil porque cada designação procura salientar alguma característica particular e por isso não são sinónimos no sentido rigoroso do termo. Assim, enquanto a semântica do Terceiro Sector emerge nos anos 1970 nos

EUA e no Reino Unido num contexto de crise do Estado-Providência, o termo Economia Social e Solidária surge em França e tem repercussão na Europa continental num contexto de crise do emprego; e na América Latina surge o termo Movimentos da Sociedade Civil num contexto de redemocratização dos países, com ações voltadas para uma política de desenvolvimento comunitário.

festações dos circuitos de comércio justo (internacional e intranacional); aos clubes de troca e outros sistemas de trocas solidárias; ao turismo solidário; às cantinas sociais; entre muitas outras formas. Esta multiplicidade de atividades pode apresentar-se como sendo demasiado complexa e ampla para se poder associar a um conceito preciso e bem delimitado. De facto, não é qualquer tipo de atividade com as designações anteriormente mencionadas que fundamenta o conceito de Economia Solidária, mas sim um certo conjunto de características-chave que aparecerem associadas a todas aquelas atividades e que ajudam a construir o conceito (Amaro et al., 2009). Para o CIDAC1 que se tem dedicado a compreender e sistematizar o conhecimento em áreas de investigação relacionadas, não apenas, mas também com a Economia Solidária, explica que estas características-chave que fundamentam o conceito de Economia Solidária realçam alguns pontos como seja: a) a valorização do trabalho através da concretização de relações de trabalho cooperativas, democráticas e criativas, baseadas na autogestão no seio dos empreendimentos; b) a promoção da autonomia, individual e de grupo no contexto da comunidade a que se pertence, baseada no pensamento crítico e na coresponsabilidade; c) a visão para além do grupo, ou seja, no desenvolvimento das comunidades a vários níveis, a começar pelo local; d) a iniciativa produtiva como resposta às necessidades das pesso-

I.I. Enquadramento conceptual da Economia Solidária Segundo a perspetiva de Roque Amaro (2005) a economia solidária é, antes de mais (…) promotora de coesão social (…) promove a igualdade de oportunidades (…) Ou seja, como economia não visa a destruição das culturas em nome de uma globalização ou uniformização cultural; pelo contrário, procura valorizar as culturas locais. Respeita e valoriza a diversidade ambiental; como economia não contribui para a destruição da natureza e do ambiente, mas encontrar formas económicas de reabilitar e valorizar o ambiente. (…) deve ser ancorada territorialmente, ou seja, deve ter uma base comunitária, e ser promotora do desenvolvimento local. Atualmente, a Economia Solidária encontra-se esplanada em temas e em práticas como algumas das questões que estão associadas à agricultura de modo de produção biológica; às modalidades de financiamento alternativo; às mani-

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as e das comunidades e não como meio de gerar lucro, independentemente do que se produz, para quem e de que forma. Neste contexto, o economista Euclides Mance avançou com a ideia da formação de «redes de colaboração solidárias» que, ligando todas as fases da cadeia comercial – a produção, a transformação, a distribuição e o consumo – criariam cadeias produtivas baseadas na solidariedade, na satisfação das reais necessidades de todos os envolvidos e na promoção de uma forma de consumo responsável e de comércio justo. Esta ideia contribuiu para a construção de uma “outra forma de consumo” alternativo ao sistema convencional dominante e baseado na humanização do circuito comercial.

Trata-se, portanto, de uma «rede de colaboração solidária» (Mance, 2002). Isto é, uma articulação entre diversas unidades que trocam informações entre si, fortalecendo-se reciprocamente. Funcionam como um sistema aberto com capacidade para se multiplicar em novas unidades, envolvendo um número cada vez maior de pessoas no lugar onde opera e com forte potencial de expansão (Melo, 2015:29). Todavia, a constituição de uma rede de colaboração solidária está intrinsecamente associada à prática de um consumo (bens, serviços, relações) igualmente solidário, com todas os desafios que tal prática hoje apresenta tendo em conta a atual posição Glocal do Homem (Sedda, 2006). O Homem deixou de ser apenas um individuo localizado, no sentido em que vive em função do local a que pertence, para ser um individuo globalizado, na medida em que, a partir do momento em que as distâncias se tornam cada vez menos um obstáculo a transpor, o homem vive e é influenciado por fenómenos mundiais. Assim, o Homem vive o local de forma ativa e consciente, mas sem perder a relação com o global, onde o agir localmente é influenciado globalmente e vice-versa (Melo, 2015:33). Paralelamente, o individuo passou a ser também um sujeito cada vez mais ativo nas suas decisões e a exigir-se a sua responsabilidade pelo seu futuro. Esta mudança começa a causar rompimentos profundos na estrutura social, política,

II. A «solidariedade» enquanto base de relações comerciais responsáveis Antes de se iniciar a reflexão sobre a relação entre a Economia Solidária e o Comércio Justo, far-se-á uma breve reflexão das ideias de «Colaboração Solidária» e «Consumo Solidário» introduzidas por Euclides Mance (2002) como forma de suporte para a restante reflexão. Para Nance (2002) a «colaboração solidária» representa uma estratégia que articula vários atores segundo o princípio da solidariedade num movimento de realimentação e crescimento conjunto, autossustentável, antagônico ao capitalismo e que promove o bem-viver de todos que a ela se integram (Mance, 2002:37).

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económica e cultural, cuja rutura encontra a sua principal base de estruturação a partir daquilo a que Mance (1999) chama de «consumo solidário». Será através da reorganização do sentido de consumir que a sociedade poderá migrar do atual sistema económico capitalista para um outro sistema económico alternativo, baseado na economia solidária (Melo, 2015). Para este autor, no consumo solidário o que se busca é contribuir socialmente para o bem-viver da coletividade, visto que é no consumo que a produção se completa, e que este tem impacto sobre todo o ecossistema e sobre a sociedade em geral (Mance, 2002:40). O consumo solidário representa uma forma de romper com a cadeia comercial injusta que, por seguinte, alimenta o capitalismo exploratório, onde os lucros distribuídos desigualmente, são realizados em detrimento da miséria humana e da destruição do ecossistema.

não atingem toda a gente de igual forma. Antes pelo contrário, a expansão do mercado livre tem significado o aumento das assimetrias entre países “ricos” e “pobres”, o empobrecimento das assimetrias das populações, o aumento da insegurança económica e o agravamento da dependência e endividamento dos pobres (Rede Nacional de consumo, 2007:22) Tendo por base a consideração deste conjunto de desequilíbrios, algumas ONG’s e movimentos da sociedade civil em parceria com grupos de produtores, desenvolveram uma alternativa ao comércio internacional convencional – o Comércio Justo (CJ) – que não se rege apenas por critérios económicos, mas também por valores éticos que incluem aspetos sociais e ecológicos (CIDAC, 2007). Na base deste movimento, surgiram questões simples e pertinentes que constituíram o ponto de partida para a reflexão ao apelo e reivindicação dos produtores do Sul em 1964 na Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento - “Comércio e não ajuda!”; “Que posso eu fazer, no meu quotidiano, para tornar menos injusto este sistema económico?”; “Que posso eu fazer enquanto consumidor para modificar as injustas relações de troca a nível internacional?” Trata-se de um movimento internacional criado nos anos 1960 na Holanda baseado na promoção de uma aliança entre todos os atores da cadeia comercial, dos produtores/as aos consumidores/as,

III. O comércio justo, uma expressão da Economia Solidária Hoje encontram-se facilmente produtos provenientes de todos os lugares do mundo. Produtos simples e usados diariamente percorrem facilmente milhares de quilómetros antes de estarem prontos para serem adquiridos pelo consumidor. Há, portanto, um grande mercado global do qual todos fazemos parte, mas cujos benefícios do comércio mundial

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excluindo os intermediários não necessários visando denunciar as injustiças do comércio e construir princípios e práticas comerciais cada vez mais justas e coerentes2. Nascido da indignação perante as injustiças do comércio internacional, o CJ teve, numa primeira fase, como finalidade criar condições de acesso dos pequenos produtores dos países do Sul ao mercado internacional, pagando-se ao produtor um “preço justo” pelo seu produto ou serviço. Este “preço justo” deveria então cobrir as despesas de produção, de proteção ambiental e de segurança económica, garantindo um rendimento digno que permita aos produtores ter condições para viver dignamente do seu trabalho, para desenvolver métodos de produção agrícola e artesanal, para valorizar as culturas e saberes locais e que respeitem o meio ambiente, para que seja recuperada a ligação entre o produtor e o consumidor. Segundo a European Fair Trade Association (EFTA), o CJ define-se como sendo: Uma parceria comercial que visa o desenvolvimento sustentável para os produtores excluídos ou desfavorecidos. O Comércio Justo procura alcançar os seus objetivos promovendo campanhas, propondo aos produtores melhores condições comerciais e educando os consumidores para uma tomada de consciência. Analisando a definição proposta pela EFTA, verifica-se a referência aos aspetos que constituem as “Três Almas” do CJ, sendo eles:

1) Ideia de sensibilização e formação: O movimento do CJ é inseparável de uma tomada de consciência por parte do consumidor em relação ao custo social e ambiental da produção e das regras de funcionamento do comércio (local, regional e internacional) para que compreendam o seu papel e poder enquanto consumidores (Johnson, 2004). A Rede Nacional de Consumo (2008) apresenta diversas razões que justificam a preocupação com a tendência para o consumismo, alertando para a necessidade de se implementar um trabalho de consciencialização: 1) consumir é hoje uma das práticas mais abrangentes à escala global; 2) o consumo é um ato que, sendo exercido de forma individual, tem consequências sociais; e 3) o ato de consumir desencadeia consequências de ordem económica, social e ambiental. 2) Ideia de regras justas e transparentes: pagar a preços mais justos aos produtores para melhorar as suas condições de vida e permitir o seu próprio desenvolvimento. 3) A ideia de parceria: Se no começo do movimento do CJ, este tinha uma componente fortemente paternalista assumida sob a forma de “o Norte rico, ajuda o Sul pobre”, gradualmente a teoria e a prática evoluíram para a fase de parceria entre as organizações de comércio alternativo do Norte e os produtores base do Sul (Caserta, 2003). A introdução do conceito de parceria implicou a passagem dos produtores, enquanto membros-passivos deste movimento, que se limitavam

1 CIDAC - Centro de Investigação Amílcar Cabral

entre os sexos; • A disponibilização de pré-financiamento ou de acesso a outras formas de crédito; • O estabelecimento de relações comerciais estáveis e de longo prazo; • A produção tão completa quanto possível dos produtos comercializados no país de origem; • O reforço das capacidades organizativas, produtivas e comerciais das produtoras e dos produtores através da formação e aconselhamento técnico e comercial; • A transparência da estrutura das organizações e de todos os aspetos da sua atividade, e a informação mútua entre todos os intervenientes na cadeia comercial sobre os seus produtos ou serviços e métodos de comercialização. Por seu lado e, fruto do crescimento do movimento do CJ, a sua caminhada não tem estado isenta de debates. A necessidade de enfrentar novos desafios colocou em relevo diferentes pontos de vista em relação aos principais debates que caracterizam hoje este movimento e que se referem aos objetivos a curto, médio e longo prazo e às suas estratégias de intervenção. Assim, foram-se configurando dois principais polos de referência no movimento do CJ. Se por um lado, verifica-se uma visão «tradicional e dominante», centrada na comercialização à escala internacional numa perspetiva Norte-Sul, na priorização da comercialização de produtos, na liberalização comercial e na aliança com o sector empresarial multinacional. Por outro lado, é possível en-

a seguir o retorno dos países “consumidores do Norte” para se tornarem membros-ativos deste mesmo movimento, assente numa base de trabalho conjunto e equitativo, em que existe um verdadeiro envolvimento dos produtores nos processos de discussão e decisão. Os benefícios desencadeados por esta nova ideia de envolvimento e de reforço de capacidades são de tal modo importantes que, a construção de uma verdadeira parceria representa, hoje, uma primeira necessidade dos produtores de base, acima do pagamento justo pelos seus produtos (Caserta, 2003). Os princípios que orientam esta parceria baseada no diálogo, na transparência e no respeito, que procura maior igualdade no comércio internacional e que contribui para o desenvolvimento sustentável, oferecendo melhores condições comerciais, tendo em conta os direitos dos produtores e dos trabalhadores marginalizados, especialmente no sul do mundo3 são: • O respeito e a preocupação pelas pessoas e pelo ambiente, colocando as pessoas acima do lucro; • O estabelecimento de boas condições de trabalho e o pagamento de um preço justo aos produtores e produtoras (cobrindo as exigências da proteção ambiental e da segurança económica, para além do rendimento digno); • A proteção e a promoção dos direitos humanos, nomeadamente os das mulheres, das crianças e dos povos indígenas, bem como a igualdade de oportunidades

3 FINE - mesa redonda formada por 4 organizações que coordenam o movimento do Comércio Justo: IFAT, EFTA, NEWS!,FLO

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contrar uma visão «global e alternativa», que tem em consideração toda a cadeia de comercialização, numa perspetiva internacional e local, que defende a soberania alimentar e que nega a parceria com multinacionais, a venda em supermercados e a oposição ao atual modelo de certificação. Estes polos característicos do CJ não devem ser tidos como balizas rígidas, uma vez que a tendência verificada é a flutuação das organizações entre um e outro polo consoante o tema e o modo como se sentem afetadas pelas problemáticas que enfrentam. Situação esta designada por Carraro (2006) como sendo «polarização dinâmica». Hoje os temas em que estas perspetivas mais encontram antagonismo centram-se no debate em torno da certificação de produtos, os critérios de distribuição, a venda em grandes superfícies ou a colaboração com as multinacionais. Para além dos elementos-chave reforçados na definição proposta pela EFTA e acrescentando agora outro aspeto da ótica defendida pela Rede Minga (França) – ser um consumidor responsável e que opta por produtos que são resultado de uma cadeia de CJ é contribuir através das opções de consumo para a equidade nos intercâmbios económicos englobando, não apenas os produtores, mas todos os trabalhadores envolvidos na rede - produtores, embaladores, transportadores, retalhistas ou grossistas, consumidores; é contribuir para o uso ecológico dos recursos naturais e para a preservação do meio ambiente, seja qual for a direção da rede:

de norte a sul, de oeste a este ou no sentido contrário. O CJ representa assim uma das mais importantes expressões, mas não a única, do consumo responsável. Por sinal, o consumo responsável e o CJ representam um dos muitos temas e questões pelas quais as diversas práticas da Economia Solidária aparecem associadas, nomeadamente no seu projeto ambiental que visa, entre outros objetivos, a sensibilização e formação para a adoção de novos comportamentos de consumo e de relação com a Natureza (Amaro et.al., 2009). IV. Os desafios do Comércio Justo Durante os últimos anos e, na medida em que o movimento por um CJ foi crescendo, teve também de enfrentar um amplo espetro de posições, perspetivas, debates e propostas de trabalho. Segue-se um breve apontamento a alguns desses debates: Em primeiro lugar, apesar do CJ valorizar nos seus princípios fundamentais o fomento das trocas locais, este continua a ser um discurso focado sobretudo na produção destinada à exportação e nas relações comerciais do Sul para o Norte, assumindo o Sul o papel de produtores de base e o Norte o papel de principais consumidores. Esta visão, ao priorizar a comercialização à escala internacional dos produtos de CJ em detrimento de uma prática baseada no diálogo local, potencia o risco de, ainda que de forma mais ate-

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trodução gradual de produtos de CJ por este canal recebesse uma estratégia mais facilitada em termos de sensibilização e aumento de vendas. No sentido oposto, as opiniões contrárias argumentam que esta colaboração é essencialmente um instrumento de marketing empresarial que tem como fim melhorar a perceção que os consumidores têm acerca da respetiva multinacional e, nem tanto na promoção ativa dos produtores, vinculando-a a princípios de «justiça comercial» e «solidariedade». Assim, as organizações que se enquadram nesta visão, acabam por colaborar na lavagem da imagem daqueles que promovem e beneficiam de um comércio internacional injusto e que, em princípio o CJ representa a alternativa (Vivas; Montagut, 2006). Ainda neste ponto de debate, surgem outras questões mais específicas, como seja: • Atualmente o sector agroindustrial controla grande parte do mercado, na Suécia, três cadeias de supermercado controlam 95,1% do mercado; na Dinamarca, três cadeias monopolizam 63% e na Bélgica, Áustria e França, poucas companhias controlam mais de 50% do mercado (Vivas, 2010). O diferencial entre o preço de um produto adquirido na origem (pago diretamente ao produtor) e o preço de um produto adquirido no destino (grandes cadeias comerciais) pode chegar a um diferencial até 490% a favor das cadeias de grande distribuição. Assim, como se operacionalizaria

nuante, se assimilar às mesmas políticas neoliberais que, em princípio contestam (Vivas; Montagut, 2006). Por sinal, as condições sociais e ambientais são duas das dimensões mais equacionadas no movimento do CJ, no entanto nem sempre este critério “justo” se estende à tentativa de minimização do impacto negativo das trocas internacionais – necessidade de recursos para embalamento e transporte, por exemplo. Assim, não deveria constituir também critério do CJ incrementar circuitos curtos de comercialização – mais potenciadores do desenvolvimento local, da criação de maior solidariedade e com menos custos ecológicos? Qual tem sido até agora o lugar para o CJ local e regional, seja no Sul, como no Norte? Será que o CJ continua a ser fundamentalmente um comércio Sul-Norte? Não haverá lugar para o fomento de um comércio justo entre os países do Norte, assim como nos países do Sul Em segundo lugar, nos últimos anos tem surgindo uma corrente a favor da introdução de produtos de CJ nas grandes cadeias de distribuição e nas multinacionais. Da parte das organizações, as opiniões dividem-se quanto à aceitação deste canal, questionando se será coerente com os próprios princípios do CJ. De facto, cerca de 80% das nossas compras são realizadas nas grandes cadeias de distribuição alimentar (Vivas, 2010) e, por esse motivo, as opiniões a favor desta medida encontram um argumento de defesa, afirmando que a in-

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a gestão do valor de preços, garantindo uma distribuição justa? • Como seria a gestão de competição entre os participantes na busca por um “lugar” nas grandes superfícies? • Como se transmitiria a mensagem de formação e sensibilização que caracteriza, a par com o pagamento de um “preço justo” o CJ? Uma vez que este se passaria a desenrolar numa grande superfície, a par com todos os outros bens e serviços, sem um atendimento particularmente individual e personalizado. • A posição a adotar deve então passar pela sensibilização e formação para a efetiva mudança de comportamentos ou pelo incentivo ao consumo? • Tendo em conta o esforço de sobrevivência de muitas lojas exclusivas de CJ e face à possibilidade de introduzir produtos de CJ nas grandes superfícies comerciais, que papel assumem estas superfícies na relação com as lojas exclusivas? Um complemento ou uma alternativa? Ou seja, as pessoas que atualmente compram em lojas exclusivas de CJ complementariam o seu consumo com produtos de CJ nas grandes superfícies? Ou substituíam-no? Em terceiro lugar, a reflexão recaí para a polémica questão da certificação dos produtos de CJ. O princípio que fundamentou a implementação da certificação de produtos de CJ residiu na possibilidade de garantir a qualidade de distribuição e de venda e a transparência para os consumidores. No entanto, a certificação acabou também por desenca-

dear vários efeitos perversos, como seja: o custo avultado pelo serviço de certificação exclui automaticamente muitos produtores, a transmissão de uma mensagem errada de que apenas os produtos certificados é que realmente são produtos de CJ, as lojas de produtos de CJ e os seus representantes que até ao momento asseguravam o papel de garantia da qualidade do produto, são agora substituídos por um selo de certificação; apropriação por parte das multinacionais que utilizam a certificação para vender os produtos de CJ ou para criar as suas próprias marcas de CJ. No entanto os seus maiores lucros continuam a ter origem em relações de exploração dos produtores, na degradação ambiental e da precariedade laboral dos seus colaboradores (Esther; Montagut, 2006) Consequentemente, grande parte das agências de certificação reconhecidas no plano internacional, tanto na agricultura biológica quanto do CJ estão situadas nos países do Norte, principalmente nos EUA e na Europa. Assim, é entregue à FLO4 a legitimidade de definir o que é e o que não é um produto de CJ, sem o envolvimento dos próprios produtores e implicando, simultaneamente a padronização dos produtos e formas de produção. Por fim, em quarto lugar, centro a questão no preço dos produtos de CJ, que como o nome indica prossupõe o pagamento de um “preço justo” pelo bem ou serviço. Mas será este preço justo, “justo” na medida do acessível a todas as pessoas? Terão todas as pessoas capacidade económica para consumir alguns dos produtos

peração Portuguesa” (2005) e com a adoção da resolução sobre “Comércio Justo e Desenvolvimento” (2006) que reconhece o movimento como um meio eficaz na redução da pobreza, na promoção do desenvolvimento sustentável e na criação de oportunidades mais justas para os pequenos produtores do Sul, tem de ser sobretudo ao nível da conjugação entre o individual e o coletivo que a mudança ganha espapo para se concretizar efetivamente. É ao ganhar consciência que o consumo, sendo um ato individual, tem consequências sociais e associar ao ato banal e diário de consumir o exercício de refletir criticamente sobre as opções de consumo, com base em informação acerca das condições laborais, ecológicas e sociais da produção que consumimos que cada individuo exerce o seu direito de cidadania. É através da reorganização do nosso sentido do consumir que podemos criar as condições necessárias para que a mudança se instale e que a ideia de CJ não seja apenas mais uma “moda” apenas de alguns, mas sim uma forma alternativa e (dominante) ao modelo de consumo convencional abrindo espaço a uma outra forma de estar na sociedade que, sendo local é também global. Todavia, não se pode colocar a «mudança social» como meramente dependente de mudanças de comportamentos individuais, é também necessário chamar a este espaço de alerta, de testemunho e de reflexão, a responsabilidade cidadã, educacional, política, social e am-

de CJ, numa situação confortável, como se tratasse de produtos de comércio convencional? Ainda que se possa contra-argumentar pela qualidade e pelos princípios que regulam a produção destes produtos, o certo é que, tendencialmente, têm um preço mais elevado. Assim, os indivíduos, famílias e comunidades, que estejam numa situação de maior fragilidade socioeconómica vão, acima de tudo, focalizar-se no preço, porque nestes contextos de maior vulnerabilidade a definição temporal é feita dia-a-dia. Logo, estes indivíduos que poderiam querer pertencer a este movimento de cidadania tornam-se potencialmente excluídos, por não englobarem um importante requisito para a sua participação. Neste sentido, e enquanto o diferencial de preço assumir um poder significativo, a existência de uma gama de produtos mais baratos, mas que efetivamente respondem às necessidades do consumidor, continuará a fazer sentido e torna-se essencial que exista, de modo a que o mercado seja aberto a todos os poderes de compra. V. Conclusão Apesar do CJ já ter ganho alguma visibilidade junto das instâncias políticas, quer a nível internacional com a organização da Conferencia das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (1964) e com a criação de um núcleo de Comércio Justo na Holanda (1967), quer a nível nacional com a definição do CJ como uma “visão estratégica para a Coo-

4 - Fair Trade Labelling Organisation International

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Bibliografia:

biental. O objetivo desta reflexão conjunta e partilhada não é o aumento de vendas, mesmo que sejam resultado de uma cadeia de CJ, mas sim a sensibilização para que os consumidores façam parte de um movimento amplo e que desenvolvam hábitos responsáveis de consumo, comprando o que realmente necessitam e conheçam as histórias de vida por detrás de cada produto. Face à atual instabilidade de preços, o mercado do CJ e o mercado dos produtos biológicos são consideradas experiências muito importantes, com potencial de reversão parcial da falta de pagamentos, permitindo compensar pelo menos, os custos de produção e assim retribuir o trabalho investido (Flores, 2006) Finalmente, por último, e partilhando do Manifesto Abrindo Espaço por um Comércio Justo da Rede Ibérica do Espaço Comércio Justo, o comércio internacional não deve ser entendido como um motor para o desenvolvimento, mas sim como um complemento ao comércio local, baseado na soberania alimentar, numa relação de cooperação, na transformação dos produtos em benefício do meio rural e no trabalho de sensibilização e denúncia. Assim, o movimento do CJ encontra na dinâmica da Economia Solidária uma forma para se manifestar, aproveitando o seu potencial de agregação de inúmeras iniciativas económicas (Gomes, 2007) baseadas na reciprocidade e que representa uma alternativa às respostas institucionalmente já existentes. Todavia,

para que a Economia Solidária e as suas inúmeras formas de manifestação surtam efeito, é necessário que estas iniciativas se organizem em forma de rede de colaboração solidária por forma a desencadear uma maior sinergia de vontades de mudança, dando mais força, visibilidade e poder de influência na comunidade, invertendo assim o seu carácter (criticado por alguns) como sendo isolado e de pequenas dimensões.

