Medina conexão jurídica 02

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Conexão Jurídica

CONEXÃO

Revista trimestral da Medina & Guimarães

JURÍDICA ISSN 2358-7261

REVISTA TRIMESTRAL DO ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA MEDINA & GUIMARÃES

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Entrevista especial com o doutor Sérgio Cavalieri Filho

EDIÇÃO

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As Arenas Esportivas e o instituto do Naming Rights no Direito Brasileiro 16

Entendendo melhor o Marco Civil da Internet

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DEZEMBRO, JANEIRO E FEVEREIRO


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Conexão Jurídica

Revista trimestral da Medina & Guimarães

Índice 04 12 06 13 08 14 Notícias

Entrevista com Sergio Cavalieri Filho

A Empresa Individual de Responsabilidade Limitada e sua titularidade pelas Pessoas Naturais e Jurídicas

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A Copa do Mundo de 2014 e a concessão de marcas de alto renome à FIFA pelo INPI

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Apontamentos sobre a relevância da propriedade intelectual no cotidiano da atividade empresarial

Entendendo melhor o marco civil da internet (Lei 12.965/2014)

O alcance da Objeção ao Plano de Recuperação

Resenha do filme O processo, de Orson Welles

O Abalo Moral da Pessoa Jurídica: A Evolução de uma Proteção Indispensável As Arenas Esportivas e o instituto do Naming Rights no Direito Brasileiro

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Eventos

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Recomenda

EXPEDIENTE CONEXÃO

JURÍDICA Edição 02

EDIÇÃO

Renata Paccola Mesquita Vinícius Secafen Mingati

COLABORADORES

FOTOS

Lara Bonemer Azevedo da Rocha Samuel Hübler Fernando Pompeu Luccas Nida Saleh Hatoum Luiz Fernando Serra Dias Marcos Piffer Suelyn Moraes Giordani

Mariana Kateivas Elton Telles IMPRESSÃO Gráfica Caiuás, 600 exemplares

DESIGN EDITORIAL

escritório de conteúdo estratégico (44) 3346 5370


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Conexão Jurídica

Revista trimestral da Medina & Guimarães

EDITORIAL

EDITORA

Finalmente foi possível a concretização de mais uma edição da revista Conexão Jurídica, dando-se continuidade a este projeto tão almejado pelo escritório Medina & Guimarães. Quando da publicação da primeira edição, no mês de março do corrente ano, acreditou-se que os esforços para a redação de uma segunda edição seriam muito menores. Fomos, no entanto, surpreendidos, em especial em razão das atribulações do trabalho, que fizeram com que esta edição fosse postergada. Contudo, em que pesem os percalços encontrados, é com muito entusiasmo que se apresenta a segunda edição da revista Conexão Jurídica. Nesta edição, fomos presenteados com a entrevista do Professor Sérgio Cavalieri Filho que, sempre de forma extremamente educada e sábia, debateu questões atuais envolvendo temas de responsabilidade civil e do direito do consumidor. Antenada às novidades jurídicas que refletem diretamente os interesses da sociedade, reservou-se espaço nesta edição para as notícias relevantes do mundo do direito, publicadas recentemente nos meios de comunicação. Discussões acerca da Copa do Mundo sediada pelo Brasil não podiam faltar na presente edição. A revista traz artigo que discorre sobre tema extremamente interessante, o chamado naming rights das arenas esportivas, consistente na aquisição do direito, por certas empresas, de denominar os estádios do país, impulsionando sua publicidade. Por sua vez, o artigo “A copa do mundo de 2014 e a concessão de marcas de alto renome à Fifa pelo INPI” apresenta uma análise crítica quanto às facilitações na concessão de registro de marcas e patentes de interesse da Fifa pelo INPI. A coluna “Direito para Todos” apresentanos texto em que se repisam as principais novidades da Lei n. 12.965/2014, conhecida como “marco civil da internet”, permitindo ao leitor um entendimento prévio acerca das proteções cibernéticas.

A revista, ainda, conta com artigo em que se demonstra a relevância da propriedade intelectual, em especial das marcas e patentes, para o desenvolvimento da atividade empresarial e seu consequente crescimento econômico. Ademais, discorre-se, também, acerca das chamadas objeções ao Plano de Recuperação Judicial, tema absolutamente novo e objeto de grandes discussões em nossos tribunais. Esta edição, ainda, propôs-se a discorrer sobre uma nova pessoa jurídica inserida em nosso ordenamento civil, a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, conhecida como EIRELI. Esta nova figura empresarial mostra-se de grande relevância para o mercado, uma vez que, limitando a responsabilidade pessoal do titular da atividade, implica na redução das chamadas sociedades fictícias, constituídas por duas pessoas, uma com a quase totalidade do capital social, e outra com participação mínima. Encerra-se a relação de artigos desta revista com a discussão acerca da possibilidade de sofrer a pessoa jurídica danos de ordem moral. Defende-se neste texto a imprescindibilidade de se proteger a imagem e o bom nome da pessoa jurídica, adotando-se medidas não apenas reparatórias, mas também preventivas, tendentes a desestimular a prática lesiva. Como mencionado no início deste editorial, o ano de 2014, para a equipe Medina & Guimarães Advogados, passou, literalmente, correndo. Nossa equipe de corrida esbanjou energia em inúmeras provas de rua na cidade de Maringá. O ano se finda, e o escritório Medina & Guimarães Advogados só tem a agradecer a toda sua equipe, que de forma unidade e bem humorada, superou inúmeros obstáculos, sempre na certeza de dias cada vez melhores. Nossos sinceros agradecimentos! Que no ano de 2015 a revista Conexão Jurídica possa, de alguma maneira, contribuir com os estudos e debates jurídicos, incentivando novas mentes a participarem do encantador mundo da ciência do direito.


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NOTÍCIAS

Credor ou devedor? Quem é o responsável pelo cancelamento do protesto? Segundo o Superior Tribunal de Justiça (STJ), a responsabilidade pelo cancelamento do registro do protesto, tão logo se verifique o pagamento da dívida, é do próprio devedor, salvo pactuação em sentido contrário. Referido posicionamento foi fixado no julgamento do Recurso Especial n. 1339436/SP, ocorrido sob o regime dos recursos repetitivos, e que teve como relator o Ministro Luis Felipe Salomão. Segundo o artigo 26 da Lei 9.492/97, o cancelamento do protesto ocorrerá por meio da apresentação do título ou da carta de anuência em cartório. Para o STJ,

não seria lógico que, com o pagamento, permanecesse o credor na posse do título protestado, de onde se conclui ser do devedor o ônus de seu cancelamento. Com a decisão, negou-se provimento ao recurso interposto por um produtor rural do Estado de São Paulo, em ação de indenização por danos morais e materiais decorrentes do protesto de um cheque que não teve seu cancelamento verificado, mesmo após o pagamento do débito. Referido posicionamento orientará os tribunais de segunda instância em julgamentos de casos semelhantes.

STJ veda a fixação dos danos sociais em ações individuais O Superior Tribunal de Justiça manifestou-se, recentemente, sobre tema extremamente contemporâneo, e absolutamente controverso, qual seja, a possibilidade de aplicação, em ações indenizatórias, da chamada responsabilidade por dano social, também conhecida por “punitive damages”. É o termo em inglês que representa o caráter punitivo das indenizações fixadas pelo Poder Judiciário, e que tem o condão de coibir o agressor a reiterar no ilícito. A discussão se inicia quando se questionam os limites do processo, e se a fixação de ofício dessa espécie de indenização, tendo como destinatário terceiro absolutamente estranho à lide (normalmente uma instituição de caridade), não violaria princípios processuais absolutamente solidificados em nosso sistema jurídico. Foi exatamente neste contexto que se deu a análise da Reclamação 13.200 pelo STJ, que questionava a fixação de indenizações por danos sociais a uma instituição financeira sem que o autor da ação tivesse formulado pedido neste

sentido. A Segunda Turma Julgadora Mista dos Juizados Especiais de Goiás entendeu que poderia aplicar, de ofício, e fora dos limites da lide, o “punitive damages”, condenando o banco ao pagamento da indenização punitiva a uma instituição de caridade alheia ao processo. Por meio do julgamento da referida reclamação constitucional, decidiu o STJ que a legitimidade para pleitear a aplicação do dano social – difuso, coletivo, individual homogêneo - não seria do consumidor que ingressou com a ação indenizatória, mas sim daqueles legitimados para a ação coletiva. Entendeu assim que, ainda que existisse pedido expresso do consumidor para a condenação em dano social, lhe faltaria legitimidade para pleitear, no seu próprio nome, direito pertencente à coletividade. Assim, julgou o STJ procedente a Reclamação n. 13.200, para o “fim de considerar nulo o acórdão reclamado, afastada a condenação de ofício por dano social, com a devolução dos autos para que a lide seja apreciada pela turma recursal nos limites em que foi proposta”.

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As discussões eleitorais na internet e os riscos de ofensa à Constituição Federal Muito se viu, ouviu e falou durante o recente processo eleitoral brasileiro, tendose notado, de maneira evidente, o importante papel da internet e das redes sociais nessa propagação de informações e de opiniões. Não obstante o relevantíssimo papel informador que a internet exerce sobre nossa sociedade nos dias de hoje, por se tratar de mecanismo amplamente difundido, também se transforma em instrumento de manifestações que podem configurar ilícitos. Foi o que se verificou, em especial, na semana que se seguiu ao resultado do primeiro turno das eleições, com a confirmação de uma ampla maioria de votos recebida por determinado candidato nas regiões norte e nordeste do Brasil. Nesse período, a Procuradoria Geral da República apurou um grande número denúncias de atos preconceituosos contra nordestinos na internet. É o que se verificou com as manifestações de uma comunidade criada no facebook e que supostamente incentivava o “holocausto de nordestinos”, com frases como: “70% de votos para a Dilma no Nordeste! Médicos do Nordeste causem um holocausto por aí! Temos que mudar essa realidade!!” As condutas, deflagradas por facebook, twitter, whatsapp, e outros meios disponíveis na internet, estão sendo investigadas e podem configurar, pela gravidade, inclusive o crime de racismo, previsto no art. 20, §2º, da Lei 7.716/89, e que prevê como pena a reclusão de 2 a 5 anos, e multa. Referidas manifestações são absolutamente incompatíveis com o nosso estado democrático de direito constitucional, e violam de maneira absurda os ditames de Constituição Federal de 1988.


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NOTÍCIAS

STJ analisa de quem é a responsabilidade pelo pagamento do IPVA de veículos alienados fiduciariamente

Questão extremamente delicada está pendente de julgamento no Superior Tribunal de Justiça, qual seja, de quem seria a responsabilidade pelo pagamento do IPVA de veículos financiados via alienação fiduciária. A questão veio à tona por conta de uma lei estadual de 2003, que legitimou a cobrança, pelo fisco de Minas Gerais, do IPVA de veículos alienados fiduciariamente das próprias instituições financeiras, e não dos possuidores diretos do bem. O julgamento está paralisado por conta de um pedido de vista do Min. Napoleão Nunes Maia Filho, apesar de alguns votos demonstrarem uma tendência da corte de que a questão deva ser tratada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

O resultado do julgamento está gerando uma grande expectativa na comunidade jurídica, pelo grande potencial que a questão tem de gerar uma avalanche de ações, disseminando para outros Estados da federação o permissivo criado pela Lei Estadual 14.937/2003 de Minas Gerais. Caso se considere válida a lei estadual em comento, a cobrança, pelo Fisco dos Estadosmembros, diretamente das instituições financeiras, do imposto sobre a propriedade de veículos automotores, existe a possibilidade, inclusive, de uma guerra fiscal, o que demanda uma grande atenção da comunidade jurídica em geral. Aguardemos o desenrolar do julgamento.

