UNIVERSIDADE VILA VELHA ARQUITETURA E URBANISMO
INGRID GABLER LARA
CASA DE HUMANIZAÇÃO E NATURALIZAÇÃO DO PARTO: A ARQUITETURA NO AMBIENTE DE NASCER.
VILA VELHA 2017
UNIVERSIDADE VILA VELHA ARQUITETURA E URBANISMO
INGRID GABLER LARA
CASA DE HUMANIZAÇÃO E NATURALIZAÇÃO DO PARTO: A ARQUITETURA NO AMBIENTE DE NASCER.
Trabalho apresentado à Universidade Vila Velha, como requisito para obtenção do título de bacharel em Arquitetura e Urbanismo, sob orientação da Profa. Dra. Larissa Letícia Andara Ramos.
VILA VELHA 2017
AGRADECIMENTOS
Agradeço especialmente aos meus Pais, Talmo e Vanda, e à todos os familiares, em vida e em memória, que contribuíram de alguma forma, principalmente com paciência e incentivo, para essa fase de superações. Ao meu namorado, Rafael, por ser apoio incondicional nas minhas decisões, colo nos momentos de angústia e companhia na alegria da conquista. Meu muito obrigada pela amizade, acima de tudo. Agradeço à minha orientadora Larissa e à Cynthia e Mônica, que aceitaram o convite para compor a banca avaliadora e dividir suas perspectivas. À ARCA Arquitetos, pela disponibilização do projeto do Centro de Parto Normal Marieta de Souza Pereira e cortesia ao retornarem minhas dúvidas. À todos, muito obrigada.
RESUMO O Brasil lidera o ranking de partos cirúrgicos em todo mundo, e esse índice de cesarianas alarmante, contra indicado pela Organização Mundial da Saúde, exige uma revisão no padrão de atendimento às gestantes e no acolhimento à família, de forma a incentivar o parto normal através da garantia de acesso da parturiente à informações concisas sobre os riscos e vantagens de cada procedimento e formas de parto e, acima de tudo, garantindo o seu protagonismo e atendimento humanizado e respeitoso, baseado nas evidencias cientificas. O presente trabalho tem por objetivo a proposta projetual à nível de estudo preliminar de uma Casa de Parto Normal no qual se apliquem as recomendações publicadas pelos órgãos de pesquisa responsáveis mundialmente. Pautada na bibliografia histórica, em artigos e publicações cientificas, complementado por estudos de casos de grande relevância à nível do desenvolvimento do atendimento no país e análises de campo, a metodologia de estudo resulta na proposição do Projeto Casa Viva, um Centro de Parto Normal humanitário e acolhedor, tendo como conceito o acolhimento da família oferecendo segurança, comodidade, intimidade e liberdade, concluindo-se que a Arquitetura deve ser grande aliada no desenvolvimento humanizado do ambiente, criando aspectos de conforto e recepção intimista que são atrativos ao parto normal junto ao preparo humanizado da equipe de acolhimento. Palavras-chave:
Parto.
Humanização.
Saúde.
Arquitetura
Humanizada.
ABSTRACT Brazil leads the ranking of surgical deliveries worldwide, and this alarming rate of cesarean section, as indicated by the World Health Organization, requires a revision in the pattern of care for pregnant women and in the family, in order to encourage normal delivery through The guarantee of parturient access to concise information about the risks and advantages of each procedure and forms of childbirth and, above all, guaranteeing their protagonism and humanized and respectful care, based on scientific evidence. The objective of the present work is the design proposal at the preliminary study level of a Normal Childbirth Center in which the recommendations published by the responsible research bodies are applied worldwide. Based on historical bibliography, articles and scientific publications, complemented by case studies of great relevance in the development of care in the country and field analysis, the methodology of study results in the proposal of the Casa Viva Project, a Center for Normal Childbirth And welcoming, with the concept of welcoming the family offering security, comfort, intimacy and freedom, concluding that Architecture should be a great ally in the humanized development of the environment, creating aspects of comfort and intimate reception that are attractive to normal childbirth with the Humanized preparation of the host team. Key words: Childbirth. Humanization. Health. Humanized Architecture.
ÍNDICE DE FIGURAS E TABELAS Figura 1. Ilustração do parto vertical orientado por mulheres. ........................................................................................................ 16 Figura 2. Posição de Litotomia. ...................................................................................................................................................... 18 Figura 3. Índice de Cesáreas por País............................................................................................................................................ 21 Figura 4. Planta de Referência de um Centro de Parto Normal. ..................................................................................................... 37 Figura 5. Exemplo de Quarto Pré Parto, Parto e Pós Parto............................................................................................................ 39 Figura 6. Centro de Parto Normal Marieta de Souza Pereira ..........................................................................................................45 Figura 7. Centro de Parto Normal Marieta de Souza Pereira ..........................................................................................................45 Figura 8. Centro de Parto Normal Marieta de Souza Pereira ..........................................................................................................45 Figura 9. Plantas Baixas do Centro de Parto Normal Marieta de Souza Pereira..............................................................................47 Figura 10. Cortes Esquemáticos do Centro de Parto Normal Marieta de Souza Pereira ................................................................49 Figura 11. Quarto PPP da Casa de Partos Alma Midwifery.............................................................................................................50 Figura 12. Quarto PPP da Casa de Partos Alma Midwifery.............................................................................................................50 Figura 13. Sala de Estar da Casa de Partos Alma Midwifery...........................................................................................................51 Figura 14. Cozinha da Casa de Partos Alma Midwifery...................................................................................................................51 Figura 15. Mapa de Localização da Cidade de Vila Velha e Indicação do Bairro Praia de Itaparica ..............................................54 Figura 16. Localização e Análise do Terreno Proposto ...................................................................................................................57 Figura 17. Perspectiva Geral do Projeto Casa Viva .........................................................................................................................61 Figura 18. Corte Esquemático .........................................................................................................................................................62 Figura 19. Implantação do Projeto Casa Viva ..................................................................................................................................63 Figura 20. Planta Baixa do Pavimento Térreo do Projeto Casa Viva ...............................................................................................64 Figura 21. Planta Baixa do Primeiro Pavimento do Projeto Casa Viva ............................................................................................65 Figura 22. Perspectiva do Acesso Principal .....................................................................................................................................66 Figura 23. Perspectiva da Recepção ...............................................................................................................................................66 Figura 24. Perspectiva da Vista a Partir da Porta de Entrada do Setor de Acolhimento Interno Após a Recepção ........................67 Figura 25. Perspectiva da Área Comum Central ..............................................................................................................................67 Figura 26. Perspectiva da Área Comum Central ..............................................................................................................................67 Figura 27. Perspectiva do Quarto PPP ............................................................................................................................................68 Figura 28. Perspectiva do Quarto PPP ............................................................................................................................................68 Figura 29. Perspectiva do Acesso do Segundo Pavimento .............................................................................................................69 Figura 30. Perspectiva da Recepção do Segundo Pavimento .........................................................................................................69
Figura 31. Perspectiva do Jardim Interno Central ............................................................................................................................71 Figura 32. Perspectiva do Jardim da Fachada Principal Norte ........................................................................................................72 Figura 33. Perspectiva do Jardim da Fachada Principal Norte ........................................................................................................72 Figura 34. Perspectiva do Jardim da Fachada Principal Norte ........................................................................................................72 Figura 35. Perspectiva do Jardim Interno Central ............................................................................................................................73 Figura 36. Perspectiva da Relação do Jardim com a Copa Comunitária e Área de Refeições .......................................................73 Figura 37. Planta do Paisagismo Externo ........................................................................................................................................74 Figura 38. Perspectiva do Paisagismo Externo ...............................................................................................................................75 Figura 39. Perspectiva do Paisagismo Externo ...............................................................................................................................75 Figura 40. Perspectiva do Paisagismo Externo ...............................................................................................................................75 Figura 41. Perspectiva do Paisagismo Externo ...............................................................................................................................75 Figura 42. Perspectiva do Paisagismo Externo ...............................................................................................................................76 Figura 43. Perspectiva do Paisagismo Externo ...............................................................................................................................76 Figura 44. Perspectiva do Paisagismo Externo ...............................................................................................................................77 Figura 45. Perspectivas Gerais ....................................................................................................................................................... 78 Figura 46. Perspectivas Gerais ....................................................................................................................................................... 78 Figura 47. Perspectivas Gerais ....................................................................................................................................................... 79
Tabela 1. Quadro de ambientes e áreas indicados pela Rede Cegonha. ....................................................................................... 38 Tabela 2. Renda Média do Bairros da Região I da Cidade de Vila Velha ...................................................................................... 55
SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................................................................ 9 1.1. OBJETIVO...................................................................................................................................................................................................................10 1.2. METODOLOGIA.........................................................................................................................................................................................................10 2 - A EVOLUÇÃO DOS ASPECTOS DO PARTO ........................................................................................................................................ 14 2.1. BREVE HISTÓRICO DA HOSPITALIZAÇÃO DO PARTO. ................................................................................................................................15 2.2. O CONTEXTO ATUAL DO ATENDIMENTO AO PARTO. ..................................................................................................................................18 2.3. OS TIPOS DE PARTO ..............................................................................................................................................................................................22 3. PROGRAMAS DE INCENTIVO AO PARTO HUMANIZADO ................................................................................................................... 25 3.1. PROJETO MATERNIDADE SEGURA ...................................................................................................................................................................26 3.2. PROGRAMA DE HUMANIZAÇÃO NO PRÉ NATAL E NASCIMENTO ............................................................................................................27 3.3. PROGRAMA PARTO, ABORTO E PUERPÉRIO: ASSISTÊNCIA HUMANIZADA À MULHER. ..................................................................28 4 - CASA DE PARTO: A HUMANIZAÇÃO DO ESPAÇO ............................................................................................................................. 33 4.1. NORMATIZAÇÃO DA CASA DE PARTO ..............................................................................................................................................................33 4.1.1. CENTRO DE PARTO NORMAL-CPN. MINISTÉRIO DA SAÚDE - SUS. .................................................................................................34 4.2. CARACTERIZAÇÃO DO ESPAÇO DA CASA DE PARTO.................................................................................................................................38 5 - ESTUDOS DE CASO .............................................................................................................................................................................. 42 5.1. A CASA DE PARTO NO BRASIL ............................................................................................................................................................................43 5.1.1. Centro de Parto Normal Marieta de Souza Pereira.......................................................................................................................................44 5.2. CASA DE PARTO ALMA MIDWIFERY, ESTADOS UNIDOS. ...........................................................................................................................50 6.0. CONTEXTUALIZAÇÃO E DIAGNÓSTICO DO TERRENO PROPOSTO .............................................................................................. 53
6.2. CONTEXTUALIZAÇÃO SOCIOECONÔMICA E URBANA ................................................................................................................................ 54 6.3. DIAGNÓSTICO DO ENTORNO .............................................................................................................................................................................. 56 7.0. O PROJETO CASA VIVA...................................................................................................................................................................... 59 7.1. IMPLANTAÇÃO ......................................................................................................................................................................................................... 60 7.2. SETOR DE RECEPÇÃO .......................................................................................................................................................................................... 66 7.3. SETOR DE ACOLHIMENTO ................................................................................................................................................................................... 67 7.4. SETOR ADMINISTRATIVO E SALÃO DE ATIVIDADES.................................................................................................................................... 69 7.5. SETOR DE APOIO E TÉCNICO ............................................................................................................................................................................. 70 7.6. PAISAGISMO ............................................................................................................................................................................................................. 70 8.0. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................................................................................... 81 ANEXO 1 ...................................................................................................................................................................................................... 83 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ............................................................................................................................................................ 86
8
9
1. INTRODUÇÃO
A humanização dos ambientes em projetos arquitetônicos, seja para qualquer finalidade, deixou de ser facultativa e complementar, para se tornar parte integrante e essencial para o bom resultado de um projeto arquitetônico, garantindo saúde, bem estar e apropriação pelo usuário. Esse pré requisito
torna-se
ainda
mais
fundamental
quando
a
arquitetura visa o atendimento em momentos delicados como em atendimentos voltados à saúde. No atendimento à gestante, a humanização vem agregada ao novo conceito de naturalização do parto, que traz o protagonismo da mulher como prioridade. Esse novo conceito tem suas diretrizes associadas à reestruturação do ambiente físico e da equipe de profissionais, que recebe preparação para o atendimento humanizado à família. A partir desses princípios, surge um novo espaço: a Casa de Parto. Esse espaço, também chamado de Centro de Parto Normal, apresenta o conceito de ambientes que remetem as características de uma casa e recebe a família de forma
10
acolhedora com um projeto simples pensado para a
espaço arquitetônico planejado, um modelo que se torne uma
individualidade de cada família.