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third sector and government, find out the problems, and propose a solution to this issue.

I. Preface

The Relationship Between Chinese Third Sector and the Government por Ren Haoxiang

The third sector is the product of western civilization. In China, it mainly refers to social groups, public institutions, private non-enterprise units and intermediary organizations. The article treats the basic characteristics of the third sector and its social functions, the relationship between the third sector of China and the government administration. It was concluded that the development of the third sector in China is basically government-oriented. Palavras-chave: the third sector; government; relationship; china.

With the global crisis of Neo-liberalism, the Social Economy returned to the political and economic discourse. As a theoretical conception and a practical plan which can bring the economy into the social sphere again, the Social economy appeared with a gesture that differs from the traditional economy’s capital accumulation model, and gradually become a parallel discussion with Neo-liberalism in the 80s of the last century. Examine the goals of the Social Economy in different dimensions, such as politics, economy, society and culture, and the values pursued in the process of practice, such as cooperation, public ownership, and democracy, they all point to the Social economy’s essential attribute of socialism, it provides new theoretical resources and practical enlightenment for China to improve the socialist market economy. In this background, as the main body of the social economy, the third sector began to develop in China since 1980. They developed rapidly and became a new actor besides the government and enterprises, participated extensively and infiltrated into activities of various fields. At the same time, the third sector of China faced many problems, one of them is the relationship between the government and the third sector, that it’s always the key problem of the third sector’s development. This paper will research and analyze the relationship between Chinese

II. The Third Sector The concept of the third sector is introduced to China from the West, it’s generally considered that it was proposed by the “three-sector model”- “State – Market - Voluntary Organization”. It considers the third sector as a system pattern at the same baseline with the government and the market. At first, the concept of the third sector was proposed by the American scholar T ∙ Levitt, he first used the words “the third sector”, present in his paper “The Third Sector: New Tactics For A Responsive Society” in 1973, he considered that people usually divided the social organizations into two groups, public or private. And this practice ignores a large number of social organizations that are between government and enterprises. He called this kind of social organizations “the third sector”. There are many organizations based on a similar concept with the third sector all over the world. Such as “Non-Profit Sector”, “Charitable Sector”, “Voluntary Sector”, “Tax-Exempt Sector”, and “NGO”. Even these organizations have different names, but their purposes is basically the same: engaged in things that the government and the enterprises “don’t want to do, can’t do well or don’t often do”1; solve the social public and security problems,

1 T·Levitt.The Third Sector :New Tactics For A Responsive Society[J]. New York: Amaeom 1973.

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such as environmental protection; anti-war; help poverty group; breaking down trade barriers, etc. The core of these problems isn’t the personal interests, organizational interests and national interests, but the public interests of society and the common interests of mankind. In the classification, the third sector can be divided into four categories: First, the type of social welfare, the organization of this type is the most common, has various forms of organization, and their main purpose is to provide relief and welfare services to the poor population. To a certain extent alleviate the contradiction caused by the inequitable distribution of resources and the gap between rich and poor. Second, the type of economic development, “Give a man a fish, and you feed him for one day, teach a man to fish, and you feed him for a lifetime”. Some organizations of the third sector targeted the resource development in the poverty-stricken areas. Improving the economic development and living standards of these regions through project assistance and industrial development. Third, the type of system construction. This kind of third sector’s objective is promoting the sustainable development, trying to solve various social problems at a deeper level. Fourth, the type of transnational network. The actions of this organizations generally are global. They try to create an international collaboration network, provide support on a global basis2.

II.I Western Third Sector

As we can see, Western countries

have a wide variety within the third sector itself. The Western third sector’s prosperity and development is due to, not only because the West is the third sector’s cradle, but also because they have a perfect legal system for the third sector. And a standardized classification of the third sector is the foundation of establishing a healthy legal system. For example, the United States divides the millions of third sectors into two categories and give an account of the detailed division in tax laws. Britain has also formulated a mature classification system based on its national conditions. However, since the “construction” of the third sector has been introduced to China, although China’s government and scholars have never given up to explore the problem of third sector’s standardized classification, until today there still have many divergences in the system of the third sector. II.II Chinese third sector Compared with the Western third sector, Chinese third sector has two obvious problems. First, the system of the third sector is immature: In China, the third sector mainly includes the social group and Private Non- Enterprise Units. According to the Chinese laws and regulations, the social

2 Zhang li, Xian Youguo. The thinking of the third sector and its development in China[J]. Journal of Xidian University,2004,(3).

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group is the non-profit NPO formed voluntarily by Chinese citizens, in order to realize the common will of members, mainly including the Association; learned society; Federation; etc. The private non-enterprise units are the non-profit NPO that organized enterprises, institutions, social groups and other social forces, such as non- governmental school; voluntary hospital; Welfare Centre; Community Service Center; etc. But in reality, besides these two types of organizations, China also has many “People’s organizations”; Institutions; Villager autonomous organization; etc. They don’t conform to the third sector’s definition of Chinese laws and regulations, which is causing a problem where some organizations are working and fulfilling the responsibilities of the third sector, but cannot get the support of government’s policy. Second, the third sector lack of autonomy: Most part of the Chinese third sector is created and led by the government, especially those civil organizations which have been legally registered and have a significant impact. Such as various unemployed organizations and research Organizations. Accordingly, the third sector of China has a high degree dependence on government. Through the analysis of these two problems, we can find that, to a large extent, the government is controlling the development and living environment of the third sector in China.

This can also reflect the key problem of the third sector faced in China: the relationship with the government. III. The relationship between Chinese government and third sector Analysis of the Current Relationship between the Third Sector and the Government The dependence of Chinese third sector on the government system is an objective phenomenon, this is based on the present national condition of China. The government has a powerful advantage of the resources both within and outside the system. The third sector uses these social resources for development. Therefore, the most of Chinese third sector is produced within the administrative system. “It’s a product that grown from the administrative system but develops according to its own logic in particular cases”.3 The development of Chinese third sector started late, it is a typical model of the government-leading, at present, most of the third sectors ‘organizations in China are created and dominated by the government. This relationship can be reflected in the following aspects: First, the registration of the third sector, the government use the “dual management ‘system”. It means that the Chinese third sector has to find a government department as the “Competent business unit”. That makes the third sector become a subordinate department of the gover-

3 Yang Xinchun,Yao Dong. We must develop the third sector for build socialism[J], Heihe Journal 2007.

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nment department. Only in this way the third sector can obtain a legal status.4 Second, the range and definition of what is the Chinese third sector is not clear. The Chinese third sector has a specific characteristic: it has many t organizations that are separated from the government. They exist because of the transformation of government functions, reduction of administrative expenses, or just for creating more jobs. They have a strong dependency on the leading sector of the government. Of course, to a certain extent, this situation also deepens the inconsistency of the government and third sector’s function. Third, the barriers to entry the third sector are too high. In the process of implementing the “dual management ’system”, the establishment and operation of the third sector are very limited because of the high threshold and the programmatic system design. Fourth, the government intervenes too much, administratively, in the third sector. As an autonomous organization, the leaders of the third sector should be chosen by the will of organizations. But the results of the investigation show that in China, only thirty percent of the third sector departments choose their own leaders in democratic elections, others are direct appointment by the government.5 The government controls the activities of the third sector by control the power of appointment and removal. In theory, the government and third sector are two kinds of organiza-

tions, in legal relations, the government should guide the third organizations. But in fact, the relation between China’s government and China’s third sector is that of leading and being led. Problems caused by this relationship Through the analysis above, we can see that the government is not only the macro manager of the third sector, but also the resource provider. On the one hand, this grants the Chinese third sector with the characteristics of social organizations, but also the nature of government administration. This is hampering the healthy development of the third sector and causing various problems. Firstly, the third sector lack of independence. Many studies have shown that, until now, no third sector that can be separated from the government and exist independently existence in this world. Especially in terms of fiscal revenue, the third sector’s dependence on the government is a lot closer. The government or “Competent business unit” control the activities of the third sector by providing money. This approach cannot eliminate the affiliation between the third sector and the government. In China, most of the third sector’s income comes from the financial allocations and subsidies provided by the government. But In developed countries, for example, the USA, the income of charitable third sector in 1993, the government funding accounted for only eight percent.6 Second, the low credibility of the

4 Yu Keping, The rise and change of Chinese civil society. Beijing: Social Sciences Literature Press, 2002. 5 Yu Keping, The rise and change of Chinese civil society. Beijing: Social Sciences Literature Press, 2002. 6 Lester.M.Salamon. Global civil society - Dimensions of the nonprofit sector.Johns Hopkins Center for Civil Society Studies, 1999.

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third sector. Credibility is the basic conditions for third sector’s operation. It can help the third sector win the reputation of the organization, maintain the tax-exempt status, attract volunteers and social support, in other words, the credibility is the most important prerequisite to achieve the goal of organizations. But most of the Chinese third sector do not have great credibility. This is caused by the following reasons: (1) When the third sector became a subordinate department of the government, people start to doubt the purpose of its activity, “they work for social or government?” (2) the tax exemption policy, the most powerful means of the western government to support the development of charity is established clear and preferential tax exemption policy. But in China, the relevant law is imperfect, people and profit organizations doubt the third sector’s financial capability, resulting in a reduced credibility of third sector. (3) The government’s lax supervision and punishment are not severe; this situation is leading some enterprises to make a profit by use of national preferential policies. Third, Chinese third sector lacks governance capacity. They are led by the government, that does not have experience in autonomously managing operations. And the members of the organization have little influence on the organization because they do not have the power of appointment and removal.7

IV. Suggestions about the Chinese government and Third sector’s development With the development of society, the government and the third sector should be partners, there should both becooperation and division between the government and third sector. They should restrict and supervise each other. For that purpose, the government must be changed. The government has to relocate his role through the following aspects: First, the government needs to speed up function transformation, return power from Government to the third sector. Clarify and standardize the functional relationship between itself and the third sector. Reduce the control of the third sector, relax the autonomy of the third sector. And the government should focus the resources and capacities on its core foundations. Provide good policy and legal environment at the macro level for the development of the third sector. Secondly, rectify and standardize the existing third sector. The government should play the role of supervisor. After returning the rights back to the third sector, the government should audit the third sector from an objective point of view. And this also could let the government review the results of public policy’s implementation as a third party. All in all, if the government correctly positioned its role and managed the third department scientifically, “ then

7 Yu Keping, The rise and change of Chinese civil society. Beijing: Social Sciences Literature Press, 2002

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it will create a virtuous circle between the government management and the third sector, the government fully guarantee people’s freedom of association, ensure the healthy development of the third departments, through doing this, the third sector not only can become an independent, autonomous and autotrophic organization but also can help the government handle the social and public affairs. The government’s pressure of public management and financial burden will be reduced too. Gradually change the management functions of the government from paddle to helm. ”8 V. Conclusion With the constant development of society and politics economy, the third sector has become an important part of the modern organization system in China. There is a subtle relationship between the Chinese third sector and government which has its unique characteristics. For achieving a better development, it is necessary for us to understand fully the situation of the third sector’s development in China, and analysis it under the background of social environment and politics, try to find a starting point of the cooperation between Chinese third departments and government. I believe that they will find the right way to develop together.

8 Wang Lefu. Research of public management. Beijing, China Social Sciences Literature Press .2005

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ments and therefore agencies, aiming to reduce costs and the resources used, are rethinking their approach to the logistics of their interventions. The humanitarians, likewise any other sector or company, should look beyond basic logistics and take on board a more professional approach. To do so, Tomasini and Wassenhove (2009) suggest that a more comprehensive supply chain is required. While the commercial supply chain includes only 3 flows, the humanitarian one should include 5 flows- the 5 Bs as it is called: Boxes - materials, Bytes - information, Bucks - financial, Bodies – people, and Brains – knowledge and skills. All the 5 Bs should be seen as a group of interdependent components that interact, influence and have an impact on each other. If there is a disruption on one of the flows it will probably affect the others resulting in different reactions and scenarios (Tomasini and Wassenhove 2009). For instance, in 2006 in Calais Refugee Camp, the lack of cars affected the food distribution across different areas of the camp. The environment where relief happens is characterized by being chaotic, uncertain and where everything is constantly changing in a very fast pace. One second is enough to change the whole reality and the needs of the victims. Therefore, the intervention landscape should be adapted and follow the change which implies managing in real time unpredictable scenarios and requires a very flexible approach. Moreover, humanitarian interventions must be quick and efficient in

I. Humanitarian Assistance Logistics

The Complex World of Humanitarian Assistance: Funding and Assistances por Sara Bernardo

To deal with compound contexts humanitarians have been looking for new methods in order to improve their efficacy. Many organizations are following the example of the private sector on improving their supply chain by strengthening relationships with their partners. The multiorganizational landscape became more complex as different actors came to the scene. Among all the stakeholders, military and governments are the most controversial ones as often they are not aligned with humanitarian values, imposing personal and economic interests. This cooperation, humanitarian and military, has been pointed by many as the reason why humanitarian missions have been failing through the years. This essay aims, through literature review, to understand the multiorganizational landscape of humanitarianism and to identify operational and logistic key elements that are often used by governments as a tool to monopolize aid relief. We could conclude that funding and territorial barriers are the two main fragilities of humanitarian assistance. Palavras-chave: humanitarian assistance; politicized humanitarianism; humanitarian logistics; partnerships.

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In a world with a growing popu lation, accentuated climate changes and where political and social instability episodes are, drastically, increasing in numbers, humanitarian assistance has assumed an important role as the number of disasters rises every year. Although these can be either Natural or caused by Man disasters, such as war and conflicts, both appear in the Humanitarian Intervention’s agenda. Humanitarians have been looking for different solutions and methods to improve their performance not only because of the pressure made by donors that are more demanding but also because of the imformation that flows from the media. Information is spread among the general public almost at the same time as it reaches the relief agencies. As a consequence of this immediacy there is a greater demand for an instant response that besides being quick it must be efficient. There is a big pressure to intervene “now” and successfully which implies to deliver in the right way the right goods at the right time in the right place and using the right funding, information channels and the right material and human resources. To deliver the “perfect orders” humanitarian agencies have been looking for new strategies and, new tactics at the logistics level have been one of the main focus. According to Rolando Tomasini and Luk Van Wassenhove (2009), 80% of the expenses are usually from the logistics depart-

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order to save lives and to mitigate the victims suffer. To respond to all of these demands, Tomasini and Wassenhove (2009) defend that humanitarian supply chain should be, most of all, agile. As they explain, “agility is the ability to quickly respond to short-term changes in demand or supply to handle external disruptions. This is the very nature of humanitarian supply chains where cycles are very short, new and unprecedented demands occur frequently, and external factors place physical, if not political or financial, constraints on the system. (...) Therefore humanitarian supply chains are designed to be, above all, adaptable to the environments in which they operate.” (Tomasini and Wassenhove 2009, p.8). Even though the humanitarian supply chain contributes to organize and structure a clear end-to-end chain, much more is needed to ensure a successful performance. It is indispensable to have good management practices, a proper business model, a strategic plan and an operational plan that should be designed according to the defined goals. Nevertheless, in humanitarian intervention this is a very complex process rather than a linear one. Dealing with scenarios where different actors and forces coexist, a strategic plan and clear goals are certainly fundamental yet difficult to outline. This difficulty emerges mainly from the fact that it is impossible to do an assessment of the real needs prior to the intervention. Diagnostic and action itself happen simultaneously. As a result, most

of the times there is a lack of a proper baseline and therefore monitorization and evaluation are compromised. To face this scenario of unpredictability mitigation and preparedness1 are essential and relief agencies should invest on them to be able to respond immediately and effectively to any kind of emergency. Mitigation and preparedness1 imply that organizations are working not only during disasters but also in between them, constantly learning and adapting to new challenges (Tomasini and Wassenhove 2009). This ongoing learning process can be enriched by promoting sharing practices among all the actors and organizations working on the field. Even though organizations might have different focus, emergency situations are never about an isolated problem and so agencies are always linked. A crisis is not only about children’s health, food, basic needs, water or a sanitation problem. In fact, humanitarian assistance is a multidimensional landscape where everything is related and a chain of events is likely to happen. Hence, coordination across sectors and agencies is fundamental to organise the different teams and avoid an overlap of assistance. Despite of being pointed by several experts as an essential practice to improve humanitarian assistance, multi-organizational coordination has become a very complex process and deals with several obstacles. The lack of transparency, the lack of adequate information management, the presence of personal and political interests, an organizational landscape

where many different actors coexist, including military forces as well as funding pressure are some of the main ones. In the following section of this essay, the funding pressure and the presence of political interests will be explored with special attention attempting to move onwards to what has been called the politicized humanitarianism (Lewis and Kanji 2009). Nevertheless, before of that a brief note on the importance of implementing adequate information management practices will be added. Information management is an essential tool to keep the information updated and running across all the agencies. However, the characteristics of humanitarianism itself complicate this task. As everything changes in such a fast pace, information becomes pointless and even not true very easily. Hence, to tackle and mitigate this difficulty information management should promote visibility, transparency, and accountability. While visibility ensures that information is clear and accessible to everyone, transparency enables to understand which processes are being used and helps to answer questions related with efficiency levels. Accountability allows to identify who is responsible for each action and how well they are performed (Tomasini and Wassenhove 2009). Transparent information channels and good communication practices are core elements that contribute either to unity all the stakeholders and reinforce the efficacy of an intervention or to disassemble the multiorganizational structure. Furthermore, transparency is essential to

prevent hidden organizational and individual interests as well as to overcome political influences. Definitely, practices of establishing systems to generate and share knowledge at a local level are essential to any sustainable empowerment process, if only for the fact that information is power (Kathina and Suhrke 2002). II. The Politicezed Humanitarianism

Despite of all the changes that hu manitarian assistance has seen over the time and all the different methods and policies taken on board by the agencies to overcome new challenges, there was always a global agreement of what the fundamental principles of humanitarianism should be - Humanity, Impartiality and Neutrality. These 3 pillars should ensure that human suffering is relieved wherever found, that assistance is provided without any kind of discrimination and that there is not affiliation to a party in a conflict. These three key principles should be the outlines of the Humanitarian Space – the assistance’s framework that includes a physical and a virtual space. The physical space concerns an area where citizens and staff relief are protected from attacks and violence, and thus assistance can be provided in a free and independent way. The virtual space refers to the interactions between the different members of the humanitarian ecosystem and their ability to create an adequate environment where they can do their work as it

1 Mitigation, Preparedness, Response and Rehabilitation are the four phases of Emergency Management. Even though they refer to different stages with specific focus and aims, the four phases are one single process and must be seen as a whole where all the parts are interconnected and interdependent. Mitigation - Preventing future emergencies or minimizing their effects. Preparedness - Preparing to handle an emergency. Response - Responding safely to an emergency. Rehabilitation - Recovering from an emergency.