Revista Conexão Jurídica agora tem código ISSN A partir desta edição, a Revista Conexão Jurídica é uma das publicações brasileiras que faz parte do ISSN (International Standard Serial Number), código numérico que serve para identificar títulos de periódicos seriados de forma mais rápida, com maior produtividade e precisão.

No Brasil, o Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) atua como o centro da rede ISSN, considerado o único identificador de padrão internacional e que traz diversos benefícios para a publicação, como deter maior controle sobre o conteúdo e o reconhecimento de abrangência mundial.

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Agências de rating alteram nota de crédito do Brasil, rebaixando seu grau de confiabilidade As agências de rating rebaixaram a nota de crédito do Brasil neste ano de 2014. Isso implica dizer que o grau de investimento e de credibilidade do país perante o mercado foi reduzido, aumentando os riscos de investimento. Segundo o critério de avaliação seguido por algumas das agências mais conceituadas, os países avaliados com notas entre AAA até BBB apresentam “grau de investimento” considerado mais seguro. O Brasil, hoje, está no menor nível dentro do patamar considerado como aceitável para classificação de investimento (BBB-), sendo tal queda intimamente ligada ao baixo crescimento do país e aos elevados gastos do governo. Mesmo processo sofreu a empresa Petrobras, em avaliação publicada em data de 22 de outubro de 2014. Em que pese o rebaixamento de nível, a Petrobrás ainda se enquadra na categoria de “grau de investimento”. Medidas políticas e econômicas devem ser adotadas com urgência pelo país, com o fim de recuperar a avaliação, buscando notas mais altas, que impliquem no reconhecimento da confiabilidade do Brasil e de suas empresas como país de investimento.

Transfusão de sangue e o direito à vida: pais que recusaram a realização de transfusão de sangue em filha são absolvidos Recentemente o Superior Tribunal de Justiça analisou questão absolutamente polêmica, e que coloca em discussão o choque de dois importantes direitos fundamentais, quais sejam, a vida e a liberdade de crença. Indigitado embate veio à tona por meio do julgamento dos pais da menina Juliana Bonfim da Silva, morta em 1993, e que, durante sua internação, por opção dos pais, foi impedida de receber sangue via transfusão. A ação penal buscava

responsabilizar os pais da garota pela sua morte. A defesa, por sua vez, sustentava a posição de recusa dos pais em que se fizesse a transfusão de sangue na liberdade de crença garantida constitucionalmente. O STJ, em decisão inédita, entendeu que a conduta dos pais de Juliana não poderia se enquadrar como ilícita, por não violar diretamente o direito à vida. Direito este que segundo o STJ fora ofendido pelos médicos, que, não obstante terem respeitado a manifestação religiosa dos

pais, teriam o dever legal de proteger a vida da garota, sendo os responsáveis diretos pela morte da mesma. A conclusão a que chegou o STJ, portanto, é de que a vida, em situações como a ora descrita, é bem jurídico que deve ser tutelado com primazia em relação à liberdade de crença, traçando, assim, um importante indicativo de qual deverá ser a conduta dos médicos em casos similares futuros.


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ENTREVISTA

Revista trimestral da Medina & Guimarães

SÉRGIO CAVALIERI FILHO

Sérgio Cavalieri Filho é doutor em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, atualmente professor da Universidade Estácio de Sá e Desembargador do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro. Jurista renomado, destaca-se, em especial, no estudo da responsabilidade civil e do direito do consumidor.

Como as mudanças sociais, econômicas e políticas influenciaram nas formas de responsabilidade civil atuais? A responsabilidade civil, no meu entender, foi a área do direito, juntamente com o direito de família, que mais se modificou ao longo do século XX. Houve uma verdadeira revolução na responsabilidade civil, com influências tecnológicas e científicas, que alteraram completamente o nosso modelo social, econômico e político. E como o direito é um conjunto de normas para disciplinar a vida em sociedade, o que muda na sociedade tem que mudar no direito. Passamos a ter uma sociedade de risco. Começou com o transporte, depois com o maquinário, a indústria, cada um foi gerando riscos, e a cada novo risco a responsabilidade civil teve que evoluir para atender a essa nova realidade. Foi por isso que nós começamos o século passado com a culpa, que era a regra, e terminamos com o risco, às vezes até com o risco integral. Então, toda essa revolução tecnológica, econômica, científica e industrial alterou sobremaneira a sociedade, refletindo, de igual forma, na responsabilidade civil. O Estado, na figura do Poder Judiciário, desde o advento da CF/1988, oferece grande proteção ao consumidor, relativizando, muitas vezes, normas do direito posto. Nas relações consumeristas “vale tudo” em prol da defesa do consumidor? Em primeiro lugar, a proteção do consumidor é um fundamento constitucional. O art. 5°, XXXII, da CF, determina que o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor. Então, não é uma incumbência só do Poder Judiciário, mas também do Executivo, através dos seus órgãos administrativos, e do Legislativo, por meio da lei. O CDC é um código de defesa do consumidor, como o próprio nome já diz. Parte-se do pressuposto que o consumidor, em face do fornecedor/prestador (poderoso), é a parte tida por vulnerável e juridicamente mais fraca. Todavia, o CDC não veio para virar a mesa em favor do consumidor, ele veio para estabelecer um equilíbrio. O que tem havido é que o Direito do consumidor, lamentavelmente, ainda não é estudado. Muitas faculdades de direito, principalmente as públicas, além dos aplicadores do direito, como os magistrados, e outros mais, aplicam o direito do

Exatamente em razão de sua área de concentração, a entrevista abaixo é pautada em temas de grande discussão no cenário atual, envolvendo a atuação do Estado, na figura do Poder Judiciário, quando diante de situações envolvendo debates consumeristas e responsabilidade civil.

consumidor de improviso, aos pedaços. O direito do consumidor é um sistema, é um diploma sistemático, baseado em princípios. E lá nos artigos 4º e 6º, que falam dos princípios do direito do consumidor, falase em harmonia, equilíbrio, possibilitar realmente a boa relação entre fornecedor e consumidor. O que não se pode admitir é a aplicação do Código do consumidor de forma desarrazoada, como ocorre muitas vezes. É justamente quando não se tem essa visão sistemática, desse equilibro indispensável, que se chega à conclusão de que o CDC busca tudo para o consumidor e nada para o fornecedor. Não estaríamos diante de uma insegurança jurídica ou de uma deturpação do positivismo jurídico? É claro que qualquer norma que é aplicada incorretamente, gera insegurança jurídica. Eu costumo dizer que não é o juiz que tem que ser protecionista, já que protecionista é a lei. Mas o juiz não pode ir além da lei. Nesse ponto, ele não pode ser liberal demais. Não se pode, no código do consumidor, atribuir mais função social do que ele efetivamente tenha, transformando, por exemplo, um contrato de compra e venda em doação. Devemse aplicar os princípios. Todo contrato de consumo, seja ele bancário, securitário, tem que ter boa-fé, tem que ter transparência, tem que ter os demais princípios da informação, isso é indispensável. Isso tudo é indispensável para se estabelecer um equilíbrio. Então, por si só, o direito do consumidor não viola a segurança jurídica, apenas estabelece a forma de se garantir a defesa do consumidor. O que muitas vezes estabelece essa insegurança é o modo de aplicação. Em sua opinião como deve o direito do consumidor ser ponderado na sociedade atual? Eu diria que, fundamentalmente, é preciso conhecer o direito do consumidor como um sistema, cientificamente, e não aos pedaços. A responsabilidade civil como um todo, inclusive nas relações de consumo, sofre nos dias de hoje uma banalização, por conta das reiteradas e presumidas condenações em danos morais?

É outra questão que acho que a expressão não é adequada, e que depende de conceituação. A responsabilidade civil não é banalizada, não pode ser banalizada, porque só pode haver responsabilidade civil quando houver violação de um dever jurídico. Porque a responsabilidade civil é o dever de reparar o dano decorrente da violação do dever jurídico. Agora, se eu já não sei o que é responsabilidade civil e começo a dizer que tudo é responsabilidade civil já começa a banalizar. Aí vem também a questão do dano moral. Durante décadas se discutiu se o dano moral era ou não indenizável. Foi a CF/88 que disse que o dano moral é indenizável. A questão, hoje, é o conceito do que é dano moral, e aí mais uma vez, não se parte de um conceito correto. Dano moral é qualquer dor, vexame, humilhação? Não é. Dano é lesão de um bem jurídico. Tem que haver a lesão de um bem jurídico da personalidade. Nós temos um conjunto de atributos da personalidade, tanto intrínsecos como extrínsecos, e sem que haja uma lesão de um bem jurídico da personalidade (o nome, a honra, a dignidade, a privacidade, etc.) e ao próprio equilibro psicológico, não há dano moral. Então o que banaliza dano moral é que estão dando indenização por dano moral onde não há caracterizado dano moral. Esse é o problema, mais uma vez de aplicação. E a pessoa jurídica? Eu fui um dos primeiros a sustentar que a pessoa jurídica é passível de dano moral. Inicialmente fui voto vencido, mas acabou prevalecendo a ideia de que os direitos da personalidade podem ser intrínsecos e extrínsecos. Até no Direito Penal, você tem lá, calúnia, difamação, injúria, que envolvem, cada um em sua particularidade, tanto a honra chamada objetiva como a subjetiva. A pessoa jurídica não tem honra subjetiva, ela não tem dignidade, ela não tem privacidade. Então, disso ela não pode ser passiva, mas ela tem a honra objetiva, ela tem nome, ela tem reputação, ela tem o direito de privacidade quanto a sua correspondência, podendo, pois, ser sujeito passivo de dano moral, se e quando bens integrantes da sua personalidade objetiva forem atingidos. O Código Civil de 2002, no seu art. 52, por exemplo, manda aplicar à pessoa jurídica, no que lhe for compatível, os direitos relativos à personalidade.


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A atuação dos Juizados Especiais Cíveis contribui para a banalização dos danos morais?

excedesse fosse destinado a um fundo, ou de defesa do consumidor ou um fundo do meio ambiente.

Os Juizados Especiais Cíveis representam outro aspecto que conheço bem, porque fui presidente do Tribunal de Justiça. E antes mesmo disso, desde que veio a CF/88 e o Código do Consumidor, foi preciso criar uma justiça paralela para atender as demandas do consumidor. O Juizado Especial Cível é apenas um procedimento mais rápido, eficiente e mais ágil. Mas todas as demais regras e princípios terão que ser observadas ali, então os mesmos direitos do consumidor da justiça comum têm que ser do consumidor dos Juizados Especiais Cíveis. Então, mais uma vez, é preciso que quem aplique o direito do consumidor nos Juizados o faça direito. É preciso tratar as coisas como elas são, o conceito como eles são. Lamentavelmente tenho percorrido o Brasil, e tenho visto que há lugares em que o direito do consumidor ainda não chegou, está sendo aplicado, mas ainda não chegou. E eu atribuo muita culpa aos cursos de direito, principalmente de Universidades Públicas, onde não se estuda o Direito do Consumidor, que passa a ser aprendido na prática.

