INSTITUTO DOUTOR JOSÉ FROTA
CIRURGIA DO TRAUMA MANUAL DE CONDUTAS
FORTALEZA 2020
Cirurgia do Trauma – Manual de Condutas IJF © 2020 by Instituto Doutor José Frota TODOS OS DIREITOS RESERVADOS
INSTITUTO DR. JOSÉ FROTA - IJF R. Barão do Rio Branco, 1816 – Centro Fortaleza – Ceará CEP: 60025 - 061 – Contato: (85) 3255-0000
Programação Visual e Editoração Gráfica Heron Kairo Sabóia Sant’Anna Lima Pedro Henrique Lides Capa Pedro Henrique Lides C578 Cirurgia do trauma – Manual de Condutas Instituto Doutor José Frota Cirurgia do Trauma – Manual de Condutas Instituto Dr. José Frota [recurso eletrônico] / Instituto Doutor José Frota. Fortaleza, 2020. 260 p. 185 Kb; e-book – pdf ISBN 978-65-00-04402-7 1 Cirurgia do Trauma I. Título. II. Medicina – cirurgia. III. Instituto Doutor José Frota. IV. / José Walter Feitosa Gomes. V. Ricardo Monteiro de Sá Barreto. VI. Heron Kairo Sabóia Sant’Anna Lima. VII. Roberto César Pontes Ibiapina. VIII. Liga Acadêmica de Cirurgia Geral. CDD 617
INSTITUTO DOUTOR JOSÉ FROTA Superintendente Riane Maria Barbosa Azevedo Superintendente Adjunto Osmar Azevedo Aguiar Filho Diretoria Médica Roberto César Pontes Ibiapina Diretoria Técnica Cristiane Rodrigues de Sousa Diretoria de Enfermagem Maria Cláudia Moreira de Alcântara Diretoria Administrativo-Financeira Rita de Cássia Rodrigues Pereira Assessoria de Comunicação Pedro Henrique Lides
Organizadores José Walter Feitosa Gomes Graduado em Medicina pela Universidade Federal do Ceará (UFC) (2004). Residência em Cirurgia Geral (2009) e do Aparelho Digestivo (2011) pelo Hospital dos Servidores Públicos do Estado de São Paulo (HSPE -SP). Título de especialista em Coloproctologia pela Sociedade Brasileira de Coloproctologia (2011). Mestrado em Ciências da Saúde pelo IAMSPE- SP (2015). Doutorado em andamento em Biotecnologia pela Universidade Estadual do Ceará. Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Minimamente Invasiva e Robótica (SOBRACIL). Membro Adjunto do Colégio Brasileiro de Cirurgiões (CBC), Sociedade Brasileira de Hérnia (SBH) e Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM). Editor Associado da Revista Científica do Hospital e Maternidade José Martiniano de Alencar (HMJMA). Cirurgião e preceptor da residência de Cirurgia Geral e internato médico em Cirurgia Geral no HMJMA durante 2016-2020. Médico Cirurgião concursado e preceptor de Cirurgia Geral do Instituto Dr. José Frota.
Ricardo Monteiro de Sá Barreto Graduação em Medicina pela Universidade Federal Do Ceará (UFC) (1987). Residência em Cirurgia Geral (1990) no Hospital Geral Dr. Cesar Cals. Mestrado em Ensino em Saúde pelo Centro Universitário Christus (2018). Médico Cirurgião Concursado do Instituto Dr. José Frota. Médico Cirurgião Concursado da Secretaria de Saúde do Município de Fortaleza. Atualmente Chefe do Núcleo de Cirurgia Geral do Instituto Dr. José Frota.
Heron Kairo Sabóia Sant’Anna Lima Acadêmico do curso de Medicina da Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Membro da Liga Acadêmica de Cirurgia Geral (LICIG) da Universidade de Fortaleza (20182020) e ex-presidente da LICIG (2019-2020). Aluno bolsista de Iniciação Científica PBICT/FUNCAP/UNIFOR 2018-2019. Membro Acadêmico da Sociedade Brasileira de Cirurgia Minimamente Invasiva e Robótica (SOBRACIL), Membro Acadêmico do Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva (CBCD) e Membro Acadêmico Proposto do Colégio Brasileiro de Cirurgiões (CBC). Membro do Corpo Editorial e Editor Associado da Revista Científica do Hospital e Maternidade José Martiniano de Alencar (Rev Cienti HMJMA). Editor chefe, organizador e autor da coleção de livros intitulados ''Fundamentos'', atualmente contendo quatro livros diferentes: Fundamentos - Cirurgia e Emergência, Fundamentos - Condutas Obstétricas, Fundamentos – Radiologia Essencial e Fundamentos - Cirurgia Ambulatorial.
Roberto César Pontes Ibiapina Graduação em Medicina pela Universidade Federal do Ceará (UFC) (1992). Residência em Anestesiologia pela Universidade Federal do Ceará (1995). Especialização em Rede de Gestão do Cuidado ao Paciente Crítico pelo Hospital Sírio-Libanês (2011). Especialização em Gestão de Emergências no SUS-GES pelo Hospital SírioLibanês (2014). Atualmente é Médico Anestesiologista e Diretor Médico do Instituto Dr. José Frota.
Núcleo de Cirurgia Geral e Núcleo de Anestesiologia do IJF Alan Breno Moura Pontes Alano Mourão Leandro Alexandra Mano Almeida Ana Raquel Ferreira de Azevedo Ana Thaís Aguiar Carneiro Camilo Bitu Bezerra Ferreira Daniel Pereira de Alencar Araripe Daniel Souza Lima Danielle Cristina de Oliveira Soares David Silveira Marinho Elam Vasconcelos de Aquino Érico Luís Dantas Diógenes Saldanha Eudes Fontenele Moraes Pinheiro Francisco José Cabral Mesquita Francisco Julimar Correia de Menezes Francisco Martins Neto Gabriel Lopes Ponte Prado Geniefesson Leandro da Silva Feitoza Gislano Soares de Lira Gotardo Duarte Dumaresq Grijalva Otávio Ferreira da Costa Heládio Feitosa e Castro Neto Ivens Filizola Soares Machado João Édison de Andrade Filho José Airton Lopes Filho José Xavier Rodrigues de Freitas Leonardo Macedo de Queiroz
Lucas Manoel Alves Lima Márcia Grazielly Souza Vieira Marcos Fiúza de Carvalho Manoel Messias Campos Júnior Paulo André Pereira Lobo Rafaela Torres Portugal Leite Ramiro Rolim Neto Raphael Felipe Bezerra de Aragão Tainah Cristina Saboya de Queiroz
Colaboradores Discentes Afonso Nonato Goes Fernandes Ana Osmira Carvalho Saldanha Antonio Victor Gouveia Azevedo dos Santos Arthur Antunes Coimbra Pinheiro Pacifico Bárbara Bezerra Ricciardi Bárbara Matos de Carvalho Borges Fábio Augusto Xerez Mota Karla Rafaelly de Vasconcelos Costa Lara Poti Nobre Lucas Nunes Ferreira Andrade Maria Stella Vasconcelos Sales Valente Rodrigo Teófilo Parente Prado Vinicius Oliveira Coelho Garcia
Capítulo 01 Atendimento Inicial ao Politraumatizado ..................................................................................................................................11 Capítulo 02 Anestesia no Trauma .................................................................................................................................25 Capítulo 03 Trauma Cervical .................................................................................................................................52 Capítulo 04 Trauma Cardíaco .................................................................................................................................68 Capítulo 05 Trauma Torácico .................................................................................................................................86 Capítulo 06 Trauma Esofágico .................................................................................................................................99 Capítulo 07 Trauma Gástrico e Duodenal ...............................................................................................................................106 Capítulo 08 Trauma Pancreático ...............................................................................................................................118 Capítulo 09 Trauma Hepático e de Vias Biliares ................................................................................................................................125 Capítulo 10 Trauma Esplênico ................................................................................................................................138 Capítulo 11 Trauma Intestinal ................................................................................................................................154 Capítulo 12 Trauma Renal, Vesical e Ureteral ................................................................................................................................167 Capítulo 13 Trauma Geniturinário ................................................................................................................................179
Capítulo 14 Trauma Vascular Cervical ................................................................................................................................191 Capítulo 15 Trauma Vascular Torácico ..............................................................................................................................200 Capítulo 16 Trauma Vascular Abdominal .................................................................................................................................211 Capítulo 17 Trauma Vascular de Extremidades ...............................................................................................................................228
APRESENTAÇÃO A partir de um anseio, após várias visitas e sessões no instituto Dr. José frota, surgiu a ideia de montar um manual de condutas cirúrgicas no trauma para trilhar o manejo com os pacientes, que, diga-se de passagem, são extremamente complexos, já que são de vítimas dos mais variados e impactantes traumas oriundos da nossa cidade fortaleza e de todo o estado do Ceará. Esse manual foi compilado devido às várias possíveis condutas que o cirurgião geral e de emergência pode tomar diante de um paciente politraumatizado, em especial, porque nossa equipe de staffs possui formação nas mais diversas escolas cirúrgicas do país onde as rotinas são peculiares a cada uma. Nesse intuito, convidamos as referências do nosso serviço para compor o corpo editorial desse livro onde através da literatura atualizada e baseada em evidências foi possível formatar as condutas pertinentes aos mais variados mecanismos de trauma, trazer estímulo ao estudo de técnicas e propostas cirúrgicas aos residentes de cirurgia geral e fomentar entre o nosso staff médico o espírito de produção científica e análise de dados da literatura mundial, comparando e adequando a nossa realidade. Por fim, e com grata satisfação que agradecemos a todos os envolvidos (médicos, residentes, estudantes da Liga Acadêmica de Cirurgia Geral (LICIG) e direção do IJF) e apresentamos o livro: Cirurgia do Trauma – Manual de Condutas do Instituto Dr. José Frota, bem didático e completo, compreendendo bases da cirurgia e anestesia no trauma.
Orgulhosamente, José Walter Feitosa Gomes Organizador e Idealizador do Livro.
Cirurgia Geral do IJF Uma vocação para o atendimento e a formação O atual Instituto Dr. José Frota, carinhosamente conhecido como Frotão, outrora Assistência Municipal de Fortaleza, é indubitavelmente um “top of mind” para qualquer cidadão cearense, mormente para nós fortalezenses. Desde sua fundação em 1936 tornou-se a referência da população para as urgências e emergências de cirurgia, principalmente as do trauma, mas também de outras áreas como queimados, fraturas, neurocirurgia e outras especialidades que contam com equipes em sistema de plantão nas vinte e quatro horas de todos os dias da semana, ininterruptamente. Os pacientes, atendidos por estas equipes de plantonistas, seguem os seus tratamentos acompanhados por especialistas que estão nas equipes de retaguarda, distribuídas em Serviços especializados, dentre os quais se destaca o Serviço de Cirurgia Geral. Historicamente composto por Cirurgiões de escol, com vasta experiência cirúrgica, agregou ao seu perfil assistencial, na década de 80, a formação de novos especialistas via Residência Médica, credenciada pela Comissão Nacional de Residência Médica, e assume com eficiência o papel promover o ensino da Cirurgia. Dessa forma, o Serviço de Cirurgia Geral é estruturado para atender a estas duas vertentes e o tem feito muito bem! Sob a Chefia de vários colegas Cirurgiões, dos quais tiver a honra de ser um dos protagonistas, sempre teve o cuidado de produzir diretrizes para norteamento das condutas de atendimento aos mais variados casos, surge agora, na gestão do Dr. Ricardo Monteiro de Sá Barreto, com esta publicação intitulada Cirurgia do Trauma – Manual de Condutas do Instituto Doutor José Frota, contendo 17 capítulos, abordando de forma objetiva e prática, as condutas no atendimento ao trauma. Louvável também é a participação dos Residentes e estudantes da Liga Acadêmica de Cirurgia Geral (LICIG) como coautores dos capítulos, o que mostra a profícua integração docente-discente, um dos objetivos da Residência. Saudamos, pois, com entusiasmo a chegada deste novo tratado que, sem dúvidas, se tornará uma referência obrigatória, não só para os Residentes e Staffs do Serviço, mas principalmente para os futuros Cirurgiões do Trauma!
Heládio Feitosa de Castro Filho TCBC, FACS Chefe do Serviço de Cirurgia Geral do IJF (2017-2019)
At endi ment o I ni ci alaoPaci ent e Pol i t r aumat i zado
01 CAPÍ TULO
-Dani elSouzaLi ma. -Paul oAndr éPer ei r aLobo. -Mar i aSt el l aVasconcel osSal es Val ent e. -Lar aPot iNobr e. -JoséW al t erFei t osaGomes.
O trauma deve ser visto como uma doença e no Ceará, assim como o restante do Brasil, representa um grave problema de saúde pública. A violência, seja a interpessoal ou a do trânsito, faz com que as causas externas represente a terceira causa de morte da população brasileira. Destaca-se ainda, o perfil predominante de acometimento dos jovens e adultos até a 4ª década de vida. Dentre as internações por etiologias traumáticas, existe o politraumatismo o qual define-se como lesões concomitantes que atingem mais de uma região do corpo, podendo ter caráter intencional ou acidental, e que causam danos morfológicos, fisiológicos e/ou bioquímicos. Para que abordagem de um doente politraumatizado minimize falhas e tenha foco nas lesões de acordo com sua gravidade, foi instituída uma sistematização do atendimento em meados da década de 70 e 80, com os programas Advanced Trauma Life Support(ATLS) e Prehospital Trauma Life Support (PHTLS), ambos desenvolvidos com iniciativa do Comitê de Trauma do Colégio Brasileiro de Cirurgiões. Um aspecto fundamental no atendimento de emergência é o tempo, o que determina medidas que impactam na sobrevida dos pacientes. O reconhecimento rápido das lesões que ameaçam a vida e as medidas de tratamento são exigidas. Na fase préhospitalar, a iniciação do mnemônico XABCDE, padronizado de acordo com as lesões de maior mortalidade. O seu significado é: X - controle de hemorragias externas graves; A (airway) – vias aéreas com controle da coluna cervical; B (breathing) – respiração e ventilação; C (circulation) – circulação com controle da hemorragia; D (disability) – estado neurológico; E (exposure) – exposição e controle da temperatura. Também deve ocorrer a comunicação antecipada ao hospital que receberá a vítima de trauma para planejarem: as funções dos membros da equipe, checagem dos materiais, certificando-se de que estejam funcionando; além de proporcionar o local adequado para reanimação. Estes junto aos materiais de proteção individual para os membros da equipe, devem ser avaliados pela equipe e são determinantes para o sucesso do atendimento. Avaliação Pré-Hospitalar Durante a fase de atendimento pré-hospitalar (APH), foi desenvolvido o mnemônico MIST, uma ferramenta para auxiliar a transferência de informações dos pacientes de maneira sistemática. Ele auxilia os profissionais de APH a comunicar a equipe da sala de emergência hospitalar o M(mecanismo da lesão), I (investigações de lesões evidentes ou suspeitas), S (sinais vitais) e T (tratamento provido). Vale ressaltar que deve existir uma rede de comunicação entre a ambulância e o serviço que receberá o paciente. O atendimento local, realizado pelos profissionais, é monitorado via rádio pelo médico regulador que orienta a equipe quanto aos procedimentos necessários à condução do caso. De forma geral, o paciente que apresente os achados de história ou de exame físico descritos do Quadro 01.1, deve ter atendimento emergencial e prioritário.
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Quadro 01.1 - Fatores Auxiliadores na Prioridade no Atendimento de Emergência Alterações Importantes dos Sinais Vitais e Nível de Consciência
Achados Potencialmente Emergenciais
ECG ≤ 13
Alterações neurológicas agudas: déficits motores, afasias, convulsões, delirium
FR > 29 OU < 10 irpm ou uso de musculatura acessória
Injúrias perfurantes em cabeça, pescoço, tórax e extremidades próximas de cotovelos e joelhos
SatO2 < 90%
Precordialgia ou dor torácica
FC > 130 ou < 40 bpm
Fraturas pélvicas ou de dois ou mais ossos longos
PAS < 90 mmHg
Pulsos periféricos filiformes ou ausentes
TEC > 3 segundos
Suspeita de obstrução de via aérea
Abreviações: Escala de coma de Glasgow (ECG); Frequência respiratória (FR); Saturação arterial de oxigênio (SatO2); Frequência cardíaca (FC); Pressão arterial sistólica (PAS); Tempo de enchimento capilar (TEC).
Avaliação Primária Antes da avaliação inicial, vale ressaltar os princípios do atendimento ao trauma. A começar pelo fator tempo que é de extrema importância, priorizando, inicialmente, as lesões com risco de vida, com foco no controle e procura de hemorragias as quais são consideradas a principal causa de morte evitável, junto à um atendimento ágil, comandado por uma equipe multidisciplinar preparada e um exame precoce com um cirurgião geral da emergência, pois a maioria dos traumatizados graves necessitarão de aporte cirúrgico. Ao iniciar a avaliação, deve-se tentar a comunicação com o paciente, perguntando o nome e como aconteceu o trauma, pois isto auxilia a avaliar rapidamente o ABCD do trauma. Se houver uma resposta adequada, sugere que não há maior comprometimento das vias aéreas, da respiração e do nível de consciência. Em caso de falha ou dificuldade de comunicação, demonstra urgência na manipulação desses traumatizado. Avaliação das Vias Aérea e Controle da Coluna Cervical (A) Durante o manejo das vias aéreas, a primeira prioridade deve ser a procura por sinais de obstrução. Deve ser realizada de maneira rápida, incluindo: inspeção por corpo estranho (como dentes ou sangue); identificação de fraturas faciais, mandibulares, ou traqueolaríngeas e demais lesões que corroborem em diminuição da permeabilidade das vias aéreas. Caso o paciente esteja falando, é improvável que a obstrução das vias aéreas represente um risco imediato, mas será prudente a reavaliação em curtos intervalos de tempo para garantir a perviedade.
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Demais sinais objetivos de obstrução aérea são: observar se o paciente está agitado, o qual sugere hipóxia, ou obnubilado que sugere hipercapnia. Já a cianose indica hipóxia sendo melhor visualizada em leito ungueal e pele, porém costuma ser o último achado da diminuição na oferta do oxigênio. A escuta de estridores e roncos respiratórios podem estar associados à oclusão parcial de faringe ou laringe. Junto à isso, deve ser avaliado o comportamento do paciente, visto que a hipóxia pode influenciar nisso também. Deve-se enfatizar que pacientes portadores de grave traumatismo cranioencefálico com alteração do nível de consciência ou escala de coma de Glasgow (ECG) menor ou igual a 8, exigirão o estabelecimento de uma via aérea definitiva (intubação orotraqueal ou nasotraqueal; cricotireoidostomia ou traqueostomia). Nestes pacientes, é comum a queda da base da língua, dificultando a passagem da via aérea, sendo recomendadas as manobras de elevação do mento (chin lift) ou anteriorização da mandíbula (jaw thrust), com o intuito de tornar pérvia a passagem do ar (Figura 01.1).
Figura 01.1 - Manobras para retificação de vias aéreas: 1 - Chin Lift (elevação do mento); 2 - JawTrust (tração da mandíbula). Fonte: MENEZES; MORANO; CUNHA, 2017.
Toda avaliação das vias aéreas deve ser, obrigatoriamente, realizada com a imobilização da coluna cervical, mantendo a cabeça e o pescoço alinhados, sem movimentação da coluna para que não se desenvolvam lesões ainda não identificadas provenientes da espinha vertebral. Com isso, um membro da equipe deve estabilizar manualmente a cabeça e a cervical, enquanto outro profissional coloca o colar cervical, caso o paciente já não esteja com esse dispositivo. Ventilação e Respiração (B) Somente a permeabilidade das vias aéreas não garante uma ventilação adequada. A ventilação pode ser comprometida por obstrução de via aérea, alterações de mecanismos ventilatórios e/ou depressão do sistema nervoso central. Inicialmente, é fundamental realizar a monitorização, oximetria e acesso venoso de grosso calibre (de preferência em veias antecubitais) para que as condutas possam ser instituídas no menor tempo possível. Junto a isso, deve-se ofertar a todos os pacientes Página 14
vítimas de trauma, com exceção dos que receberão ventilação definitiva, oxigênio em máscara com reservatório, com fluxo de 12 a 15 l/min. Para avaliação da respiração e ventilação, deve-se expor completamente o tórax para observar sinais de ventilação ineficaz, como a assimetria do tórax durante as incursões respiratórias e lesões percebidas durante o exame físico do tórax. Em que a inspeção visual e a palpação podem detectar lesões da parede torácica que causem comprometimento da ventilação, a percussão revela a presença de ar ou de sangue no espaço pleural, e a ausculta na confirmação do fluxo de ar nos pulmões. As injúrias mais comuns que afetam a respiração incluem pneumotórax hipertensivo, hemotórax maciço, pneumotórax aberto, tórax instável e lesões traqueobrônquicas (melhor discutidas no Capítulo 05 – Trauma Torácico), as quais devem ser identificadas nessa etapa. Os critérios para estabelecer uma via aérea definitiva são: impossibilidade de manter a via aérea pérvia ou comprometimento da via aérea; ineficácia de manter uma ventilação adequada com a suplementação de oxigênio; presença de apneia, sinais de hipoperfusão cerebral (confusão mental, obnubilação); convulsões persistentes, necessidade de proteger a via aérea de aspirações de sangue ou vômito ou ECG menor ou igual a 8. Estes pacientes que necessitarem de via aérea definitiva e, dessa forma, deve-se pensar inicialmente na intubação com tubo nasotraqueal ou orotraqueal (IOT), no entanto, antes de fazê-la, deve-se avaliar as indicações potenciais de dificuldade de intubação (Quadro 01.2). Opta-se por nasotraqueal em vez de orotraqueal apenas em casos de lesão de boca que impossibilite o uso da IOT. Quadro 01.2 - Critérios para uma intubação difícil Localização externa
Avalia características que estão associadas à intubação difícil (trauma facial, boca ou mandíbula pequena e pacientes pediátricos, por exemplo)
Estimativa da regra 3-32
- Distância entre os dentes incisivos pelo menos < 3 dedos - Distância entre o osso hióide e a mandíbula pelo menos < 3 dedos - Distância entre a proeminência tireóidea e o assoalho da boca ao menos 2 dedos
Mallampati
Considera a classe III e IV preditoras de via aérea difícil
Obstrução ou obesidade
Dificulta a ventilação e a entrada do laringoscópio
Mobilidade do pescoço
Prejudicada em traumas e doenças articulares
Em casos de impossibilidade de intubação orotraqueal ou nasotraqueal (tanto pelo quadro abaixo quanto por inexperiência da equipe), há indicação para a máscara laríngea, tubo laríngeo ou via aérea cirúrgica. A cirurgia está indicada se presença de edema de glote, fratura de laringe, hemorragia orofaríngea severa que obstrui a via aérea ou impossibilidade de passar o tubo pelas cordas vocais. Nestes casos, a cricotireoidostomia é o procedimento
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de eleição, visto que é mais fácil e rápido de realizar, associado a menores sangramentos quando comparada à traqueostomia. Existem duas técnicas de cricotireoidostomia, a por punção (fácil e rápida, mas permite oferta de oxigênio por no máximo 40 minutos) e a cirúrgica, que em até 36 a 42 horas, deve ser convertida em uma traqueostomia. Circulação e Controle das Hemorragias (C) O comprometimento circulatório nos politraumatizados decorre principalmente de hemorragias e choque hipovolêmico, sendo uma das principais causas de morte póstraumática evitável. A hipotensão em paciente traumatizado deve ser interpretada como hipovolemia até que se prove o contrário. Assim, é essencial a análise dos sinais vitais, com foco na pressão arterial (indicador mais tardio de choque), frequência cardíaca e respiratória, e um exame físico rápido e preciso para análise dos sinais indiretos de perda sanguínea: Nível de consciência: a perfusão cerebral pode estar prejudicada quando o volume sanguíneo estiver criticamente diminuído, acarretando alterações na consciência. Cor da pele: traumatizado com coloração rósea, principalmente em face e extremidades, raramente está criticamente hipovolêmico. Porém, em situações de hipovolemia severa, para manter o débito cardíaco adequado, ocorre vasoconstrição periférica, que, associada ao baixo fluxo sanguíneo, forma a pele pálida, acinzentada, fria e pegajosa, podendo ser um sinal inespecífico de hipovolemia. Atentar-se que pele quente associada à hipotensão pode indicar choque neurogênico. Pulsos: Um pulso filiforme é indicativo de hipovolemia. Logo, devem-se analisar os pulsos centrais bilateralmente, em geral femoral ou carotídeo, para avaliar regularidade, simetria, amplitude e frequência. A ausência de pulso, se associada a não responsividade e respiração pode significar ressuscitação cardiopulmonar. Deve-se identificar a presença de sangramento externo ou interno. Se externo, é realizado, rapidamente, a compressão manual do local, que, apenas se não for efetiva, pode ser substituída por torniquetes ou pinças hemostáticas, com o risco de isquemia de extremidades ou pinçamento de vasos ou nervos. A detecção de hemorragias intracavitárias pode ser necessária nesse momento, caso não seja visto no exame físico o foco da perda sanguínea. As áreas mais comuns de hemorragia interna são: tórax, abdômen, regiões retroperitoneais, pelve e ossos longos. Se o paciente estiver estável, realiza-se a tomografia computadorizada pela maior acurácia, porém, em casos de instabilidade hemodinâmica, a ultrassonografia na sala de emergência (FAST), quando disponível, ou o lavado peritoneal diagnóstico (LPD) podem ser realizados para identificar a presença de líquido livre na cavidade. A identificação do sangramento deve ser tratada com a reposição de acordo com a estimativa do sangue perdido, (Quadro 01.3) administrando 30 ml/kg solução cristalóide aquecida (SF 0,9% ou RL) a 37 até 40 graus em 2 catéteres venosos periféricos curtos e calibrosos, de preferência periféricos, nas primeiras 3 horas, acompanhada por constantes reavaliações. Deve-se administrar um bólus inicial de fluido aquecido isotônico, sendo a dose usual de 1 litro para adultos e 20 mL / kg para pacientes pediátricos com peso inferior
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a 40 kg. Nos casos de choque classe III ou IV, ou se paciente sem resposta à terapia com cristalóide, deve receber transfusão sanguínea, o qual deve aguardar a tipagem sanguínea no estágio III, enquanto no IV utiliza-se o sangue O de imediato devido à gravidade da situação. Nesses casos, é importante implementar o protocolo de hemotransfusão utilizado pelo hospital IJF (Fluxograma 01.1).
Utilize o QR code ao lado para visualizar o fluxograma
Fluxograma 01.1 - Protocolo de Manejo Hemostático.
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Aos pacientes chocados, sem perda sanguínea, são incluídos nos choque não hemorrágicos, representados, principalmente, por: Choque cardiogênico: limitação da função cardíaca que torna o débito cardíaco incompatível com as necessidades metabólicas, sendo o tamponamento cardíaco a causa mais comum desse tipo de choque é encontrada em pacientes com trauma penetrante torácico. Choque obstrutivo: estado de hipoperfusão devido à obstrução mecânica ao fluxo sanguíneo ou pulmonar, sendo mais prevalente o pneumotórax hipertensivo. Choque distributivo: queda brusca da resistência vascular periférica devido à vasodilatação exacerbada, com diminuição retorno venoso e alteração da distribuição do fluxo sanguíneo, sendo, no trauma, as principais: 1. Choque neurogênico: presença de trauma cranioencefálico, classicamente apresentado por hipotensão e bradicardia, sem manifestações de vasoconstrição cutânea. 2. Choque séptico: geralmente mais prevalente em pacientes com trauma penetrante abdominal e contaminação do peritônio pelo conteúdo intestinal. Nos casos de pacientes afebris, pode tornar difícil a diferenciação do choque hipovolêmico. Quadro 03.3 - Perda Estimada de Líquido Baseada da Condição Clínica do Paciente Parâmetro
Classe I
Classe II
Classe III
Classe IV
Perda sanguínea (mL)
até 750
750 - 1000
1500 - 2000
> 2000
Perda sanguínea (%)
< 15%
15 - 30%
30 - 40%
> 40%
Frequência cardíaca
< 100
> 100
> 120
> 140
Pressão arterial
normal
normal
diminuída
diminuída
Pressão de pulso
normal/alta
diminuída
diminuída
diminuída
Frequência respiratória
14 - 20
20 - 30
30 - 40
> 35
Diurese (mL/h)
> 30
20 - 30
5 - 15
desprezível
Estado mental
ansiedade leve
ansiedade moderada
ansiedade e confusão
confusão e letargia
Reposição volêmica
soro cristalóide
soro cristalóide
soro cristalóide e concentrado de hemácias
soro cristalóide e concentrado de hemácias
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Avaliação Neurológica (D) A avaliação neurológica estabelece o nível de consciência do paciente, o estado das pupilas e sua capacidade de reação ao feixe de luz, os sinais de lateralização e as possíveis lesões da coluna vertebral se presentes. A escala de coma de Glasgow (Quadro 01.4) é uma forma rápida e objetiva de analisar o nível de consciência do traumatizado. A diminuição desta pode implicar na redução na oxigenação e/ou na perfusão cerebral ou poderá representar resultado direto do trauma cerebral. Esta exige imediata reavaliação da ventilação, oxigenação e perfusão. Deve-se lembrar de que hipoglicemia, uso de álcool e drogas pode causar alterações da consciência, porém, excluindo hipóxia e hipovolemia, prioriza o trauma direto ao sistema nervoso central, até que se prove o contrário. Apesar de realizar o atendimento adequado, pacientes portadores de trauma cranioencefálico poderão sofrer deterioração rápida, sendo fundamental a reavaliação neurológica sistemática de forma persistente. Atentar-se que todos os pacientes com ECG menor ou igual que 12 necessitam imediatamente de avaliação pelo neurocirurgião e tomografia computadorizada de crânio. Aos com Glasgow entre 13 a 15, indica-se TC de crânio se houver sinais de fratura de crânio basilar, mais de 2 episódios de vômitos, idade > 65 anos, perda de consciência > 5 minutos ou uso de anticoagulante. Em casos de suspeita de injúria de coluna espinhal, se: idade > 65 anos, parestesias em extremidades ou mecanismo de trauma de colisão automobilística ou queda maior que 1 metro, existe indicação de radiografia da coluna espinhal. Quadro 01.4 - Escala de coma de Glasgow. A soma desses valores pode indicar um trauma cranioencefálico leve (13 a 15), moderado (9 a 12) ou grave (3 a 8) Avaliação Neurológica
Tipo de Resposta
Escore
Abertura ocular
Espontânea À voz À dor Nenhuma
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Resposta verbal
Orientada Confusa Palavras inapropriadas Palavras incompreensíveis Nenhuma
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Resposta motora
Obedece comandos Localiza a dor Movimento de retirada Flexão anormal Extensão anormal Nenhuma
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Exposição e Controle do Ambiente (E) Todo paciente traumatizado deverá ser totalmente despido, cortando-se suas roupas para facilitar o acesso visual de toda a superfície corporal, sem que nenhuma lesão passe despercebida. Em indivíduos com suspeitas de traumas em qualquer segmento da coluna ou sem a adequada exclusão de possíveis lesões no local, a rotação deve ocorrer em bloco, de maneira cuidadosa, a fim de evitar lesões iatrogênicas ou agravamentos intrahospitalares de lesões raquimedulares. A rotação em bloco ocorre com o auxílio de no mínimo três pessoas. Uma é responsável por estabilizar a coluna cervical, imobilizando a cabeça do paciente e realizando a rotação simultânea ao corpo; as outras realizam a rotação do corpo, segurando os membros inferiores e superiores, enquanto mantém toda a coluna alinhada. Após avaliação, é essencial proteger o paciente com cobertores aquecidos com dispositivos de aquecimento externo junto à atenção com a temperatura dos ambientes hospitalares, no intuito de prevenir a ocorrência de hipotermia. Da mesma forma, os fluidos intravenosos devem ser aquecidos antes do procedimento junto à temperatura ambiente em níveis adequados, com o intuito de manter as funções vitais do corpo, em uma temperatura corporal de 36 a 37ºC. A hipotermia é potencialmente letal nos traumatizados, agravando a acidose e a coagulopatia, sendo assim obrigatória a realização de medidas agressivas que estabeleçam a temperatura corporal normal. Medidas Auxiliares à Avaliação Primária Esses exames são efetuados após a avaliação primária e antes da avaliação secundária, para identificar condições que rapidamente podem piorar e que requerem tratamento imediato, ou lesões que necessitam de aprofundamento diagnóstico. Monitorização contínua: Fundamental na avaliação da eficiência da reanimação, por meio da oximetria de pulso, a qual sinaliza a frequência de pulso e a saturação de oxigênio de hemoglobina por método colorimétrico, frequência respiratória, pressão arterial e temperatura corpórea. Acrescenta-se capnógrafo e gasometria arterial para monitorar a ventilação do paciente. O capnógrafo, também pode ser acoplado ao tubo orotraqueal ou nasotraqueal, para confirmar se a intubação está na via aérea ou se deslocou. Eletrocardiograma: Deve-se realizar em todas as vítimas de trauma, pois a presença de arritmias, taquicardia inexplicáveis, extrassístoles ventriculares, fibrilação atrial e alterações do segmento ST podem indicar traumatismo cardíaco contuso. A atividade elétrica sem pulso pode indicar pneumotórax hipertensivo, hipovolemia profunda ou tamponamento cardíaco. Nos casos de bradicardia, considera a possibilidade de hipóxia ou hipoperfusão. Sondas urinárias e gástricas: A passagem do cateter urinário auxilia na determinação do débito urinário, refletindo na perfusão renal e volemia do paciente, realizado com mais acurácia pela sonda vesical de demora. A cateterização transuretral da bexiga está contraindicada em casos suspeitos de injúria uretral, demonstrados por: equimose perineal, presença de sangue no meato ou escroto e fraturas pélvicas. Nesses casos, o cateterismo
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não deve ser realizado antes de um exame perineal e da genitália, se houver suspeita de lesão local, deve-se avaliar a integridade da uretra através da uretrocistografia retrógrada. Já a sonda gástrica pode ser útil na descompressão gástrica, reduzindo o risco de aspiração. A presença de sangue no aspirado gástrico pode indicar principalmente lesões do trato digestivo alto, traumas penetrantes ou injúria devido à introdução do cateter. Em pacientes com fratura de base de crânio, pode ocorrer o comprometimento da placa cribriforme, devendo inserir a sonda por via orogástrica. Exames laboratoriais: varia a depender da estabilidade do paciente, e do mecanismo do trauma. No entanto, após a obtenção do acesso venoso, alguns exames devem ser pedidos como a tipagem sanguínea, a prova cruzada, gasometria arterial, lactato, e o βHCG nas mulheres em idade fértil. Radiografias e procedimentos diagnósticos: estes métodos exigem utilização racional de modo que não retardem os procedimentos salvadores. A radiografia de tórax e pélvica podem oferecer informações úteis para orientar a reanimação das vítimas. A ultrassonografia abdominal (FAST) e o lavado peritoneal diagnóstico são importantes para detecção rápida de sangramento oculto intra-abdominal. A utilização destes depende da experiência do profissional, da disponibilidade do aparelho de ultrassom portátil, sendo aplicados em pacientes instáveis sem indicação óbvia de laparotomia. Deve-se diferenciar o FAST, da extensão do protocolo FAST, denominada de FAST-Estendido (EFAST). Este amplia a avaliação do paciente antes reservada à parede abdominal e cardíaca, para cavidade torácica, possibilitando a detecção de pneumotórax, hemotórax e ruptura diafragmática. Demais indicações deste exame são: trauma cardíaco penetrante, trauma cardíaco fechado, trauma abdominal fechado, trauma torácico, pneumotórax, hemotórax, hipotensão de causa não definida. A avaliação primária ocorre a fim de a equipe obter informações suficientes para estabelecer a necessidade ou não de transferência para outro serviço. Caso o processo de transferência aconteça, antes disso, deve-se tomar todos os cuidados de avaliação e reanimação seguido da informação necessária do médico atendente à equipe que receberá o paciente. Reavaliação O paciente politraumatizado deve ser constantemente reavaliado à procura de novos achados ou deterioração dos sinais e sintomas já detectados. Deve-se realizar continuamente a monitorização dos sinais vitais, da saturação de oxigênio e da diurese (0,5 mL/kg/h no adulto e 1 mL/kg/h em pacientes pediátricos acima de um ano). Após realizada a avaliação primária ou toda vez que seja identificado um novo evento clínico de agravo ao paciente deve ter retomada a padronização do ABCDE com intuito de detectar novas alterações que podem surgir ao passar do tempo. Lembrar que o alívio dos sintomas é uma parte fundamental no tratamento dos traumatizados. Logo, uma analgesia efetiva, como opióide ou ansiolítico intravenosos, deve ser oferecida a todo paciente, em pequenas doses, evitando-se que possam mascarar os
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sintomas neurológicos, ou alterar o estado hemodinâmico e respiratório do paciente. Vale ressaltar que diversas vezes os pacientes após o ABCDE são submetidos, por exemplo, a cirurgias a fim de estabilizá-los, fazendo com que a avaliação secundária, detalhada e minuciosa seja feita posteriormente a fim de buscar ativamente por problemas que ainda não tenham sido identificados. Avaliação Secundária Esta etapa só deve ser iniciada depois de completar-se o exame primário, as medidas de reanimação tiverem disso adotadas e o paciente demonstrar melhora de suas funções vitais. A avaliação secundária consiste na revisão da história clínica e um exame físico da cabeça aos pés, incluindo a reavaliação de todos os sinais vitais. História Clínica Utiliza-se o mnemônico “AMPLA” para auxiliar na memorização de todos as informações úteis a serem perguntadas ao paciente ou ao familiar, caso não se consiga obter a história do próprio paciente, presente: A – Alergia; M - Medicamentos de uso habitual; P - Passado médico/prenhez (gestação); L - Líquidos e alimentos ingeridos recentemente; A - Ambiente e eventos relacionados ao trauma. Exame Físico Cabeça: Examina-se todo o crânio e couro cabeludo em busca de laceração, contusão ou evidências de fraturas. Também são observados os olhos como possível indicativo de edema cerebral,avaliando: acuidade visual, motricidade ocular, tamanho pupilar, presença de hemorragia conjuntival e/ou lentes de contato, lesões penetrantes, deslocamento do cristalino e encarceramento ocular. Estruturas Maxilofaciais: Se não associadas à obstrução de vias aéreas ou sangramentos volumosos, devem ser tratadas após estabilização do paciente. Atentar-se as fraturas de terço médio da face as quais podem se relacionar com fratura de placa crivosa e aos sinais clínicos de hematoma em processo mastóideo (sinal da batalha), em região periorbital (sinal do guaxinim) e perda de sangue e/ou líquor pelos ouvidos ou nariz. Coluna Cervical e Pescoço: Todo paciente com trauma craniano ou maxilo-facial deve ser considerado portador de lesão cervical até que se prove o contrário. Deve-se realizar inspeção, palpação e ausculta a fim de identificar desvios de traqueia, enfisema subcutâneo e dor que podem sinalizar fratura de traqueia ou laringe. As artérias carótidas devem ser auscultadas e palpadas para analisar possíveis lesões penetrantes. Tórax: Requer inspeção, palpação de toda a caixa torácica, percussão e ausculta ântero-posterior do tórax, de forma que, timpanismo à percussão associado a murmúrios
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vesiculares diminuídos ou abolidos pode indicar pneumotórax, enquanto hipofonese de bulhas pode significar tamponamento cardíaco. Abdome: Caso haja trauma abdominal, este deve ser identificado e tratado de forma agressiva. Pacientes com história inexplicada de hipotensão, lesão neurológica, alterações sensoriais e motoras secundárias à álcool ou demais drogas e achados duvidosos do exame físico devem ser candidatos à lavado peritoneal, ultrassom FAST, ou, se hemodinamicamente estável, a tomografia de abdômen é o método com maior acurácia na identificação de lesões. Períneo, reto e vagina: O períneo deve ser examinado em busca de contusão, hematomas, lacerações e sangramento ureteral. Também tem de ser feito o toque retal e vaginal para detecção de sangramentos, integridade da parede retal e vaginal ou outras alterações locais. O toque retal ainda auxilia na identificação de deslocamento de próstata e fratura de bacia. Além disso, é importante a dosagem do beta-HCG nas mulheres em idade fértil. Sistema musculoesquelético: As extremidades devem ser avaliadas em busca de deformidades e contusões. Palpa-se cada osso observando presença de dor, crepitação e movimentos anormais à procura de fraturas ocultas. Pressiona-se as espinhas ilíacas anteriores e a sínfise púbica para identificação de fraturas pélvicas, que também pode ser suspeitadas por hematomas em asa ilíaca, do púbis, dos grandes lábios e do saco escrotal. Suspeita-se de fraturas de coluna torácica e lombar a depender das informações do mecanismo do trauma associado aos achados de exame físico e radiológico. Perda de sensibilidade ou contrações involuntárias pode indicar lesões nervosas. Os pulsos periféricos devem ser palpados para investigar lesões vasculares. Sistema nervoso: O exame neurológico nesta fase inclui a avaliação motora e sensorial das extremidades junto à reavaliação do nível de consciência e tamanho e simetria das pupilas. Nos pacientes com trauma craniano é necessária uma consulta precoce com um neurocirurgião. Tratamento Definitivo Após a análise das lesões, quando o tratamento excede a capacidade da instituição que recebeu o doente, a transferência é considerada. Esta depende da estabilidade hemodinâmica do paciente, ou de qualquer fator que possa influenciar seu prognóstico. Referências American College ou Surgeons (ACS), Committee On Trauma. Advanced Trauma Life Support. 10.ed, 2018.
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Anest esi a noTr auma
CAPÍ TULO
02
-AnaRaquelFer r ei r adeOl i vei r a. -Dani el l eCr i st i nadeOl i vei r a Soar es. -Davi dSi l vei r aMar i nho. -Her onKai r oSabói aSant ’ Anna Li ma. t oCésarPont esI bi api na. -Rober
O número de cirurgias relacionadas ao trauma em países em desenvolvimento é bastante alto e continua em crescimento. Inicialmente, todos os pacientes politraumatizados devem ser manejados de acordo com as orientações do Capítulo 01 – Atendimento Inicial ao Paciente Politraumatizado. Alguns tipos de injúrias podem passar pelo atendimento inicial da sala de emergência e serem diagnosticadas somente na sala de cirurgia. Portanto, o conhecimento pelo médico anestesiologista e pelo cirurgião de todas as fases da avaliação primária e secundária é essencial e deve ser sistematizado conforme já estudado. A seguir, abordaremos algumas particularidades dessa avaliação no contexto da anestesiologia. Avaliação do Politraumatizado Vias aéreas e Intervenções A avaliação da via aérea deve ser realizada pensando em alguns objetivos: dificuldade de cooperação do paciente, dificuldade de ventilação sob máscara ou aposição de dispositivo supraglótico, dificuldade de intubação orotraqueal e finalmente a dificuldade de abordar a via aéra de forma cirúrgica. Após realizada a avaliação, aplicar como sugestão o algoritmo da ASA (Associação Americana de Anestesiologia) de abordagem à via aérea difícil com modificações aplicadas ao trauma (Fluxograma 02.1, ao final do capítulo). Muitas vezes a opção de adiar o procedimento e acordar o paciente não será possível pela emergência do procedimento e em alguns casos intubar o paciente acordado será a melhor alternativa. Algumas particularidades na abordagem da via aérea desses pacientes devem ser respeitadas e algumas modificações são realizadas na técnica padrão de intubação (Quadro 02.1): Todos pacientes politraumatizados são considerados “estômago cheio”. Se as condições permitirem, levantar histórico de via aérea difícil prévia. Fazer a avaliação clínica da via aérea conforme o método mneumônico “LEMON”. A ventilação manual sob máscara facial ou dispositivos supraglóticos fica restrita a situações de resgate das vias aéreas para prevenção de hipoxemia. A intubação deve ser realizada em “sequência rápida” (Quadro 02.1). Em pacientes agitados e não-cooperativos, a anestesia tópica da via aérea pode ser impossível e a administração de sedativos pode resultar em obstrução da via aérea e risco aumentado de aspiração de conteúdos gástricos. Tipos de trauma específicos também geram algumas particularidades no momento da abordagem da via aérea tanto na emergência e principalmente na sala de cirurgia (Quadro 02.2).