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is supposed (Tomasini and Wassenhove 2009). In the last decades, the number of conflicts and military interventions had substantially increased. Mostly after the attack on the 11th of September 2011, the greater Western powers and the U.S.A. have been interfering in different regions of the globe using a combination of universal humanist morality, national security and defence of human rights as justification. Example of this are the Afghanistan and Iraq cases. Most of the times these justifications overshadow the real interests behind the military interventions which often only aggravate the already delicate situations (Weissman 2004). Consequently, humanitarianism has been stepping in mainly in situations where war, oppression and human rights violations are the circumstances faced by the interventions. Even though the Humanitarian Space is not an easy thing to establish and preserve in any case, it is more difficult to maintain in these scenarios than in Natural disasters. In both scenarios common difficulties are faced, such as, the constant changes happening on the field, security limitations, weather conditions, social behaviour variations, non-predictable situations, funding demands as well as the presence of non-humanitarian actors, but, on top of all these obstacles, in conflict contexts there is also the fact that non-humanitarian actors frequently do not have their motivations and goals aligned with the humanitarian fundamental principles. Moreover, mili-

tary forces, belligerents and governments assume a big and active role through the whole intervention. Existing within a military and governmental framework, aid relief inevitably gets a political connotation and, operational conditions are shaped by undesirable, but unavoidably, games of power and political interests. In this cohabitation, where humanitarianism and politics come to light side by side, funding plays a big role in defining which part has more influence over the other. Agencies rely on funding to be able to operate and, in most of the cases, those funds come from governments. As a result, agencies get automatically dependent of governments wills and get easily controlled by political interests. As long as this dependency exists, funds can be used by governments as a tool to “blackmail”, to monopolize the aid being given and to transform humanitarian assistance in a political resource. Since the U.S.A is omnipresent in all the contemporary conflicts, it is not surprisingly that while most of agencies show some scepticism in synchronising with military forces, the agencies belonging to the Wilsonian2 strand are the ones more willing to do so. They “take the aid funds available to them and the context of their provision as simply political realities that define their operational universe (…) accepting their role in the military effort. This position draws the line at using humanitarian deliveries for specific political aims, but sees no inherent conflict betwe-

en the work of humanitarian organisations and the US military in, for example, Afghanistan.” (Stoddard 2003, p.3). In some other cases, agencies deny government funding exactly to avoid seeing their missions being compromised. For instance, Médecins Sans Frontières maintains a 70% private-to-public ratio, and refuses funding from governments that are belligerents in a conflict, or whose neutrality is otherwise compromised. Similarly, Save the Children US in Iraq in 2003 decided to not accept funding from the US government for new programmes in and around Iraq (Stoddard 2003). When agencies decide to not take on board grants from governments another problem arises. Often, these agencies see their strategic plans and actions being complicated as the governments and military actors attribute favouritism to the ones who are under their arm and thus more vulnerable to their manipulation. Furthermore, situations where aid is genuinely needed are often ignored by donors if political interests are not involved. Funds tend to be allocated to political conflicts that are widely exposed by the media rather than on a need basis. For instance, in the Ogaden Region conflict, the government and military actors do not allow the presence of any international aid agency, even when they are certainly needed. As this is not considered a political case, international media is not interested in exposing the situation. Consequently, no funding or relief are being

allocated. Another problematic that can be added when talking about funding is the limitations imposed by donors using earmarking donations. Earmarking allows donors to target their investment according to their own priorities instead of the real urgencies on the field. As earmarking donations can only be used for their original purpose, besides of being restrictive, they can also operate as another tool to manipulate and control the interventions. Donors can be more worried with their own growth and development rather than with the humanitarian needs, putting in the first place their own economic interests and benefits. For instance, a donor might donate only in the form of a specific good which himself has preference overlapping a different good that was truly needed (Tomasini and Wassenhove 2009). In humanitarian crisis the needs are wide and immense, nevertheless, it does not mean that all the donations are equally important and suitable. In order to avoid a waste of resources donors should always put on top of anything else the beneficiaries’ needs, and donations should be continuously adapted to each case based on demand rather than in what donors want to supply. An excess of inadequate goods can lead to situations even more chaotic and difficult to manage. For instance, in Calais Refugee Camp in the Easter period of 2006, there was a massive wave of chocolate eggs donations which ended up in a chaotic situation. Not only

2 Wilsonian is one of the three main historical strands in the evolution of modern humanitarian action, being the other two the Religious and the Dunantist. The Religious, the oldest of the three strands, has its bases in overseas missionary work. In the Dunantist organisations seek to position themselves outside of state interests, Save the Children UK and MSF are examples of this strand. The Wilsonian refers mostly to US NGOs. Named for President Woodrow Wilson, who hoped to project US values and influence as a force for good in the world. The Wilsonian strand sees a basic compatibility with humanitarian aims and US foreign policy objectives. Wilsonians have a practical, operational bent, and practitioners have crossed back and forth into government positions. CARE is one example of this strand (Stoddard 2003).

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took over much of the available storage space as it also did not meet the nutritional needs in the camp. Moreover, Calais Refugee Camp receives mainly men and young boys and therefore, the chocolate eggs that were thought to be for children were not even aiming the real population of the camp. In the end, there was a waste of chocolate eggs, an overloaded storage space, no space for the indispensable food donations and resources had to be spent trying to allocate some of the chocolate eggs somewhere else where they could be actually useful. Funding is therefore a fragile aspect of humanitarianism exposing the interventions to political matters and demands. Through funding channels, humanitarian spaces and its values are often challenged and even compromised. Agencies find themselves trapped in a controversial yet inevitably cycle. On one hand, humanitarians should distance themselves from political scopes in order to protect their fundamental principles and mission but on the other hand, they cannot perform without funding and without the “consent” of governments to do so. As Fabrice Weissman wrote “To refrain from judging the combatants’ motives and goals can certainly be frustrating, but is it the price humanitarian organizations must pay if they are to gain access to the battlefields and assist all the victims, to whatever side they belong.” (Weissman 2004, p.14). In cases where communication between political and humanitarian le-

aders happens only at a superficial level, internal and external political benefits as well as funding interests can be taken to an extreme and overshadow how the intervention should be truly drawn. Andrew Natsios, head of US Agency for International Development, cited by Weissman (2004), exposes this problem very well by exemplifying “In many parts of Africa, people do not know what watches or clocks are, they do not use western means to tell the time, they use the sun. These drugs have to be administered in certain sequences at certain times during the day. You say, take it at 10 o’clock, they say, what do you mean, 10 o’clock?” Weissman (2004) adds “In terms of destruction of human life, what differences is there between the wartime bombing of a civilian population and the distribution of ineffective medicines during a pandemic that is killing millions of people?” (Weissman 2004, p.8). In fact, if aid relief is not thought carefully the impacts of an intervention can be drastically diminished and negative ones can even emerge. In humanitarianism, to predict and evaluate the impacts is a very complex process, mainly the long-term ones. These are very hard to predict not only because of the very organic environment where different needs are in demand every second but also because of the lack of transparency regarding political strategies and goals. In humanitarian assistance, it has been discussed which indicators are more adequate to show the real impacts of an

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intervention. Some defend quantitative some others qualitative methods. Nevertheless, it has been agreed that impacts should be assessed at different levels. Quantitative methods are more of an operational nature, and usually are enough to analyse the humanitarian supply chain but tend to be inefficient when trying to evaluate the intervention as a whole and when considering all the factors and actors involved. On the opposite way, qualitative methodologies being more of a socio-political nature, can tackle better the unpredictable contexts and can access the real impacts on the beneficiaries, but it cannot present real numbers regarding goods, money, etc. (Jones et al. 2009). Tomasini and Wassenhove (2009), defend that both methodologies should be implemented together as they can complement each other. The challenge remains how to link the quantifiable indicators with the qualitative ones so agencies in the field can be aware of the non-humanitarian effects of their actions. It is not surprising that often governments and funders prefer quantifiable indicators while humanitarians qualitative ones. Political domination over an intervention gets hidden and, wider and negative impacts are easily suppressed when using only quantifiable indicators. Numbers can be misleading and not reflect what is really happening in the fieldwork. Frequently, numeric rates are used as a baseline indicator to check how severe is the crisis, later to monitoring how the situation is evolving and in a last stage

to evaluate the intervention (Weissman 2004). However, even though the indicators might present a positive result, it does not mean that the impact was achieved by fair, politically correct and humanitarian means. Furthermore, it does not mean that there were no other wider impacts that contributed to worsen a condition. For instance, a government having its own interests and looking for particular allies, might stablish partnerships with specific overseas funders in order to please particular governments. Responding to the needs with external goods, while they could be satisfied by local markets, can have an impact in the local economy as local products will have less demand. The narrower is the relationship between humanitarian assistance and political forces more likely is the emergence of undesirable consequences. The most straight forward and immediate one is the fact that working so closely, humanitarian assistance can be understood as a political agent and therefore is more likely to suffer attacks and deal with political negotiations when delivering the aid (Rieff 2002). There are two other consequences that are very unique of the last decades and both take place because nowadays humanitarian interventions stay on the field for very long periods of time (not because of its own wish though. This will be addressed later on this essay). The first one is how local economies, in a wider sense and not regarding to the intervention territory limits, can suffer a positive or negative impact. For instance, Calais used

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to be a popular European summer destination but the establishment of the Refugee Camp and its very dramatic situation, made tourists avoid the region as they were afraid of further insecurities. Many shops and restaurants shut down and the local economy suffered a negative impact. On the opposite side, some other places see their local economy being boost as the interventions imply a significant number of new individuals in the region, such as agencies staff, media, researchers, volunteers and so on that will spend their money in that region. The second consequence, as humanitarian interventions stay on the field for very long time it can make the conflicts look attenuated and the real causes of war might be forgotten or misunderstood by the non-affected populations. Through media individuals get emotional engaged and tend to not question neither the information provided by media propaganda nor the real origins of conflicts. Often, perverse political affairs appear unrelated to humanitarian assistance and therefore a feeling of civilian duty motivates people to donate to several causes and agencies. This donations mechanism, besides of being a corruption and diversion target, is twisted by governments that use it as an opportunity to not assume responsibilities. Actors directly involved or interested in the ongoing status of conflicts should assume an active solving problem attitude instead of relying on the good willing of civilians and humanitarians. The perverse use of donations makes citizens around

the globe contribute to sustain the ongoing wars even if there is no desire of doing so. Donations that are given in the victims’ name, should be in the first place provided by the governments that are causing the conflicts. At this point it is questionable if humanitarian action should be thought as a solution or rather as an ambiguous system that is used by governments to overshadow their lack of accountability. On one hand, some military actors, humanitarians and experts argue that even though humanitarian assistance exists within a complex network, it should not be forgotten that its purpose is to assist populations in risk and not to change societies and political systems. So, as long as humanitarian assistance contributes to minimize human suffering it should be considered as a solution, even if only a short-term one. On the other hand, others argue that the distribution of aid is used by governments as a tool to postpone decision making processes as well as to smooth away the image of an international political system that is unable to prevent massacres and that does not assume any responsibility for them. According to General Wesley Clark, who led U.S.A. and allied troops in NATO’s war in Kosovo in 1999, humanitarian relief is used as an ongoing solution when the deeper roots of a conflict cannot be solved, either because of international disagreement or because of the lack of willing to do so. Military and humanitarians can intervene but only political decisions can move the situation

further to finish the conflict and therefore the humanitarian crisis (Ogata and Clark 2005). David Rieff, a bit more radical in his view, argues that the lack of coherence of humanitarianism and the apparent good governance frameworks embraced by aid agencies only create false hopes and a dependency system (Rieff 2002). In this perspective, humanitarian aid should not be seen as an adequate solution and even less as a possible long-term one. Aid might enable a person or a family to survive for the day, it might enable a village to get drinkable water or it might attenuate suffering for a period of time but in reality, it cannot solve or change the long-term situation of an individual and even less of an entire community. Being unpowerful to lead to a full-frame change, humanitarianism is pointed by many as a mechanism that creates dependency and that can be used to carry out social control as well as to maintain a set up where there is always a permanent and destructive relationship of dominance between government, the dominator, and the vulnerable populations, the dominated. As a result, long-term sustainable recovery is improbable. Indeed, in nowadays scenarios, where in some regions conflicts are a kind of a permanent condition, there is little chance that total independence from aid relief will be achieved as this became the only way of living and the routine structures of many communities. Consequently, even though aid relief is necessary in situations where populations are exposed, it

has been questionable if at the same time it is creating disincentives and unpowering local economic structures. Some experts and NGOs defend that Rehabilitations should be tackled by means of development strategies rather than aid relief solutions arguing that aid should be suspended as soon as possible from the field to give the chance to local empowerment and sustainable development to happen. Contrary, some others, like Geoff Loane (2001), defend that each case is unique and withdraw aid in an earlier stage could lead to bigger human disasters rather than avoid a dependency cycle. Loane (2001) uses his analysis about food distribution in Sudan as an example. He shows that the amount of food distributed was only 15% of what WFP3 had suggested and therefore the intervention could have never generated a dependency cycle. Hence, he beliefs that cutting aid or reduce it drastically should not be considered as an option. As he puts it “There is thus a perceived tension between the humanitarian imperative - assistance to those in need and a return to the development process.” (Loane and Moyroud 2001, p.17). No doubt development and humanitarianism are hand by hand as there is a common mind set up of intervening aiming to have a positive impact. Nevertheless, even though they have the same final goal and exist in the same run, they exist within different processes and different timeframes. The line that distinguishes both might be getting less clear and less static but they are still two different actors

3 World Food Programme.

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with purposes of different nature (Lewis and Kanji 2009). Whereas development is a long-term process that happens trough an actor with long-term strategies, plans, projects and interventions, humanitarianism should be seen not as a development tool but as an immediate response and a short-term intervention that allows to mitigate human suffering. Furthermore, if referring to short-term interventions humanitarianism cannot generate dependency. If this dependency arises it is because the governments do not take decisions towards definitive solutions that would put an end to the conflicts and therefore, what was a short-term intervention becomes a long-term one. Indeed, dependent people are usually easier to control and to keep under intended political structures, mainly when this is done by means of controlling the access to the basics that assure human survival. Humanitarianism and development should not be seen as adversaries but as two different structures that can and should complement each other. According to Loane, this process can be facilitated if humanitarian and development portfolios are combined under one single Commissioner (Loane and Moyroud 2001). It stays as a suggestion that development cannot take place if humanitarianism does not intervene first because no Human Being can progress when the basic needs are not met and secure. Similarly, humanitarianism cannot erase

development as a post-phase that works towards local empowerment and local sustainability because no Human Being should be diminished to the condition of being able only to survive. Working towards local empowerment will hopefully lead to frameworks where communities can do something for themselves instead of being vulnerable to international wills. Sadako Ogata shares this same pint of view by mentioning how important it is that international community starts supporting and allowing Africans to do something about themselves in order to support themselves (Ogata and Clark 2005, 27:35). For the chain humanitarianism-local empowerment-development to happen active and responsible political leadership is needed so it becomes possible to get to the bottom of the political case that begun the conflict in the first place. III. Conclusion Long conflict situations with deep political roots are now the main framework of humanitarian assistance. Consequently, humanitarianism got involved in a delicate multi-organizational network where governments and military assume a dominator role. Funding and control over the territories are the two main sources used by governments to impose this dominance. The problem is that they are also the two main pillars that allow humanitarians to intervene, they need funds and access to the victims.

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Hence, humanitarians see themselves trapped in an ambiguous and controversial “partnership” that generates ethical issues and compromises their work but at the same time without it they cannot operate. The lack of transparency between actors plays a big part in deteriorating this unavoidable “partnership”. Weissman, defends that “The repeated failure of aid operations is due in great part to this ‘alliance’ - which, in reality, entails the submission of humanitarian concerns to political interests.” (Weissman 2004, p.21). Rather than serving political wills the main concern should be to protect the humanitarian space, to keep its neutrality and to promote a healthy cooperation between all the actors. To do so, effective management practices, a multi-organizational coordination and good information management should be applied through the entire logistic process. Equally important is to strengthen mechanisms that encourage the establishment of partnerships that would articulate local, national and international actors, governmental structures, military and beneficiaries. Cooperation should happen not only in an operational level but also in a moral one.

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dade. Trata-se dum momento de viragem, em que parece perspetivar-se um novo modelo de organização da economia e do Estado, em termos de resposta aos problemas sociais. Neste contexto, a economia informal em Angola, em particular Luanda pode vir a assumir um papel determinante, sobre o qual importa refletir, tendo em conta a evolução recente ao nível dos principais paradigmas de intervenção social em Angola. Tal reflexão constitui mais valia nos esforços tendentes a transformações estruturais suscetíveis de instaurar uma economia social e solidaria autêntica em Angola.

I. Introdução: Noções e Características

A Economia Popular Informal de Luanda - Uma Perspectiva Social e Solidária por José Mavungo

Há em Angola, em especial em Luanda uma predominância do mercado informal, que se apresenta como uma economia de pobreza. Este estudo examina a sua estrutura, as causas e as consequências deste setor na economia angolana, dando ênfase a questões de economia social e solidária. Chegando a conclusão de que a economia informal pode constituir um bom potencial empresarial, por constituir um setor moderno industrial e comercial competitivo que contribui para o aprovisionamento de grandes mercados urbanos. Ele necessita da intervenção estatal no sentido de mobilizar todas as suas forças para poder formular políticas macroeconómicas que conduzam ao pleno emprego e criar condições sociais coerentes e um quadro jurídico adequado que têm em conta a justiça social, fraternidade e a dignidade humana. Palavras-chave: estado; economia; informal.;mercado; pobreza; urbano; emprego; rendimento; popular; social;

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A expressão “economia informal”, “abrange uma diversidade considerável de trabalhadores, empresas e empresários, todos eles dotados de características identificáveis, que enfrentam desvantagens e problemas cuja intensidade varia consoante o contexto, nacional, urbano ou rural” (A OIT, 2006). Em Angola, a economia informal é conhecida por «candonga» (do Kimbundu = ato de comercializar produtos/serviços de forma clandestina, portanto uma economia “subterrânea” ou “paralela”). Trata-se de uma aglomeração «compacta e coesa» que, com um potencial de produzir externalidades e aumentar receitas em função de escala, tem conhecido um crescimento acelerado, sobretudo nestes últimos anos de paz, sendo os bairros de Luanda os maiores focos de concentração. Observe-se, “Angola possui uma das maiores economias informais do mundo em desenvolvimento” (UNCTAD, 2013), e ocupa 60% da população ativa (Fonte: Revista Económica e Mercado, 2016). Esta situação coloca o Estado social numa encruzilhada, tanto do ponto de vista de sua sustentabilidade como na ótica de sua capacidade de adaptação aos novos desafios das sociedades, situação essa agravada pela crise atual gerada pela aceleração do processo de globalização e pela progressiva generalização das teses neoliberais sobre o modelo de organização e regulação da economia e da socie-

II. Os Principais desafios de Luanda, um espaço geográfico com forte densidade populacional Luanda é o lugar onde as suas atividades do setor informal são mais ativas. Schneider (2005) “estima que a participação da informalidade no PIB oficial do país é de aproximadamente 45,2%”. O setor informal em Angola faz viver e sobre viver milhões de habitantes de maneira quase autónoma e segundo um modo de funcionamento à margem da lei.

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em satisfazer a procura urbana de bens e serviços); A ”taxa de urbanização tem evoluído substancialmente, de 49% em 2000, para 59,8% em 2010.” (Fonte: UNCTAD, 2013);

II.I. Contextualização Um espaço urbano delimitado e com uma forte densidade populacional Desde sua acessão à independência, Angola tem vindo a produzir elementos de entropia do seu sistema produtivo de bens e serviços, resultando numa crescente dimensão das atividades informais. Esta situação está estreitamente ligada ao processo de descolonização e a factores interatuantes ligados ao contexto histórico do momento que, nestes últimos 42 anos de independência, têm impedido a transformação eficiente de Angola em uma economia operante. Com efeito, o abandono massivo do país pelos colonos, aquando da acessão do país à independência se traduziu numa ruptura com o sistema económico colonial, estruturante e dotado dos indispensáveis mecanismos de controlo e regulação. Assim, estes anos de independência marcarão o país por um leque diversificado de factores interactuantes que permite explicar a evolução do sistema de produção de bens e serviços de Angola:

• Efeitos do conflito militar (19752002) - devastação das estruturas e do tecido social e económico do país, concentração da população rural e dos problemas de desemprego na capital, fragilidade da estrutura empresarial nacional, instabilidade laboral e social e a subsequente exclusão e miséria da vida das populações, limitação à liberdade de circulação, o desenvolvimento do trabalho infantil, etc.; • Descoordenação e anarquia nos programas de gestão dos recursos naturais e humanos do país, debilidade das infraestruturas sociais e económicas e o agravamento de certos desequilíbrios sociais e ambientais, que a globalização deu visibilidade (nãocriação de infraestruturas de produção para reduzir a dependência do petróleo e das desigualdades regionais); • A economia extrativa de enclave extremamente dependente do petróleo, as distorções macroeconômicas derivadas da exploração do petróleo e, sobretudo, a excessiva valorização da taxa de câmbio real; e situação “financeira bastante grave e obriga à austeridade” (Alves da Rocha, do CEIC)1;

• crescimento urbano acelerado com níveis reduzidos de planificação e ausência de um Projeto de Desenvolvimento Urbano coerente (extensão espacial dos assentamentos populacionais, excessiva concentração populacionl em meios urbanos, em especial em Luanda; insuficiência dos serviços administrativos

• Dificuldades de instauração do Estado-Providência por causa das debili-

dades do atual sistema económico mundial na sequência da “crise do petróleo (1973-1974)” e da afirmação de novas ideologias políticas neoliberais, que culminaram com a eleição de Ronald Reagan e Margaret Thatcher como Presidente dos Estados Unidos e Primeira-Ministra da Inglaterra, respetivamente. Neste contexto, a economia informal em Luanda constitui-se um fator estruturante, com uma capacidade de ocupar um espaço geográfico bem delimitado e distinto daquele ocupado pela economia moderna. Tomadas no seu conjunto, as atividades económicas informais interagem entre si e se organizam espontaneamente para formar uma maquinaria económica e social, admiravelmente forte, macio e muito resistentes tanto à contração severa da economia moderna quanto às agressões da inflação. Esta situação está na base duma das características da economia angolana, que é a predominância do setor informal.

nos têm vindo a implementar reformas de modo a alcançar a estabilização macroeconômica e a restruturação da sua economia. Porém, a estrutura do PIB não mudou muito desde o início das reformas. Nestes últimos quinze anos, as distorções macroeconômicas derivadas da exploração do petróleo se traduzem no abandono de outras atividades produtivas (agricultura, criação de gado e indústria) que poderiam absorver uma grande mão de obra, responder às demandas internas do mercado e promover o desenvolvimento de atividades de produção voltadas para a exportação. Certo, de 2002 a 2011, a economia angolana apresentou uma taxa de crescimento médio anual de 12% (fonte: UNCTAD, 2013); todavia, Angola não logrou imprimir eficiência na diversificação da economia, em especial nas suas exportações agrícolas e industriais, e ainda não efetuou a transição para uma economia de mercado estável e operante. Por exemplo, em 2010, “o valor das exportações angolanas, excetuando-se o petróleo e seus derivados, gás e diamantes, chegou apenas a US$266 milhões, o que corresponde a US$13,9 per capita” (fonte: UNCTAD, 2013). Hoje, a cidade de Luanda se confronta com desafios lançados por questões demográficas, pelo o rejuvenescimento da população sem um bom nível de formação, pela expansão urbana ou intensos processos de suburbanização; por questões de estagnação ou de declínio económico, e do enfraquecimento da