Recentemente o STJ decidiu questão extremamente delicada, e que coloca em choque dois direitos fundamentais de nossa CF/1988, quais sejam, a liberdade de crença e a vida. No julgamento da referida Corte Superior, entendeu-se pela ausência de responsabilidade criminal dos pais, seguidores da religião testemunhas de jeová, que impediram a realização de transfusão de sangue na filha de 13 anos. Em casos como este, como ficaria a responsabilidade civil pelo ato ilícito em questão? Eu entendo que tanto o hospital quanto o médico deveriam preservar a vida, pois seria uma situação de estado de necessidade em que eles são obrigados a agir. Posso até entender de responsabilidade por omissão específica do hospital quando assim não atua. Se a criança estava internada, necessitando fazer uma transfusão de sangue, e os pais não permitem, aí se tem um conflito entre religião, direito pessoal, e o dever dos profissionais da saúde em preservar a vida. No mínimo deveria se pedir uma autorização judicial para se fazer, sob pena de violar um dever jurídico grave. Poderia fazer até por iniciativa própria, sem autorização judicial, já que diante de situação de necessidade. Agora, com relação aos pais, é muito difícil caracterizar um dever de indenização. Em primeiro lugar, seria para quem a indenização? Se eles não têm responsabilidade penal, STJ entendeu assim e acho que entendeu corretamente, também entendo que não haveria, pelo menos, legitimidade de quem requerer a indenização. Quem requereria, seria o irmãozinho, seria o avô? Eles realmente violaram um dever jurídico? Porque não há responsabilidade civil sem violação de um dever jurídico. Eles realmente violaram um dever jurídico, se o STJ entendeu que não havia um dever jurídico de agir?

Na esfera da responsabilidade civil, o Professor entende viável a utilização do punitive damages como mecanismo de coerção e intimidação do agressor para que não venha a reiterar o ilícito? Em primeiro lugar, punitive dameges é o que se chama de dano moral punitivo, muito usado nos Estados Unidos. Eu não gosto dessa expressão. Porque o dano moral se é dano moral ele é punitivo para a vítima. Eu chamo de indenização punitiva. Segundo lugar, não aceito a generalização de indenização moral punitiva, porque isso acarretaria um desiquilíbrio e tornaria o problema ainda mais grave entre nós. Se lá nos Estados Unidos funciona, e nem é como dizem, aqui não funcionaria. Todavia, não sou daqueles que são absolutamente contrários: “não pode porque não tem previsão legal”. A previsão legal para a punição é no direito penal, a indenização punitiva nada mais será do que um agravamento, um aumento da indenização e não uma nova indenização. Eu admito parcimoniosamente, falo isso sempre para os alunos e juízes, a indenização punitiva em situações peculiares. Por exemplo, se a pessoa na televisão, no rádio, na imprensa, utiliza-o com o fim de ofender, aí acho que deve haver uma pena maior. A responsabilidade é uma coisa, a indenização é outra. Uma coisa é o dever de responder, outra coisa é a pena que vai sofrer. No caso em que a valoração depende de fatores que o juiz vai ponderar no caso concreto, se há dolo, intenção de ferir, de punir, de humilhar, acho que a indenização deve ser agravada. Na responsabilidade objetiva do fornecedor há casos em que este realmente abusa. Por exemplo, uma financeira que manda o nome do consumidor para o SERASA de qualquer maneira, não tendo o menor cuidado, tem que sofrer no bolso uma pena, mas não demais a ponto de tornar o consumidor rico. Também naqueles casos em que há um intuito de lucro, o fornecedor sabe que aquilo está errado, mas continua fazendo porque entre a indenização e o lucro, ele prevalece. Então, esporadicamente,

parcimoniosamente eu admito. Como nos casos envolvendo dano ao meio ambiente, quando se trata de dano difuso, sendo que nesses casos a indenização tem que ir para um fundo: fundo do consumidor, fundo do meio ambiente. Como a destinação da indenização pode ultrapassar os limites da lide, não padeceria o punitive damage do vício da ilegitimidade? Eu não diria que ultrapassaria os limites da lide, mas que estabelece um princípio da reparação integral. Por exemplo, a indenização tem que ser integral, mas não é para enriquecer a vítima. Se aquilo passar dos limites dessa reparação integral, é que não convém. Eu não sei como ocorre no Direito americano, onde se tem indenizações milionárias, não sei se lá adotam o princípio da recuperação integral, que constitui limite no direito brasileiro. Entre nós, eu acho que esse limite não deve ser ultrapassado se não a responsabilidade civil perde a sua finalidade de reparar, passando a configurar enriquecimento sem causa. Para haver um equilíbrio eu recomendo que aquilo que eventualmente

Recentemente foi aprovada a Lei n. 12.965/2014, conhecida como “marco civil da internet”, sendo nela depositada grande expectativa quanto à normatização e regulação de importantes questões da internet, como o tráfego das informações e dos dados, a proteção dos registros pessoais dos usuários, a responsabilidade por danos causados na rede mundial de computadores, dentre outros pontos relevantes. Acredita que no campo da responsabilidade civil esta nova legislação trará proteção mais efetiva ao cidadão? Sim, vai ter. Eu destaco principalmente os artigos 18 e 19 dessa lei, que ponderam a liberdade de expressão, a liberdade de informação, a liberdade de imprensa, com a privacidade. Tentou ponderar, e foi razoável. E no artigo 19 ela responsabiliza o provedor de internet que descumpre determinação judicial de retirada do conteúdo indevido. Depois que algo é lançado e quem foi atingido queira tirar, então a lei, hoje, é clara: deve-se entrar em juízo e se a justiça determinar que se retire o conteúdo ofensivo, vai ter prazo estabelecido, e a partir daí ele responde pelo descumprimento. Neste aspecto, entendo que a lei é razoável, é um ponto de partida.


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EDITORIA

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A Empresa Individual de Responsabilidade Limitada e sua titularidade pelas Pessoas Naturais e Jurídicas A EIRELI, instituída pela Lei n. 12.441/2011, consiste numa nova figura de empresário, formada por uma única pessoa detentora de todo o capital social. Sua criação mostrase de grande relevância na tentativa de reduzir o número das chamadas sociedades fictícias. Renata Paccola Mesquita advogada

Renata Paccola Mesquita, advogada no Paraná e em Brasília-DF, sócia do escritório Medina & Guimarães Advogados, professora de Direito Empresarial na PUC/PR, mestre em Direito pela PUC/ SP.

O ordenamento civil brasileiro, até o ano de 2012, falava na existência de dois tipos de empresários, quais sejam, o empresário individual e a sociedade empresária. Nos termos do art. 966 do Código Civil, considera-se empresário individual a pessoa física que exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. O empresário individual, no exercício da empresa, assume pessoalmente todo o risco da atividade, possuindo seu patrimônio pessoal vinculado à atuação profissional. Em razão disso, este empresário acaba por responder ilimitadamente pela atividade de empresa, inexistindo, na nossa legislação, a separação patrimonial do empresário individual e dos bens pessoais de seu titular. Por sua vez, as sociedades empresárias são consideradas pessoa jurídica, composta por, pelo menos, dois sócios. Tais sociedades podem optar pela limitação da responsabilidade de seus sócios, respondendo estes pelas obrigações sociais limitadamente ao valor de sua contribuição (S/A) ou à integralização do capital social (Ltda.). Em razão da limitação da responsabilidade dos sócios, as sociedades empresárias possibilitam a separação patrimonial da pessoa jurídica, e de seus sócios, falando-se em autonomia destes bens. Diante dessa afetação patrimonial, os bens pessoais dos sócios, salvo verificado situação autorizadora da desconsideração da personalidade jurídica, estarão protegidos no que tange às obrigações assumidas pela sociedade empresária. A diferenciação dessas duas figuras de empresários no que tange à responsabilidade dos titulares pela atividade de empresa, incitou o surgimento das chamadas sociedades fictícias, que são exemplos aquelas sociedades criadas por duas pessoas, uma com a quase totalidade das quotas (99%) e outra com apenas ínfima parcela do capital social (1%). O empresário pessoa física, em verdade, buscou mecanismo


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A EIRELI mostrou-se como importante marco para o direito empresarial, protegendo tanto o empresário individual ao atribuir-lhe responsabilidade limitada à atividade exercida, quanto o próprio mercado, incentivando a criação dessa nova modalidade de empresário com capital social mínimo capaz de assegurar o desenvolvimento da atividade e, ao mesmo tempo, fornecer certa segurança àqueles que negociam com ela.” para proteger seu patrimônio pessoal, responsabilizando-se de forma limitada à atividade de empresa. Para tanto, cumpria com a exigência legal de constituição de sociedade de no mínimo duas pessoas, porém, com integralização de capital social extremamente discrepante entre seus membros. Segundo Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa, “a busca de proteção patrimonial por parte do comerciante individual levou, muitas vezes, à criação de sociedades fictícias com o mínimo legal de dois sócios, nas quais um deles emprestava seu nome para formá-las, sem existir a vontade de criar efetivamente um ente societário. Tratava-se de simulação.” Para tentar solucionar tal problema, criou-se a chamada Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI), editada pela Lei n. 12.441/2011, que acresceu o art. 980-A ao Código Civil brasileiro, bem como a classificou como pessoa jurídica, nos termos do art. 44, VI do CC. Formada por um único titular, a EIRELI será constituída mediante o capital social mínimo de 100 (cem) salários mínimos vigentes, indispensável para o exercício da atividade comum e para dar aos terceiros, potenciais contratantes ou credores da sociedade, a necessária confiança. Discute-se, porém, a legitimidade para o exercício dessa atividade de empresa. Poderia o titular da EIRELI ser tanto uma física quanto jurídica? A redação do art. 980-A do Código Civil determina que “a empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social”. Note que, no indigitado dispositivo legal, a palavra pessoa aparece como gênero, podendo abarcar as espécies pessoa física e jurídica. Poder-se-ia concluir, assim, que tanto a pessoa física, quanto jurídica, poderiam figurar como titulares da EIRELI, exercendo a atividade com responsabilidade limitada. Referida conclusão é reforçada ao se levar em consideração que o Projeto de lei que instituiu esta nova figura empresarial

disciplinava que apenas a pessoa natural poderia ser titular da EIRELI, sendo que o termo “natural” foi retirado durante o processo legislativo de formação da referida norma. Em que pese inexistir qualquer vedação legal para a constituição da EIRELI pelo titular pessoa jurídica, o Departamento Nacional de Registro e Comércio (DNRC), órgão responsável pela normatização do registro dos empresários, emitiu Instrução Normativa (IN n. 117/2011) impossibilitando o registro da EIRELI, formada por titular pessoa jurídica, perante a Junta Comercial de seu Estado. Para a consecução do direito, o interessado tem impetrado mandado de segurança contra o presidente da Junta Comercial competente, com o fim de que este aceite o arquivamento dos atos constitutivos da EIRELI, formada por titular pessoa jurídica. “Onde a lei não distingue, não cabe ao intérprete distinguir”. O art. 980-A do CC não traz qualquer restrição quanto a possibilidade da pessoa jurídica figurar como titular da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, não cabendo ao DNRC introduzir proibição em lei que lhe é hierarquicamente superior. Deste modo, deve-se prevalecer o entendimento de que tanto a pessoa natura, quanto a pessoa jurídica, podem ser titulares dessa nova figura empresarial, recebendo os mesmos benefícios legais. A EIRELI mostrou-se como importante marco para o direito empresarial, protegendo tanto o empresário individual ao atribuir-lhe responsabilidade limitada à atividade exercida, quanto o próprio mercado, incentivando a criação dessa nova modalidade de empresário com capital social mínimo capaz de assegurar o desenvolvimento da atividade e, ao mesmo tempo, fornecer certa segurança àqueles que negociam com ela. A burocratização e limitação do registro da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada representará um retrocesso ao direito empresarial, que adotou medidas inovadoras, trazendo melhorias para o mercado.