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Quadro 02.1 - Intubação e Indução de Sequência Rápida para Pacientes Politraumatizados Passo
Descrição
I
Esteja familiarizado com o algoritmo de via aérea difícil da ASA
II
Esteja já com opções de via aérea não-invasivas alternativas prontas (máscaras faciais, cânulas orofaríngeas e nasofaríngeas, dispositivos supraglóticos)
III
Avalie a via aérea e esteja com material preparado para múltiplos planos, inclusive invasivos
IV
Pré-oxigene com oxigênio 100% sob máscara
V
Remova a porção anterior do colar cervical e aplique a estabilização manual da cabeça e pescoço se trauma cervical é suspeito
VI
Administre medicações apropriadas IV, como indicado pelo quadro clínico e hemodinâmico do paciente (sedativos/hipnóticos e relaxantes musculares)
VII
Aplique a pressão cricóide até completa intubação traqueal, insuflação do cuff e confirmação da curva de capnografia. Caso necessário soltar para laringoscopia adequada, soltar um pouco a pressão
VIII
Caso necessário ventilar manualmente com oxigênio 100% usando pressão <15cmH2O para prevenir (ou tratar) hipoxemia e hipercarbia antes (ou entre) as tentativas de intubação. Continue a pressão cricóide durante a ventilação bolsa-máscara a não ser que atrapalhe a ventilação
IX
Confirme a correta posição do tubo endotraqueal através da visualização do tubo passando pelas cordas vocais, presença de ETCO2 sustentada, ausculta de sons respiratórios e visualização da expansão torácica
X
Após a intubação com sucesso, administre doses adicionais de sedativos-hipnóticos e analgésicos ou inicie um anestésico volátil, conforme as necessidades. Considere também o uso de relaxante muscular não-despolarizante se apenas a succinilcolina foi usada no contexto da indução
Quadro 02.2 - Particularidades de Traumas Específicos e Abordagem de Via Aérea TCE, Trauma Penetrante Ocular e Lesões de Grandes Vasos Manter o paciente em plano anestésico e relaxamento muscular profundo para impedir reações de tosse e hipertensão que levem ao aumento da pressão intracraniana, extravasamento de conteúdo ocular ou deslocamento de coágulos de vasos Lesão de Coluna Cervical Trauma Buco-Maxilo-Facial Continua na próxima página
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Continuação do Quadro 02.2 Realizar o posicionamento em hiperextensão cervical para intubação somente se avaliação já realizada e paciente sem suspeita de lesão. Caso paciente com colar e sem confirmação de lesão, abordar com estabilização manual de cabeça e pescoço como descrito anteriormente. Outras medidas como uso da videolaringoscopia, bougie como guia, intubação retrógrada ou até cricotireoidostomia podem ser pensadas nesse contexto pela abordagem mais difícil de via aérea Muitas vezes a abordagem cirúrgica inicial tem que ser a realizada pela impossibilidade de laringoscopia com segurança. Considera-se que fraturas cominutivas mandibulares, fraturas Le Fort III bilaterais e panfaciais talvez sejam melhor manejadas com traqueostomia para cirurgia definitiva. Fraturas em base de crânio contraindicam intubação nasotraqueal e passagem de cânulas nasogástricas
Respiração Anormalidades encontradas na ventilação ou oxigenação do paciente após intubação traqueal confirmada com segurança devem ser avaliadas. Lesões como pneumotórax, hemotórax, traumas pulmonares ou cardíacos contusos devem ser investigadas e pensadas no contexto da avaliação do paciente politraumatizado e exames como radiografia de tórax, ultrassonografia e até tomografia podem ser solicitados para complementação. Manejo do Choque Hemorragia é a causa mais comum de hipotensão relacionada ao trauma. Outras causas comuns de hipotensão são anormalidades cardíacas (contusão miocárdica, tamponamento cardíaco, doença cardíaca pré-existente), pneumotórax, hemotórax e lesão medular. Pacientes com sangramento ativo, o principal tratamento é o controle cirúrgico da lesão. Os pacientes devem ser classificados de acordo com a classificação de choque hemorrágico do ATLS e a terapêutica de reposição volêmica e de hemocomponentes guiada pela gravidade. Além dessa classificação pode ser utilizado o “Shock Index”. Esse último é a razão entre a frequencia cardíaca do paciente (FC) e a pressão arterial sistólica (PAS). O índice parece ser um preditor de mortalidade e avaliação de choque precoce. Outro escore utilizado para avaliar a gravidade do choque e assim orientar a melhor estratégia de reanimação é o escore ABC “Assessment of Blood Consumption” (Quadro 02.3). Quadro 02.3 – Escores utilizados para avaliação de choque e início de Manuseio de Hemorragia Grave (MHEG) “Shock Index” Escore ABC Razão = FC / PAS Frequência Cardíaca / Pressão Art. Sist. Normal= 0,5 – 0,7
Mecanismo Penetrante (0 não, 1 sim)
Baixo Risco= 0,7- 0,9
FC ≥ 120 bpm (0 não, 1 sim)
Alto risco= 0,9 – 1,3
FAST Positivo (0 não, 1 sim)
PAS ≤ 90 mm Hg (0 não, 1 sim)
Pacientes com escore ABC igual ou maior a 2 ou dependendo do julgamento clínico iniciam o Protocolo de Manuseio da Hemorragia Grave - MHEG
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Em algumas instituições, como no Instituto Dr. José Frota, quando o escore ABC apresenta dois ou mais pontos, é ativado um Protocolo de Manuseio de Hemorragia Grave MHEG, de acordo com o Fluxograma 02.2. O atual conceito de Cirurgia de Controle de Danos defende que, após a identificação de uma hemorragia grave, é recomendável tolerar hipotensão (pressão média por volta de 50mmHg), controlar rapidamente a fonte do sangramento e abreviar o tempo cirúrgico. Outras medidas são minimizar a infusão de cristaloides, usar ácido tranexâmico, empregar estratégias de reanimação hemostática (como o uso de pacotes transfusionais na proporção 1:1:1) e corrigir eventuais desvios nos pré-requisitos da coagulação (acidose, hipotermia e hipocalcemia). Outra cirurgia definitiva pode ser necessária após a estabilização inicial do paciente. Hipotensão permissiva está contraindicada em TCE, lesões medulares e em pacientes idosos hipertensos crônicos. Nesses indivíduos a adequada perfusão é crucial e o conceito de hipotensão permissiva deve ter seu uso clínico evitado nessas situações. O excesso de cristalóides é associado ainda com maior mortalidade e piores índices de perfusão tecidual (como aumento do lactato e déficit de bases). Uma das principais metas do tratamento do choque no trauma é interrromper a conhecida Tríade Letal do Trauma: acidose, hipotermia e coagulopatia dilucional. Tratar os distúrbios hidroeletrolíticos adequadamente, medidas que evitem a hipotermia e a tranfusão racional dos hemocomponentes são essenciais nesse processo. Dessa forma, o tratamento do choque será sempre um balanço difícil entre o controle cirúrgico, hidratação com cristalóides e transfusão sanguínea. Traumas Específicos e Manejos Anestésicos Traumas Cranioencefálicos Em adultos esses traumas geralmente não são associados com hipotensão. Todavia, pacientes com TCE podem ter outras lesões associadas e crianças podem apresentar instabilidade hemodinâmica pelo próprio TCE. Importante tratar hipotensão rapidamente, pois a baixa perfusão cerebral aumenta a área lesionada. O exame neurológico deve ser realizado de preferência antes da administração de sedativos ou relaxantes musculares Outras medidas que devem ser consideradas para diminuir a lesão cerebral são evitar hipoxemia, anemia, aumentos de pressão intracraniana (PIC), acidose e hipo ou hiperglicemia. No Quadro 02.4 temos algumas metas sobre o manejo que devem ser buscadas em pacientes com TCE com o objetivo de evitar o aumento da lesão secundária. Quadro 02.4 – Metas gerais para manejo durante anestesia de pacientes com TCE PAM (pressão arterial média) > 80mmHg ou PAS (pressão arterial sistólica) > 100mmHg SaO2 > 95% e PaO2 > 100mmHg ETCO2 entre 35-40mmHg ( ETCO2 pode ser tolerável até 25mmHg somente se risco de herniação cerebral iminente)
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Continuação do Quadro 02.4 PIC (pressão intracraniana) < 20-25mmHg. Idealmente entre 5-15 mmHg PPC (pressão de perfusão cerebral) ≥ 60mmHg (PPC = PAM-PIC) Temperatura fisiológica (36-38°C) Glicose 80-180 mg/dL Hemoglobina > 7g/dL Na+ 135-145 mEq/L pH 7,35-7,45 Plaquetas≥ 75000/ mm3 e INR ≤ 1.4
Traumas Medulares A avaliação do paciente deve ser realizada conforme a abordagem ao paciente politraumatizado. Quando ao contexto da anestesiologia é importante ressaltar o conceito de choque medular e choque neurogênico. O choque neurogênico é caracterizado por hipotensão, bradicardia e hipotermia causada pela perda do tônus vasomotor e simpático da inervação do coração como resultado da perca de função das vias descendentes simpáticas da medula espinhal. Inicialmente pode haver uma hipertensão severa ocasionada pela liberação de catecolaminas pelas adrenais seguida dos sintomas de choque. Geralmente está presente após lesões na coluna torácica (lesões de T6 para cima) e cervical com melhora dentro de 3 a 5 dias. O choque medular é a perca do tônus muscular e perca dos reflexos que ocorre imediatamente após a lesão espinhal, após um período de tempo a espasticidade aparece. No Quadro 02.5 temos as principais recomendações quanto a anestesia nesse tipo de trauma. Quadro 02.5 - Manejo Anestésico de Traumas Medulares Atenção para manejo da via aérea – ver anteriormente tópico de via aérea Mesmas recomendações de evitar hipotensão e baixa pressão de perfusão cerebral do TCE Podem ocorrer bradicardias severas e arritmias durante indução anestésica pelo quadro de perda do tônus simpático – esteja pronto para essa emergência Pacientes com lesão em C4 ou acima podem necessitar de suporte ventilatório definitivamente Maior risco de broncoaspiração, pneumonias e atelectasias Maior risco de trombose venosa profunda, iniciar profilaxia com heparina assim que possível Uso de vasopressores e/ou inotrópicos será necessário em muitos desses pacientes. Se disponível a monitorização hemodinâmica invasiva é uma boa escolha
Traumas Torácicos Os traumas torácicos muitas vezes envolvem múltiplos arcos costais que levam a dispnéia e dor intensa. O papel do anestesiologista ao promover analgesia com anestesia Página 30
epidural, bloqueio paravertebral, intercostal ou bloqueio do eretor da espinha é essencial para melhorar o padrão respiratório e evitar atelectasias e pneumonia. O pneumotórax é muitas vezes uma lesão que passa sem diagnóstico pela avaliação inicial e muitas vezes apresentam-se clinicamente após a intubação traqueal na sala de cirurgia quando é iniciada a ventilação mecânica com pressão positiva. Além do raio-X de tórax na avaliação do pneumotórax outra valiosa ferramenta é o uso do US para avaliação pulmonar. Para mais informações leia o Capítulo 05 – Trauma Torácico. Para pacientes que serão submetidos à cirurgia com anestesia geral e ventilação sob pressão positiva, mesmo pequenos pneumotórax devem ser drenados. Outras lesões torácicas incluem o hemotórax, lesões cardíacas e de grandes vasos que muitas vezes levam ao estado de choque grave com tamponamento cardíaco e tornam o manejo anestésico difícil desses pacientes. Intervenções cirúrgicas rápidas são necessárias e indução anestésica deve ser realizada já com cirurgião e material prontos. Pode ocorrer parada cardíaca logo após a indução e a rápida toracotomia com massagem cardíaca interna e drenagem do tamponamento podem ser salvadoras. Trauma Abdominal e Pélvico Após a indução anestésica é bastante comum à hipotensão franca ao abrir a cavidade abdominal em casos de sangramento peritoneal importante. Além da contribuição das drogas hipnóticas e analgésicas ocorrem mais sangramento e descompressão dos vasos esplânicos levando a vasodilatação. O anestesiologista deve estar atento a esse momento e pronto para reposição volêmica agressiva, com cristalóides e/ou hemocomponentes a depender do caso. Acesso venoso calibroso já garantido antes desse momento é essencial. Lesões pélvicas podem ser graves quando associadas a instabilidade hemodinâmica. Sangramentos retroperitoneais muitas vezes são de difícil controle e fazem da rápida fixação externa uma medida fundamental. Pacientes podem ter lesão de uretra associada e idealmente devem fazer uma avaliação antes da inserção de cateter vesical. Injúrias de Extremidades Nos casos de injúrias de membros o foco do anestesiologista deve ser no rápido reconhecimento de traumas vasculares associados. A presença de dor, palidez, parestesias e ausência de pulso são sinais clínicos de isquemia. A síndrome compartimental e a isquemia de membros podem ser evitadas com essa conduta de avaliação dos membros cautelosa. Pacientes anestesiados podem ter esse diagnosticado retardado pois não queixam-se de dor. Presença de membros com compartimentos musculares apresentando pressão maior que 30 cmH2O é uma indicação de cirurgia imediata. O uso do US com doppler ou até a realização de angiografias são necessárias para os diagnósticos duvidosos de lesões vasculares.
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Monitorização Hemodinâmica No cenário do paciente vítima de grandes traumas, a monitorização hemodinâmica assume um papel ímpar, tendo em vista que a principal causa de morte nestes pacientes é o choque hipovolêmico e suas complicações. Alguns dispositivos ganham destaque neste contexto. Pressão Arterial Invasiva Idealmente deve ser instalada antes da cirurgia. Aconselha-se a punção arterial guiada por ultrassonografia ou punção direta após dissecção do vaso nos casos em que haja dificuldade técnica. O vaso de escolha em traumas torácico e abdominal é a artéria radial, pois há o risco de clampeamento da aorta o que tornaria as artérias femoral e pediosa não funcionais. Especificamente, em trauma torácico a artéria radial direita é preferível devido ao risco de clampeamento da aorta descendente levar a oclusão da artéria subclávia esquerda. Através de uma linha arterial é possível, além de monitorizar os níveis pressóricos em tempo real, coletar amostras para gasometria arterial com maior facilidade e, em pacientes sob ventilação mecânica, estimar o status volêmico e a fluidorresponsividade. Os índices derivados na análise das ondas de pressão arterial que predizem a responsividade a fluidos são: Variação Pressão Sistólica (VPS) e seu Delta Down (Δdown); Variação de Pressão de Pulso (VPP); e Variação do Volume Sistólico(VVS). Tais índices podem ser obtidos de maneira acurada conectando a linha arterial aos modernos monitores minimamente invasivos (PiCCO®; LiDCO®; FloTrac/Vigileo®). Esta tecnologia, porém, está limitada para pacientes em ventilação mecânica controlada, com volume corrente entre 7-8ml/kg, tórax fechado e ritmo sinusal. Os valores limites destes índices e sua interpretação estão descritos na tabela abaixo (Quadro 02.6). Quadro 02.6 - Interpretação dos Índices Hemodinâmicos Dinâmicos Índice VPS > 5 mmHg Δdown > 2 mmHg VVS > 12% VPP > 12% Interpretação Hipovolemia Responsividade a fluidos
Acesso Venoso Segundo o ATLS, são necessários, pelo menos, dois acessos venosos periféricos calibrosos (14 ou 16 gauge), a princípio. Rotineiramente, os pacientes já chegam ao centro
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cirúrgico com pelo menos um acesso periférico puncionado. Qualquer acesso puncionado previamente deve ser cuidadosamente testado para confirmação de fácil injeção, fluxo gravitacional e retorno de sangue. Não se aconselha desprezar nenhum acesso venoso prévio, mesmo que não esteja em condições ideais, até que uma nova linha venosa seja obtida. A punção de um acesso venoso central (AVC) não é mandatória, mas essa decisão é prudente em contextos como: grandes traumas; expectativa de tempo cirúrgico prolongado; necessidade de expansão volêmica maciça e uso de drogas vasoativas; expectativa de cuidados intensivos no pós-operatório; pacientes com injúria miocárdica comprovada ou altamente provável. Todavia, a instalação de um cateter venoso central não deve postergar o início da cirurgia de emergência. A escolha do sítio de punção do AVC vai depender da familiaridade do profissional, do tempo-hábil e de considerações específicas do paciente. Sítios próximos à cabeça do paciente (veia jugular interna, veia subclávia) têm a vantagem de serem facilmente acessados pelo anestesiologista durante a cirurgia, mas podem necessitar da retirada do colar cervical para punção. O acesso pela veia femoral, embora não seja tão familiar para o anestesiologista, é de instalação rotineira pelos cirurgiões e pode, inclusive, ser puncionado pelo cirurgião simultaneamente à indução anestésica e intubação traqueal. Entretanto, este sítio não é uma boa indicação em caso de traumas torácico e abdominal, devido ao risco de lesão vascular e, consequentemente, falha na ressuscitação volêmica por esta via, além de poder piorar a hemorragia e dificultar a visualização cirúrgica. Ecocardiografia O ecocardiograma transesofágico (ETE) permite identificar contusão miocárdica, lesões septais ou valvares, tamponamento pericárdico e ruptura aórtica, além de possibilitar a avaliação da função cardíaca, volumes ventriculares, fração de ejeção (FE), débito cardíaco e de detectar sinais de isquemia miocárdica aguda de forma mais acurada do que o eletrocardiograma. O volume intravascular pode, ainda, ser inferido por esta avaliação. No intraoperatório, esta técnica permite a visualizar a entrada de ar ou gordura nas câmaras cardíacas, fazendo o diagnóstico precoce de embolia aérea ou gordurosa. Em caso de suspeita ou confirmação de lesão esofágica ou coluna cervical, a instalação deste dispositivo está proscrita. Já o ecocardiograma transtorácico (ETT) é interessante para o uso na estratégia point of care, na qual uma avaliação objetiva e direcionada é realizada antes do início da cirurgia. Permite a avaliação cardíaca qualitativa e quantitativa. A análise qualitativa, no contexto no trauma, é a mais relevante devido à rapidez com que é executada por examinador experiente. Por meio desta, o estado de hipovolemia é sugerido ao visualizar câmaras cardíacas pouco preenchidas, com suas paredes entrando em contato no final da sístole, presença de taquicardia e fração de ejeção elevada. A veia cava inferior fina e colapsável com o ciclo respiratório corrobora com este diagnóstico. A avaliação quantitativa é mais complexa, mas permite o cálculo do volume sistólico (VS), variação de volume sistólico
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(VVS), fração de ejeção e débito cardíaco. Através desses parâmetros pode-se identificar quatro cenários distintos com necessidade de diferentes intervenções: (1) VS e FE normais, não necessitando de intervenção; (2) VS baixo e FE elevada, sugerindo hipovolemia e necessidade de fluidos; (3) VS e FE baixos, sugerindo disfunção miocárdica e necessidade de agentes inotrópicos; (4) VS normal e FE elevada, sugerindo vasodilatação e necessidade vasopressor. Monitorização do Débito Cardíaco Deve ser monitorizado rotineiramente nos grandes traumas por ser um indicador da perfusão tecidual, hemólise e intensidade da injúria musculoesquelética. Em condições normais de perfusão, espera-se um débito urinário (DU) de 1-2ml/kg/h. A monitorização do DU pode ser prejudicada em casos de grande choque hipovolêmico prévio à intervenção cirúrgica ou se uso de diuréticos osmóticos, como manitol e contraste radiopaco. A coloração da urina também possui relevância clínica. Urina escurecida popularmente conhecida como “cor de cola-cola” sugere tanto hemoglobinúria que, por sua vez, pode ser consequência de hemólise intravascular por incompatibilidade sanguínea pós-transfusão, como mioglobinúria, causada por lesão musculoesquelética maciça. Ambas condições estão relacionada com lesão renal aguda e sua prevenção inclui estimular a diurese com fluidos e manitol. Por outro lado, urina avermelhada sugere hematúria e, no contexto do trauma, é indicador de lesão do trato urinário. Monitorização Respiratória Oximetria de Pulso A hipotermia, hipotensão e hipoperfusão periférica são fatores que dificultam a leitura da saturação periférica de oxigênio (SpO2) pelo oxímetro de pulso, sobretudo nos dispositivos colocados nos dedos ou lobo da orelha. O uso de dispositivo apropriado para monitorizar a SpO2 a partir da pulsação da artéria supraorbitária (posicionado na testa do paciente) reduz a interferência dos fatores descritos, pelo fato deste vaso ser um ramo direto da artéria carótida, sendo, portanto, uma alternativa viável nos pacientes vítimas de trauma que apresentam dificuldade de medidas em sítios tradicionais. Capnometria O capnógrafo é um dispositivo utilizado para monitorização respiratória, mas que também fornece informações dinâmicas sobre o débito cardíaco. A pressão expiratória final de CO2 (ETCO2) tem relação direta com a pressão arterial de CO2 (PaCO2), mas também varia conforme mudanças sofridas pelo débito cardíaco. Mantendo-se a ventilação minuto fixa, as variações sofridas pela ETCO2 podem ser atribuídas à variação do débito cardíaco. Valores ETCO2 < 25mmHg no paciente vítima de trauma estão relacionados à maior mortalidade.
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A diferença entre PaCO2 e ETCO2 pode ser mensurada afim de obter informações sobre a perfusão global. Quanto maior for esta diferença, mais comprometida estará a perfusão pulmonar, justificando o aumento da PaCO2 e a redução da ETCO2. Valores de PaCO2 – ETCO2 maiores que 10 mmHg após ressuscitação volêmica predizem maior mortalidade. Monitorização da Coagulação A monitorização convencional da coagulação sanguínea envolve a dosagem basal e seriada do INR, TTPA, contagem de plaquetas, fibrinogênio sérico e produtos da degradação da fibrina (PDF). No entanto, mesmo em hospitais terciários, por questões logísticas, o intervalo despendido entre coleta de amostra e liberação de resultados atrasa a tomada de decisões críticas que necessitam de agilidade. Neste contexto, ganha destaque uma modalidade de monitorização da coagulação point-of-care, a tromboelastometria, que permite uma avaliação da hemostasia relativamente rápida, de forma gráfica e facilmente interpretada. A tromboelastometria, através do sistema ROTEM®, determina em poucos minutos o tempo necessário para a formação inicial da fibrina, a rapidez de deposição da fibrina, a consistência do coágulo, e os tempos necessários para retração e lise do coágulo. O tempo de coagulação (CT) determina o nível de anticoagulação ou a deficiência de fatores de coagulação; o tempo de formação do coágulo (CFT) determina a qualidade do coágulo e a sua consistência, tendo relação direta com a trombina; o ângulo alfa tem relação com a dinâmica da formação do coágulo e indica a presença de estados de hipercoagulabilidade ou hipocoagulabilidade; a firmeza máxima do coágulo (MCF) determina a interação e a participação da fibrina e das plaquetas; e a lise máxima (ML) determina o percentual de lise do coágulo, ® possibilitando a identificação de estados de hiperfibrinólise (Figura 02.1). O ROTEM tem quatro canais independentes que podem ser usados simultaneamente, sendo que os ensaios mais analisados são explicados na tabela abaixo (Quadro 02.7). Quadro 02.7 – Ensaios realizados pelo ROTEM® EXTEM: ativação da coagulação extrínseca. Analisa a via extrínseca, proporcionando a mensuração da fibrinólise, e a formação do coágulo. APTEM: ativação da coagulação extrínseca com ação do inibidor da fibrinólise (aprotinina). Analisa a presença de fibrinólise e a deficiência do fator XIII INTEM: avalia a via intrínseca com medidas da polimerização da fibrina e a formação do coágulo. HEPTEM: ativação da coagulação intrínseca com ação da enzima que degrada heparina (heparinase I). FIBTEM: ativação da coagulação extrínseca com inibição das plaquetas pela citocalasina D. Representa a fibrina no coágulo e analisa uma avaliação qualitativa dos níveis de fibrinogênio
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Figura 02.1 – Representação de tromboelastograma do dispositivo de monitorização da coagulação point-of-care ROTEM®. Ver texto para as siglas.
Drogas Anestésicas e Adjuvantes Para indução e manutenção da anestesia geral no contexto do trauma, algumas condições clínicas merecem destaque por terem particularidades na escolha dos anestésicos: (1) via aérea comprometida; (2) hipovolemia; (3) lesões intracranianas e traumas oculares abertos; (4) lesão cardíaca; (5) grande queimado. Comprometimento de Via Aérea Primeiramente, na suspeita de obstrução de via aérea superior ou de limitações anatômicas para intubação, não se deve induzir o paciente até que a suspeita seja descartada. Se houver tempo hábil, pode-se avaliar melhor a via aérea do paciente utilizando anestesia tópica e leve sedação, com auxílio do laringoscópio comum, videolaringoscópio ou fibroscópio, antes da indução anestésica. Para indução em sequência rápida, os hipnóticos sugeridos são etomidato (0,3mg/kg) e cetamina (1-2mg/kg ou fazer bolus de 10mg até hipnose), por proporcionarem maior estabilidade hemodinâmica. No entanto, é possível sim haver piora da hipotensão mesmo com uso desses agentes, no caso do etomidado por inibir a liberação de catecolaminas e, no caso da cetamina, por depressão miocárdica direta. O propofol não seria a melhor escolha de hipnótico por gerar, comparativamente, maior depressão cardiovascular. O relaxante muscular - essencial para intubação em sequência rápida – de escolha é a succinilcolina (1mg/kg), devido seu curto início e duração de ação (cerca de 60 segundos e 6 minutos, respectivamente). Por ser um bloqueador neuromuscular despolarizante, alguns de seus efeitos colaterais contraindicam seu uso, como o aumento da pressão intraocular, aumento da pressão intracraniana e hipercalemia. Nestes casos, o rocurônio na dose de 1,2-1,5mg/kg é uma alternativa, proporcionando condições ótimas para intubação em cerca de 45 segundos, porém com duração de ação prolongada (cerca de 40 minutos). Esta seria uma desvantagem do rocurônio, sobretudo quando a intubação e a ventilação não
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obtiverem sucesso. Nestas situações, a reversão do bloqueio muscular com uso de sugamadex é uma estratégia para rápido retorno a ventilação espontânea. Hipovolemia Para otimizar a escolha do anestésico e seu modo de administração é preciso, primeiramente, entender alguns conceitos. Em primeiro lugar, todos os agentes anestésicos tem potencial de causar não só depressão cardiovascular direta, como de inibir os mecanismos compensatórios hemodinâmicos fisiológicos (reflexo barroceptor e liberação reflexa de catecolaminas, principalmente). Em segundo lugar, o estado de hipovolemia eleva a concentração plasmática dos agentes anestésicos acima da esperada em pacientes euvolêmicos e, ainda, aumenta a sensibilidade do miocárdio e do sistema nervoso central à sua ação. Por fim, deve-se ressaltar que nos pacientes vítimas de trauma, os mecanismos compensatórios hemodinâmicos são ativados por vários gatilhos (dor, hipovolemia, descarga simpática induzida diretamente pelo trauma), o que explica muitos pacientes darem entrada na sala de cirurgia normotensos mesmo que hipovolêmicos, as custas da ativação máxima dos mecanismos supracitados. Sabendo disso, para o uso racional dos fármacos no contexto do trauma é importante fazer uma estimativa acurada da perda volêmica e, assim, reduzir as doses de anestésicos de forma proporcional. Na indução da anestesia geral, deve-se considerar dois possíveis cenários: o paciente que dá entrada hipotenso, o que sugere choque descompensado; e o paciente normotenso, mas sabidamente hipovolêmico, o que indica choque compensado. Na primeira situação, qualquer anestésico irá produzir hipotensão significativa com risco de parada cardiorrespiratória. Idealmente, o volume intravascular deve ser restaurado antes da administração de qualquer fármaco. No entanto, quando isso não é possível, em casos de choque grave deve-se considerar proceder intubação traqueal sem administrar anestésicos ou administrando apenas bloqueador neuromuscular de ação rápida ou ainda associando bloqueador neuromuscular com doses mínimas de hipnótico, deixando o opioide para um segundo momento. Em se optando por usar apenas bloqueador neuromuscular ou ainda não utilizar nenhuma droga, pode-se considerar uso de baixas doses de midazolam, se o paciente tolerar, a fim de minimizar a consciência e memória do procedimento. Já no segundo cenário, é prudente tentar atingir a euvolemia antes da indução anestésica. É possível o uso de opioides com dose reduzida. Os hipnóticos de escolha são o etomidato e cetamina, mas outros hipnóticos e adjuvantes podem ser considerados, desde que suas doses sejam proporcionalmente reduzidas nos pacientes instáveis. Na manutenção da anestesia geral, os cuidados são semelhantes. Opta-se por anestesia balanceada ao invés de venosa total devido ao potencial cardiodepressor do propofol. De maneira semelhante aos demais anestésicos, o paciente hipovolêmico necessita de menores concentrações de anestésicos inalatórios para hipnose adequada. Isso porque a concentração alveolar mínima (CAM) desses agentes sofre redução em torno de 25% nos pacientes hipovolêmicos vítimas de trauma. Todos os agentes inalatórios causam algum grau de depressão cardiovascular de forma concentração-dependente e, por isso, dá-se
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preferência àqueles de menor solubilidade para que a depressão hemodinâmica por eles induzida possa ser rapidamente revertida uma vez interrompida a oferta. Apesar da recomendação da diminuição de doses dos anestésicos nas situações de instabilidade e trauma, já que a necessidade é realmente menor nesses casos, o anestesiologista deve estar sempre atento para ainda manter um plano adequado de anestesia e, se preciso, iniciar vasopressores para minimizar os efeitos cardiodepressores e vasodilatadores dos anestésicos. As cirurgias de emergência de pacientes com instabilidade hemodinâmica estão muito associadas a lembranças intraoperatórias podendo causar liberação aumentada de catecolaminas no procedimento e estresse pós-traumático. Lesões Intracranianas e Traumas Oculares Abertos Em pacientes vítimas de lesões intracranianas, sobretudo os hematomas traumáticos, os anestésicos utilizados para indução e manutenção da anestesia devem produzir o menor aumento da pressão intracraniana (PIC), a menor redução da pressão arterial média (PAM) e a maior redução da taxa metabólica cerebral de O 2 (TMCO2). Isso porque a presença de um hematoma intracraniano expõe o paciente a significativo risco de isquemia cerebral que é agravada com a redução da pressão de perfusão cerebral (PPC = PAM - PIC). Em pacientes vítimas de trauma ocular aberto, o raciocínio é semelhante e maior cuidado devese ter para evitar aumento da pressão intraocular (PIO) pelo risco de evisceração. Todos os hipnóticos venosos causam algum grau de vasoconstricção cerebral e consequente redução da PIC, além de reduzirem a TMCO2. Contudo, o seu efeito cardiodepressor, excetuando-se a cetamina, reduzem também a PAM, podendo levar à redução da PPC. Uma estratégia para minimizar esta depressão miocárdica é um administrar baixas doses de opioide (por exemplo, fentanil 2-3mcg/kg) a fim de reduzir a dose de hipnótico necessária, devido ao seu efeito sinérgico. Esta estratégia também funciona para reduzir o risco de mioclonias pelo uso de etomidato e, assim, reduzir o risco de aumento da PIC e da pressão intraocular (PIO). Outra estratégia consiste na administração de vasopressores para aumentar a PAM. Em relação aos bloqueadores neuromusculares, a succinilcolina sabidamente aumenta a PIC e a PIO de forma secundária às fasciculações provocadas, portanto, deve ser evitada nestes pacientes em questão. Um alternativa, como já foi citada, é o rocurônio na dose de 1,2-1,5mg/kg que, assim como todos os bloqueadores neuromusculares adespolarizantes, não causam aumento da PIC ou da PIO. Na indisponibilidade de rocurônio e necessidade de usar succinilcolina, pode-se tentar minimizar as fasciculações administrando baixas doses de um bloqueador neuromuscular não despolarizante como pré-tratamento. Para manutenção da anestesia deve-se atentar que todos os agentes inalatórios, de maneira contrária aos hipnóticos venosos, causam vasodilatação cerebral, aumento do fluxo sanguíneo cerebral (FSC) e, consequentemente, da PIC. Eles também reduzem o mecanismo de autorregulação cerebral, a responsividade ao CO2 e a TMCO2. O grau de vasodilatação cerebral varia com o tipo de gás e sua concentração. Isoflurano, sevoflurado e desflurano causam menor efeito vasodilatador. Concentrações inferiores a uma CAM também
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se associam a menor vasodilatação cerebral. É preciso, portanto, considerar essas variáveis ao optar-se por manutenção da anestesia com inalatório nesses pacientes. Em casos de PIC muito elevadas é prudente não utilizar ou postergar o uso de inalatórios até que o crânio seja descomprimido ou a PIC controlada. Abaixo quadro com algumas recomendações sobre anestesia em pacientes com TCE. (Quadro 02.8) Quadro 02.8 - Considerações sobre a anestesia particulares a pacientes com TCE Manter cabeceira elevada a 30° / sedação e relaxamentos adequados para evitar aumentos da PIC Se necessário para abaixar PIC, administrar manitol 0,25-0,5 g/kg até de 6/6h – Atenção para hipotensão! Doses maiores que 2g/kg são associadas a toxicidade. Evitar soluções de hidratação hipotônicas (preferir SF 0,9% em relação ao Ringer Lactato) Salina hipertônica pode ser usada em concentrações variadas (3%- 6 a 8ml/kg ou 7,5% 4ml/kg) principalmente nos pacientes hipotensos para controle da PIC Anticonvulsivantes profiláticos para todos TCE não são indicados, mas em lesões graves ou pacientes que apresentaram episódios convulsivos devem ser administrados – Fenitoína 1g EV (dose de ataque – máximo velocidade de infusão 50mg/min) seguida de manutenção 100mg 8/8h O uso de coma induzido por barbitúricos para redução da PIC é indicado somente quando não há sucesso com outras medidas de controle. Não deve ser feito em pacientes hipotensos. Se possível escolher técnica anestésica com menor efeito na PIC (anestesia venosa é preferida em relação a inalatória e caso fazer inalatória não ultrapassar 1 CAM – concentração alveolar mínima- do anestésico inalatório)
Lesão Cardíaca No tamponamento cardíaco deve-se manter a pré-carga adequada e evitar bradicardia, para garantir débito cardíaco. Todas as drogas anestésicas causam algum grau de depressão miocárdica ou vasodilatação, interferindo no débito cardíado. Por isso, a melhor opção seria administrar anestésicos apenas após a resolução do tamponamento através de uma pericardiocentese com anestesia local. Quando isso não é possível e a anestesia geral precisa ser feita, a indução deve ser realizada apenas após posicionamento do paciente, colocação dos campos e estando o cirurgião paramentado a beira leito. Deve-se utilizar as menores doses de anestésicos possíveis e evitar elevadas pressões na via aérea sob ventilação controlada, sobretudo a PEEP. A cetamina é uma boa droga para indução nestes pacientes. Na contusão miocárdica, além de manter o débito cardíaco adequado deve-se evitar aumentos adicionais da resistência vascular pulmonar, uma vez que esta frequentemente já está acima do normal como consequência de contusões pulmonares, atelectasias e aspiração. O volume intravascular deve ser restaurado e a pré-carga otimizada. Se necessário introduzir inotrópicos, o de escolha é a milrinona. Deve-se considerar a manutenção
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da anestesia de forma venosa a fim de minimizar a depressão miocárdica produzida pelos inalatórios. Grande Queimado Nestes pacientes várias dificuldades estão presentes. A pele queimada limita dispositivos de monitorização, como cardioscópio, oxímetro, monitor neuromuscular e monitor de pressão arterial não invasiva. Podem ser necessários grampos cirúrgicos ou eletrodos de agulha, oxímetro de refletância e uma linha arterial. Além disso, um acesso venoso calibroso é essencial. Como esses pacientes estão muito suscetíveis à hipotermia, medidas de prevenção devem ser instituídas, como manter a superfície queimada coberta, garantir temperatura ambiente entre 28-32ºC, infundir fluidos e sangue aquecidos, e umidificar os gases ofertados. A depender da fase, o grande queimado responde de maneira diferente aos agentes anestésicos. Na fase de ressuscitação, as doses de anestésicos devem ser reduzidas para evitar depressão hemodinâmica excessiva. Já na fase hiperdinâmica, doses maiores de anestésicos podem ser necessárias devido ao aumento da eliminação dos fármacos, porém há maiores chances de paraefeitos. O grande queimado está exposto a elevado estímulo álgico, o que explica sua demanda aumentada por opióides. O fenômeno da tolerância que se desenvolve após 3-4 semanas da injúria também justifica essa demanda. O opioide de escolha é a morfina, em parte por suas propriedades anti-inflamatórias. O uso de adjuvantes também é benéfico como estratégia multimodal poupadora de opióides, dentre eles clonidina, dexmedetomedina e cetamina merecem destaque. Para anestesia geral, os inalatórios são a escolha para manutenção. Para procedimentos curtos, sem manipulação de via aérea, a cetamina em bolus intermitentes é uma boa opção pela estabilidade hemodinâmica, preservação de via aérea patente e propriedades analgésicas. É importante ressaltar ainda que após 24h da injúria o grande queimado responde de maneira anormal aos bloqueadores neuromusculares. Após este período, o uso de succinilcolina deve ser evitado durante um ano devido ao elevado risco de hipercalemia fatal em pacientes com mais de 10% de área de superfície queimada (ASQ). O mecanismo que explica este fenômeno é o up regulation dos receptores de acetilcolina. De forma contrária, há resistência aos bloqueadores neuromusculares adespolarizantes em pacientes com mais de 30% ASQ que inicia após uma semana da injúria e pode perdurar até 6 semanas após. Ver quadro abaixo com recomendações de anestesia em grande queimados (Quadro 02.9). Quadro 02.9 – Principais considerações anestésicas em pacientes grande queimados Fluidos
Cristalóides são essenciais durante a fase aguda; considere colóides > 24horas após a queimadura
Succinilcolina
Permitida com <24 horas. Evite após 24 horas e por até 18 meses após a queimadura
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Relaxantes adespolarizantes Anestésicos venosos
Continuação do Quadro 02.9 Aumente dose e frequência (2-5 vezes) durante a fase hiperdinâmica. Agentes reversores não precisam ter doses modificadas. Considere o rocurônio (1.2mg/kg) para IOT em sequencia rápida após 24h do trauma Doses menores na fase inicial. Necessidades aumentadas na fase hiperdinâmica. Considere terapia multimodal (opióides, propofol, cetamina, benzodiazepínicos)
Agentes Inalatórios
Diminuir CAM da fase aguda. Aumentar CAM na fase hiperdinâmica. Pode ser benéfica em casos de injúria inalatória
Betabloqueadores
Atenuam resposta hiperdinâmica
Insulina
Atenua resposta hiperdinâmica
Manejo das Complicações Perioperatórias Hipotensão Persistente Diante de um paciente com hipotensão persistente no perioperatório, algumas hipóteses devem ser levantadas, com destaque para quatro: sangramento ativo, pneumotórax hipertensivo, choque neurogênico e lesão cardíaca. Menos frequentes, mas possíveis, são as seguintes situações: hipocalcemia secundária a intoxicação por citrato, hipotermia, doença arterial coronariana, reação alérgica ou reação transfusional. A existência de algum sangramento ativo é a principal causa de hipotensão, podendo ser externo ou oculto. Os principais focos de sangramento são a cavidade torácica, cavidade abdominal e o espaço pélvico retroabdominal. A rápida identificação do foco, interrupção do sangramento e ressuscitação volêmica vigorosa são a base do tratamento. Dentre as soluções cristaloides utilizadas para ressuscitação, prefere-se solução Ringer Lactato (RL) à solução salina, uma vez a infusão de grandes volumes de salina estão associados a acidose metabólica hiperclorêmica, coagulopatia dilucional e maior necessidade de volume, se comparada ao RL. A solução RL, por sua vez, está associada a maior edema tecidual e não deve ser administrada juntamente com hemoderivados, pois o cálcio presente na solução neutraliza a ação anticoagulante do citrato. Embora menos frequente, o choque neurogênico secundário a lesões na medula espinhal deve ser sempre suspeitado, sobretudo em pacientes inconscientes. Frequentemente confundido com o choque hipovolêmico, ele se diferencia pela presença frequente de bradicardia e pela pronta resposta às catecolaminas. A ecocardiografia (ECOTT e ECOTE) podem auxiliar nessa diferenciação avaliando o status volêmico do paciente e, assim, evitando administração inadvertida de fluidos no choque neurogênico. Dentre as injúrias cardíacas que podem levar a hipotensão persistente, destaca-se o tamponamento cardíaco e a contusão miocárdica, ambas podendo ser distinguidas pela ecocardiografia ou pela avaliação das pressões intracardíacas com auxílio de um cateter na artéria pulmonar (CAP). Com o auxílio do ECOTT visualiza-se o derrame pericárdico, poden-