II.II. A crise atual e os desafios sociais da sociedade luandense Um Sistema de Valores Angola arrasta atualmente desafios de natureza estrutural e sistêmica, distorções essas causadas pelo longo conflito, que perdurou até 2002 e provocaram efeitos estruturais duradouros. Desde o fim do conflito, os governantes angola-

1. http://www.redeangola.info/situacao-financeira-bastante-grave-obrigara-a-mais-austeridade/

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articulação entre crescimento económico, emprego e progresso social de quase todos os municípios da cidade, pelo incremento do desemprego ou de empregos pouco qualificados e mal remunerados no sector de serviços; por questões de rendimento, de disparidade e de polarização social, segregação, pobreza, grave exclusão social e aumento de criminalidade; e por questões de ecossistemas urbanos sob pressão. Apesar da “tendência positiva do Índice de Desenvolvimento Humano – que melhorou de 0,383 em 2000 para 0,486 em 2011 - Angola está entre os países de pior desempenho e classificado em 148° lugar dentre 187 analisados” (UNCTAD, 2013). O PNUD, registra um IMP de 77,4% da população (banco de dados do IDH).

meio de subsistência para uma grande parcela da população angolana. Neste caso, Luanda é o espaço geográfico angolano onde um grande número de gente (que excede a cifra oficial) encontra no sector informal a ocupação e o rendimento por excelência para a sua subsistência e das respetivas famílias. O MAPESS estima que, em Luanda, mais de 70% da população sobrevive graças à informalidade (Workshop de Desenvolvimento 2009b)2. Segundo a UNCTAD (2013), “o sector informal urbano surgiu como consequência do ritmo acelerado da urbanização, estimulada sobretudo pelo deslocamento de populações rurais que fugiam dos conflitos em direção às principais cidades”. De acordo com o relatório do PNUD (2002), as “ondas migratórias internas exacerbaram ainda mais a escassez de empregos formais nas áreas urbanas”. Também, “a regulamentação de preços durante um longo período encorajou a população a operar na informalidade de modo a complementar sua renda, derivada da venda de produtos controlados no mercado negro” (Walther 2006) Observe-se, a disparidade dos rendimentos em Angola entre os dois setores têm sido sublinhada por várias instituições. Por exemplo, a Wold e Grave (1999) estima que “ao final da década de noventa, a renda das mulheres que trabalhavam no setor informal era superior à daquelas que atuavam no setor formal, e ultrapassava também a dos homens formalmente empregados”. E a OIT (2006) afirma que a economia informal se caracteriza muitas

II.III A economia informal, uma economia de pobreza A maior parte dos operadores entram na economia informal “em situações de forte desemprego, de subemprego e de pobreza” (A OIT, 2006, p. 8). Assim, a segregação ou gentrificação da pobreza (p.e. bairros como espaço de exclusão social; autoexclusão) e a discriminação baseada em questões de origem étnica ou de incapacidade significam também que os grupos mais vulneráveis e marginalizados são mais suscetíveis de integrar a economia informal. Por esta razão, a economia informal se impõe como sendo o principal

vezes por “fracos níveis de qualificação e de produtividade, rendimentos baixos e irregulares”. Finalmente, toda a economia informal é assim orientada para a libertação dum valor acrescentado que possa, através do jogo do mercado e da redistribuição, satisfazer as necessidades fundamentais do quotidiano de um país em crescimento populacional (4% ao ano)3 e urbano acelerado, que resultam em grandes dificuldades e problemas na vida das populações, tendo por corolário os atuais níveis de pobreza do país. Neste contexto, a economia informal permite também satisfazer as necessidades dos consumidores pobres, oferecendo bens e serviços acessíveis a preços baixos no mercado informal.

em Luanda, como em todo o território angolano: candongueiras, kinguilas e doleiros. Os candongueiros identificam-se de forma genérica com os operadores informais engajados na venda de bens e serviços, que exercem as suas atividades nos principais terminais onde confluem as rotas mais disputadas. Os diversos segmentos de sua atuação podem resumir-se em dois segmentos. O primeiro segmento refere-se a atividades de rendimento para agentes (ambulantes ou não) envolvidos no comércio de bens, nomeadamente, viaturas e peças novas ou usadas, importadas ou nacionais; bens alimentares, medicamentos, etc.; roupas e eletrodomésticos; combustíveis e de outros materiais relacionados com a mecânica, etc. O segundo segmento, tem a ver com os operadores não oficiais de serviços, nomeadamente, transporte de passageiros, lavagem de carros, reparação de carros, intermediação nas operações comerciais e logísticas, etc. Para além dos proprietários e motoristas, aparecem neste segmento, os cobradores, os angariadores, os mototaxistas e os gira bairros, reparadores de radiadores, etc. Os kinguilas e os doleiros identificam-se de forma genérica com os operadores engajados no mercado paralelo de moeda estrangeira, no mercado ilegal de divisas, exercendo as suas atividades à frente de sucursais de bancos, de casas de câmbio e, alguns casos operam em bairros periféricos.

III. Os laços com a economia moderna e o comércio internacional Schneider (2005) estima que a participação da informalidade no PIB oficial do país é de aproximadamente 45,2%. Em Angola, esta dinâmica integra uma vasta gama de atividades em todos os setores e apresentam características próprias, que estruturam o quadro de atuação dos operadores engajados. III.I. Os operadores da economia informal As atividades da economia informal têm três operadores bem definidos 3. Fonte: UNCTAD, 2013.

2. Fonte: UNCTAD, 2013.

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dos da sociedade», de «gentrificação» de «ghettos» (p.e. bairros como espaço de exclusão social; autoexclusão) pode conduzir, em muitas cidades, ao desenvolvimento de subculturas fechadas, com atitudes muito hostis em relação à sociedade em geral. Todavia, a população informal e a elite político-comercial constituem dois modos económicos e sociais economicamente coesas. Esta coesão tem a sua explicação sobretudo no estilo de vida da elite, que, pelo facto de partilhar a cidade moderna com expatriados, adotou um estilo de vida tecido pela “mistura de culturas”, muitas vezes artificial, o que a levou a adotar estilos de vida material muito largamente inspirados dos modos ocidentais de consumo. Assim, para satisfazer esta cultura exótica de consumo e para se aprovisionar em bens e serviços e, assim, fazer face às debilidades internas do mercado, a elite político-comercial recorre ao mercado informal. Por outro lado, as relações formais com o aparelho do Estado, e a administração pública em particular, são na verdade muito pouca desenvolvidas. Estas se concretizam pela promoção de ações casuísticas, e uma atitude oscilante, ambígua e ambivalente, entre a repressão e a tolerância têm sido alguns dos traços caracterizadores da relação entre o Estado e a economia informal no contexto angolano. Face a esta situação, os serviços prestados pela administração nestes últimos 42 anos ao setor económico informal – muitas vezes severas ações repressivas,

Observe-se, os candongueiros, bem como os kinguilas e doleiros constituem um mercado potencial para grupos marginais que se dedicam ao furto/recetação de divisas, veículos, de acessórios, de peças para automóveis e de eletrodomésticos. III.II. As relações das populações informais com a elite político-comercial e com o Estado Do ponto de vista sociológico, administrativo e económico, a economia informal se situa numa dinâmica relacional com as componentes da economia da cidade moderna, nomeadamente, a elite politico-comercial e a administração do Estado. As relações entre a população da cidade informal e a elite política procedem quase sempre dum vasto jogo de relações familiares e étnicos. Elas redobram e recortam muitas vezes uma rede de clientela tecida da ocupação da elite angolana no setor moderno, em especial no momento de transição da economia centralizada para a economia de mercado. Todos estes laços mergulham e estendem as suas ramificações no interior da cidade popular e se materializam economicamente por transferências de receitas em benefício da economia informal. Porém, não existe comunhão sólida entre a elite angolana da cidade moderna e a população da cidade informal. Pois que o número crescente de «excluí-

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outras vezes a tolerância, ou ainda tentativas de legalização do setor, - revelaram-se improdutivos na tentativa para se acabar com o setor informal ou, pelo menos, retirar os ambulantes (zungueiras) na rua. Como bem o afirmou Lopes (2014) “a atitude repressiva que caracterizou a época da economia centralizada e, pontualmente, alguns momentos da transição para o multipartidarismo e para a economia de mercado, surge actualmente praticamente desvanecida”.

na economia” (UNCTAD, 2013, p.49). Esta situação fez com que a crescente população urbana ficasse sem qualquer alternativa a não ser abraçar o setor informal. É assim, que a economia informal se tornou um importante canal de distribuição de mercadorias importadas. Note-se, “cerca de 90% dos artigos vendidos nos mercados informais angolanos são importados, quer legal ou ilegalmente” (Workshop de Desenvolvimento, 2009a). Portanto, o fornecimento de produtos baratos em Kwanzas, a liberalização do comércio permitiu a expansão da informalidade, propiciando à crescente população urbana em dificuldades a chance de ganhar a vida. Além disso, como os produtos importados constituem um componente importante da cesta básica da população, eles acabam por contribuir para aumentar o excedente do consumidor. Por intermédio dos grandes mercados urbanos, as atividades mercantes da vila informal de Luanda estão diretamente ligadas sobre um segmento importante da economia moderna, acabando por orientar a indústria manufatureira e a grande distribuição comercial tradicional urbana para a satisfação das necessidades da economia popular informal. Examinando o fenómeno, Lopes (2014) afirma que: “Sectorialmente, o comércio, retalhista, semi-grossista e grossista, é a actividade informal dominante; Outros segmentos importantes: transporte

III.III. As relações com a economia industrial e comercial da vila moderna O conjunto das atividades mercantes da economia popular informal de Luanda funcionam sob o regime de concorrência a traves do jogo dos grandes mercados urbanos. Estes são constituídos de inúmeros operadores independentes ofertando contra pagamento em numerário de bens e serviços suscetíveis de satisfazer a demanda solvável de milhões de consumidores. Por causa da liberalização drástica da economia provocado pelas políticas comerciais e pelo comportamento da taxa cambial, criaram-se “incentivos negativos ao crescimento da produção de mercadorias capazes de competir com as importações e estimular as exportações, restringindo assim tanto o desenvolvimento de novas atividades produtivas quanto a expansão das empresas existentes, fatores necessários à criação de empregos formais

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de passageiros e de mercadorias, a produção artesanal de bebidas alcoólicas e de bens alimentares confeccionados, a prestação serviços (entre os quais, o trabalho doméstico/ao domicílio), a agricultura e a pesca bem como o segmento financeiro informal que se faz sentir através do comércio ilegal de divisas e das associações de rotação de poupanças”. Neste contexto, muitas empresas modernas privadas e públicas prestam serviços essenciais importantes à vila informal de Luanda – distribuição de água, de eletricidade, de combustível, de mercadorias, e de transporte em comum -, tendo por corolário extensas e diversificadas áreas de intersecção com a economia formal e com a economia ilegal.

desde os primeiros anos de independência, foi incapaz de assegurar as necessidades de bens e serviços das populações, tanto nos centros urbanos como em meios rurais. Insuficiências financeiras, técnicas e de gestão, associadas a dificuldades temporárias no acesso a bens e serviços e aos condicionamentos resultantes da subordinação política, originaram uma política de desinvestimento e de ausência de conservação/manutenção das infraestruturas, a curto prazo, a uma acentuada segregação social – gentrificação e ghettificação - e a escassez de produtos e serviços no mercado formal, empurrando assim várias franjas da populações para uma pobreza abjeta, encorajando-a assim a integrar a economia informal. Por esta razão, a ocupação do centro da cidade pela classe média-alta, o chamado «aburguesamento» («gentrification») em Luanda, e o custo crescente da habitação tem tornado cada vez mais difícil para várias pessoas encontrar uma habitação condigna e a preços acessíveis nos lugares onde cresceram. Além disso, e conforme acima mencionado, a gentrificação, isto é, a modificação das dinâmicas da composição local, tal como novos pontos comerciais como os edifícios, valorizando algumas áreas da cidade de Luanda, cujas pessoas de baixa renda se vêm com dificuldades de fazer face aos altos custos de vida decorrentes desta modificação. Por outro lado, nos anos 70 e 80, os primórdios da economia informal, dizia-se que o sector informal era um

IV. Os Pilares da Economia Social e Solidária As atividades da economia informal produzem bens e serviços legais, ainda que não estejam em conformidade com a legislação ou práticas legais, mas que, por motivos óbvios, se impõem como exigência de sobrevivência do homem informal em contexto de produção e de administração de bens e serviços deficitários. IV.I. Os desafios e problemas Fundamentais

O problema de fundo das origens da economia informal está nas debilidades da administração da economia que,

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fenómeno transitório e que o progresso técnico acabaria por permitir-lhe a absorção dos trabalhadores informais. No entanto,” ao contrário do que inicialmente se admitia, a dimensão da economia informal tem crescido, quer nos diferentes sectores de actividade quer em países de nível de desenvolvimento diferenciado, e o fenómeno não se apresenta nem residual nem temporário, assistindo-se ao reforço da sua importância económica e social” (Lopes, 2014). Hoje, o agravamento da crise social em Angola decorre da crescente disparidade de rendimentos e do empobrecimento dos mais pobres que se acentua de dia para dia – em certos bairros, as populações são confrontadas com múltiplas desigualdades, como a precariedade da habitação, a desqualificação da educação, o desemprego, a carência de bens de primeira necessidade, o que na realidade se traduz num empobrecimento efetivo e generalizado da sociedade angolana. Diante desta situação, a intervenção social do Estado não é eficiente, tendo em conta a redução do Estado social pelo mau funcionamento das instituições saídas há pouco da guerra e a falta da cultura da lei e da transparência, o que incentiva a corrupção. Além disso, a intervenção comunitária está seriamente afetada pelas debilidades do processo democrático do país, o que tem impedido abordagens alternativas de intervenção para o desenvolvimento e um trabalho eficiente de ONGs no processo de desenvolvimento do país.

IV.II. Oportunidades para transformar as ameaças em desafios positivos

O potencial da cidade informal permitiu a constituição de um setor moderno industrial e comercial competitivo que contribui para o aprovisionamento de grandes mercados urbanos. Neste caso, a dinâmica da grande independência dos operadores económicos de uns em relação a outros, a condução das suas atividades mercantes para satisfazer a demanda de milhões de consumidores confere à economia informal de Luanda o seu caracter concorrencial. Observe-se, a independência do agente económico de Luanda em economia informal está fundamentalmente ligada à repartição relativamente igualitária do poder económico. Esta “democratização” do poder económico explica-se por um conjunto de fatores próprios à cidade de Luanda: • Nestes últimos quinze anos, a população de Luanda, que alberga 7,1 milhões, seja 27% dos angolanos, tem vindo a conhecer um crescimento acelerado e transformações culturais profundas depois do fim de conflito ocasionado por uma elevada taxa de natalidade (Fonte: INE); • Mutações significativas da rede mercante de Luanda, não apenas no que se refere ao número de mercados operativos, à respetiva dimensão, às funções que desempenham no quadro da rede comercial

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e de prestação de serviços, mas também no que respeita às próprias características funcionais e organizativas dos mercados (Lopes 2008);

criativo, dinamismo e capacidade de inovação, potencial que pode prosperar se se conseguir eliminar determinados obstáculos” (A OIT, 2006). Assim sendo, as novas formas de governança devem adotar um modelo holístico de desenvolvimento urbano sustentável: 1) lidar com os desafios duma forma integrada e proativa; 2). Contrabalançar as abordagens baseadas nas pessoas e no território; 3). Combinar estruturas formais de governança com estruturas informais e flexíveis de governança que correspondam à escala a que o desafio se coloca; 4). Desenvolver sistemas de governança capazes de promover visões comuns, que conciliem objetivos contrários e modelos de desenvolvimento conflituosos; 5). Cooperar para garantir um desenvolvimento urbano e espacial coerente Estas iniciativas devem ser sustentadas por políticas setoriais que identificam e melhor compreendam os problemas das populações urbanas em Luanda nos setores agrícola, pesqueiro, habitacional, manufatureiro e de serviços e abrangem ações corretivas quando necessário. Deve-se conferir poder de alavancagem das receitas provenientes do setor extrativo (petróleo e diamantes) que seriam utilizados para financiar políticas favoráveis às populações carentes de modo a desencadear o potencial empresarial dos setores angolanos que possuam ou possam vir a possuir vantagens comparativas.

• Distribuição relativamente larga do capital, através de transações monetárias realizadas pelos agentes - candongueiros, kinguilas e doleiros - que operam no mercado; interagindo e acabando assim, por sustentar a demanda; • A difusão de informação económica a partir de fontes geralmente bem informadas; esta informação circula de forma fluída graças às tecnologias de informação moderna (p.e. os telemóveis), permitindo assim que as dinâmicas dos mercados concorrenciais possam surtir os seus efeitos benéficos. Assim face aos desafios examinados nesta reflexão, é urgente que a elite angolana aproveite o potencial da diversidade mundial, socioeconómica, cultural, geracional e étnica e articular a competitividade da economia global com o desenvolvimento de economias locais; crie uma economia resiliente e inclusiva, combate a gentrificação e ghettificação da pobreza. No estado atual das coisas, a economia informal pode constituir um bom potencial empresarial e, assim, contribuir de forma eficiente na absorção de mão de obra qualificada e na procura de soluções para a atual delicada questão de pobreza e de precaridade de empregos. “Muitos dos que trabalham na economia informal têm um sentido apurado do negócio, espírito

Portanto, o papel do Estado Social em Angola deve orientar-se no sentido de formar um bom potencial empresarial. Além disso, o setor informal pode servir de rampa de lançamento para um acesso gradual para a economia formal.

atividade económica. Uma tal abordagem, se inscreve em estratégia abrangente, que sustenta um trabalho digno. Descrevendo esta estratégia, a OIT (2006, p. 6) diz: “Promover o trabalho digno para todos os trabalhadores exige uma estratégia abrangente: concretizar os princípios e direitos fundamentais no trabalho; criar novas e melhores possibilidades de emprego e de rendimento; alargar a proteção social; incentivar o diálogo social.” Com esta estratégia, o trabalhador se veria no seu direito e dever de se conservar e manter a si próprio, não só no momento concreto, mas também na previsão do futuro. Esta abordagem constitui uma garantia da paz social, porque constitui merecida recompensa do esforço individual e, consequentemente, cria um clima de satisfação.

IV.III As exigências duma economia social e solidária autêntica em Angola

A chave da atividade económica social e solidária deve passar por exigências económicas inseridas numa dinâmica que revolucione o modelo herdado da revolução industrial. Melhor dizendo, as exigências dumas economias social e solidária passam por uma dinâmica que renuncia à lógica empresarial, dominante ao longo do século XX, assente no curto prazo e na apropriação do valor económico por parte de um grupo restrito de acionistas, mas também a abordagens excessivamente amadoras ou assistencialistas de criação de valor social” (Meneses, 2016, p.14). A novidade desta abordagem se inscreve numa nova concepção do capitalismo, na qual, e como bem o defendem M. Porter e M. Kramer (2011)4, “o propósito da empresa deve ser redefinido, do lucro por si só, para a geração de valor partilhado”. Esta nova conceção supõe uma vontade política coerente para operar a transição da lógica rendeira para uma lógica produtiva que possibilite um crescimento estruturado e sustentado da

IV.IV. Conclusão e Recomendações A economia informal em Luanda é hoje a principal força económica coerente em Angola, a fonte por excelência de criação empregos e de rendimentos. Levado pela extremidade de maximizar a sua receita individual em vista a assegurar para ele próprio e seus próximos, as indispensáveis condições materiais de existência e de sobrevivência, o luandense da cidade informal se mobiliza com todas as suas forças para encontrar a maneira mais rentável de utilizar a sua força de trabalho.

4. Michael E. Porter e Mark R. Kramer. Creating Shared Value. Harvard Business Review. January-February 2011.

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Por esta razão, a economia informal pode constituir um bom potencial empresarial e, assim, contribuir de forma eficiente na absorção de mão de obra e na procura de soluções para a atual delicada questão de pobreza e de precaridade de empregos. Porém, face s debilidades atuais, a tomada em consideração da economia popular urbana deveria levar as autoridades governativas de Angola a operar mudanças no atual sistema económico do país. Não me refiro aqui a implicações profundas que sua existência e seu funcionamento deveriam ter sobre a política de estabilização, o ajustamento estrutural, a política dos investimentos, o futuro mineiro e sobre a conceção mesmo do desenvolvimento económico de Angola e as estratégias a pôr em pratica. Quero apenas atirar atenção para o facto de que, estando em face duma economia animada por milhões de pobres, é necessário formular políticas macroeconómicas e sociais coerentes e um quadro jurídico adequado que têm em conta a justiça social, a fraternidade e a dignidade humana.