forte ferramenta na campanha a favor da humanização do
Apesar de no Brasil o trabalho de parto ainda ser, em sua maioria, tratado como uma intervenção cirúrgica, os projetos de conscientização e humanização do parto vêm, junto aos fundamentos científicos médicos, abordando um novo ponto de vista onde é valorizado o bem estar e os direitos da parturiente. Tal estratégia visa
simplificar o processo e
retornar o momento mais próximo possível ao natural, tendo o respeito
como
acompanhamento
a
base de
de
toda
profissionais
decisão,
além
humanizados
do
como
principal caminho para a conquista do sucesso no processo do nascimento. 1.1. OBJETIVO
atendimento ao parto onde, unindo-se aos programas informativos, possa se desenvolver as atividades necessárias com qualidade suficiente para que se torne atrativo na busca pela inversão das altas taxas de cesáreas no país, retomando assim a melhoria no atendimento à mulher e devolvendo à ela o papel mais importante no processo do parto.
1.2. METODOLOGIA
O método de estudo é baseado em bibliografias que tratem da saúde da mulher, dos programas governamentais de incentivo e normatização da casa de parto e dos aspectos arquitetônicos que passam a ser fundamentais para o desenvolvimento do projeto humanizado. Também foram
A partir dessa visão de avaliação histórica e social, o presente
analisados estudos de casos que agregam valores ao projeto
estudo tem por objetivo desenvolver um projeto arquitetônico
a ser desenvolvido e entrevistas publicadas por usuários e
à nível de estudo preliminar que propõe a implantação de
profissionais envolvidos no atendimento ao processo do parto
uma Casa de Parto de atendimento público a partir dos
humanizado, como médicos, enfermeiros obstetras e doulas.
programas de incentivo e parceria oferecidos pelo Ministério
Análises de campo foram fundamentais na proposição do
da Saúde Brasileiro. A proposta busca oferecer, através do
11
terreno para implantação do produto, unindo observações
estudos e indicações desenvolvidos e publicados pela
presenciais à legislação municipal e publicações censitárias.
Organização Mundial da Saúde.
1.3. ORGANIZAÇÃO
Capítulo III O terceiro capítulo apresenta os programas de incentivo ao
Capítulo I
parto natural desenvolvidos no país pelo Ministério da Saúde
O trabalho inicia-se com a introdução e contextualização do
e no mundo pela Organização Mundial da Saúde. Os
assunto, indicando o objetivo do estudo e a metodologia
programas de incentivo trazem avaliações dos métodos
adotada para alcança-lo.
praticados no mundo e, a partir das conclusões de estudos científicos, publicam as principais diretrizes no atendimento à
Capítulo II
mulher em forma de indicações e contra indicações dos
O segundo capítulo aborda os principais fatos que definiram a
procedimentos aplicados.
evolução dos aspectos do parto desde as primeiras intervenções no modelo natural inicial até o contexto atual,
Capítulo IV
fazendo uma análise social e discutindo as causas e
O quarto capítulo apresenta a estruturação da Casa de Parto,
consequências da hospitalização do parto. Esse capítulo
a legislação que vigora sua instalação e funcionamento. No
apresenta
principais
Brasil, o espaço é denominado Centro de Parto Normal e
métodos adotados hoje como rotina, comparando-os às
normatizado por uma portaria federal, sendo complementado
características do parto natural antes das intervenções
por programas que apresentam indicações para o projeto dos
médicas. Discute-se as condições atuais das taxas de
ambientes e para os métodos de atendimento à gestante e ao
cesárea nos demais países e no Brasil, em contra ponto dos
bebê.
constatações
científicas
sobre
os
12
Capítulo V
ventilação natural, fluxo de veículos das vias e condições de
O quinto capítulo exemplifica os modelos de Casas de Parto
infra estrutura urbana para a decisão de implantação da Casa
construídos no país e no mundo, apresentando os principais
de Parto.
ambientes que proporcionam o atendimento humanizado e individualizado
à
família
e
as
variações
de
suas
Capítulo VII
apresentações em casa instituição. As análises visam avaliar
O sétimo capítulo propõe o projeto Casa Viva, resultado de
os aspectos primordiais do projeto arquitetônico quanto à
toda pesquisa e análise apresentada. É composta por um
setorização e circulação entre ambientes e à qualidade dos
memorial que discursa sobre as decisões projetuais, setores,
espaços, mobiliário e conforto oferecido a partir dos ideais de
fluxos, funcionamento e finalidade do projeto, apresentando
atendimento humanizado estabelecidos. A partir das análises
seu conceito e de que forma ele será aplicado para alcançar a
é
contribuição na melhoria da qualidade do atendimento às
feita
a
conclusão
final
sobre
a
importância
do
desenvolvimento do projeto arquitetônico aplicado à Casa de
famílias e respeito à mulher.
Parto e apresentada as principais diretrizes que serão assumidas para o desenvolvimento da proposta projetual.
O trabalho se encerra comentando as considerações finais
Capítulo VI O sexto capítulo faz uma avaliação socioeconômica e urbana do terreno proposto para o projeto e seu entorno, com intuito de
avaliar
Capítulo VIII
potencialidades
e
dificuldades
a
serem
consideradas para obter o melhor resultado do produto baseado em análises ambientais e condicionantes projetuais. Serão considerados a localização, incidência de insolação e
sobre a pesquisa e os resultados obtidos, avaliando o que se conclui a partir dos temas discursados e relacionando-os ao produto final.
13
14
15
2 - A EVOLUÇÃO DOS ASPECTOS DO PARTO
2.1. BREVE HISTÓRICO DA HOSPITALIZAÇÃO DO PARTO. A história do nascimento parte do princípio de que o corpo da mulher detém uma determinação biológica de natureza feminina que define a capacidade de gestar, parir e amamentar independentemente do desenvolvimento médico cientifico. Partindo do pressuposto de situação de saúde e desenvolvimento físico pleno, a autonomia feminina no processo de parir tem sua existência desde os primórdios do desenvolvimento biológico da necessidade de reprodução e até então tem sucesso em sua finalidade, independentemente da intervenção tecnológica, tendo como principal prova a perpetuação da espécie humana (VIEIRA, 1999). Todos os assuntos que envolvem o parto foram, por um longo período, tradição e responsabilidade feminina, tanto ao que se diz do papel da parturiente como protagonista quanto ao importante papel das parteiras no auxilio ao processo do parto e à adaptação do recém nato (Figura 01). Porém, a partir do séc. XVI, o acompanhamento do parto passa a sofrer
16
interferências
de
origem
política
e
social,
sendo
Figura 1. Ilustração do parto vertical orientado por mulheres.
regulamentado pelo governo e pela igreja no Renascimento. Neste período a história passou por episódios de perseguição à identidade feminina, onde grupos eram definidos como feiticeiras, entre elas curandeiras e parteiras, caracterizando o propósito do Estado e Igreja de gerar a exclusão feminina da classe
médica,
que mais tarde foi evidenciada
exclusividade
masculina
universidades
e
à
no
direito
especialização
de médica,
acesso
pela às
sobretudo
obstétrica (VIEIRA, 1999). Nesse momento tem-se início o histórico da violência contra a mulher que caracteriza, de diversas formas, a pratica médica intervencionista ao corpo feminino, inclusive em relação ao parto. Fonte: wellroundedmama.blogspot.com
A partir dos processos de reforma e controle que discutiam a responsabilidade profissional no processo do parto, iniciou-se a hospitalização do momento que antes era tratado como sequencia natural humana e que a partir de então torna-se um
evento
médico
controlado.
Com
essas
novas
características, o parto passa a ser visto da mesma forma que o tratamento de enfermos, trazendo tal decisão inúmeros malefícios quanto à qualidade do atendimento e à segurança
17
Em 1809, ano seguinte à formação dos cursos médicos, as artes obstétricas começam a ser ministradas na Escola do Rio de Janeiro como conhecimento pertinente à cadeira de cirurgia.[...] Ressalta-se que o estudo das artes obstétricas permaneceu por décadas como um estudo teórico, em que se utilizavam bonecos para simulação de situações práticas. (VIEIRA, 1999, p.72).
da saúde da mãe e do bebê, já que às más condições de higiene da época foram somadas as contaminações geradas pelas mãos dos médicos, que, já caracterizadas pelo trabalho com defuntos e doentes, disseminavam a contaminação ao lidar com as parturientes até então saudáveis. Tal fato causou o aumento repentino da mortandade materno-puerperal e só então houve o desenvolvimento dos estudos de bacteriologia e a evolução dos ambientes hospitalares, que possibilitaram a
A partir de 1889, no Brasil, as mulheres conquistam o direito
queda nas taxas de mortalidade e finalmente viu-se retorno
de acesso às escolas de medicina, e voltam a partejar com o
positivo da medicina à saúde da mulher (LIMA, 1996).
título de médicas, porém com o pensamento intervencionista
No Brasil, de acordo com VIEIRA (1999), até o séc. XIX, a assistência ao parto era de responsabilidade das parteiras e poucas
mulheres
procuravam
os
médicos
para
o
acompanhamento, sendo em casos de complicação ou por
já instaurado, oficializando a hospitalização do parto e desviando o controle, antes dominado pela parturiente, para dar destaque, poder e protagonismo aos médicos (VIEIRA, 1999).
ostentação social. No país, a evolução do estudo médico foi
Como consequência da hospitalização do parto e da retirada
lenta e o ensino da obstetrícia enfrentou dificuldades, como a
do controle da mulher, novas condutas foram implantadas
rejeição das mulheres ao uso do hospital, que inicialmente era
sempre em beneficio do médico, visando seu maior conforto e
voltado para o atendimento de enfermos e da classe mais
controle do evento. Dessa forma, a maioria das novas
pobre, quanto em relação à exposição do corpo ao olhar
técnicas não beneficiava a parturiente. A primeira grande
masculino.
imposição foi a horizontalização do parto e a implementação
18
da posição de litotomia (Figura 02), onde a parturiente
expulsão do feto, já que a posição se opõe à força
encontra-se deitada com o dorso voltado para a cama.
gravitacional que auxilia o movimento natural do corpo no trabalho de expelir. Sendo menor o auxílio das forças naturais, maior o consumo de energia (COELHO, 2003).