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do inclusive guiar a pericardiocentese, se esta for feita com tórax fechado; enquanto com o CAP o achado de equalização das pressões diastólicas sugere tamponamento cardíaco. Já na contusão miocárdica, o comprometimento do ventrículo direito(VD) é mais acentuado, vendo evidenciada aumento da pressão de VD, aumento da PVC e até deslocamento do septo interventricular para o interior do VE. Em ambas as lesões, o tratamento dependerá de uma adequada pré carga estabelecida pela reposição de fluidos. No tamponamento cardíaco, a pericardiocentese é essencial. Já na contusão miocárdica, pode-se usar vasodilatadores pulmonares, em caso de PA normal; ou inotrópicos, em caso de hipotensão. Hipotermia Vários fatores favorecem a hipotermia nos pacientes vítimas de trauma, dentre eles, estado de choque, intoxicação alcóolica, ressuscitação volêmica, exposição a ambientes frios e anormalidades nos mecanismos de termorregulação. A hipotermia é um fator de risco independente na mortalidade desses pacientes. Além disso, está associada a uma série efeitos deletérios, como acidose, hipotensão, coagulopatia, depressão e isquemia miocárdica, arritmias, limitação na oferta tecidual de oxigênio, prejuízo na resposta a catecolaminas, redução do clearance dos anestésicos, dentre outros. Os pacientes que estão mais suscetíveis a hipotermia são àqueles submetidos a raquianestesia, vítimas de extensas lesões de partes moles, grandes queimados e àqueles que ingeriram bebidas alcóolicas antes do trauma. Sendo assim, a prevenção da hipotermia e a restauração da temperatura normal fazem parte dos cuidados essenciais ao paciente vítima de trauma. No tocante ao reaquecimento, cuidado deve ser tomado em relação a velocidade, pois rápidas taxas de aquecimento estão relacionadas a acúmulo de produtos metabólicos gerando ou agravando a depressão miocárdica, hipotensão e acidose. O aquecimento convectivo – utilizando mantas térmicas, por exemplo – com ar seco forçado a 43ºC é adequado na prevenção das perdas térmicas, embora não seja tão efetivo no tratamento da hipotermia grave (temperatura < 32ºC). Já os aquecedores com água em circulação podem produzir um reaquecimento mais rápido, embora, em geral, cubram uma área de superfície corpórea comparativamente menor em relação aos sistemas convectivos. Os aquecedores de vapores das via aéreas podem ser usados como medida adicional. E, por fim, o aquecimento dos fluidos para infusão via intravenosa surge como a estratégia que melhor previne e trata a hipotermia nesses pacientes, podendo ser realizada em taxa relativamente rápida. Distúrbios na Coagulação Em essência, todo trauma minimamente relevante provoca sangramento decorrente da lesão de vasos sanguíneos. A maior parte dos sangramentos é contida pelo sistema hemostático endógeno ou por ação cirúrgica. Traumas graves, no entanto, costumam ser acompanhados de grandes hemorragias cuja origem pode não ser apenas a secção de vasos sanguíneos, como também a ocorrência de defeitos na coagulação. Em traumas de maior
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intensidade, cerca de 25% dos pacientes apresentam algum indício – clínico ou laboratorial – de insuficiência na hemostasia ou “coagulopatia do trauma”. Até a virada do século, a coagulopatia do trauma era entendida como sendo decorrente da diluição dos integrantes da coagulação (plaquetas, fatores e fibrinogênio) provocada pela infusão de coloides ou cristaloides usados na reanimação do choque hipovolêmico. Esta diluição poderia, ainda, ser prejudicada por fatores agravantes e comumente presentes nestes doentes, tais como acidose e hipotermia (que compunham, juntamente com a coagulopatia, a chamada “tríade letal”). No início deste século, estudos conduzidos no Reino Unido avaliaram pacientes que haviam sofrido traumas graves e que chegaram rapidamente ao hospital (tendo recebido, portanto, quantidades mínimas de fluidos intravenosos). Foi demonstrado que se podia detectar anormalidades laboratoriais da coagulação mesmo em pacientes que haviam recebido menos de 500ml de cristaloides. Com isso, tomou força a hipótese de que existiria algum mecanismo não-dilucional responsável pela coagulopatia do trauma. O mesmo pesquisador, anos mais tarde, conseguiu mapear o mecanismo central deste defeito, descrito a seguir. Quanto mais grave o trauma, maior a chance de resultar em choque. No choque, há hipoperfusão sistêmica, inclusive do próprio endotélio vascular. O endotélio hipoperfundido reage secretando o ativador tecidual da fibrinólise (t-PA) e também aumentando a expressão de trombomodulina. Esta é uma proteína de membrana que, em contato com a trombina (produzida na coagulação), torna-se capaz de ativar a proteína C. Por sua vez, este anticoagulante endógeno inativa os fatores da coagulação V e VIII e também inativa um inibidor de fibrinólise (PAI-1). A inativação de fatores pró-coagulantes e de inibidores da fibrinólise resulta no cerne do entendimento atual acerca da fisiopatologia da coagulopatia do trauma: anticoagulação endógena e hiperfibrinólise. Estes mecanismos agem sinergicamente entre si e em combinação aos fatores anteriormente apontados (diluição, acidose e hipotermia) para consumir a reserva funcional da hemostasia dos pacientes até provocarem um estado de insuficiência hemostática (coagulopatia do trauma). O manejo da coagulopatia do trauma é ditado pelo quadro do paciente. Pacientes com sangramentos ameaçadores à vida não toleram retardos em seu tratamento. Por este motivo, torna-se inadequado o “manejo tradicional”, no qual se solicitam testes da coagulação convencionais (TP/INR, TTPa, contagem plaquetária e dosagem de fibrinogênio) e, conforme seus resultados, são solicitados componentes que podem levar até 45 minutos para serem dispensados. Em pacientes vítimas de traumas graves e com risco de morte hemorrágica, é recomendável o manejo com (I) pacotes transfusionais empíricos e prédefinidos ou (II) uso de concentrados de fatores da coagulação guiados por testes point-ofcare (como o tromboelastograma). A estratégia com pacotes transfusionais prega que, num cenário em que não se disponha de exames em tempo hábil, os exames da coagulação devem ser inicialmente dispensados e os componentes infundidos às cegas. Entretanto, considerando que os mecanismos descritos anteriormente têm o potencial de tornar deficitários quaisquer dos
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integrantes da hemostasia, como escolher os hemocomponentes a serem usados? A resposta encontrada foi: combinemos todos os hemocomponentes! Desta forma, esta estratégia tem o objetivo de prevenir (ou tratar) a coagulopatia do trauma fazendo uso de uma combinação de componentes – hemácias, plasma e plaquetas – que seja capaz de (I) restaurar a volemia, (II) manter a capacidade de transporte de oxigênio (DO 2) e (III) manter os integrantes da coagulação acima de seus níveis críticos. Estes dois últimos itens requerem um equilíbrio específico na razão entre os componentes. Neste sentido, combinações desequilibradas com grande proporção de plasma fresco condelado em relação aos concentrados de hemácias resultarão em hematócritos inadequadamente baixos, e vice versa. Para atender aos dois itens citados anteriormente, parece bem estabelecido que a combinação entre os componentes deve ficar na proporção de 1 unidade de plasma fresco congelado para 1 unidade de plaquetas randômicas e para cada 1-2 hemácias (1:1:1 a 1:1:2). O uso dessa estratégia requer uma série de adequações e planejamentos peculiares a cada instituição e agência transfusional. O uso destes pacotes transfusionais persiste até que o quadro clínico do paciente se estabilize (permitindo, então, o uso do manejo guiado por exames convencionais ou globais da coagulação). Outra estratégia aceitável é a que utiliza concentrados de fatores da coagulação conforme os déficits mapeados em testes point-of-care (como o tromboelastograma - ROTEM). Este modelo contorna os dois principais problemas do “manejo tradicional”: o tempo para o resultado de exames da coagulação e o tempo no preparo dos componentes. Desta forma, logo na admissão, colhe-se uma amostra de sangue do paciente, e resultados capazes de orientar as intervenções podem ser obtidos dentro de 10-15 minutos. Como os concentrados de fatores estão disponíveis instantaneamente e o seu preparo é muito rápido, não há retardos no manejo do paciente. Em sangramentos menos graves (ou naqueles que foram inicialmente estabilizados com o uso de pacotes transfusionais empíricos), é admissível o uso da estratégia descrita no parágrafo anterior ou com o “manejo tradicional”, em que os déficits são mapeados com exames tradicionais da coagulação (TP/INR, TTPa, contagem plaquetária e dosagem de fibrinogênio) e, em seguida, os hemocomponentes necessários são preparados. O hematócrito influencia na adequada coagulação, pois quanto maior o hematócrito (Ht), melhor é a função plaquetária, sendo o alvo Ht 30%, valor no qual o coágulo formado torna-se sólido suficiente para estancar sangramentos. No protocolo de transfusão maciça (PTM), a relação entre concentrado de hemácias (CH), plasma fresco congelado (PFC) e plaquetas varia entre 1:1:1 e 2:1:1. É importante salientar que, devido ao volume transfundido no PTM, cada hemoderivado administrado dilui os outros dois e reduz, consequentemente, a sua função. Além disso, fatores como tempo e condições de armazenamento do hemoderivado influenciam na função dos componentes sanguíneos. Deve-se dar preferência ao “sangue novo” que é aquele coletado até 14 dias da transfusão, embora nem sempre isso seja possível. O PFC contém todos os componentes solúveis da hemostasia, além de proteínas que exercem função oncótica e imunológica, gorduras, carboidratos e minerais. O seu uso
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no contexto do trauma tem como objetivos: hemostasia; restauração do volume intravascular; reverter coagulopatia em paciente em uso de warfarina que estejam com sangramento ativo ou necessitem de cirurgia de emergência; e em pacientes anticoagulados com warfarina que possuam deficiência dos fatores II, VII, IX e X ou das proteínas C e S. Recomenda-se administrar 10-15ml/kg PFC grupo AB negativo logo na chegada do paciente gravemente traumatizado que esteja sangrando ou manifestando sinais de coagulopatia. Doses adicionais são indicadas quando a transfusão de CH excede 10 unidades no período de 6h ou quando o controle de TAP e/ou TTPA excede 1,5. 3 A transfusão de plaquetas está indicada se valor sérico inferior a 50.000/mm , ou 3 se inferior a 75.000/mm em algumas situações, como, CIVD, hiperfibrinólise, lesão intracerebral e hemorragias maciças. Podem ser administradas como unidades que combinam plaquetas (pools) de 5 doadores individuais ou unidades obtidas por aférese a partir de um único doador. Em geral, 1 unidade de plaquetas, seja ela um pool ou obtida por aférese, costuma ser suficiente. Devido ao risco de complicações infecciosas e grau de imunossupressão deste perfil de pacientes, deve-se preferir transfundir plaquetas coletadas por aférese de um único doador. O crioprecipitado, que é produzido a partir do descongelamento do PFC, contém fator VIII, fibrinogênio, fator de von Willebrand, fibronectina e fator XIII, em um pequeno volume de plasma. No trauma, sua transfusão é utilizada com frequência para correção da hipofibrinogenemia. O corte para reposição de fibrinogênio no trauma é de 150mg/dL na presença de sangramento não cirúrgico, indicando necessidade de administração de concentrado de fibrinogênio 50mg/kg (3-4g) ou crioprecipitado (1 unidade para cada 5kg de peso). Como o resultado da dosagem de fibrinogênio comumente requer certo tempo e ainda seu valor pode estar erroneamente mensurado por alguns fatores relacionados ao trauma, guiar a reposição de fibrinogênio pela tromboelastometria é uma estratégia útil. Valores de MCF inferiores a 7mm indicam a necessidade de reposição. Ver fluxograma 3 ao final do capítulo. Os agentes antifibrinolíticos – ácido tranexâmico e ácido épsilon-aminocaproico – podem ser usados no trauma a fim de reduzir o sangramento empiricamente, mesmo na ausência de estado de hiperfibrinólise detectável laboratorialmente. Recomenda-se iniciar a administração em até 3 horas do trauma, pois se iniciado após esse tempo ele começa a piorar o desfecho do paciente. A dose habitual de ácido tranexâmico é 10-15mg/kg (média de 1g para adultos) seguida de 1-5mg/kg/h; e de ácido aminocaproico é 100-150mg/kg, seguida de 15mg/kg/h. No contexto transfusional não se pode esquecer de uma possível complicação, muito grave e felizmente infrequente: a lesão pulmonar associada a transfusão, mais conhecida como TRALI. Esta consiste em uma entidade respiratória definida como edema pulmonar e consequente hipóxia que ocorre nas primeiras 6 horas de transfusão. Trata-se de uma reação imunomediada que pode estar relacionada a qualquer hemoderivado, porém o PFC e aférese de plaquetas estão mais frequentemente implicadas. É muitas vezes
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um diagnóstico de exclusão e o tratamento é de suporte, sobretudo ventilatório, sabendo que o curso clínico gira em torno de 3 a 5 dias. Distúrbios Hidroeletrolíticos e Ácido-Básicos A hipercalemia é o distúrbio hidroeletrolítico mais frequente no intraoperatório em pacientes vítimas de trauma devido a três mecanismos: aumento da permeabilidade da membrana celular no choque irreversível; lesão por reperfusão após reparação de um grande vaso lesado; transfusões realizadas com elevada vazão. Cuidados com dosagem seriadas de potássio, desclampeamento de grandes vasos de forma lenta a gradual e transfusões em vazões adequadas são imprescindíveis. Tão logo o distúrbio for identificado medidas para sua correção devem ser instituídas. Recomenda-se infusão de solução glicoinsulina que pode ser repetida a cada 30 minutos, bicarbonato de sódio 8,4% e em caso de alterações eletrocardiográficas, gluconato de cálcio ou cloreto de cálcio. A hipocalcemia, embora não seja um distúrbio tão frequente de forma isolada, recebe destaque no contexto da transfusão maciça. A maioria dos hemoderivados possui adição de citrato no seu preparo por suas propriedades anticoagulantes. O citrato, por sua vez, reage quelando o cálcio presente no sangue e quando essa reação ocorre em grandes proporções – como nas transfusões maciças – a hipocalcemia pode se manifestar. As manifestações, nesse contexto, incluem hipotensão, redução da pressão de pulso, arritmias, mudança do estado mental e tetania. Deve-se levantar essa suspeita em todo paciente que atingiu as metas do protocolo de transfusão maciça e continua hipotenso. A acidose metabólica, por sua vez, distúrbio ácido-básico mais frequente nesses pacientes, é mais frequentemente secundária aos estados de choque, mas outras causas devem ser lembradas, como a cetoacidose alcóolica e a cetoacidose diabética. A base do tratamento dessas duas últimas é oposta, sendo da primeira a glicose e da segunda a insulina. A reversão do estado de choque é essencial para correção da acidose metabólica por esta causa e a administração de bicarbonato de sódio, neste caso, não trata o problema de base, mas pode ser uma estratégia concomitante para evitar outras complicações graves quando o pH esta abaixo de 7,2. Transporte Pacientes vítimas de trauma deverão seguir para o pós-operatório em SRPA (sala de recuperação pós-anestésica) ou UTI acompanhados pelo médico anestesiologista. Relatar a unidade que vai receber o paciente as drogas vasoativas em uso, gasometrias, balanço hídrico e hemocomponentes que foram realizados no intraoperatório é essencial para um correto seguimento do doente.
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Fluxogramas
Fluxograma 02.1 - Via aérea difícil adaptada ao trauma. *A máscara laríngea pode ser usada mais precocemente em situação de falha da laringoscopia direta e dessaturação do paciente.
Use o QR CODE da esquerda para visualizar o Fluxograma 02.2 e o QR CODE da direita para visualizar Fluxograma 02.3.
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Fluxograma 02.2 - Protocolo de Hemorragia Grave no Trauma. Pรกgina 48
Fluxograma 02.3 - Manuseio de Hemorragia Grave no Trauma Guiado por ROTEM.
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Tabela 01.2 CTEXTEM CTINTEM Tratamento 80-100s 240-300s PFC 10-15 mL/kg ou CCP 10-15 UI/kg 100-120s 300-360s PFC 15-20 mL/kg ou CCP 15-20 UI/kg >120s >360s PFC 20-25 mL/kg ou CCP 20-25 UI/kg Observaçþes - Do dÊficit de fatores calculado deve-se abater o volume de PFC que foi jå administrado no PTM; - Cada bolsa de PFC contÊm 250 mL; - Cada frasco de CCP contÊm 500 UI; Tabela 02.2 Número de Bolsas de Crio
Gramas de Concentrado de FibrinogĂŞnio [(10 â&#x2C6;&#x2019; đ??´10 đ??šđ??źđ??ľđ?&#x2018;&#x2021;đ??¸đ?&#x2018;&#x20AC; đ??´đ?&#x2018;Ąđ?&#x2018;˘đ?&#x2018;&#x17D;đ?&#x2018;&#x2122;) đ?&#x2018;Ľ đ?&#x2018;&#x192;đ?&#x2018;&#x2019;đ?&#x2018; đ?&#x2018;&#x153;] 140
[(10 â&#x2C6;&#x2019; đ??´10 đ??šđ??źđ??ľđ?&#x2018;&#x2021;đ??¸đ?&#x2018;&#x20AC; đ??´đ?&#x2018;Ąđ?&#x2018;˘đ?&#x2018;&#x17D;đ?&#x2018;&#x2122;) đ?&#x2018;Ľ đ?&#x2018;&#x192;đ?&#x2018;&#x2019;đ?&#x2018; đ?&#x2018;&#x153;] 35
Tabela 03.2 [A10EXTEM â&#x20AC;&#x201C; A10FFIBTEM]
Concentrados de Plaquetas (â&#x20AC;&#x2DC;â&#x20AC;&#x2122;poolâ&#x20AC;&#x2122;â&#x20AC;&#x2122;)
â&#x2030;Ľ 25 mm
1
â&#x2030;¤ 24 mm
2
Tabela 04.2 LOTEXTEM
Tratamento*
> 3000 s ou nĂŁo concluĂdo
TXA 15 mg/kg ou EACA 90 mg/kg
1200-3000 s
TXA 20 mg/kg ou EACA 120 mg/kg
< 1200 s
TXA 25 mg/kg ou EACA 150 mg/kg
* Caso ainda não tenha sido administrada na reanimação inicial ou em casos de hiperfibrinólise que persiste mesmo após o tratamento inicial. No trauma, nunca esperar ROTAM para fazer TXA.
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Tr aumaCer vi cal
CAPÍ TULO
03
-Gr i j al vaOt ávi oFer r ei r ada Cost a. -Tai nahCr i st i naSaboyade Quei r oz. -Vi ní ci usOl i vei r aCoel ho Gar ci a. Ar t hurAnt unesCoi mbr aPi nhei r oPací fico. -Kar l aRaf ael l ydeVasconcel os Cost a.
A região cervical é particularmente importante por conter estruturas anatômicas de diversos sistemas como o respiratório, digestório, neurológico, vascular e endócrino. O conhecimento anatômico e a correlação entre os diversos órgãos da região são fundamentais para investigação diagnóstica e na aplicação do tratamento cirúrgico. Os traumas cervicais são divididos em penetrantes superficiais e profundos e os não penetrantes. Considera-se trauma penetrante profundo à lesão que ultrapassa em profundidade o músculo platisma e, em contraste com o não penetrante, pode acometer importantes estruturas neurológicas e vasculares, além do trato respiratório e digestivo. Didaticamente, pode-se dividir a região cervical em anterior e posterior, A região anterior (trígono anterior) é delimitada pela borda inferior da mandíbula, pelo músculo esternocleidomastóideo e pela linha mediana anterior do pescoço, nessa região as estruturas mais comumente lesadas são os vasos sanguíneos, as vias aéreas e o esôfago. Já a região posterior (trígono posterior) é delimitada pela face superior da clavícula, pelo músculo trapézio e pelo esternocleidomastoideo, nessa região as estruturas vasculares importantes raramente são acometidas. Com o intuito de padronizar o tratamento das lesões penetrantes, a região cervical foi dividida em três zonas anatômicas. A zona I corresponde ao espaço entre as clavículas e a cartilagem cricóide, a zona II ao espaço entre a cartilagem cricóide e a mandíbula e a zona III ao espaço entre a mandíbula e o osso mastóide. No trauma penetrante a incidência das lesões é maior na região II, seguida pela região I e pela região III (Figura 03.1).
Figura 03.1 - Delimitação das zonas cervicais. Fonte: BAHTEN et al, 2003.
Sob a ótica dos traumas não penetrantes, em cerca de 3% dos traumatismos fechados pode-se encontrar fraturas cervicais. Costuma dividir as lesões cervicais em fraturas cervicais altas, que envolvem, principalmente, as fraturas do côndilo occipital, fratura do atlas, luxação atlanto-occipital, luxação rotatória atlanto-axial, espondilolistese traumática do áxis, lesão do ligamento transverso e fratura do processo odontóide; e fraturas cervicais
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baixas ou subaxiais, que abrangem as lesões entre C3-C7. Essas fraturas apresentam características distintas e por isso são estudadas separadamente, além disso, ressalta-se que cerca de 10% dos pacientes com fratura de coluna cervical possuem uma segunda fratura não contígua de outra região da coluna vertebral. A gravidade da lesão é variável, indo desde simples distensões ligamentares e fraturas das apófises espinhosas, até fraturas importantes e luxações, que são capazes de resultar em comprometimento neurológico, podendo ocorrer em até 40% dos casos. De modo geral, em pacientes politraumatizados com ou sem déficits neurológicos, deve ser sempre considerada a presença de lesão vertebral. Nos Estados Unidos, as lesões cervicais correspondem a 2-3% de todos os pacientes politraumatizados. No contexto epidemiológico, os indivíduos jovens do sexo masculino são a população mais frequentemente atingida, tanto no trauma penetrante como no não penetrante. No Brasil, o trauma penetrante cervical tem incidência equivalente entre os ferimentos provocados pelas armas de fogo e brancas. No trauma não penetrante, o acometimento ocorre, em geral, decorrente de traumas de maior energia, como quedas de grandes alturas, geralmente acima de dois metros, e acidentes automobilísticos, que causam fraturas mais graves e com maior probabilidade de instabilidade, surgindo por meio de mecanismos de distração e/ou rotação. A presença de um déficit neurológico focal indica a ocorrência de uma lesão cervical em 20% dos acidentados, além disso, a presença de traumatismo craniano, bem como a sua gravidade, aumentam essa possibilidade. Em contraste com a população jovem, a população idosa apresenta, com maior prevalência, fraturas cervicais isoladas, decorrentes de quedas simples e compressão vertebral. Mecanismo do Trauma O trauma cervical pode ocorrer de duas formas: trauma cervical contuso e trauma cervical penetrante (Quadro 03.1). Quadro 03.1 - Mecanismo de Lesão Formas de Trauma Cervical
Etiologias
Trauma Cervical Contuso
Golpe direto Aceleração e desaceleração brusca Compressão Esmagamento torácico Hiperextensão cervical Rotação cervical Translação
Trauma Cervical Penetrante
Arma branca Arma de fogo
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O trauma penetrante é aquele cuja lesão ultrapassa o músculo platisma em profundidade, podendo ser causado por arma branca, arma de fogo ou qualquer objeto perfurocortante. Em geral, essas lesões vão depender bastante do tamanho da arma, velocidade e força do golpe sofrido pelo indivíduo. Em casos de lesão por arma de fogo, as cavitações nos tecidos são maiores que a do próprio orifício de entrada. Além disso, o trajeto não costuma ser retilíneo, tendo potencial de lesar mais estruturas. As estruturas mais lesadas no trauma penetrante são as vasculares, seguidas das medulares, faríngeas, esofágicas, vias aéreas e plexos braquiais, sendo as veias mais afetadas que as artérias. A veia jugular e a artéria carótida comum são os vasos mais acometidos. Os traumas cervicais contusos são menos frequentes, sendo as lesões por estiramento ou compressão as mais comuns. Além destes, outros mecanismos podem levar o paciente a ter estruturas cervicais comprometidas, como o golpe direto, a desaceleração brusca com cisalhamento da fixação da cricóide e da carina, traumas que apresentam esmagamento torácico com aumento da pressão em região cervical e a hiperextensão cervical. Em relação às fraturas cervicais, os padrões do trauma podem variar vindos de um mesmo mecanismo. Em casos de acidente automobilístico, o tipo de fratura é determinado por um conjunto de variáveis: o grau e direção das forças causadoras da lesão, a posição do indivíduo e a orientação da coluna no momento do trauma. As fraturas cervicais são comumente classificadas em altas e baixas. Altas, quando acomete o occipício, atlas (C1) e áxis (C2); e baixas, quando a lesão está entre C3 a C7. Nas crianças, o principal mecanismo responsável pelas fraturas cervicais alta são os acidentes automobilísticos, já nos idosos acima de 60 anos, a queda da própria altura é a causa mais prevalente desse tipo de trauma. Devido à amplitude limitada dos movimentos da coluna cervical alta, as fraturas cervicais altas apresentam características distintas das da coluna cervical baixa. O mecanismo de trauma dessas lesões é indireto e as forças absorvidas pela cabeça são transmitidas para a coluna vertebral, o que pode lesionar o arranjo de movimentos reduzidos de suas estruturas. Dentre as lesões cervicais altas, as fraturas do côndilo occipital são raras e ocorrem associadas com outros eventos, principalmente com as fraturas do atlas e, mais dificilmente, com a luxação atlanto-occipitocervical. Os principais mecanismos envolvidos nesse tipo de fratura são por compressão, translação e rotação cervical. As luxações atlanto-occipitais são extremamente raras, e podem ocorrer em casos de atropelamentos. As informações acerca desse tipo de trauma são bem escassas, sendo relatadas na literatura apenas em casos de pacientes que sobreviveram ao acidente e pela observação em vítimas fatais. A lesão do ligamento transverso é geralmente resultante do mecanismo de hiperflexão aguda da coluna cervical, provocada por queda ou trauma direto sobre o occipital.
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As fraturas do atlas podem ocorrer a partir de eventos penetrantes ou contusos, normalmente resultante de lesões por arma de fogo e de força vertical aplicada sobre a cabeça. Em acidentes automobilísticos, o impacto sofrido pela cabeça é absorvido pelo atlas que se encontra preso entre os côndilos occipitais e as facetas articulares superiores do áxis, formando um arranjo anatômico que favorece a sua fratura. Das fraturas de coluna vertebral alta, a fratura do processo odontóide é uma das mais comuns, representando até 15% de todos os casos. Esta lesão representa 75% dos traumas cervicais altos em crianças. Isto se deve a interposição de sincondrose, entre o processo odontóide e o corpo de C2, sendo a parte da vértebra mais vulnerável às fraturas. Nos adultos, o principal mecanismo são os acidentes automobilísticos e as quedas de grandes alturas, e por isso estão associadas a outras lesões. Já nos idosos, a fragilidade óssea causada pela osteoporose e diminuição da sua massa os predispõe a esse tipo de trauma, sendo causada na maioria das vezes por queda da própria altura e geralmente são isoladas. O mecanismo de trauma da espondilolistese traumática do áxis é variável e as lesões possuem padrões distintos. O principal mecanismo é o acidente automobilístico, na qual resulta em movimentos de aceleração e desaceleração que atuam em direções opostas da coluna cervical. Com isso, os mecanismos de hiperextensão, flexão e compressão axial são os responsáveis por esse tipo de lesão. As fraturas cervicais baixas são cada vez mais frequentes, e têm classificações distintas em relação aos seus mecanismos. As lesões são divididas em três tipos, e correspondem às fraturas por compressão, que são responsáveis por fraturas do corpo vertebral; por distração, que tem como característica a lesão ligamentar; e por evento rotacional, dirigente de luxações e fraturas de massa lateral. Avaliação e Diagnóstico do Trauma A abordagem do paciente com trauma deve, inicialmente, seguir o protocolo de atendimento inicial ao paciente politraumatizado, abordado no Capítulo 01 – Atendimento Inicial ao Paciente Politraumatizado. Os problemas mais comuns são os de via aérea, ventilatórios e choque hemorrágico. Nas lesões traumáticas da coluna cervical, a avaliação e diagnóstico são desafiadores quando a abordagem é feita apenas com radiografia simples, e necessita de uma investigação mais apurada. A tomografia computadorizada possibilita a realização dos diagnósticos e a identificação de lesões mais discretas. Dessa forma, a avaliação da região cervical deverá ocorrer de acordo com a gravidade dos sinais e sintomas que o paciente apresentar. Além disso, os conhecimentos anatômicos das zonas cervicais são essenciais na avaliação desses pacientes (Fluxograma 03.1).
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Fluxograma 03.1 - Avaliação da região cervical de acordo com quadro clínico e sintomas. Fonte: Adaptado de RIBEIRO JÚNIOR, 2016.
Nesses pacientes, o quadro clínico pode variar de acordo com as zonas e órgãos acometidos, e a avaliação vai variar dependendo dos sintomas sugeridos. Nos casos mais graves, o paciente pode estar desacordado, e a avaliação pode ser dificultada devido a falta de informações acerca do caso (Quadro 03.2). Quadro 03.2 - Sintomas Observados para Estratificação da Gravidade Gravidade
Sintomas
Pacientes com sintomas graves
Lesões vasculares com formação de hemotórax Pneumotórax Lesão de via aérea com asfixia Lesão hemorrágica com asfixia Sangramento vascular na base do crânio
Pacientes com sintomas moderados ou assintomáticos
Sangramento prévio no local do ferimento Hematoma não expansivo Rouquidão Alteração na fonação Crepitação Hemoptise Saída de ar pela ferida Pneumomediastino Dor cervical Hematêmese Disfagia
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Os traumas em zona I, em que os pacientes se apresentam estáveis hemodinamicamente, assintomáticos e sem comprometimento da via aérea, devem ser avaliados rigorosamente em busca de lesões despercebidas por meio de ultrassonografia e radiografias cervicais. Quando a radiografia indica a presença de hematomas ou hemotórax, a angiotomografia deve ser realizada em seguida. Nos casos em que esses exames se mostram normais, não há necessidade de investigação adicional. Porém, se a angiotomografia apresentar lesões, a avaliação cirúrgica com uma melhor abordagem da lesão encontrada deverá ser indicada. Pacientes com trauma em zona II devem passar por exame físico, sejam eles assintomáticos ou com sintomas moderados, e deve ser repetido a cada 6-8 horas até completar 24-36 horas de observação. A partir do exame físico, quando há suspeita de lesão vascular, uma ultrassonografia com Doppler ou uma angiotomografia deve ser realizada. A tomografia cervical também pode ser feita, pois pode ajudar a desenhar o trajeto da lesão e identificar algumas lesões mesmo sem o uso de contraste. Mesmo assim, a tomografia pouco acresce ao exame físico, apesar de dar ao cirurgião a certeza de que não há acometimento de lesão vascular, de vias aéreas ou do trato digestivo. Os pacientes com sintomas moderados devem passar por uma avaliação vascular por angiotomografia, que é o padrão-ouro nesses casos. A ultrassonografia com Doppler e a arteriografia também podem ser realizados, sendo a arteriografia a menos indicada. O esôfago deve ser investigado sempre que houver sintomas de disfagia no teste de ingestão de água, e sua avaliação consiste em exame contrastado do esôfago e esofagoscopia ou endoscopia. A investigação da via aérea deve ser feita sempre que houver suspeita de lesões em seu trajeto. A laringoscopia e a broncoscopia podem detectar essas lesões, e a tomografia computadorizada pode auxiliar nesse rastreio. Na investigação da zona III, quando há suspeita de comprometimento vascular, a realização de angiotomografia é necessária. Se houver identificação de lesão de camada íntima ou pseudoaneurisma, a colocação de stent estará indicada como tratamento. A hipofaringe deve ser investigada com laringoscopia, e dependendo da presença ou grau da lesão, o tratamento pode ser conservador. Por fim, vale ressaltar que em pacientes com baixo nível de consciência, como em traumatismo crânio encefálico e trauma facial, a avaliação e o diagnóstico das possíveis lesões cervicais devem ser feitas de forma rápida e apropriada. Na abordagem das fraturas cervicais altas, o diagnóstico das fraturas do côndilo occipital, subluxação rotatória e fraturas do atlas por meio de radiografias simples é muito difícil devido aos seus sinais clínicos discretos e má visualização da extensão das estruturas. Com o advento da tomografia computadorizada, essas lesões podem ser melhor diagnosticadas, além de permitir a identificação da extensão da lesão. Nos casos de luxação rotatória em que o paciente não apresenta déficit neurológico, os sintomas relatados geralmente são torcicolo, dor e espasmo muscular na região
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cervical. As radiografias podem não possibilitar uma avaliação tão precisa, mas na incidência em AP transoral a assimetria e o apagamento das articulações entre C1-C2 podem ser observados. Na lesão do ligamento transverso, os valores da distância do espaço atlantodental anterior acima de 5 mm nas crianças e 3mm nos adultos são indicativos de lesão. A investigação pode ser realizada por radiografias da coluna cervical tomografia computadorizada ou ressonância magnética para a avaliação, lembrando que a realização de radiografias dinâmicas está contraindicada nos pacientes que apresentam déficit neurológico. Diferente das outras lesões cervicais altas, as fraturas do processo odontóide e a espondilolistese traumática do áxis podem ser diagnosticada por meio de radiografias em AP transoral e perfil. Nas lesões do processo odontóide, apesar de simples, o diagnóstico pode demorar devido à falta de suspeição pelo examinador. Nos casos de espondilolistese traumática do áxis, o diagnóstico da fratura usa como parâmetros a análise do grau de desvio do fragmento anterior e a relação das superfícies articulares entre C2-C3. Avaliação da Extensão do Trauma Lesões cervicais altas Em se tratando das lesões cervicais altas, existem classificações específicas com base no tipo de fratura, permitindo uma terapêutica específica a depender do tipo de lesão. As fraturas do côndilo occipital são lesões infrequentes e dificilmente diagnosticadas, geralmente ocorrendo associadas a outras fraturas, especialmente com as do atlas. Podem ser classificadas, como descrito por Anderson e Montesano em 1988, em três tipos (Quadro 03.3). As fraturas do tipo I e II são decorrentes de compressão vertical, enquanto as do tipo III são decorrentes de mecanismos combinados de translação e rotação. Quadro 03.3 - Classificação das fraturas do côndilo occipital Classificação
Descrição
Tipo I
Corresponde às fraturas cominutivas impactadas no côndilo occipital
Tipo II
Corresponde à fratura da base do crânio que se estende pelo côndilo occipital e podem acompanhar lesão de nervos cranianos
Tipo III
Corresponde às fraturas por avulsão de fragmento ósseo do côndilo occipital conectado ao ligamento alar e pode estar associada à luxação atlanto-occipitocervical
A fratura do atlas é um tipo de lesão raro que corresponde a cerca de 2% das fraturas da coluna vertebral. Está associada frequentemente à fratura do áxis e pode gerar lesão vascular, evidenciada por sinais de insuficiência vertebrobasilar. Salvo nos casos de fraturas produzidas por arma de fogo, as fraturas do atlas resultam, como explicado anteri-
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ormente, da absorção da energia do impacto aplicada sobre a cabeça em razão do encarceramento do atlas entre os côndilos e as facetas adjacentes. A fratura de Jefferson corresponde à fratura do atlas em quatro partes, ocorrendo uma ruptura dos arcos anterior e posterior, com consequente afastamento das massas laterais, muitas vezes esse tipo de fratura apresenta apenas dois ou três fragmentos. Em situações fratura graves com maior instabilidade é visível um afastamento lateral superior a 8mm nas radiografias em AP. Em relação à classificação, Levine e Edwards, em 1985, dividiram em as fraturas do atlas em sete tipos diferentes de acordo com a localização anatômica e tipo de lesão: fratura do arco anterior, fratura do arco posterior, fratura tipo explosão, fratura cominutiva, fratura do processo transverso, fratura da massa lateral e fratura com avulsão do tubérculo inferior. A fratura do processo odontóide (Figura 03.2) representa 7% a 15% das fraturas da coluna cervical, apresentando características variáveis de acordo com a idade dos pacientes. A maioria das fraturas do processo odontóide ocorre em adultos, geralmente causadas por traumas de alta energia, que, por isso, também pode estar associados a outras fraturas. Nesse sentido, baseando-se na localização da linha da fratura, a classificação mais utilizada e com maior aceitação é a proposta por Anderson e D’Alonzo em 1974, representada no (Quadro 03.4).
Figura 03.2 - Ilustração dos tipos de fraturas do processo odontóide, de acordo com a classificação de Anderson e D’Alonzo. Fonte: PONTIN et al., 2011.
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Quadro 03.4 - Classificação de Anderson e D’Alonzo, utilizando como base a localização da linha da fratura Classificação
Descrição
Tipo I
Fratura oblíqua que corresponde às fraturas-avulsões do ápice do processo odontóide
Tipo II
Fratura no colo do processo odontóide
Tipo III
Fraturas da base do odontóide que se estendem para o corpo
A espondilolistese traumática do áxis, considerada uma das mais comuns formas de lesão da coluna cervical alta, se caracteriza por fratura bilateral dos pedículos do áxis por um mecanismo de hiperextensão-distração, sendo também conhecida como fratura do enforcado. Esse termo tem sido utilizado de modo geral para descrever as fraturas relacionadas com o enforcamento judicial ou aquelas causadas por acidentes automobilísticos, quedas ou outros tipos de traumatismo da coluna cervical, apesar de ter empregada incorretamente, já que esses dois grupos de lesões tem mecanismos completamente distintos. A espondilolistese traumática do áxis raramente está associada a comprometimento neurológico pela fratura em si, mas pode apresentar comprometimento neurológico como uma complicação decorrente da demora no tratamento da lesão. A classificação proposta por Effendi et al., em 1981, e modificada por Levine e Edwards, em 1985, divide essa lesão em quatro tipos (Quadro 03.5). Quadro 03.5 - Classificação dos tipos de espondilolistese traumática do áxis, adaptada por Levine e Edwards Classificação
Descrição
Tipo I
Fratura sem desvio ou angulação e desvio translacional menor que 3,5mm
Tipo II
Fratura com desvio translacional ou angular importante
Tipo IIa
Fratura com pequeno desvio translacional e grande angulação, com aumento do espaço discal posterior entre C2-C3 com a aplicação de tração
Tipo III
Fratura com grande desvio translacional e angular, associada com luxação uni ou bilateral das facetas articulares C2-C3
Lesões Cervicais Baixas Ao longo da última década, em se tratando principalmente das lesões cervicais baixas, duas classificações de lesão cervical têm sido amplamente utilizadas com o intuito de identificar situações de instabilidade e indicar a necessidade de tratamento cirúrgico. Uma delas é a classificação AO (“Arbeitsgemeinschaft für Osteosynthesefragen”), que é uma
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proposta adequada e se baseia no mecanismo da lesão (compressão, distração e rotação). As lesões por compressão apresentam características como diminuição da altura do corpo vertebral e fragmentação da vértebra, correspondendo ao tipo A e sendo subdivididas em A1 (impactação), A2 (separação ou “split”), e A3 (explosão). As lesões por distração são classificadas como tipo B, apresentam como característica a lesão ligamentar e são subdivididas em B1 (lesão posterior com corpo íntegro), B2 (lesão posterior associado à fratura do corpo do tipo A) e B3 (distração e hiperextensão com lesão anterior). As lesões de mecanismo rotacional são classificadas como tipo C, se caracterizam, logicamente, por um componente rotacional e são subdivididas em C1 (fratura-luxação facetária), C2 (luxação facetária unilateral) e C3, (fratura da porção lateral). A segunda classificação corresponde à de Denis, que estuda a estabilidade da coluna vertebral por meio da divisão da vértebra em três partes (Quadro 03.6). De modo geral, é considerada instável a vértebra que apresenta lesões em pelo menos duas das três colunas. Comumente, quando há lesão da coluna média, a fratura é classificada também como instável pela possível lesão associada das colunas anterior e posterior. Quadro 03.6 - Divisão de Denis em coluna anterior, média e posterior e seus respectivos componentes, com a finalidade de avaliar a estabilidade e o grau de lesão da coluna vertebral Localização
Descrição
Coluna anterior
Ligamento longitudinal anterior e metade anterior do disco intervertebral e corpo vertebral
Coluna média
Ligamento longitudinal posterior, regiões posteriores do disco intervertebral e corpo vertebral
Coluna posterior
Articulações facetárias, processos transversos, lâminas, processo espinhoso e ligamento amarelo
A classificação AO e a de Denis, apesar de úteis para classificação da estabilidade da coluna vertebral, não avaliam a porção cervical alta referente à transição craniovertebral, em que se abordam as fraturas de côndilo, atlas, áxis, fraturas de processo odontóide e outras lesões. Tratamento Tratamento do Trauma Cervical Penetrante O passo inicial que norteia a abordagem do tratamento do trauma cervical penetrante é a definição do grau de estabilidade do paciente. Os pacientes instáveis hemodinamicamente costumam ser aqueles que perderam uma quantidade considerável de sangue e que ainda estão possivelmente com sangramento ativo, devendo-se estar atento para localizar o instrumento da lesão que pode estar
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alojado na região. As lesões de laringe e traqueia são causas menos comuns de instabilidade. Quando a via aérea é comprometida, mas as estruturas anatômicas estão preservadas, é recomendada uma intubação de sequência rápida para estabelecer a via aérea definitiva. Entretanto, na vigência de uma lesão traqueal, a via aérea definitiva só é estabelecida, geralmente, por meio de uma abordagem cirúrgica, através de uma cricotireoidostomia de emergência seguida de traqueostomia. Nesse ínterim, as lesões da traqueia inferior podem necessitar uma exploração cirúrgica urgente para estabelecer sua estabilização. Após a garantia da via aérea, deve-se dar atenção a função pulmonar, avaliando a presença de lesão apical pulmonar e eventual pneumotórax hipertensivo. A exploração cirúrgica das lesões penetrantes deve ser realizada na vigência de choque, hemorragia ou hematomas em expansão e lesões da árvore traqueobrônquica com comprometimento respiratório (Quadro 03.7). Quadro 03.7 – Metas gerais para manejo durante anestesia de pacientes com TCE Choque Estridor Hemorragia ou hematoma em expansão Comprometimento das vias aéreas Enfisema subcutâneo Estridor Rouquidão Disfagia ou odinofagia Déficit neurológico
O sangramento causador da instabilidade decorre da lesão de vasos calibrosos cervicais como os jugulares, carotídeos ou subclávios. Nesse caso, a terapêutica de controle cirúrgica pode ser atingida por compressão local ou uso do balonete inflado do cateter de Foley. Não é recomendada o uso de clamps em vasos maiores na emergência em razão da possibilidade de causar lesão adicional. A presença de choque requer ressuscitação volêmica, com finalidade de estabilizar o paciente hemodinamicamente, associada a constante reavaliação. Pacientes com choque refratário à reposição volêmica podem ser abordados com drogas vasoativas. Historicamente, o manejo dos pacientes estáveis depende da zona da lesão. As lesões da zona II, que representam o maior número de lesões, sempre foram submetidas à exploração cirúrgica obrigatória, enquanto as lesões da zona I e III foram conduzidas de forma seletiva devido o difícil acesso anatômico a essas regiões. Anteriormente a conduta mais realizada era a exploração cirúrgica da região, entretanto, nas últimas décadas, a evolução dos métodos propedêuticos proporcionou maior segurança da abordagem não cirúrgica.