Siglas e Abreviaturas. CEIC - Centro de Estudos e de Investigação Científica, da Universidade Católica de Angola IMP - Índice Multifuncional de Pobreza INE – Instituto Nacional de Estatística OIT – Organização Internacional do Trabalho PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento UNCTAD – Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento

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cação pouca clara das responsabilidades entre os atores de saúde global dificulta a prestação de contas e o cumprimento de obrigações na saúde, não tendo sido institucionalizado um quadro de valores, normas ou estruturas centralizadas de coordenação de saúde global. O crescimento das Parcerias Globais na Saúde levanta também a questão da correspondência entre as prioridades dos doadores e as áreas mais problemáticas dos países recetores, além da premissa “one size fits all” ainda inerente a algumas destas parcerias, salvaguardando, no entanto, algum impacto positivo que as abordagens mais verticais e incisivas destas Parcerias Globais possam ter tido, sobretudo, nos seus esforços na luta contra algumas doenças como o HIV/SIDA (Lorenz, 2007). De facto, a definição e estabelecimento de prioridades é uma críticas tecidas à Cooperação, com argumentos de que continuam a ser os doadores que definem as prioridades a nível nacional e global pela falta de processos de decision-making explícitos e inclusivos e pelas próprias organizações que não são representativas das populações (Moon & Omole, 2013), apesar do aparente consenso generalizado de que os países recetores, mais do que os doadores, devem definir o caminho para o seu desenvolvimento e, portanto, as suas prioridades. Esta ideia ficou explícita, por exemplo, em alguns dos conceitos chave da Declaração de Paris sobre a Eficácia da Ajuda ao Desenvolvimento (2005) e outros processos

I. Breve panorama da Cooperação Internacional na Saúde

Cooperação Internacional na Saúde: Desafios das parcerias interorganizacionais Reflexão a partir do caso do PIMI na Guiné-Bissau por Ana Margarida Vaz

Nas últimas décadas, assistimos à proliferação de parcerias na Cooperação de Desenvolvimento e de atores que atuam na Saúde Global, emergindo daqui a necessidade de observar atentamente a ação das instituições multilaterais, bilaterais e organizações da sociedade civil, a partir das críticas que têm sido levantadas em torno destas questões. Este trabalho explora, ainda que numa abordagem inicial e menos profunda, o caminho que tem sido feito na Guiné-Bissau no que respeita às parcerias na Cooperação Internacional, tendo em conta o perfil e contexto político, social, económico e cultural do país, e partindo do caso do Programa Integrado para a Redução da Mortalidade Materna e Infantil (PIMI) para refletir sobre alguns aspetos das relações entre o Estado, as organizações não-governamentais e os parceiros internacionais, que são transversais às questões da Cooperação para o Desenvolvimento. Palavras-chave: cooperação internacional na saúde, críticas e desafios às parcerias, caso das parcerias na Guiné-Bissau

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Na última década, assistiu-se à proliferação de atores e parcerias na Saúde Global que, apesar da evidente necessidade de assistência ao Desenvolvimento em muitos países do mundo, não está isenta de críticas. Muitas são decorrentes dos constrangimentos e problemas que foram surgindo, como a falta de coordenação entre estes atores que leva a riscos como a ineficácia dos serviços com tendência à duplicação (Moon & Omole, 2013). Apesar desta observável multiplicação de atores, Moon e Omole destacam a insuficiência do montante total de financiamento e a volatilidade e incerteza associadas aos fluxos da Ajuda, que refletem a dificuldade dos doadores de assumir compromissos a médio-longo prazo com os países parceiros. Na área da saúde, a volatilidade do financiamento pode ser particularmente prejudicial quando é usada para financiar os recursos humanos da saúde e outros custos recorrentes (como medicamentos e transporte) (Moon & Omole, 2013), dificultando o caminho para a consolidação dos sistemas de saúde nos países recetores mais pobres e frágeis. A mudança, muitas vezes brusca, de prioridades dos doadores e a falta de financiamento de compromissos levaram, segundo estes autores, a uma reflexão mais alargada em torno da noção de accountability (prestação de contas). Além disso, segundo Ruger (2012), a alo-

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que lhe seguiram, como os conceitos de apropriação e de alinhamento1. O conceito de apropriação, que remete para o exercício da liderança por parte dos países recetores da Ajuda nas suas políticas e estratégias pode ser, de certo modo, paradoxal, uma vez que o significado da palavra pressupõe já tomar como próprio algo que é alheio e que é concebido por parte de outrem. Algumas críticas à operacionalização deste conceito referem que não permite aferir verdadeiramente a real apropriação dos países recetores (Freitas, 2011).

Europeia, um dos principais parceiros do país, não só suspendeu o apoio direto ao orçamento como alguns pagamentos feitos ao Estado, nomeadamente no âmbito dos acordos de pesca estabelecidos (Barros, 2014). As dificuldades no desenvolvimento real do país e no fortalecimento do Estado como agente capaz de providenciar os serviços necessários à sua população refletem-se no panorama do setor da saúde, marcado pelas, ainda, elevadas taxas de mortalidade materna (900/100.000 nados-vivos, segundo MICS 2014) e infantojuvenil (89/1.000 nados-vivos, segundo MICS 2014), denunciando um sistema caracterizado por constrangimentos ao nível da gestão e financiamento, infraestruturas e equipamentos e recursos humanos. Estes constrangimentos manifestam-se do lado da oferta dos serviços médicos, mas em parte também do lado de quem procura estes serviços (uma população com baixo nível socioeconómico), sendo que ambos se influenciam mutuamente. Do lado da oferta dos cuidados de saúde, a escassez e falta de qualificação de profissionais de saúde, considerando a baixa densidade de profissionais de saúde qualificados – 7,3 por cada 10 mil habitantes (OMS, 2017) – e o fenómeno migratório de muitos médicos e enfermeiros, considerando que cerca de um quarto destes profissionais deixaram o país durante guerra civil e muitos continuam a emigrar para países com melhor oferta de salário (Murphy, 2008). Além da

II. Contexto político e social da Guiné-Bissau Ao longo dos anos pós-independência, a Guiné-Bissau tem sido marcada por uma instabilidade política crónica que perpetua a debilidade de um Estado cujas instituições não conseguem dar resposta aos níveis de pobreza generalizada no país, dificultando o seu desenvolvimento. A incursão do golpe de Estado a 12 de abril de 2012, em pleno momento eleitoral, acabou por levar ao corte radical de muitos parceiros internacionais com o governo guineense, que interromperam o apoio direto ao orçamento do governo guineense, diminuindo consideravelmente o investimento direto estrangeiro – como é o caso da União Europeia, e consequentemente, de muitos dos seus programas de apoio ao Desenvolvimento do país como é o caso do PIMI. A União

fraca qualificação (e motivação) dos profissionais médicos, os comités de gestão dos serviços de saúde, órgãos eleitos representativos das comunidades na gestão financeira e nos serviços de saúde da sua área, são compostos por pessoas com baixa escolarização, o que não permite melhoria da gestão dos serviços. A falta de prestação de contas dos comités de gestão para com as populações que servem, abre brechas que conduzem, muitas vezes, à utilização dos fundos provenientes da recuperação de custos implementada nos serviços de saúde para meios próprios. “Consequentemente, chegou-se a uma situação em que não há fundos acumulados, as condições de prestação de cuidados degradaram-se completamente e verifica-se uma total ausência de medicamentos essenciais.” (PNDS II, 2008:38). A inércia de um Estado incapaz de monitorizar e vigiar as suas dependências acaba por conduzir a um sentimento de impunidade que, mais facilmente, conduz a estes comportamentos por parte dos seus funcionários. Por outro lado, os escassos recursos socioeconómicos da população para conseguir pagar os serviços cobrados e a dificuldade geográfica de acesso aos centros de saúde acabam por condicionar a procura pelos cuidados médicos assistidos, muitas vezes fazendo prevalecer as práticas tradicionais e o contexto cultural.

III. Cooperação Internacional na Guiné-Bissau Desde o período pós-independência que a Guiné-Bissau conta com a presença no seu território de várias instituições bilaterais/multilaterais, e organizações não-governamentais de diversa natureza, sendo que na década de 80 se vivia, inclusive, um certo otimismo quanto ao futuro do país. Ainda que incipientes, os cuidados de saúde primários eram a prioridade, com a gratuitidade dos medicamentos essenciais e dos serviços de prestação de cuidados de saúde (Einarsdóttir & Gunnlaugsson, 2005). Em 1985, com a implementação do Programa de Ajustamento Estrutural pelo Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial, com o objetivo de travar os gastos do governo guineense e inverter a tendência de endividamento, o investimento nos cuidados primários de saúde sofreu regressões, com a introdução de taxas moderadoras pagas pela população para aceder a estes cuidados; além de ter provocado um aumento do desemprego e subemprego, a subida da inflação, dos impostos e do valor dos alimentos, prejudicando os meios de subsistência e a segurança alimentar das famílias (Ingósfsdóttir, 2011). A maioria dos países africanos que aderiram às condições dos programas de ajustamento estrutural viram-se obrigados a reduzir a despesa do Estado com os serviços de saúde e outros setores base

1 Apropriação: os países parceiros exercem liderança efetiva sobre as suas políticas e estratégias de Desenvolvimento, e asseguram a coordenação das ações de Desenvolvimento; os países doadores comprometem-se a respeitar a liderança dos países parceiros e a ajudá-los a reforçá-los a sua capacidade de a exercerem. Alinhamento: os doadores baseiam o seu apoio nas estratégias nacionais de desenvolvimento, instituições e procedimentos de países parceiros. (Declaração de Paris sobre a Eficácia da Ajuda ao Desenvolvimento – Paris, 28 fevereiro – 2 março 2005. Publicado originalmente pela OCDE. Trad. IPAD Disponível em https://www.oecd.org/dac/effectiveness/38604403.pdf)

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da sociedade como a educação, com repercussões severas nas condições de saúde da população, agravando os índices de maus resultados na saúde. Ainda assim, perante a alarmante falta de recursos humanos e subfinanciamento nos setores da saúde e da educação na Guiné-Bissau, o FMI e o Banco Mundial explicitamente recomendaram o aumento da despesa governamental nestas áreas (Murphy, 2008), ainda que insuficiente. Além do agravamento do panorama social e económico do país, a política económica imposta pelo FMI e Banco Mundial contribuiu para a eclosão do conflito militar armado em 1998 (Einarsdóttir, 2007), pelo acentuar das tensões e da instabilidade política e social que se vivia no país. Com a guerra civil (1998-1999), alguns parceiros internacionais acabaram por descontinuar a sua ajuda ao país, dada a instabilidade política vivida e seu “baixo perfil” internacional. No final dos anos 90, a nova política de parceria formulada pela comunidade internacional de doadores assente na classificação redutível de alguns países a estados frágeis, “poor performers” ou “difficult partnership countries” justificou a estratégia de saída de alguns dos principais doadores da Guiné-Bissau (como Estados Unidos, Suécia e Holanda) e de outros países considerados difíceis, ainda que, segundo Einarsdóttir, com base em evidências mal definidas (2007). Esta estratégia de saída evidenciou e confirmou as relações desiguais entre doador e recetor, e a proemi-

nência dos interesses superiores dos países e instituições doadoras. Estatísticas do Banco Africano para o Desenvolvimento (Pureza et al, 2007 citado por Einarsdóttir, 2007) indicam que o valor de Ajuda ao Desenvolvimento na Guiné-Bissau, contabilizando todas as fontes, desceu de 180 milhões de dólares em 1996 – ou seja, antes do conflito armado – para 52 milhões de dólares em 1999. De facto, os países pobres considerados de parceria difícil (da sigla em inglês DPC’s – Difficult Partnership Countries) recebem 40% menos de Ajuda ao Desenvolvimento do que outros países também considerados de baixos rendimentos, principalmente devido aos fluxos desproporcionalmente baixos vindos de doadores bilaterais (Levin & Dollar, 2005), sendo que a volatilidade dos fluxos de Ajuda aos DPC’s é duas vezes maior quando comparada com a assistência relativamente a outros países pobres.“Their population become double damned – first, for the living conditions of bad governance, and second for being denied aid for just the same reason.” (Einarsdóttir & Gunnlaugson, 2005:1136). IV. Parcerias e Financiamento no Setor da Saúde

Na Guiné-Bissau, damos conta

de um sistema claramente subfinanciado com uma elevada dependência dos parceiros externos, sendo que estes participam no orçamento da saúde com uma

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fração equivalente a 11,9% do PIB e a 46,54% do Orçamento geral de Estado (dados PNDS II, 2008:40). A parceria é, portanto, a maior fonte de financiamento, representando cerca de 90% do orçamento para o funcionamento regular do Ministério da Saúde, de acordo com dados do PNDS II, dos quais 80% deriva dos parceiros multilaterais e 20% dos parceiros da cooperação bilateral. O financiamento torna-se um dos principais bloqueios ao funcionamento eficaz do sistema nacional de saúde, fragilizando-o, na medida que esta dependência externa constitui alguns riscos. As parcerias entre os designados Norte e Sul são frequentemente caracterizadas por uma série de disparidades entre os dois parceiros, nos recursos, na capacidade institucional e no poder, ou seja, a parceria joga-se num campo desigual, com o parceiro que controla o financiamento a controlar também os termos da parceria (Bailey & Dolan, 2011). Isto determina, por exemplo, o tipo de abordagem – como por exemplo, a manutenção da abordagem da verticalidade em alguns programas de saúde – as prioridades e setores estratégicos, os volumes da Ajuda, o início e término dos programas. Apesar destes constrangimentos, as parcerias são estratégias vincadamente assinaladas nos documentos de referência da Guiné-Bissau, seja o DENARP, o PNDS ou o POPEN, inclusive a Política Setorial da Saúde da Guiné-Bissau definida em 1993, reunindo-se um quadro que legitima e favorece o estabelecimento

de parcerias, o que reforça novamente a ideia de que o funcionamento do sistema depende urgentemente dos parceiros externos. V. Coordenação entre atores das parcerias e Estado

A coordenação e articulação dos parceiros técnicos com as devidas instituições no país nem sempre foi sendo feita, acabando por não reforçar e capacitar os organismos/instituições já existentes no país, esvaziando até algumas destas instituições do seu propósito e sentido original. A falta de coordenação dos atores internacionais com o Estado e entre si revela-se na criação de organismos pelas agências e instituições doadoras para gerir e coordenar os diversos fundos externos que chegam, que acabam por tratar as questões de saúde de uma forma isolada e sem qualquer ligação com outras estruturas já existentes no país (PNDS II, 2008:38). Esta descoordenação e fragmentação não abre caminho para a compreensão do Sistema de Saúde como um todo global, contribuindo para a sua coesão e capacitação, mas leva, ao invés, à prevalência de um à ineficácia e fragilidade do Estado, perpetuando a sua incapacidade de dar respostas. Segundo o PNDS II, não existe um organismo de coordenação setorial para orientar as contribuições, sejam técnicas, materiais ou financeiras, e o campo de atuação dos vários intervenientes na

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área da Saúde ou, ainda, para compilar e tratar toda a informação sobre a coerência entre as estratégias e prioridades nacionais e os diversos programas e propostas de projetos. Não facilita, assim, a prestação de contas de todo o processo e a responsabilização dos atores quer internacionais, quer nacionais dentro do próprio sistema de saúde nos seus diferentes níveis. Permanece, assim, o Estado inapto para cumprir a sua função de zelar pelo bem-estar comum e pelas necessidades da população, sendo que “As oportunidades e projetos não dependem da forma crucial das instituições públicas (formais) e da maneira como deveriam funcionar. E elas (as instituições) (…) fazem com que o Estado não consiga velar pela proteção da população, enfraquecendo assim as capacidades de responsabilização e criação de dispositivos para sua fiscalização e avaliação.” (Barros, 2014:21)

bastante elevado, situando-se em 69,3%, além de todo o quadro sanitário do país que apresentava uma situação de morbilidade e mortalidade bastante elevadas, a prevalência elevada do HIV/SIDA, a acessibilidade geográfica e financeira da população aos serviços de saúde muito limitada, e a fraca qualidade dos serviços de saúde a juntar à pouca eficiência na gestão dos recursos humanos na saúde (DENARP II, 2011). A União Europeia, um dos principais parceiros da Guiné-Bissau, avança com o financiamento de um programa para acelerar a redução destes índices, o PIMI – Programa Integrado para a Redução da Mortalidade Materna e Infantil, abrangendo três vertentes do sistema de saúde: a operacionalização de uma rede de saúde comunitária, a qualidade dos serviços de saúde e a gestão desses mesmos serviços, para as regiões de Cacheu, Biombo, Oio, Farim e Gabú (cinco das oito regiões do país). O programa foi implementado entre 2013 e 2016, alinhado com as prioridades do DENARP II e enquadrado nos eixos de intervenção do Plano Operacional de Passagem à Escala Nacional das Intervenções de Alto Impacto relativamente à redução da mortalidade materna e infantil na Guiné-Bissau (POPEN). A intervenção contemplou três pacotes de cuidados – as Práticas Familiares Essenciais (PF), o Pacote Mínimo de Atividades (PM) e o Pacote Complementar (PC) que são prestados, de forma integrada a mulheres e crianças, e durante

VI. Contexto do PIMI – Programa Integrado para a Redução da Mortalidade Materna e Infantil Aproximando-se o término da agenda dos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio (2000-2015), urgiu a necessidade de prestação de contas sobre a evolução dos indicadores e resultados dos mesmos nos países mais pobres. Na Guiné-Bissau, apesar da tendência para a redução da mortalidade materna e infantil, o ritmo mantinha-se muito lento. O nível de pobreza, em 2010, continuava

períodos como gravidez, parto, pós-parto e pequena infância (até aos 5 anos de idade), em estratégia fixa e avançada2. Assegurou, ainda, a disponibilidade de medicamentos, consultas gratuitas, evacuações para centros de referência (os chamados hospitais regionais). O financiamento foi entregue diretamente a organizações da sociedade civil, dada a interrupção de apoios diretos para o orçamento de Estado por parte dos parceiros internacionais. Em comunicado, a Comissão Europeia refere que a cooperação institucional com o governo da Guiné-Bissau estaria suspensa, nos termos do artigo 96º do Acordo de Cotonu3 - “O apoio foi concebido tendo em conta esta fragilidade – na sequência do golpe militar de abril 2012 – e necessidade de adaptação às emergências humanitárias que possam ocorrer.” (Comunicado da Comissão Europeia, 23 julho 2013). Cada um dos parceiros ficou encarregue de uma vertente do programa, sendo que o UNICEF ficou responsável pela saúde comunitária; o Instituto Marquês Valle Flôr (IMVF) encarregue de garantir a qualidade dos cuidados de saúde primários e especializados; e, finalmente, a Entraide Médicale Internationale (EMI) com a gestão dos serviços de saúde. Apenas o UNICEF subcontratou outras organizações não-governamentais com experiência de trabalho nas diferentes regiões do país para a operacionalização da saúde comunitária. A escolha dos parceiros para a implementação do programa pode suscitar, desde logo, algumas questões, dada

a ausência de critérios e a falta de clareza e transparência no processo de escolha. Os escassos anos para implementação do programa (entre 2013 e 2016) revelaram-se insuficientes para operar mudanças significativas e avaliar os resultados. Os processos de Desenvolvimento levam tempo e apresentam-se muito complexos, uma vez que dependem de muitos fatores e exigem coordenação e articulação, não só entre o Estado e os seus parceiros técnicos, mas também entre o Estado e suas instituições e organismos, além de uma agenda e uma visão comum de desenvolvimento, emergindo a necessidade processos e compromissos a médio-longo prazo – ainda que seja um paradigma a mudar por parte dos doadores internacionais. Na área da saúde, um importante fator para a maior adesão das populações aos serviços de saúde é a qualidade do atendimento dos profissionais que as pessoas encontram nos serviços de saúde. Se os técnicos e técnicas de saúde, para além das fracas qualificações, não se sentem motivados perante um Estado que não dá respostas ou suporte, acabam por poder desenvolver um sentimento de impunidade e de indiferença/desligamento dos problemas reais da saúde, acabando por cair em más práticas. Se o programa promove a procura de serviços por parte da população, sensibilizando-os para a importância dos cuidados médicos assistidos, mas se do lado da oferta não se verificarem melhorias no sistema de saúde (quer ao nível dos recursos humanos,

2 Disponível em http://www.imvf.org/index.php?projeto=1492, consultado em novembro 2017. 3 O Acordo de Cotonu é o quadro geral para as relações da UE com os países de África, das Caraíbas e do Pacífico. Foi adotado em 2000, substituindo a Convenção de Lomé (1975). Trata-se do acordo de parceria mais completo existente entre países em desenvolvimento e a UE, abrangendo as relações da UE com 79 países, assente em três pilares: cooperação para o Desenvolvimento, cooperação económica e comercial e vertente política. Neste acordo, a UE e os países reconhecem os direitos humanos, os princípios democráticos e o Estado de direito como elementos essenciais da sua parceria, estabelecendo um processo que pode ser utilizado em caso de desrespeito, por uma das partes, desses princípios fundamentais. As regras deste processo estão definidas no artigo 96.º do Acordo. Disponível em http://www. consilium.europa.eu/pt/policies/cotonou-agreement/, consultado a 1 dezembro 2017.