Figura 2. Posição de Litotomia. Em sua tese, Coelho (2003, p.12) cita SABATINO (1996):
A partir da década de 1950, nos Estados Unidos, começam a surgir trabalhos que chamam atenção para os prejuízos maternos e fetais ocasionados pela posição horizontal no momento do parto. Estes estudos chegam a conclusão de que esta posição aumenta consideravelmente o esforço materno durante o período expulsivo, sendo mais prejudicial à parturiente.
Fonte: www.auladeanatomia.com
2.2. O CONTEXTO ATUAL DO ATENDIMENTO AO PARTO. Essa posição propiciou melhor visão ao médico, que permanecia em postura confortável ao trabalho, porém deu
Além da horizontalização do parto e seus malefícios, outras
início a uma série de alterações negativas ao fluxo natural do
condutas médicas negativas foram sendo implementadas e
parto, indo de encontro às características fisiológicas originais
permanecem atualmente. A maioria das práticas foram
do corpo feminino, prejudicando o andamento do parto e a
criadas nos séculos passados e
mantidas até
hoje,
19
apresentando uso deliberado, sem avaliação de necessidade
hospitalização
e
significativamente o uso desses métodos (COELHO, 2003).
nunca
receberam
embasamento
cientifico
que
comprovassem sua eficácia, e no caso de algumas manobras, acorre o inverso, tendo sido comprovados os malefícios para mãe e criança, podendo se estender para anos futuros. Esse é o caso da episiotomia, que é uma manobra cirúrgica onde faz-se uma incisão na região da vagina no momento da expulsão do feto. Essa técnica foi criada no séc. XVIII pelo médico irlandês Felding Ould, e é utilizada ainda hoje com a sugestão de que o procedimento poderia evitar a laceração do tecido muscular (LÔBO, 2010). Porém, a própria definição faz-se contraditória ao indicar a criação de uma laceração para evitar outra possível laceração futura. A episiotomia tornou-se procedimento deliberado, caracterizando violência obstétrica ao ser praticado sem a autorização da parturiente, e foi condenado pela Organização Mundial da Saúde. A discussão sobre essas intervenções médicas negativas é importante para o entendimento do processo evolutivo do parto e para a justificativa da implementação de novos métodos e ambientes para a humanização do atendimento, já que as intervenções inapropriadas tem relação direta com a
do
parto,
condição
que
aumenta
A hospitalização mal empregada gera diversos tipos de violência contra a mulher e muitas passam despercebidas, sendo ocultadas pela sensação de conformação que foi imposta a partir do momento que teve retirado seu papel de controle. Imposições agressivas rotineiras como impedir o direito
da
gestante
à
um
acompanhante,
limitar
a
movimentação, impedir que a gestante coma, beba ou expresse a dor, assim como imobilizar ou impedir a livre escolha da melhor posição a partir do conforto da parturiente e não da equipe. Além dessas imposições físicas, vê-se como violência o ataque verbal e humilhação de qualquer natureza, onde se tira a autoconfiança da mulher e prejudica-se o melhor resultado do processo do parto e recuperação. Somase
às
condutas
inadequadas
o
uso
deliberado
de
medicamentos e a indução do parto como rotina que, por acelerar o processo de expulsão, aumenta a chance de laceração do períneo (COELHO, 2003). O principal resultado de todo esse processo de medicalização e hospitalização do parto é o uso excessivo de intervenções
20
cirúrgicas e a deliberação da cesárea como ato rotineiro em
A Organização Mundial da Saúde determina desde 1985 a
uma decisão irresponsável que é tomada ignorando as
taxa recomendável de cesáreas entre 10% e 15% e declara
indicações científicas que alertam para as consequências
que não existe associação com redução da mortalidade
negativas do ato cirúrgico. Então, o parto torna-se na quase
materna e neonatal em taxas maiores que 10%. Além da
totalidade dos casos em um evento de procedimento
recomendação, a OMS alerta para o aumento considerável
cirúrgico, sendo visto como um processo de alto risco, e não
dos riscos causados pela cirurgia, onde os estudos
mais como um evento biologicamente natural. A epidemia de
comprovam aumento do risco de morte materna em até três
cirurgias cesáreas, consideradas assim pela Organização
vezes se comparado ao parto normal, assim como maior
Mundial da Saúde, apesar de ocorrer em diversos países, tem
incidência de infecção puerperal e necessidade de internação
destaque no
dos maiores
em Unidades de Terapia Intensiva devido à imposição ao
percentuais do mundo de intervenções cirúrgicas no parto
parto prematuro causado pela cesárea. Os danos causados
(Figura 03). As taxas chegam a 55% de cesáreas no país
são também considerados à longo prazo, onde a cicatriz
(EXAME, 2016). De acordo com divulgação recente (2016) do
uterina aumenta os riscos relacionados à diminuição da
Mapa
fertilidade e aumento das chances de ocorrer aborto e
Brasil, que
Assistencial
pela
apresenta
Agencia
um
Nacional
de
Saúde
Suplementar, os dados pioram se avaliados os partos apenas no setor privado de saúde, onde o resultado mostra que no Brasil são feitas três vezes mais cesarianas se comparado à média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. O estudo conclui que entre os anos de 2014 e 2015 com 1,1 milhão de partos registrados pelos
planos
de
saúde,
(BRASILEIROS, 2016).
85,1%
foram
por
cesárea
disfunções do órgão durante a gestação (OMS, 2015).
21
Figura 3. Índice de Cesáreas por País.
momento ideal apenas definido pela natureza de acordo com a maturidade do feto, realizando assim cesarianas eletivas que impõem o parto prematuro. O índice se relaciona também com as razões culturais impostas pela comunidade médica, que classifica a cesariana como "uma forma de parto mais moderna e higiênica, enquanto o parto normal é feio, primitivo e sujo" (SIMONE DINIZ, apud BBC BRASIL, 2015). Em entrevista à revista Brasileiros em 2016, a coordenadora geral da pesquisa Nascer no Brasil desenvolvida pela Fiocruz, Maria do Carmo Leal, comenta os resultados da seguinte forma:
Fonte: BBC Brasil.
O alto índice de cesáreas no Brasil tem relação direta com a falta de informação oferecida às gestante, que são encobertas pela indústria médica e o resultado lucrativo da criação de uma linha de produção em que se transformou o processo do parto. Neste cenário, um médico pode realizar vários partos em um mesmo dia, além de evitar ser surpreendido pelo
Um prejuízo que a criança pode ter é ela nascer antes do tempo que estaria pronta para nascer e, portanto, pode ter dificuldade para respirar, pode precisar ir para uma UTI [Unidade de Tratamento Intensivo] neonatal, e isso é um imenso prejuízo no começo da vida, essa separação da mãe. Para a mãe, o primeiro risco é que a cesárea é uma cirurgia, e como tal tem maior chance de hemorragia, de infecção, e também a recuperação da mulher é pior na cesárea do que no parto vaginal.[...] Tem uma cultura na sociedade, muitas mulheres hoje realmente já acham que a cesárea é uma boa forma de ter parto. E para os médicos também, é conveniente para eles que a cesárea aconteça porque organiza a vida deles, marca uma atrás da outra e não fica à disposição do tempo que
22
você não controla, que é o tempo de nascimento de cada criança. É verdade que médicos podem induzir a mulher a fazer a cesárea, mas o sistema está todo organizado de uma forma a promover isso.
oferecendo livre circulação, alimentação, expressão e eleição do posicionamento mais confortável para a gestante. Esses aspectos definem um parto mais eficiente e seguro, já que descarta intervenções agressivas que geram transtornos físicos e psicológicos que agridem o poder de escolha da mãe e
2.3. OS TIPOS DE PARTO
geram
sequelas
(CALVETTE,
2015).
No
parto
acompanhado por profissionais, são incentivados métodos naturais de controle da dor, como uso da água, de
Com o decorrer da evolução médica e tecnológica, surgiram
massagens, atividades físicas e de relaxamento e apoio moral
três classificações para o tipo de cada parto. Estes podem ser
da equipe que é preparada para receber a gestante da forma
classificados como Parto Natural, Parto Normal e Parto
mais humanizada possível. O Parto Natural também garante o
Cesárea. Estes dois últimos métodos foram criados a partir da
contato imediato pele a pele entre mãe e filho, retardando o
hospitalização do processo, onde as intervenções médicas
corte do cordão umbilical, garantindo o andamento natural
passaram a alterar o processo natural de nascer.
completo do parto e a nutrição do bebê.
O Parto Natural é o parto sem intervenções, que acontece
O Parto Normal é considerado o parto por meio vaginal,
comandado pela mulher e pela sua capacidade natural de
porém com características intervencionistas da prática
gestar e parir. A parturiente possui controle total do processo
médica, onde o processo é comandado pelo médico e são
e compreende suas necessidades e o tempo de duração da
aplicadas técnicas invasivas como uso de hormônios
gestação e do parto respeitam a necessidade
e o
sintéticos, analgésicos e anestesias, procedimentos cirúrgicos
desenvolvimento do bebê. Em todo o processo do parto é
locais, lavagem intestinal e raspagem dos pelos pubianos,
garantido o respeito à mulher e ao seu direito de escolha,
além da imposição do parto horizontal, limitação de
23
movimento e posicionamento, imposição de jejum, proibição da presença de acompanhante e outras imposições rotineiras que desrespeitam o corpo da mulher e seu poder de escolha (CALVETTE, 2015). O corte do cordão umbilical é imediato, impedindo o fluxo de nutrientes ao bebê e o contato direto entre mãe e bebê é tardio, sendo criança também submetida à práticas agressivas como aspiração, aplicação de colírio de nitrato de prata e o próprio ato de impedir o acalento materno ao recém nascido que se adapta ao novo ambiente extra uterino. O Parto Cesárea acontece via procedimento cirúrgico, onde é feito um corte no abdômen seguido de um corte no útero para retirar o bebê. A intervenção cirúrgica implica em riscos por administração de anestesia, possível infecção, necessidade de sutura, risco de hemorragia e longo processo de recuperação (PINHEIRO, 2015). Esses riscos devem ser compensados pela existência de um risco maior proveniente de doença ou condição adversa que impeça o parto vaginal.
24
25
3. PROGRAMAS DE INCENTIVO AO PARTO HUMANIZADO
O trabalho de parto é um momento culminante de um processo que se inicia no começo da gestação e passa por várias
etapas
que
devem
ser
acompanhadas
por
profissionais. O decorrer desse acompanhamento durante a gestação é fundamental para as condições físicas e psicológicas no trabalho de parto. O equilíbrio dessas condições, por sua vez, são essenciais para o resultado positivo do processo. Isso significa que ao investir na atenção à gestação ganha-se fatores aliados à humanização do parto. A humanização, portanto, deve existir em todo o ciclo de atendimento, do pré natal ao pós parto. O Ministério da Saúde (2002) através dos programas de políticas da saúde estipula que a humanização do nascimento inclui ações desde o pré natal e que esse acompanhamento deve oferecer atendimento que busque evitar quaisquer condutas agressivas que não condizem com a política de humanização e possam interferir no bem estar e respeito ao bebê, assim como as unidades de atendimento devem
26
apresentar-se de forma suave em todos os procedimentos,
3.1. PROJETO MATERNIDADE SEGURA
respeitando a relação humana com a família e o bebê. Essas decisões restituem o parto como um momento de alegria e bem estar, afastando a interpretação do parto como doença, instituindo o trato humano com delicadeza e oferecendo incentivo, conforto e segurança.