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Atualmente, a exploração mandatória está relacionada a índices elevados de cirurgias não terapêuticas, cerca de 45%, em contraste aos 12% de quando é instituída a exploração cirúrgica seletiva. Portanto, a maioria dos pacientes com trauma cervical penetrante não precisam necessariamente de uma abordagem cirúrgica e podem ser manejados de forma conservadora. A angiografia e a endoscopia são estratégias rotineiras nos casos de lesões próximas ao esôfago e a estruturas vasculares. Tratamento da lesão cervical não penetrante O tratamento inicial em qualquer traumatizado consiste na imobilização cervical com colar rígido até que se exclua uma lesão. Caso haja lesão neurológica, devem ser instituídas medidas de suporte com o intuito de elevar ou manter a pressão arterial média entre 80 e 85 mmHg. Deve-se evitar a hipoxemia por meio da administração de oxigênio suplementar e eventual suporte ventilatório. Segundo o Advanced Trauma Life Support o tratamento geral do trauma da coluna vertebral e da medula espinhal inclui restringir o movimento da coluna, fluidos intravenosos, medicamentos e transferência, se apropriado. De modo geral, os objetivos do tratamento, independente se for cirúrgico ou conservador, são o alinhamento da coluna cervical, a estabilização da coluna, a prevenção da perda de função neurológica, a otimização da recuperação neurológica, o apoio psicológico e a reabilitação funcional. O tratamento conservador, com imobilização em ortóteses de rigidez variável pode ser instituído na maioria das lesões estáveis da coluna cervical. Lesões ligamentares estruturais têm um baixo potencial de cicatrização, nesses casos o tratamento cirúrgico será preferível.
Figura 03.3 - Exemplos de órteses cervicais: Halo craniano, em (A); Gesso minerva, em (B); e Halo-gesso em (C). Fonte: FERRO et al., 2012.
Nas fraturas do côndilo occipital, as lesões do tipo I e II podem ser manejadas de forma conservadora por meio de colar ou órtese cervical durante seis a oito semanas. As fraturas do tipo III requerem imobilização mais rígida, nesse caso, pode-se utilizar halogesso por oito a 12 semanas ou artrodese nos casos de instabilidade atlanto-occipital. Nas fraturas do atlas, as fraturas estáveis, como as isoladas do arco anterior ou posterior, as do processo transverso e as por avulsão do arco anterior, podem ser maneja-
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das com órtese cervical por seis a 12 semanas. Já as fraturas do tipo explosão e as da massa lateral, caracterizadas como instáveis, necessitam de halo-gesso, colete gessado do tipo Minerva ou órteses rígidas por 12 semanas, ou podem ser abordadas com artrodese entre o atlas e o áxis na fase aguda da fratura ou após tração com halo por quatro semanas. Nas fraturas do processo odontóide, as fraturas do tipo I devem ser tratadas com colar cervical por um período de seis a oito semanas. As fraturas do tipo II são mais frequentes, porém apresentam taxa maior de não consolidação. Nesse caso, a redução anatômica da lesão e sua manutenção através de imobilização rígida são fundamentais para a consolidação da fratura. Após a redução da fratura, dependendo da gravidade da lesão e dos recursos, pode ser realizada imobilização com halo-gesso por 12 semanas, osteossíntese da fratura com parafusos ou artrodese posterior C1-C2. Em contraste, as fraturas do tipo III apresentam menor taxa de não consolidação em relação ao tipo II, devendo-se, seguindo a mesma lógica, reduzir a fratura por meio de halo craniano e abordar de forma conservadora com halo-gesso, osteossíntese do processo odontóide ou artrodese C1-C2. Por fim, na espondilolistese traumática do áxis, as fraturas do tipo I são estáveis e podem ser abordadas com órteses cervicais, halo gesso, halo vest ou gesso minerva por 12 semanas. Nas fraturas do tipo II, realiza-se a redução da fratura por meio da aplicação de tração seguida por aplicação de halo-gesso por 12 semanas ou abordagem cirúrgica com artrodese anterior C2-C3 ou fixação transpedicular de C2. Os pacientes com fraturas do tipo IIa necessitam de redução da fratura, sendo obtida, em contraste com as do tipo II, pela remoção da tração e aplicação de pequena compressão e extensão, seguida pela utilização de halo-gesso por 12 semanas ou estabilização cirúrgica através de artrodese anterior C2-C3 ou fixação transpedicular de C2. O tratamento cirúrgico é a abordagem de escolha nos casos com fraturas do tipo III, buscando a redução das facetas articulares e fixação por meio de artrodese. Além disso, a utilização de halo-gesso por 12 semanas após a redução cirúrgica e artrodese C2-C3 corresponde a outra opção terapêutica. Assim, no manejo das lesões cervicais, atualmente, não é esperado que o paciente fique em repouso sob uma cama por semanas, ou mesmo meses, após o trauma, ou seja, se uma lesão cervical não é estável suficiente para permitir mobilidade do paciente entre 24 e 48h com suporte apropriado, a estabilização cirúrgica deve ser considerada. O esperado é que, após a cirurgia e recuperação dos efeitos anestésicos, na ausência de lesão medular, os pacientes estejam livres para deambular dentro um dia após o procedimento. Nos pacientes acometidos por lesão medular, é evidente a presença de dificuldade para restabelecer a mobilidade anterior à lesão, entretanto centros de reabilitação proporcionam, nos casos possíveis, um retorno mais precoce da movimentação após a estabilização cirúrgica. Na literatura, ainda não são evidentes as recomendações formais acerca do início ultra precoce da terapia de reabilitação, porém um dos principais benefícios da abordagem de estabilização cirúrgica é justamente a permissão de um retorno precoce da mobilidade do paciente.
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Tr aumaCar dí aco
CAPÍ TULO
04
-I vensFi l i zol aSoar esMachado. -Got ar doDuar t eDumar es. -Gabr i elSi l vaLi ma. -Beat r i zXi menesMendes. -Vi ni ci usOl i vei r aCoel ho Gar ci a.
O coração é um órgão único, vital e constante. Diante disso, as lesões cardíacas representam as mais desafiadoras presentes no âmbito da cirurgia do trauma. Seu manejo, muitas vezes, requer uma intervenção imediata, uma boa técnica cirúrgica e uma capacidade de fornecer acompanhamento rigoroso para esses pacientes no pós-operatório. O trauma cardíaco penetrante é uma lesão altamente letal e aqueles que sobrevivem ao hospital têm uma mortalidade geral que se aproxima de 80%. As taxas de mortalidade relatadas variam amplamente e são extremamente dependentes do mecanismo de ferimento e das câmaras cardíacas envolvidas. Além disso, a presença de tamponamento cardíaco é um fator independente que influi na mortalidade das lesões cardíacas ainda alvo de debate, pois algumas pesquisas mostram associação à maior taxa de letalidade, e outros, à menor, por controlar o sangramento cardíaco. Apesar dos avanços significativos nos cuidados pré-hospitalares, nas técnicas operatórias e nos cuidados intensivos, a mortalidade não mudou ao longo de várias décadas. O transporte e a avaliação rápida, juntamente com a intervenção operatória precoce, produzem os resultados mais favoráveis. Isso pode ser explicado devido a mortalidade instantânea da lesão. Mais da metade dos pacientes ocm trauma cardíaco encontrava-se morta no local e outros 26% estavam mortos na chegada do hospital. Estudos de autópsia evidenciaram que o óbito no local foi mais frequentemente relacionado ao choque hemorrágico não tamponado. Apresentação Clínica das Lesões Cardíacas Qualquer lesão penetrante no tórax pode estar associada a um trauma cardíaco. Entretanto, as chances são maiores quando o trauma ocorre dentro da chamada “caixa cardíaca”. Esta por sua vez, é definida como a região inferior às clavículas, superior à margem costal e medial à linha hemiclavicular. As lesões cardíacas resultantes de facadas fora do precórdio tem uma mortalidade mais alta do que aquelas dentro de seus limites. Uma explicação plausível é que, dada à localização da ferida, a lesão cardíaca não é inicialmente considerada.
Figura 04.1 – Desenho esquemático da caixa cardíaca. Fonte: adaptado de ANESTKEY, 2017.
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Como em todos os pacientes com trauma, um exame físico rápido, mas completo, é obrigatório. Localização das feridas, avaliação do estado cardiorrespiratório, sons cardíacos e pulmonares são informações essenciais. Em pacientes hemodinamicamente estáveis, uma radiografia de tórax portátil pode ser realizada rapidamente. As apresentações clínicas das lesões cardíacas penetrantes variam de estabilidade hemodinâmica completa a colapso cardiovascular agudo e franca parada cardiorrespiratória. Tais acometimentos podem estar relacionados a vários fatores, incluindo o mecanismo de lesão, o tempo decorrido antes da chegada a um centro de trauma e a extensão da lesão. Se a perda de sangue exceder 40 a 50% do volume sanguíneo intravascular ou se um tamponamento pericárdico estiver presente poderá resultar na cessação da função cardíaca. Nesse contexto, o rápido acúmulo de mesmo uma pequena quantidade de sangue provoca aumento da pressão intrapericárdica, resultando em diminuição do retorno venoso, diminuição do débito cardíaco, hipotensão e, finalmente, morte. A tríade de sons cardíacos abafados, hipotensão e distensão venosa jugular de Beck é a descrição clássica dos sinais de tamponamento cardíaco, a presença da Triade de Beck ou sinal de Kussmaul representa a exceção e não a regra, portanto, o cirurgião de trauma deve estar ciente de que as lesões cardíacas podem ser extremamente enganosas em sua apresentação clínica. No âmbito da fisiologia, o tamponamento pericárdico está relacionado à natureza fibrosa do pericárdio, tornando- o relativamente inelástico e incompatível com aumentos súbitos da pressão intrapericárdica. Perdas agudas de volume sangüíneo intracardíaco causam elevação de pressão intrapericárdica e compressão do ventrículo direito. Isso reduz sua capacidade de preenchimento, resultando em uma diminuição subsequente do enchimento ventricular esquerdo e da fração de ejeção, comprometendo efetivamente o débito cardíaco e o volume sistólico. Dessa forma, o trabalho cardíaco também aumenta, assim como a tensão da parede miocárdica, elevando a demanda de energia no coração que, devido ao aumento da carga de trabalho, apresenta uma necessidade de oxigênio não suprida, justificando a hipoxemia, o débito de oxigênio e a acidose lática. O pericárdio é capaz de suportar acúmulos graduais de sangue se o sangramento não for rápido o suficiente para provocar elevações agudas nas pressões intrapericárdicas que excedam a pressão ventricular direita e, subsequentemente, a capacidade de enchimento do ventrículo esquerdo. Desse modo, uma hemorragia lenta e gradual é muito melhor tolerada, uma vez que pode ser gradualmente acomodada pelo pericárdio. Portanto, o tamponamento pericárdico pode ter um efeito deletério e protetor. Tal efeito protetor pode limitar o sangramento extrapericárdico na cavidade hemitorácica esquerda e permitir que o paciente atinja um centro de trauma vivo. Já o efeito deletério pode levar à rápida parada cardiorrespiratória. Alguns autores apoiam fortemente a presença de um tamponamento pericárdico como um determinante independente crítico para a sobrevivência em lesões cardíacas penetrantes. Com estudos os quais os autores concluíram que pacientes com tamponamento pericárdico apresentaram uma taxa de sobrevida maior, sendo mais influente até do que os sinais vitais na determinação dos desfechos. Outros estudos não corraboraram com este resultado.
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É evidente, porém, que apesar das diferenças entre os estudos, há a presença de uma resposta intermediária; parece existir um período de tempo em que o tamponamento pericárdico provoca um efeito protetor e, portanto, leva a um aumento na taxa de sobrevivência. O que permanece indefinido é esse período de tempo, após o qual esse efeito protetor é perdido, resultando em um efeito adverso na função cardíaca. Métodos de Avaliação do Trauma Cardíaco Janela Pericárdica Subxifóide Historicamente, a janela subxifóide foi o padrão ouro para avaliar o hemopericárdio. A técnica original para criar uma janela pericárdica foi descrita por Larrey em 1800. Ainda permanece o padrão-ouro de todos os procedimentos para o diagnóstico de lesão cardíaca, apesar de ser considerada uma segunda linha de avaliação em centros de trauma com disponibilidade de ultrassonografia, visto que a ecocardiografia tornou-se a modalidade de escolha. Para realização de uma janela pericárdica subxifóide, após a realização de anestesia geral, uma incisão de 10 cm é feita na linha média sobre o processo xifóide, pois facilita a dissecção posterior. Com o esterno distal elevado com um afastador ou separado, dissecado e fixado por uma pinça Allis ou Kocher, sendo então deslocado cranialmente, o diafragma é identificado e, com a pinça de dissecção romba, o pericárdio é encontrado. A dissecção brusca com separa o tecido adiposo abaixo do xifóide. Uma combinação de dissecção brusca e afiada após a palpação digital do impulso cardíaco transmitido é usada para localizar o pericárdio que é retido pela pinça de Allis. Daí, uma vez que o pericárdio foi firmemente preso, uma incisão longitudinal medindo aproximadamente 1cm é feita no pericárdio, com cautela para não lacerar o epicárdio subjacente. Depois dessa abertura, o campo pode ser preenchido com líquido pericárdico claro cor de palha, significando uma janela negativa, ou com sangue, indicando uma janela positiva e, portanto, uma lesão cardíaca. Deve-se lembrar de que o campo pode permanecer seco se o sangue coagular dentro do pericárdio. Em seguida, recomenda-se a passagem de um cateter através da abertura previamente feita quando esta situação acontecer. Tal manobra pode liberar o coágulo e permitir que o sangue escape pela abertura. Caso a janela seja positiva, o cirurgião deve proceder imediatamente a uma esternotomia e cardiorrafia mediana. Numerosos estudos confirmaram a confiabilidade e o potencial diagnóstico da janela pericárdica subxifóide. Essa técnica apresenta a segurança, a facilidade e a confiabilidade como vantagens na detecção de um hemopericárdio, porém, apresenta como desvantagem a submissão do paciente a um procedimento cirúrgico com anestesia geral. É importante ressaltar ainda que o papel da janela pericárdica subxifóide foi progressivamente diminuído como uma ferramenta de diagnóstica a partir do surgimento da ecocardiografia. Uma nota de cautela precisa ser enfatizada. Uma pré-carga adequada é essencial para evitar descompensação quando há tamponamento. A indução da anestesia geral e a ventilação com pressão positiva tendem a diminuir a pré-carga e podem resultar em parada
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cardíaca. Portanto, em pacientes hipotensos, devemos estar bem preparados. Se ocorrer colapso hemodinâmico, uma incisão pode ser rapidamente realizada com alívio do tamponamento. Ecocardiografia bidimensional A ecocardiografia emergiu claramente como a mais nova técnica para o diagnóstico de lesões cardíacas penetrantes. Horowitz et al., 1974, definiu os limites de sensibilidade e especificidade para essa técnica e concluiu a necessidade de 50 ml de líquido pericárdico para que a ecocardiografia possa demonstrar com segurança um derrame.
Figura 04.2 - Derrame pericárdico identificado por ultrassonografia. Fonte: DINAMARCA, 2013.
Na literatura, estudos compararam prospectivamente pacientes hemodinamicamente estáveis admitidos com traumas torácicos penetrantes localizados dentro dos limites precordiais e concluiu que a ecocardiografia tinha 90% de precisão, 97% de especificidade e 90% de sensibilidade na detecção de lesões cardíacas penetrantes. Meyer, Jessen e Grayburn, 1995, no que talvez seja o estudo mais abrangente da literatura, avaliou prospectivamente 105 pacientes hemodinamicamente estáveis, portadores de lesões cardíacas ocultas. Todos os pacientes foram submetidos à ecocardiografia bidimensional, seguida de janela pericárdica subxifóide. Para o grupo todo, a janela subxifóide revelou sensibilidade de 100%, especificidade e precisão de 92% versus ecocardiograma, com sensibilidade de 56%, especificidade de 96% e acurácia de 90%. Entretanto, quando a janela pericárdica subxifoide foi comparada à ecocardiografia em pacientes sem hemopneumotórax associado, sua sensibilidade (100% versus 100%), especificidade (89% versus 91%) e acurácia (90% versus 91%) foram comparáveis. A partir desses dados, concluiu-se que a ecocardiografia tem limitações significativas e identifica lesões cardíacas graves em pacientes com hemopneumotórax associados, e esse dado deve ser lembrado durante a avaliação.
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Classificação das Lesões Cardíacas A Associação Americana de Cirurgia do Trauma (AAST) e seu Comitê de Escala de Lesões Orgânicas (OIS) desenvolveram uma escala de lesão cardíaca para descrevê-las uniformemente. Esta escala é bastante complexa e, embora seja muito abrangente, não é de fácil utilização na sala de cirurgia. Quadro 04.1 – Classificação das lesões cardíacas pela AAST. Grau
Descrição da Injúria
I
Lesão cardíaca contusa com anormalidade eletrocardiográfica (alterações não específicas da onda ST ou T, contração atrial ou ventricular prematura ou taquicardia sinusal persistente); Trauma pericárdico contuso ou penetrante sem lesão cardíaca, tamponamento cardíaco ou herniação cardíaca
II
Lesão cardíaca contusa com bloqueio cardíaco (ramo direito ou esquerdo, fascículo anterior esquerdo ou atrioventricular) ou alterações isquêmicas (depressão ST ou inversão da onda T) sem insuficiência cardíaca; Penetração do miocárdio tangencial sem alcance de endocárdio, sem tamponamento
III
Lesão cardíaca contusa com contrações ventriculares sustentadas (> 5 batimentos/min) ou multifocais; Lesões cardíacas contusas ou penetrantes com ruptura do septo, incompetência valvular pulmonar ou tricúspide, disfunção do músculo papilar ou oclusão da artéria coronária distal sem insuficiência cardíaca; Laceração pericárdica contusa com hérnia cardíaca; Lesão cardíaca com insuficiência cardíaca; Penetração do miocárdio tangencial sem alcance de endocárdio, com tamponamento
IV
Lesão cardíaca contusa ou penetrante com ruptura do septo, incompetência valvular pulmonar ou tricúspide, disfunção do músculo papilar ou oclusão arterial coronária distal que produz insuficiência cardíaca; Blunt ou penetrante injúria cardíaca com válvula mitral ou aórtica incompetentes; Lesão cardíaca direta ou penetrante do ventrículo direito, átrio direito, ou átrio esquerdo
V
Lesão cardíaca contusa ou penetrante com artéria coronária proximal; Oclusão, contusão ou perfuração penetrante do ventrículo esquerdo; Ferida estrelada com perda de tecido <50% do ventrículo direito, átrio direito ou átrio esquerdo Avulsão brusca do coração; Ferida penetrante produzindo> 50% de perda de tecido de uma câmara
VI
Condutas no Trauma Cardíaco Toracotomia do Departamento de Emergência A Toracotomia do Departamento de Emergência (TDE), ou toracotomia de reanimação, continua a ser uma ferramenta formidável dentro do arsenal da cirurgia do trauma. Em muitos centros de trauma, esse procedimento encontrou um nicho como parte do processo de ressuscitação. Tal ferramenta se mostra tecnicamente complexa e desafiadora, devendo ser executada por cirurgiões que estejam familiarizados com o manejo de lesões cardiotorácicas penetrantes. Página 73
A toracotomia do departamento de emergência é melhor indicada para o tratamento de lesões cardíacas penetrantes com cardiorrafia imediata, juntamente com pinçamento aórtico e massagem cardiopulmonar aberta. Neste cenário, é bem sucedido em recuperar aproximadamente 10% de todas as lesões cardíacas penetrantes. A massagem cardiopulmonar aberta após o reparo definitivo das lesões cardíacas penetrantes é mais eficaz na produção de uma maior fração de ejeção (FE). Se um reparo definitivo não puder ser realizado, o controle temporário da lesão, juntamente com o uso de medidas adjuntas, como o tamponamento com balão, também pode ser efetivamente realizado. Da mesma forma, lacerações de grandes vasos sanguíneos torácicos também podem ser controladas por pinças vasculares. A ausência de sinais vitais, ritmo cardíaco, pulso palpável na parada cardiorrespiratória e movimento de extremidades, além de pupilas fixas e dilatadas representam fatores pré-hospitalares preditivos de mau prognóstico. A toracotomia de emergência deve ser realizada simultaneamente com a avaliação inicial e reanimação, usando os protocolos ATLS (Advanced Trauma Life Support) do American College of Surgeons (ACS). Da mesma forma, o acesso venoso imediato com o uso simultâneo de técnicas de infusão rápidas complementa o processo de ressuscitação. A indicação de realizar a TDE são: trauma torácico penetrante com menos de 15min de PCR, trauma não torácico penetrante com menos de 5 min de PCR, trauma fechado com menos de 10 min de PCR ou Hipotensão severa (PAS < 60) com sinais de tamponamento cardíaco, hemorragias importantes e embolia aérea. As contraindicações são trauma torácico penetrante com mais de 15min de PCR sem sinais de vida, trauma fechado com mais de 10 min de PCR sem sinais de vida. Os principais objetivos do procedimento são 1. liberar o pericárdio por possível tamponamento, pois a maior taxa de sobrevivência é em pacientes com feridas cardíacas penetrantes especialmente quando associadas a tamponamento pericárdico; 2. Controle de hemorragia cardíaca ou intratorácica, sendo as lesões mais comuns no hilo pulmonar e grandes vasos e menos comuns na aorta torácica ou feridas cardíacas penetrantes; 3. Evacuar embolia aérea maciça, entidade muito mais comum do que reconhecida, sua história clássica é de um paciente com trauma torácico que evolui com hipotensão severa ou PCR após intubação. Quando suspeita deve-se clampear o hilo pulmonar, que irá parar a progressão da embolia, colocar paciente em trendelenburg para evitar embolia no SNC, realizar massagem cardíaca intratorácica para dissolver a embolia e aspirar o ventrículo esquerdo, a aorta e a coronária direita; 4. Realizar massagem cardíaca aberta, A RCP externa fornece 20 a 25% do débito cardíaco e 10–20% da perfusão normal e consegue manter órgãos vitais por até 15 min, mas em um paciente hipotenso ou tamponado esses valores se aproximam a zero. A massagem cardíaca aberta é efetiva em manter perfusão por até 30min; 5. Temporariamente ocluir a aorta torácica descendente para redistribuir o volume sistólico para cérebro e coração, tendo o paciente uma melhora quase imediata e significativa da hemodinâmica, aumentando significativamente a chance de retorno a circulação espontânea e diminuindo perdas sanguíneas. Deve ser aberta no máximo após 30minutos
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ou realocada abaixo das artérias renais, pois o intestino tolera apenas de30 a45min de isquemia normotérmica. Técnica Cirúrgica da TDE Os pacientes geralmente são transferidos para a maca de emergência na chegada. No procedimento de toracotomia supracitado, o braço esquerdo deve ser elevado e todo o tórax é preparado rapidamente com uma solução anti-séptica. A toracotomia ântero-lateral esquerda com início na borda lateral da junção esternocostal esquerda e inferior ao mamilo é realizada e estendida lateralmente ao grande dorsal. Esta incisão é rapidamente realizada através da pele e tecido subcutâneo e do serrátil anterior até que os músculos intercostais tenham sido atingidos. As três camadas desses músculos são seccionadas com tesoura de Metzenbaum e ocasionalmente, à esquerda, a quarta ou quinta cartilagem costocondral são seccionadas para fornecer maior exposição. Daí, um afastador Finochietto é então colocado para separar as costelas e a avaliação da extensão da hemorragia presente dentro da cavidade hemitorácica esquerda é então realizada. É importante ressaltar que hemorragia com perda quase completa do volume intravascular do paciente é um indicador confiável de desfecho ruim. O pulmão esquerdo é então medialmente elevado e a aorta torácica é localizada imediatamente ao entrar no abdome através do hiato aórtico. A aorta deve então ser palpada para avaliar o estado do volume de sangue remanescente dentro da vasculatura. Ela também pode ser temporariamente ocluída digitalmente contra os corpos das vértebras torácicas até que possa ser fixada em clampeamento. Para o clampeamento da aorta - sendo preferível o uso da pinça de CrafoordDeBakey- é realizada uma combinação de dissecção abrupta e contundente iniciada nas bordas superior e inferior da aorta para que a mesma possa ser circundada entre o polegar e os dedos indicadores, assegurando seu pinçamento. Diante do frequente cruzamento errôneo do esôfago, feito por cirurgiões inexperientes, uma sonda nasogástrica deve ser previamente colocada, servindo como um guia útil na diferenciação do esôfago de uma aorta torácica. Os cirurgiões devem então observar o pericárdio e procurar a presença de uma laceração pericárdica. Além disso, o nervo frênico também deve ser identificado e preservado. Uma abertura longitudinal no saco pericárdico é então feita anterior ao nervo frênico e prolongada inferior e superiormente. É prudente prender o pericárdio com duas pinças de Allis para segurá-lo, de modo que uma pequena incisão de 1 a 2 cm possa ser feita. Seguese a abertura do pericárdio com uma tesoura de Metzenbaum. Após a abertura do pericárdio, há o vazamento do sangue coagulado e o cirurgião deve notar imediatamente a presença e/ou ausência e o tipo de ritmo cardíaco subjacente, bem como a localização da lesão penetrante. Várias técnicas estão disponíveis para obter controle temporário da lesão cardíaca, incluindo controle digital, colocação de cateter de Foley e uso de grampos na pele. A colocação de um cateter de Foley, apesar de ser uma ideia engenhosa, tem limitações significativas, sendo a mais grave a possibilidade de ampliação da lesão cardíaca.
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Uma vez que o balão é insuflado e que se aplique tração suave, é difícil de segurar e fácil de desalojar, aumentando assim a ferida. Os grampos da pele também foram usados com sucesso para obter o fechamento temporário de feridas cardíacas. É possível realizar apenas o controle digital, pois é um método simples e direto. Não é necessário parar completamente o sangramento cardíaco, mas diminuí-lo e facilitar o reparo definitivo. Uma tentativa deve ser feita para traçar a trajetória do agente ferido, já que os projéteis, freqüentemente, entram em uma área e migram para áreas adjacentes, como o hemitórax contralateral. Da mesma forma, os cirurgiões também devem estimar o volume de sangue remanescente dentro das câmaras cardíacas. A descoberta do coração flácido e desprovido de qualquer movimento de bombeamento é um preditor de mau prognóstico. Da mesma forma, outros preditores confiáveis de desfecho desfavorável são artérias coronárias vazias e a presença de embolia aérea sendo visualizada nas veias coronárias (não nas artérias). As lacerações dos átrios podem ser controladas com uma pinça vascular, como Satinsky, antes da cardiorrrafia definitiva. Se a lesão for muito grande, o tamponamento de balão com o cateter de Foley pode interromper temporariamente a hemorragia, permitindo a execução de uma cardiorrrafia definitiva ou ganhando tempo na transferência do paciente para uma sala cirúrgica. Embora os reparos bem-sucedidos sejam denotados pela cessação do sangramento e preenchimento progressivo das câmaras cardíacas, eles podem ser efetivamente realizados sem que o coração consiga recuperar seu ritmo. Freqüentemente, a manipulação farmacológica associada à desfibrilção direta utilizando 20 a 50 joules é necessária para restaurar um ritmo sinusal normal. Se um ritmo sinusal não puder ser restaurado apesar de todas as tentativas, o prognóstico é grave e o resultado é invariavelmente ruim. Às vezes, um ritmo pode ser restaurado, mas nenhum mecanismo de bombeamento efetivo é observado. Da mesma forma, nenhuma pulsação é detectada na aorta torácica descendente. Além disso, a inserção dos fios do marcapasso pode ajudar a restaurar esse movimento de bombeamento ineficaz, mas isso é incomum. A morte miocárdica progressiva pode ser presenciada pela dilatação do ventrículo direito com acompanhamento da cessação da contratilidade e do movimento, seguido pelo mesmo processo no ventrículo esquerdo. Técnicas de Reparo das Lesões Cardíacas No centro cirúrgico, várias incisões podem ser utilizadas para expor o coração e o mediastino. Cada um tem vantagens e desvantagens, e a escolha é influenciada pela experiência e facilidade do cirurgião em cada uma delas. Embora uma toracotomia póstero-lateral apresente excelente exposição da cavidade pleural, ela permite apenas uma exposição cardíaca limitada. Outra desvantagem é que pode exacerbar a instabilidade hemodinâmica, uma vez que a posição de decúbito lateral pode resultar em piora da hipotensão. Por estas razões, não usamos essa abordagem para lesões cardíacas penetrantes. Se uma toracotomia de emergência é necessária, é nossa preferência dividir o esterno e levar a incisão antero-lateral esquerda para o espaço pleural
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direito como uma “toracotomia de clamshell”. Isso pode ser feito rapidamente, permite a exposição adequada do coração e do mediastino e pode ser realizado por um cirurgião geral. As principais desvantagens dessa abordagem são: a incisão é frequentemente colocada muito inferiormente, e tanto o fechamento esternal como o torácico podem ser problemáticos. A incisão antero-lateral deve ser feita sobre o sulco inframamário e promover uma elevação de cerca de 20 graus sob o peito esquerdo facilita a extensão para a axila ipsilateral. A esternotomia mediana proporciona exposição mediastinal ideal, pode ser realizada rapidamente e permite o reparo da lesão cardíaca. Embora os cirurgiões cardiotorácicos tenham mais experiência com essa abordagem, um cirurgião geral bem treinado é mais do que capaz de usar essa abordagem para tratar lesões cardíacas. Qualquer que seja a incisão escolhida, uma vez exposto o mediastino, o pericárdio deve ser aberto. Se uma incisão antero-lateral é empregada, o pericárdio é incisado anterior ao nervo frênico. Se uma esternotomia mediana for realizada, o pericárdio é aberto amplamente e um sling pericárdico pode ser construído afixando-se a borda do pericárdio à pele. Após a pericardiotomia, qualquer hemopericárdio pode ser evacuado. A esternotomia mediana, ou incisão de Duval, é a incisão de escolha em pacientes admitidos com lesões precordiais penetrantes que podem abrigar lesões hemodinamicamente comprometedoras, sendo ocultas ou não. Pacientes admitidos com algum grau de estabilidade hemodinâmica podem ser submetidos à investigação pré-operatória limitada com radiografia de tórax ou ecocardiograma. Da mesma forma, os pacientes que chegam à sala de cirurgia com algum grau de estabilidade podem passar por uma janela pericárdica subxifóide se o diagnóstico de lesão cardíaca exigir confirmação. A toracotomia ântero-lateral esquerda ou a incisão de Spangaro, continua sendo a incisão de escolha para o manejo de pacientes com lesões cardíacas penetrantes que chegam graves. A toracotomia ântero-lateral esquerda pode ser estendida através do esterno como toracotomias anterolaterais bilaterais se as lesões do paciente se prolongarem até a cavidade hemitorácica. A mesma também permite a exposição total do mediastino anterior e de ambas as cavidades hemitorácicas. É importante notar que, após a transecção do esterno, ambas as artérias mamárias internas são dissecadas e devem ser ligadas no final do procedimento. As feridas atriais são frequentemente mais fáceis de reparar do que as ventriculares, uma vez que as primeiras são câmaras de baixa pressão e a lesão pode ser controlada com uma pinça vascular. Depois que o grampo vascular é aplicado, o reparo é realizado com Prolene 3-0 ou 4-0. As paredes atriais finas, que são propensas a rasgar, exigem uma colocação precisa da sutura e, por essa razão, pode-se realizar a reparação com sutura colchão. Lesões no átrio esquerdo, embora infrequentes, apresentam um desafio devido à sua localização posterior. Da mesma forma, lesões na junção do átrio direito e da veia cava inferior também são difíceis de manejar. O controle temporário pode ocasionalmente ser obtido pela colocação sequencial de pinças Allis e, em seguida, reparo dos vasos.
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As lesões atriais também podem ser controladas por oclusão parcial através da pinça de Satinsky. Tal processo permitirá ao cirurgião de trauma realizar uma reparação rápida, utilizando uma sutura de monofilamento em uma fração em execução ou interrompida. Recomenda-se 2-0 Prolene. As paredes finas dos átrios exigem cuidado durante a sutura, pois podem rasgar e aumentar facilmente a lesão original. O uso de materiais bioprotéticos na forma de emplastros de teflon não é recomendado para o manejo dessas lesões. As feridas ventriculares podem ser reparadas primeiro por meio da oclusão digital da laceração enquanto se realiza suturas de colchão simples ou interrompidas de Halsted. Eles também podem ser reparados com uma sutura monofilamentar em execução de 2-0 Prolene. Reparar lesões cardíacas de facadas é menos desafiador do que de projéteis, pois estas tendem a produzir algum grau de defeito explosivo, causando dificuldades no reparo. As lesões ventriculares resultantes de ferimentos por arma branca podem ser reparadas com Prolene 3-0, seja como uma simples sutura contínua ou uma sutura horizontal interrompida. As lesões por projéteis que foram inicialmente suturadas e controladas aumentam à medida que o miocárdio danificado continua a retrair-se. Feridas maiores, especialmente aquelas resultantes de ferimentos por arma de fogo, são fechadas com suturas horizontais interrompidas. Uma curva maior da agulha facilita o engate do tecido em ângulo reto e é essencial conduzir a agulha após sua curva. Freqüentemente, essas lesões requerem múltiplas suturas em uma tentativa de controlar a hemorragia maciça. Quando isso ocorre, é necessário um material bioprotético como o Teflon para reforçar a linha de sutura. Possivelmente, a maioria das lesões cardíacas pode ser fechada sem Teflon e somente deve-se usá-los se a parede ventricular for friável, pois permitem distribuir a tensão quando a sutura é amarrada. Três outros detalhes técnicos importantes são: primeiro, pegar uma parte adequada do miocárdio. Existe uma tendência, especialmente entre os cirurgiões inexperientes, de pegar pequena parte do miocárdio com a sutura. Se a sutura for muito superficial, o risco de rasgar o tecido aumenta. Embora possa parecer contraintuitivo, pegar uma maior parte do miocárdio trará um reparo mais seguro. A segunda é cronometrar a sutura com a contração ventricular, pois isso também irá minimizar a ruptura miocárdica. Terceiro, enquanto o ventrículo direito é geralmente uma câmara de baixa pressão, ele tem parede miocárdica menos espessa que a esquerda e é mais propenso a rasgar se uma sutura inadequada for realizada. Manejo de Lesões Arteriais Coronárias O reparo de lesões ventriculares adjacentes às artérias coronárias pode ser bastante trabalhoso, mas várias alternativas estão disponíveis. O cirurgião de trauma deve sempre ser lembrado de que a realização indevida de suturas pode estreitar ou ocluir uma artéria coronária ou um de seus ramos. Portanto, recomenda-se a disposição das suturas sob o leito da artéria coronária. Se a lesão acometer ramo pequeno da coronária ou se a
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laceração está no terço distal, a ligação é uma opção. Se a artéria coronária proximal é lacerada, particularmente a descendente anterior esquerda, é necessário o desvio da artéria coronária, o que pode ou não exigir a circulação extracorpórea e a parada cardioplégica. Traumas em localizações proximais da artéria coronária podem exigir o uso de circulação extracorpórea para reparo, embora isso raramente seja necessário. Em uma tentativa desesperada, as lesões das artérias coronárias proximais e de porção média são frequentemente ligadas, resultando em infartos miocárdicos imediatos da mesa cirúrgica. Esses pacientes podem se beneficiar da instituição imediata da contrapulsação do balão intra-aórtico e da derivação aortocoronária imediata. A circulação extracorpórea também tem sido usada para suporte hemodinâmico após a cardiorrafia. Várias medidas adjuvantes estão disponíveis para auxiliar a cardiorrafia, incluindo oclusão temporária de fluxo, métodos para facilitar o reparo de lesões cardíacas posteriores, infusão de adenosina e o uso de circulação extracorpórea para ressuscitação póscardiorrafia. Embora a oclusão temporária de influxo pareça uma opção atraente, é de valor limitado em um paciente acidótico e hipotenso.. Os ferimentos cardíacos posteriores representam um problema, pois exigem o levantamento do coração, o que muitas vezes leva a hipotensão profunda, bradicardia e possivelmente parada. Deve-se levantar o coração, avaliar a lesão e retornar o coração à sua posição normal. A mesma técnica é usada para as suturas: muitas vezes elas não podem ser apertadas quando são colocadas, e o coração é novamente retornado à sua posição anatômica normal. Após um período de recuperação, o coração é levantado novamente e as suturas são apertadas. Essa técnica exige paciência por parte do cirurgião e estreita cooperação com a equipe de anestesia. A infusão de adenosina causa a assistolia temporária, facilitando assim a reparação cardíaca e é particularmente útil quando é necessária a colocação precisa da sutura, como nas proximidades das artérias coronárias ou do sistema de condução. A diminuição da frequência cardíaca pela infusão de um ß-bloqueador, enquanto opção, deve ser cuidadosamente avaliada devido ao seu efeito inotrópico negativo na função miocárdica já comprometida. Lesões na proximidade das artérias coronárias requerem atenção especial. Claramente, o perigo é que a sutura colocada para reparar a lesão miocárdica possa comprometer ou obstruir o fluxo sanguíneo coronariano. Portanto, as suturas devem ser colocadas com precisão e profundidade na própria artéria coronária. Nessa circunstância, evita-se o uso de medicamentos, pois eles podem aumentar a probabilidade de comprometer o fluxo coronariano. As lesões cardíacas que têm o potencial de causar dano septal ou valvular também exigem consideração específica. Ocasionalmente, um shunt da esquerda para a direita, de uma lesão septal ou fístula aorto-pulmonar, pode ser detectado no momento da operação. A artéria pulmonar pode estar distendida e ter um frêmito palpável. A maioria das lesões valvares pós-traumáticas apresenta-se como insuficiência, mas, a menos que sejam profundas, geralmente não são diagnosticadas no momento do reparo cardíaco. A ecocardiografia transesofágica intraoperatória é, então, uma excelente modalidade diagnóstica.
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A última circunstância especial é o controle de danos. Ocasionalmente, após o reparo cardíaco, o tórax não pode ser fechado sem comprometimento hemodinâmico significativo. Os efeitos aditivos da hipotensão, acidose, ressuscitação volêmica e distensão cardíaca podem contraindicar o fechamento do tórax ou do esterno. O uso temporário de um fechamento a vácuo minimiza o risco de agravar a hipotensão e aumentar a pressão nas vias aéreas. Após a cirurgia inicial, a ressuscitação continua na unidade de terapia intensiva. Quando os parâmetros fisiológicos se normalizaram, o fechamento definitivo é realizado, geralmente dentro de 48 horas da operação de controle de danos . Ocasionalmente só é possível fechar o tórax esquelético, e não a musculatura da parede torácica. Nesses casos, pode-se empregar um fechamento assistido a vácuo [VAC] sobre o tórax ósseo e o fechamento por etapas da musculatura. Lesões Complexas e Combinadas Lesões cardíacas complexas e combinadas são definidas como qualquer lesão cardíaca penetrante, associada a uma lesão vascular, cervical, torácica ou abdominal. Além disso, qualquer lesão vascular periférica de extremidade também pode ser classificada como esses tipos de lesões. Tais acometimentos podem ser bastante difíceis de conduzir, devendo-se priorizar aquelas que proporcionam maior perda de sangue. Existem pesquisas interessantes e potencialmente revolucionárias usando hipotermia terapêutica no tratamento do choque hemorrágico que resultou em parada. A hipotermia terapêutica tem sido eficaz e preconizada no tratamento da parada cardíaca não traumática. A aplicação dessa terapia no tratamento de pacientes traumatizados exsanguinados é uma extensão natural do conceito de controle de danos. Vários estudos experimentais, com modelos animais submetidos a hemorragia extensa, demonstraram a sua eficácia. Apesar do uso de diferentes modelos animais, e pequenas diferenças no grau e duração da hipotermia, é claro que a hipotermia terapêutica de emergência é uma modalidade extremamente útil no tratamento da hemorragia extensa. A aplicação desta técnica em humanos é apenas uma questão de tempo. É evidente, a partir desses e de outros estudos, que muito ainda precisa ser feito em termos de avaliação de lesões anatômicas e fisiológicas. É claro que uma melhor seleção de pacientes através do uso de índices fisiológicos, como o escore do CVRS para a realização de toracotomia de emergência e cardiorrafia, levará à melhora da sobrevida. Desse modo, somente com sérias investigações científicas baseadas em coleta prospectiva e análise de dados pode-se estender as fronteiras no gerenciamento de lesões devastadoras, muito semelhante ao que Cappelen, Farina e Rehn fizeram há mais de 100 anos. A oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO) representa atualmente uma das principais modalidades terapêuticas do suporte de vida extracorpóreo, sendo uma alternativa diante de uma falência cardíaca e/ou pulmonar refratária ao tratamento convencional. No âmbito do trauma, o grupo que mais se beneficia de tal técnica inclui o paciente com insuficiência respiratória hipoxêmica causada por lesão pulmonar e os pacientes com lesões cardiacas complexas.
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Existem duas modalidades de ECMO, uma que o fluxo se faz como oxigenação por membrana extracorpórea venovenosa (ECMO –VV) outra com oxigenação por membrana extracorpórea venoarterial ECMO –VA. A ECMO- VV é mais indicada para pacientes sem disfunção cardíaca ou função cardíaca pouco reduzida, sendo a configuração de escolha em pacientes com insuficiência respiratória hipercápnica ou insuficiência respiratória hipoxêmica. Já a ECMO - VA é a configuração de escolha para pacientes com falência cardíaca, podendo ser necessário ou não o suporte pulmonar associado. O suporte venoarterial de ECMO parecia a estratégia mais apropriada para controlar as armadilhas da disfunção do VE e hipóxia em casos de realização de lobectomia. O suporte de ECMO é uma ferramenta útil e útil para gerenciar o tratamento cirúrgico de rotura cardíaca ou lesões pulmonares induzidas por trauma e também é benéfico na recuperação pós-operatória. O suporte da ECMO permite a manutenção da normotermia, bem como a administração rápida e massiva de fluidos e hemoderivados no circuito da bomba conforme a necessidade. No pós-operatório, o suporte com ECMO permite manter uma boa perfusão sistêmica e diminuir as doses de drogas vasopressoras, pois a ECMO descarrega parcialmente o ventrículo esquerdo com o objetivo de otimizar a recuperação do miocárdio e limitar lesão pulmonar. A contusão miocárdica no trauma torácico pode exigir altas doses de drogas vasoativas e tempo para se recuperar. As suturas cirúrgicas através de um miocárdio lesado são frágeis e podem lacerar o músculo se a tensão da parede for muito alta. A descarga parcial do ventrículo esquerdo usando ECMO pode desempenhar um papel nesses frágeis reparos cirúrgicos. Além disso, esse suporte circulatório mecânico temporário fornece o débito cardíaco nativo transitoriamente baixo e permite diminuir a dose de drogas vasoativas enquanto mantém boa perfusão e função dos órgãos. A ECMO também permite o reparo tardio de lesões valvares e de septo. Permitindo garantir evidências da função neurológica e investigar lesões adicionais, evitando o choque cardiogênico. Existem poucos relatos de uso de ECMO para lesões cardíacas traumáticas, embora a SDRA continue sendo uma indicação bem reconhecida em pacientes com trauma. A complicação mais comum associada à ECMO é o sangramento, um risco que pode ser agravado pela hipotermia terapêutica. Outras complicações são rotura do circuito, falha na membrana de oxigenação, coagulação do sistema, lesão renal aguda infecção e hemorragia intracraniana. A hipotermia induzida lentamente ganhou tração e se tornou uma prática padrão para neuroproteção em casos de parada cardíaca não traumática, e foi incorporada ao protocolo ACLS. Vários estudos indicaram benefícios significativos nos resultados, incluindo sobrevida e maior probabilidade de boa recuperação neurológica quando usados no ambiente médico pós-parada cardíaca. Bernard et al. demonstraram que a probabilidade de alta para casa ou para reabilitação após hipotermia terapêutica era cinco vezes maior do que sem ela. A ECMO também pode ajudar nessa estratégia com a rápida mudança ou manutenção da temperatura corporal. No entanto, tem havido relutância em adotar essas manobras em pacientes com trauma, frequentemente citando os riscos de coagulopatia hipotér-
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mica. Apesar destes contrapontos, o uso de indução rápida de hipotermia, cirurgia de ressuscitação e ressuscitação com circulação extracorpórea em pacientes com trauma tem se evoluindo com resultados promissores. Referências ANESTHESIA KEY. Cardiac Injury. Disponível em: https://aneskey.com/cardiacinjury/#CR27. Acesso em: 20 out. 2020.