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A Copa do Mundo de 2014 e a concessão de marcas de alto renome à FIFA pelo INPI

Lara Bonemer Azevedo Rocha Advogada no Paraná e mestre em Direito pela PUC/PR

“Em que pese a complexidade, morosidade e a alta retribuição previstos pela Lei n. 9.279/1996 e pelo INPI para a concessão de uma marca considerada de alto renome, a Lei Geral da Copa (Lei n. 12.663/2012) relativizou, in totum, as exigências legais vigentes no Brasil para o reconhecimento desta modalidade de marca para a FIFA.”

A Copa do Mundo 2014 deixou inúmeros legados para o país, sendo um deles a relativização da norma para concessão de marcas de alto renome à FIFA pelo INPI, beneficiando a entidade em total desacordo com a legislação vigente. Lara Bonemer Azevedo da Rocha advogada

O legado deixado pela Copa do Mundo de 2014, ocorrida em nosso país nos meses de junho e julho, foi imenso, embora tenham sido amplamente debatidos os pontos negativos do evento. Além de obras superfaturadas e inacabadas, sem as melhorias prometidas na infraestrutura das cidades sedes, a incongruência também foi percebida no registro de marcas vinculadas ao evento, que, de forma surpreendente, mostrou um sistema eficiente, diferentemente do que ocorre na prática de mercado. A marca, segundo a Lei n. 9.279/1996 “é todo sinal distintivo, visualmente perceptível, que identifica e distingue produtos e serviços, bem como certifica a conformidade dos mesmos com determinadas normas ou especificações técnicas”. A partir do registro validamente expedido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), o proprietário da marca tem direito de uso exclusivo em todo o território nacional, podendo ainda ceder seu registro ou pedido de registro, licenciar seu uso e zelar pela sua integridade material ou reputação. As marcas podem ser classificadas em marcas de produto ou serviço, utilizadas para distinguir produtos e serviços; em marcas de certificação, utilizadas para atestar a conformidade de um produto ou serviço, de acordo com suas especificações técnicas; e em marcas coletivas, utilizadas para identificar produtos ou serviços provindos de membros de uma determinada entidade. Há, ainda, marca notoriamente conhecida, concebida pela Lei de Propriedade Industrial como aquela que goza de proteção especial, independente de estar previamente depositada ou registrada no Brasil, de acordo com o art. 6°, bis, da Convenção da União de Paris para Proteção de Propriedade Industrial. Por fim, a lei prevê a marca considerada de alto renome,

que tem no Brasil assegurada uma proteção especial, em todos os ramos da atividade. Para o registro de uma marca como de alto renome, o INPI, por meio da Resolução 107/2013, exige que seja providenciado requerimento diferenciado, contendo: a) reconhecimento da marca por ampla parcela do público em geral; b) qualidade, reputação e prestígio que o público associa à marca e aos produtos ou serviços por ela assinalados; e c) o grau de distintividade e exclusividade do sinal marcário em questão. Após apreciado pela Comissão Especial designada pelo Presidente do INPI, análise esta que, em regra, demora anos, poderá o pedido de registro da marca de alto renome ser concedido, sendo a notoriedade devidamente anotada perante a Autarquia Federal responsável. Os custos para o pedido de registro da marca de alto renome no país são elevadíssimos, sendo cobrado, neste ano, o valor de R$ 41.330,00 (quarenta e um mil e trezentos e trinta reais) pelo requerimento, o que afasta, na maioria das vezes, o interesse em individualizar a marca como de alto renome. A título de curiosidade, possui o Brasil apenas doze marcas de alto renome em vigência e três em trâmite judicial. São elas: Pirelli, Hollywood, 3M, Kibon, Natura, Moça, Bombril, Land Rover, O Boticário, Channel, Sadia e McDonald’s. Estão em trâmite judicial as marcas Goodyear, Dakota (Nominativa) e Dakota (Mista). Em que pese a complexidade, morosidade e a alta retribuição previstos pela Lei n. 9.279/1996 e pelo INPI para a concessão de uma marca considerada de alto renome, a Lei Geral da Copa (Lei n. 12.663/2012) relativizou, in totum, as exigências legais vigentes no Brasil para o reconhecimento desta modalidade de marca para a FIFA. O art. 3o da Lei estabeleceu o dever do INPI de promover a anotação em seus cadastros do alto renome das marcas que consistam em Símbolos Oficiais de titularidade da FIFA, como o emblema da FIFA, os emblemas da Copa

Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Maringá. Mestre em Direito Econômico e Socioambiental pela PUC-PR. Bolsista CAPES/CNPQ. Pesquisadora. Advogada. Disponível em: <http://www.inpi.gov.br/portal/artigo/guia_basico_de_marcas_e_manual_do_usuario_sistema_emarcas>. Acesso em: 16 jun. 2014. Artigo 6 bis


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das Confederações FIFA 2013 e da Copa do Mundo FIFA 2014, os mascotes oficiais da Copa das Confederações FIFA 2013 e da Copa do Mundo FIFA 2014 e outros Símbolos Oficiais de titularidade da FIFA, indicados pela referida entidade em lista protocolada no INPI. Em benefício à entidade futebolística, e em total desacordo às normas do INPI, a FIFA foi eximida da necessidade de se comprovar a notoriedade de sua marca, sendo-lhe aplicado regime especial para os procedimentos relativos aos pedidos de registro da marca, bem como isenta do pagamento do pedido de registro de marcas até 31 de dezembro de 2014. Em decorrência desta relativização absoluta dos procedimentos estabelecidos para o reconhecimento de alto renome às marcas apresentadas pela FIFA, foram disponibilizadas, pelo próprio site do INPI as listas de marcas com alto renome da FIFA, que incluem marcas como “Copa do Mundo”, “Copa do Mundo Brasil 2014”, “Copa 2014”, “Copa do Mundo de Futebol Brasil 2014”, “Brasil 2014”, “Pagode”, “Fuleco”, “Football for the Planet”, “Juntos num só ritmo”, além dos nomes de todas as cidades-sede dos jogos da Copa do Mundo de 2014, acrescidos de 2014, a saber, “Natal 2014”, “Brasília 2014”, “São Paulo 2014”, “Rio 2014”, “Curitiba 2014” e assim por diante, totalizando 59 registros de marcas de alto renome. Diante da proteção concedida, o uso indevido de qualquer das marcas de alto renome registradas pela FIFA junto ao INPI acarretará ao infrator sanção civil, com o dever de indenizar à FIFA os danos, lucros cessantes e qualquer proveito obtido. Segundo a Federação de Futebol, o tratamento diferenciado ofertado no registro da marca de alto renome tem como finalidade principal garantir a segurança e os interesses dos patrocinadores do evento, atribuindo-lhes o uso exclusivo das marcas anotadas como de alto renome pelo INPI. A proteção dos direitos exclusivos da FIFA e dos

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Parceiros Comerciais foi considerado, assim, essencial para financiar a Copa do Mundo da FIFA Brasil 2014. Em que pesem os esforços reunidos pela FIFA para garantir sua segurança e dos patrocinadores do evento, o resultado esperado não foi alcançado. Antes de iniciada a Copa do Mundo 2014 a FIFA já havia constatado mais de 400 (quatrocentos) casos de uso indevido das marcas de alto renome concedidas pelo INPI. A mitigação da norma quanto ao registro de marcas notórias à FIFA ficará marcado como mais um ônus suportado pelo Brasil para sediar a Copa do Mundo de 2014. Em um cenário em que o país ocupa uma das primeiras posições no ranking dos países com o pior sistema de proteção de direitos de propriedade industrial em termos de morosidade, altos custos e complexidade, o benefício concedido à FIFA retrata a injustiça e a necessidade de reformas urgentes em nosso sistema registral. São notórios os casos em que o Brasil, pela ineficiência do INPI em garantir os direitos de propriedade industrial, efetivamente perdeu registros de marcas e patentes para pesquisadores estrangeiros, que, diante de sistemas mais eficientes que o nosso, conseguem antecipar os registros, garantindo-se o uso exclusivo da marca para si. Injustificável se mostra a morosidade do sistema no registro de marcas perante o INPI, sendo que a ineficiência da entidade acarreta prejuízos significativos para o país, além da desconfiança e falta de crédito que lhe é atribuído. Garantir de forma eficiente a proteção dos direitos de marcas e patentes relacionados à educação, saúde e tecnologia é, evidentemente, um bem comum a ser buscado pelo Brasil, trazendo benefícios imediatos não apenas ao depositante do pedido do registro, mas também à toda coletividade. Mostrase incongruente e inaceitável a possibilidade de ofertar um tratamento diferenciado à FIFA, com rapidez e baixos custos, enquanto os reais interesses sociais são discriminados pela lentidão e ineficácia do sistema registral exercido pelo INPI.

1) Os países da União comprometem-se a recusar ou invalidar o registro, quer administrativamente, se a lei do país o permitir, quer a pedido do interessado e a proibir o uso de marca de fábrica ou e comércio que constitua reprodução, imitação ou tradução, suscetíveis de estabelecer confusão, de uma marca que a autoridade competente do país do registro ou do uso considere que nele é notoriamente conhecida como sendo já marca de uma pessoa ampara pela presente Convenção, e utilizada para produtos idênticos ou similares. O mesmo sucederá quando a parte essencial da marca constituir e produção de marca notoriamente conhecida ou imitação suscetível de estabelecer confusão com esta.