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quer nas infraestruturas, equipamentos e medicamentos, e toda a gestão eficiente necessária para dar resposta aos problemas de saúde) para conseguir acolher e proceder ao tratamento da população, dificilmente se criarão mudanças no sistema de saúde e no comportamento das pessoas face à procura dos serviços médicos, não contribuindo para a melhoria dos indicadores de saúde. Se não houver uma forte articulação dos programas e projetos com o sistema, as instituições do Estado, e as políticas de saúde, no sentido do seu fortalecimento, dificilmente se abre algum caminho para mudanças reais. Um dos grandes desafios continua a ser a sustentabilidade, sobretudo nos países pobres como a Guiné-Bissau onde os sistemas de saúde são severamente subfinanciados. Mesmo que algumas melhorias sejam alcançadas com o apoio externo, não é de forma fácil que se mantenha a sustentabilidade depois do período de compromisso do financiamento com as agências doadoras (Lorenz, 2007). A elevada dependência do financiamento dos parceiros internacionais, significa desigualdades na alocação do poder e dos termos da parceria, deixando, por vezes, os países parceiros à margem das decisões dos grandes financiadores e nem sempre com a autonomia desejada para tomar rédeas ao caminho para o seu Desenvolvimento, se a resposta estiver na capacitação e no fortalecimento do Estado e suas instituições. Por outro lado, a saída dos financiadores externos significa

graves problemas que põem em causa o funcionamento e manutenção do sistema de saúde. VII. Relações entre Estado, Parceiros Internacionais e Organizações Não-Governamentais

A relação de parceria entre o Esta do e o principal financiador do programa, a União Europeia, acaba por funcionar de forma quase burocrática, revelando desequilíbrios na alocação do poder na parceria – o que não só se pode revelar nesta dimensão da cooperação para o desenvolvimento, mas em outros setores que a União Europeia intervém (dentro do Acordo de Cotonu). Sendo uma instituição de grande dimensão é altamente burocrata, o interesse maior na realização das atividades e consecução das verbas do orçamento de forma o mais eficiente possível, sobrepõe-se às preocupações com os resultados reais das intervenções, não levando os termos de uma real parceria a bom porto. Uma articulação mais real, mais próxima e fiel aos termos de uma parceria, com o Ministério da Saúde e as instituições do Estado fica, então, à mercê da atitude dos parceiros do programa. No entanto, “A perspetiva da responsabilização do Estado no relançamento do processo de desenvolvimento em situação de fragilidade institucional e dependente de ajuda externa, requer não apenas uma eficaz coordenação técnica, mas também uma

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Algumas formas de atuação mais perversas das organizações não-governamentais, que se revelam nestes aspetos, não tem permitido o estabelecimento de verdadeiras relações de parceria, verificando-se a competição na arena do financiamento ou a aliança a parcerias que estrategicamente as posicionem segundo os seus interesses como a captação de interesse de parceiros internacionais. Este facto também pode inibir a expressão total dos termos de uma parceria que a instituição doadora pode esperar das ONGs parceiras – Segundo os estudos de caso de Brinkerhoff e Brinkerhoff (2004), relativos às relações entre instituição doadora e organizações da sociedade civil, os doadores podem ingenuamente esperar um comportamento de parceria por parte das organizações não-governamentais, sendo que na realidade a parceria assume-se simplesmente uma ponte para alcançar o financiamento. Se, por um lado, estas parcerias entre a instituição multilateral e as ONGs podem ter repercussões negativas para estas últimas – quando se evidencia um poder desequilibrado que iniba a reciprocidade da relação ou quando a burocracia excessiva da instituição doadora anula os princípios da expressão total da parcerias –, os autores consideram importante ter em conta que a diversidade de organizações da sociedade civil não permite generalizar o comportamento de todas as organizações ao assumir pressupostos universais em relação ao compromisso e capacidade de parceria na sua forma mais genuína.

liderança em termos da visão do desenvolvimento a alcançar.” (Barros, 2014:73) Por outro lado, as lógicas de trabalho e de parceria entre organizações não-governamentais podem gerar conflitos e colocar em causa o alcance de resultados reais dos projetos. Não havendo coordenação e uma agenda/princípios partilhados que estruturem as parcerias e a sua atuação, torna-se difícil caminhar em prole desta visão comum de desenvolvimento. Com o agravamento da situação político-social decorrente do golpe de estado em 2012, a maioria do financiamento das organizações da sociedade civil passou a ser feita diretamente pelos fundos da União Europeia através da cooperação multilateral, o que teve, de imediato, consequências na estruturação e na lógica das parcerias (como acontece nos programas financiados pela União Europeia como o UE Activa e o UE-PAANE). Surgiram “parcerias oportunistas” entre as ONG externas e as ONG locais, apresentando-se as primeiras como “gestoras de subvenções” e passando a subcontratar as organizações guineenses como executoras dos projetos (Barros, 2014). Segundo o diagnóstico de Miguel Barros (2014), este cenário agravou-se nos últimos cinco anos, manifestando-se também através da transferência de escritórios de organizações do Norte global para os países recetores de ajuda, de modo a serem considerados como atores nacionais e gozarem das mesmas vantagens no acesso aos financiamentos – as chamadas ONG com “dupla nacionalidade”.

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Apesar dos constrangimentos nas relações entre organizações não-governamentais no caso da Guiné-Bissau, é de notar alguns esforços de estabelecimento de um agenda comum, como o manifesto que resultou da 3ª Conferência das ONG, realizada em Bissau em outubro de 2017, no qual figuram alguns princípios que deveriam orientar no estabelecimento e desenvolvimento de parcerias entre as ONG nacionais e externas, com o Estado da Guiné e com as instituições internacionais – nomeadamente adotar “práticas colaborativas, combatendo a tendência de competição e concorrência entre ONGs”, promovendo “parcerias baseadas no respeito mútuo, confiança, transparência, reciprocidade e dignidade” (Manifesto das ONGs na Guiné-Bissau, 2017). Deste encontro, resultou ainda um grupo de trabalho para a implementação de um espaço de concertação permanente entre as ONGs. Nos grupos de trabalho reunidos na Conferência, concluiu-se ainda, sobre a relação entre Estado e ONGs, que estas têm um compromisso com o fortalecimento do Estado e devem envolver-se desde a conceção à monitorização das políticas públicas, através de uma instituição interlocutora que represente estas organizações junto do Estado, mas definindo e respeitando o papel singular que Estado e organizações não-governamentais representam na sociedade guineense (Santos, 2017).

VIII. Conclusão

Sendo o Estado da Guiné-Bissau marcado pela constante instabilidade que fragiliza a sua capacidade de atuação e responsabilização, pelos problemas de subfinanciamento e elevada dependência da Ajuda externa, o seu funcionamento fica maioritariamente submisso aos financiamentos no âmbito dos programas, projetos e acordos com instituições multilaterais, com as condições que os mesmos acarretam, o que, muitas vezes, não dá a devida autonomia ao país para decisões no que respeita ao seu caminho para o Desenvolvimento, mas que acaba por ser feita com base em decisões que são induzidas de fora. Além disso, o Estado surge mais facilmente como “um agente dos interesses transcendentes dos particulares”, segundo o sociólogo guineense Miguel de Barros (2014:21). Contudo, são talvez a única forma de garantir algum funcionamento dos setores básicos do país, como o setor da saúde, e consequentemente o acesso a alguns benefícios para a população, ainda que a sua sustentabilidade e a verdadeira melhoria dos índices de pobreza do país possam ser facilmente questionados. Por outro lado, é questionado o nível de compromisso por parte dos parceiros multilaterais com o seu desenvolvimento e interesse no diálogo e reciprocidade com o Estado e suas instituições. O diálogo com os intervenientes nacionais por parte de todos os atores que operam na Cooperação, sejam os doadores mul-

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tilaterais, bilaterais e as organizações da sociedade civil, é fundamental para que as decisões tomadas possam envolver sempre os beneficiários e garantir que as intervenções são orientadas em torno de uma visão e uma agenda comum de desenvolvimento que alinhe todos os atores. Talvez a resposta esteja na capacitação e no trabalho de parceria na sua expressão mais genuína possível, para que o Estado tenha, progressivamente, a capacidade de intervir nos setores do país decisivos para o seu desenvolvimento, sendo capaz de responder aos problemas reais que o país atravessa e de ser responsável/ responsabilizado perante a população que serve, simultaneamente com capacidade de exigir o cumprimento dos compromissos no quadro das responsabilidades dos parceiros internacionais.

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de a campanha pela igualdade de géneros ter sido iniciada há mais de dois séculos atrás, hoje continuamos a deparar-nos com obstáculos substanciais ao equilíbrio neste domínio. Entre as diversas expressões culturais da perpetuação de um status quo que desfavorece a mulher perante o homem, este ensaio tratará mais especificamente das questões relacionadas com a religião e o trabalho.

I. Introdução

Gestão Intercultural em Projetos de Intervenção Social: A questão do género por Beatriz Carvalho, Joana Luís, Laura Moreno, Tatiana Belota

O presente ensaio procura analisar a importância das problemáticas de género na gestão intercultural de projetos de intervenção social e demonstrar que diferentes expressões da desigualdade de géneros se manifestam como obstáculos para os processos de planeamento e implementação. Tomam-se como base teórica os conceitos de cultura e de género enquanto construção social para, então, explorar as influências da religião nos papéis sociais de cada género e o modo como as diferenças entre feminino e masculino afetam a divisão social do trabalho. Por fim, destaca-se a importância da aplicação de métodos participativos na procura pela neutralização de tais desigualdades, salientando-se algumas limitações a que esses objetivos sejam efetivamente atingidos. Palavras-chave: análise de género; gestão intercultural; métodos participativos; religião; trabalho.

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“No man is an island, entire of itself, every man is a piece of the continent, a part of the main.” (John Donne) Conforme refere John Donne no famoso poema, o homem é um ser eminentemente social, que desde o momento do seu nascimento vive rodeado de um todo que, de forma consciente ou inconsciente, molda os seus conceitos e expectativas face ao mundo e ao outro. A esse todo, chamamos sociedade, e à forma como a sociedade molda conceitos e expectativas dos seus indivíduos, chamamos cultura. A cultura é um fenómeno multidimensional, composto por uma camada exterior de manifestações tangíveis e por uma outra camada, de tal forma profunda, que os seus significados partilhados são tidos por inquestionáveis. Desde que nascemos colecionamos aprendizagens, mas quando será que aprendemos que o mais difícil não é aprender e sim desaprender? Algumas dessas certezas que carregamos contribuem, ainda que silenciosamente, para que situações de desigualdade sejam mantidas. As desigualdades de género são um exemplo paradigmático deste fenómeno. Por altura da Revolução Francesa, as mulheres começaram a questionar os ditos “significados inquestionáveis” que sempre colocaram o homem numa posição de superioridade com relação às mesmas. Sem prejuízo

II. O conceito de cultura e a gestão intercultural em projetos de intervenção social

A cultura é um produto humano, formado com o passar do tempo e através da repetição das interações habituais de cada comunidade. Ao longo do tempo, tais interações acabam por ganhar formas e estruturas comuns, fornecendo aos sujeitos um conjunto de significados partilhados e um contexto no qual se podem relacionar consigo mesmos e com o mundo exterior. A cultura é, assim, um produto de indivíduos que interagem e que, em simultâneo, definem o significado de futuras interações. Este conjunto de significados partilhados, a que chamamos cultura, tem um papel determinante nas relações sociais, uma vez que o sucesso efetivo destas interações depende da correspondência entre o significado real de dado facto ou comportamento e o significado que lhe é atribuído pela cultura (Trompe-

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naars e Turner, 1997). Falamos, assim, de um elemento que é transversal às interações sociais e que estabelece o quadro fundacional subjacente aos comportamentos das várias comunidades, distinguindo-as entre si de uma forma que, por vezes, escapa à perceção do homem. Tal como referem Trompenaars e Turner (1997), “a fish only discovers its need for water when it is no longer in it and our own culture is like water to a fish. It sustains us. We live and breathe through it. What one culture may regard as essential, a certain level of material wealth, for example, may not be so vital to other cultures” (p. 20). No caso dos projetos de intervenção social, conforme a respetiva designação indicia, o objetivo principal passa por atenuar ou corrigir desigualdades sociais, de forma duradoura e sustentável. Tais projetos implicam uma articulação constante entre diversos sujeitos, tais como os stakeholders relevantes, os beneficiários, público-alvo e a entidade promotora do projeto. Esta articulação entre diversos intervenientes é, assim, característica dos projetos de intervenção social, cujo sucesso depende de uma gestão adequada das especificidades culturais manifestadas pelos diversos sujeitos, de forma explícita ou implícita. Estas especificidades culturais podem manifestar-se em matérias tão díspares como a forma como os indivíduos de cada grupo se relacionam entre si, com o

tempo, ou com o meio envolvente (Trompenaars e Turner, 1997). Todavia, sem prejuízo da multiplicidade de formas pelas quais a cultura influencia o sucesso de um projeto, no sector da intervenção social, as problemáticas associadas ao género têm uma importância primordial. Isto porque as conceções associadas ao género não só variam de forma evidente entre culturas, como se manifestam em tarefas do quotidiano, influenciando domínios conexos de uma forma que, muitas vezes, não pode ser prevista sem a realização de estudos específicos a esse respeito. III. O género enquanto conceção cultural

A cultura de superioridade do homem face à mulher é tão antiga quanto a própria humanidade. Historicamente, essa cultura foi desenvolvida e fundamentada em diferentes esferas, como a religiosa, a científica e a filosófica. É uma hierarquia naturalizada ao redor do mundo, que se reafirma e manifesta de diversas maneiras ao longo da história, mas que tem sido cada vez mais questionada pelas sociedades contemporâneas. Essas diferenças culturais resultaram num mundo marcado pela desigualdade de géneros, pelo que, para compreender essa realidade, teremos que definir o conceito de género. Género e sexo são comum e erroneamente utilizados por muitos como sinônimos. É seguro dizer que a “ideia” de

género, em oposição ao sexo biológico, surge com Simone de Beauvoir em 1949, no seu livro The Second Sex1- um marco na história do feminismo - que analisa o papel da mulher na sociedade. Na passagem mais conhecida do livro, Beauvoir afirma que “não se nasce mulher, torna-se mulher”. A premissa, que também se aplica aos homens, afasta o feminino e o masculino da biologia e relaciona-os com uma construção social. Com o fim da II Guerra Mundial, na década de 60, as mulheres que substituíram os homens alistados nos seus empregos foram demitidas e viram as suas vidas reduzidas novamente à esfera doméstica. Surge, então, a chamada segunda onda2 do feminismo que, influenciada por Beauvoir, luta pela redefinição da condição feminina. Nesse mesmo contexto, Robert Stoller, um psiquiatra e psicanalista estudioso da sexualidade utilizou, pela primeira vez, em 1968, o conceito de género (Stoller, R.J, 1968). Temos aqui três conceitos diferentes que podem ser confundidos: sexo, género e sexualidade. O primeiro é meramente biológico, enquanto o segundo é construído social e culturalmente ao longo do tempo. Este conceito de género é baseado no sexo biológico, mas de acordo com o meio em que estamos inseridos e com os papéis pré-definidos que devemos exercer na sociedade. O terceiro conceito refere-se à satisfação e manifestação do desejo sexual, mas não é importante para o presente ensaio, pelo que não será aprofundado.

No que se refere ao género, a sua construção inicia-se antes do nascimento. Em diferentes sociedades existem diferentes expectativas sobre o que significa ser homem ou ser mulher. Quando uma família descobre o sexo da criança que vai nascer, essas expectativas começam a ser manifestadas ainda antes do nascimento. Um exemplo disso são as distinções de cores das roupas e do quarto, dos brinquedos comprados para a criança ou até mesmo do tipo de profissão que se espera que esta venha a exercer. Já chegamos ao mundo carregados dessas expectativas da sociedade e aprendemos, desde cedo, a adaptar-nos a elas. Para além das referidas expectativas, temos também diferentes tipos de associações sobre o que é “feminino” e o que é “masculino”, que também diferem de cultura para cultura. Ainda assim, podemos afirmar que, no geral, o feminino está mais relacionado com o emocional, materno, dependente; e o masculino, com a força, independência e espirito prático. Todas as sociedades foram construídas com base nas suas expectativas e associações particulares para cada sexo, mas praticamente todas elas se desenvolveram de maneira a reafirmar a superioridade do homem perante a mulher, o que prova que não importa qual é a distinção feita entre o feminino e o masculino, mas sim que sejam feitas tais distinções de maneira tão polarizada (Padavic and Reskin, 2002). Ainda que disso não se apercebam, os homens beneficiam individu-

1 Beauvoir, S. (1949, c1952) The second sex /New York, Vintage Books. 2 Para mais informações, ver Narvaz, M.G., Koller, S.H. (2006). Metodologias feministas e estudos de gênero: articulando pesquisa, clínica e política. Psicologia em Estudo, 11(3), p. 649.

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almente dos privilégios adquiridos pelo simples facto de terem nascido biologicamente homens e, por outro lado, tendem a rejeitar inconscientemente tudo aquilo que se relaciona com o feminino. Essa rejeição também se dá de diferentes formas ao redor do mundo, trazendo grandes impactos na definição dos papéis sociais femininos e masculinos. Os estereótipos culturais são reforçados socialmente quando, por exemplo, uma sociedade vê os homens como mais aptos a exercerem funções estratégicas e estimulam isso desde o nascimento, tornando mais difícil que uma rapariga desenvolva as mesmas funções cognitivas. É possível detetar essas disparidades em diferentes níveis e elas também estão diretamente ligadas a outros fatores, tais como poder económico, raça e orientação sexual.

são fenómenos ancestrais, localizados e com pouca influência politico - social a nível global. Neste capítulo acerca da influência da religião na construção dos papéis de género, limitar-nos-emos à análise das cinco religiões dominantes. A religião é um pilar fundamental da cultura, fornecendo a um conjunto de pessoas as mesmas ferramentas ideológicas e comportamentais na relação com um Deus, com os seus representantes e entre pares. É uma base moral que uniformiza comportamentos. Mesmo nos Estados laicos – em que há uma separação entre religião e estado – os valores da religião predominante estão enraizados e passam de geração em geração na forma de regras, moldando a forma como os cidadãos pensam e atuam. O interacionismo simbólico serve de base à presente análise sobre os papeis de género, já que a sua tese é a de que o ser humano, sendo reflexivo, projeta na formação de uma imagem própria questões relacionadas com o outro. O que um indivíduo deseja ser perante pares serve de base para a criação da sua imagem na relação com os outros, uma identidade idealizada. A idealização do eu tem dois tipos de influência: As relações sociais de referência (cônjuge, família, filiação religiosa) e variáveis contextuais ( nível de educação do indivíduo, classe social) e embora a primeira tenha influência direta sobre os ideais e a segunda sobre o comportamento, na prática os ideais influenciam os comportamentos e vice-versa (Ammerman and Roof, 2014, p. 138,

IV. As questões de género nas religiões dominantes Há no mundo cinco religiões dominantes. Estima-se que o Cristianismo tenha 2,2 biliões de seguidores, o Islão 1,6 biliões, 1 bilião segue o Hinduísmo, 500 milhões são budistas e 14 milhões são judeus. Estas cinco religiões reúnem três quartos da população mundial. Na restante parcela encontram-se as religiões tradicionais ou nativas e os que não se identificam com qualquer crença religiosa (The Global Religious Landscape, 2010, tradução própria). Enquanto os seguidores das cinco primeiras se encontram espalhados por vastas áreas geográficas, as segundas

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ciadas. Num país de maioria muçulmana com elevados níveis de pobreza a mulher muçulmana pode ser obrigada pelas circunstâncias a ser o principal contribuidor para o rendimento familiar e, noutro, uma mulher cujo marido tenha um status social elevado, pode ser mal visto arranjar emprego. As diferenças também se dão entre o mundo rural, mais tradicionalista, e as grandes urbes, onde o acesso facilitado à educação e à informação fornecem à mulher um leque de influencias mais variado. No estudo elaborado pelo Pew Research Center conclui- se que o grupo religioso com maior média de anos de escolaridade no ensino formal são os judeus, seguidos dos cristãos e dos que não se identificam com nenhuma crença. As religiões com menor escolaridade são o Islão e o Hinduísmo com uma média de seis anos de escolaridade. Este facto é atribuído em primeiro lugar à distribuição geográfica das religiões contempladas no estudo, entre regiões “desenvolvidas” e “sub-desenvolvidas” do globo onde as crianças a partir de idade precoce são encaradas como uma fonte de rendimento. Em relação à média de anos de estudo rapazes\ raparigas conclui-se que a disparidade é comum a todas as religiões à exceção do judaísmo. Enquanto um rapaz hindu - a crença em que o gap é maior estuda em media sete anos, uma rapariga estuda apenas quatro (Religion and Education Around the World, 2016). Um outro fator que influencia a disparidade escolar um pouco por todo

139). A primeira fonte de inspiração moral das religiões são as escrituras sagradas. Aqui, residem os princípios base para a busca individual de determinado estado espiritual e também as regras para uma convivência interpessoal segundo certos standards. Nas escrituras das crenças dominantes há referências claras àquilo que seria um homem e uma mulher exemplar perante Deus. O papel atribuído à mulher surge vinculado, muitas vezes, ao papel masculino: Eva é criada à imagem de Adão para combater a sua solidão; Maria é a escolhida por Deus para ser mãe de Jesus Cristo e as mulheres do profeta Maomé são conhecidas como “mães dos que acreditam” (Women and Islam in Muslim societies, 1994, p. 28, tradução própria). A ideia transversal às várias doutrinas é a de que as funções da mulher são a de procriar, educar os filhos, ser uma esposa dedicada e ser responsável pelo equilíbrio do lar. O conjunto de textos, que servem de base à prática da religião nos nossos dias, incorporaram os hábitos, tradições e aspetos culturais vigentes em determinado contexto histórico e social. Um exemplo disto é a prática pré-islâmica da divisão do espaço numa esfera pública (atribuída ao homem) e privada (atribuída à mulher) que se traduz, por exemplo, no uso do véu (Women and Islam in Muslim societies, 1994). Por meio do intercâmbio constante com o ambiente em que é praticada, a mesma religião traduz-se ainda em práticas locais muito diferen-

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o mundo é a menstruação. Restrições baseadas nas religiões são impostas às raparigas impedindo que muitas frequentem a escola durante o periodo menstrual ou levando ao abandono escolar. A desigualdade da mulher no acesso à educação é o primeiro passo para cultivar a divisão dos papeis nas sociedades, já que esta é uma fase da vida fulcral na construção da identidade humana. Se desde cedo as raparigas se deparam com a desigualdade em relação aos homens, isso poderá levar à criação de uma imagem fragilizada de si mesmas que influenciará as suas escolhas. O facto das mulheres serem geralmente mais religiosas que os homens, quer ao nível da leitura dos textos sagrados quer na regularidade na ida aos locais de culto, é representativo do seu interesse na religião e no que esta representa (Miller e Hoffman, 1995). Em locais do mundo onde a prática da religião é mais acentuada ou onde as ideias que lhe estão subjacentes são de carácter mais impositivo, a liberdade de escolha da mulher também vai ser mais limitada ao que está prescrito na religião. Por fim resta sublinhar que estes aspetos são fundamentais no âmbito dos projetos de desenvolvimento se quisermos ter uma noção precisa daquele que é o contexto da intervenção, principalmente se esta se der entre culturas diferentes. Na análise de uma paisagem onde se vai intervir não basta olhar para a face visível da cultura e para aquilo que há de mais imediato na sua expressão mas tentar interpretar as normas e valores por detrás

dos produtos explícitos assim como a forma como as aplicam perante dilemas (Trompenaars and Hampden-Turner, 1997). A discussão sobre o género é hoje uma realidade em quase todos os âmbitos, inclusive na religião onde as grandes doutrinas encaram um desafio de reformulação dos seus ideais perante novos contextos sociais e transformações globais. V. As questões de género e o trabalho