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Tr aumaTor áci co
CAPÍ TULO
05
-Al anBr enoMour aPont es. -Fr anci scoMar t i nsNet o. -AnaThaí sAgui arCar nei r o. -Her onKai r oSabói aSant ’ Anna Li ma. -Bár bar aMat osdeCar val ho Bor ges.
O trauma torácico é responsável por cerca de 25% das mortes relacionados ao trauma, mortalidade atrás apenas do trauma de cabeça e pescoço. O motivo dessa mortalidade está diretamente relacionado ao fato de que, na caixa torácica, estão alojados os principais órgãos do sistema pulmonar e cardíaco, requerendo uma abordagem rápida e efetiva. Apesar de possuir uma mortalidade considerável, muitas vezes seu manejo não exige uma conduta extremamente complexa, podendo ser conduzido de forma rápida e eficaz, através de drenagem pleural, suporte ventilatório e analgesia. O mecanismo do trauma torácico pode ser penetrante (por meio de armas brancas ou armas de fogo) ou contuso (muito frequente em acidentes automobilísticos). No trauma contuso, fraturas dos ossos que compõem a caixa torácica são frequentes, sendo importante a sua identificação como forma de prevenir maiores complicações. Em traumas penetrantes abaixo do quarto espaço intercostal deve-se considerar a possibilidade de lesão abdominal concomitante. Avaliação Primária A avaliação primária deve ser realizada de forma sistemática e objetiva, conforme descrita no Capítulo 01 – Atendimento Inicial ao Paciente Politraumatizado. Seguindo essa metodologia de avaliação do paciente, poderemos identificar alterações na via aérea, respiração e circulação do paciente. Com base nisso, devemos estabelecer medidas com base nesta ordem prioridade. O trauma torácico é capaz de proporcionar diversas lesões diferentes para tornar o processo de respirar menos eficaz, representando uma ameaça à vida do paciente. Dessa forma, após a avaliação da via aérea, deve-se realizar a avaliação da respiração do paciente. Identificar o mecanismo do trauma é fundamental para otimizar a busca por essas lesões. As condições apresentadas no Quadro 05.1 serão abordadas durante o decorrer do capítulo. Quadro 05.1 – Lesões Ameaçadoras à Vida Relacionadas ao Tórax Lesão
Intervenção Necessária
Pneumotórax Hipertensivo
Inicialmente deve ser realizada uma toracocentese descompressiva e prosseguir com a drenagem torácica.
Pneumotórax Aberto
Inicialmente deve ser realizado um curativo de três pontas e, após estabilização, drenagem torácica seguida de sutura da lesão.
Hemotórax Massivo
Ressuscitação volêmica, drenagem torácica e avaliar a necessidade de toracotomia de emergência.
Tamponamento Cardíaco
Pericardiocentese (ou drenagem pericárdica por toracotomia) e avaliar a necessidade de toracotomia de emergência.
Contusão Pulmonar
Oxigenoterapia e alívio da dor. Posteriormente deve ser avaliada a necessidade cirúrgica e/ou intubação.
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Pneumotórax O pneumotórax é uma condição comum tanto no trauma penetrante quanto contuso. Esta condição pode ser definida como a presença de ar ou gás no espaço pleural (geralmente após uma lesão do parênquima pulmonar e brônquios), resultando em um colapso parcial ou total do pulmão. De modo geral, o pneumotórax não é uma condição que necessita de intervenção imediata, porém possui um potencial para progredir em uma condição ameaçadora de vida. Clinicamente os pacientes podem se apresentar com dor torácica ipsilateral, diminuição ou ausência dos ruídos respiratórios, diminuição da expansibilidade da caixa torácica ipsilateral, dispnéia e hipertimpanismo no lado acometido à percussão torácica. Cabe ressaltar que, dependendo do tamanho do pneumotórax, o paciente pode apresentar-se assintomático. Uma apresentação potencialmente fatal desta condição é o pneumotórax hipertensivo. A sintomatologia desta condição é semelhante ao simples, porém acrescida do desequilíbrio hemodinâmico relacionado ao choque obstrutivo. A taquicardia e hipotensão são decorrentes da diminuição do retorno venoso para o coração, devido à pressão intratorácica aumentada decorrente do desvio do mediastino para a direção contralateral ao lado acometido. Apesar de ser um sinal tardio, pode-se notar turgência jugular. O desvio de traqueia - muitas vezes citados em livros-texto, trata-se de um evento intra-mediastinal, dificilmente percebido ao olho clínico, porém mais facilmente visualizado por meio de exames radiológicos. Portanto, reforça-se que o diagnóstico do pneumotórax hipertensivo é clínico e as terapêuticas não devem ser atrasadas em decorrência do aguardo pelos exames de imagem. Todo paciente vítima de trauma torácico com: dispnéia, murmúrio abolido ou diminuído e sinais de choque, deve receber tratamento imediato com toracentese de alívio seguida de drenagem no mesmo local da toracocentese. Por fim, uma última condição associada é o pneumotórax aberto. Essa condição (mais rara entre as três) é resultante de uma ferida penetrante (com cerca de 2/3 do diâmetro da traqueia) que permite uma conexão entre o espaço pleural e o mundo externo. Essa conexão permite o rápido equilíbrio entre a pressão da cavidade pleural e a pressão atmosférica, fazendo com que o ar movimente-se preferencialmente por essa perfuração e não pela via aérea. Dessa forma, esse tipo de lesão pode ser facilmente percebido como uma ferida aspirativa no momento da avalição. Diagnóstico O pneumotórax ‘’simples’’ (Figura 05.1 e 05.2) é uma condição frequente nos traumas torácicos. A suspeita surge com base na avaliação clínica (história clínica e exame físico), principalmente se o paciente estiver sintomático (dor e dispnéia, por exemplo). Nos casos de suspeita clínica de pneumotórax hipertensivo, a intervenção (Quadro 05.1) não deve ser adiada por causa da espera pela confirmação através dos exames de imagem. A confirmação diagnóstica pode ser feita por meio da radiografia de tórax ou da tomografia computadorizada (TC), esta ultima possuindo uma superior capacidade diagnósPágina 88
tica e considerada o padrão ouro para diagnóstico. Denominamos ‘’pneumotórax oculto’' aqueles que não foram vistos na radiografia, mas foram vistos na TC. Estima-se que a prevalência desta condição ‘’oculta’’ seja bastante comum, estando presente em cerca de 15%20% dos pacientes vítimas de trauma contuso e 17% dos traumas penetrantes. Figura 05. 1– Radiografia de tórax mostrando pneumotórax ‘’simples’’ à direita do paciente. Na imagem é possível identificar o espaço pleural preenchido por ar (seta azul escura sinaliza a pleura parietal e a seta azul clara sinaliza a pleura víscera colada no pulmão direito). Adaptado de: HALLIFAX; JANSSEN, 2019.
Figura 05.2 – Radiografia de ombro direito. O pneumotórax esta sinalizado com as setas brancas. As setas pretas sinalizam fraturas na segunda costela, na terceira costela e luxação da articulação acromiclavicular. Fonte: SRIDHAR; RAPTIS; BHALLA, 2016.
Figura 05.3 – As imagens acima são de um paciente que deu entrada na emergência com dispneia e dor. Após avaliação clínica foi cogitado o diagnóstico de pneumotórax espontâneo primário. A imagem (A) é uma radiografia de tórax que evidência o pneumotórax à direita do paciente. Na imagem (B) é possível identificar o pneumotórax e uma bolha enorme no lado direito. Fonte: SWIERZY, M. et al., 2014. Página 89
Além dos exames radiológicos citados anteriormente, a ultrassonografia está sendo cada vez mais utilizada para realizar o diagnóstico de alterações torácicas decorrentes de trauma. A utilização do FAST (um acrônimo da língua inglesa que pode ser traduzido como ‘’Avaliação Focalizada com Sonografia para Trauma’’) no contexto abdominal já está bem estabelecida na literatura há muitos anos. Para avaliação torácica, utilizamos o E-FAST (pode ser traduzido como FAST ampliado). Para fins didáticos, abordaremos apenas o EFAST no contexto do pneumotórax relacionado ao trauma torácico neste tópico. A avaliação do pneumotórax é através de uma janela transtorácica, preferencialmente usando um transdutor linear, no segundo espaço intercostal na linha hemiclavicular ou no quinto espaço intercostal (Figura 05.4). Até o momento, as evidências levam a crer em uma maior sensibilidade do E-FAST para diagnosticar o pneumotórax do que a radiografia de tórax. Nesse contexto, o E-FAST possui 48%-77% de sensibilidade e 98,7%-99,8% de especificidade. Durante a avaliação ultrassonográfica, achados como ‘’cauda do cometa’’ e linhas B são utilizados para excluir a condição (Figura 05.4 e 05.5). Um sinal extremamente sensível e específico para a confirmação do pneumotórax é a presença das linhas A (Figura 05.6 e 05.7).
Figura 05.4 – A imagem (A) demonstra as posições do transdutor para a avaliação do pneumotórax. Na imagem (B) há alguns sinais de ausência do pneumotórax. Os artefatos da ‘’cauda do cometa’’ são linhas finas, verticais hiperecóicas que surgem da linha pleural por uma curta distância (seta). As linhas B são artefatos verticais e hiperecóicos que se estendem desde a linha pleural até a borda das imagens sem desbotar (cabeças de seta). Os artefatos da cauda do cometa e as linhas B se movem em sincronia com deslizamento do pulmão. Se houver linhas A e B sobrepostas, as linhas B apagarão as linhas A. Fonte: WONGWAISAYAWAN et al., 2015.
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Figura 05.5 – Ultrassonografia torácica com ausência de pneumotórax. A seta está apontando para um achado denominado ‘’Linhas B’’. Fonte: PLATZ; FABRICANT; NOROTSKY, 2017.
Figura 05.6 – As linhas A (asteriscos) são artefatos que refletem a pleura parietal que aparecem como linhas horizontais hiperecogênicas igualmente espaçadas. Esse achado acrescido com a avaliação clínica é sugestivo de pneumotórax. Fonte: PLATZ; FABRICANT; NOROTSKY, 2017.
Figura 05.7 – Exame sugestivo de pneumotórax. Linhas A apontadas pelas setas brancas. Fonte: WONGWAISAYAWAN et al., 2015.
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Manejo Nesse tópico ainda existe bastante discussão sobre a conduta mais adequada. Guidelines internacionais e as opiniões de especialistas são bastante variadas. Pode-se considerar o tratamento conservador (observação clínica e acompanhamento com radiografias de tórax durante 12 a 24 horas) para pneumotórax ‘’simples’’ (Figura 05.1) em pacientes com estabilidade hemodinâmica. KONG, OOSTHUIZEN e CLARKE em 2015, relataram os resultados de 125 pacientes com pneumotórax secundários a facadas – com média de menos de 2 cm nas radiografias de tórax. Desses 125 pacientes, apenas 4 (3%) necessitaram de colocação de dreno torácico. De modo geral, indicam-se intervenções em casos de pneumotórax extenso ou sintomáticos. A dúvida repousa justamente quando o paciente está assintomático, pois é necessário definir o ‘’extenso’’. No contexto do trauma o recomendado é que a drenagem torácica seja realizada em pneumotórax com volume maior que 400 milímetros ou 20%, aqueles envolvendo mais de 2 fraturas de costela ou em pacientes que estão necessitando de ventilação por pressão positiva. Ainda no contexto da drenagem torácica, o tamanho do dreno a ser utilizado ainda é uma área de pesquisa em andamento. INABA e colaboradores, em 2015, mostraram que os tubos menores (28-F ou 32-F) eram tão eficazes quanto os tubos maiores (36-F ou 40-F) na drenagem do pneumotórax. Um recente ensaio clínico randomizado (KULVATUNYOU, et al. 2014) demonstrou que os drenos torácicos – no contexto de pneumotórax isoladamente - 14-F eram equivalentes aos tubos torácicos 28-F acerca do sucesso na drenagem e complicações relacionadas à inserção. No contexto do trauma torácico, os drenos de 28 a 38 tem o mesmo efeito em traumas torácicos. Dessa forma, sugerimos que o dreno a ser usado no trauma fosse de 28F a no máximo 34F. Quando estamos diante de um pneumotórax hipertensivo, a conduta deve ser rápida e direta. Imediatamente, deve ser feita uma toracocentese descompressiva, preferencialmente no 5 EIC entre a linha axilar anterior e linha axilar média, seguindo as novas recomendações do último ATLS, baseando-se na metanálise de LAAN. Mostrou-se a alta porcentagem de falha quando o procedimento é realizado no 2º EIC na linha hemiclavicular. O pneumotórax aberto requer tratamento imediato no ambiente pré-hospitalar. Um curativo oclusivo fixado em três lados é o tratamento inicial preferido para esta lesão. No cenário pré-hospitalar, isso pode exigir a adição de descompressão da agulha se características hipertensivas se desenvolver após a aplicação do curativo. No departamento de emergência, um dreno torácico deve ser colocado longe da lesão dos tecidos moles. O reparo operativo do defeito do tecido mole é necessário para restabelecer os gradientes de pressão intratorácica necessários para a ventilação (Quadro 05.1). A aspiração foi descrita para o tratamento do pneumotórax espontâneo e, em alguns estudos, está sendo adotada no contexto do trauma, enquanto outros médicos usam a oxigenoterapia para auxiliar na reabsorção intratorácica do ar. Embora esse último tratamento tenha sido utilizado há décadas, foi sugerido que a terapia com alta tensão de oxigênio (> 60%) não é mais benéfica do que a cânula nasal de baixo fluxo padrão.
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Deste modo, é perceptível que ainda não foi determinado qual deve ser o regime ideal de tratamento para pequenos pneumotórax. Independentemente da intervenção, o passo mais importante no manejo é o monitoramento clínico para evitar a expansão do pneumotórax. Quadro 05.2 – Drenagem Torácica Etapa
Descrição
1
Se consciente, solicitar consentimento do paciente e explicar o procedimento.
2
Posicionar o paciente em decúbito dorsal, com o braço ipsilateral abduzido e a mão atrás da cabeça, com elevação do dorso a 30º.
3
Inspecionar a parede do tórax procurando por sinais de infecção.
4
Identificar o local da incisão, que deve ser no quinto espaço intercostal, entre linha axilar anterior e média, ao nível do mamilo.
5
Realizar paramentação cirúrgica: gorro, máscara cirúrgica, proteção ocular, avental estéril e luvas cirúrgicas.
6
Realizar antissepsia com povidine ou clorexidine.
7
Posicionar campos cirúrgicos.
8
Realizar anestesia com lidocaína 2% na pele, periósteo (na borda superior da costela inferior) e pleura.
9
Realizar incisão oblíqua de 1-2 cm com um bisturi nº 11 ou 15.
10
Fazer a dissecção dos planos (subcutâneo, musculatura intercostal, pleura) com uma pinça Kelly.
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Medir o comprimento do dreno da incisão à clavícula ipsilateral.
12
Marcar a extremidade distal com uma pinça Kelly de forma que o último orifício fique a, pelo menos, 5 cm da marcação.
13
Usar outra pinça Kelly direcionando a extremidade proximal do dreno. Após isso, inserir o dreno em direção cranial e posterior até que todos os orifícios dessa extremidade estejam dentro da cavidade pleural.
14
Conectar o dreno ao sistema de selo d’água e colocá-lo abaixo da maca do paciente. O frasco deve estar preenchido com 500 mℓ de soro fisiológico ou de água destilada.
15
Realizar sutura da pele com fio de algodão 2-0, realizando sutura em U. Cortar a agulha do mesmo fio e dar um nó de bailarina para fixar o tubo.
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Continuação do Quadro 05.2 16
Fazer o curativo.
17
Verificar o sistema e solicitar radiografia de tórax.
Hemotórax Hemotórax é definido como a presença de sangue no espaço pleural, podendo ser decorrente tanto de trauma penetrante quanto contuso. O sangramento pode ser decorrente de lesão no parênquima pulmonar, vasos intercostais ou outros vasos da parede torácica. O hemotórax simples não costuma ser fatal, porém está associado à elevada morbidade (fibrotórax, por exemplo). A não evacuação completa do sangue pode resultar em retenção de hemotórax, estando associado a uma taxa de empiema entre 27% e 33%. O hemotórax maciço é uma condição que está associada a uma alta taxa de mortalidade e requer intervenção imediata. O hemotórax maciço é tipicamente o resultado de lesões mais significativas, como as que envolvem a vasculatura pulmonar, grandes vasos ou coração. Diagnóstico Durante o exame físico, sinais como diminuição da expansibilidade torácica, macicez à percussão e diminuição dos murmúrios vesiculares. Apesar disso, pequenas quantidades de sangue (< 200~300 mililitros) raramente são detectadas durante o exame físico ou durante uma radiografia de tórax. Caso seja realizada uma TC, ela permite identificar a origem do sangramento, o volume de sangue e permite ainda avaliar lesões associadas. A avaliação do hemotórax por meio do ultrassom utiliza duas janelas da avaliação abdominal (esplenorrenal e hepatorrenal) com uma maior atenção para as estruturas acima do diafragma (Figura 05.8). Alguns estudos sugerem que a sensibilidade do E-FAST na avaliação do hemotórax é superior que a radiografia de tórax. BROOKS e colaboradores em 2004 conduziram um estudo prospectivo acerca da utilidade da ultrassonografia no diagnóstico de hemotórax em 61 pacientes vítimas de trauma. Os resultados encontrados foram: sensibilidade de 92% e especificidade de 100%. Na maioria dos casos, o resultado da ultrassonografia estava disponível para a equipe de trauma antes dos resultados da TC. Figura 05.8 – Utilização da ultrassonografia para detectar hemotórax no contexto do trauma (facada ocasionando um trauma penetrante). Na imagem ao lado, é possível observar o hemotórax acima do diafragma e próximo ao fígado. Os achados são uma área anecóica de sangue não coagulado (seta esquerda) e sangue coagulado hiperecoico (seta direita). Fonte: MEYER, 2007.
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05.9 - Radiografia de tórax portátil em decúbito dorsal obtido durante a avaliação inicial do trauma de um paciente. Um grande volume de sangue no espaço pleural pode aparecer como opacidade à medida que o sangue se espalha posteriormente. A tomografia computadorizada desse mesmo paciente será apresentada na Figura 05.10. Fonte: BRODERICK, 2013.
Figura 05.10 - Tomografia de contraste do paciente da figura 05.9. Observe o hemotórax esquerdo de grande volume e o extravassamento do contraste, indicando necessidade de intervenção imediata. Este paciente teve uma lesão na artéria e veia subclávia esquerda. Fonte: BRODERICK, 2013.
Manejo Devido às complicações associadas ao hemotórax retido, o tratamento requer drenagem torácica. Embora a colocação precoce do tubo não drene o tórax em até 5% dos casos, essa taxa de falha aumenta drasticamente quando o tratamento é adiado mais de 24 horas após a lesão. No hemotórax retido com falha na drenagem do dreno torácico, a instilação de ativador de plasminogênio tecidual e desoxirribonuclease encontrou sucesso em 65% a 90% dos casos. Este tratamento leva vários dias, no entanto, e está associado a febres e dor pleurítica. O tratamento inicial do hemotórax é o mesmo, simples ou maciço. Embora o volume ideal do hemotórax que requer drenagem ainda não tenha sido demonstrado na literatura, deve-se considerar em pessoas com trauma torácico adicional, tais como fraturas
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múltiplas de costelas e pneumotórax. Dessa forma, todos os hemotórax devem ser considerados para drenagem, independentemente do tamanho. Indicações tradicionais para intervenção cirúrgica imediata em hemotórax traumático agudo incluem a drenagem de mais de 1500 mL após a inserção do dreno ou drenagem de mais de 200 mL por hora nas primeiras 4 horas. No entanto, os parâmetros hemodinâmicos e a condição geral do paciente deve ser o principal fator de intervenção cirúrgica, ao invés do volume absoluto de drenagem inicial ou contínua saída pelo dreno torácico. Após a colocação do dreno torácico, a adequação da drenagem deve ser avaliada com radiografias de tórax diárias. Os drenos devem permanecer no local até que o escape de ar de ar diminua e a drenagem seja de 200 mL ou menos por dia. Pacientes com opacidades persistentes, que obscurecem o ângulo costofrênico, podem estar em risco de hemotórax retido. Esses pacientes devem realizar uma tomografia computadorizada contrastada de tórax para uma correta avaiação, pois as radiografias são insuficientes para determinar a presença de hemotórax retido. De modo geral, hemotórax retido maior que 300 mL é improvável que seja resolvido com a observação exclusiva e irão necessitar de intervenção cirúrgica. O objetivo da intervenção (seja aberta ou por toracoscopia videoassistida) para o hemotórax retido é: (1) evacuar o sangue retido e (2) liberar qualquer pulmão aprisionado para permitir a expansão máxima. Embora a toracotomia aberta seja considerada a terapia padrão-ouro para hemotórax retido, a abordagem videoassistida (do inglês videoassisted thoracoscopic surgery VATS) é uma abordagem cada vez mais comum, devido aos benefícios da cirurgia minimamente invasiva. Dentre esses benefícios, temos: menor dor pós-operatória, melhorar a função pulmonar, reduzir as complicações infecciosas pós-operatórias e encurtar o período de recuperação. Dessa forma, a abordagem por vídeo é o tratamento de escolha para o hemotórax retido. Contusão Pulmonar A contusão pulmonar geralmente ocorre em conjunto com lesão da parede torácica. Nesse contexto, gostaríamos de ressaltar a definição de tórax instável: fratura de dois ou mais arcos costais consecutivos em dois ou mais pontos. No exame pode ser identificada a respiração paradoxal, em decorrência dessa instabilidade do arcabouço da caixa torácica. O pulmão contundido frequentemente é comprometido e torna-se incapaz de participar das trocas gasosas da respiração corretamente. Quando se trata de comprometimento respiratório primário, embora o pneumotórax possa produzir os sintomas mais profundos imediatamente após o trauma torácico, a contusão pulmonar pode ser a lesão mais destrutiva, pois estas estão associadas a 5% a 30% de mortalidade e são diretamente causadoras em muitas dessas mortes. Existem poucos sinais clínicos de contusão pulmonar. Traumas torácicos intensos devem levantar suspeitas sobre a possível presença da contusão pulmonar e levar a uma
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investigação mais aprofundada. A contusão costuma progredir em 4 a 6 horas após o trauma e desenvolve o efeito máximo em 24 a 48 horas. Radiografias de tórax e tomografia computadorizada são os dois métodos para diagnosticar contusões pulmonares. Importante ressaltar que o aparecimento de contusão pulmonar nas radiografias de tórax é frequentemente atrasado. Nesse contexto, a tomografia computadorizada provou ser um método mais preciso para diagnosticar contusões pulmonares. O tratamento da contusão pulmonar é de suporte, consistindo em oxigenoterapia, restrição de fluidos, tratamento cuidadoso da dor e diurese apropriada com adequado balanço hídrico. Ao contrário do trauma penetrante, raramente é indicada a intervenção cirúrgica para contusão pulmonar fechada. Em circunstâncias em que a contusão parenquimatosa é grave o suficiente para produzir grandes regiões de necrose, a lobectomia pode ser realizada para prevenir infecções ou melhorar a derivação; entretanto, mesmo após a intervenção, a mortalidade chega a 50%.
Figura 05.11 – Radiografia de tórax portátil após acidente de moto exibindo várias fraturas de costela do lado esquerdo, bem como contusões pulmonares comumente subjacentes. Fonte: PLATZ; FABRICANT; NOROTSKY, 2017.
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Tr aumaEsof ági co
CAPÍ TULO
06
-Dani elPer ei r adeAl encarAr ar i pe. -RaphaelFel i peBezer r ade Ar agão. -Geni ef essonLeandr odaSi l va Fei t oza. -Bár bar aMat osdeCar val ho Bor ges. -Ant oni oVi ct orGouvei aAzevedodosSant os.
O esôfago é um órgão tubular que mede cerca de 25 cm, anatomicamente dividido em três partes: cervical, torácica e abdominal, sendo esta última a única com revestimento seroso. Também é importante salientar que cada porção esofágica possui características próprias. O trauma de esôfago é considerado raro, não somando nem 1% do total de atendimentos por trauma. No entanto, quando ocorre, possui difícil diagnóstico, que somado a pouca experiência dos cirurgiões em lidar com essas lesões, leva a uma alta taxa de mortalidade, sendo considerado um dos mais graves e letais traumas do sistema digestório. Quando relacionado a causas externas, geralmente, vem acompanhado de lesões importantes em estruturas adjacentes, como traqueia e vasos nobres, impactando diretamente na morbidade e mortalidade. Mecanismo do Trauma As lesões por trauma podem advir de mecanismos penetrantes ou contusos. Entre as causas penetrantes (consideradas mais comuns), podemos destacar as lesões por arma de fogo (43 a 95%) e por armas brancas. No trauma penetrante, frequentemente estruturas adjacentes são atingidas, e até 90% dos pacientes apresentam lesões associadas em trato respiratório ou vasculares. Já as lesões contusas são bem menos frequentes e relacionadas a mecanismos de transferência intensa de energia e desaceleração, como acidentes automotivos. Em cada porção esofágica podem ocorrer diferentes traumas devido ao mecanismo contuso. Por exemplo, na porção cervical a hiperextensão ou a compressão pelo cinto de segurança podem causar laceração do órgão. Já no segmento torácico, a lesão pode ser causada pela compressão do esôfago entre o esterno e as estruturas posteriores, como corpos vertebrais e, por não haver camada serosa nessa porção, sua ruptura poderia levar a uma contaminação torácica. Por fim, na porção abdominal, pode ocorrer ruptura esofágica devido ao aumento da pressão intraluminal por compressão extrínseca, além de poder ocorrer perfuração devido a fragmentos ósseos, advindos de fraturas. O esôfago é mais do que um simples canal para condução do alimento ao estômago, ele é utilizado como acesso a outros órgãos do trato gastrointestinal superior para realização de exames e procedimentos como esofagogastroduodenoscopia, ecoendoscopia, ecocardiograma transesofágico, colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE), dentre outros. Com a evolução tecnológica e desenvolvimento de novas técnicas, cada vez mais procedimentos endoscópios são feitos e, consequentemente, ocorre o aumento do risco de lesionar esse órgão durante os exames, tornando a lesão iatrogênica a principal causa de trauma esofágico. Outra forma de trauma é a ruptura esofagiana por aumento abrupto da pressão intraluminal devido a esforços de vômitos e contrações diafragmáticas (Valsava) com o piloro fechado por repetidas vezes, recebendo o nome de síndrome de Boerhaave, podendo levar uma mortalidade entre 20 e 45% a depender tempo entre o seu aparecimento e a
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intervenção adequada. Essa ruptura ocorre principalmente no terço inferior do esôfago à esquerda, ocasionando o extravasamento de conteúdo e uma contaminação grosseira do mediastino e da cavidade pleural, levando a uma mediastinite química e bacteriana, com um quadro de sepse grave seguido de falência de múltiplos órgãos. Diagnóstico Como já foi citado, o diagnóstico de lesões esofágicas é bastante difícil e requer a suspeita imediata do médico que realiza o atendimento à vítima. Alguns sinais e sintomas sugestivos devem ser prontamente investigados, como dor local, que é o sintoma mais comum, febre, dispneia e crepitações. Em situações mais graves, podem ser observados abscesso cervical, peritonite ou mediastinite, levando a um pior prognóstico, podendo cursar com sepse associada. Em ferimentos transfixantes de linha média, a lesão esofágica deve ser sempre suspeitada. Nesses casos, o tempo do trauma até o tratamento é muito importante e deve ser o mais curto possível, sendo diretamente relacionado com a evolução e prognóstico do caso. Devido a isso, precisa-se lançar mão de métodos diagnósticos, como a radiografia, a tomografia computadorizada e a endoscopia digestiva alta. Caso o paciente apresente instabilidade hemodinâmica em traumas abdominais, a indicação de laparotomia exploratória passa a ser o meio diagnóstico e terapêutico. Radiografia Esse método de imagem é um dos primeiros a ser usado, principalmente pela sua facilidade de execução e por ser um método barato. Pode ser feito contrastado ou não, e apresenta sinais indiretos de lesões de vísceras ocas, como o esôfago. Os principais sinais são enfisema subcutâneo, pneumotórax, pneumomediastino, efusão pleural e ar subfrênico. No entanto, em 12 a 33% dos casos, as radiografias podem não apresentar nenhuma anormalidade. A utilização do esofagograma pode ser uma alternativa por identificar a lesão por meio do extravasamento do contraste, sendo indicado o contraste hidrossolúvel à base de iodo, só afetando indivíduos alérgicos ao componente. Tomografia computadorizada A Tomografia Computadorizada (TC) multislice é um dos métodos principais na investigação do trauma esofágico em indivíduos estáveis hemodinamicamente, devido a sua capacidade de investigar amplamente todas as lesões associadas. Além disso, nos traumas penetrantes, ela possibilita definir o trajeto dos projéteis de arma branca ou de fogo. O principal achado desse exame no trauma torácico seria o pneumomediastino.
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Figura 06.1 - Tomografia mostrando ar extraluminal cervical (seta branca) e ar no canal medular (seta preta). B: Extensa coleção de ar em contato com a parede esofágica. Fonte: GRACIANO, 2013.
Endoscopia Digestiva Alta Possuindo uma sensibilidade de 96 a 100% e uma especificidade de 92 a 100%, a endoscopia flexível possui a capacidade de visualizar diretamente a lesão e determinar sua localização e extensão. A diminuição da acurácia em identificar lesões pequenas ou no terço superior do esôfago são desvantagens desse método. Atualmente, pode ser feita a terapia endoscópica de pequenas lesões e com pouca contaminação. De acordo com o mecanismo de trauma, deve ser realizado um seguimento do paciente avaliando prioritariamente seu estado hemodinâmico, como mostrado no fluxograma abaixo.
Fluxograma 06.1 – Conduta no trauma esofágico com base no mecanismo do trauma.
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Classificação O trauma esofágico pode ser classificado de acordo com o tamanho da área afetada, baseando-se na escala proposta pela American Association for the Surgery of Trauma (AAST). Essa classificação tem como objetivo identificar a gravidade da lesão, além de auxiliar na decisão da conduta a ser efetuada. Quadro 06.1 - Classificação das lesões por trauma esofágico de acordo com a AAST Grau
Lesão
I
Contusão/Hematoma ou laceração com espessura parcial
II
Laceração de espessura total envolvendo menos que 50% da circunferência do órgão
III
Laceração de espessura total envolvendo mais que 50% da circunferência do órgão
IV
Perda de segmento ou desvascularização de menos que 2cm
V
Perda de segmento ou desvascularização de mais que 2cm
Tratamento A principal forma de tratamento é a abordagem cirúrgica; entretanto, como esse trauma é muitas vezes concomitante a outros acometimentos, é necessário estabilizar o paciente, de forma que se deve considerar suporte ventilatório, hidroeletrolítico, antibioticoterapia e, se possível, esvaziamento do conteúdo gástrico. O tratamento cirúrgico é realizado de acordo com o grau da lesão e com o segmento acometido (cervical, torácico ou abdominal). Além disso, a abordagem deve ser realizada durante o período de até 24 horas. Abordagem de acordo com o grau da lesão Em lesões grau I-III é possível realizar o reparo primário da lesão; entretanto caso não seja possível, devido à contaminação, instabilidade hemodinâmica ou tratamento tardio, um tubo em “T” (dreno de Kehr, por exemplo) pode ser usado para auxiliar na abordagem, criando uma fístula temporária e de resolução geralmente espontânea. Mesmo sendo rara a sua utilização, seus resultados têm sido bastante satisfatórios. Já nos graus IV e V, é recomendada a técnica de derivação esofágica (Figura 06.2). Com essa abordagem, cria-se uma ostomia do esôfago, permitindo a ressecção da área lesada e, em uma segunda intervenção, é feita a reconstrução do trânsito. Essa técnica é preferível em relação à esofagectomia com reconstrução imediata, devido ao tempo cirúrgico prolongada e a alta complexidade operatória dessa última.
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Figura 06.2: Derivação esofágica, evidenciando etapa de realização de esofagostomia. O sítio do estoma é baseado no tamanho da área viável de esôfago, sendo na imagem acima realizado abaixo da clavícula. Fonte: RAYMOND, 2008
Abordagem de acordo com a área acometida Em lesões que atingem o esôfago cervical, a incisão deverá ser realizada na borda medial do músculo esternocleidomastóideo esquerdo, podendo ainda ser realizada pelo lado direito ou transversa (em colar), caso haja impossibilidade de acesso pelo lado esquerdo ou lesão traqueal concomitante, respectivamente. Essas lesões possuem melhor prognóstico em relação aos outros segmentos, com o tratamento podendo ser realizado com drenagem somente ou com desbridamento e sutura primária (em dupla camada: podendo utilizar-se fio absorvível ou não absorvível na mucosa e somente fio absorvível na camada muscular, sempre com pontos separados). As esofagorrafias devem sempre ser submetidas à drenagem por mecanismos de sucção ou de capilaridade (Penrose). Recomenda-se ainda a passagem de sonda nasoenteral (SNE) guiada cirurgicamente. Quando for optado pela esofagectomia, deve-se realizar uma gastrostomia para descompressão gástrica e uma jejunostomia para nutrição. No esôfago torácico, deverá ser realizada toracotomia direita quando atinge os primeiros dois terços do esôfago e toracotomia esquerda quando atinge o último terço esofágico. O reparo deverá ser primário com uso de retalho pleural, pericárdico, omento, fundo gástrico, músculo intercostal ou diafragma, como forma de prevenir vazamento ou fístulas. Em lesões maiores ou contaminadas, a exclusão esofágica é indicada e, em casos de mediastinite, deve-se realizar a esofagectomia com drenagem ampla e esofagostomia proximal. Por fim, em lesões no segmento do esôfago abdominal, é importante salientar que o acesso a esse órgão é complexo, sendo necessária a divisão do ligamento triangular esquerdo e dos vasos gástricos curtos, que permitem a mobilização do lobo esquerdo do fígado e da junção gastroesofágica, respectivamente. Em seguida, o reparo por sutura primária é preferido, podendo utilizar como reforço a fundoplicatura de Nissen ou Dor.
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Cuidados Pós-Operatórios Após a abordagem cirúrgica é recomendada a restrição de alimentação por via oral por 5-7 dias, mantendo-se a nutrição pela SNE. Com a confirmação por imagem (esofagograma) da ausência de fístula, a alimentação via oral poderá ser iniciada. Referências ANDRADE, A. C.; ANDRADE, A. P. S. Perfuração de esôfago: análise de 11 casos. Rev. Col. Bras. Cir., v. 35, n. 5, p. 292-297, 2008.
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Tr aumaGást r i co eDuodenal
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-Ri car doMont ei r odeSáBar r et o. -Raf ael aTor r esPor t ugalLei t e. -Af onsoNonat oGoesFer nandes. -Ant oni oVi ct orGouvei aAzevedodosSant os. -Her onKai r oSabói aSant ’ Anna Li ma.
A anatomia é uma ciência fundamental no estudo do trauma. Dessa forma, iremos iniciar as discussões acerca do trauma gástrico e duodenal realçando aspectos anatômicos. Estômago: está localizado no epigastro, mas pode ocupar outras áreas do abdômen, dependendo do seu grau de distensão, fase da excursão diafragmática. O estômago é adjacente ao lobo esquerdo do fígado, diafragma, cólon e parede abdominal anterior. Posteriormente, o estômago é adjacente ao pâncreas, baço, rim esquerdo e glândula adrenal, artéria esplênica, diafragma esquerdo, mesocólon transverso e cólon. O suprimento de sangue do estômago é proveniente das artérias gástricas. A artéria gástrica esquerda, que é derivada da artéria celíaca, percorre a curvatura menor do estômago e anastomosa com a artéria gástrica direita, que é um ramo da artéria hepática comum. As artérias gastroepiplóicas direita e esquerda surgem da artéria gastroduodenal e das artérias esplênicas, respectivamente, se anastomosam ao longo da curvatura maior do estômago. As artérias gástricas curtas surgem da artéria esplênica e suprem o fundo do estômago. Duodeno: o duodeno é principalmente um órgão retroperitoneal que começa no piloro e termina no ligamento de Treitz. O duodeno mede aproximadamente 20 cm e consiste em quatro segmentos. A primeira porção é orientada transversalmente, iniciando no piloro e terminando no ducto biliar comum. A segunda porção corre inferiormente à ampola de Vater, a terceira porção transversalmente à artéria e veia mesentérica superior e a quarta porção se estende ao ponto em que o duodeno emerge do retroperitônio para se juntar ao jejuno na borda esquerda da segunda vértebra lombar. Epidemiologia O mecanismo da lesão origina a natureza e o nível de gravidade da lesão. Variando desde pequenas contusões à completa desvascularização, de lesões contundentes e pequenas perfurações até a desvascularização por lesões penetrantes. Lesões gástricas no trauma são, em sua maioria, associadas a trauma penetrante, sendo raras nos traumas fechados com incidência de 0,02 a 1,7%. Quando presente em traumas contusos, a associação com outras lesões é comum, extra ou intra-abdominais, sendo a lesão esplênica a associação mais comumente visualizada. As lesões duodenais são menos comuns, porém quando ocorrem apresentam altas taxas de morbidade e mortalidade. Além do mecanismo da lesão, no trauma duodenal tempo entre o trauma, o diagnóstico e o tratamento influenciam na evolução do caso. Visto que a alta taxa de complicações associadas a este tipo de lesão se deve à demora no diagnóstico e/ou lesões despercebidas, originadas da natureza insidiosa de algumas lesões duodenais, além de sua localização anatômica retroperitoneal. Na maioria das vezes é resultado de lesão penetrante. Em 20% dos casos ocorrem lesões associadas com o pâncreas, o que piora sobremaneira o prognóstico.
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Mecanismo da lesão As lesões podem ser originadas por traumas fechados/contundentes/contusos (colisão de veículos, atropelamentos, quedas) ou trauma aberto/penetrante por armas brancas (facas, tesosuras e etc) ou por arma de fogo (PAF). A maioria das lesões gástricas e duodenais por trauma fechado, ocorre devido a acidentes automobilísticos associado ao mau posicionamento do cinto de segurança de duas pontas e / ou na posição do passageiro do banco da frente. Uma revisão prospectiva multicêntrica de 95 centros de trauma pela Associação Oriental para a Cirurgia de Trauma (EAST Hollow Viscus Injury in Blunt Trauma Study) identificou 275.557 internações por trauma e descobriu que pacientes envolvidos em um acidente de automóvel, têm uma probabilidade 1,5 vezes maior de apresentar uma lesão gástrica e duodenal em comparação com outros mecanismos de trauma abdominal contuso. Avaliação clínica Com frequente associação com uso de bebidas alcoólicas, uso de entorpecentes e trauma de alto impacto, muitas vezes o exame físico do paciente pode não ser confiável, e a história clínica pode ser inespecífica. Portanto, diante de qualquer informação sobre golpe e/ou lesão em região epigástrica, deve-se suspeitar de trauma gástrico, duodenal e/ou pancreático. O mecanismo de trauma em acidentes automobilísticos requer avaliação do veículo e do modo da colisão, sendo esta uma etapa importante, visto que informações sobre o acidente e possíveis vítimas no local também denotam gravidade ao trauma. Em ferimentos penetrantes, devese avaliar o objeto que penetrou na cavidade. Manobras no exame físico que evidencia irritação peritoneal podem identificar lesões intra-abdominais associadas, visto que a peritonite só ocorre quando há extravasamento de líquidos do retroperitônio para a cavidade peritoneal. Ao examinar um abdome, presença de equimose na parede abdominal, marca do cinto de segurança e fratura da coluna torácica inferior e das lombares superiores aventam a hipótese de lesão abdominal, e esses órgãos podem ou não estar acometidos. O aumento de dor abdominal, sensibilidade, leucocitose e amilase, além de vômitos persistentes e hipotensão inexplicada, podem sugerir lesões gástricas e duodenais não diagnosticadas. Diagnóstico O diagnóstico torna-se mais evidente se o paciente tiver alguma outra indicação de laparotomia, no qual a maioria dos diagnósticos de traumas gástricos e duodenais são feitos, no entanto, se não houver indicação, o seguimento deve ser feito com investigação por meio de exames de imagem. Em relação aos exames de imagem, o uso da radiografia tem uma sensibilidade e especificidade baixa para trauma gástrico e duodenal, sendo pouco utilizado na prática. Essa técnica pode levar ao diagnóstico apenas em um terço dos casos ao apresentar sinais
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que indicam perfuração de vísceras ocas e extravasamento de gás, como pneumoperitônio, retropneumoperitônio e apagamento do músculo psoas. O exame utilizado no diagnóstico é a Tomografia Computadorizada de abdome e pelve com contraste, apresentando sensibilidade de 76 a 82%, dependendo da qualidade do exame nas lesões. Para melhor visualização do estômago e duodeno, o contraste pode ser injetado via sonda nasogástrica, podendo conter os achados de ar retroperitoneal, extravasamento de contraste e borramento de gordura e fluidos localmente. Além de diagnosticar a lesão, esse exame é importante para definir a conduta de acordo com os achados, sendo a perfuração duodenal a principal indicação cirúrgica. A laparotomia avaliativa somente é realizada quando houver diagnóstico de hemorragias e lesões associadas que necessitam de controle e quando a abordagem do duodeno ocorrer frente a hematoma retroperitoneal e trajetória próxima do ferimento penetrante. Tratamento Todo paciente que necessita realizar a laparotomia exploratória após o trauma, deve ser minuciosamente inspecionado desde a junção gastroesofágica até o reto, passando por estômago, duodeno, intestino desde o ligamento de Treitz até a válvula ileocecal, além de todo o intestino grosso e seu mesentério. A decisão fundamental a ser tomada em cada paciente é: controle de danos ou cirurgia definitiva. A decisão dependerá do contexto, isto é, o padrão de lesão, o status fisiológico do paciente e a natureza e o volume de outros pacientes aguardando. Se for tomada uma decisão para "controlar o dano" do paciente, o procedimento em lesões viscerais é geralmente simples. O estômago exigirá fechamento por sutura hemostática; o restante do intestino geralmente será tratado ressecando o intestino danificado e deixando-o grampeado ou amarrado em descontinuidade. A cirurgia intestinal definitiva pode ser realizada na cirurgia de reexame (“re-look laparotmy”), quando o paciente deve estar em um estado fisiológico melhor. Em relação ao trauma gástrico, na laparotomia, o estômago deve ser levantado e tracionado pela sua curvatura maior por meio de duas pinças Babcock, para que a superfície anterior seja inspecionada. A Bolsa Omental deve ser visualizada através da secção do Omento Maior, assim o estômago pode ser levantado, permitindo a visualização de sua superfície posterior, como também o corpo e a cauda do pâncreas. Esse órgão é altamente vascularizado e suas lesões podem levar a hemorragia intensa e com risco à vida. A conduta a ser tomada é definida por meio da Classificação proposta pela AAST, demonstrada no Quadro 07.1.