O Projeto Maternidade Segura foi criado em 1987 tornando-se um programa de esforço conjunto objetivando reduzir as taxas de mortalidade materna e puerperal no mundo, envolvendo grandes instituições como a Organização Mundial da Saúde e
(ANS)
o Fundo das Nações Unidas para Infância. Além da
implementou em 2015 as novas regras estabelecidas para
preocupação com as taxas de mortalidade, o projeto discute
estimular a realização do parto normal, principalmente na
questões relacionadas à humanização da assistência ao parto
rede privada, onde se encontram as taxas mais alarmantes de
e resulta em um programa elementar assistencial que
frequência de cesáreas e alertar para os riscos da intervenção
classifica as instituições de atendimento ao parto de acordo
cirúrgica no parto. As novas recomendações da ANS estipula
com
a necessidade de um termo de consentimento que discrimine
estipulados
os perigos da realização da cirurgia, que deve ser assinado
concedendo ou não o título de Maternidade Segura. A maioria
pela gestante para que os planos de saúde possam cobrir os
dos países filiados à Organização Mundial da Saúde tem
custos aliados. A nova medida visa aumentar a participação
participado ativamente do programa, inclusive o Brasil.
dos médicos no ato de oferecer informações à família sobre
Porém, no país, os resultados tem sido pouco significativos e
os benefícios e prejuízos da intervenção cirúrgica para que a
há a constatação do atendimento de má qualidade oferecido
decisão da conduta para o parto seja feita com melhor
no acompanhamento gestacional até o parto. Cerca de 85%
avaliação de cada caso evitando a intervenção desnecessária
das pacientes que chegam ao sistema público de saúde
(BBC BRASIL, 2015).
recebem assistência pré natal, porém defasada, com baixa
A
Agência
Nacional
de
Saúde
Suplementar
sua
qualidade em
um
no
cumprimento
questionário
de
de
oito
auto
passos
avaliação,
27
qualidade ou ausência de exames clínicos, falta de orientação à gestante, não tratamento de infecções e não valorização do parto normal (BATISTUTA, 2001). Tem-se como principal ferramenta para a melhoria do atendimento e aplicação do programa a capacitação dos profissionais, observando instituições que obtiveram sucesso na aplicação do programa, tendo sido conferido o primeiro título de Maternidade Segura à Maternidade Darcy Vargas, em 1997 em Santa Catarina (COELHO, 2003).
3.2. PROGRAMA DE HUMANIZAÇÃO NO PRÉ NATAL E NASCIMENTO
Regido pela portaria nº569 de 2000, o Programa de Humanização no Pré Natal e Nascimento foi instituído pelo Ministério da Saúde com a finalidade de fortalecer a aplicação dos parâmetros de assistência humanizada como novo modelo de atenção à gestante. O programa fundamenta-se no preceito de que a humanização é a principal estratégia para atingir a meta de adequação no acompanhamento do parto e
28
puerpério, a partir do trabalho de desenvolvimento dos
3. Ampliar as ações já adotadas pelo Ministério da Saúde na
profissionais da saúde, onde a atitude ética e solidária faz-se
área de atenção à gestante, como os investimentos nas redes
fundamental assim como a organização da instituição na
estaduais de assistência à gestação de alto risco, o
criação de espaços acolhedores e implementação de uma
incremento do custeio de procedimentos específicos, e outras
rotina hospitalar inversa ao tradicional atendimento que cria
ações como o Maternidade Segura, o Projeto de Capacitação
isolamento da mulher. Além de instituir que é dever das
de Parteiras Tradicionais, além da destinação de recursos
unidades de saúde receber a família com dignidade, o
para treinamento e capacitação de profissionais diretamente
programa também diz respeito à adoção de medidas
ligados a esta área de atenção, e a realização de
benéficas, evitando práticas intervencionistas desnecessárias
investimentos nas unidades hospitalares integrantes destas
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2002). De acordo com a cartilha
redes.
do Programa de Humanização no Pré Natal e Nascimento desenvolvida pelo Ministério da Saúde, o projeto considera como prioridades: 1. Concentrar esforços no sentido de reduzir as altas taxas de
3.3. PROGRAMA PARTO, ABORTO E PUERPÉRIO: ASSISTÊNCIA HUMANIZADA À MULHER.
morbi-mortalidade materna, peri e neonatal registradas no país;
A cartilha publicada pelo Ministério da Saúde em 2001 caracteriza o programa Parto, Aborto e Puerpério: Assistência
2. Adotar medidas que assegurem a melhoria do acesso, da cobertura e da qualidade do acompanhamento pré-natal, da assistência ao parto, puerpério e neonatal;
Humanizada à Mulher como um meio que estabelece princípios a serem seguidos para o bom atendimento à mulher nos seus direitos mais elementares durante o trabalho de parto e parto, garantindo qualidade e humanização no
29
atendimento. A publicação tem o objetivo de estabelecer
3.4. RECOMENDAÇÕES DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA
conceitos e práticas profissionais adequadas às equipes de
SAÚDE NO ATENDIMENTO AO PARTO NORMAL.
atendimento, pretendendo agregar à capacitação técnica o conceito de humanização no atendimento, tendo como principal ferramenta o preparo da equipe profissional para a recepção e atendimento à mulher no acompanhamento relacionado à gestação e parto, resgatando, tanto para a gestante quanto para o profissional da saúde, a singularidade desse momento (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001).
A partir de 1985 iniciou-se uma discussão em reunião entre Organização
Mundial
da
Saúde
e
Organização
Pan-
Americana de Saúde, com intuito de modificar o quadro atual do atendimento à gestante e recém nascido, baseadas em evidências cientificas que reavaliam os procedimentos até então
difundidos
no
atendimento
médico
obstétrico,
A publicação discute de forma detalhada o atendimento a
publicando uma listagem de condutas que devem ser
cada possível fase do processo gestacional, pré parto, parto e
encorajadas e outras que devem ser eliminadas ou evitadas.
pós parto, classificando a atenção para cada tipo de parto,
Todas as questões discutidas deveriam basear-se em
incluindo o atendimento no período de amamentação e
evidencias medicas recentes, para que assim pudessem
atenção ao recém nascido assim como aos casos de
atingir sua finalidade e fossem aceitas pela comunidade
abortamento e assistência específica à portadoras do vírus
médica
HIV, discutindo o atendimento baseado nas técnicas de
(COELHO, 2003). O resultado dessa discussão foi catalogado
humanização do parto e nas vidências cientificas e partindo
em quatro categorias que classificam as condutas médicas
da classificação desenvolvida pela OMS em 1996.
rotineiras entre indicadas e contra indicadas (ANEXO 1).
e
pelos
pacientes,
ganhando
sua
confiança
As principais práticas encorajadas pelo programa incluem plano individual de parto com detalhes sobre local e responsabilidade, feito em conjunto com a mulher, avaliação
30
dos fatores de risco da gravidez durante a gestação,
implementação
monitoramento e garantia do bem estar da mulher no trabalho
prejudiciais tem aumento considerável quando relacionado à
e parto e parto, oferecendo líquidos e alimentos e respeitando
hospitalização do parto. Dessa forma, a casa de parto tende a
a escolha da mãe sobre o local do parto e sua privacidade,
oferecer melhores condições para que a humanização do
garantir informação e explicações, não utilizar métodos
atendimento possa ser desenvolvida com mais liberdade e
invasivos nos tratamentos para a dor, estímulo de posições
menor interferência dos procedimentos clínicos negativos à
verticalizadas e liberdade de movimentação e posição e
saúde da mulher, podendo assim contar com maiores
realização precoce do contato pele a pele entre mãe e filho.
chances de um processo humanizado bem sucedido.
Dentre as condutas a serem eliminadas ou evitadas destacase uso rotineiro de posição horizontal e de litotomia durante o trabalho de parto, uso indiscriminado de hormônios artificiais cujo efeito não possa ser controlado, restrição de alimentos e líquidos, controle da dor através de analgesia peridural (aplicação na região da coluna), transferência rotineira da parturiente para outras salas, duração estipulada do segundo estágio do trabalho de parto, parto operatório (cesariana) e uso rotineiro de episiotomia. A citação e avaliação da classificação dessas práticas é de grande importância para o estudo da humanização do atendimento e do espaço físico do parto, tendo esse relação direta com a ambientação do processo do parto, já que a
dos
procedimentos
rotineiros
julgados
31
32
33
4 - CASA DE PARTO: A HUMANIZAÇÃO DO ESPAÇO
4.1. NORMATIZAÇÃO DA CASA DE PARTO
As diversas políticas públicas desenvolvidas a partir da discussão sobre a necessidade de mudança da forma de nascer mediante as taxas alarmantes dos métodos rotineiros inapropriados aplicados ao parto em todo o mundo vêm demonstrando grande preocupação na prioridade em aplicar novas metodologias ao atendimento ao parto. No Brasil, o Ministério da Saúde implementou, além dos programas de incentivo à humanização do parto, medidas de fiscalização dos sérvios prestados pelo SUS e principalmente a legitimação do atendimento ao parto pelo enfermeiro obstetra e a normatização da Casa de Parto. A criação da Casa de Parto e seu uso como nova referencia de espaço no atendimento humanizado vêm fortalecer a premissa da separação do atendimento ao parto do ambiente hospitalar, rompendo em definitivo a associação do parto como doença e principalmente evitando a exposição da gestante saudável ao risco de infecção no ambiente hospitalar
34
contaminado,
onde
este
sim
possui
a
finalidade
de
atendimento às enfermidades.
4.1.1. CENTRO DE PARTO NORMAL-CPN. MINISTÉRIO DA SAÚDE - SUS.
Coelho (2003, p.34) discorre sobre o Projeto Luz da JICA (Agência de Cooperação Internacional do Japão) e avalia,
O Centro de Parto Normal (CPN) é uma unidade desenvolvida
segundo a proposta do projeto, o atendimento e local do parto
para o atendimento humanizado de alta qualidade exclusivo
da seguinte forma:
para o parto de risco habitual. O Ministério da Saúde criou, através da portaria nº 985 de 05/08/1999, a normatização da A maternidade deve ser um local onde se acompanha o processo fisiológico da gravidez, puerpério e recém-nascido, por isso não deve ser confundindo com os processos patológicos. Por este motivo, torna-se conveniente que os procedimentos relativos à conduta obstétrica sejam separados ou que seja criado um ambiente independente do hospitalar. Essa atitude visa a não infecção tanto da mãe como do recém-nascido ao serem manipulados clinicamente dentro de um hospital, onde se tratam pacientes doentes e passiveis de transmitirem possíveis patologias. Outro aspecto relativo a esta separação de ambientes está relacionado à tensão gerada entre as gestantes e parturientes provenientes do ambiente hospitalar, o qual está associado à doença e a dor.
