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PubDate: 19-04-2013 Zone: Nacional Edition: 1 Page: PAGINA_H User: Asimon Time: 04-18-2013 21:16 Color: C K Y M

l O GLOBO

l País l

Sexta-feira 19 .4 .2013

Um grito de guerra suspenso no campo

Em Mato Grosso do Sul, 45 mil guaranis-caiovás e 100 mil fazendeiros vivem iminência de conflito armado das terras indígenas. Hoje, esses índios têm oito reservas legalmente constituígermano@sp.oglobo.com.br das, mas eles se sentem estrangulados nas comunidades. O TAC criou seis gru-DOURADOS (MS)- Índios e fazendeiros estão pos de trabalho para identificar áreas a em pé de guerra em Mato Grosso do Sul fim de que a Funai possa expedir novas por conta da disputa por terras. São cem portarias demarcatórias. Os estudos fomil fazendeiros organizados, muitos ram estabelecendo como terras indígecontratando seguranças armados, con- nas áreas de fazenda, o que levou centra 45 mil guaranis-caiovás pintados pa- tenas de agricultores à Justiça. — A Funai e o governo federal criara a guerra. O estopim do conflito é um conturbado processo de demarcação de ram insegurança jurídica na região. As terras indígenas iniciado pelo Ministério propriedades estão tituladas pelo goPúblico Federal (MPF) e pela Funai, que verno há 50, 100 anos, numa área que ameaça avançar por terras dos fazendei- pode ir de um a três milhões de hectaros tradicionais. Intranquilos, os ruralis- res. O cidadão dorme produtor rural e tas se mobilizam para repelir a entrada acorda sem-terra — protesta Carlo dos índios em suas terras e se articulam Daniel Coldebelli, advogado da Fedeno Congresso contra a demarcação. ração da Agricultura do Mato Grosso Acampados, os índios aguardam o pro- do Sul (Famasul). O procurador da República em Douracesso num clima de ansiedade e esperança de que se encerre um ciclo de fo- dos, Marco Antonio Delfino, rebate o argumento dos agricultores contrários às me, discriminações e perseguições. Os que já têm reservas demarcadas vi- demarcações. Diz que, somente após a Guerra do Paraguai, os guaranisvem em aldeias apertadas, sem caiovás receberam 500 mil hecrecursos. Muitos ficam depenU tares de terras de Dom Pedro II dentes de drogas e álcool. OuNúmeros pela participação na guerra. O tros se suicidam por falta de procurador não sabe a área total perspectivas, de terra e alimena ser demarcada. tos. Acuados, às vezes reagem 0,3% — Os índios ocupam 0,3% do aos fazendeiros com arcos e fleDO ESTADO território do estado. Mesmo que chas. E o maior número de morEsse é o tes está do lado indígena, a parte percentual da a área demarcada atinja 300 mil hectares, não chegaremos a 1% mais frágil nesta guerra. área de Mato Hoje, Dia do Índio, vence o Grosso do Sul das terras do estado. Para Delfino, a União ajudou a prazo dado pela juíza Raquel ocupada pelos tirar índios de suas terras e tem Domingues do Amaral Corniíndios. obrigação de reassentá-los. clion, de Dourados, para que os — O Estado brasileiro é culguaranis-caiovás desocupem a pado pelo clima de conflito. área da fazenda de Orlandino 55,5% Não dá para colocar 45 mil indíMachado, de Caarapó, que maDAS MORTES genas debaixo do tapete, a pretou com dois tiros na cabeça o Dos 452 texto de dizer que vamos inviaíndio Denilson Barbosa, de 15 índios anos, da aldeia de Pindoroky. assassinados bilizar a produção agrícola. O deputado estadual José TeiO índio pescava na lagoa da em todo o país xeira (DEM), líder dos fazendeifazenda quando foi alvejado penos últimos la carabina de Machado, no últisete anos, 250 ros e que tem parte de sua fazenda Santa Claudina, de 5.200 hecmo dia 18 de fevereiro. O fazeneram de MS tares, ocupada por 40 famílias deiro confessou o crime, mas responde em liberdade. O corpo de De- guaranis-caiovás, está mobilizando a bannilson foi enterrado no acampamento cada ruralista na Câmara dos Deputados dos guaranis-caiovás dentro das terras de para instalar uma comissão parlamentar Orlandino, consideradas indígenas. Réu de inquérito contra as demarcações em confesso, o fazendeiro pediu na Justiça a Mato Grosso do Sul. — Os índios formulam falsas denúncias reintegração de posse. De quebra, a juíza determinou que os índios exumem o ca- contra os produtores. Dizem que desmadáver de Denilson. Os índios teriam até tamos e sobrevoamos aldeias com aviões hoje para cumprir a decisão, mas o Tribu- lançando agrotóxicos. O Ministério Públinal Regional Federal de São Paulo sus- co manda correspondências aos bancos dizendo que não devem nos financiar porpendeu na tarde de ontem o despejo. A situação dos guaranis-caiovás, se- que ocupamos terras indígenas. Comprei gunda maior comunidade indígena do a fazenda em 1965 e não tinha índio — Brasil, já foi considerada pela Organiza- disse José Teixeira. O advogado dos fazendeiros, Cícero Alção das Nações Unidas (ONU) como uma das mais vulneráveis do mundo. ves da Costa, diz que a intranquilidade Nos últimos sete anos, segundo relatório ocorre porque o MPF e a Funai considedo Conselho Missionário Indigenista ram como terras indígenas áreas ocupa(Cimi), morreram pelo menos 250 índi- das por ancestrais, quando o artigo 231 os no conflito por terra no Mato Grosso da Constituição prevê que a identificação do Sul, entre eles, 12 líderes indígenas de terras indígenas deve ser feita pela assassinados por fazendeiros. Ninguém presença de índios na terra até 5 de outufoi preso até hoje. Essas mortes signifi- bro de 1988, data de promulgação da cam 55,5% dos 452 assassinatos de indí- Constituição. —Está havendo ilegalidade na degenas em todo o país no período. Os assassinatos e as ameaças à sobrevi- marcação, ofendendo o direito à provência dos guaranis-caiovás motivaram o priedade. Se o critério for antropológiMinistério Público Federal e a Funai a fir- co, toda a terra brasileira é indígena, mar, em 2007, um Termo de Ajustamento pois em 1500 só tínhamos índios — arde Conduta (TAC), para a demarcação gumenta o advogado. l