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Quadro 07.1 - Classificação anatômica de gravidade das lesões gástricas, segundo a AAST Grau
Lesão
I
Contusão ou hematoma sem desvascularização ou laceração superficial sem perfuração
II
Laceração: < 2cm na junção gastroesofágica ou piloro; < 5cm no 1/3 proximal do estômago; < 10cm no 2/3 distal do estômago
III
Laceração: > 2cm na junção gastroesofágica ou piloro; ≥ 5 cm 1/3 proximal do estômago; ≥ 10 cm no 2/3 distal do estômago
IV
Laceração: perda de tecido ou desvascularização ≤ 2/3 do estômago
V
Laceração: perda de tecido ou desvascularização ≥ 2/3 do estômago
Todas as lacerações do estômago devem ser reparadas com sutura contínua com fio não absorvível 2-0 ou 3-0. Lesões gástricas simples podem ser minimamente debridadas e fechadas (estágio I,II, III), enquanto que lesões mais complexas (estágio IV e V) devem ser controladas por ressecção não anatômica, com reconstrução adiada para a próxima laparotomia (re-look laparotomy). Importante ressaltar que em lesões gástricas penetrantes em que se encontra orifício na porção anterior do estômago, deve-se procurar o orifício de saída na superfície posterior do órgão. Se este não for encontrado, deve-se inspecionar o estômago por dentro. Também deve ser inspecionado a curvatura maior e menor, onde uma pequena lesão pode passar despercebida pelos envelopes gordurosos da vasculatura gástrica. Não deve ser esquecido o exame do fundo gástrico, que podem conter lesões associados a traumas penetrantes toracoabdominais.
Figura 07.1 - Espessamento da parede do corpo gástrico (seta) após trauma abdominal fechado. Nesse caso, a cirurgia não foi necessária. Fonte: SOLAZZO; LASSANDRO; LASSANDRO, 2017.
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Figura 07.2 – (A) Pneumatose gástrica isolada (setas) após trauma abdominal fechado. Nesse caso, houve recuperação espontânea; (B) - Sangue no lúmen gástrico (seta). Acompanhamento sem cirurgia. Fonte: SOLAZZO; LASSANDRO; LASSANDRO, 2017.
Figura 07.3 – Hematoma Parietal após trauma abdominal fechado. (A) Espessamento com alta atenuação na camada externa da parede gástrica (setas). Acompanhamento com cirurgia subsequente por piora dos sintomas e peritonite; (B) Hematoma da camada externa da parede gástrica confirmado durante procedimento cirúrgico. Fonte: SOLAZZO; LASSANDRO; LASSANDRO, 2017.
Figura 07.4 – Ruptura Gástrica após trauma abdominal fechado. (A) Ruptura da parede gástrica (seta branca). Líquido peritoneal om componentes hiperdensos homogêneos do sangue (seta preta), pneumoperitônio com bolha de gás localizada próximo a lesão gástrica (cabeça de seta preta). (B) Ruptura gástrica confirmada durante cirurgia. Fonte: SOLAZZO; LASSANDRO; LASSANDRO, 2017. Página 111
Figura 07.5 – As imagens são de dois pacientes diferentes. (A,B) Intraoperatório mostrando rotura da parede anterior do corpo gástrico após trauma abdominal fechado. (C) Intraoperatório após trauma abdominal aberto por arma branca. Fonte: (A,B) NUNES, et al., 2016. (C) ABOOBAKAR, et al., 2017.
Em relação ao trauma duodenal, na laparotomia, o duodeno deve ser cuidadosamente inspecionado desde o piloro até o ligamento de Treitz. Caso haja algum hematoma, torna-se obrigatória a realização da manobra de Kocher para inspecionar a superfície posterior do duodeno. Uma pinça Duval é útil para promover a tração suave adequada ao manusear o duodeno. A presença de secreção retroperitoneal, é fortemente sugestiva de lesão duodenal ou bilo pancreática e deve ser investigada. Para uma visualização adequada do órgão, além da manobra de Kocher para visualizar a segunda parte do duodeno, uma rotação visceral medial pode ser usada para expor toda a parte transversal do duodeno. Alternativamente, a quarta parte do duodeno pode ser mobilizada dividindo o ligamento de Treitz e dissecando-o suavemente com o dedo indicador direito no plano avascular atrás do duodeno transverso. Combinando isso com a manobra de Kocher, os dedos indicadores podem ser reunidos de ambos os lados e, assim, excluir uma perfuração posterior da parte transversal do duodeno. A maioria das lesões duodenais pode ser tratada com reparo simples. Lesões mais complicadas podem exigir técnicas mais sofisticadas. As lesões duodenais de alto risco são seguidas por uma alta incidência de deiscência da linha de sutura e seu tratamento
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deve incluir desvio duodenal. O manejo de todas as lacerações desse órgão de espessura total deve incluir drenagem periduodenal externa adequada. A pancreaticoduodenectomia é praticada apenas se não houver alternativa disponível. O "controle de danos" deve preceder a reconstrução definitiva. A conduta a ser tomada vai depender da classificação de gravidade da lesão duodenal segundo a AAST, como mostrada no Quadro 07.2. Quadro 07.2 - Classificação anatômica de gravidade das lesões duodenais, segundo a AAST Grau
Lesão
I
Hematoma em apenas uma porção duodenal ou laceração superficial sem perfuração.
II
Hematoma em mais de uma porção e laceração pequena, acometendo menos de 50% da circunferência.
III
Laceração de 50-75% da segunda porção duodenal ou de 50-100% da primeira, terceira e quarta porções duodenais.
IV
Laceração de 75-100% da segunda porção duodenal ou ruptura do ducto colédoco distal ou ampular.
V
Desvacularização duodenal e destruição maciça do duodeno
Do ponto de vista prático, o duodeno pode ser dividido em uma porção ‘'superior'’ que inclui a primeira e a segunda partes (D1 e D2) e outra porção '’inferior’' que inclui a terceira e quarta partes (D3 E D4). A porção ‘'superior'’ possui estruturas anatômicas complexas (o ducto biliar comum e o esfíncter) e o piloro. Exige manobras distintas para diagnosticar lesões (colangiograma e inspeção visual direta) e técnicas complexas para reparálas. A primeira e a segunda porções do duodeno são densamente aderentes e dependentes do suprimento de sangue na cabeça do pâncreas; portanto, o diagnóstico e o tratamento de qualquer lesão são complexos e a ressecção, a menos que envolva toda a alça 'C' e a cabeça do pâncreas, é impossível. A porção "inferior" que envolve a terceira e quarta parte do duodeno geralmente pode ser tratada como o intestino delgado, e o diagnóstico e o tratamento da lesão são relativamente simples, incluindo desbridamento, fechamento, ressecção e anastomose. Em relação à abordagem Cirúrgica, algumas características da lesão são importantes e devem ser levadas em conta, como a relação anatômica com a ampola de Vater, a característica da lesão ( laceração simples ou destruição da parede duodenal), a extensão duodenal acometida e se a lesão duodenal está associada com lesão de trato biliar, pancreática ou da vasculatura adjacente. O tempo da operação também é muito importante,
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pois a mortalidade aumenta de 11% para 40% se o intervalo de tempo entre lesão e operação for superior a 24 horas. Em caso de lacerações duodenais, a grande maioria das perfurações e lacerações duodenais podem ser conduzidas com procedimentos cirúrgicos simples. Isso é particularmente verdade com lesões penetrantes, quando o intervalo de tempo entre a lesão e a operação é normalmente curto. Por outro lado, a minoria é de 'alto risco', por exemplo, com maior risco de deiscência do reparo duodenal, aumento da morbidade e, às vezes, mortalidade. Essas lesões estão relacionadas à lesão pancreática associada, lesão contusa ou por projétil, envolvimento de mais de 75% da parede duodenal, lesão da primeira ou segunda parte do duodeno, intervalo de tempo superior a 24 horas entre lesão e reparo, e lesão do ducto biliar comum associada. Nessas lesões de alto risco, vários procedimentos cirúrgicos adjuntos foram propostos para reduzir a incidência de deiscência da linha de sutura duodenal. Os métodos de reparo do trauma duodenal, bem como os procedimentos de "suporte" contra a deiscência, estão descritos abaixo. Reparação da Laceração A maioria das lesões do duodeno pode ser reparada pelo fechamento primário em uma ou duas camadas. Indicada para lesões tipo I e II. O fechamento deve ser orientado transversalmente, se possível, para evitar comprometimento luminal. Inversão excessiva deve ser evitada e as duodenotomias longitudinais geralmente podem ser fechados transversalmente se o comprimento da lesão duodenal for inferior a 50% da circunferência do duodeno. Se o fechamento primário comprometer o lúmen do duodeno, várias alternativas serão recomendadas, como o enxerto de mucosa pediculado, como método de fechamento de grandes defeitos duodenais, tem sido sugerido, usando um segmento de jejuno ou um retalho de ilha gástrica do corpo do estômago. Uma alternativa é o uso de um enxerto seroso jejunal para fechar o defeito duodenal. A serosa da alça do jejuno é suturada nas bordas do defeito duodenal. Embora encorajadora em estudos experimentais, a aplicação clínica de ambos os métodos tem sido limitada, sem resultados benéficos, e vazamentos na linha de sutura foram relatados. Transecção completa do Duodeno O método preferido de reparo é geralmente a anastomose primária das duas extremidades após desbridamento e mobilização adequados do duodeno. Esse é frequentemente o caso de lesões da primeira, terceira ou quarta parte do duodeno, onde a mobilização tecnicamente não é difícil. No entanto, se uma grande quantidade de tecido for perdida, a aproximação do duodeno pode não ser possível sem produzir tensão indevida na linha de sutura. Se esse for o caso, e a transecção completa ocorrer na primeira parte do duodeno, é recomendável realizar uma antrectomia com fechamento do coto duodenal e uma gastrojejunostomia Billroth II. Quando essa lesão ocorre distalmente à ampola de Vater, o
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fechamento do duodeno distal e a anastomose duodenojejunal em Y- Roux é apropriado. A mobilização da segunda parte do duodeno é limitada pelo suprimento sanguíneo compartilhado com a cabeça do pâncreas. Uma anastomose direta a uma alça em Y de Roux suturada sobre o defeito duodenal de maneira de ponta a ponta é o procedimento de escolha. A drenagem externa deve ser fornecida em todas as lesões duodenais, pois permite a detecção e o controle precoce da fístula duodenal. O dreno é de preferência um sistema fechado simples, de borracha de silicone macio, colocado adjacente ao reparo. Desvio Duodenal Nas lesões duodenais de alto risco, o reparo duodenal é seguido por uma alta incidência de deiscência da linha de sutura. Para proteger o reparo duodenal, o conteúdo gastrointestinal - com suas enzimas proteolíticas - pode ser desviado com uma gastrojejunostomia; essa é uma prática que também facilitaria o manejo de uma potencial fístula duodenal. Indicada para lesçoes grau III. A evidência para esse procedimento é ambígua, embora ainda haja um papel em casos selecionados. Figura 07.1 – Reparos e reconstruções no trauma duodenal. A. Lesão duodenal com reparo simples. B. Lesão da primeira porção duodenal com reconstrução em Billroth I e II. C. Lesão na segunda porção duodenal sem possibilidade de reparo primário, com reconstrução em Y de Roux. Avaliar a ampola de Vater. Lesão na terceira e quarta porções sem possibilidade de reparo primário. É preferível a anastomose primária, porém, se não for possível, realizar Y de Roux. Fonte: Adaptado de RIBEIRO JÚNIOR, 2016.
Diverticulização do Duodeno Este procedimento inclui gastrectomia à Billroth ll, fechamento do coto duodenal, passagem de sonda gastroduodenal para drenagem, drenagem externa segura da lesão duodenal reparada. deve ser adicionada vagotomia troncular e drenagem da via biliar. Esta conduta, contudo, deve ser evitada em pacientes hemodinamicamente instaveis ou com muitas lesões, por ser um procedimento muito prolongado.
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Exclusão Pilórica Amplamente relatado, a exclusão pilórica tem sua indicação no tratamento da severa lesão combinada duodeno-pancreática, sem lesão da papila ou do ducto biliar comum. A técnica consiste no fechamento interno do piloro, com fio absorvível de curta duração, para desvio de secrecões da lesão duodenal reparada. Uma alternativa consiste no uso de grampeador, não cortante, na exclusão pilórica. O conteúdo gástrico deve ser descomprimido e drenado através de uma gastrojejunostomia. Pancreaticoduodenectomia (procedimento de Whipple) Este é o maior procedimento a ser praticado em trauma, apenas se nenhuma alternativa estiver disponível. Indicado nas lesões de grau V. O controle de danos com controle de sangramento e contaminação intestinal e ligação dos ductos biliares e pancreáticos comuns deve ser a regra. A reconstrução deve ocorrer em 48 horas ou quando o paciente estiver estável. Dano local extensivo das lesões intraduodenais ou intrapancreáticas do ducto biliar exige frequentemente uma pancreatoduodenectomia em estágios. Lesões locais menos extensas podem ser tratadas por stent intraluminal, esfincteroplastia ou reimplante da ampola de Vater. Referências ABOOBAKAR, M. R. et al. Gastric perforation following blunt abdominal trauma. Trauma case reports, v. 10, p. 12-15, 2017. ÁLVAREZ, E. E. T et al. Gastric rupture from blunt abdominal trauma. Injury, v. 35, n. 3, p. 228-231, 2004. BENJAMIN, E. Traumatic gastrointestinal injury in the adult patient. UpToDate, 2017. BRUNDAGE, S. I.; MAGGIO, P. Management of duodenal and pancreatic trauma in adults. UpToDate. 2015; 1-35 BOFFARD, K. D. Manual of Definitive Surgical Trauma Care. CRC Press, 2019. FAKHRY, S. M. et al. Current diagnostic approaches lack sensitivity in the diagnosis of perforated blunt small bowel injury: analysis from 275,557 trauma admissions from the EAST multi-institutional HVI trial. Journal of Trauma and Acute Care Surgery, v. 54, n. 2, p. 295-306, 2003.
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O trauma pancreático ocorre em 0,2% dos pacientes vítimas de trauma abdominal fechado e 1%~12% dos pacientes com trauma penetrante. Essas lesões possuem como peculiaridade o fato do pâncreas ser um órgão localizado no retroperitônio, tornando essa lesão de difícil diagnóstico e complicada identificação precoce, proporcionando uma maior morbidade e mortalidade. Aproximadamente 60% dos traumas pancreáticos são decorrentes de acidentes envolvendo veículos. Em adultos, o acidente ocorre principalmente quando há o impacto abdominal com o volante do veículo automotor, enquanto nas crianças o acidente ocorre após impacto abdominal no guidão da bicicleta. Com base nisso, a suspeita dessa lesão por meio do mecanismo de trauma de ser levado em consideração, devendo ocorrer uma busca ativa para o seu diagnóstico precoce. Importante ressaltar que a maioria dos traumas pancreáticos não ocorre de forma isolada, podendo ter lesões em outros órgãos abdominais (como baço, fígado e rins) em mais de 50% dos casos – no caso de trauma penetrante é de quase 100%. Esse tipo de trauma é caracterizado por uma alta morbimortalidade. Na literatura, a morbidade varia de 30% a 40%, sendo principalmente relacionada a lesões em outros órgãos abdominais concomitantemente. A mortalidade imediata do trauma pancreático está relacionada principalmente com o choque hemorrágico, devido lesão vascular relacionada. Após 48 horas, a mortalidade está mais relacionada à infecção e complicações decorrentes do trauma, por exemplo, sepse. Estima-se que a lesão pancreática possua uma mortalidade de cerca de 11% se for diagnóstica antes das primeiras 24 horas e cerca de 40% se diagnosticada após esse período. Além dessa relação temporal, mortalidade depende também de lesões em outros órgãos abdominais e do mecanismo do trauma. Anatomia A anatomia do pâncreas possui uma importante relação com suas estruturas adjacentes, sendo muito incomum um trauma isolado desse órgão. Trata-se de um órgão retroperitoneal localizado principalmente em região epigástrica e que possui contato com estômago, fígado, duodeno, baço, rins e estruturas colônicas, além de importantes vasos, como veia cava inferior, veia porta, vasos mesentéricos superiores e artéria aorta abdominal. Esse órgão pode ser dividido em 5 partes: cabeça, processo uncinado, colo, corpo e cauda. Possuindo uma ampla vascularização, onde a cabeça pancreática é irrigada pelas artérias pancreaticoduodenais anteriores e posteriores e por ramos da artéria mesentérica superior. Além disso, o pâncreas também é irrigado por ramos da artéria esplênica. Devido a essa vascularização abundante, os traumas pancreáticos são lesões sujeitas a um sangramento abundante e de difícil controle.
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Figura 08.1 – Desenho esquemático da anatomia pancreática. Fonte: Adaptado de Longnecker, 2014.
Avaliação Clínica Por se tratar de um órgão retroperitoneal, o exame físico e queixas do pacientes podem ser inespecíficos, portanto, sempre diante de um trauma em região epigástrica, deve-se suspeitar de uma lesão pancreática. Em traumas penetrantes, deve-se avaliar o objeto que causou a lesão, assim como em traumas contusos por meio de acidentes automobilísticos, deve-se sempre recorrer à análise da cinemática do trauma. Apesar de queixas e sinais inespecíficos, o paciente pode evoluir com sinais de irritação peritoneal, equimoses na parede abdominal, marca do cinto de segurança, dor abdominal, vômitos persistentes, hipotensão inexplicada e refratária, além de fratura de vértebras da região de transição toracolombar. Esses sinais reforçam a suspeita e a indicação de investigação de lesões de órgãos retroperitoneais, como o pâncreas. Diagnóstico Como citado anteriormente, as lesões pancreáticas são de difícil diagnóstico. Em pacientes instáveis hemodinamicamente que necessitem de intervenção cirúrgica, deve-se buscar durante o transoperatório possíveis lesões pancreáticas. Já nos pacientes que não possuem indicação de laparotomia imediata, a investigação deve ser realizada por meio de exames de imagem e laboratoriais. Os exames laboratoriais são inespecíficos, servindo somente para corroborar com o diagnóstico. O principal exame laboratorial nesse caso seria o nível sérico de amilase, pois possui elevação em cerca de 60% dos casos de traumas pancreáticos. Caso esse aumento sérico da amilase permaneça elevado, aumenta-se a suspeita de lesão no pâncreas, possuindo uma sensibilidade de 48-85% e especificidade de 0-81%. Em relação aos exames de imagem, a radiografia de abdome tem baixo valor diagnóstico em traumas pancreáticos, possuindo achados inespecíficos, principalmente se associado a algum trauma duodenal que leve ao extravasamento de gás das alças intestinais, podendo ocasionar em achados de pneumoperitônio e retropneumoperitônio. O exame mais utilizado nesse tipo de trauma é a tomografia computadorizada (TC) contrastada de abdome e pelve, possuindo uma sensibilidade e especificidade da lesão
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pancreática pode variar de 70-90%, possuindo uma acurácia dependendo da qualidade da imagem, da experiência do radiologista e do tempo transcorrido entre o trauma e realização do exame. Os achados tomográficos ficam evidentes após a injeção de contraste intravenoso, onde pode ser visualizada a fratura pancreática, presença de líquido no retroperitônio e a presença de hematoma separando a veia esplênica do corpo pancreático. Esse exame, portanto, tem grande valor diagnóstico e na escolha terapêutica das lesões, onde, dependendo do grau da lesão e do local, pode ser optado por um tratamento conservador ou cirúrgico, sendo a lesão de ducto pancreático a principal indicação. A utilização da ressonância magnética (RM) tem sido cada vez mais frequente, principalmente quando há suspeita de lesão de ducto pancreático, por se tratar de um exame não invasivo e de maior sensibilidade que a TC. No entanto, sua indicação só deve ocorrer em pacientes estáveis hemodinamicamente e que já realizaram algum outro exame de imagem. Pode-se aumentar a sensibilidade deste exame ao realizar o teste de estímulo de produção de suco pancreático por meio da injeção de secretina a 1mg/kg. Em casos de traumas pancreáticos é possível visualizar o extravasamento desse suco na cavidade. Por fim, esse exame também é utilizado nas reavaliações de traumas onde foi optado pela terapêutica conservadora. A utilização da colangiopancreatografia retrógada endoscópica (CPRE) pode ser útil para diagnóstico de lesões de ducto pancreático principal, além de poder oferecer tratamento em pacientes que estejam hemodinamicamente estáveis. Tem como vantagem o fato de poder ser realizado durante o intraoperatório. Tratamento Nesse tipo de trauma, o atendimento inicial utiliza como base o atendimento sistematizado do Advanced Trauma Life Support (ATLS®). Para mais informações, confira o Capítulo 01 – Atendimento Inicial ao Paciente Politraumatizado. Tendo foco apenas na avaliação da lesão pancreática, utilizaremos a classificação proposta pela American Association for the Surgery of Trauma (AAST) (Quadro 08.1). Essa escala enfatiza a importância das lesões na cabeça do pâncreas ou no ducto pancreático principal (ducto de Wirsung). Devido sua simplicidade e importante correlação com o tratamento, iremos utiliza-la como base para planejamento terapêutico. Quadro 08.1 - Classificação proposta pela American Association for the Surgery of Trauma (AAST) Grau
Característica da Lesão
I
Hematoma pequena ou laceração superficial, ambas sem lesão ductal
II
Hematoma extenso ou laceração maior, ambas sem lesão ductal e sem perda tecidual
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Continuação do Quadro 08.1 III
Laceração do parênquima com lesão ductal ou transecção distal*
IV
Transecção proximal* ou laceração envolvendo a ampola
V
Disjunção da cabeça pancreática
* Os vasos mesentéricos superiores determinam anatomicamente a cabeça do corpo pancreático, considerando as lesões à esquerda dos vasos como distais e, à direita, como proximais.
Duas situações diferentes podem ser encontradas no intra-operatório: em um caso, a lesão pancreática é apenas um constituinte em um trauma múltiplo, necessitando que seja realizada uma cirurgia de controle de danos e, no outro, a estabilização rápida permite a exploração completa da lesão pancreática, permitindo a escolha do tratamento mais apropriado. Se o cirurgião precisar realizar uma laparotomia de controle de danos, é recomendado evitar manobras cirúrgicas complexas, e a drenagem pancreática simples com tamponamento do leito pancreático é a escolha mais apropriada. Na maioria dos casos, a lesão das estruturas vasculares peripancreáticas (tronco gastrocólico de Henle, etc.) é a fonte do sangramento e essas lesões devem ser tratadas (seja por meio de sutura simples, seja por meio de by-pass) de acordo com a sua localização e gravidade. Em pacientes estáveis hemodinamicamente e com lesões grau I e II (representando 60% e 20% de todas as lesões pancreáticas) geralmente costumam ser manejados de forma conservadora - sempre levando em conta a possibilidade de lesão ductal e dispondo de exames de imagem para fazer o acompanhamento. Nesses casos, se houver a formação de pseudocisto ou coleção de líquidos, pode-se optar pela drenagem percutânea ou transgástrica. No entanto, mesmo nos graus I e II, se houver outra indicação para abordagem cirúrgica, a melhor opção é realizar a hemostasia e a drenagem da lesão. É importante destacar que a laceração pancreática não deve ser rafiada nesses casos, pois aumenta o risco de desenvolver complicações, como o surgimento de pseudocistos. Portanto, a melhor conduta seria a drenagem e o acompanhamento do fechamento da laceração. A retirada do dreno deve ocorrer quando os níveis séricos de amilase e lipase voltarem ao normal e, principalmente, quando a fístula estiver dirigida e com débito menor de 30 ml em 24h. O trauma grau III com lesão de ducto deve ser tratado com a realização de uma pancreatectomia distal com ou sem esplenectomia, preferencialmente, e a cavidade deve ser drenada. No grau IV, a transecção proximal do pâncreas tem um manejo mais complexo e não unânime. Deve-se, inicialmente, controlar a homeostasia, depois, realizar o controle da contaminação da cavidade e, somente após, seguir com a avaliação das opções de tratamento da lesão. Pacientes que estão instáveis e que forem realizar cirurgia para controle de danos, devem ser drenados com múltiplos drenos, para então programar o reparo definitivo. Caso haja lesão do ducto principal sem acometimento da ampola e do duodeno, a Página 122
pancreatojejunostomia em Y de Roux pode ser indicada, embora seja pouco utilizada, ou a pancreatectomia subtotal. A melhor conduta consiste na drenagem e posterior avaliação para reconstrução, caso necessário. No trauma grau V, a condução do caso deve ser realizada por meio da realização da duodenopancreatectomia com reconstrução à Whipple, em segundo tempo, após cirurgia de controle de danos e estabilização do paciente. Já quando o diagnóstico do trauma pancreático é realizado intraoperatório, as condutas devem ser tomadas com base no referencial anatômico, como mostrado no Quadro 08.2. Quadro 08.2 - Tratamento das lesões com diagnóstico intraoperatório. Anatomia da Lesão
Tipo de correção cirúrgica
Proximal (Cabeça)
Drenagem por sucção fechada com dreno Pancreatojejunostomia, se duodeno e ampola preservados Duodenopancreatectomia com reconstrução em Y de Roux (cirurgia de Whipple)
Distal (Corpo e cauda)
Lesão ductal ou alta suspeita para lesão de ducto principal: pancreatectomia distal com ou sem preservação esplênica Sem lesão ou baixa suspeita: drenagem da cavidade com dreno de sucção fechado
Complicações A ocorrência de complicação não é um ocorrido incomum, sendo prevalente entre 20-40% dos casos e, portanto, devem sempre ser investigadas. As complicações mais frequentes são fístulas pancreáticas, abscesso pancreático, pancreatite, pseudocisto e hemorragia secundária. A insuficiência endócrina e exócrina do pâncreas após trauma é considerada rara. Referências ABRANTES, W. L. et al. Trauma contuso de pâncreas. Rev Med Minas Gerais, v. 20, n. 4 Supl 2, p. S15-S19, 2010. ABRANTES, W. L. et al. Preservação do baço na pancreatectomia distal por trauma. Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, v. 29, n. 2, p. 83-87, 2002. Brundage SI, Maggio P. Management of duodenal and pancreatic trauma in adults. UpToDate. 2015; 1-35
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Tr aumaHepát i co edeVi asBi l i ar es
CAPÍ TULO
09
-Fr anci scoJul i marCor r ei ade Menezes. -Her onKai r oSabói aSant ’ Anna Li ma. -Rodr i goTeófil oPar ent ePr ado. -Gabr i elLopesPont ePr ado. -El am Vasconcel osdeAqui no.
O fígado pode ser dividido em dois segmentos lobares (direito e esquerdo) e, de forma mais aprofundada, subdividido em oito segmentos com base na distribuição vascular ou do ducto biliar. O acesso a esses segmentos só pode ser alcançado através da mobilização completa do órgão, incisando seus vários anexos ligamentares (ligamento coronário, ligamento triangular esquerdo e direito). Acerca da vascularização, este órgão possui um suprimento sanguíneo duplo da veia porta e das artérias hepáticas. A veia porta, que é uma confluência das veias mesentérica superior e esplênica, fornece aproximadamente 80% do sangue ao fígado, enquanto o restante do sangue é suprido pela artéria hepática. O fígado é o segundo órgão mais comumente afetado em situações de trauma fechados e está entre os mais atingidos em situações de trauma penetrante, chegando a estar presente em 40% das situações. A apresentação clínica dos pacientes acometidos pode mudar segundo algumas variáveis, tais como: mecanismo do trauma, existência e gravidade do sangramento e acometimento concomitante de outros órgãos. A mortalidade relacionada ao trauma hepático, historicamente, tem índices elevados, no entanto desde o Século XX, com a II Guerra Mundial, esse número vem caindo devido à utilização e a descoberta de novas técnicas propedêuticas, até que, atualmente, tem-se preconizado, em diversas situações, o manejo não cirúrgico das lesões hepáticas associado a uma avaliação utilizando a tomografia computadorizada (TC). Seja a terapia escolhida conservadora ou cirúrgica, a ressuscitação e manutenção volêmica para controle da hemorragia é essencial no tratamento inicial desses pacientes. Porém, sabe-se atualmente que a ressuscitação agressiva de fluidos não melhora o prognóstico e pode resultar em complicações por sobrecarga de volume, anemia, trombocitopenia e desequilíbrio hidro-eletrolítico. Outro ponto relevante é que, apesar das proporções para administração de componentes do sangue ainda serem focos de acentuada discussão, os protocolos de transfusão maciça melhoraram a prestação de cuidados e os resultados a longo prazo. Ressalte-se ainda a importância do conceito de “Damage control resuscitation” utilizado na prática em que é possível evitar a ressuscitação maciça de cristaloides e abordar precocemente a coagulopatia no trauma, buscando a hipotensão permissiva sempre que possível e a administração precoce de produtos sanguíneos. Em relação às considerações anatômicas, a segmentação hepática em si é um tópico pertinente, uma vez que participa, em parte, da classificação do trauma hepático, sendo possível nomeá-los como segmentos de Coinaud, e, também, por guiar o manejo cirúrgico, no que diz respeito à localização e vascularização. Portanto, faz-se necessário saber que o fígado possui 8 segmentos, possuindo uma organização em dois lobos, chamados de direito e esquerdo, e que não inclui o 1º segmento,. O plano de tal divisão é a fissura portal principal onde se encontra a Veia Hepática Média. Os segmentos II, III e IV, fazem parte da parte hepática esquerda, já os segmentos V, VI, VII e VIII, se encontram na porção direita. A lesão biliar no trauma, tanto fechado quanto penetrante, é rara, ocorrendo em apenas 0,1% das admissões hospitalares por fenômenos traumáticos. Quando visto no Página 126
contexto exclusivamente abdominal, esse número sobre para 3-5%, sendo em 80% dos casos uma lesão na vesícula biliar. Além disso é mais comum o seu aparecimento quanto o mecanismo é penetrante. Nesse contexto, o maior risco não está na lesão do trato biliar em si, mas no acometimento de estruturas adjacentes, o que ocorre muito comumente. Sua identificação ocorre de forma mais rotineira durante a realização de uma laparotomia, sendo um achado ocasional, geralmente. Outra possibilidade é a sua identificação no contexto pós-operatório devido ao desenvolvimento de complicações. Anatomia Em 1854, Francis Glisson publica “Anatomia Hepatis“, considerado uma das mais importantes obras acerca do estudo da anatomia e fisiologia do hepática, onde o autor faz referência à circulação hepática e, principalmente, à existência de uma rede vascular comunicando os sistemas da veia porta e das veias hepáticas. A anatomia do fígado assume características distintas, se considerados aspectos morfológicos ou funcionais. Morfologicamente, ou seja, da maneira como o órgão é visto a laparotomia, o fígado apresenta 4 lobos, sendo dois maiores e dois menores. Os dois lobos maiores, direito e esquerdo, são separados pela fissura umbilical na face inferior e pelo ligamento falciforme na face ântero-superior. Entre eles há uma nítida diferença de volume com acentuado predomínio do direito sobre o esquerdo. Na face inferior do lobo direito, a fissura transversa ou hilar, região onde penetram no parênquima hepático os ramos da veia porta, da artéria hepática e os ductos biliares, delimita dois pequenos lobos, um anterior, conhecido como lobo quadrado e outro posterior, conhecido como lobo caudado ou de Spiegel. Apesar disso, essa divisão morfológica não costuma ser utilizada como principal parâmetro para planejamento cirúrgico.
Figura 09.1 – Desenho esquemático à esquerda ilustrando segmentação cirúrgica hepática. Na foto da direita, é possível visualizar as divisões em um fígado real. Cada segmento hepático constitui uma unidade funcional do fígado, recebendo uma tríade portal individualizada, e sendo drenado por ramo de uma das veias hepáticas. Fonte: Adaptado de TRIVIÑO; ABIB, 2003.
Mecanismo do Trauma No contexto do trauma abdominal é comum encontrar na literatura diversos relatos apontando para uma elevada prevalência de lesão hepática. Neste capítulo dividiremos as lesões em: decorrentes de trauma penetrante e decorrentes de trauma contuso. Página 127
Trauma Penetrante Esse tipo específico de trauma pode aparecer, de maneira geral, em duas situações, quando há um ferimento por arma branca ou quando a fonte do ferimento é uma arma de fogo. Na primeira, a lesão tende a se linear, enquanto que no caso de dano por projéteis há uma lesão em forma de cavitação, podendo, portanto, lesar todo tipo de estrutura. Vale lembrar que as lesões hepáticas estão presentes em 40% dessas situações. O uso de armas brancas envolve menos energia, por depender basicamente da força do agressor e da arma utilizada, logo, é possível em alguns casos específicos, até, um manejo não cirúrgico. Tal terapêutica não é tão viável nos casos de trauma por arma de fogo, visto que, raramente, as lesões são únicas e há muito mais energia envolvida no evento, ocasionando danos maiores. Trauma Contuso É o principal tipo de trauma que afeta o fígado - cerca de 80 a 90% das vezes. A lesão nesse caso acomete, em especial, o componente vascular do fígado, assim como o seu parênquima. Dentre os principais mecanismos que geram o trauma contuso, o mais comum deles é o acidente automobilístico, sendo válido lembrar que essa situação envolve o paciente tanto dentro do carro quanto fora dele, como ocorre em atropelamentos. As quedas de grandes alturas e agressões têm grande potencial para gerar um trauma hepático. Avaliação do Trauma Por se tratar de um trauma, a avaliação inicial deve ocorrer de acordo com o preconizado no Advanced Trauma Life Support (ATLS). Nos pacientes hemodinamicamente instáveis, que não respondem a infusão de fluidos ou ao uso de drogas vasoativas, por exemplo, é mandatório a sua transferência para a sala de cirurgia, para a resolução de uma possível hemorragia interna. Se a clínica do paciente permitir devem ser feitos algum dos seguintes exames/procedimentos: Focused Assessment with Sonography for Trauma (FAST), uma Tomografia Computadorizada (TC) ou um Lavado Peritoneal. A suspeita de uma lesão hepática se inicia com a localização trauma, avaliada principalmente pelo ferimento. A dor referida pelo paciente também é um importante fator a ser levado em consideração, podendo estar no quadrante superior do abdome ou na região direita da parede torácica ou até no ombro direito, secundário a uma irritação diafragmática. Hiperalgesia abdominal ou torácica, rigidez abdominal, sinais de irritação peritoneal, hematomas e contusões indicam um comprometimento da região de localização, mas não especificamente do fígado, tornando-se mais sugestivos se forem encontrados ou no quadrante superior do abdome ou na região direita da parede torácica. A associação de hemorragia interna com o trauma hepático é bastante elevada, logo, a maior parte das manifestações clínicas, além da dor, vai envolver o estado de cho-
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que hipovolêmico, o que é evidenciado, de maneira mais eficiente, com a avaliação dos sinais vitais do paciente. Importante ressaltar que nessa situação, poucas serão as ocasiões, em que a única lesão será hepática, devido à alta incidência de lesões associadas, principalmente torácica, esplênica, pélvica e de coluna vertebral, ocorrendo devido à localização ou ao mecanismo. Diagnóstico O diagnóstico de trauma hepático depende de algumas variáveis. A principal delas é a condição clínica do paciente, uma vez que se a vítima do trauma estiver estável, a comprovação do quadro pode ser feita com base na história (mecanismo do trauma), exame físico, e exames laboratoriais e de imagem, em especial a TC. No caso do paciente que permanece instável no departamento de emergência, de certa forma, a única opção diagnóstica vai coincidir com a opção terapêutica, no caso a laparotomia exploratória. O exame padrão-ouro, tanto para o diagnóstico quanto para a avaliação da gravidade da lesão é a Tomografia Computadorizada com contraste, tendo alta sensibilidade e especificidade. Neste exame é possível avaliar, também, a presença de hemorragia ativa, o que é observado quando o contraste que foi injetado via intravenosa está livre ao redor do Fígado, e de lesões em órgãos adjacentes, como já discutido, trata-se de uma condição bastante usual. Outro exame válido para o diagnóstico é o FAST, apesar da presença de um resultado negativo não excluir a existência de um trauma no Fígado. Alguns sinais, que contribuem a comprovação podem ser listados: Presença de líquido hipoecóico na região subcapsular; Presença de líquido intraperitoneal ao redor do fígado; Presença de líquido no espaço hepatorrenal. Lembrando que em pacientes hepatopatas crônicos, a presença de líquido livre na cavidade peritoneal pode indicar ascite, o que levanta a necessidade de uma investigação mais aprofundada. Além disso, o FAST apresenta dificuldades em identificar sangramentos intraparenquimatosos. Por fim, outros exames, como a ressonância magnética, não parecem ser de grande ajuda na avaliação diagnóstica. Sua utilização é preferencialmente em situações em que o paciente tem indicações de realizar uma TC, porém não pode realizá-la (alergia ao contraste, por exemplo). A arteriografia geralmente é reservada para pacientes que possuem indicação para embolização hepática, informações que abordaremos mais adiante no capítulo. No contexto laboratorial não existem exames específicos para essa avaliação, mas, de forma geral, alguns achados podem sugerir acometimentos intra-abdominais, tais como: leucocitose, anemia inespecífica, hematócrito < 30%, TGO > 200 U/L, amilase > 100 U/L e microhematúria > 5 eritrócitos por campo.
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Uma classificação feita pela American Association for the Surgery of Trauma (AAST) e tem sido amplamente utilizada em tais situações. Essa divisão utiliza uma separação em 6 graus diferentes, com base no tipo de lesão e nos achados tomográficos (Quadro 09.1). Quadro 09.1 - Classificação proposta pela American Association for the Surgery of Trauma (AAST) Grau
Lesão
Achado tomográfico
I
Hematoma
Subcapsular < 10% da área de superfície
Laceração
Ruptura capsular < 1 cm de profundidade no parênquima
Hematoma
Subcapsular, 10 a 50% da área de superfície; intraparenquimatoso, < 2 cm de diâmetro
Laceração
1 a 3 cm de profundidade no parênquima, < 10 cm de extensão
III
Hematoma
Subcapsular > 50% da área de superfície ou em expansão; ruptura subcapsular ou hematoma parenquimatoso; hematoma intraparenquimatoso > 2 cm ou em expansão
IV
Laceração
Superior a 3 cm de profundidade
Laceração
Dilaceração do parênquima envolvendo 25 a 75% do lobo hepático ou um a três segmentos de Coinaud no mesmo lobo
Laceração
Dilaceração do parênquima > 75% do lobo hepático ou três segmentos de Coinaud no mesmo lobo
Vascular
Lesões de veias justa-hepáticas ou veias hepáticas/veia cava retrohepática
Vascular
Avulsão hepática
II
V
VI
Tratamento O tratamento de pacientes com trauma hepático visa restaurar a homeostasia e a fisiologia dos indivíduos, considerando os modernos métodos de abordagem do sangramento e a avaliação do estado hemodinâmico do paciente. Pacientes Estáveis Hemodinamicamente O tratamento de escolha para pacientes hemodinamicamente estáveis com lesão hepática é a terapia não cirúrgica, independentemente do grau da lesão. Essa modalidade terapêutica consiste em observação e cuidados de suporte com o uso adjuvante de arteriografia e embolização hepática. Revisões retrospectivas do Banco Nacional de Dados de Trauma do Colégio Americano de Cirurgiões e outros estudos observacionais descobriram
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que mais de 80% dos pacientes com lesão hepática contusa podem ser tratados de modo satisfatório por meio da terapia não cirúrgica (TNC). A base para a TNC bem-sucedida requer seleção apropriada de pacientes e disponibilidade de incluindo disponibilidade de leitos para unidades de terapia intensiva, apoio de bancos de sangue, acompanhamento contínuo da hemoglobina sérica, disponibilidade de salas cirúrgicas, cirurgiões e radiologistas intervencionistas experientes em controle de lesão hepática. Quando a TNC é bem-sucedida, os riscos inerentes ao procedimento cirúrgico e anestésicos são eliminados. No entanto, as desvantagens associadas ao tratamento não operatório incluem um risco aumentado de lesão oculta intra-abdominal (principalmente lesão de víscera oca), complicações relacionadas à transfusão sanguínea e riscos associados a técnicas de embolização, que incluem necrose hepática, formação de abscesso e vazamentos de bile. Acerca dos riscos da transfusão, alguns centros de trauma consideram que esses riscos podem superar os benefícios de estratégias agressivas de manejo não operatório, principalmente em lesões hepáticas de alto grau. Pacientes hemodinamicamente estáveis, mas demonstrando extravasamento do contraste no fígado na TC, apresentam taxas de falha mais altas na TNC, devendo ser submetidos a uma arteriografia e avaliar a necessidade de embolização hepática, seguido de observação contínua e avaliação sérica constante de hemoglobina. A embolização hepática requer instalações especiais de imagem e um intervencionista vascular (isto é, radiologia intervencionista e cirurgiões vasculares) com experiência em técnicas de cateterismo e embolização arterial. A eficácia geral da angioembolização em trauma hepático é de 93%. As taxas de sucesso variam de acordo com a instituição, técnica de embolização, acessibilidade arterial, habilidade do operador e o tipo de material utilizado. A embolização hepática parece ter mais sucesso quando usada preventivamente em pacientes hemodinamicamente estáveis. Os estudos disponíveis indicam sucesso melhores em pacientes com lesões de grau III ou IV que exibem extravasamento de contraste visualizado na tomografia computadorizada de admissão. A embolização hepática também pode ser usada para tratar pacientes que falharam no manejo observacional ou como auxiliar no tratamento de pacientes com sangramento ou ressangramento contínuo do fígado após o tratamento cirúrgico. Pacientes que se tornam instáveis hemodinamicamente, por definição, fracassaram no tratamento não cirúrgico e devem ser levados imediatamente à sala de cirurgia para exploração abdominal. A arteriografia com embolização não deve ser realizada nessas circunstâncias, dado o tempo necessário para instalar o conjunto de radiologia intervencionista, colocar o pessoal no local e executar o procedimento de embolização. Existem poucos dados para orientar o atendimento e acompanhamento de rotina de pacientes com lesão hepática que foram tratadas no período não operatório. Nenhuma recomendação definitiva foi estabelecida quanto à necessidade ou o período das imagens radiológicas de acompanhamento, necessidade ou duração do repouso no leito, o momento
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do retorno às atividades diárias e/ou exercício, ou o momento para iniciar profilaxia ou anticoagulação terapêutica. Embora seja uma recomendação comum que os pacientes evitem atividades extenuantes por várias semanas, isso permanece empírico, com poucos dados para apoiar essa prática. Por fim, as contraindicações para tratamento não operatório de lesão hepática incluem o seguinte: - Instabilidade hemodinâmica após ressuscitação inicial; - Outra indicação para cirurgia abdominal (por exemplo, peritonite); - Lesão por arma de fogo (contraindicação relativa se houver suspeita de lesão extrahepática); - Ausência de um ambiente clínico apropriado para fornecer monitoramento, avaliação clínica seriada ou disponibilidade de instalações e pessoal para embolização hepática ou exploração abdominal urgente, se necessário. O manejo não operatório de ferimentos a bala permanece controverso, embora o manejo não operatório de pacientes com lesões hepáticas penetrantes isoladas devido a facadas abdominais tenha sido praticado rotineiramente em muitos centros de trauma por vários anos. O manejo não operatório desses pacientes falham em até um terço dos pacientes devido a sangramento contínuo ou ao desenvolvimento da síndrome compartimental abdominal. Por fim, gostaríamos de ressaltar que apesar de lesões grau III serem conduzidas de forma conservadora em diversos estudos internacionais, em nossa experiência em cirurgia do trauma no Instituto Dr. José Frota, lesão grau III pode ser conduzida com sucesso de forma cirúrgica.