Casa de Parto, denominada como Centro de Parto Normal, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), para atendimento da mulher no período gravídico puerperal, onde se considera que a assistência à gestante deve priorizar a redução da mortalidade materna e perinatal, incluindo a necessidade de humanização da assistência pré natal, do parto e puerpério através do SUS, visando melhoria da qualidade assistencial e a diminuição dos óbitos por causas evitáveis.
A Casa de Parto funciona de forma conjunta ao sistema de saúde local, atuando de forma complementar às unidades de saúde, e pode estar instalada de forma integrada a um estabelecimento
assistencial
de
saúde
ou
como
estabelecimento autônomo, como uma unidade isolada, seguindo
sempre
as
exigências
dispostas
na
norma
35
especifica, assim como deve estar de acordo com as demais
hora. Dessa forma, torna-se imprescindível a instalação da
normas
Casa de Parto próxima à uma unidade hospitalar com
vigentes,
como
as
de
funcionamento
de
estabelecimentos assistenciais de saúde do Ministério da
atendimento emergencial.
Saúde e dos códigos de obras locais. A norma especifica também a equipe de Recursos Humanos Dentre as atribuições definidas à Casa de Parto destaca-se
necessária, indicando uma equipe mínima constituída por um
desenvolvimento de atividades educativas e de humanização
enfermeiro obstetra, um auxiliar de enfermagem, um auxiliar
visando a preparação das gestantes para o plano de parto e
de serviços gerais e um motorista de ambulância. A unidade
amamentação, acolhimento e avaliação das condições de
pode contar com equipe complementar composta por um
saúde
médico pediatra ou neonatologista e um médico obstetra.
materna,
permissão
de
presença
de
um
acompanhante, garantia de assistência ao parto normal sem
Além
disso,
o
programa
identifica
a
importância
de
distócias (de baixo risco) respeitando a individualidade da
profissionais humanizados no acompanhamento ao parto,
parturiente, acompanhamento do puerpério pelo período
recebendo parteiras e doulas.
mínimo de 10 dias e integração com os programas de Saúde da Família e de Agentes Comunitários de Saúde.
Em 2013 a normatização ganhou reforço no incentivo ao parto
Além de apresentar planta física adequada ao acesso da
humanizado com o desenvolvimento do Programa Rede
gestante, a Casa de Parto como unidade isolada deve
Cegonha, que tem por objetivo fomentar a implementação de
garantir a assistência imediata ao recém nascido em
um novo modelo na assistência à mulher e à criança, com
situações eventuais de risco, dispondo de profissionais
foco na atenção ao parto e no desenvolvimento infantil até os
capacitados para prestar manobras básicas de ressuscitação,
24 meses. A partir da complementação do projeto, foi
assim como remoção da gestante e do recém nascido em
publicada pelo Ministério da Saúde a Cartilha de Orientação
unidades de transporte adequadas no prazo máximo de uma
para Elaboração de Projetos: Centros de Parto Normal; Casa
36
da Gestante, Bebê e Puérpera; Adequação da Ambiência;
parto humanizado (Tabela 01). A publicação traz a indicação
Unidade Neonatal e Banco de Leite. O programa tem a
dos ambientes e áreas mínimas necessários para o
finalidade de oferecer um guia técnico para os projetos
funcionamento da instituição e enumera como fundamentais,
arquitetônicos na construção, reforma e ampliação das
entre outros, uma sala de registro e recepção, uma sala de
unidades de atendimento humanizado, oferecendo ampla
exames e admissão com sanitário anexo, mínimo de três
informação para o desenvolvimentos dos ambientes de forma
quartos PPP com banheiro anexo e sendo pelo menos um
que
favoreçam
a
presença
do
com banheira, posto de enfermagem, sala de serviço e área
profissional. O
programa
foi
de deambulação de no mínimo 30m², além dos ambientes de
desenvolvido por Arquitetos e Gestores envolvidos no
apoio. A sala de exames e admissão tem como atividade
Programa Nacional de Humanização, que alertam que não há
examinar e higienizar as parturientes e a sala PPP "receberá
um projeto padrão obrigatório, já que o programa tem como
atividades como assistir parturientes em trabalho de parto;
principal finalidade possibilitar municípios que não tem
assegurar condições para que acompanhantes assistam ao
arquitetos possam agilizar a implementação de mudanças
pré-parto,
para o parto humanizado, podendo se valer do projeto inicial
enfermagem ao RN envolvendo avaliação de vitalidade,
(Figura 04) oferecido (COSTA, 2014).
identificação
acompanhante
a e
humanização
equipe
e
parto
e
e
pós-parto;
higienização
prestar
e
realizar
assistência
relatórios
de
de
enfermagem e registro de parto" (MINISTÉRIO DA SAÚDE, A cartilha do Programa Rede Cegonha propõe ambientes e áreas a partir da normatização RDC 50 do Ministério da Saúde, formando uma síntese da norma que abrange todas as unidades de saúde, trazendo assim um material prático voltado para os ambientes de saúde para atendimento ao
2013).
37
Figura 4. Planta de Referência de um Centro de Parto Normal.
Fonte: Cartilha de Orientações Para Elaboração de Projetos, Ministério da Saúde 2013.
38
Tabela 1. Quadro de ambientes e áreas indicados
4.2. CARACTERIZAÇÃO DO ESPAÇO DA CASA DE PARTO
pela Rede Cegonha. O espaço tem relação direta e tende a corresponder às atividades
desenvolvidas
e
à
demanda
do
programa
estabelecido. No caso da humanização do atendimento ao parto, o espaço deve adaptar-se à nova proposta e a sua qualidade está diretamente envolvida com a positividade dos resultados. A reversão da hospitalização do parto propõe a criação de um novo conceito de ambiente que atenda ao programa e seus novos aspectos que envolvem elementos técnicos e humanos. Um dos primeiros passos para que o atendimento ao parto se tornasse mais humanizado foi a abertura da sala de parto ao acompanhante, garantindo que a mulher tenha uma presença de
confiança,
trazendo
mais
tranquilidade.
Além
do
acompanhante escolhido pela parturiente, a possibilidade de acompanhamento Fonte: Adaptado da Cartilha de Orientações Para Elaboração de Projetos, Ministério da Saúde 2013.
profissionais
do
trabalho
humanizados
de
(como
parto doulas
e e
parto
por
parteiras)
possibilita a criação de uma equipe profissional mais intimista e um atendimento individualizado, desenvolvido de acordo com a necessidade de cada família. O espaço deve, portanto,
39
sanar a necessidade dessa nova equipe de recursos
acolhedor, abrindo mão da maioria das características de um
humanos e permitir o acolhimento, conforto e circulação de
hospital, tornando-se portanto a extensão do acolhimento do
pessoas envolvidas (COELHO, 2003).
lar da família (COELHO, 2003).
A primeira proposta de renovação física para o atendimento humanizado que possibilitou o melhor acolhimento no
Figura 5. Exemplo de Quarto Pré Parto, Parto e Pós Parto.
processo do parto foi a criação da Sala de Pré- Parto, Parto e Pós Parto (PPP). A sala PPP é um ambiente único onde três fases do processo de parto são realizadas: pré parto, parto e pós parto (Figura 5). Ela põe em pratica a Recomendações da Organização Mundial da Saúde no Atendimento ao Parto Normal onde é contra indicada a remoção da parturiente para outra sala durante a segunda fase do trabalho de parto. Esse ambiente possibilita uma melhor adaptação do usuário ao espaço, criando um maior vínculo entre a equipe e individualizando o atendimento. O ambiente único durante todo o processo garante a privacidade e participação da família, oferecendo grande liberdade e apropriação do espaço, que conta com banheiro individual e espaço livre para circulação. A sala PPP também tem o intuito de agregar mobiliário que se assemelhe com o de um quarto,
Fonte: Cartilha de Orientações Para Elaboração de Projetos, Ministério da
aproximando-se ao máximo de um ambiente residencial e
Saúde 2013.
40
Para o novo modelo de assistência humanizada é de grande importância que exista a correlação entres os ambientes e que esses sejam interligados por amplas áreas de circulação integradas. É fundamental a existência de áreas para deambulação
da
gestante
e
acompanhante.
Essa
movimentação inicia-se no próprio quarto e deve se estender por espaços variados e atrativos, como pátios e solários, variando entre ambientes cobertos e descobertos. Esses ambientes, que podem ser associados à jardins, possibilitam o acesso à insolação e ventilação natural, contemplação de elementos aprazíveis e aumentam a tolerância da mulher à dor além de possibilitar atividades físicas necessárias no primeiro estágio do trabalho de parto. Após o parto, esses ambientes voltam a ser utilizados para o banho de sol do recém nascido e na recepção às visitas à família. De acordo com a Cartilha do Programa Rede Cegonha do Ministério da Saúde de 2013, p. 07, "sugere-se que esta área seja interna ligada
a
uma
área externa
provida
de
área
verde,
preferencialmente coberta a fim de ser utilizada independente das condições climáticas."
41
42
43
5 - ESTUDOS DE CASO 5.1. A CASA DE PARTO NO BRASIL
A conscientização pela necessidade da discussão sobre os meios de nascer e evolução do atendimento ao parto trouxeram novos parâmetros para o projeto das instituições de atendimento, porém, o desenvolvimento e criação desses espaços se desenvolve em passos lentos. A partir da normatização do Centro de Parto Normal, instituído em 1999, apesar
do
início
da
aplicação
do
novo
modelo
de
humanização em maternidades, apenas em 2011 foi criado o primeiro Centro de Parto Normal vinculado à Rede Cegonha. A primeira Casa de Parto do país foi fundada em 1998 na periferia de São Paulo, instalada inicialmente em uma modesta casa alugada, sendo transferida em seguida para um prédio na mesma região. Hoje instalado no bairro Vila IVG, o espaço atende partos de risco habitual analisados e acompanhados a partir da 37º semana de gestação e oferece no período pós parto orientações sobre amamentação, cuidados com o bebê e alimentação (BIANCARELLI, 1998).
44
Em 2001 foi inaugurada a segunda Casa de Parto do país,
O nome do Centro de Parto Normal, também conhecido como
em Belo Horizonte. Funcionando como uma unidade intra
Mansão do Caminho, é uma homenagem à Marieta de Souza
hospitalar, instalada no Hospital Sofia Feldman, o Centro de
Pereira, mãe de Nilson de Souza Pereira, fundador da obra
Parto Normal David Capistrano da Costa Filho atende até 150
junto à Divaldo Franco. O Centro de Parto Normal fica
partos por mês. O espaço conta com dois quartos PPP e um
instalado junto à Mansão do Caminho, uma instituição Espírita
Núcleo de Terapias Integrativas e Complementares, que
fundada em 1952 na cidade de Salvador, estado da Bahia, e
encontra-se
oferece
vem desenvolvendo projetos de apoio e acolhimento social e
homeopatia, aurículo acupuntura, ventosa e escalda pés
espiritual à comunidade, abrigando e orientando crianças e
como técnicas naturais para alívio da dor.
famílias.