O trabalho é uma constante na história da humanidade. No entanto, nos dias de hoje tem se tornado num fator importante para nos posicionar e distinguir enquanto indivíduos. Podemos definir universalmente o trabalho como uma atividade que produz um bem ou um serviço, contudo, a nossa perceção do trabalho varia de região para região, de cultura para cultura e de época para época. Tudo o que fazemos durante a nossa vida é conduzido por valores e crenças que são apreendidos numa certa cultura e dos quais, muitas vezes, não estamos cientes, até sermos confrontados com certas situações. Para além da raça, etnia e classe também o género dos trabalhadores afeta profundamente a sua vida profissional. Por este motivo, é muito importante tornar visível o trabalho que o homem e a mulher fazem e explorar o modo como os trabalhadores, o local de trabalho e o trabalho em si estão associados a significados de género. As desigual-

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trabalho é menos rígida. Um exemplo histórico de tal facto teve lugar na América colonial, numa altura em que a sobrevivência exigia que toda a gente trabalhasse. A divisão sexual do trabalho fez com que os homens ficassem responsáveis por fazer crescer a comida e as mulheres pela manufatura dos produtos que a sua família necessitava. Porém, ambos os sexos cooperavam e quando necessário faziam o trabalho um do outro, especialmente quando a pressão da produção era alta. Todavia, esse trabalho era escondido para evitar que o negócio perdesse o status (Padavic, Reskin, 2002, p. 9, tradução própria). Em suma, as sociedades categorizam os trabalhos como pertencentes a apenas um dos sexos, influenciando assim a atribuição de trabalhos a mulheres e homens. No entanto, uma divisão do trabalho em função do sexo não conduz inevitavelmente à desigualdade de género. Na prática, a diferenciação sexual promove uma tendência de desvalorização do trabalho da mulher e, como tal, sustenta as desigualdades entre sexos. Como já foi referido anteriormente, a desvalorização da mulher e das suas atividades está profundamente integrada nas principais culturas e religiões em todo o mundo. Apesar da extensão desta desvalorização variar em função do tempo e do espaço, ela persiste por duas razões: por fazer parte da ideologia em várias partes do mundo e porque, muitas vezes, é do interesse do homem que ela exista. A desvalorização do trabalho da

dades entre géneros são criadas e reforçadas pela sociedade de diversas maneiras: incentivando a manutenção do status quo de género, reproduzindo e validando comportamentos que promovem um género em detrimento do outro e, até, através da indiferença. Todas as sociedades delegam tarefas, em parte, com base no sexo dos trabalhadores. No entanto, as tarefas que cada sexo desempenha em concreto variam em função do tempo e do espaço. Muitos trabalhos que a sociedade vê como “naturalmente” femininos ou masculinos são atribuídos ao outro sexo em certos contextos temporais ou geográficos. Um exemplo disso é a profissão de alfaiate: no Médio Oriente, Norte de África e Índia, a alfaiataria é uma profissão maioritariamente desempenhada pelo sexo masculino, enquanto nos países mais industrializados é considerada uma ocupação feminina. A alteração de papéis específicos associados a cada sexo ocorre, por norma, de forma lenta, uma vez que a divisão sexual de trabalhos existente molda as expectativas sociais acerca de quem deve ou não desempenhar certos tipos de tarefas. Assim, em quase todo o mundo, empregos como pedreiros, serralheiros, carpinteiros, fabricantes de ferramentas e outros trabalhos de construção continuam a ser praticamente exclusivos do sexo masculino. Estes exemplos de tipos de trabalho são marcados pela sociedade como pertencendo a um determinado sexo e como inapropriados para o outro. Contudo, sob algumas condições, a divisão sexual do

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mulher é um fator chave na diferença salarial entre os sexos. Nos Estados Unidos, por exemplo, a maioria dos médicos são do sexo masculino, sendo que o seu salário está perto do topo da hierarquia. Na Estónia, onde três quartos dos médicos são mulheres, o salário está muito mais próximo do salário médio (Padavic, Reskin, 2002). Quando se vive numa cultura que desvaloriza o trabalho da mulher, a prática suprarreferida torna-se recorrente. As mulheres são ensinadas desde crianças a ter uma sensação reduzida de direito e, em resultado disso, esperam um salário menor do que o auferido pelos homens com níveis de desempenho, esforço ou habilidade semelhante. Em oposição, os homens crescem com uma exagerada sensação de direto. A construção do género no local de trabalho é um subproduto das formas como os empregadores organizam o trabalho e como os trabalhadores produzem bens e serviços. Ambos trazem esta discriminação de género para o trabalho através de estereótipos conscientes ou inconscientes e através de políticas e comportamentos que promovem as desigualdades de género. No local de trabalho, os empregadores desempenham um papel primário no gendering3. Os mesmos têm, com frequência, um determinado sexo em mente quando criam novos postos de trabalho, estabelecendo níveis de remuneração e organizando o modo e as condições da prestação de trabalho. Aquando da evolução dos empregos remunerados modernos, a maioria

dos trabalhadores era do sexo masculino. Como resultado, os pressupostos em torno da criação desses empregos foram categorizados em géneros. As consequências destes pressupostos foram sobrevivendo em vários locais de trabalho devido à inércia das práticas dos empregadores. Esta inércia vem do hábito e do facto de as pessoas olharem para a mudança como algo mais arriscado do que continuar a fazer negócios nos moldes habituais, ignorando assim o impacto dos resultados destas mesmas práticas. Normalmente, é necessário um evento externo para que os decisores laborais mudem as suas práticas operacionais. Os próprios trabalhadores de uma organização são responsáveis pela discriminação de género no trabalho. Estes podem fazê-lo com vários objetivos em mente: criar uma ligação com colegas do mesmo sexo, expressar a sua identidade de género, atrair ou excluir trabalhadores do sexo oposto, entre outros. Uma das formas pelas quais os trabalhadores, ainda que inconscientemente, trazem as desigualdades de género para o local de trabalho é a chamada exibição de género, que consiste na utilização de linguagem e rituais de tal forma característicos de um dos sexos que acabam por marcar o local de trabalho como pertencente apenas aquele sexo (Padavic, Reskin, 2002). Concluindo, tanto os empregadores como os trabalhadores participam nesta diferenciação do género no local de trabalho, dando ênfase a um sexo específico indevidamente e atuando com

3 Expressão utilizada por alguns autores para ilustrar o processo de diferenciação de géneros.

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suposições estereotipadas pelo sexo. Os empregadores contribuem para esta discriminação através da segregação de trabalhos pelo sexo, do estabelecimento de pagamentos consoante o sexo e permitindo o tipo de práticas de trabalho referidas ao longo do trabalho. Noutras palavras, o género é então construído dentro do local de trabalho através de práticas organizacionais e interações entre os trabalhadores. Assim, ao analisarmos a forma como as conceções associadas ao género influenciam a maneira como trabalhamos, conseguimos reduzir, efetivamente, esta discriminação, atingindo assim uma relação entre ambos os sexos justa e equilibrada. Na realização de projetos sociais, esta relação equitativa entre os sexos reveste especial importância, na medida em que as interações entre os dois sexos são indiscutivelmente inevitáveis e necessárias para se concretizar um projeto de sucesso.

agendas políticas nacionais4 e internacionais5. Todavia, e sem prejuízo do relevo político e mediático já atribuído a estas matérias, o género e a discriminação são questões com particular interesse no contexto dos projetos de intervenção social, cujo objetivo último é a correção, sustentável e duradoura, de desigualdades sociais. Em rigor, e à luz do que tem vindo a referir-se, são raros os exemplos de grupos ou comunidades que não manifestam, nas suas regras explícitas e implícitas, alguma forma de desigualdade de género, ainda que tal possa acontecer de forma estrutural e quase impercetível. Pelo que, visando a correção de desigualdades, os projetos sociais não podem ignorar esta problemática no respetivo contexto de intervenção. Ao desconsiderarem as questões de género, os projetos de intervenção social podem contribuir, ainda que de forma inconsciente6, para a manutenção ou agravamento de um status quo que é potencialmente injusto para as mulheres, contrariando o princípio de “do no harm” que deve moldar iniciativas desta natureza. Assim, o planeamento de um projeto de intervenção social implica, num primeiro momento, o reconhecimento da existência de potenciais situações de desigualdade de género e, depois, um esforço de compreensão das causas e consequências de tal fenómeno e da sua relação com o problema social a ser solucionado. No cumprimento deste objetivo, a análise de género tem-se revelado uma

VI. Conclusão Conforme tem vindo a referir-se, o género é um conceito cultural, definido de acordo com o contexto do indivíduo e em função das expectativas e associações da sociedade relativamente ao que é tipicamente feminino ou masculino. Ao longo das últimas décadas, as questões associadas ao género e à discriminação tornaram-se uma preocupação social proeminente, com destaque nas

4 Em Portugal, vide n.º 2 do art.º 3.º da Constituição da República Portuguesa, que prevê a igualdade entre homens e mulheres. 5 Um dos exemplos reconhecidos do compromisso da comunidade internacional com a igualdade de género são os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que consagram especificamente a igualdade de género e o empoderamento de todas as mulheres e raparigas como objetivo mundial a alcançar até 2030. 6 Falamos dos chamados impactos não intencionados negativos, definidos como as “consequências inesperadas, imprevistas e não programas de um determinado projeto ou intervenção sobre o seu grupo alvo ou no contexto” que “constituam contrariedades para o projeto, o grupo-alvo as organizações envolvidas ou o contexto em geral” (Schiefer et al., p. 253).

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ferramenta essencial. A análise de género é um método que permite identificar e compreender os papéis sociais exercidos por cada género, a forma como se dão as relações entre os géneros e quais os padrões de acesso e controlo de recursos por homens e mulheres no contexto de intervenção (Balancing the Scales, 1999). Um projeto de sucesso considera e concretiza os impactos necessários e pretendidos pelos beneficiários. Como tal, é relevante recolher dados que permitam avaliar a necessidade de realizar atividades ou disponibilizar recursos exclusivos para um só género, para que qualquer efeito causado sobre cada um dos géneros seja consciente e contribua para o desenvolvimento de ambos. É também necessária uma preocupação reforçada com a forma como a informação utilizada na análise de género é recolhida e com o modo como os papéis sociais convencionados para cada género podem influenciar essa recolha. Um bom exemplo é o caso das sociedades em que as mulheres não podem estar sozinhas com um homem com um homem que não seja o seu marido – em tais casos, se não existirem mulheres capazes de entrevistá-las, não será possível recolher dados realistas, que permitam uma análise de género minuciosa. Para além da análise de género, também o recurso a metodologias participativas pode desempenhar um papel relevante na identificação de desigualdades de género no contexto da intervenção e na sua atenuação em sede de projeto.

Os métodos participativos caracterizam-se pela “prevalência de abordagens e procedimentos que envolvem, ativamente, os atores sociais implicados num determinado contexto, processo ou evento. Neste tipo de metodologias valoriza-se, sobretudo, a participação dos atores, o envolvimento dos participantes e o confronto de perspetivas” (Schiefer et al., 2006, p. 257). E, ao refletirem a tendência generalizada para a cidadania inclusiva e ao alargarem o alcance da participação a todos os atores sociais relevantes, estes métodos participativos criam um novo espaço para o envolvimento e integração das mulheres, aumentando o seu empoderamento e o potencial de apropriação do projeto. Este espaço de participação da mulher é essencial no âmbito dos projetos sociais, pois não é possível combater a pobreza de forma eficaz que se ultrapasse o conceito de “pobre” enquanto categoria genérica e se estabeleça um compromisso efetivo com a compreensão da diversidade de experiências de pobreza vividas por homens e mulheres (Cornwall, 2000). Todavia, para que os efeitos dos processos participativos possam ter algum significado, a inclusão da mulher deve acontecer não só ao nível formal, mas também ao nível material. Na prática, a inclusão das mulheres deve ser acompanhada de estratégias que lhes permitam aumentar a sua confiança e consciencialização acerca seus direitos, para que as mesmas se tornem progressivamente mais assertivas na tomada de decisões.

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Sem tais estratégias, as iniciativas de participação das mulheres em sede de projeto, podem acabar por não se traduzir num aumento real da sua influência na tomada de decisões. Em rigor, o aumento, sem mais, do número de mulheres envolvidas nos projetos e no seu planeamento pode servir objetivos instrumentais, mas não vai necessariamente tratar as questões de poder mais fundamentais. Isto porque, sem prejuízo do seu eventual acesso das mulheres aos processos formais de tomada de decisões, dificuldades práticas tais como a ausência de uma “massa crítica”, a falta de experiência no discurso público ou o não reconhecimento da autoridade feminina continuarão a objetar à participação efetiva das mulheres no quadro dos projetos sociais. Conclui-se, assim, à luz do exposto nas páginas anteriores, que a diferenciação de géneros é um fenómeno cultural e profundamente enraizado nas várias sociedades, manifestando-se de forma explícita em ações elementares do quotidiano como a prática da religião ou a prestação de trabalho. Nos projetos de intervenção social, uma boa gestão intercultural implica que sejam tidas em conta estas disparidades entre géneros e que se adotem comportamentos que promovam uma relação justa e equilibrada entre homens e mulheres e assegurem o respeito pelo princípio de “do no harm”. Para o efeito, a realização de análises de género e a aplicação de metodologias participativas de planeamento e avaliação de projetos têm-se revelado ferramentas

fundamentais. Todavia, face ao carácter subconsciente e profundamente enraizado de muitos dos preconceitos de género, a participação e integração formal das mulheres, em projetos de qualquer natureza, deve ser acompanhada de medidas que permitam que as mesmas se tornem progressivamente mais assertivas e confiantes na tomada de decisões.

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ou negativo, traduzindo-se num continuum de possibilidades de impacte que um projeto pode ter. Na perspetiva de desenvolvimento internacional, nenhum programa ou projeto pretende impactes negativos, e assim podemos assumir que todos os impactes intencionais são sempre positivos, existindo também a possibilidade que surjam situações inesperadas que estejam fora do controlo do projeto, e o impacte não intencional possa ser positivo ou negativo. Estando qualquer projeto inserido numa rede multidimensional de interações e reações, há sempre um conjunto de impactes que não são consequência apenas do projeto. Portanto, quando falamos em impactes, não sabemos, até que ponto, estes são realmente resultado da intervenção. Neste quadro, surge o problema da atribuição – torna-se difícil identificar os resultados provenientes especificamente só do projeto. Perante esta dificuldade de atribuição, podemos abordar os conceitos de gross outcomes e net outcomes (Rossi 1998 et al., p.241). “A critical distinction must be made at this point between gross outcomes and net outcomes, more aptly called net effects. The gross outcome consists of all the change in an outcome measure that is observed when assessing a program. Gross outcomes are usually easily measured and ordinarily consist of the differences between pre and postprogram values on outcome measures (…) Net effects are much more difficult to measure. Net effects are the changes on outcome me-

I. Enquadramento geral: O que é Impacte?

Impactes territoriais: Intencionais e não intencionais por Eliseu Sequeira, Inês Lages, Maral Koohestanian, Patrícia Alegria, Sara Bernardo

Ao longo deste artigo são analisados diferentes possíveis impactes, sendo feita uma abordagem individual às vertentes sociais, de género, ambientais e económicas, pretendendo analisar-se a relação entre a ação para o desenvolvimento e o processo de avaliação, nomeadamente a forma como se concretiza e o modo como a ação é influenciada pelo processo de avaliação de Projetos/organizações. Neste sentido, dentro da temática dos problemas contemporâneos e ação pública e privado, como objeto concreto de investigação para este ensaio, optou-se pelo Impacte Territoriais – Intencionais e não Intencionais e os seus indicadores de avaliação. Portanto, sublinha-se a importância fundamental das questões das avaliações nas organizações assim como os seus impactes. Tendo em conta o introduzido até agora, para analisar esta questão e abordar estas temáticas, este ensaio vai ser desenvolvido tendo por base uma metodologia qualitativa resultante da recolha de informações com base numa pesquisa bibliográfica sobre a temática. Palavras-chave: impactes territoriais; tencionais; não intencionais; avaliação de impacte.

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O termo impacte não é linear nem simplista, e apesar de ser uma temática ao qual a comunidade internacional atribui cada vez mais importância, a verdade é que não existe um consenso quanto à definição de impacte, havendo diferentes definições, que se podem complementar para um melhor entendimento da importância do impacte nos projetos de intervenção e desenvolvimento (ver Anexos: Table 1). Podemos considerar as posições de três organizações neste debate: a da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) define impacte como os “efeitos positivos e negativos, primários e secundários de longo prazo produzidos por uma intervenção de desenvolvimento, direta ou indiretamente, intencional ou não intencional” (OECD 2002). O Banco Mundial (BM) limita um pouco mais esta definição dizendo que impacte é “o indicador de interesse com e sem o indicador de intervenção: Y1-Y0” (Hearn and Buffardi 2016). Numa esfera mais qualitativa, a International Initiative for Impact Evaluation define impacte “Como uma intervenção altera o estado do mundo. As avaliações de impacte concentram-se, normalmente, no efeito da intervenção sobre o resultado para a população beneficiária” (3ie 2012). Na definição mais alargada, da OCDE, impacte pode ser visto como intencional ou não intencional, positivo

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asures that can be reasonably attributed to the intervention, free and clear of the influence of any other causal factors that may also influence outcomes. Gross outcomes, of course, include net effects but also include other effects that are not produced by the intervention” (Rossi 1998 et al., p.241). Tendências sociais que ocorrem durante um longo período de tempo, assim como, eventos específicos de curta duração, podem impulsionar ou atenuar os impactes do projeto. Isto porque o gross outcome vai sofrer alterações com estes fatores e assim, o real net outcome pode aparecer impulsionado ou enfraquecido, tirando-lhe valor e eficácia. Por exemplo, um projeto que tenha como objetivo o aumento da produção de um cultivo especifico, pode parecer inútil e ineficaz quando o gross outcome é analisado num período que coincide com chuvas “anormais”. Enquanto na verdade, o projeto foi eficaz ao olharmos para o net outcomes, uma vez que aqui só avaliamos o que corresponde ao projeto. Dentro da diversidade de definições de impacte, e dos tipos existentes, há uma linha orientadora que os pode categorizar por área de impacte, podendo ser sociais e culturais, económicos, ambientais e de género.

tes impactes, em vez de apenas os medir e descrever, e engloba um amplo conjunto de métodos de atribuição, analisando também os impactes não intencionais. Podemos afirmar que Avaliação de Impacte define-o como a diferença entre a situação dos beneficiários depois da intervenção e a situação hipotética onde eles poderiam estar sem essa intervenção. Pode ser utilizada para melhorar e reorientar o projeto, ou para dotar de mais informações o processo de decisão de, ou continuar, terminar, replicar ou escalar a intervenção. Identificar como é que o projeto afetou os beneficiários, se algumas das melhorias foram resultado direto do projeto ou se se teriam verificado de qualquer forma, se o projeto pode ser alterado para melhorar o impacte e se os custos foram justificados, são questões tratadas pela Avaliação de Impacte. Existem alguns pré-requisitos para a realização de avaliações de impacte: a) os objetivos da intervenção devem estar definidos de maneira a permitir a identificação de metas mensuráveis; b) a implementação deve ter ocorrido de maneira minimamente satisfatória, pois, caso contrário, não faria sentido tentar aferir impacte. Isto significa que os problemas no desenho e/ou na execução dos programas prejudicam a qualidade dos processos avaliativos e, no limite, podem chegar a ser inviabilizados (Cotta 1998). “Poderá definir-se um indicador como a medição de um objetivo que se pretende cumprir, um recurso que se pretende mobilizar, um efeito que se pre-

• Avaliação de Impacte Para definir Avaliação de Impacte podemos usar a definição da OCDE (2002). Esta definição implica que avaliação de impacte tenta compreender o papel da intervenção na produção dos diferen-

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tende obter, um medidor de qualidade ou uma variável de um contexto”(Comissão Europeia 2009, p.121). Os indicadores de impacte representam as consequências do programa, para além da sua interação direta e imediata com os beneficiários. Uma categoria inicial de impactes agrupa as consequências do programa para os beneficiários diretos, que surgem ou duram até médio prazo (impactes específicos). Alguns impactes não são previsíveis (spin-offs), mas raramente são criados indicadores de impactes imprevisíveis. Uma segunda categoria de impactes é constituída por todas as consequências que afetam, a curto ou médio prazo, as pessoas ou organizações que não são beneficiários diretos. Estes impactes podem ser semelhantes ou poderão alastrar a pessoas ou organizações que não se encontram ao abrigo do programa. Devido ao fosso temporal ou à sua natureza indireta, os operadores não poderão reconhecer facilmente os impactes durante a sua gestão quotidiana do programa. Os indicadores de impacte são, por isso, quantificados apenas de vez em quando, normalmente no decorrer de avaliações (Comissão Europeia 2009, p.123).