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Fluxograma 09.1 – Tratamento não operatório do trauma hepático contuso. Fonte: ABRANTES et al, 2006.
Pacientes Instáveis Hemodinamicamente Esses pacientes necessitarão de intervenção cirúrgica. O tratamento cirúrgico das lesões hepáticas pode ser um desafio, mesmo para cirurgiões experientes, devido à natureza complexa do fígado, tamanho, vascularização, suprimento duplo de sangue e drenagens venosas de difícil acesso. O objetivo da cirurgia é controlar a hemorragia do fígado, o que pode exigir técnicas cirúrgicas simples ou mais complicadas, dependendo da extensão da lesão. O tratamento cirúrgico das lesões hepáticas geralmente ocorre em uma de duas situações: o diagnóstico (e talvez até a gravidade) da lesão pode ter sido estabelecido antes da realização da laparotomia, ou o cirurgião descobre a lesão na laparotomia exploratória realizada por causa do choque ou peritonite. Importante ressaltar que nessa segunda situação, como o diagnóstico foi estabelecido durante intraoperatório, o grau de lesão da AAST desempenha um papel menor na tomada de decisão cirúrgica com respeito às lesões hepáticas. Uma laparotomia exploratória completa utilizando a incisão mediana deve ser realizada sempre que a lesão hepática exigir intervenção cirúrgica. Um afastador estático ajuda significativamente na exposição, além de reduzir a fadiga do cirurgião e evitar a suPágina 133
perlotação de instrumentais ao redor da mesa cirúrgica. Para cirurgia de trauma, diversos cirurgiões preferem um afastador autoestático (por exemplo, Thomson, Omni), pois oferecem ampla exposição. Caso seja necessário acessaria a abordagem dos segmentos posteriores, o fígado pode ser rapidamente mobilizado pela ligação e divisão do ligamento falciforme e incisão dos ligamentos triangular e coronário, tendo o máximo de cuidado para evitar lesões nas veias hepáticas posteriormente. Os princípios de controle de danos são seguidos, controlando a hemorragia primeiro (após evacuação rápida do hemoperitônio, as compressas cirúrgicas são colocadas sistematicamente nos quatro quadrantes do abdome, ao longo das goteiras parietocólicas e na pelve) e depois controlando qualquer contaminação gastrointestinal. O controle de danos permite tempo para a equipe de anestesia buscar estabilizar hemodinamicamente o paciente. O manejo definitivo da lesão hepática pode ser realizado imediatamente em pacientes apresentando melhora nos parâmetros hemodinâmicos ou de maneira retardada após a estabilização das lesões e a subsequente ressuscitação na unidade de terapia intensiva. Na maior parte dos casos (em cerca de 80% das situações), técnicas mais simples como compressões mecânicas, agentes hemostáticos tópicos ou técnicas eletrocirúrgicas e sutura conseguem lidar com o sangramento. Após tentativa inicial de contenção do sangramento, a manobra de Pringle (clampeamento com instrumental atraumático através do forame de Winslow por, no máximo, 45 minutos da tríade portal. Após esse tempo, a manobra deve ser desfeita para permitir uma revascularização de forma intermitente) pode ser realizada com o objetivo de bloquear temporariamente o aporte sanguíneo portal e arterial do fígado. Apesar disso, a manobra torna-se ineficaz se o sangramento tiver um componente predominante das veias hepáticas, sendo este responsável por boa parte dos grandes sangramentos nas lesões complexas do fígado. O reconhecimento da anatomia do segmento afetado pelo trauma é fundamental ao manuseio. Nos segmentos mais superiores a direita (VI, VII e VIII) e à esquerda (II), por exemplo, após o clampeamento a manobra de Pringle, deve-se proceder à averiguação de lesões em veias supra-hepáticas para controle da hemorragia. Em se obtendo controle satisfatório, então, deve-se averiguar o segmento hepático inferior, a fim de promover hemostasia segura, e só aí, pode-se proceder à reperfusão do fígado com a liberação da manobra de Pringle. Caso as medidas citadas anteriormente não sejam capazes de conter o sangramento, pode-se considerar uma ressecção hepática. Nesse contexto, é preciso compreender a forma da lesão. Lesões graves que estejam localizados primordialmente em apenas um segmento hepático podem ser conduzidas com ressecção do segmento afetado. Entretanto, em lesões em que múltiplos segmentos estão afetados (traumas contusos em alta velocidade, por exemplo) a ressecção de todos os segmentos afetados torna-se inviável. Nesses casos, pode ser realizado o debridamento acrescido das técnicas hemostáticas mencionadas anteriormente no trajeto afetado.
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Situações, onde há lesão de veias intra-hepáticas ou lesão de veia cava retrohepática, geram uma mortalidade altíssima em decorrência do complexo manejo. Em primeiro momento, deve-se realizar tamponamento do sangramento por meio de compressas cirúrgicas. Caso o sangramento venoso persista à compressão mecânica, deve-se realizar o desvio do fluxo sanguíneo do local da lesão por meio de técnicas vasculares, tais como: by-pass venovenoso, exclusão vascular do fígado e shunt átrio-caval (esta última caiu em desuso devido resultados insatisfatórios). Na técnica de bypass venovenoso, a veia cava inferior é pinçada e o fluxo venoso abaixo da pinça é desviado para a veia cava superior por meio de um circuito extracorpóreo (semelhante ao transplante de fígado). Esta abordagem está associada a complicações que incluem lesão vascular ou trombose e embolia aérea, que pode ser fatal. A exclusão vascular total hepática oclui todos os vasos de entrada e saída do fígado. O retorno venoso ao coração é severamente reduzido e o estado hipovolêmico resultante pode resultar em parada cardíaca. Há estudos que apontam que essa técnica possui melhores resultados quando em combinação com lobectomia hepática direita. Trauma de Vias Biliares O trauma de vias biliares é uma condição desafiadora para cirurgiões não acostumados com a cirurgia hepatobiliopancreática. Na ocorrência de choque, a cirurgia de controle de danos deve ser realizada e apenas a exteriorização com drenos do local da lesão deve ser feita. Após controle fisiológico do paciente, o tratamento definitivo então ocorrerá. Se o paciente estiver estável, o reparo primário da lesão deverá ser realizado. Caso haja dúvida da presença ou não de lesão, a colecistectomia com colangiografia intraoperatória deve ser realizada. Caso haja transecção completa da árvore biliar ou laceração maior que 50% do diâmetro da via biliar, recomendamos a realização da anastomose biliodigestiva em Y de Roux, de preferência hepático-jejunal. Lesões parciais, que acometam até 50% da circunferência, podem ser reparadas com sutura primária e inserção com tubo T (dreno de Kehr). Importante deixar claro que o dreno deve ser exteriorizado por outra abertura na via biliar, e não pela lesão suturada. O trauma penetrante da via biliar intra-hepática é de mais fácil manejo, pois a drenagem da região já resolve a maioria dos casos. Na ocorrência de fístulas, estas tendem a se resolver espontaneamente com a terapia nutricional de suporte, correção dos distúrbios hidro-eletrolíticos e ácidos-básicos e manejo adequado de infecções. Referências ABRANTES, W. L. et al. Tratamento não operatório do trauma hepático contuso. Revista de Medicina de Minas Gerais, v. 16, n. 1, p. 43-48, 2006. ALAM, H. B.; VELMAHOS, G. C. New trends in resuscitation. Current problems in surgery, v.
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Tr aumaEspl êni co
CAPÍ TULO
-Her onKai r oSabói aSant ’ Anna Li ma. -JoséW al t erFei t osaGomes. -Ri car doMont ei r odeSáBar r et o. -Cami l oBi t uBezer r aFer r ei r a. -Af onsoNonat oGoesFer nandes.
O baço é um órgão altamente versátil localizado no quadrante superior esquerdo do abdome, podendo ser dividido histologicamente em três porções bem definidas (polpa vermelha, polpa branca e zona marginal) com distintas funções metabólicas e imunológicas. Anatomicamente o baço é cercado por diversas estruturas abdominais: o diafragma, superior e póstero-lateralmente; estômago, medial e ântero-lateralmente; glândula adrenal esquerda e rim esquerdo póstero-medialmente; ligamento frenocólico, inferiormente; e os arcos costais lateralmente. Na Figura 10.1 apresentaremos os ligamentos associados ao baço. O baço é perfundido predominantemente pela artéria esplênica, que é um ramo do tronco celíaco. O fluxo sanguíneo esplênico também é derivado das artérias gástricas curtas, que são ramos do lado esquerdo da artéria gástrica. A artéria esplênica, que pode ser bastante tortuosa, atravessa a margem superior do pâncreas, fornecendo ramos a ele, antes de continuar no baço.
Figura 10.1 – Ligamentos esplênicos. (1) Ligamento Gastroesplênico, (2) Ligamento Esplenofrênico, (3) Ligamento Esplenorrenal, (4) Ligamento Esplenopancreático, (5) Ligamento Pancreatocólico, (6) Ligamento Esplenocólico. Fonte: Adaptado de SKANDALAKIS et al, 1993.
São algumas funções deste órgão: primeira resposta imune humoral, atua como reservatório de linfócitos, participa da filtração do sangue, atua como reservatório de plaquetas e eritrócitos imaturos, durante a vida fetal participa da hematopoiese, produção de substâncias fagocíticas, ativação do sistema complemento, reutilização de ferro e inibição da angiotensina. Além dessas funções supracitadas, o baço é o órgão mais eficiente em eliminar bactérias investidas por IgG e é essencial na depuração das bactérias encapsuladas não opsonizadas por anticorpos ou complemento. Apesar das diversas funções do baço, em 1892, Riegner descreveu uma esplenectomia após trauma esplênico em um indivíduo de 14 anos, o que deu início à realização rotineira desse procedimento. Um dos fatores que pode ter contribuído para a realização Página 139
rotineira da esplenectomia é que o baço era considerado um órgão dispensável por quatro principais motivos: (1) na época a sua função não era bem estabelecida, (2) acreditava-se que esplenectomia não trazia malefícios ao paciente, (3) havia uma supervalorização em sua capacidade regenerativa e (4) o risco proporcionado pelo fato de que mínimas lesões eram capazes de ocasionar hemorragia importante. Atualmente, apesar de a esplenectomia continuar sendo um procedimento realizado com frequência no contexto do trauma esplênico, diversos cirurgiões buscam métodos para preservar o baço. Citaremos mais a frente no capítulo as complicações relacionadas a este procedimento cirúrgico. Mecanismo do Trauma Nos serviços de emergência é comum o médico encontrar pacientes vítimas de trauma abdominal. O trauma é uma das principais causas de morte em pessoas menores de 45 anos sendo que cerca de 10% destas são secundárias aos traumas abdominais. Na avaliação do trauma abdominal, deve-se ter como prioridade o reconhecimento de hemorragias e lesões específicas que necessitem de intervenção. O trauma esplênico pode ocorrer de diversas formas diferentes: trauma abdominal fechado, trauma abdominal aberto e iatrogênico (Quadro 10.1). Quadro 10.1 – Mecanismo de Lesão Formas de Trauma Abdominal
Etiologias
Trauma Abdominal Fechado
- Quedas. - Golpes abdominais contundentes. - Desaceleração brusca (laceração ligamentar). - Fraturas de costelas.
Trauma Abdominal Aberto
- Feridas ocasionadas por armas de fogo. - Feridas ocasionadas por armas brancas.
Trauma Iatrogênico
- Lesões acidentais ocasionadas durante procedimento cirúrgico abdominal. - Lesão acidental ocasionada pelo endoscópio.
Acerca desses mecanismos, precisamos ressaltar a importância do trauma abdominal fechado como fator desencadeante de trauma esplênico, sendo o baço o órgão sólido mais frequentemente lesado em traumas abdominais contusos, principalmente colisão envolvendo veículos automotores em adultos. Na população pediátrica, quedas representam uma causa mais frequente que o acidente automobilístico de trauma abdominal. Avaliação do Trauma A avaliação do trauma deve ser realizada de forma eficaz e sistematizada, tal qual foi apresentado no Capítulo 01 - Atendimento Inicial ao Paciente Politraumatizado. Neste capítulo, focaremos nas condutas e diagnósticos relacionados ao trauma esplênico.
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História e Exame Físico A história de trauma no quadrante superior esquerdo abdominal, caixa torácica esquerda ou no flanco esquerdo deve ser um sinal de alerta para o médico que esta realizando o atendimento suspeitar de lesão esplênica. Apesar disso, traumas em outras regiões abdominais não excluem completamente a possibilidade de lesão esplênica, por exemplo, lesões penetrantes podem ocasionar lesão no baço mesmo que o orifício de entrada não seja muito próximo ao órgão em questão. O paciente pode queixar-se de dor abdominal no quadrante superior esquerdo, parede torácica esquerda ou apresentar o sinal de Kehr (dor referida no ombro esquerdo que piora com a inspiração e é causado pela irritação do nervo frênico devido sangue adjacente à porção esquerda do diafragma). No exame físico, o paciente costuma apresentar um quadro clínico inespecífico relacionado ao trauma abdominal (dor abdominal, irritação peritoneal, hematomas abdominais, alteração do estado mental, etc.), sem achados que sejam restritos ao baço. Na avaliação clínica deste paciente é importante buscar lesões associadas. Dentre essas lesões, ressaltaremos fraturas de costelas, fratura de pelve e lesão na medula espinhal. Por fim, ainda na avaliação do trauma precisamos definir o estado hemodinâmico do paciente, pois este vai ser um dos principais parâmetros utilizados para estabelecer as condutas. A prevenção ou correção da hipotermia são fundamentais e dependem de medições precisas da temperatura central (que deve ser mantida a ≥ 35◦C), com aquecimento de todos os fluidos para infusão e o uso de mantas de aquecimento. Estado Hemodinâmico em Adultos A instabilidade hemodinâmica em adultos é considerada a condição em que o paciente na admissão apresenta características de choque circulatório: pressão arterial sistólica < 90 mmHg com evidência de vasoconstrição da pele (fria, úmida, tempo de enchimento capilar aumentado), alteração do nível de consciência e/ou dispneia, ou pressão > 90 mmHg, porém que requer infusões/transfusões e/ou medicamentos vasopressores para manter a pressão ou a necessidade de transfusão de pelo menos 4-6 unidades de concentrado de hemácias dentro das primeiras 24 horas. Além disso, consideramos instáveis os pacientes com resposta transitória ao choque circulatório (apresentam resposta inicial a ressuscitação volêmica adequada e, em seguida, sinais de perda sanguínea contínua e défices de perfusão); e, mais em geral, aqueles que respondem à terapia, mas que não são capazes de estabilização suficiente para serem submetidos a tratamentos de radiologia intervencionista. Estado Hemodinâmico Pediátrico Para definirmos a estabilidade hemodinâmica em pacientes pediátricos, precisaremos considerar os dois principais parâmetros abordados pela literatura. De modo geral, consideramos estabilidade hemodinâmica em pacientes pediátricos a pressão arterial sistólica de 90 mmHg mais duas vezes a idade da criança em anos, sendo o limite inferior de 70
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mmHg mais duas vezes a idade da criança em anos ou inferior a 50 mmHg segundo outros estudos. O estado hemodinâmico estabilizado aceitável é considerado em crianças com resposta positiva à ressuscitação volêmica: três bolus de 20 mL/kg de reposição de cristalóides administrados antes da substituição do sangue. Os critérios que utilizamos para considerar a resposta positiva são: redução da frequência cardíaca, recuperação do sensório, retorno dos pulsos periféricos e cor da pele, aumento da pressão arterial e do fluxo urinário, e aumento do calor da extremidade. Diagnóstico de Lesão Esplênica Em pacientes estáveis hemodinamicamente, utilizaremos exames radiológicos para realizar o diagnóstico de lesão esplênica. Abordaremos nesse capítulo a utilização do FAST (um acrônimo da língua inglesa que pode ser traduzido como ‘’Avaliação Focalizada com Sonografia para Trauma’’), da Tomografia Computadorizada (TC) e da Ressonância Magnética. FAST Exame rápido e eficaz para encontrar fluído livre na cavidade. Em diversos estudos buscando avaliar a sensibilidade do exame, foi encontrado uma variação entre 73% a 99%. Stengel et al, em 2005, realizou uma meta-análise de 62 trabalhos (gerando um total de mais de 18 000 pacientes) usando o FAST identificou uma sensibilidade aproximada de 78,9% e especificidade de 99,2%, reforçando a utilidade deste exame no contexto do trauma. As quatro janelas (Figura 10.2) utilizadas na avaliação são: cardíaca ou pericárdica, hepatorrenal ou quadrante superior direito, esplenorrenal ou quadrante superior esquerdo e, por fim, pélvica ou suprapúbica. Figura 10.2 – Posicionamento do transdutor para avaliação do FAST. Em traumas penetrantes devese realizar a posição 1 (cardíaca) primeiro, devido o risco de tamponamento cardíaco. Nos traumas abdominais fechados deve-se realizar a posição 2 (hepatorrenal) primeiro, pois é usualmente a mais sensível para identificação de hemoperitônio. Fonte: WILLIAMS; PERERA; GHARAHBAGHIAN, 2014.
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Os sinais de lesão esplênica observados pelo FAST são uma margem hipoecóica ao redor do baço, o que pode representar: fluido subcapsular, fluido intraperitoneal periesplênico ou fluido na bolsa de Morrison (espaço hepatorrenal).
Figura 10.3 – (A) Visualização normal da janela esplenorrenal. O baço está sendo apontado pela seta amarela e o rim esquerdo pela seta azul. (B) Visualização patológica da janela esplenorreal. A seta vermelha está apontando para fluído livre na cavidade próximo ao baço em paciente vítima de trauma abdominal. Fonte: WILLIAMS; PERERA; GHARAHBAGHIAN, 2014.
Por fim, cabe ainda ressaltar a utilização do E-FAST (um acrônimo da língua inglesa que pode ser traduzido como ‘’Avaliação Focalizada com Sonografia para Trauma Estendida’’) na avaliação torácica, principalmente para detecção de hemotórax e pneumoperitônio. A avaliação do hemotórax utiliza duas janelas da avaliação abdominal (esplenorrenal e hepatorrenal) com uma maior atenção para as estruturas acima do diafragma. Alguns estudos sugerem que a sensibilidade do E-FAST na avaliação do hemotórax é superior que a radiografia de tórax. A avaliação do pneumotórax é através de uma janela transtorácica, preferencialmente usando um transdutor linear, no segundo espaço intercostal na linha hemiclavicular. Tal qual o hemotórax, alguns estudos sugerem uma maior sensibilidade do E-FAST para diagnosticar o pneumotórax do que a radiografia de tórax. Tomografia Computadorizada No contexto do trauma, a investigação utilizando a TC costuma cogitar a utilização do contraste intravenoso. A não utilização de contraste pode fornecer uma boa quantidade de informações acerca da condição abdominal, porém possui uma baixa sensibilidade para lesões parenquimatosas e não consegue estabelecer com precisão a presença de sangramento ativo. Quando utilizado o contraste, há um aumento na capacidade diagnóstica da TC (sendo considerado o padrão-ouro com sensibilidade e especificidade próximas a 96 100%).
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Quadro 10.2 – Achados indicativos de Lesão Esplênica na TC Achados
Descrição
Hemoperitônio
Coleções de fluído ao redor do baço são bastante sugestivas de hemoperitônio. Lacerações esplênicas com sangramento acelerado podem causar um sangramento abundante no abdômen.
Hipodensidade
Regiões hipodensas podem representar áreas de ruptura do parênquima, hematoma intraparenquimatoso ou hematoma subcapsular.
Extravasamento de Contraste
Extravasamento ativo do contraste indica sangramento ativo e necessita de intervenção rápida. Também conhecido como ‘’Blush vascular’’.
Ressonância Magnética A indicação da Ressonância Magnética está reservada a duas principais condições: 1 - Pacientes estáveis hemodinamicamente, em que foi realizada uma TC e encontrado lesão esplênica indeterminada; 2 – Pacientes que não podem realizar uma TC devido complicações intrínsecas da tomografia (alergia ao contraste e elevado risco de nefropatia induzida por contraste, por exemplo). Avaliação da Extensão da Lesão A American Association for the Surgery of Trauma (AAST) criou uma escala para a graduação progressiva da lesão esplênica que varia de um até cinco, onde quanto mais elevado é o grau, mais graves são as lesões (Quadro 10.3). Apesar de amplamente utilizada, essa classificação só leva em analisa alterações anatômicas, desconsiderando as alterações hemodinâmicas. Com base nisso, a World Society of Emergency Surgery (WSES) propõem uma classificação (Quadro 10.4) para adultos e crianças que leve em consideração a classificação da AAST associado com o estado hemodinâmico. Quadro 10.3 – Escala de lesão esplênica da AAST Grau I II
Descrição da Lesão - Hematoma: subcapsular, não expansiva, < 10% da área superficial. - Laceração: rotura capsular, sem sangramento, < 1 cm de profundidade do parênquima. – Hematoma: subcapsular, 10–50% da superfície, intraparenquimatoso <5 cm. – Laceração: 1 cm a 3cm de profundidade no parênquima. Não compromete vasos trabeculares.
IV
- Hematoma: Subcapsular, >50% área de superfície ou expandindo. Ruptura Subcapsular ou hematoma parenquimatoso. Hematoma Intraparenquimatoso >5 cm. - Laceração: ≥ 3 cm de profundidade parenquimatosa ou envolvendo vasos trabeculares. - Laceração: Laceração de vasos segmentares ou hilares produzindo maior desvascularização (>25% do baço).
V
- Laceração: Completo esmagamento do baço. - Vascular: Desvascularização esplênica por lesão vascular hilar.
III
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Quadro 10.4 – Classificação de Trauma Esplênico Adulto e Pediátrico com base na WSES Classe
AAST
WSES I
I-II
Estado Hemodinâmico Estável
WSES II
III
Estável
WSES III
IV-V
Estável
WSES IV
I-V
Instável
Tratamento das Lesões O tratamento de pacientes com trauma esplênico visa restaurar a homeostasia e a fisiologia dos indivíduos, considerando os modernos métodos de abordagem do sangramento e a avaliação do estado hemodinâmico do paciente. No final do capítulo colocaremos a Figura 10.4 e a Figura 10.5, onde será apresentada de forma sucinta a progressão terapêutica do trauma esplênico. Pacientes Estáveis Hemodinamicamente Em pacientes estáveis hemodinamicamente há a possibilidade de iniciarmos o tratamento não cirúrgico (TNC), modalidade que está sendo cada vez mais utilizadas nos centros de trauma. A justificativa para a utilização do tratamento não cirúrgico é baseada na premissa que salvando tecido esplênico funcional há uma maior chance de evitar as complicações associadas ao procedimento cirúrgico, tais como o procedimento cirúrgico, riscos de infecção e sepse pós-esplenectomia. Atualmente o manejo não cirúrgico abrange tanto a observação clínica do paciente quanto a utilização de técnicas de embolização. Diversos estudos apontam que essa modalidade terapêutica pode manejar 50% a 80% dos casos de trauma esplênico, principalmente nos pacientes com baixo grau de lesão apresentando cerca de 10% de taxa de falha. Com base nisso, o TNC deve ser escolhido sempre que possível. Ao encontrar o paciente, deve-se realizar uma rápida avaliação clínica, buscando sinais de complicações circulatórias e/ou neurológicas. Uma radiografia de tórax e uma avaliação ultrassonográfica abdominal devem ser realizadas enquanto se inicia a monitorização e ressuscitação volêmica do paciente. A avaliação da fluido responsividade (resposta circulatória positiva à infusão de volume) é essencial para estabelecer se haverá necessidade ou não de intervenção cirúrgica. Após esta avaliação e determinação da estabilidade, uma tomografia computadorizada com contraste intravenoso deve ser executada na maior parte dos pacientes (praticamente exceto apenas em pacientes com contraindicações ao exame). A TC abdominal e torácica deve ser realizada após a TC de cabeça e pescoço. Com a avaliação radiológica será possível combinar a escala de lesão esplênica AAST (Quadro 10.3) com a situação circulatória do paciente para estabelecer as classes WSES (Quadro 10.4). Classes WSES I, II e III po-
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dem ser conduzidas de forma não cirúrgica, enquanto pacientes com classificação WSES IV deve ser encaminhados para a cirurgia imediatamente (Figura 10.4 e 10.5). Dessa forma, sempre que não houver critérios que indiquem o tratamento cirúrgico (classificação WSES IV, presença de extenso hemoperitônio, sinais de choque grave à admissão, necessidade de transfusão de um ou mais concentrados de hemácias e presença de lesão cerebral traumática, por exemplo) deve-se realizar o TNC. Os fatores que contribuem para o sucesso do manejo conservador são o monitoramento contínuo dos sinais vitais, reavaliações seriadas do paciente e possibilidade de transfusão quando necessário. Além disso, o hospital deve ter fácil acesso à tomografia computadorizada com administração de contraste intravenoso e cobertura 24 horas de radiologia intervencionista. Se o hospital não for capaz de atender a esses requisitos, a terapia conservadora deve ser evitada em comparação à cirurgia nos casos em que há dúvida acerca da conduta. Ainda no contexto da abordagem não cirúrgica, devemos ressaltar a participação da angiografia com embolização da arterial esplênica no manejo do trauma esplênico. Diversos estudos apontam que a utilização desta técnica aumenta consideravelmente as taxas de salvamento de baços lesionados. A taxa de sucesso reportada com o TNO associado à angiografia varia de 86% a 100%. Em um grande estudo multicêntrico, que recrutou 10.000 pacientes, encontrou que a utilização desta técnica está associada a redução no risco de esplenectomia e que quanto mais precocemente é realizada, menor foi o número de pacientes submetidos a esplenectomia. De acordo com a OLFTHOF et al. (2013), as indicações para a utilização da embolização arterial esplênica são: evidências de extravasamento do contraste, pseudoaneurisma ou fístula arteriovenosa, elevados graus de lesão com base na AAST, hemoperitônio maciço e traumas múltiplos graves. A WSES define que, em adultos, classes I e II podem considerar a utilização se houver extravasamento de contraste na TC ou em casos de aneurisma precoce. Em adultos com classificação III prosseguem com a angiografia e posteriormente avaliar sua eficácia, mudando para conduta cirúrgica caso seja ineficaz. Na faixa pediátrica, classes WSES I, II e III deve-se considerar a utilização da angiografia com base nos resultados obtidos na TC e avaliação clínica do paciente. A utilização da embolização proximal em relação à distal atualmente tem encontrado melhores resultados. O material utilizado para embolizações utilizando Coils está alcançando uma maior taxa de sucesso que as esponjas de gelatina (Gelfoam®). Apesar das vantagens do TNC, é preciso orientar o paciente acerca algumas condições. Todos os pacientes tratados de forma não operatória são aconselhados a não praticar esportes durante pelo menos dois a três meses e evitar esportes de contato por mais três meses. Além disso, são orientados a procurar atendimento médico imediato caso sintam dor abdominal súbita. Por fim, é preciso estar ciente do considerável número de pacientes que desenvolvem sangramento secundário após tentativas de tratamento inicialmente conservador.
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Os riscos da terapia conservadora incluem: hemorragia tardia, infecções, necessidade de transfusão de sangue e não identificação de outras lesões intra-abdominais. Cerca de 90% das rupturas esplênicas secundárias ocorrem dentro de dez dias após o trauma inicial. Rupturas secundárias após mais de duas semanas do trauma são raras. Na literatura é possível identificar fatores que predizem falha do tratamento não operatório, são eles: instabilidade hemodinâmica, doença esplênica preexistente, idade superior a 55 anos, grau da lesão e extensão do hemoperitônio. As desvantagens do TNC incluem risco aumentado de lesão oculta, principalmente lesão de vísceras oca, doença relacionada à eventual transfusão e, quando usadas, os riscos adicionais associados às técnicas de embolização. Além disso, a identificação precoce de pacientes de alto risco para falha na terapia conservadora (eventualmente exigindo intervenção ou esplenectomia tardia) é essencial, uma vez que atraso no reconhecimento e no tratamento de rupturas esplênicas tardias leva ao aumento da morbimortalidade e dos recursos utilizados. Pacientes Instáveis Hemodinamicamente O tratamento cirúrgico está indicado para pacientes instáveis ou pacientes estáveis, porém sem o acesso à angiografia/angioembolização ou quando não há possibilidade de realizar um monitoramento intensivo. O insucesso das abordagens não cirúrgicas também indica o tratamento cirúrgico. Na preparação pré-operatória do paciente, devemos nos preparar com pelo menos quatro bolsas de sangue, deixando-as disponíveis para a possível necessidade de transfusão. Um protocolo de transfusão maciça deve estar disponível imediatamente caso o paciente fique gravemente instável. Além disso, devemos realizar antibioticoprofilaxia para diminuir as chances de infecção de sítio cirúrgico. Na cirurgia do trauma de emergência, a seleção farmacológica segue uma lógica semelhante a das cirurgias eletivas com a administração de cefalosporinas de primeira geração (Cefazolina, por exemplo). Se houve suspeita ou confirmação de contaminação intestinal, deve-se cobrir também micro-organismos anaeróbicos com Metronidazol ou uma geração mais elevada de cefalosporinas. Na laparotomia exploratória deve-se realizar uma investigação de toda a cavidade abdominal, incluindo todas as estruturas intraperitoneais e a exploração da porção do retroperitônio compatível com o mecanismo da lesão. A incisão a ser utilizada deve ser a mediana, pois esta permite uma ampla visualização da cavidade abdominal e é rapidamente executada. Realiza-se a incisão através da pele, subcutâneo e linha alba, deixando, momentaneamente, o peritônio intacto. Nesse momento, a equipe cirúrgica e anestésica deve estar preparada para a perda de sangue assim que a cavidade peritoneal for adentrada. Assim que adentrar a cavidade peritoneal, deve-se iniciar a drenagem de sangue abdominal e retirada de coágulos, enquanto se divide mentalmente o abdome em 4 quadrantes, buscando avaliar o local de maior extravasamento sanguíneo, o qual poderá ser controlado por compressão direta. Após a utilização da compressa para conter o sangramento mais abundante, deve-se colocar compressas nos demais quadrantes abdominais, as
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quais serão retiradas posteriormente a partir do local de menor probabilidade de origem do sangramento. No caso de sangramento ativo do baço, podem-se colocar quatro compressas ao redor do órgão (entre o diafragma e o baço, entre a parede abdominal lateral e o baço, entre a flexura esplênica e o baço e na porção anterior do baço) criando um ambiente bem mais favorável ao tamponamento do sangramento. Nesse momento deve ser decidido entre as técnicas de intervenção parcial (esplenectomia parcial e esplenorrafia - cabe ressaltar que a esplenorrafia foi praticamente abandonada na cirurgia de trauma devido ao risco de agravar a lesão) ou total (esplenectomia total). Esta decisão é feita com base no grau da lesão, na presença de lesões associadas, na condição geral do paciente e na experiência do cirurgião. O pequeno risco futuro de sepse fulminante pós-esplenectomia precisa ser equilibrado com o risco mais significativo de hemorragia recorrente na esplenectomia parcial. Além disso, a utilização da esplenectomia total possui a vantagem de ser mais apropriado em pacientes que necessitam de tratamento cirúrgico urgente de outras lesões importantes, fato que impede o tempo adicional necessário para uma maior preservação esplênica. Por fim, lesões menos graves que anteriormente seriam conduzidas com uma intervenção cirúrgica parcial atualmente estão sendo conduzidas por meio do TNC utilizando as avaliações seriadas e angiografia com angioembolização. Para realizar a mobilização esplênica, precisaremos seccionar os ligamentos que circundam o baço (Figura 10.1). Os ligamentos laterais (esplenofrênico e esplenorrenal) são os primeiros a serem seccionados. Uma maneira de fazer isso é colocando a mão esquerda sobre a superfície diafragmática do baço, girando-a gradual e cuidadosamente e elevando-a medialmente enquanto disseca o plano entre o pâncreas e o rim (utilizando uma tesoura de Metzenbaum, por exemplo). Após isso, O ligamento gastrosplênico é dividido e os vasos gástricos curtos contidos nele devem ser fixados, divididos e suturados. Por fim, o ligamento esplenocólico é dividido para completar a mobilização do baço. Após a liberação do baço, a artéria e a veia esplênica no hilo são isoladas. Cada vaso deve ser ligado de forma individual e dividido, objetivando diminuir as chances de uma possível fístula arteriovenosa. Pela íntima relação entre a cauda do pâncreas e o hilo esplênico, deve-se ter bastante cuidado na manipulação dos vasos hilares, buscando sempre evitar lesionar tecido pancreático. Sempre que houver suspeita acerca da lesão pancreática, recomenda-se colocar um dreno na cavidade abdominal e realizar monitoração de uma possível formação de fístula pancreática. Esta é a única indicação de utilização de drenagem cavitária no contexto do trauma esplênico. Na literatura, apesar de bem conceituada nas cirurgias eletivas, a esplenectomia laparoscópica no contexto do trauma é relatada, apenas, em alguns selecionados casos de lesões esplênicas de baixo a moderado grau e em pacientes com estabilidade hemodinâmica onde há mínimo sangramento. Uma das maiores dificuldades da abordagem laparoscópica é a visualização dificultosa ocasionada pelo sangramento do trauma (tornando complexa a avaliação da cavidade) e a hipotensão ocasionada pela diminuição do retorno venoso proporcionada pelo pneumoperitônio.
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O relato de mortalidade hospitalar geral por esplenectomia em trauma é próximo de 2% e a incidência de sangramento pós-operatório varia entre 1,6 a 3%, mas com mortalidade próxima de 20%.
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Figura 10.4 – Conduta do trauma esplênico em pacientes adultos. Adaptado de: DA SILVA, P. A. P. et al, 2018.
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Figura 10.5 – Conduta do trauma esplênico em pacientes pediátricos. Adaptado de: DA SILVA, P. A. P. et al, 2018. Referências BASSO, N. et al. Laparoscopic splenectomy for ruptured spleen: lessons learned from a case. Journal of Laparoendoscopic & Advanced Surgical Techniques, v. 13, n. 2, p. 109-112, 2003. BHULLAR, I. S. et al. Selective angiographic embolization of blunt splenic traumatic injuries in adults decreases failure rate of nonoperative management. Journal of Trauma and Acute Care Surgery, v. 72, n. 5, p. 1127-1134, 2012.
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Tr aumaI nt est i nal
CAPÍ TULO
-JoséAi r t onLopesFi l ho. -Rami r oRol i m Net o. -Fábi oAugust oXer ezMot a. -Mar i aSt el l aVasconcel osSal es Val ent e. -JoséW al t erFei t osaGomes.
O trauma intestinal é o sofrimento resultante de lesões à parede abdominal, atingindo intestino delgado, cólon e reto, podendo ser de origem mecânica, química, elétrica ou irradiação. As lesões traumáticas em geral, são divididas em dois grandes grupos: (1) lesões fechadas ou contusas, quando a lesão mantém a integridade da pele e (2) lesões abertas, quando há descontinuidade do tecido. Ambas tendo sua natureza e gravidade dependendo do mecanismo de trauma. O paciente com trauma de vísceras ocas, além da possibilidade de sangramento e instabilidade hemodinâmica, mais comum nas lesões de órgãos sólidos, também apresenta como particularidade a liberação de suco gastrointestinal, bile e fezes, predispondo o paciente à peritonite e a complicações infecciosas pós-cirúrgicas. O sucesso da abordagem ao trauma é regido pela eficiência da avaliação inicial, permitindo um diagnóstico rápido para que o tratamento seja oportuno e preciso. O presente capítulo vai abordar quais condutas seguir frente às lesões de vísceras ocas, sendo a lesão duodenal e gástrica melhor descrita no Capítulo 07 - Trauma gástrico e duodenal. Anatomia do Intestino Delgado O intestino delgado têm aproximadamente 6 a 7 metros, sendo anatomicamente dividido em três partes: duodeno, jejuno e íleo. A primeira parte do duodeno é intraperitoneal, juntamente com o jejuno e íleo, e os dois terços finais são retroperitoneais. O jejuno é a continuação direta do duodeno, tem seu início determinado pelo ligamento de Treitz e não tem estrutura específica delimitando seu fim e início do íleo. Considera-se que os 2/5 proximais do intestino delgado constituem o jejuno, enquanto o íleo corresponde os 3/5 distais. Diferentemente do que ocorre com o íleo, o jejuno é mais calibroso e mais vascularizado (portanto mais vermelho no vivo). As paredes do jejuno são também mais espessas em virtude da presença de pregas circulares proeminentes, que no íleo são mais esparsas e atenuadas. Este fato evidencia-se nas radiografias, onde o jejuno aparece muito pregueado e o íleo com um contorno mais liso e uniforme. Ambos, jejuno e íleo, são ligados à borda livre do mesentério, que os mantém acoplados à parede abdominal posterior desde a altura da junção duodenojejunal até terceira vértebra lombar. Conhecer o mesentério é fundamental para entender a vascularização e a inervação do intestino delgado, pois ele contém suas artérias, veias, linfonodos e nervos. O mesentério jejunal tende a ter mais tecido adiposo que o ileal e suas arcadas vasculares mais longas e em menor quantidade. O mesentério do íleo possui arcadas vasculares mais curtas, mas em maior quantidade (Figura 11.1). Ambos são irrigados por ramos da artéria mesentérica superior (AMS), que têm origem na aorta abdominal e drenados por veia mesentérica, que se une à veia esplênica e posteriormente compondo a veia porta, próximo ao início do corpo pancreático. Os linfonodos mesentéricos podem ser visíveis e palpáveis em indivíduos com menos tecido adiposo e são drenados para o linfonodo préaórtico, próximo a origem da AMS.
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Figura 11.1 – Desenho esquemático contendo as principais artérias e veias do trato gastrointestinal. Vinho, tronco celíaco; laranja, artéria mesentérica superior; rosa, artéria mesentérica inferior; azul claro, veia porta do fígado; verde, veia esplênica; roxo claro, veia mesentérica superior e roxo escuro, veia mensetérica inferior. Fonte: LIMA; LIMA NETO; DE MESQUITA JÚNIOR, 2020. Anatomia do Cólon e do Reto O cólon têm aproximadamente 1,5 metros e é anatomicamente dividido em 4 segmentos: ascendente, transverso, descendente e sigmóide. Macroscopicamente, tem como característica a presença de 3 faixas longitudinais, chamadas tênias, e possui pregas semilunares que se formam na superfície interna através de contrações musculares, as quais, externamente, são denominadas de haustrações ou haustras. Os segmentos ascendente e descendente são retroperitoneais e estão aderidos à parede abdominal posterior, enquanto o transverso e o sigmóide são intraperitoneais e estão suspensos pelo mesocolo transverso e sigmóide, respectivamente. O reto é a continuação direta do sigmóide, têm aproximadamente 15 cm e possui três pregas semilunares. Duas pregas estão localizadas à esquerda, distando cerca de 7 e 12 cm da margem anal, respectivamente, e a outra prega está localizada à direita, em torno de 8 a 9 cm da margem anal, utilizada como referência endoscópica da reflexão peritoneal (fundo de saco de Douglas) e, portanto, como limite entre os retos intraperitoneal e extraperitoneal.
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O cólon e o reto são irrigados pela artéria mesentérica superior, artéria mesentérica inferior, artéria ilíaca interna. A drenagem venosa, em geral, segue a arterial. Avaliação do Trauma Os mecanismos de trauma intestinal podem ser por lesões contusas (ex: acidentes automobilísticos e quedas) e lesões abertas (ex: ferimento por arma branca ou arma de fogo). O trauma intestinal contuso é aquele em que o agente causador têm seu dano desferido à parede abdominal, mantendo a integridade da pele, e internamente é transferido, atingindo as vísceras. As contusões chegam a representar 1% de todas as internações hospitalares, e suas principais etiologias são os acidentes automobilísticos (70%), os golpes físicos (17%) e as quedas acidentais (6%). Já o trauma intestinal aberto, ocorre quando há rompimento da pele, sendo ainda classificado em penetrante (viola o peritônio) e não penetrante (não viola o peritônio). Usualmente, os ferimentos abdominais abertos são causados por armas de fogo ou armas brancas, e a violação de peritônio ocorre em 20 a 80% dos casos. Intestino Delgado As lesões de intestino delgado representam a maioria dos traumas abdominais penetrantes devido ao seu volume de ocupação abdominal, com aproximadamente 80% dos casos, sendo mais prevalentes os ferimentos por arma de fogo (FAF) quando comparados aos ferimentos por arma branca (FAB) até 20%. As lesões contusas são mais incomuns, cerca de 20%, entretanto são encontradas em traumas com grande energia cinética como acidentes automobilísticos de alta velocidade, tendo íntima relação com a região de contato com o cinto de segurança e podendo estar associada à fratura transversa de coluna lombar (fratura de Chance). O desaceleramento brusco causa injúria por estiramento dos pontos de fixação, como ligamento de Treitz e a região ileocecal. Além disso, a lesão de mesentério ocorre em 1 a 5% dos traumas contusos, o que pode agravar o quadro por possível hemorragia grave ou isquemia de segmento. Cólon e Reto O cólon é o segundo órgão mais acometido em lesões penetrantes, e devido a sua localização, mobilidade e extensão, o trauma colônico está presente em até 25 a 41% dos FAF e em 5 a 20% dos FAB que acometem o abdome. As lesões contusas, bem como no intestino delgado são menos comuns, em torno de 2 a 5% dos casos. As lesões contusas também tendem a acontecer nos locais de maior mobilidade como o cólon sigmóide e a válvula ileocecal. A maioria dos traumas fechados colônicos se dá por acidentes veiculares, entretanto também há a possibilidade de lesão transanal e iatrogênica, que podem ser causadas por atividades sexuais ou procedimentos colonoscópicos.