Em 2011 foi finalmente criado em Salvador o Centro de Parto
O Centro de Parto Normal foi inaugurado em Agosto de 2011
Normal Marieta de Souza Pereira, também conhecido como
e dois dias depois já registrou o primeiro nascimento em suas
Mansão do Caminho. Foi o primeiro Centro de Parto Normal
dependências, que, segundo o texto de apresentação da
vinculado à Rede Cegonha e, até janeiro de 2015, cerca de
instituição, fazem parte de um complexo de 78.000 metros
1600 partos já haviam sido realizados no espaço. O projeto
quadrados envolto por uma área de mata. A edificação
conta com seis quartos PPP para atendimentos aos casos
começou a ser projetada cinco anos antes através de
definidos como de risco habitual após acompanhamento da
iniciativa privada apoiada pelo Ministério da Saúde, que
rede pública de saúde, que é vinculada à CPN.
disponibilizou parte da verba para a construção e segue
em
um
anexo
do
hospital
que
custeando a sua manutenção, permitindo cerca de 120 partos por mês (Globo.com, 2011). 5.1.1. Centro de Parto Normal Marieta de Souza Pereira
45
Implantado em terreno acidentado, o projeto adéqua-se sem grandes alterações no solo, instalando-se em um platô que gera taludes convenientes à edificação. Sua forma apresentase compacta e linear, seguindo um fluxo de setorização que resulta em uma volumetria retangular simples e eficaz. O bloco único está orientado no terreno de forma que suas menores fachadas recebam a insolação direta do leste e oeste, facilitando o controle da qualidade térmica da edificação, garantindo ao projeto as características simples de uma obra limitada pelo orçamento, mas que usufrui de decisões
projetuais
a
partir
de
um
estudo
técnico
arquitetônico, demonstrando que a arquitetura pode ser grande aliada no sucesso do produto final, adaptando-se às limitações impostas e garantindo um espaço de qualidade ao usuário.
Figuras 6,7 e 8: Centro de Parto Normal Marieta de Souza Pereira. Fonte: Decido por ARCA Arquitetura.
46
O fluxo do usuário se inicia a partir da fachada de acesso
garantindo seu funcionamento sem interferir no setor de
principal, orientada para o leste, tendo como primeiro
acolhimento da CPN. O estacionamento da ambulância
ambiente a recepção. A partir desta estão os acessos à sala
encontra-se na fachada principal, exigindo que o transito de
de exame e admissão, onde a gestante é examinada e
macas emergencial volte a passar pela recepção e pela
classificada se apta à permanecer na CPN, aos sanitários e
entrada principal, não oferecendo uma rota secundaria. Outro
vestiários e à sala da administração.
ponto a ser observado é a instalação das sacadas privativas
Considerando a admissão, o usuário é então direcionado ao setor interno de atendimento, onde os cinco quartos PPP apresentam-se à esquerda, voltados para a fachada sul, e as áreas de apoio à direita, voltadas para a fachada norte. Entre os ambientes de apoio está a sala de estar e refeitório, um ambiente não enclausurado coberto onde também está instalado o posto de enfermagem. A sala dividi-se em duas partes, a primeira que é abrigada pela própria laje do bloco, e a segunda estende-se até a área externa, recebendo cobertura translúcida de forma a possibilitar a interação com o jardim próximo ao talude no lado norte. O acesso de serviço ocorre pela fachada oeste. O segundo
dos quartos na fachada sul, voltada para a via de fluxo de veículos. É observado de acordo com a planta fornecida e pelas imagens aéreas publicadas que o complexo possui uma via de fluxo interno que percorre toda a Mansão do Caminho, iniciando-se a partir da via pública do bairro. Portanto, tal via interna possui menor fluxo e limita-se aos usuários do complexo. Porém, mesmo sendo beneficiada pelo desnível que permite que a edificação fique consideravelmente mais alta em relação à via, as sacadas não recebem nenhum outro tipo de elemento que possibilite maior privacidade em seu uso pela família, ficando exposta aos usuários externos de todo o complexo.
pavimento é destinado exclusivamente às salas de atividades
Figura 9: Plantas Baixas do Centro de Parto Normal Marieta de Souza Pereira.
administrativas e ao Acervo Divaldo Franco, com acesso
Fonte: Cedido por ARCA Arquitetura.
individual pela circulação vertical a partir da fachada principal,
47
48
Apesar da limitação espacial da área do projeto, fica evidente no depoimento em vídeo de um parto humanizado atendido no Centro de Parto Normal Marieta de Souza Pereira, produzido por Vitor Gonçalves e publicado pela família, acessado em 06 de Junho de 2017, que a área do entorno composta pela mata que contorna o complexo Mansão do Caminho torna-se uma extensão da edificação, fortalecendo a estrutura
necessária
para
oferecer
mais
opções
de
deambulação e contemplação da paisagem. As famílias podem caminhar e aproveitar o contato com a mata, jardins, lagos e áreas de sombra. A partir do vídeo, constata-se também que o mobiliário instalado após entrega da obra possui caráter hospitalar, impedindo assim a aparência de humanização completa e mantendo ainda o vinculo com a hospitalização do parto.
Figura 10: Cortes Esquemáticos do Centro de Parto Normal Marieta de Souza Pereira. Fonte: Cedido por ARCA Arquitetura.
49
50
5.2. CASA DE PARTO ALMA MIDWIFERY, ESTADOS
Em seu interior, a casa foi adaptada para a criação de quatro
UNIDOS.
quartos de parto, com projetos diferentes que tornam cada um em um ambiente único e individual, todos dotados de um
A Casa de Parto Alma Midwifery fica no centro da cidade de Portland, nos Estados Unidos, com localização e acesso
grande banheira e muitas cores em tons claros e alegres (Figuras 15 e 16).
privilegiado para todos os pontos da cidade. Instalada em
Além dos quatro ambientes individuais, a Casa de Parto conta
uma grande casa da era Vitoriana, a Casa de Parto foi
com uma ampla área de uso comunitário, dividida entre
inaugurada em 2005 já trazendo características fortes e um
circulação, salas de encontro e de estar (Figuras 17 e 18),
projeto de muita personalidade e pessoalidade. Foi mantida
ampla cozinha (Figura 19) e um salão para prática de
toda a estrutura externa da casa, tornando o local totalmente
atividades de preparo para o parto (Figura 20). Todas as
residencial e sem nenhum traço que remeta à um
áreas são decoradas com mobiliário confortável e intimista,
atendimento hospitalar (Figura 14).
51
variado como em uma grande casa. Há vasos de plantas por todos os lados, inclusive nos quartos, e a iluminação natural é predominante em todos os espaços, sendo garantida por grandes janelas. A equipe oferece técnicas naturais para alivio da dor, como o uso da água, homeopatia e massagens, além de parceria com profissionais
quiropráticos
e
acupunturistas
que
complementam o atendimento humano às gestantes, que ficam até dois dias sob os cuidados da Casa de Parto.
Figuras 11, 12, 13 e 14, da esquerda para a direita: Quartos, Sala de Estar e Cozinha da Casa de Partos Alma Midwifery Fonte: www.almamidwifery.com
52
53
6.0. CONTEXTUALIZAÇÃO E DIAGNÓSTICO DO TERRENO PROPOSTO
Um dos principais pontos de partida para o desenvolvimento do projeto é a definição do terreno a partir de características básicas que devem ser oferecidas, como acesso privilegiado, proximidade com um hospital para pronto atendimento de emergência, amplitude para diversidade de espaços e circulação e garantia de ventilação e iluminação natural. Cumprindo esses requisitos, foi selecionada a região onde deve ser implantado o projeto da Casa de Parto. O terreno para implantação deverá estar situado na cidade de Vila Velha, próximo à Rodovia do Sol e ao Hospital Santa Mônica, no bairro Praia de Itaparica ou imediações. Essa região é privilegiada pelo fácil acesso através dos diversos bairros interligados pelas rodovias Do Sol e Darly Santos, que recebem o fluxo das demais avenidas principais. A Rodovia do Sol garante transito rápido à dois hospitais de grande porte: o Hospital Santa Mônica e o Hospital Vila Velha. Em ambos a remoção por veiculo será garantida em até 10 minutos para qualquer ponto da região selecionada.
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6.1. LOCALIZAÇÃO
Figura 15: Mapa de Localização da Cidade de Vila Velha e indicação do bairro Praia de Itaparica.
O terreno proposto localiza-se no bairro Praia de Itaparica, entre as ruas Itaperuna e Saturnido Rangel Mauro, na cidade de Vila Velha (Fig. 15), no estado do Espírito Santo, estando inserido na Região Metropolitana da Grande Vitória, que é formada pelos municípios de Cariacica, Fundão, Guarapari, Serra, Viana, Vila Velha e Vitória, com população estimada de 1.934.983 habitantes (IBGE, 2016) e IDH 0,772 (PNUD, 2010). 6.2. CONTEXTUALIZAÇÃO SOCIOECONÔMICA E URBANA
Praia de Itaparica localiza-se na Região 1, que engloba mais outros dezessete bairros na região central de Vila Velha e é o quarto bairro mais populoso nesta listagem, apresentando grande verticalização e cerca de 11.600 habitantes (SEMPLA, 2010). Possui, também dentro da relação da Região 1, a segunda maior faixa de renda salarial (SEMPLA, 2010).
Fonte: Adaptado de Google Earth, 2017.
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Tabela 2: Renda Média dos Bairros da Região I da Cidade
O bairro caracteriza-se por sua forma longitudinal delimitada
de Vila Velha.
pela orla marítima e pela Rodovia do Sol, com perfil misto residencial e comercial, destacando-se pela proximidade com a praia e outros cones visuais e pontos atrativos ao turismo e lazer. A região tem grande índice de vazios urbanos gerados pela
especulação
imobiliária,
com
lotes
de
grandes
dimensões. A infra estrutura urbana é bem desenvolvida, contanto com asfaltamento, rede elétrica e de esgoto e iluminação pública, porém, apresenta irregularidade na estrutura das calçadas causada pela falta de manutenção dos terrenos que ainda estão sem utilização definida, como é o caso do terreno indicado para o projeto. De acordo com o Plano Diretor Municipal de Vila Velha, o terreno localiza-se na Zona de Ocupação Prioritária 3, que determina um coeficiente de aproveitamento compatível com a verticalização das edificações da região. Segundo o Plano Diretor Municipal de Vila Velha, Lei nº 4.575/2007:
Fonte: SEMPLA, 2010.
Art. 72. A Zona de Ocupação Prioritária corresponde à parcela do território municipal melhor infra-estruturada, onde deve ocorrer o incentivo ao
56
adensamento e à renovação urbana, com predominância do uso residencial e prevenção de impactos gerados por usos e atividades econômicas potencialmente geradoras de impacto urbano e ambiental.