MICHEL FILHO

GERMANO OLIVEIRA Enviado especial

Tensão. Guaranis-caiovás exibem pinturas de guerra e armas: conflito por terra em Mato Grosso do Sul já matou 250 índios em sete anos

ZONA DE CONFLITO

MATO GROSSO DO SUL Campo Grande

Detalhe

Dourados Ponta Porã

Juti Caarapó

Ivinhema

100km

MICHEL FILHO

Pela terra. Índio da tribo Pindoroky: promessa de resistir

Drogas e bebida também são ameaça em áreas de reserva -DOURADOS E JUTI (MS)- Uma das áreas de conflito iminente é na comunidade guarani-caiová de Takara, no município de Juti, onde 1.200 índios ocupam 90 hectares da Fazenda Brasília do Sul, do fazendeiro Jacinto Honório. Os índios reivindicam 9,7 mil hectares como terra indígena. A Funai está demarcando a área, mas o fazendeiro recorreu à Justiça. O líder caiová, Marcos Veron, foi assassinado por jagunços do fazendeiro em 2003. O filho do índio morto, o cacique Ládio Veron, lidera os acampados dentro da fazenda. Foram indiciados pela morte de Veron 24 funcionários da fazenda, mas apenas três deles foram condenados em 2011 a 12 anos de prisão. Todos apelaram e estão em liberdade. — Eu fui denunciado, não fui condenado. No dia do crime, nem estava aqui. Os índios vivem fechando a estrada — diz Ramon Aparecido Evangelista Cristaldo, gerente da fazenda. A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República até hoje protege os filhos de Veron, um deles o cacique Ládio, que ocupou seu lugar. Na reserva Bororó, Sofia

Gonçalves Machado, de 70 anos, chorava a morte do filho Rivaldo, de 19 anos, na semana passada. No velório, disse que o filho morreu graças ao vício por drogas e bebida alcoólica. Nas duas mais antigas reservas de Dourados, Bororó e Jaguapiru, 14 mil índios vivem uma agonia de décadas. Muitos se suicidam, matam-se em brigas e caem no álcool e nas drogas. Segundo o MPF, a taxa de homicídios em 2008 nas aldeias foi de 210 por 100 mil habitantes, 795% acima da média nacional. Bebida alcoólica e drogas são vendidas livremente na reserva. Trinta e oito igrejas evangélicas e uma católica se instalaram na área. Os pastores dizem que pintura de urucum é coisa do satanás e recolhem dízimos dos índios. A maioria dos restaurantes e lojas de Dourados não aceita a entrada de indígenas. Coordenador da Funai em Dourados, Vander Nishijima nega que índios estejam desprotegidos. — Estamos demarcando terras, mas fazendeiros têm ido à Justiça. Esses agricultores também são vítimas. Não pode haver derramamento de sangue. l


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