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Apontamentos sobre a relevância da propriedade intelectual no cotidiano da atividade empresarial

As marcas e patentes, consideradas como propriedade intelectual, caso usadas de forma responsável e empreendedora, mostrarse-ão como importante mecanismo de desenvolvimento econômico para o empresário Samuel Hübler advogado

O empresário, no exercício da atividade de empresa, deve valer-se de inúmeros mecanismos para a obtenção do fim maior, qual seja, o lucro. Este exercício da atividade empresarial realiza-se pela ordenação dos fatores de produção de forma racional, para a produção ou circulação de bens ou serviços. Estudadas principalmente pelas disciplinas administrativa, contábil, econômica e jurídica, todas do campo de conhecimento das ciências sociais aplicadas, a atividade empresária não encontra, na prática, um caminho único e determinado para a obtenção do lucro. Os fatores de produção, essenciais para o exercício da atividade de empresa, deverão ser exercidos de forma racional, sofrendo, inevitavelmente, influência de fatores externos, que interferirão na produtividade econômica da empresa. A propriedade intelectual ganha destaque no cenário empresarial como forma de auxiliar no desenvolvimento da atividade econômica. Porém, o uso incorreto e desleal deste bem imaterial pode implicar prejuízos econômicos significativos ao empresário, levando-o ao fracasso. Isso porque a propriedade intelectual, consistente no ato ou atividade criativa do ser humano, ao passo que oferece ao inventor o direito exclusivo sobre a coisa, caso utilizada de forma indevida poderá macular a imagem do empresário. Considera-se como propriedade intelectual, dentre outros objetos, o direito autoral, direitos conexos, marcas, patentes e o desenho industrial. Quando utilizadas adequadamente pelo empresário, os reflexos econômicos implicarão no desenvolvimento da atividade, com bons retornos lucrativos. As marcas, por exemplo, consideradas como sinais distintivos do empresário, são usadas com o fim de identificar o produto ou o serviço ofertado, sendo relevante para a sua individualização e distinção de outros empresários do mercado. Para a proteção e exclusividade da marca, deverá o empresário proceder com o seu registro perante o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), autarquia federal responsável pela gestão do sistema brasileiro de concessão e garantia de direitos de propriedade intelectual para a indústria. A relevância da marca para o cotidiano do empresário diz respeito à indicação de confiabilidade e credibilidade de seu produto ou serviço perante o mercado. Exatamente por essa razão é que deve o proprietário da marca zelar pela sua integridade material e moral, conservando a sua reputação.

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Samuel Hübler Advogado Associado ao escritório Medina & Guimarães Advogados

Qualquer fator negativo que recaia sobre o produto ou serviço do empresário poderá acarretar na desvalorização de sua marca, trazendo-lhe, por consequência, prejuízos de ordem econômica. Assim como as marcas, as patentes, sejam elas de invenção ou modelo de utilidade, também são consideradas como importante mecanismo para o desenvolvimento da atividade empresarial. As patentes, conforme descrito por Marlon Tomazette, “garante ao inventor o direito de utilização da invenção por um certo período de tempo”. Deste modo, as criações desenvolvidas pelo empresário permitir-lhe-á a utilização exclusiva da coisa por um determinado período, possibilitando a ele, portanto, o monopólio da utilização da invenção. Semelhantemente à marca, para a proteção e exclusividade das patentes em todo o território nacional é necessário que se proceda com o seu registro perante o INPI. Por evidente, essa exclusividade poderá implicar em vantagens econômicas ao empresário, uma vez que este terá a faculdade de ofertar sua criação ao mercado ou, então, negociar sua licença de uso.

[...] as marcas e patentes podem ser consideradas como relevantes fatores de produção no exercício da atividade de empresa. Quando utilizadas de forma correta e empreendedora, o retorno lucrativo será certo, oportunizando o crescimento do empresário.” Denota-se, assim, que as marcas e patentes podem ser consideradas como relevantes fatores de produção no exercício da atividade de empresa. Quando utilizadas de forma correta e empreendedora, o retorno lucrativo será certo, oportunizando o crescimento do empresário. Para a regular utilização destas propriedades intelectuais no cotidiano do empresário, recomenda-se que: a) se consultem bancos de dados de marcas a fim de evitar infrações aos direitos de titulares de marcas já registradas; b) se realize o depósito do pedido de patente da nova invenção para evitar que outros a explorem; c) não se divulguem antecipadamente informações estratégicas de eventos patenteáveis, sob o risco de se anular o critério de novidade; d) se protejam os segredos industriais por meio de contratos de confidencialidade; e) ao desenvolver projetos com outros parceiros comerciais, se especifique, nos termos de colaboração, a quem será conferida a titularidade dos direitos de propriedade industrial e como será efetuado o pagamento dos royalties; f ) se monitore o mercado, periodicamente, para verificar se os direitos de propriedade da empresa estão sendo respeitados por terceiros. A observação destas dicas auxiliará o empresário no desenvolvimento da atividade, proporcionando a utilização das marcas e patentes de forma legal, recebendo toda a proteção ofertada aos institutos. De grande relevância, assim, que estas espécies de propriedade intelectual façam parte do plano de negócios da empresa, possibilitando ao empresário um crescimento frente ao mercado.


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O alcance da Objeção ao Plano de Recuperação A análise de objeções ao plano de recuperação judicial pelo juízo mostra-se como importante mecanismo para se evitar a apresentação de planos ilegais Fernando Pompeu Luccas advogado

Dispõe a Lei 11.101/05 que, apresentado o plano de recuperação judicial, havendo objeção de qualquer credor, cumpre ao juiz convocar a assembleia geral de credores. Parte da doutrina entende que a objeção deve sempre ser fundamentada, cabendo ao juiz examiná-la quanto aos seus pressupostos/condições, podendo até adentrar superficialmente à análise de mérito, indeferindo seu processamento liminarmente em certos casos, conforme sua convicção. Parece-nos que essa corrente, ao admitir que o juiz faça a análise do conteúdo da objeção prevendo até que possa indeferi-la de plano, tem como objetivo evitar que credores apresentem objeções sem qualquer fundamento, com o simples intuito de apenas ensejar a instalação da assembleia. Trata-se de posicionamento válido; o desafio, no entanto, é conseguir identificar quando esta ou aquela objeção apresentada se mostra nesses moldes, posto que, ao credor, cabe o direito de contestar qualquer alteração de condições previamente acordadas que lhe traga prejuízo, não importa quão mínimo seja. Outra corrente segue linha diferente, defendendo que não cabe ao juiz qualquer análise do conteúdo da objeção, bastando apenas, caso apresentada, designar a assembleia de credores, que seria então o órgão competente para apreciar tais questões. Não se pode afastar por completo também tal entendimento, posto que extraído da leitura fria do caput do artigo 56 da lei. No entanto, parece-nos que analisar as “Objeções” apenas com esses dois focos, mostra-se muito superficial, perto do que efetivamente elas podem representar no processo. Existem outras análises mais profundas que podem ser trazidas ao juízo por via da peça de “Objeção ao Plano de Recuperação”; por conta disso, as objeções devem sim ser sempre apreciadas pelo juiz. Conclui-se dessa forma, principalmente, a partir dos planos de recuperação ilegais que vêm sendo seguidamente apresentados, ensejando, dia após dia, suas anulações, em âmbito de primeiro, segundo e grau superior; existiria melhor momento para se tratar do assunto do que na apresentação de

Fernando Pompeu Luccas Advogado em São Paulo, especialista em Direito Processual Civil pela PucCampinas, pós-graduando em Direito Empresarial pela Escola Paulista de Direito/ SP e em Recuperação de Empresas e Falências pela Fadisp/SP

Vemos que o grande problema atual, em relação às anulações de planos ilegais, é que elas se dão apenas após as assembleias de credores, que, muitas vezes, não se resumem somente a uma ou duas, mas a vários momentos/datas, por conta de suspensões, adiamentos etc.”

objeção ao plano? Vemos que o grande problema atual, em relação às anulações de planos ilegais, é que elas se dão apenas após as assembleias de credores, que, muitas vezes, não se resumem somente a uma ou duas, mas a vários momentos/datas, por conta de suspensões, adiamentos etc. É comum sim ver alguns credores apontarem as cláusulas ilegais logo nas objeções; no entanto, vemos que tais apontamentos são trazidos ainda de forma tímida, por um ou outro credor, sendo então, por consequência, ignorados no momento da objeção, fazendo com que passem a ser devidamente analisados somente nas assembleias, sentenças de concessão e em grau de recurso, o que culmina na demasiada demora na apreciação das ilegalidades do plano, que poderia ser feita antes, no momento das objeções. Essa, certamente, seria a melhor forma de se observar o Princípio da Economia e Celeridade Processual; é nesse momento processual que o credor tem totais condições de mostrar ao juízo todas as eventuais ilegalidades que o plano possui, cabendo ao magistrado também, nesse momento, analisá-las: concluindo o juiz que o plano teria aspectos ilegais, determinar-se-ia a apresentação de outro plano já naquele momento, sob pena de falência; ao passo que, concluindose não haver quaisquer ilegalidades, convocar-se-ia então a assembleia de credores. Portanto, mostra-se mesmo muito simples analisar as “Objeções ao Plano de Recuperação Judicial” apenas tomando por base as disposições do caput do artigo 56; o legislador, quando da elaboração de tal dispositivo, certamente não levou em conta o surgimento dos planos ilegais. Se o legislador há época tivesse previsto o que comumente se vê hoje em dia em vários planos de recuperação apresentados, certamente teria redigido melhor o referido artigo. Dessa forma, pode-se pensar numa alteração de tal dispositivo, para a inclusão literal da análise judicial da objeção, tanto para a hipótese de indeferimento liminar, quanto também para a hipótese de se determinar a apresentação de um novo plano, nos moldes legais, sob pena de convolação da recuperação judicial em falência. Analisando friamente a questão, pode-se entender, num primeiro momento, que não haveria a real necessidade de alteração do dispositivo, visto que, da apresentação de um plano ilegal, é cabível sua anulação até de ofício; no entanto, a inclusão das previsões supra-apontadas no caput do artigo 56 poderia eliminar eventuais discussões, bem como alterar o conceito desse momento processual tão importante nas Recuperações Judiciais, deixando de ser visto, ainda por muitos, como apenas um simples procedimento formal de ensejo da assembleia de credores, mas sim, passando a ser visto como um momento importante de discussão acerca da legalidade dos planos de recuperação, visando a celeridade e consequente eficácia do processo.


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O Abalo Moral da Pessoa Jurídica: A Evolução de uma Proteção Indispensável Os danos morais não podem ser limitados apenas às agressões do íntimo da pessoa física, devendo ser verificado, também, às situações de violação ao direito de personalidade da pessoa jurídica, de acordo com suas particularidades Nida Saleh Hatoum Advogada Associada ao escritório Medina & Guimarães Advogados. Pós-graduanda no curso de especialização de direito empresarial pela Universidade Estadual de Londrina.