6.3. DIAGNÓSTICO DO ENTORNO
Art. 73. Os objetivos da Zona de Ocupação Prioritária – ZOP são: I - promover a requalificação urbanística e ambiental das áreas urbanas consolidadas; II - otimizar a infra-estrutura existente; III - qualificar os bairros e localidades consolidadas; IV - induzir a ocupação de imóveis não utilizados ou subutilizados; V - requalificar a paisagem urbana do centro da cidade; VI - orientar a convivência adequada de usos e atividades diferentes; VII - introduzir novas dinâmicas urbanas; VIII - absorver novas densidades populacionais nas áreas com potencialidade de adensamento, condicionadas ao provimento de infra-estrutura; IX - intensificar usos condicionados à implantação de equipamentos urbanos e sociais e à implantação de infraestrutura de suporte; X - garantir a proteção e preservação do patrimônio ambiental e cultural; XI - incentivar a instalação de atividades complementares ao turismo em suas várias modalidades.
facilidade de tráfego, porém as calçadas não possuem
As ruas que delimitam o terreno apresentam perfil largo e
calçamento e estão tomadas por vegetação irregular e resíduos, impedindo o trânsito de pedestres e prejudicando sua funcionalidade. A arborização é escassa e o terreno não possui vegetação relevante para ser mantida. O tráfego de veículos gerado pela Rodovia do Sol e pela rua Saturnino Rangel Mauro, vias de maior porte, gera ruído sonoro durante os horários de maior movimento e pode oferecer resistência à garantia de conforto ambiental necessária ao projeto. Tal inconveniência deverá ser sanada na fase de setorização dos blocos proposto de acordo com seu uso, de forma a valorizar o terreno e aplicar corretamente as atividades nos pontos convenientes do terreno. O posicionamento do terreno beneficia a ventilação natural, tendo uma de suas testadas privilegiada pelo vento predominantemente nordeste que é garantido pela abertura das vias largas que compensam a verticalização dos edifícios do entorno. A edificação proposta receberá incidência solar
57
em todo o período do dia, sendo sua fachada da rua Itaperuna propícia a receber insolação no período da manhã e sua fachada da rua Saturnino Rangel Mauro propícia a receber insolação no período da tarde. A iluminação natural estará disponível amplamente e poderá ser valorizada pelo projeto.
Figura 16: Localização e Análise do Terreno Proposto. Fonte: Elaborado pela autora.
58
59
7.0. O PROJETO CASA VIVA
A Casa de Parto vem concretizar toda a ideologia humana que resulta dos estudos históricos e científicos discutidos no mundo e descritos nesse trabalho. É a realização do ideal de valorização dos direitos da mulher e da família e do respeito à vida. É a partir de todo esse discurso de evolução humana e científica que nasce a Casa Viva, um Centro de Parto Normal humanitário e acolhedor. O projeto da edificação tem como conceito o acolhimento da família oferecendo segurança, comodidade, intimidade e liberdade. A Casa Viva busca oferecer um ambiente leve, em contato com a natureza, a iluminação natural, frescor, conforto e modernidade aliada à simplicidade. O projeto procura ser sofisticado e enxuto, com estrutura completa, porém simplista. É essa simplicidade que trará a intimidade e a liberdade de uso para a família, de forma a usarem o espaço como sua própria casa. Aplicando esse conceito, o projeto apresenta a Casa Viva com estrutura contemporânea, blocos robustos, porém com a
60
leveza da estrutura suspensa em balanço e a transparência
terreno ao conforto acústico, onde a instalação de áreas de
do vidro, que oferece uma prévia da humanização interna em
atendimento poderiam ser prejudicadas. Dessa forma, além de
pontos estratégicos. Os blocos são estruturados em concreto
um melhor aproveitamento das condições originais, foi possível
e
em
que o estacionamento se colocasse à 2,7 metros abaixo do
contrapartida à robustez. O aço vem sustentar as estruturas
piso da edificação, deixando o destaque para a volumetria e
em vidro aplicadas nas janelas e marquises. O projeto
atenuando o visual menos humanizado do setor de serviços.
ligeiramente
elevados do
chão,
dando
leveza
apresenta acabamentos em tons claros, telhado embutido e volume que alterna em suas alturas.
A implantação de cada setor foram definidos a partir dos estudos de conforto ambiental, levando em consideração a análise de trajetória solar, direção do vento predominante e características definidas pelos aspectos urbanos do entorno,
7.1. IMPLANTAÇÃO
como o ruído do tráfego de veículos. A fachada principal, onde encontra-se o acesso dos usuários, foi implantada na rua
O terreno oferece uma área total de 2.880 m², ocupando quatro
Itaperuna. Tal fachada fica instalada na orientação nordeste e
lotes do padrão do entorno. A área do terreno ocupada pelo
recebe insolação predominantemente do período da manhã,
projeto é de 1.190m², permite 338,6m² de permeabilidade, com
sendo ideal para a implantação dos ambientes de maior
área total construída de 1.516m², 24 vagas de estacionamento.
permanência, e assim foi feito. A partir do acesso principal, os
Originalmente, o terreno apresentava um declive que resultava
ambientes são propostos de forma que os quartos e áreas
em 2 metros e desnível suave. Esse desnível foi valorizado
comunitárias se voltem para o lado leste e recebam o sol da
sendo utilizado para possibilitar que parte do bloco fosse posto
manhã, ficando o bloco de serviço voltado para o oeste, com as
em balanço, aproveitando a área do terreno e oferecendo 31
áreas molhadas e de produção servindo como barreira
vagas
termoacústica para as áreas que exigem maior conforto.
de
estacionamento.
O
estacionamento
foi
estrategicamente posicionado na parte menos favorável do
61
Figura 17: Perspectiva Geral do Projeto Casa Viva Fonte: Elaborado pela autora.
62
A
B
Figura 18: Corte esquemático A, paralelo à fachada norte e Corte esquemático B, perpendicular à fachada norte. Fonte: Elaborado pela autora.
63
Figura 19:Implantação do Projeto Casa Viva. Fonte: Elaborado pela autora.
64
Figura 20: Planta Baixa do Pavimento TĂŠrreo do Projeto Casa Viva Fonte: Elaborado pela autora.
65
Figura 21: Planta Baixa do Primeiro Pavimento do Projeto Casa Viva. Fonte: Elaborado pela autora.
66
O acesso de serviço foi proposto na rua Saturnino Rangel
da humanização interna através de aberturas em vidro que
Mauro, que possui maior fluxo de veículos e oferece rota de
permitem o visual do jardim que compõe a área comum.
escape emergencial muito propícia na garantia da segurança do atendimento. Desse acesso partirá a ambulância que ficará instalada de forma permanente no local, pronta para o deslocamento emergencial até o hospital mais próximo. Além do acesso de serviço, ocorre nesse via a saída de veículos do estacionamento privativo, que possui a entrada na rua Itaperuna, garantindo assim um fluxo contínuo do acesso de veículos, evitando transtornos causados pelas manobras dos veículos durante o acesso aos serviços.
7.2. SETOR DE RECEPÇÃO
A partir do acesso, o fluxo do usuário segue para a recepção onde será acolhido e orientado (Fig. 22 e 23). O setor conta com sala de consulta de admissão, onde será recebido por um médico que avaliará sua estadia na Casa Viva, assim como sanitários individuais. A recepção oferece uma prévia
Figuras 22 e 23: Perspectivas do Acesso Principal e da Recepção. Fonte: Elaborado pela autora.
67
7.3. SETOR DE ACOLHIMENTO
Sendo recebido, o fluxo segue (Fig. 24) para a área comum, que caracteriza-se por uma sala iluminada naturalmente pelo jardim aberto, de onde deriva-se o acesso aos quartos, à copa comunitária, aos banheiros, aos jardins externos e ao bloco de apoio. A área comum central (Fig. 25 e 26) torna-se
24 25
o coração da Casa Viva, onde as famílias e funcionários se encontram, se auxiliam e partilham a experiência do parto humanizado. A área comum oferece as funções de sala de estar, sala de refeições e área de deambulação, de forma integrada, permitindo o contato visual dos profissionais através dos demais acessos.
26 Figura 24: Perspectiva da vista a partir da porta de entrada do setor de acolhimento interno, após a recepção. Figuras 25 e 26: Perspectiva da área comum central. Fonte: Elaborado pela autora.
68
A partir da área comum interna, os largos corredores dão acesso aos quartos de Pré Parto, Parto e Pós Parto e ao jardim externo. Todos os quartos possuem acesso através dos corredores internos, mas também oferecem acesso livre aos jardins externos através de uma sacada coberta na outra extremidade. A família possui, dessa forma, um circuito de transito que percorre corredores, quarto e área externa, oferecendo variedade de ambientes e atividades para a deambulação necessária, garantindo ambientes cobertos e descobertos. É também através da área comum que acontecerá a saída dos usuários que necessitarem de transporte por ambulância. Uma rota especial sai pelos fundos da edificação e tem acesso ao estacionamento da ambulância através do elevador exclusivo. Os quartos PPP se dividem em dois grupos: são dois quartos sem banheira e três quartos com banheira. Todos oferecem banheiro privativo e mobiliário humanizado. Os quartos contam com bancada de higienização e trocador, berço, cama de casal, poltronas, barra de exercícios e apoio e possibilita uso de acessórios como a bola suíça. Os quartos são
Figuras 27 e 28: Perspectiva do Quarto PPP.
iluminados naturalmente com abertura voltada para a sacada
Fonte: Elaborado pela autora.
69
e possuem a finalidade de hospedar família e profissionais acompanhantes, garantindo inclusive que a cama seja compartilhada pelo casal ou acompanhante. A família poderá preparar refeições na copa comunitária e consumi-las onde preferir.
7.4. SETOR ADMINISTRATIVO E SALÃO DE ATIVIDADES
O segundo pavimento possui entrada independente pela varanda anexa localizada no acesso da fachada principal (fig. 29). A varanda em balanço garante o acesso do fluxo de funcionários e usuários que possuem atividades externas à hospedagem.
Tais
atividades,
como
administrativa,
treinamentos, aulas e eventos, concentram-se no segundo pavimento
da
edificação,
com
circulação
vertical
independente. Nesse pavimento encontram-se as salas administrativas e o salão de atividades, com acesso controlado por uma recepção secundária (Fig. 30). No salão de atividades, que conta com banheiros e trocador infantil, Figuras 29 e 30: Perspectivas do acesso e recepção do segundo pavimento, onde funciona o setor administrativo e o salão de eventos. Fonte: Elaborado pela autora.
estão previstos serviços de acompanhamento e treinamento gestacional
e
pós
parto,
possibilitando
propostas
de
programas educacionais, atividades físicas de preparo para o
70
parto, acompanhamento da amamentação e atividades
Dando continuidade às áreas de serviços, inclui-se o
culturais que possam agregar à campanha de humanização
pavimento técnico, que ocupa o bloco acima do setor
do parto e assistência à família, estendendo o atendimento e
administrativo. O terceiro pavimento, exclusivamente técnico,
aumentando o sucesso do avanço na qualidade da saúde da
tem acesso através da continuidade da circulação vertical que
mulher. Anexo ao salão de atividades, está o terraço com
interliga o estacionamento e o pavimento térreo ao setor
jardim elevado, que será mais uma opção de área externa
administrativo. Esse pavimento tem função exclusiva de
para desenvolvimento das diversas atividades.
abrigar as salas técnicas que garantem o funcionamento de vários sistemas essenciais, como o de aquecimento de água, refrigeração, energia e reservatório de água superior, sendo o
7.5. SETOR DE APOIO E TÉCNICO
reservatório inferior localizado no subsolo com acesso pela área de carga e descarga ao lado do estacionamento.
A área comum também dá acesso ao setor de apoio. O primeiro ambiente desse setor é o posto de enfermagem, que possui campo de visão amplo para controle das atividades. A
7.6. PAISAGISMO
partir deste, inicia-se a área de acesso restrito à funcionários, que inclui ambientes de apoio e serviços como vestiários,
Fundamental
para
um
ambiente
depósitos, refeitório e estar dos funcionários. O bloco de
humanizado,
o
apoio também possui acesso direto pela área externa,
diferentes texturas, aromas e visuais, ampliando a experiência
facilitando entrada de materiais provenientes da entrada de
do usuário e servindo de ambiente contemplativo que
serviços.
favorece na distração durante o período do trabalho de parto.
paisagismo
mais
possibilita
o
acolhedor contato
e
com
71
Figura 31: Perspectiva do Jardim Interno Central. Fonte: Elaborado pela autora.