I.I. Análise do impacte Social • Enquadramento O conceito de Impacte Social, ainda não se encontra cientificamente definido nas discussões académicas, apesar de se poder chegar a um parecer lógico de que, impacte social refere-se a qualquer alteração (nos comportamentos, estilo e/ou qualidade de vida, infraestruturas, etc.) oriunda de uma ou mais ações na comunidade, área geográfica ou grupo em questão (Silva 2012, p.3). Na literatura, encontramos o conceito de impacte social definido como “quaisquer consequências na população que alterem a forma de viver, trabalhar, organizar, e acima de tudo que alterem os seus comportamentos, valores e atitudes” (IGCP 1994). Barrow (2002) defende que os impactes sociais devem considerar-se simultaneamente com os ambientais tendo em conta que na maioria das vezes estão correlacionados. Vários autores (Emerson et al. 2000; Clark et al. 2004) substituem frequentemente o termo impacte social por termos como “criação de valor social” e “retorno social” (cited in Mass 2009, p.47). A International Association for Impact Assessment realça que todas as questões que afetem as pessoas, direta ou indiretamente, podem ser alvo de avaliação de impacte social. Os impactes sociais podem ser entendidos como mudanças provocadas em um ou vários dos seguintes aspetos: Modos de vida das pessoas -

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como vivem, trabalham, ocupam os tempos de lazer, interagem no dia-a-dia; A sua cultura, isto é, as suas crenças, valores e costumes, linguagem ou dialeto; A sua comunidade, no que respeita à coesão, estabilidade, identidades, bem como aos serviços, infraestruturas e equipamentos; O seu sistema político – o modo e a medida em que as pessoas podem participar nas decisões que afetam as suas vidas, o nível de democraticidade existente e os recursos disponibilizados para concretizar estes aspetos; O ambiente em que vivem – a qualidade do ar e da água que as pessoas utilizam; a disponibilidade de alimentos e a sua qualidade; o nível de segurança e risco, as poeiras e o ruído a que estão expostas; a adequação de saneamento, a segurança física e o acesso e o controlo sobre os recursos; A sua saúde e bem-estar – a saúde entendida como um estado de completo bem-estar físico, mental, social e espiritual e não apenas a ausência de doença ou enfermidade; Os seus direitos individuais e de propriedade – em especial se as pessoas são economicamente afetadas ou sofrem danos pessoais que podem incluir a violação de direitos e liberdades; Os receios e aspirações das pessoas – as perceções sobre a segurança, os receios acerca do futuro da sua comunidade e as aspirações em relação ao seu futuro e dos seus filhos (IAIA 2003). Apesar da importância prática e teórica de classificar os métodos de medição do impacte social, ainda não foi desenvolvido um sistema para o fazer. Em primeiro lugar, os impactes sociais são

frequentemente difíceis de medir e quantificar. Isto é devido à natureza qualitativa do impacte social, o que torna difícil atribuir um valor objetivo ao impacte e somar as várias expressões qualitativas de impacte. Em segundo lugar, as corporações podem ter um impacte positivo ou negativo sobre a sociedade em várias dimensões: a dimensão ambiental, económica e social. Da mesma forma, isso pode causar problemas com a acumulação das várias dimensões de impacte. Em terceiro lugar, o impacte social inclui efeitos a curto prazo e a longo prazo sobre a sociedade. Além disso, muitos componentes podem contribuir para o impacte económico, ambiental e social. Por fim, a maior dificuldade é o desafio de encontrar um consenso sobre a definição de impacte social (Maas and Liket 2011). • Impactes Sociais intencionados e não intencionados Mesmo quando os programas e os instrumentos cumprem os objetivos propostos, ocorrerão frequentemente consequências ou efeitos inesperados, que podem ser positivos ou negativos. In extremis, as intervenções podem, inclusivamente, ter um efeito perverso, conduzindo a intervenção numa direção diametralmente oposta à pretendida. Para captar os resultados das intervenções socioeconómicas, é essencial incluir as consequências inesperadas e os efeitos perversos. Esta é também uma das formas em que a avaliação pode contribuir para aprender com a experiência, sobretudo

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ao fornecer indicações sobre a execução das intervenções, sobre como conceber melhor os programas e como evitar desaproveitamentos nas intervenções e efeitos perversos (Comissão Europeia 2009, p.11). Rabel Burdge (2004) nas suas exposições defende que as sociedades e a cultura são dinâmicas e que é quase impossível determinar que mudanças são resultantes de um projeto, e que mudanças teriam ocorrido mesmo sem qualquer intervenção. Os impactes sociais podem ocorrer bastante tempo depois de uma intervenção, nunca chegando a ficar registada com sucesso. Posto isto, isolar os fatores que contribuíram para o impacte social ainda não é uma realidade, e o espaço temporal para avaliar impacte também não está definido (cited in Silva 2012, p.17). A previsão de respostas aos impactes determina o significado dos impactes sociais identificados. Esta é uma tarefa de avaliação difícil, muitas vezes evitada, mas as respostas das partes afetadas frequentemente terão impactes significativos. Após os impactes intencionais serem estimados, o avaliador deve estimar como as pessoas implicadas responderão em termos de atitude e ações. As suas atitudes antes da implementação preveem as suas atitudes depois, embora haja dados que mostrem que os benefícios esperados (muitas vezes prometidos) não atendem às expectativas. As ações dos grupos envolvidos devem ser estimadas usando casos comparáveis e​​ entrevistas com pes-

soas implicadas sobre o que eles esperam fazer. Depende tanto do surgimento da liderança local (e dos objetivos e das estratégias desses líderes), que esse passo de avaliação muitas vezes é altamente incerto, mas pelo menos os decisores políticos serão notificados de possíveis problemas e resultados inesperados. Este passo também é importante porque a adaptação e a resposta das partes implicadas podem ter consequências próprias - seja para a agência que propõe uma ação ou para as comunidades afetadas, seja em a curto prazo ou a longo prazo. Ser capaz de mostrar às pessoas potencialmente implicadas que impactes significativos estão sendo incorporados na avaliação é fundamental para o sucesso desta etapa (IGCP 1994). • Indicadores de análise de impactes sociais As variáveis de avaliação de impacte social apontam para mudanças mensuráveis na população humana, comunidades e relações sociais resultantes de um projeto de desenvolvimento ou mudança de política. O Comité Interorganizacional sugere a seguinte lista de variáveis sociais: Características da População - população atual e mudança esperada, diversidade étnica e racial e afluxos e saídas de residentes temporários, bem como a chegada de residentes sazonais ou de lazer; Estruturas comunitárias e institucionais - o tamanho, a estrutura e o nível de organização do governo local, incluindo os vínculos com os sistemas políticos maiores. Estes também incluem padrões históricos e presentes de

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approach to gender equality by both implementing gender mainstreaming and initiating specific measures. In February 1996, the Commission adopted a Communication on Mainstreaming in relation to policies at Community level: ‘The principle of “gender mainstreaming” consists of taking systematic account of the differences between the conditions, situations and needs of women and men in all Community policies and actions. This global, horizontal approach requires the mobilisation of all policies” (European Commission 1996 as cited by EIGE 2016, p.6). Qualquer projeto social, estando incluído num contexto onde coexistem vários fatores, interações e reações, intervém inevitavelmente na dinâmica entre géneros e afeta de forma distinta homens e mulheres. Desta forma, é sempre necessário analisar os impactes que o projeto irá produzir, ou já produziu, sobre ambos os géneros. Assim, surge a análise de impacte de género, que pode ser prospetiva, ou seja, acontece numa fase que antecede o projeto – avaliação ex-ante, ou retrospetiva, ou seja, acontece quando este já está em curso ou chegou ao fim – avaliação ongoing e avaliação final, respetivamente. A análise de género, pode então ser usada em fases distintas de planeamento e implementação de um projeto. No entanto, a análise de género é de maior relevância e importância quando realizada numa avaliação ex-ante, e pensada como uma ferramenta de diagnóstico que tenta examinar a situação atu-

emprego e diversificação industrial, tamanho e nível de atividade de associações voluntárias, organizações religiosas e grupos de interesse e como essas instituições se relacionam entre si; Recursos políticos e sociais - refere-se à distribuição da autoridade de poder, aos públicos interessados​​ e implicados, e capacidade de liderança e capacidade dentro da comunidade ou região; Mudanças individuais e familiares refere-se a fatores que influenciam a vida cotidiana dos indivíduos e das famílias, incluindo atitudes, perceções, características familiares e redes amigos. Essas mudanças variam de atitudes para a política para uma alteração nas redes familiares e de amizade para perceções de risco, saúde e segurança; Recursos de recursos comunitários - incluem padrões de recursos naturais e uso da terra; a disponibilidade de habitações e serviços comunitários para incluir instalações de saúde, policia e proteção contra incêndio e saneamento (IGCP 1994). Uma chave para a continuidade e a sobrevivência das comunidades humanas são os seus recursos históricos e culturais. Sob este conjunto de variáveis​​ também considera-se possíveis mudanças para os povos indígenas e as subculturas religiosas (IGCP 1994). I.II Análise de Impacte de Género • Enquadramento “It was only in 1996 that the European Commission itself took a dual

al dos géneros num contexto e território especifico; avaliar o grau de desigualdade e os abismos existentes entre o homem e a mulher; analisar como seria essa situação sem a intervenção do projeto e, que tenta prever de que forma o mesmo vai interagir com homens e mulheres e quais serão os resultados provenientes dessa interação. Desta forma, é possível avaliar a adequabilidade de um projeto, apurar quais os impactes que irão ser produzidos especificamente e diferenciadamente sobre homens, mulheres e na igualdade de géneros, bem como, alinhar o projeto aos dados recolhidos. A análise de género deve então, ser pensada como um dos agentes que “molda”, define e desenha o próprio projeto, tendo este que ser flexível e adaptável às especificidades de cada género de forma a evitar efeitos e impactes negativos. Contudo, embora a análise de género possa contribuir para uma previsão e prevenção de impactes negativos ou perversos, o facto do projeto existir numa paisagem social orgânica, faz com que continue a haver a possibilidade de se produzirem impactes imprevisíveis e não intencionados.

uma cadeia de impactes que não foram prognosticados. Quando falamos em género, há vários fatores socioculturais que influenciam, limitam e beneficiam o homem e/ ou a mulher podendo contribuir para o surgimento de impactes não intencionais. Entre estes fatores podem-se citar leis e politicas existentes, acesso e controlo de recursos, mudanças comportamentais, etc. Por exemplo, se um projeto até aumenta o número de mulheres em posições de liderança, mas numa sociedade onde a mulher não é aceite nem respeitada como líder, pode levar a um aumento de situações de bullying, agressão, discriminação, etc. Assim, o projeto vai ter indicadores que apresentam um aumento de equidade na liderança, mas, no entanto, houve também a emergência de impactes não intencionais, sendo neste caso negativos. Mesmo os projetos, que se consideram gender neutral1, poderão causar impactes não intencionais sobre os géneros. Por exemplo, um projeto, que se define como gender neutral, e que tem como objetivo melhorar a rede de autocarros públicos, contribuirá certamente, para que haja mais facilidade de deslocação, o que poderá por sua vez, conduzir a uma maior independência das mulheres. Isto pode produzir impactes não intencionados negativos, como por exemplo, numa sociedade com determinadas características, o agregado familiar da mulher pode não reagir bem à mudança e haver um aumento de situações de violência doméstica. Num outro contexto, o mesmo

• Impactes de Género intencionais e não intencio nais – problema da atribuição Como já foi referido, o projeto não existe isolado, e como tal, encontra-se inserido numa complexidade de sistemas interdependentes que contribuem para a emergência de fatores inesperados e para

1. Gender neutral são projetos que se definem por não estarem diretamente ligados a questões de género, e por não terem nem preverem ter um impacto diferente sobre mulheres e homens, nem um impacto nas relações de género e igualdade. (European Commission 1998, p.30)

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• Indicadores de análise do impacte de género Há certamente, uma preocupação global crescente em promover a equidade entre géneros. No entanto, esta procura de igualdade pode resultar numa implementação de indicadores que avaliem apenas a inclusão de géneros, sem avaliar outras dimensões especificas do homem e da mulher. O uso isolado de indicadores de inclusão não demonstra, efetivamente, que tenha havido uma diminuição da desigualdade e pode, inclusivamente, “silenciar” impactes perversos, tal como foi anteriormente referido no exemplo sobre o aumento do número de mulheres em posições de liderança numa sociedade onde a mulher não é aceite nem respeitada como líder (Demetriades 2007). Assim, os indicadores de género não devem ser escolhidos de forma a fornecer apenas informação específica isolada, mas sim, ser escolhidos de forma a analisar a dimensão de géneros na sua globalidade e devem ser adaptados às especificidades de cada contexto. Para tal, numa análise de género, os indicadores devem ser separados por homens e mulheres, e ser usados métodos quantitativos e qualitativos. A utilização de ambos os métodos possibilita uma análise mais completa, e como Gillian Fletcher explica no seu paper, os dois tipos de indicadores são cúmplices numa procura de complementaridade da informação - “Qualitative data is incredibly important in relation to gender because gender inequality, inequity and injustice are lived experiences.

projeto, pode também produzir impactes não intencionais positivos. Por exemplo, as mulheres ao terem mais facilidade de deslocação poderão ter mais acesso a oportunidades de empregabilidade e haver assim, uma melhoria da sua situação económica. Isto demonstra como qualquer projeto deve sempre realizar uma análise de impactes de género que seja adaptada às características de cada envolvente (NCPE 2013). Nesta condição de interdependência com o contexto, surge também o problema da atribuição- torna-se difícil identificar quais os impactes que são realmente provenientes só e apenas do projeto. Assim, quando falamos em impactes de um projeto, não sabemos se esses impactes foram realmente resultado da sua intervenção, e que percentagem desse resultado é realmente fruto/consequência só do projeto. Por exemplo, se o mercado melhorou e há mais emprego, é difícil de medir até que ponto um projeto, que trabalhou na redução do desemprego da população feminina, teve realmente impacte ou que percentagem é realmente consequência do projeto (Rossi 1998 et al., p.239). Para que haja então uma análise apropriada e o mais real possível, é necessário usar indicadores de género que reflitam situações que são mais diretamente observáveis, mas também, menos lineares e não progressivas, como é o caso dos impactes não intencionados.

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Quantitative data can help us to see the aggregate picture, while qualitative data can help to understand the why and how” (Fletcher 2015, p.14). Os indicadores quantitativos irão apresentar dados como percentagens, estatísticas ou números- por exemplo, a percentagem de alunos e alunas matriculados/das no ensino secundário. Os indicadores qualitativos irão expor experiências, opiniões, valores, etc. que resultam de métodos participativos- por exemplo, opiniões dos homens e das mulheres sobre as causas de discriminação no ambiente de trabalho (Demetriades 2007). A combinação de ambos os indicadores será, potencialmente, o método mais eficaz para analisar de facto o envolvente do projeto, e também o método que melhor possibilita um processo de aprendizagem.

pactes ambientais positivos e negativos que surgirão com um projeto de desenvolvimento. A ideia básica por trás da EIA é examinar cuidadosamente as atividades ambientalmente perigosas antes que elas ocorram, por suas consequências para os seres humanos, o solo, a água, o ar, a fauna, a flora, o clima e outros elementos relevantes para a gestão ambiental. Isso deve fornecer uma base sólida para a decisão sobre a admissibilidade de projetos planejados (Kennedy 1988). • Impactes Ambientais intencionais e não intencionais A UNEP - United Nations Environment Programme define a EIA como uma ferramenta que deverá ser usada na fase de planeamento, para que seja possível desenhar o projeto de acordo com as características ambientais de cada contexto e reduzir a possibilidade de impactes negativos ou perversos. Através da EIA é possível alcançar benefícios não só ambientais mas também económicos, tais como, evitar custos inerentes a limpezas posteriores e a penalizações provenientes de uma falta de ajustamento a leis e regulamentos ambientais existentes. O estudo de impactes ambientais tem como objetivo fornecer informação suficientemente detalhada para que seja possível demonstrar que uma intervenção não irá ter consequências negativas no sistema ecológico do território onde o projeto vai intervir, nem nas áreas circundantes. Contudo, em qualquer projeto de desenvolvimento há sempre impactes

I.III Análise do Impacte Ambiental • Enquadramento A Análise de Impacte Ambiental (AIA), designada internacionalmente por Environmental Impact Study (EIA), tem um papel essencial na proteção ambiental, na medida em que, ajuda a prevenir impactes negativos provenientes de instalações, de infraestruturas e de qualquer intervenção humana sobre a Natureza. A Análise de Impacte Ambiental, diz respeito à avaliação de possíveis im-

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ecológicos negativos que são inevitáveis. A identificação destes impactes não significa que uma proposta de intervenção seja rejeitada, mas sim, que o projeto terá que apresentar medidas que diminuam ou compensem esse impacte de forma a que as características do patrimônio natural e as funções ecológicas identificadas na Declaração Política de cada País sejam protegidas contra potenciais ameaças.

fraca coordenação entre diferentes setores, pouca acessibilidade a dados ambientais, falta de participação das identidades politicas e de liderança, assim como, falta de transparência e atribuição de responsabilidades (Li 2008). Estas carências têm como consequência o uso inadequado da EIA, e consequentemente atrasam o processo de planeamento do projeto e a sua aprovação, conduzindo obviamente a um atraso da sua implementação. Outro problema que emerge da prática ineficaz da EIA, é a falta de capacidade para conduzir monitorizações relevantes para os stakeholders, o que compromete a continuidade do seu envolvimento e compromisso com o projeto. Assim, seria importante que houvessem stakeholders alinhados às intervenções e que assegurassem a continuação das mesmas. Semelhantemente, há uma notável necessidade de uma maior participação por parte do setor privado.

• Indicadores de análise do impacte ambiental Há certamente, um aumento da consciencialização a nível global relativamente à importância do ambiente, assim como, um notável melhoramento do conhecimento sobre regulamentos e leis ambientais. A EIA tem sido cada vez mais adotada e, as legislações de avaliação de impacte e do quadro institucional têm sido melhoradas, havendo vários relatórios que apresentam resultados positivos provenientes do uso da EIA. Desta forma, há cada vez mais projetos de desenvolvimento a pôr no centro do seu planeamento o diagnóstico de impactes ambientais, atribuindo importância acrescida à proteção ambiental e da biodiversidade. No entanto, apesar do aumento do uso da EIA e da sua expansão a vários territórios, há diversos países que relatam dificuldades em implementar esta análise referindo como principais obstáculos a incapacidade a nível de recursos humanos e financeiros. Em muitos casos, as dificuldades devem-se igualmente à inexistência de estruturas institucionais apropriadas,

I.IV Análise de Impacte Económico • Enquadramento Um dos principais objetivos de avaliar os impactes económicos é analisar quais foram as consequências ao nível económico de uma certa ação, intervenção, programa ou implementação de uma medida política. Analisar o impacte económico será sinónimo de ver os prós e contras de certa ação territorial e descobrir se realmente o efeito positivo sobres-

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• Indicadores económicos A avaliação de impacte económico é medida através dos indicadores macroeconómicos e microeconómicos. Faz todo sentido mencionar alguns desses indicadores: Os indicadores macroeconômicos demostram os resultados sobre agências e organizações que analisam dados profundos subjacentes a certa atividade, país ou região. Esses indicadores fornecem uma visão clara do desempenho econômico do tópico correspondente, podendo confirmar ou rever as expectativas do mercado. Desse modo, eles podem ter um impacte significativo no mercado. Enquanto os indicadores macroeconómicos demostram a nível global os impactes sobre um todo, sobre um país ou região, os indicadores microeconómicos debruçam-se exclusivamente sobre sectores mais específicos, determinada empresa pública ou privada com oferta e procura de certos bens num mercado. Produto Interno Bruto (PIB) - é a soma, de valores monetários, de todos os bens e serviços finais produzidos numa determinada região, durante um determinado período. Utiliza-se também o indicador PIB per capita (produto interno bruto, dividido pela quantidade de habitantes de um país), para calcular a produtividade por habitante, este indicador é importante para comparar a produtividade das regiões tendo em conta a dimensão habitacional. Consumo privado e público - O consumo privado é efetuado por parti-

sai sobre o negativo e agir em conformidade com o que simboliza o melhor para o país ou uma organização. Qualquer ação territorial pode apresentar um vasto conjunto de impacte/consequências económicas que afetam direta ou indiretamente os principais agentes económicos. Alguns desses agentes económicos são: Empregadores; Trabalhados; Consumidores; Produtores e Territórios. Os impactes económicos poderão ser visíveis a um nível mais macroeconómico ou microeconómico do país. Avaliação de impacte económico supõe que o emprego aumentará o resultado de um projeto, sem qualquer efeito salarial ou de preço. Existem limitações na avaliação de impacte económico assim como noutras avaliações, no impacte económico muitas vezes são ignorados certos custos envolvidos nos projetos, incluindo custos de construção, custo de tempo, etc. Este tipo de técnica de análise também subestima os custos ambientais, na maior parte das vezes. Neste caso é necessário um trabalho adicional para identificar os impactes que ocorrem e são esperados daqueles que acontecem de forma imprevisível. Trata-se de converter os impactes brutos (empregos e resultados) de uma organização para impactes líquidos que contabilizam.

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culares, famílias e empresas, enquanto o consumo público é efetuado pelas Administrações Públicas, como por exemplo o Estado. Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) – A formação bruta de capital fixo pode ser analisada no ponto de vista da contabilidade da empresa, organização e do ponto de vista nacional. Os ativos fixos são ativos materiais ou imateriais resultantes de processos de produção, que são por sua vez utilizados, de forma repetida ou continuada, em processos de produção por um período superior a um ano. Taxa de desemprego – Dá-se o nome de taxa de emprego à razão entre a população ocupada e a população economicamente ativa (que está em condições de fazer parte do mercado laboral). O índice mais habitual, porém, é a taxa de desemprego (a quantidade de desempregados sobre a população economicamente ativa).

cipais impactes e efeitos destas medidas. Entende-se por avaliação dos impactes económicos intencionais o estudo de um programa, negócio ou organização, que identifique o principal valor a gastar para pagamento de salários, matérias-primas, suprimentos e outras despesas operacionais. No caso do impacte económico não intencional, este define-se por ser os resultados indiretos que resultam das relações entre negócios causadas pelos efeitos diretos, estes impactes não intencionais não estavam previstos no estudo inicial mas fazem sempre parte do processo.

contexto e às necessidades. Desta forma, a avaliação de impacte deveria surgir como prioridade nos projetos de intervenção, sendo não só uma ferramenta de planeamento ex-ante, mas assumir também um papel prioritária durante a execução do projeto, numa lógica ongoing e claro, na avaliação final do projeto.

II. Conclusão Os diferentes tipos de impactes que podem surgir no âmbito de um projeto de cooperação e desenvolvimento têm entre si uma relação de complementaridade, pelo facto de serem parte de qualquer contexto de intervenção. É por isso fundamental atribuir maior importância à análise de impacte, e à sua implementação na formulação e planeamento de projeto, distinguindo entre impactes tencionais e não intencionais e como medir estes resultados. A distinção dos diferentes impactes é ainda ténue, e não existem muitos indicadores que nos consigam mostrar com clareza os impactes nas diferentes áreas, seja social, cultural, de género, ambiental e/ou económica. No entanto, conseguir priorizar a análise de impacte e as suas repercussões irá trazer aos projetos de intervenção, uma maior adaptabilidade ao

• Impacte Económico intencional e não intencional O impacte não intencional pode ser o desemprego indireto e o rendimento dos trabalhadores que são gerados pela oscilação da procura e oferta de determinado serviço, material ou equipamento como resultado de um projeto ou programa. Antes de qualquer intervenção por parte do Estado ou de uma entidade privada é importante investir numa avaliação/estudo que apresente os prin-

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Anexo 1.

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Š In.disciplinar Revista do Mestrado de Estudos de Desenvolvimento ISCTE | Nov. 2018 in.disciplinar@iscte-iul.pt

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