Nida Saleh Hatoum advogada

Muito se discutiu, na doutrina e jurisprudência pátrias, a possibilidade da pessoa jurídica sofrer danos morais e, via de consequência, ser reparada pelos prejuízos deles advindos. Isso porque a figura do dano moral é intimamente ligada àquela suposta agressão desferida ao íntimo, aos sentimentos pessoais que foram, de alguma maneira, abalados. Tais sensações, por evidente, não seriam enfrentadas pela pessoa jurídica. Porém, o conceito de dano moral sofreu uma necessária evolução, absolutamente condizente com os ditames de um regime constitucional que busca a proteção dos direitos fundamentais, igualmente destinados às pessoas jurídicas. Assim analisado, o dano moral passou a abarcar as agressões destinadas a um bem ou atributo da personalidade que não se restringe apenas à personalidade da pessoa física, mas também à da pessoa jurídica. A possibilidade de se atribuir danos morais à pessoa jurídica é percebida em algumas passagens de nosso ordenamento jurídico. A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, inciso X, protege a honra das “pessoas”, não fazendo qualquer distinção entre as naturais e as jurídicas. A honra, protegida constitucionalmente, apresenta dois aspectos: objetivo e subjetivo. Este último, inerente exclusivamente às pessoas

naturais, diz respeito à violação do íntimo do sujeito, causadora de dor, sofrimento e angústia. A honra objetiva, por sua vez, diz respeito a um conceito social, que foge da esfera interna e pode ser identificada, também, na pessoa jurídica. É o caso, por exemplo, do nome, da propriedade industrial, da credibilidade e da reputação, atributos estes tranquilamente identificáveis na pessoa jurídica, e que necessariamente clamam por proteção. A distinção entre esses dois aspectos da honra mostra-se de grande relevância, sendo o tema, por diversas vezes, enfrentado pelos tribunais pátrios, inclusive pelo Superior Tribunal de Justiça. Parte da doutrina posicionou-se pela impossibilidade de se atribuir danos morais à pessoa jurídica, já que referido abalo estaria intimamente ligado à ideia de

A consolidação do entendimento de que a pessoa jurídica pode sofrer danos morais mostrou-se importante não apenas para pôr fim à discussão acerca da indigitada controvérsia, mas também para proteger seu direito de personalidade, solidificando-a como destinatária de muitos direitos fundamentais constitucionalmente previstos.” dor, sofrimento e angústia, fenômenos biológicos experimentados exclusivamente pelas pessoas naturais. Segundo seus defensores, a pessoa jurídica jamais seria vítima de abalo moral, uma vez que ela não possuiria capacidade afetiva ou receptividade sensorial, não apresentando sentimento de angústia ou sofrimento. Para esta corrente negativista, a pessoa jurídica não teria interesse de agir para pleitear o pagamento de uma indenização por abalo moral, já que, por se tratar de prejuízo supostamente psíquico, apenas estaria legitimada para tanto a pessoa física.

Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Maringá/PR. Pós-graduanda em Direito Empresarial pela Universidade Estadual de Londrina – UEL, em Londrina/PR, Brasil. Advogada CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil, 11. Ed. São Paulo: Atlas, 2014.


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Por seu turno, passou a predominar no âmbito jurídico posicionamento contrário, e muito mais coerente, pela plena possibilidade de se reconhecer o dano moral vivenciado pela pessoa jurídica, posição que foi corroborada inclusive pelo Superior Tribunal de Justiça. Para esta corrente positivista, a honra objetiva é inerente à pessoa jurídica e, uma vez violada, deve ser prontamente reparada. Como exemplo, pode-se analisar a situação do nome. A credibilidade do nome de uma pessoa jurídica é adquirida com o passar do tempo, ao custo de muito empenho, através de medidas positivas necessárias para a sua consolidação em um mercado cada vez mais competitivo. Um desconforto extraordinário causado ao nome da pessoa jurídica, seja por declarações inverídicas, seja visando a desconstrução desse “bom nome” no mercado, por evidente, é potencialmente capaz de atingir a honra objetiva da empresa, devendo haver o pronto ressarcimento pelos prejuízos sofridos. Nesse mesmo sentido, o Ministro Luis Felipe Salomão, por ocasião do julgamento do Recurso Especial n. 1022522/RS, assentou que “no tocante à pessoa jurídica, impende destacar a necessidade de que a violação ao seu direito personalíssimo esteja estreita e inexoravelmente ligada à sua honra objetiva, haja vista não ser ela dotada de elemento psíquico”. Com o fim de encerrar a controvérsia no âmbito jurídico, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula n. 227, reconhecendo a possibilidade de a pessoa jurídica sofrer danos também de ordem moral. A consolidação do entendimento de que a pessoa jurídica pode sofrer danos morais mostrouse importante não apenas para pôr fim à discussão acerca da indigitada controvérsia, mas também para proteger seu direito de personalidade, solidificando-a como destinatária de muitos direitos fundamentais constitucionalmente previstos. É indiscutível a indispensabilidade das pessoas jurídicas ao desenvolvimento econômico do país, conquanto se destacam como geradoras de riqueza, de empregos e pagadoras de tributos. As empresas, diante do relevante papel junto à sociedade, devem ser protegidas pelo sistema jurídico, evitando-se práticas abusivas que firam a sua boa imagem, o seu nome, a sua reputação, dentre outros elementos de sua honra objetiva. Os esforços para a construção de uma reputação e credibilidade perante o mercado não podem ser

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desconsiderados, sendo indiscutível, nos dias de hoje, a possibilidade de se assegurar às pessoas jurídicas uma proteção legal e constitucional nesse aspecto. É evidente que, ao sancionar pecuniariamente aquele que ofende a honra objetiva da pessoa jurídica, a intenção do julgador não é proteger o patrimônio material, mas sim o imaterial, consistente, por exemplo, na marca, no nome, na privacidade, na reputação, na imagem perante o mercado, nos segredos, na credibilidade de seus produtos/serviços e até na própria clientela, de modo que não resta razoável considerar que não pode a pessoa jurídica ser vítima de dano moral apenas sob o argumento de que esta não é dotada de elemento psíquico, ou seja, não é capaz de experimentar dor ou sofrimento, características inerentes às pessoas naturais. Diante das novas perspectivas que cercam o atual cenário socioeconômico brasileiro, a tutela do patrimônio imaterial da pessoa jurídica passa a ser não apenas adequada, mas imprescindível inclusive ao incentivo da manutenção da boa-fé nas relações negociais, da concorrência leal e do equilíbrio do mercado. Deste modo, os tribunais brasileiros tem papel fundamental, não devendo somente limitar-se à reparação dos danos morais sofridos pelas pessoas jurídicas, mas também incentivar uma atuação preventiva, tendente a desestimular a efetivação do dano, sancionando aqueles que se dispõem a fazê-lo.

Diante das novas perspectivas que cercam o atual cenário socioeconômico brasileiro, a tutela do patrimônio imaterial da pessoa jurídica passa a ser não apenas adequada, mas imprescindível inclusive ao incentivo da manutenção da boa-fé nas relações negociais, da concorrência leal e do equilíbrio do mercado.”

Apud STOCCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6ª edição revista, atualizada e ampliada. São Paulo; Revista dos Tribunais, 2004, p. 1733. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil - Responsabilidade Civil. 3. ed. São Paulo: Atlas 2003, p. 203.


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DIREITO PARA TODOS

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As Arenas Esportivas e o instituto do Naming Rights no Direito Brasileiro As modernas arenas esportivas brasileiras possibilitaram a realização de um novo negócio jurídico entre patrocinadores e clubes. Trata-se do chamado naming rights, em que uma marca adquire o direito de denominar o estádio, por um período de tempo, mediante pagamento de contraprestação pecuniária Luiz Fernando Serra Dias acadêmico de Direito

Marcos Piffer

acadêmico de Direito

O Brasil, neste ano de 2014, recebeu os holofotes do mundo todo ao sediar o Campeonato Mundial de Futebol, inaugurando estádios grandiosos em vários Estados da Federação.

Apesar das inúmeras críticas direcionadas aos gastos públicos com as referidas obras, inúmeros debates jurídicos surgiram em torno da imagem da Copa do Mundo Fifa 2014. Entre estes debates, tema que se destaca é o novo tipo de negócio circunscrito a venda dos direitos de nomes dos estádios construídos para a realização do evento. Isso porque, as arenas construídas no Brasil, bem como os Estádios que foram reformados, contam com o que há de mais moderno em infraestrutura, o que os levam ao patamar dos famosos estádios europeus, e não apenas à igualdade estrutural, mas, também, à utilização publicitária envolvendo estádios e arenas. Deste modo, na seara jurídica, desenvolvendo-se junto com os acontecimentos atuais, um novo instituto ganhou importância no direito brasileiro. Trata-se do chamado naming rights, ou direito de denominação. Em verdade, o instituto ainda não tem nome certo no Brasil, em razão, justamente, de sua pouca prática até então no país, razão pela qual os estudos sobre o tema se mostram em grande monta. O conceito de naming rights está mais consolidado


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na doutrina estrangeira em função da sua maior profusão. Ann Bartow define naming rights como “o direito de nomear uma parte de um bem, seja tangível ou um evento, usualmente concedido em troca de compensação financeira. Instituições como escolas, locais de culto e hospitais têm a tradição de conceder a doadores o direito de nomear instalações em troca de contribuições, seguindo a regra geral de que quanto maior a contribuição, maior a instalação a ser nomeada”. Naming rights, portanto, representa um negócio jurídico, pelo qual determinada empresa, que normalmente possui uma grande marca, adquire o direito de denominar determinado prédio ou evento, durante certo período de tempo, mediante pagamento de contraprestação. Nada mais é que o privilégio de associar o nome de um patrocinador a um evento, projeto, imóvel, incluindo o nome da marca no título do item que está sendo denominado. No Brasil, em que pese o instituto estar ganhando importância em razão dos contratos esportivos de naming rights envolvendo as arenas que sediaram os jogos da copa do mundo, a primeira prática foi fora do esporte, em 1999, com o Credicard Hall, em São Paulo. Já no cenário esportivo, o primeiro clube a adotar a referida prática foi o Atlético Paranaense que, em 2005, vendeu o direito de denominação de seu estádio, a Arena da Baixada, para a empresa japonesa Kyocera, batizando o estádio como Kyocera Arena. No cenário Mundial, dentre os mais famosos contratos de naming rights merece destaque o celebrado entre o Clube Inglês Arsenal FC e a empresa de aviação Emirates, dos Emirados Àrabes. O valor do contrato foi de 150 milhões de Libras, equivalente, à época, a 470 milhões de reais. Pelo contrato, o Arsenal FC cedeu o direito de a empresa Àrabe batizar o estádio como “Emirates Stadium” até 2028, além de patrocinar o Clube com o seu logotipo oficial estampado na camisa. Atualmente, com a grande visibilidade das arenas na Copa do Mundo no Brasil, juntamente com a necessidade dos clubes em angariar capital para a reforma ou construção de seus estádios, os contratos de naming rights vieram à tona no país, uma vez que muitos times já contam com a venda dos direitos de nome dos estádios para incrementar seu orçamento. O primeiro contrato envolvendo uma arena da Copa do Mundo foi firmado entre a Cervejaria Itaipava e o Estádio da Fonte Nova, em Salvador (BA). Referido Estádio levará o nome da empresa de bebidas durante 10 anos, pela quantia de R$ 10 milhões. Assim, a antiga Fonte Nova agora é chamada de Itaipava Arena Fonte Nova. Ainda, a Sociedade Esportiva Palmeiras, apesar de seu novo estádio não ter sido utilizado nos jogos do mundial da Fifa, fechou contrato com a empresa