72
O projeto paisagístico da Casa Viva inclui as finalidades de contemplação,
sombreamento,
contato
com
diferentes
texturas de piso e oferece espaços de permanência ao ar livre. 32
Os jardins projetados encontram-se dentro e fora da edificação. O primeiro contato do usuário, ou mesmo apenas um observador utilizando a calçada, com o paisagismo, se inicia logo na fachada principal onde aberturas em vidro oferecem uma prévia do jardim interno (Fig. 32, 33 e 34). Artifício que se repete no ambiente da recepção. Este primeiro jardim paralelo à fachada principal se estende junto a um corredor que leva ao jardim externo da
33
extremidade leste. Delimitando o jardim há uma mureta que acompanha o corredor e, revestida em madeira, oferece a possibilidade de assento e contato direto com a vegetação.
34
Tal função tem grande valia servindo de ponto de apoio durante as caminhadas indicadas para o trabalho de parto. Figuras 32, 33 e 34: Perspectivas do jardim da fachada principal, norte. Fonte: Elaborado pela autora.
73
Seguindo para o ponto central do projeto, a área comum, encontramos o jardim que entra em contato com o ambiente interno (Fig. 35 e 36) e desenvolve importante função de iluminação e ventilação natural e é a base da humanização do espaço através da vegetação. O jardim forma um átrio descoberto, delimitado por uma estrutura de vidro e metal pivotante que permite abrir ou fechar o acesso ao espaço, que inclusive conta com um deck de madeira que incentiva a permeabilidade ao ambiente do jardim. Os jardins externos (Fig. 37) priorizam a permeabilidade do solo, através de canteiros elevados e forração com seixo rolado, que permite o contato com a textura e ainda assim garante o conforto por se tratar de um sedimento liso. Uma rota acessível é garantida pela rampa e pelo caminho pavimentado
onde
indica-se
pisos
de
materiais
semi
permeáveis, como o fulget. Durante o caminho são oferecidos espaços de contemplação e permanência, possibilitando a instalação de mesas e cadeiras nos decks em madeira e a apropriação dos diversos degraus gerados pelos canteiros. Na extremidade sul o paisagismo tem função principal de sombreamento, viabilizando as aberturas translúcidas que
Figuras 35 e 36: Perspectivas do jardim interno central e, na segunda imagem, relação do jardim com a copa comunitária e a área de refeições. Fonte: Elaborado pela autora.
74
oferecem contemplação do exterior, protegendo a fachada da
No limite oeste do terreno, o canteiro permeável com
incidência intensa da insolação do período da tarde. Já no
finalidade de sombrear o estacionamento foi colocado
terraço anexo ao salão de eventos, o paisagismo adaptou-se
externamente ao limite da Casa, oferecendo à comunidade do
às possibilidades do espaço e buscou ser minimalista,
entorno um espaço de permanência com jardim e mobiliário
deixando espaço livre para que a área possa ser uma
com sombreamento que atende tanto ao estacionamento
extensão do salão e também possa receber atividades ao ar
privativo quanto à calçada pública, potencializando o uso do
livre.
espaço que provavelmente ficaria subutilizado se instalado dentro da área privada.
Figura 37: Planta do Paisagismo Externo Fonte: Elaborado pela autora.
37
75
Figuras 38, 39, 40 e 41: Perspectivas do paisagismo externo. Fonte: Elaborado pela autora.
38
39
40
41
76
Figuras 42, 43 e 44: Perspectivas do paisagismo externo. Fonte: Elaborado pela autora.
77
78
Figuras 45, 46 e 47: Perspectivas gerais. Fonte: Elaborado pela autora.
79
80
81
8.0. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em geral, os projetos dos Centros de Parto Normal instalados no país tem característica simplória, com acomodações que oferecem o básico para o cumprimento do programa, algumas vezes garantindo um espaço acolhedor e humano, porém sem usufruir de um projeto mais bem elaborado onde poderiase fazer o uso de tecnologias, materiais e ambientes com maior sofisticação, trazendo elementos mais modernos que oferecem maior conforto e beleza. A Casa de Parto tornou-se um espaço viável e conveniente para o atendimento humanizado, possuindo a normatização federal bem definida e o apoio das cartilhas de incentivo ao desenvolvimento dos projetos. O desenvolvimento do projeto arquitetônico para a Casa de Parto deve basear-se nas diretrizes nacionais dos programas de incentivo, seguindo o programa mínimo indicado e as exigências para o bom funcionamento que garanta a segurança da gestante e do bebê. Para o desenvolvimento dos ambientes internos a proposta deve levar em conta as referencias internacionais que oferecem um parâmetro de alta qualidade quanto ao
82
conforto e uso de tecnologias que possam aumentar a eficiência do serviço oferecido. Os ambientes de uso comunitário e vivência familiar devem ser priorizados, mas sem abrir mão da individualidade e privacidade da gestante. Espaços para permanência e deambulação ao ar livre devem ser inclusos no programa, com desenvolvimento de solários e áreas verdes. Com a aplicação dos conceitos discutidos no trabalho de pesquisa, o projeto proposto mostrou ter alcançado seu objetivo, oferecendo ambientes bem ventilados e iluminados, integração entre os espaços, funcionalidade nos fluxos, variedade de vivências e proposta de acolhimento intimista com liberdade dos usos, que podem ser definidos pela família. A arquitetura mostrou-se sendo de grande eficácia na renovação do atendimento ao parto, incentivando a revisão dos protocolos na recepção à família e evidenciando o respeito à mulher, trazendo-a finalmente de volta ao seu posto de protagonismo nesse evento muito mais humano que hospitalar.
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ANEXO 1
5. Respeitar a escolha da mãe sobre o local do parto, após ter recebido informações.
RECOMENDAÇÕES DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE
6. Fornecer assistência obstétrica no nível mais periférico onde o
NO ATENDIMENTO AO
parto for viável e seguro e onde a mulher se sentir segura e
PARTO NORMAL.(MINISTÉRIO, 2001)
confiante. 7. Respeito ao direito da mulher à privacidade no local do parto. 8. Apoio empático pelos prestadores de serviço durante o trabalho
A) Práticas demonstradamente úteis e que devem der encorajadas:
de parto e parto. 9. Respeitar a escolha da mulher quanto ao acompanhante durante o trabalho de parto e parto.
1. Plano individual determinando onde e por quem o parto será realizado, feito em conjunto com a mulher durante a gestação, e comunicado a seu marido/companheiro e, se aplicável, a sua família.
10. Oferecer às mulheres todas as informações e explicações que desejarem. 11. Não utilizar métodos invasivos nem métodos farmacológicos para alívio da dor durante o trabalho de parto e parto e sim
2. Avaliar os fatores de risco da gravidez durante o cuidado pré-
métodos como massagem e técnicas de relaxamento.
natal, reavaliado a cada contato com o sistema de saúde e no
12. Fazer monitorização fetal com ausculta intermitente.
momento do primeiro contato com o prestador de serviços durante
13. Usar materiais descartáveis ou realizar desinfecção apropriada
o trabalho de parto e parto.
de materiais reutilizáveis ao longo do trabalho de parto e parto.
3. Monitorar o bem-estar físico e emocional da mulher ao longo do
14. Usar luvas no exame vaginal, durante o nascimento do bebê e
trabalho de parto e parto, assim como ao término do processo do
na dequitação da placenta.
nascimento.
15. Liberdade de posição e movimento durante o trabalho do parto.
4. Oferecer líquidos por via oral durante o trabalho de parto e parto.
16. Estímulo a posições não supinas (deitadas) durante o trabalho de parto e parto.
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17. Monitorar cuidadosamente o progresso do trabalho do parto,
9. Uso rotineiro da posição de litotomia com ou sem estribos
por exemplo, pelo uso do partograma da OMS.
durante o trabalho de parto e parto.
18. Utilizar ocitocina profilática na terceira fase do trabalho de parto
10. Esforços de puxo prolongados e dirigidos (manobra de
em mulheres com um risco de hemorragia pós-parto, ou que
Valsalva) durante o período expulsivo.
correm perigo em consequência de uma pequena perda de sangue.
11. Massagens ou distensão do períneo durante o parto.
19. Esterilizar adequadamente o corte do cordão.
12. Uso de tabletes orais de ergometrina na dequitação para
20. Prevenir hipotermia do bebê.
prevenir ou controlar hemorragias.
21. Realizar precocemente contato pele a pele, entre mãe e filho,
13. Uso rotineiro de ergometrina parenteral na dequitação.
dando apoio ao início da amamentação na primeira hora do pós-
14. Lavagem rotineira do útero depois do parto. Revisão rotineira
parto, conforme diretrizes da OMS sobre o leitamento materno.
(exploração manual) do útero depois do parto.
22. Examinar rotineiramente a placenta e as membranas. B) Práticas demonstradamentes prejudiciais ou inefitivas e que devem ser eliminadas.
1. Uso rotineiro de enema. 2. Uso rotineiro de raspagem dos pelos púbicos. 3. Infusão intravenosa rotineira em trabalho de parto. 4. Inserção profilática rotineira de cânula intravenosa. 5. Uso rotineiro da posição supina durante o trabalho de parto.
C) Práticas com evidências insuficientes para afirmar que são benéficas
e
que
devem
ser
utilizadas
cuidadosamente
enquanto se fazem novas pesquisas.
1. Método não farmacológico de alívio da dor durante o trabalho de parto, como ervas, imersão em água e estimulação nervosa. 2. Uso rotineiro de amniotomia precoce (romper a bolsa d’água) durante o início do trabalho de parto. 3. Pressão no fundo uterino durante o trabalho de parto e parto.
6. Exame retal.
4. Manobras relacionadas à proteção ao períneo e ao manejo do
7. Uso de pelvimetria radiográfica.
pólo cefálico no momento do parto.
8. Administração de ocitócicos a qualquer hora antes do parto de tal
5. Manipulação ativa do feto no momento de nascimento.
modo que o efeito delas não possa ser controlado.
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6. Utilização de ocitocina rotineira, tração controlada do cordão ou
12. Parto operatório (cesariana).
combinação de ambas durante a dequitação.
13. Uso liberal ou rotineiro de episiotomia. Exploração manual do
7. Clampeamento precoce do cordão umbilical. Estimulação do
útero depois do parto.
mamilo para aumentar contrações uterinas durante a dequitação.
D)
Práticas
que
são
frequentemente
utilizadas
inapropriadamente.
1. Restrição de comida e líquidos durante o trabalho de parto. 2. Controle da dor por agentes sistêmicos. 3. Controle da dor através de analgesia peridural. 4. Monitoramento eletrônico fetal . 5. Utilização de máscaras e aventais estéreis durante o atendimento ao parto. 6. Exames vaginais freqüentes e repetidos especialmente por mais de um prestador de serviços. 7. Correção da dinâmica com a utilização de ocitocina. 8. Transferência rotineira da parturiente para outra sala no início do segundo estágio do trabalho de parto. 9. Cateterização da bexiga. 10. Dilatação cervical completa ou quase completa, antes que a própria mulher sinta o puxo involuntário. 11. Adesão rígida a uma duração estipulada do segundo estágio do trabalho de parto.
86
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87
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