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WTorre, construtora de sua nova arena, juntamente à Seguradora Allianz, por meio do qual o clube cedeu o direito de nome da arena até o ano de 2020, pela bagatela de R$ 300 milhões. Assim, o antigo estádio do Palmeiras, o Palestra Itália, também conhecido como Parque Antártica, agora será chamado de Allianz Parque. No entanto, é preciso ressaltar que a prática do naming rights ainda se depara com muitos entraves. Na teoria, seria apenas mais uma forma de publicidade ou patrocínio. Há alguns pontos, porém, que precisam ser levados em consideração para a análise da viabilidade e dos resultados efetivos no processo de vinculação da marca ao nome de um estádio. Por exemplo, em relação à Itaipava Arena Fonte Nova, apesar de a Arena ter sido utilizada no Mundial, o nome comercial do estádio não pode ser usado nas competições organizadas pela Fifa, devido a proibição de veiculação de quaisquer marcas de bebida (nos dias de jogos, anúncios, transmissão e entorno dos estádios) afora aquelas que, oficialmente, patrocinaram o evento. Ainda, em termos mais gerais, destaca-se o fato de que nem sempre o nome atribuído ao estádio, proveniente de um contrato de naming rights, será aquele adotado pelos torcedores. As emissoras de televisão exercerão, neste aspecto, grande influência para a difusão deste nome comercial contratado. Em razão disso, os clubes, além de negociarem com os patrocinadores, muitas vezes, negociam com as próprias emissoras de televisão, a fim de divulgar a sua marca, obtendo êxito na compra do nome de suas arenas. O Sport Clube Corinthians Paulista, por exemplo, tenta a venda dos direitos do uso de nome de sua Arena. No entanto, antes mesmo de fechar o contrato de naming rights, o clube já teve que negociar com as emissoras de televisão, a fim de que elas chamem o estádio de Arena Corinthians, e não Itaquerão, em referência ao bairro de Itaquera, local escolhido na cidade de São Paulo (SP) para a construção da arena do clube. Isso porque, caso o nome Itaquerão se consolide, será muito mais difícil o estádio ser chamado de outra forma pelos torcedores, o que, com certeza, desvalorizará o contrato de venda do direito de uso do nome da Arena Corinthians. O instituto do naming rights, portanto, suplanta uma interessante forma de exploração publicitária, tornando-se uma boa ferramenta para captação de recursos, tanto para as equipes de futebol proprietárias dos estádios, quanto para as empresas contratantes, que terão suas marcas amplamente divulgadas. O Mundial da Fifa serviu para aquecer essa prática, mas, com toda certeza, os contratos de naming rights não irão se restringir apenas ao âmbito esportivo, o que fará com que esse instituto ainda evolua muito no cenário jurídico brasileiro.

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Luiz Fernando Serra Dias, aluno do 5º ano de Direito da Universidade Estadual de Maringá

Marcos Piffer, aluno do 5º ano de Direito da Universidade Estadual de Maringá


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Entendendo melhor o marco civil da internet (Lei 12.965/2014) O aumento crescente da utilização da rede mundial de computadores, tanto para troca de informações, quanto para a realização de negócios jurídicos, fez com que o Poder Legislativo editasse norma tendente a regulamentar e proteger o uso da internet. Renata Paccola Mesquita advogada

Vinicius Secafen Mingati advogado

A Lei n. 12.965/2014, conhecida como “marco civil da internet”, entrou em vigor no final de junho deste ano, tendo por finalidade normatizar o uso da internet, estabelecendo princípios, garantias, direitos e deveres aos internautas e prestadores de serviços na web. Referida legislação, de caráter eminentemente civil, veio complementar outras duas inovações normativas do ano de 2012: A Lei Azeredo (n. 12.735/2012) e a Lei Carolina Dieckmann (n. 12.737/2012), que tipificaram criminalmente delitos informáticos. Importante destacar, ainda, no contexto de nascimento do marco civil da internet, as recentes denúncias de espionagem realizadas pela Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (NSA), com reflexos também no Brasil, e que justificaram a rápida aprovação do Projeto de Lei em questão. Nesse ambiente, o marco civil surge como mecanismo legal de normatização e regulação de importantes questões da internet, como o tráfego das informações e dos dados, a proteção dos registros pessoais dos usuários, a responsabilidade por danos causados na rede mundial de computadores, dentre outros pontos relevantes. Como marco regulatório das práticas ligadas à internet, o marco civil sustenta-se em três principais pilares, que afetarão diretamente usuários e empresas ligadas à web: neutralidade, privacidade e liberdade de expressão. A neutralidade, um dos destaques da Lei 12.965/2014, é também conhecida como princípio end-to-end. Trata-se de um conceito que prega, basicamente, a democracia no uso da internet, possibilitando o acesso igualitário a toda espécie de

Renata Paccola Mesquita, advogada no Paraná e em Brasília-DF, sócia do escritório Medina & Guimarães Advogados, professora de Direito Empresarial na PUC/PR, mestre em Direito pela PUC/ SP.

Vinícius Secafen Mingati, advogado no Paraná e em Brasília-DF, sócio do escritório Medina & Guimarães Advogados, professor de Direito Constitucional e Processual Civil na FAMMA, mestre em Direito pela UENP.

informação, sem que haja qualquer interferência de tráfego, resultante, por exemplo, de eventual acordo comercial. Atualmente, o acesso a um site que tenha algum acordo comercial com a empresa de telecomunicação que fornece o acesso à internet é muito mais rápido e eficiente. Diferentemente do acesso a conteúdos que não tenham essa “vantagem”. Com a fixação da regra da neutralidade, tal situação está proibida, não se podendo falar nesse tipo de discriminação. Embora ainda se permita a comercialização de pacotes de dados com velocidades diferentes, não se permitirá a criação de prioridades no acesso a determinados sites ou conteúdos. A privacidade, por sua vez, considerada princípio do Marco Civil da Internet (art. 3º da lei), é destacada como “condição para o pleno exercício do direito de acesso à internet”(conforme art. 8º da Lei 12.965/2014). Busca-se, através da lei, proteger os dados dos usuários, evitando-se, assim, o uso indiscriminado das informações repassadas por estes. As empresas que possuam site na internet não poderão, sem a anuência do internauta, divulgar seus dados pessoais e de navegação, refletindo, inclusive, no chamado marketing digital, que se vale de informações da web (acesso do usuário em determinados conteúdos) para ações publicitárias individualizadas. Pela nova legislação, as informações dos usuários, como nome, endereço, conta de e-mail, etc. (fornecidas voluntariamente, por exemplo, quando se abre uma conta no facebook), tratados pelo art. 15 da Lei 12.965/2014 como “registros de acesso”, deverão ser armazenadas pelo provedor de internet pelo prazo de seis meses, em ambiente controlado e seguro. O sigilo de tais informações somente poderá ser relativizado com a disponibilização dos registros ao requerente, mediante ordem judicial. Referido sigilo se estende, também, aos chamados “registros de conexão”, informações referentes ao horário em que determinado IP utilizou a rede, de grande importância para investigações de delitos informáticos. Aqui, o marco civil prevê a necessidade de arquivamento dos logs de conexão por um ano, possibilitando, igualmente, o acesso a esses dados somente com autorização da Justiça. Por sua vez, no que tange a liberdade de expressão, garante o art. 3º, I, da Lei 12.965/2014, a livre comunicação e manifestação de pensamento, nos termos da Constituição Federal. O marco civil da internet passa a proibir a retirada de conteúdos da rede mundial mediante simples notificação do provedor.


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Referido ponto reflete importante conquista contra a censura na internet, evitando que eventuais interesses políticos ou econômicos influenciem na retirada de determinada publicação na web, exigindo-se, para tanto, uma determinação judicial. Exceção a esta regra diz respeito aos vídeos com conteúdos pornográficos postados em razão de vingança. Tal prática, infelizmente, vem crescendo de forma expressiva nos dias de hoje, causando grande constrangimento aos envolvidos. Deste modo, quando diante de publicação de vídeo de nudez, sem a autorização dos participantes, poderão estes solicitar, mediante notificação direta ao provedor, a imediata indisponibilização do conteúdo. Evidentemente que as cautelas na postagem de conteúdos e no compartilhamento de informações pessoais na rede eletrônica devem ser mantidas, não se admitindo a divulgação de informações inverídicas, preconceituosas ou racista, sendo tais atos devidamente coibidos pelo sistema jurídico brasileiro. No que tange à segurança dos usuários da rede mundial de computadores, o marco civil não ficou silente. O aumento exponencial no uso da internet para a realização de transações comerciais, facilitando a vida do consumidor, e diminuindo as distâncias e o tempo de finalização da compra, foi levado em consideração para que a questão da segurança na rede fosse analisada. A Lei 12.965/2014, dentre outros pontos importantes, regula de maneira muita clara a proteção aos registros, dados pessoais e comunicações privadas realizadas na rede mundial de computadores. Dentre outros destaques, o marco civil da internet garante o sigilo do fluxo das comunicações realizadas na web, impedindo, inclusive, o fornecimento de dados pessoais informados na internet a terceiros. Tais garantias têm o intuito de ofertar mais segurança a todo aquele que se vale da rede mundial, seja realizando compras online, trocando e-mails ou conversando em

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um chat. Desta maneira, vê-se que a Lei 12.965/2014 tenta acomodar em seu bojo a defesa de importantes direitos fundamentais, como é o caso da liberdade de expressão e, ao mesmo tempo, as liberdades individuais (vida privada, intimidade, etc.). Por fim, o marco civil também institui importante mecanismo de regulação das companhias internacionais que oferecem serviços nas redes brasileiras, mesmo que não estejam instaladas no Brasil. A Lei 12.965/2014, em seu artigo 11, é expressa ao prever que empresas estrangeiras que disponibilizem serviços em redes brasileiras terão que seguir, obrigatoriamente, a legislação brasileira, em especial no que tange à coleta, guarda, armazenamento, tratamento de dados, respeito à privacidade, sigilo, etc. Era muito comum que companhias internacionais justificassem o não cumprimento à legislação brasileira pelo simples fato de não possuírem, fisicamente, bases no território nacional. Com a criação do marco civil, o simples fato dos dados terem sido coletados de computador localizado no Brasil, já obriga a empresa estrangeira a seguir a legislação brasileira. Tal normatização reflete claramente a proteção que o ordenamento jurídico brasileiro dá aos consumidores, que terão o seu acesso à justiça facilitado mesmo que se tenha do outro lado uma grande companhia internacional atuante nas redes brasileiras. Ainda é muito cedo para se chegarem a conclusões definitivas acerca do quão positivo é o marco civil da internet. O que se pode afirmar, com toda a certeza, é que o legislador brasileiro, em uma conduta daquelas que realmente se espera do Poder Legislativo, ingressou em terreno extremamente recheado de abusos e que efetivamente necessitava de regulamentação. Aguardemos de que maneira as inovações trazidas pela Lei 12.965/2014 serão absorvidas, e se os direitos por ela tutelados serão efetivamente garantidos. É o que se espera.

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[...] o marco civil surge como mecanismo legal de normatização e regulação de importantes questões da internet, como o tráfego das informações e dos dados, a proteção dos registros pessoais dos usuários, a responsabilidade por danos causados na rede mundial de computadores, dentre outros pontos relevantes.”

[...] a Lei 12.965/2014 tenta acomodar em seu bojo a defesa de importantes direitos fundamentais, como é o caso da liberdade de expressão e, ao mesmo tempo, as liberdades individuais (vida privada, intimidade, etc.).”


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CINEMA

O processo, de Orson Welles Gabriel Dominato advogado

Na epígrafe, o narrador nos lê um trecho da obra de Kafka, que conta a história de um homem, que ao procurar a porta da Lei, uma porta enorme, da qual uma luz imortal emana, e a qual possui um guarda que a vigia, o homem, depois de pedir para entrar, é deixado do lado de fora. Ele vende tudo que tem, na esperança de subornar o guarda para deixa-lo entrar, mas ainda assim o guarda não permite sua entrada. Passam-se anos, e o homem ainda esperando que a enorme porta se abra, mas isso nunca acontece. Perto da morte, o homem chama o guarda e pergunta “Todos os homens lutam pela lei, porque ninguém mais veio aqui além de mim?”, e o guarda responde “Ninguém mais além de você poderia entrar por essa porta. E agora, eu vou fechá-la”. É neste clima que se abre O Processo (The Trial, 1962. França/Alemanha/Itália), adaptação da obra do tcheco Franz Kafka. Orson Welles, diretor de longa trajetória, conhecido por clássicos como Cidadão Kane (1941) e Macbeth (1948), capta de forma exemplar o ar cinza, pesado, angustiante e aparentemente ilógico – a lógica do sonho, do pesadelo, como informa o narrador – mas que se revelará muito sensato em seu desfecho. A fotografia preto e branco, bastante opaca, expressa bem o clima de opressão que permeia as obras de Kafka, ela funciona também de maneira excelente em partes que beiram o surreal, onde Welles delineia o cotidiano do protagonista, Josef K. entre luzes e sombras muito tangíveis. É um universo escuro, que mesmo durante o dia parece isento de luz, e quando esta incide, é sempre artificial e fria. Nesta adaptação Welles narra a história de Josef K., alternando-se entre sua vida pacata, solitário em um conjunto de apartamentos, com sua rotina repetitiva e ininterrupta, como também o é sua rotina de homem burocrata no banco onde trabalha. A grande mudança na vida de K. ocorre quando, em uma manhã, dois agentes da polícia adentram seus aposentos, quando o protagonista

ainda dormia, e informam que ele está detido. Porém, não lhe informam pelo que é acusado, nem quem o acusa ou qual autoridade o processa. Acompanhamos K. cada vez mais entrando em contato com um sistema judiciário surreal, do qual não é capaz de entender os instrumentos e o funcionamento. A atmosfera trafega entre o real, que se revela na angústia e confusão representada por K., até o onírico, porque muitas vezes – e isto é comum a todas as obras de Kafka – parece estarmos dentro de um sonho, que possuí uma lógica singular, chegando a momentos surreais. Esse absurdo da obra kafkiana aqui conseguiu uma representação primorosa por Orson Welles que, apesar desta condição peculiar da obra do tcheco, dá ao filme uma lógica interna, semelhante ao livro, que transforma tudo em um absurdo muito sensato. O espectador que teve contato com a vida de Franz Kafka, saberá que Josef K. é mais uma persona do autor que uma invenção fictícia. Tal qual o personagem, Kafka foi burocrata, trabalhando para uma companhia de seguros, também advogado formado em Praga. Sua obra representava como poucas outras a alienação e angústia do homem do século XX e essa nova vida urbana, tecnológica, que vinha então se, que por vezes é tão absurda por suas contradições sociais quanto um livro do autor. Kafka sofria grande influência do pai, que em relacionamentos e no trabalho sempre o sufocava, de forma que se pode sentir a alienação do personagem quanto ao seu contexto e ao seu entorno, o homem daquela época se sentia como K., e Kafka também o sentia desta forma, o que leva, embora do grande teor de realismo mágico do filme, a gerar uma identificação imediata com Josef K. e seu estupor diante de sua inacreditável acusação. Além do contexto biográfico existente no filme, existe uma outra visão possível, que encontramos em Kafka enquanto advogado, homem em contato com a Justiça de seu tempo. Um homem que é procurado e processo pelo Estado, sem que este lhe informe qual ato ilícito

ou criminal fora consumado por este, logo, lhe tolhendo sumariamente todas as maneiras para se defender da acusação. Kafka apresenta uma Justiça que está além do homem, pairando sobre ele – lembrando-se da epígrafe do filme –, mas nunca no mesmo plano. Existe também a questão do julgamento paterno, que na vida e na obra de Kafka sempre foram soberanos, tal qual os julgadores de K. Dentro desta visão, tem-se uma reflexão dos problemas gerados também por uma Justiça desumanizada e altamente burocrática. Em dada cena a assistente do advogado comenta sobre um quadro, que é a representação de um magistrado: alto, forte, imponente e sentado em um trono. A assistente comenta que ele não era assim, mas assim quis ser retratado, era na verdade baixinho, “quase um anão”, em suas palavras. Essa crítica profunda de Kafka vai ecoar durante todo o filme, em várias alusões. Uma Justiça que acredita divina, em outro plano de existência, que não atende aos homens, motivo legítimo para o qual fora idealizada. De forma mais específica, podemos encontrar aí a catástrofe ocorrida quando não se respeita o contraditório e o devido processo legal: se tolhe do homem qualquer possibilidade de Justiça. Embora Kafka siga uma lógica muito particular, de fato, quando a Justiça não oferece os mecanismos para resolver os problemas daqueles que a ela se socorrem, coloca a realidade em momentos extremamente kafkaescos. Em certa passagem do livro, Kafka comenta sobre como é um prazer ir dormir e, ao acordar, encontrar tudo como estava na noite anterior, é uma sensação de estabilidade e segurança. Se um objeto se quer encontra-se em outro lugar, geraria incomodo e desassossego. Assim também parece a Justiça: a que julga K., tem vários elementos que deveriam permanecer iguais, mas que sofrem alterações, gerando um processo caótico e incapaz de promover qualquer justiça real. Porém, se a mobília da Justiça permanece intata, causa aquela sensação inigualável de se acordar no outro dia cedo com tudo em seu devido lugar.


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EVENTOS

PARA A EQUIPE MEDINA & GUIMARÃES, O ANO PASSOU CORRENDO...

A equipe estreou nas corridas de rua da cidade canção no dia 09.03.2014, na 6ª Corrida da Mulher Maringá Park. Participação animada!

Renata, Vinícius e Samuel marcaram presença na corrida noturna do dia 05.04.2014, correndo 5 km.

Seminário de Direito Bancário

No dia 01.06.2014, em clima de Copa do Mundo, foi a vez do casal Renata e Vinícius correrem os 10 km da Unimed Rumo ao Hexa!

No dia 13 de novembro de 2014 aconteceu o Seminário de Direito Bancário, na sede da IASP, na cidade de São Paulo, que contou com a presença de grandes estudiosos do direito bancário. O evento, patrocinado pelo escritório Medina & Guimarães, contou com a presença, dentre outros, do Professor Arnaldo Wald, debatendo sobre “temas atuais do Contencioso do Direito Bancário”.

Lançamento do Livro “O Papel da Jurisprudência no STJ”

Para fechar o ano, e provar a união dos corredores, o Medina & Guimarães participou com duas equipes da XI Maratona de Revezamento Vanderlei Cordeiro de Lima – Pare de Fumar Correndo.

Aconteceu, no dia 12 de novembro de 2014, no Espaço Cultural STJ, em Brasília, o lançamento da obra “O Papel da Jurisprudência no STJ”, coordenada por Isabel Gallotti, Bruno Dantas, Alexandre Freire, Fernando da Fonseca Gajardoni e José Miguel Garcia Medina, publicada pela Thomson Reuters, por meio de seu selo editorial Revista dos Tribunais. O livro apresenta estudos críticos acerca dos avanços e retrocessos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça em matéria processual, estudos estes de grande importância, especialmente quando crescem as expectativas para o Novo Código de Processo Civil.


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Lançamento de livro José Miguel Garcia Medina promove noite de autógrafos, juntamente com os professores Luiz Reges Prado e Erika Mendes Carvalho na livraria Espaço Cultura do Shopping Maringá Park. A equipe Medina & Guimarães Advogados prestigiou o evento.

V Congresso Nacional do Direito - CONADI A PUCPR - Campus Maringá promoveu no mês de agosto o V Congresso Nacional de Direito – CONADI, no Teatro Marista. O evento contou com os ilustres palestrantes Sérgio Cavalieri Filho, Bruno Albergaria e Willis Santiago Guerra Filho, além de proveitosas mesas de debate e apresentação de artigos científicos. A advogada sócia do Medina & Guimarães Advogados, Renata Paccola Mesquita, professora da casa, teve, ainda, a honra de entrevistar, para a revista Conexão Jurídica, o palestrante Sérgio Cavalieri Filho.

Ação social A equipe do Escritório Medina & Guimarães realizou, no dia 29 de novembro de 2014, ação social que beneficiou família residente no Conjunto Requião, na cidade de Maringá. As arrecadações vieram da própria equipe do escritório, e possibilitaram a entrega de alimentos, produtos de higiene pessoal e livros. A família do Sr. Manoel e da Sra. Antônia, que além do casal, conta com mais 13 netos, está inserida em um programa de reciclagem de garrafas plásticas, viabilizado pela empresa Nova Atitude Reciclagem. Referida empresa, que há 9 anos atua na cidade Maringá, produz vassouras de alta resistência, e que tem como matéria-prima de suas cerdas garrafas plásticas recicláveis. A coleta das garrafas, bem como a sua higienização e o confecção inicial do fio é realizada por famílias carentes e se estende a instituições prisionais e de reabilitações de dependentes químicos. A Nova Atitude Reciclagem fornece a essas pessoas as máquinas que permitem o corte das garrafas, e paga pelo produto deste trabalho.


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RECOMEN DA-SE

Programa de Direito do Consumidor A obra Programa de Direito do Consumidor, de autoria de Sérgio Cavalieri Filho, é fruto da prática forense do Autor no magistério e na magistratura, que lhe possibilitou a elaboração de uma literatura extremamente didática e abrangente.

Teoria Geral dos Recursos Nelson Nery Junior, autor da obra Teria Geral dos Recursos, hoje em sua 7ª edição, apresenta-nos um trabalho dogmático, a partir da análise dos princípios gerais dos recursos. Traz, ainda, recentes alterações verificadas em nossa legislação processual e jurisprudencial, invocando as principais inovações apresentadas pelo novo Código de Processo Civil.

O Papel da Jurisprudência no STJ Sob a coordenação de Isabel Gallotti, Bruno Dantas, Alexandre Freire, Fernando da Fonseca Gajardoni e José Miguel Garcia Medina, a editora Revista dos Tribunais lança obra “O Papel da Jurisprudência no STJ”. O livro apresenta estudos críticos acerca dos avanços e retrocessos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça em matéria processual, estudos estes de grande importância, especialmente quando crescem as expectativas para o Novo Código de Processo Civil.

Programa de Responsabilidade Civil Já em sua 11ª edição, Sergio Cavalieri Filho nos presenteia com a revisão e ampliação da obra Programa de Responsabilidade Civil, publicado pela editora Atlas. Obra extremamente especializada, abarca posicionamentos atuais sobre a responsabilidade civil, apresentando as principais discussões sobre o tema no cenário jurídico. O livro Programa de Responsabilidade Civil divide-se, basicamente, em três partes: Os primeiros capítulos destinamse ao estudo da teoria geral da responsabilidade civil; seguido pela análise da responsabilidade extracontratual objetiva; finalizando com o enfoque da responsabilidade contratual.

Histórias do Direito. Evolução das leis, fatos e pensamentos Para uma perfeita compreensão do Direito, imprescindível se faz o estudo da História, verificando a influência das sociedades antigas, das revoluções e das ciências exatas e filosóficas na construção do Direito. Bruno Albergaria faz essa associação com muita propriedade em sua obra Histórias do Direito: Evolução das leis, fatos e pensamentos, publicado pela editora Atlas. O Autor, em sua obra, apresenta um estudo do passado, com o fim de melhor compreender o presente, pensando em um futuro mais justo e promissor, sem repetir os erros passados.


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