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Quadro 11.1 - Incidência Do Trauma Intestinal Por Mecanismo Mecanismo
Intestino Delgado
Cólon
Reto* Extraperitoneal
Ferimentos por projétil de arma de fogo
80%
75%
80%
Ferimentos por arma branca
80%
20%
<3%
Trauma Contuso
20%
5%
10%
* 6% das lesões retais são transanais (erotismo, intercusto e iatrogenia).
Deve-se ressaltar que, as lesões penetrantes (com foco no FAF) que atingem os glúteos, a região abaixo das cristas ilíacas ântero-superiores ou o períneo, possuem alta possibilidade de acometimento retal. Além das etiologias usuais do trauma retal, outro caso menos prevalente, porém de elevada importância, são as contusões por fratura de bacia. Conduta Inicial e Avaliação A conduta inicial do trauma em geral deve ser feita de maneira sistemática, priorizando a vitalidade do paciente, sendo mais bem discutida no Capítulo 01 - Atendimento Inicial ao Paciente Politraumatizado. A seguir, serão discutidas as condutas referentes ao trauma intestinal. Pacientes hemodinamicamente instáveis devem imediatamente ser direcionados para sala cirúrgica para intervenção e avaliação. Já os pacientes que chegam hemodinamicamente estáveis, devem ser submetidos ao Focused Assessment with Sonography for Trauma (FAST) ou à lavagem peritoneal diagnóstica (LPD), que serão discutidos mais adiante. História e exame físico A história e o exame físico do paciente são imprescindíveis para uma boa avaliação e condução do caso. Ambos, junto à ciência do mecanismo de trauma, podem sinalizar a possível gravidade, estruturas acometidas e complicações. O paciente traumatizado geralmente apresenta dor abdominal, entretanto não é um sintoma específico, logo a inspeção da parede abdominal deve ser bem detalhada buscando por sinais indicativos, mas também não específicos, de trauma intestinal como equimoses, dor à palpação, distensão abdominal ou sinais de irritação peritoneal. Entretanto o fato de não encontrar tais sinais diminui significativamente a chance de achar um trauma grave. Os pacientes vítimas de trauma intestinal que não têm lesão perfurativa, quando comparado aos traumas contusos, tendem a ter uma prevalência muito maior de dor à palpação (Quadro 11.2). Além disso, quanto à distensão abdominal e aos sinais de irritação peritoneal, foi registrada uma prevalência de, respectivamente, 4% e 10%.
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Quadro 11.2 – Prevalência de dor à palpação Tipo de lesão
Prevalência de dor à palpação
Perfurativo
72%
Não perfurativo
53%
Sem lesão do intestino
23%
Métodos diagnósticos auxiliares Diante da inespecificidade dos sinais clínicos e radiológicos, de modo geral, alguns dos métodos diagnósticos mais utilizados na emergência incluem a tomografia computadorizada (abordada adiante), o Lavado Peritoneal Diagnóstico (LPD) e o exame ultrassonográfico “Focused Assessment with Sonography for Trauma” (FAST). No FAST, à presença de líquido livre na cavidade, espessamento da parede intestinal ou presença de pneumoperitônio podem indicar lesão de víscera oca ou parenquimatosa. O LPD, apesar de mais sensível, possui maior risco de complicações com lesões de vísceras ao procedimento, além de probabilidade de falso positivo ou negativo. Assim, deve-se utilizar TC, FAST ou LPD (Quadro 11.3, 11.4 e 11.5) junto à história clínica e exame físico, uma vez que nenhum método atual, isoladamente, é suficiente para definir o diagnóstico. Os pacientes que não apresentem algum dos sinais apresentados, geralmente não têm lesão intestinal. Quadro 11.3 – Lavado Peritoneal Diagnóstico no Trauma Intestinal Vantagens
Desvantagens
Indicações
- Procedimento rápido. - Detecta injúria de alça intestinal. - Sem necessidade de transportar o paciente
- Invasivo - Risco de injúria durante o procedimento - Não repetível - Baixa especificidade - Interfere na interpretação de TC ou FAST subsequentes - Requer descompressão gástrica ou urinária para prevenir complicações - Pode não captar lesões diafragmáticas
- Trauma abdominal contuso com alterações hemodinâmicas - Trauma abdominal penetrante sem indicações para laparotomia imediata
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Quadro 11.4 – FAST no Trauma Intestinal Vantagens
Desvantagens
Indicações
- Não invasivo - Procedimento rápido - Sem necessidade de transportar o paciente - Repetível
- Operador dependente - Gás intestinal ou subcutâneo pode distorcer as imagens - Pode não captar lesões diafragmáticas, de alças intestinais e pancreáticas - Não visualiza completamente estruturas retroperitoneais - Não visualiza ar extraluminal
- Trauma abdominal contuso com alterações hemodinâmicas - Trauma abdominal penetrante sem indicações para laparotomia imediata
Quadro 11.5 – Tomografia Computadorizada no Trauma Intestinal Vantagens
Desvantagens
Indicações
- Diagnóstico anatômico - Não invasivo - Visualiza: estruturas retroperitoneais, osso e ar extraluminal - Repetível
- Alto custo - Procedimento demorado - Exposição à radiação e ao contraste IV - Pode não captar lesões diafragmáticas, de alças intestinais e pancreáticas - Com necessidade de transportar o paciente
- Trauma abdominal contuso ou penetrante sem alterações hemodinâmicas - Trauma penetrante em flancos e dorso sem indicações de laparotomia imediata
Diagnóstico O diagnóstico definitivo de lesão intestinal, geralmente ocorre intra-operatório, principalmente nas lesões abertas, onde, comumente os pacientes já apresentam sinais de irritação peritoneal ao exame físico, sendo encaminhados imediatamente à laparotomia exploratória. Deve-se atentar para a rapidez ao estabelecer o diagnóstico, pois seu atraso é responsável direto pelo aumento da morbimortalidade desses pacientes, sendo o exame físico o mais importante instrumento para diagnosticar lesões que necessitem intervenção imediata. Entretanto, em pacientes hemodinamicamente estáveis, com trauma contuso e sem sinais de peritonite, os exames de imagem são importantes na decisão de explorar o abdômen. Intestino Delgado O diagnóstico de lesão de intestino delgado pode ser difícil em situações de trauma contuso, uma vez que o exame físico é pouco específico nas primeiras horas. Os principais exames de imagem auxiliares incluem a tomografia computadorizada (TC), com alta sensibilidade, variando de 64 a 95% e com acurácia de 80 a 90%; e o FAST, que pode ser realizado na própria sala de emergência, entretanto seu valor preditivo para lesões de intestino delgado é de 38%, além de ser operador dependendente. A LPD também pode ser
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utilizado, sendo bastante sensível, entretanto inespecífica e passível de complicações como lesões e de vísceras e resultados falsos positivos ou negativos. Ao proceder com os exames, é possível ver sinais que são indícios de lesão intestinal, mesmo que não possamos ver a lesão propriamente dita (Figura 11.2). Esses sinais são presença de líquido livre sem lesão de órgão sólido, densificação focal da gordura do mesentério, pneumoperitônio, espessamento da parede intestinal, extravasamento de contraste oral para a cavidade abdominal e descontinuidade da parede intestinal.
Figura 11.2 - Trauma abdominal fechado com lesão da transição jejuno-ileal. TC do abdome com contraste iodado endovenoso evidencia em (1) seta branca: pequena bolha de pneumoperitônio e (2) seta azul: densificação da gordura mesentérica adjacente ao segmento lesado do intestino delgado que está com paredes espessadas. Fonte: ARAÚJO, 2014.
Em geral, o diagnóstico bem sucedido em lesões não evidentes vão necessitar uma criteriosa avaliação considerando tanto os achados clínicos, como história do trauma e exames complementares. Cólon e Reto Intraperitoneal O diagnóstico do trauma colônico é baseado principalmente no exame físico, buscando por sinais de peritonite e dor à palpação superficial. O exame retal é rotineiramente realizado em traumatizados e a presença de sangue vivo à luva pode ser indicativo de lesão colorretal, porém devido à baixa sensibilidade, não é recomendada na triagem de traumas de cólon e reto. Bem como já foi visto, a clínica pode demonstrar sinais bastante inespecíficos, sendo a TC um importante aliado, com sensibilidade de 91% e especificidade de 96%, devendo-se buscar os mesmos sinais radiológicos já discutidos no trauma de intestino delgado. Entretanto o pneumoperitônio é encontrado em apenas 50% dos casos e a presença de contraste extra-luminal menor ainda, apenas 19% deles. Reto Extraperitonial Quanto a parte extraperitoneal do reto, durante o exame físico, deve-se atentar aos sinais de suspeição para lesão retal ou do aparelho esfincteriano como dor na fossa Página 161
ilíaca esquerda, irritação peritoneal, hematúria, hematoquezia, e, ao toque retal, é importante à procura de sangramento e espículas ósseas, embora a ausência destes não exclua o diagnóstico de trauma retal. Está indicada a realização de retossigmoidoscopia se houver suspeita de ferimento de reto, porém é indisponível em diversos serviços, diferente da radiografia simples da pelve, que, apesar de menos específica, possui maior disponibilidade e pode revelar sinais tênues mas essenciais em lesões contusas, como a presença de gás livre, relacionado ou não a fraturas ósseas, na pelve. Geralmente, a retossigmoidoscopia ou a TC são realizadas após radiografia de pelve se houver a presença de algum dos achados descritos, as quais, na fase aguda, demonstram hiperdensidade em tecidos pélvicos com ou sem gás associado. Quando a TC é realizada com contraste, evidencia-se escapes ou "borramentos" do contraste se houver lesões. Exames menos utilizados são a uretrocistografia retrógrada, restrita aos casos de hematúria macroscópica, e ressonância magnética, apenas se histórico de infecções urinárias de repetição, pneumatúria ou fecalúria a qual confirma a presença de uma fístula retovesical, caso não diagnosticada anteriormente o trauma nesta região. Classificação do Trauma As classificações têm como objetivo a compreensão e a comunicação do médico, além de auxiliar a padronização terapêutica. O Quadro 11.6 aponta a classificação da lesões intestinais segundo a American Association for the Surgery of Trauma (AAST). As lesões em escala correspondem a um meio prático de guiar as decisões de abordagem principalmente quanto ao reparo primário ou ressecção da lesão. Quadro 11.6 – Classificação das Lesões Intestinais Estrutura
Intestino Delgado
Grau
Descrição
AIS-90 score
I
Hematoma ou laceração apenas de espessura parcial
2
II
Laceração < 50% da circunferência
3
III
Laceração > 50% da circunferência sem ruptura
3
IV
Laceração com ruptura
4
V
Laceração com ruptura e perda tecidual ou desvascularização
4
Continuação do Quadro 11.6
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Cólon
RetoSigmóide e Eeto
I
A) contusão ou hematoma, sem desvascularização B) laceração de espessura parcial
2
II
Laceração <= 50% da circunferência
3
III
Laceração > 50% da circunferência sem transecção
3
IV
Transecção do cólon
4
V
Transeccao do cólon, com perda segmentar de tecido
4
I
A) contusão ou hematoma, sem desvascularização B) laceração de espessura parcial
2
II
Laceração <= 50% da circunferência
3
III
Laceração > 50% da circunferência sem transecção
4
IV
Laceração com extensão ao peritônio
5
V
Desvascularização de um segmento
5
AIS: Abbreviated Injury Scale - Seu valor é diretamente proporcional à mortalidade.
Tratamento Como já visto, os pacientes com fortes indícios clínicos de trauma intestinal devem ser submetidos à laparotomia exploradora, bem como os pacientes com indicações absolutas de cirurgia imediata: instabilidade hemodinâmica, sinais de peritonite, ou achados de imagem que condizem com lesão intestinal. Conduta Operatória Quando a lesão intestinal é confirmada na laparotomia exploratória, a lesão pode seguir duas vertentes principais: (1) reparo primário, que consiste na sutura primária da lesão ou segmentectomia seguida de anastomose sem derivação; ou a própria (2) derivação intestinal. A decisão vai depender do estado clínico do paciente, da gravidade, do tipo e da extensão da lesão, além da presença de trauma em outras vísceras. Os cuidados com o paciente traumatizado encaminhado para cirurgia iniciam com antibioticoprofilaxia e tromboprofilaxia, devido ao alto risco de infecção e eventos trombóticos nesse tipo de paciente. Deve-se seguir com uma incisão xifo-pubiana ampla, para que seja feita a detalhada exploração da cavidade abdominal buscando por contusões e lacerações. A busca por lesão deve ser feita em todo o intestino e mesentério, avaliando e marcando cada ponto de lesão, que só devem ter reparação definitiva após toda a exploração.
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O reparo ou ressecção da lesão de uma injúria vai depender do grau da lesão, da preservação da perfusão sanguínea, da presença de outras lesões e da clínica do paciente. A ressecção vai ser frequentemente necessária em casos de múltiplas lesões no mesmo segmento, além disso, indica-se ser feita imediatamente em casos de segmento infartado ou desvascularização. A aproximação primária dos dois segmentos pode ser feita na maioria das vezes, sem necessidade da criação de uma ostomia. Intestino Delgado A inspeção do intestino delgado deve começar a partir de sua evisceração. O ligamento de Treitz deve ser identificado e a inspeção deve ser feita seguindo todo o intestino até o ceco, em ambos lados e em pequenos segmentos. Deve-se atentar aos hematomas mesentéricos, ao intestino proximal e ao ileal distal, que por causa de sua anatomia, algumas lesões podem passar despercebidas. Para facilitar a visualização pode-se utilizar as manobras de Kocher e Cattel. Além disso, as manobras podem prover um reparo livre de tensão. As lesões de grau I e II devem ter reparo primário após debridação, feito em uma ou duas camadas, podendo ser sutura contínua ou interrompida. O reparo deve ser feito sem tensão, em orientação transversal, a fim de evitar estenose ou estreitamento do intestino. As lesões devem ser suturadas individualmente, entretanto quando houver múltiplas e muito próximas, que impeçam o fechamento adequado, pode-se combiná-las ou tratar como lesão de maior grau, fazendo a ressecção. As lesões de grau III, IV e V devem ser tratadas com ressecção da lesão e/ou segmento desvascularização. A anastomose deve ser também feita em uma ou duas camadas, interrompida ou contínua, tomando cuidado para não criar uma anastomose estreita ou estenosante. Além disso, é importante o desbridamento adequado dos tecidos não viáveis e a certeza de uma anastomose sem tensão antes do fechamento. Caso o paciente esteja hemodinamicamente instável ou necessite de princípios de contenção de danos, o intestino delgado deve ser rapidamente fechado ou ressecado para prevenir contaminação e a anastomose postergada. A reanastomose deve ser feita assim que paciente se torne estável, de preferência em 48 horas. Cólon e Reto Intraperitoneal Os cuidados gerais de reparo e anastomose, descritos nos segmento de intestino delgado, também servem para o cólon. As feridas não destrutivas de cólon são aquelas passíveis de reparo primário com desbridamento controlado, feita com qualquer tipo de fio, desde que seja de absorção lenta ou inabsorvível, em 1 ou 2 planos a critério do cirurgião. Essas lesões representam as lesões de grau I, II e III na escala da AAST, e estão menos associadas a complicações. Já as lesões destrutivas são aquelas que abrangem as lesões dos graus IV e V, que requerem ressecção de segmento devido a perda da integridade do cólon e/ou desvascularização devido a lesão mesentérica. Geralmente são resultantes de lesão por projétil em alta velocidade e ocasionalmente lesões contusas mais violentas.
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Reto Extraperitoneal (RCD) Inicialmente, deve-se caracterizar o grau de comprometimento do trauma retal, para melhor divisão da terapêutica. Assim, lesões até grau III, opta-se pela administração de antibióticos que cubram as bactérias anaeróbicas e gram-negativas, desbridamento e sutura (quando acessível) junto ou não de colostomia protetora, seguida de irrigação do reto distal para limpeza mecânica do conteúdo. Quando as lesões forem de grau IV ou V consistem nas medidas descritas acima mais cirurgias de maior porte, como a retossigmoidectomia. Estas cirurgias costumam ser evitadas até os traumas de grau III, o qual realiza-se apenas a sutura simples com ou sem limpeza do reto distal. Derivação Intestinal A anastomose primária após a ressecção geralmente é a conduta mais eficaz para a maioria dos pacientes, entretanto quando houver lesões mais graves ou pacientes que precisem de controle de danos, pode-se necessitar de derivações intestinais. As principais derivações em procedimentos de emergência são as ileostomias e colostomias em alça, além da colostomia à Hartmann, em que a escolha de cada uma varia da condição do paciente e da preferência do cirurgião. Complicações e Considerações Finais A incidência de complicações nas lesões intestinais varia entre 22 e 29%. Sendo as principais complicações sistêmicas: pneumonia, sepsis injúria renal e tromboembolismo. Já as complicações específicas incluem infecção de sítio cirúrgico abscesso e sepse abdominal. O atraso do diagnóstico de lesão de intestino delgado está significativamente associado com o aumento da taxa de morbidade. As lesões identificadas em até 24 horas tiveram taxa de 55%, enquanto as identificadas em até 8 horas tiveram de 8%. Além disso, é válido salientar que no trauma gastrointestinal, há uma maior incidência de complicação em pacientes que sofreram contusões de intestino delgado (29%), do que os não sofreram 13%. Referências ARAÚJO, R. O. M. B. de et al. Jejunum and ileum blunt trauma: what has changed with the implementation of multislice computed tomography?. Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, v. 41, n. 4, p. 278-284, 2014. CLEARY, R. K.; POMERANTZ, R. A.; LAMPMAN, R. M. Colon and rectal injuries. Diseases of the colon & rectum, v. 49, n. 8, p. 1203-1222, 2006. DEMETRIADES, D. et al. Penetrating colon injuries requiring resection: diversion or primary anastomosis? An AAST prospective multi-
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Tr aumaRenal , Vesi caleUr et er al
CAPÍ TULO
1 2
-Fr anci scoJoséCabr alMesqui t a. -Már ci aGr azi el l ySouzaVi ei r a. -EudesFont enel eMor aesPi nhei r o. -Kar l aRaf ael l ydeVasconcel os Cost a. -Rodr i goTeófil oPar ent ePr ado.
O trauma renal apresenta frequência importante, representando em torno de 10% das lesões em traumas abdominais. Aproximadamente 90% dos casos são decorrentes de traumas abdominais fechados principalmente quando envolve o mecanismo de desaceleração. Em relação ao sexo, homens com idade média de 30 anos são os mais predominantemente afetados. No geral, aproximadamente um quarto das lesões de órgãos sólidos é devido ao trauma renal. Os rins com malformações são mais suscetíveis a lesões. O manejo de lesões renais traumáticas evoluiu com o tempo, com uma ênfase crescente no manejo nãocirúrgico, principalmente nas lesões renais contusas. Avaliação do Trauma Os rins estão bem protegidos no retroperitônio. Dessa forma, uma força significativa é necessária para lesar o rim, por isso, é comum a associação com lesões em outros órgãos. O trauma renal contuso é o mais comum, sendo causado principalmente por colisões de veículos (63%), seguido de quedas (43%), práticas esportivas (11%) e acidentes com pedestres (4%). A lesão contusa no rim pode ser o resultado de um golpe direto, ou o rim pode ser esmagado contra os músculos paravertebrais. A desaceleração rápida pode causar avulsão na junção ureteropélvica, avulsão dos vasos renais ou dissecção / trombose arterial, levando a uma desvascularização renal. As lesões renais por armas de fogo (65%) foram mais comuns do que as por arma branca (35%), devido a posição relativamente central no abdome e a proteção posterior por camada muscular espessa, que faz com que o rim seja raramente lesado por ferimentos causados por arma branca. Manifestações Clínicas Após avaliação inicial, estando o paciente fora de risco iminente, deve-se interrogar o mecanismo de trauma. A suspeita de lesão renal é aumentada com um mecanismo apropriado de lesão (por exemplo, lesão por desaceleração rápida, golpe direto nas costas ou no flanco, lesão penetrante na proximidade do rim), instabilidade hemodinâmica e hematúria. O exame físico ajuda a determinar a localização, extensão e gravidade da lesão. Com efeito, o paciente pode apresentar dor lombar, hematúria, equimose de região lombar, sensibilidade em flancos ou fratura dos últimos arcos costais. A hematúria aumenta a suspeita de lesão renal, mas nem sempre está presente, principalmente no paciente com politrauma. O grau da hematúria não está relacionado com a gravidade da lesão renal. Doença renal pré-existente ou anormalidades (por exemplo, obstrução da junção ureteropélvica, cistos renais, pedras nos rins, cirurgias anteriores), anomalias renais e rins solitários devem ser interrogados.
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Diagnóstico Para pacientes hemodinamicamente estáveis com suspeita de lesão renal, deve-se fazer o uso de tomografia computadorizada (TC) do abdome com contraste e com imagens imediatas e tardias (pielografia por tomografia computadorizada). As vantagens da pielografia por TC na identificação de lesão renal geralmente superam os riscos. Em crianças o ultrassom pode ser usado, mas a TC é preferida. A imagem tem como objetivo inicial a classificação da lesão renal, analisar a presença de anormalidades renais pré-existentes e identificar lesões para outros órgãos. A decisão de obter uma imagem inicial é baseada nos aspectos clínicos e no mecanismo de lesão. De acordo com a European Association of Urology (EAU) e a American Urological Association Guidelines (AUA), a TC deve ser realizada em todos os pacientes com trauma contuso hemodinamicamente estáveis, com hematúria macroscópica ou em pacientes com hematúria e hipotensão (pressão arterial sistólica <90 mmHg) na apresentação. Em pacientes hemodinamicamente instáveis, há a necessidade de exploração para identificar e tratar o sangramento, que pode ou não estar relacionado à lesão renal. Ademais, em pacientes traumatizados com indicações para laparotomia imediata, um diagnóstico de lesão renal pode ser sugerido durante a exploração. A exploração só deve ser feita se houver necessidade, pois ela aumenta aumenta a chance de perda do rim. Sendo a nefrectomia um resultado frequente quando pacientes hemodinamicamente instáveis são submetidos à exploração cirúrgica de hematomas. Contudo, se houver uma alta suspeita de vazamento de urina, a exploração e o reparo devem ser realizados. O ultrassom auxilia na identificação de quem exige uma avaliação mais detalhada. Sendo útil na investigação e no acompanhamento de lesões parenquimatosas, hematomas e “urinomas”, porém pode não avaliar com precisão as lacerações renais. A classificação do trauma renal feita pela American Association for the Surgery of Trauma (AAST, Quadro 12.1) demonstra que o grau das lesões renais serve como um importante marcador diagnóstico, prognóstico e preditor de complicações a longo prazo. Quadro 12.1 – Classificaçao do Trauma Renal Grau
Tipo da lesão
I
Contusão
Hematúria macroscópica ou macroscópica, estudos urológicos normais
Hematoma
Subcapsular, sem expansão, sem laceração parenquimatosa
Hematoma
Hematoma perirrenal não expansível confirmado para retroperitônio renal
Laceração
<1,0 cm profundidade parenquimatosa do córtex renal
Laceração
> 1,0 cm de profundidade parenquimatosa do córtex renal sem ruptura ou extravasamento urinário do sistema coletor
II
III
Descrição da lesão
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Continuação do Quadro 12.1 IV
V
Laceração
Laceração parenquimatosa que se estende do córtex renal, medula e sistema coletor
Vascular
Lesão na artéria ou veia renal principal com hemorragia contida
Laceração
Rim “pulverizado”
Vascular
Avulsão do hilo renal que gera desvascularização renal
Conduta O manejo de lesões renais traumáticas evoluiu com o tempo, com uma ênfase crescente no manejo não-cirúrgico, principalmente nas lesões renais contusas. Essa mudança ocorreu devido ao reconhecimento que a exploração cirúrgica frequentemente resulta em nefrectomia. De forma geral, a maioria das lesões renais (graus I-III e algumas grau IV) pode ser gerenciada conservadoramente. Nesse contexto, as indicações para reparo cirúrgico são situações de extravasamento de urina, sangramento contínuo, instabilidade hemodinâmica ou suspeita de lesão renovascular. O gerenciamento inicial inclui ressuscitação volêmica, repouso no leito e monitoramento constante dos sinais vitais e monitorização seriada da hemoglobina, juntamente com seguimento urológico. Deve-se manter sondagem vesical de demora enquanto houver hematúria macroscópica e realizar irrigação vesical, se necessário. A hidratação vigorosa diminui a probabilidade de formação de coágulos na via excretora, além de repor a perda volêmica. Deve-se prescrever e iniciar o antibiótico imediatamente, sendo em geral com cefalosporinas de primeira geração. Pacientes hemodinamicamente instáveis devem ser considerados para intervenção imediata, cuja modalidade depende dos padrões de lesão associados e conhecimento institucional. Pacientes submetidos à laparotomia exploradora devem ser submetidos à exploração retroperitoneal para gerenciar sangramentos retroperitoneais com risco de vida, embora isso muitas vezes resulte em nefrectomia. Em relação aos casos cirúrgicos, a maioria consiste de pacientes hemodinamicamente instáveis que não respondem à ressuscitação. A abordagem transperitoneal é a mais comum no trauma com isolamento da artéria renal e veia renal antes da exploração renal como uma manobra de segurança. Com efeito, essa abordagem pode reduzir a taxa de nefrectomia de 56% para 18%. Um bom controle dos vasos renais permite ao cirurgião evitar uma nefrectomia desnecessária através de uma avaliação do retroperitôneo. Ademais, um subgrupo de pacientes irá exigir intervenção não cirúrgica devido a persistência do sangramento renal, que pode ocorrer por causa da lesão em si ou como consequência de fístulas arteriovenosas ou pseudoaneurismas que se desenvolveram após a injúria. A angiografia e angioembolização são a principais opções de tratamento em pacientes que necessitam de intervenção na ausência de outras indicações imediatas de cirurgiPágina 170
a. Conduto, a angioembolização é limitada a vasos segmentados e não está indicada para vasos renais principais. Trauma Ureteral O ureter raramente é lesado por traumas externos, devido a sua localização retroperitoneal e de seu pequeno diâmetro. Geralmente sua lesão tende a ser iatrogênica, ocorrendo durante a cirurgia pélvica (cirurgia ginecológica, urológica ou colorretal). Em lesões traumáticas, a lesão ocorre na maioria das vezes, devido a um mecanismo penetrante, principalmente em homens jovens. Lesões traumáticas são frequentemente associadas a outras lesões graves. Os traumas contusos são praticamente inexistentes, e os traumas penetrantes correspondem a apenas 2%, dos quais 90% são causados por armas de fogo. A lesão ureteral pode não ser reconhecida precocemente, a menos que sejam especificamente avaliadas com base na suspeita clínica. O tratamento pode incluir a colocação de um stent ureteral ou reparo cirúrgico, dependendo da gravidade e localização da lesão. Mecanismo do Trauma O trauma ureteral compreende cerca de <1% do trauma geniturinário (contuso e penetrante). O ureter proximal é o mais comumente envolvido. O trauma penetrante é mais comum, entre 60-77%, sendo os ferimentos de bala responsáveis pela maioria das lesões. Lesões contundentes ocorrem mais em pacientes pediátricos e quando ocorrem estão relacionadas a uma alta incidência de lesões associadas. Lesões Associadas A lesão ureteral traumática está altamente associada a lesões concomitantes, devido a suas associações íntimas com estruturas circundantes. Em uma das maiores revisões de literatura sobre trauma ureteral, lesões associadas estavam presentes em 91% dos pacientes. As lesões mais comumente associadas foram as lesões intestinais e vasculares em casos de mecanismo penetrante. Em lesão contundente, a fratura pélvica óssea foi a mais comum. Lesão Iatrogênica As lesões ureterais iatrogênicas podem ocorrer durante vários procedimentos cirúrgicos abdominopélvicos e retroperitoneais, bem como durante a manipulação endoscópica ou dissolução dos cálculos ureterais. A maioria das lesões é identificada no momento da cirurgia (61%). Idealmente, uma lesão ureteral iatrogênica descoberta no intraoperatório deve ser gerenciada imediatamente. O reconhecimento e o tratamento de lesões ureterais de imediato estão associados à menor morbidade. A maioria das lesões iatrogênicas foi transecção incompleta, mas também ocorreu perfuração (parcial ou completa), ligadura ou transecção completa.
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Avaliação do Trauma Inicialmente, o quadro clínico é pouco sintomático ou até mesmo assintomático, e a suspeita de lesão durante o procedimento cirúrgico é o principal indício que leva à realização de exame de imagem para diagnóstico. Em pacientes com trauma contuso ou penetrante, o mecanismo da lesão deve orientar o nível de suspeita de lesão ureteral. Uma história de desaceleração rápida, trauma abdominal multissistêmico ou trauma penetrante com características clínicas como dor no flanco, equimose do flanco, fratura posterior da costela ou fraturas da coluna devem aumentar a suspeita. É importante observar que não se pode confiar na ausência de hematúria para excluir lesão ureteral. Após alguns dias da lesão, a formação de coleção de urina ou a presença da mesma em contato com o peritônio provocam o surgimento de sintomas como dor lombar ou abdominal, íleo prolongado, febre, oligúria, fístulas urinárias e sepse. Quadro 12.2 – Classificação do Trauma Ureteral Grau
Tipo
Descrição da lesão
I
Hematoma Contusão ou hematoma sem desvascularização
II
Laceração
Transecção com menos de 50% da circunferência
III
Laceração
Transecção com mais de 50% da circunferência
IV
Laceração
Transecção completa com menos de 2 cm de desvascularização
V
Laceração
Transecção completa com mais de 2 cm de desvascularização
Diagnóstico O diagnóstico é idealmente e normalmente (cerca de 75%) realizado no intraoperatório, sendo assim, sua imediata identificação e correção. Nos casos em que a lesão não for identificada no intraoperatório e nos casos de traumas externos, os exames de imagem contrastados devem ser realizados. Entre os exames usados para detecção de lesão ureteral, destacam-se: a urografia excretora, que apresenta alta sensibilidade para detecção de lesões ureterais; a TC com contraste intravenoso, que tem a vantagem de avaliar simultaneamente outros órgãos intra-abdominais, sendo especialmente importante nos casos de traumas externos. Para informações mais delineadas, um pielografia retrógrado pode ser considerado e deve ser usado quando se suspeita um diagnóstico tardiode iatrogenia, pois permite para colocação simultânea do cateter duplo J. Para pacientes traumatizados com indicações para laparotomia imediata, o diagnóstico será necessariamente feito durante a exploração dos ureteres quando houver suspeita de lesão. A inspeção direta é o método mais sensível para avaliar lesões ureterais.
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Conduta O manejo de uma lesão ureteral é focado em manter a drenagem renal, impedindo assim a formação de coleção de urina e abscesso. O tratamento das lesões ureterais depende da estabilidade hemodinâmica do paciente, local da lesão, presença de lesões associadas e extensão do ureter desvitalizado. O tratamento geralmente é cirúrgico (90% dos casos). Sendo poucos os casos que são manejados de forma conservadora. Quando as lesões são identificadas precocemente, o reparo cirúrgico um stent duplo J usando sutura absorvível, pode ser bem-sucedido, mas um dreno de sucção fechada deve ser colocado no espaço retroperitoneal para controlar vazamento. Em pacientes hemodinamicamente estáveis, deve-se obter o exame de imagem para avaliação. A pielografia retrógrada pode ser utilizada para identificar uma lesão subjacente, sendo o derivação urinária com cateter duplo J ou a nefrostomia percutânea recomendadas em casos de fístulas urinárias. O uso do stent ureteral (duplo J) está relacionado com uma maior facilidade de cicatrização, no entanto seu uso deve ser avaliado, pois também está associada a complicações como formação de estenose, reação inflamatória e desconforto. Ademais, se essas medidas não forem efetivas e o paciente continuar a apresentar problemas, a exploração cirúrgica é indicada. Nos pacientes hemodinamicamente instáveis, quando o controle de danos é necessário, o reparo cirúrgico da lesão ureteral pode ser postergado de 48 a 72 horas para permitir a correção de hipotensão, coagulopatia e hipotermia induzidas pelo trauma. Nesse caso, uma nefrostomia percutânea ou um cateter Foley exteriorizado está indicado para desviar temporariamente a urina do local da lesão até o reparo definitivo do ureter. As lesões ureterais grandes representam um problema significativo, pois podem requerem reconstrução significativa. Os métodos de reparo bem-sucedidos para lesões de ureter agudas são baseados em certos princípios: desbridamento uretérico e cuidadosa mobilização, anastomose espatulada, livre de tensão e estanque à água sobre um stent (sutura absorvível 5-0 sob aumento), isolamento do reparo uretérico das lesões associadas e drenagem adequada do retroperitônio. Além disso, durante o manejo da lesão deve-se estar atento que suprimento sanguíneo do ureter vem de forma segmentada, logo é importante considerar esse padrão de distribuição ao mobilizar e reparar o ureter para evitar a desvascularização ureteral. Em algumas situações como em lesões graves na parte superior ureteres que impedem a função ureteral adequada, a nefrectomia pode ser considerada. Ademais, se a situação permite o trabalho em estreita colaboração com um urologista para abordar os danos ureteral pode trazer benefícios adicionais para o paciente, particularmente no que diz respeito ao acompanhamento a longo prazo e continuidade geral dos cuidados. Trauma Vesical
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Por ser protegida pelas estruturas ósseas que compõem a pelve, lesões traumáticas, por qualquer mecanismo, nesse órgão não são comuns. Tendo isso em mente, a presença de um trauma vesical, normalmente, está associado a alguns fatores facilitadores, como a fratura de pelve ou a distensão vesical significativa. O trauma de Bexiga ocorre em cerca de 1,6% dos traumas contusos em geral e em cerca de 10% dos traumas abdominais. Possui uma morbimortalidade elevada, que varia de 10 a 22%, o que pode ser ainda maior quando considerado que geralmente o trauma vesical não ocorre sozinho, estando diversas vezes associado a outras lesões graves. Quanto a divisão anatômica dos traumas, a literatura indica que 60% deles ocorre na porção extraperitoneal do órgão, outros 30% afeta a porção intraperitoneal e em 10 das situações tem-se um acometimento de ambas as partes. Mecanismo do Trauma Como principais causas para essa injúria, tem-se os traumas contusos ou fechados, os traumas penetrantes e os traumas de causa iatrogênica. Trauma Contuso É, sem dúvidas, a etiologia mais frequente, correspondendo a cerca de 60 a 85% dos casos. Desses 50% ocorre devido a acidentes automobilísticos, por meio do trauma gerado pelo cinto de segurança, que costuma travar o avanço forçado do órgão pela energia cinética. Mais de dois terços estão associados a traumas e fraturas na pelve, sendo o restante observado em traumas diretos em hipogástrio quando a bexiga está cheia e em 90% dos traumas contusos a região afetada da bexiga é a extraperitoneal. Nesse tipo de mecanismo, que ocorre quando há uma desaceleração intensa ou o aparecimento de uma pressão súbita em direção a parede abdominal, tem-se uma situação de choque dentro da bexiga devido a contração do músculo detrusor e do trígono vesical e ao evento em si. Tal acontecimento gera uma distensão da região da cúpula vesical, porção mais frágil do órgão, gerando a sua ruptura. Trauma Penetrante Ocupam de 15 a 20% dos casos. Nesse contexto, os mecanismos mais vistos são os ferimentos por arma branca e as perfurações por arma de fogo. Desses, o último é o predominante, ocorrendo em cerca de 88% das vezes em que se tem um trauma penetrante de bexiga, além disso, o projétil tende a se estilhaçar no interior do organismo, por isso, tem-se uma maior taxa de lesões associadas, principalmente de reto, intestino grosso e intestino delgado. Tendem a afetar ambas as partes intra e extraperitoneias da bexiga de forma conjunta. Trauma Iatrogênico A causa iatrogênica está presente nas situações em que há um trauma isolado de bexiga, tendo uma incidência de 0,11% em cirurgias. Raras são as vezes em que mais de
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uma estrutura é lesada. A sua presença é maior em cirurgias ginecológicas ou urológicas, devido a relação de proximidade anatômica das estruturas. A literatura também indica quais os procedimentos com maiores índices de lesões iatrogênicas da bexiga, sendo eles: Histerectomia, Ressecção de tumor vesical por via transuretral e slings ureterais. Avaliação do Trauma Alguns achados clínicos sugerem, de maneira mais enfática, a presença de um trauma vesical, como exemplos podem ser citados: Hematúria, Peritonite, Sensibilidade em região suprapúbica, Fratura pélvica, Oligúria, Hematoma escrotal e Ruídos hidroaéreos diminuídos. Tais manifestações dependem também da região vesical afetada. Desses, o sintoma mais comum nessa situação, tendo uma prevalência de até 90%, é a hematúria. Tende a ter um caráter mais grave ou macroscópico, mas existe a possibilidade de ser observada como microhematúria, em 5% dos casos. Avaliação da Gravidade A American Association for the Surgery of Trauma (AAST) desenvolveu uma escala (Tabela 3) para a classificação da gravidade de tal trauma. Apesar disso sua utilização com precisão é dificultada em algumas situações. Quadro 12.3 – Classificação do Trauma Vesical Grau
Tipo
Descrição da Lesão
Hematoma
Contusão, hematoma intramural
Laceração
Lesão de espessura parcial da parede vesical
II
Laceração
Laceração extraperitoneal com menos de 2 cm
III
Laceração
Laceração extraperitoneal com mais de 2 cm, ou intraperitoneal com menos de 2 cm
IV
Laceração
Laceração intraperitoneal com mais de 2 cm
V
Laceração
Laceração intra ou extraperitoneal com extensão para o colo ou trígono da bexiga
I
Diagnóstico A suspeita de um trauma vesical deve acontecer quando tem-se uma combinação de manifestações clínicas associadas com uma história de trauma compatível. A realização de um diagnóstico definitivo pode se dar ou pelo uso da Cistografia, ou pela visualização direta do trauma por meio de uma laparotomia exploratória. A Cistografia, além de ser o melhor exame disponível para esse fim também pode consegue excluir a presença de traumas uretrais que possam ter acontecido em conjunto. Possui uma acurácia de 85 a 100%. Sua realização deve seguir os seguintes passos:
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- Realizada uma Radiografia de abdome e pelve simples; - Por meio de um cateter deve-se instilar dentro da bexiga, esvaziada previamente, 300 ml de um composto com solução salina e contraste diluídos; - São realizadas outras radiografias para avaliar a progressão da bexiga cheia até o seu completo esvaziamento, por meio de uma drenagem. Atualmente, tem-se proposto uma maior utilização da cistotomografia, visto que o paciente com fratura pélvica, muito comumente associada, e hematúria já deve realizar a TC de Abdome para a avaliação dessas e de outras possíveis injúrias, sendo possível poupar tempo nessa situação por tal meio. No entanto, o custo e a quantidade de radiação não devem ser ignorados. Nos casos de suspeita de traumas vesicais iatrogênicos, há a realização de uma cistoscopia ou em cirurgias abertas pode-se influir líquido para a bexiga por meio de um cateter e o cirurgião realiza a inspeção buscando extravasamento de fluidos. Conduta O tratamento baseia-se na escala da AAST: - Grau I: Tratamento conservador ou com a realização e manutenção de uma Sondagem Vesical por 7 dias; - Grau II e III (extraperitoneial): Inicia-se com a realização de uma Sondagem Vesical por 21 dias, sendo, após esse período, realizado outra Cistografia para reavaliação, qualquer lesão não tratada ou complicação indica a realização de uma cirurgia para correção com realização de Sondagem Vesical por mais 7 dias; - Grau III (Intraperitoneal), IV e V: Por envolver o risco elevado de Sepse e outras complicações, indica tratamento cirúrgico, associado a realização de Sondagem Vesical por 7 dias. Na cirurgia, ideal é que a sutura seja realizada em dois planos, sendo importante, também, que o cirurgião realize uma confirmação de eficácia influindo por meio de um cateter uma substância preferencialmente colorida, tal qual o azul de metileno. Referências AHMAD, S.; ABOUMARZOUK, O. M.. Kidney and Ureter Trauma. Blandy's Urology, [s.l.], p. 189-208, 27 fev. 2019. BRYAN VOELZKE, J. P. R.; EILEEN, M. B.; KATHRYN, A. C. Overview of traumatic and iatrogenic ureteral injury. UpToDate 2019. BRYK, D. J.; ZHAO, L. C. Guideline of guidelines: a review of urological trauma guidelines. BJU international, v. 117, n. 2, p. 226234, 2016.
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Tr auma Geni t ur i nár i o
CAPÍ TULO
-Al anoMour ãoLeandr o. -Her onKai r oSabói aSant ’ Anna Li ma. -Gi sl anoSoar esdeLi r a -Ér i coLuí sDant asDi ógenesSal danha. -Mar cosFi úzadeCar val ho.
O trato urinário inferior é composto pela parte pélvica dos ureteres, pela bexiga, pela uretra, além dos órgãos genitais feminino e masculino. Os ureteres são tubos musculares, com 25 a 30 cm de comprimento, que conectam os rins à bexiga urinária. A irrigação arterial principal das partes pélvicas dos ureteres é variável, proporcionada por ramos uretéricos originados das artérias ilíacas comuns, ilíacas internas A bexiga urinária é uma víscera oca que tem fortes paredes musculares, é caracterizada por sua distensibilidade. Quando vazia, a bexiga urinária do adulto está localizada na pelve menor, situada parcialmente superior e parcialmente posterior aos ossos púbicos. À medida que se enche, a bexiga urinária entra na pelve maior e é apoiada sobre o púbis e a sínfise púbica anteriormente e sobre a próstata (homens) ou parede anterior da vagina (mulheres) posteriormente. Quando vazia, a bexiga urinária tem um formato quase tetraédrico e externamente tem ápice, corpo, fundo e colo. As paredes da bexiga urinária são formadas principalmente pelo músculo detrusor. Os óstios do ureter e o óstio interno da uretra estão nos ângulos do trígono da bexiga. As principais artérias que irrigam a bexiga urinária são ramos das artérias ilíacas internas. Em relação as particularidades masculinas, a uretra masculina é um tubo muscular (18 a 22 cm de comprimento) que conduz urina do óstio interno da uretra na bexiga urinária até o óstio externo da uretra, localizado na extremidade da glande do pênis em homens. Esse órgão também é a via de saída do sêmen (espermatozoides e secreções glandulares). A uretra masculina é subdividida em quatro partes: intramural (préprostática), prostática, membranácea e esponjosa. A parte membranácea (intermédia) da uretra começa no ápice da próstata e atravessa o espaço profundo do períneo, circundada pelo músculo esfíncter externo da uretra. A parte esponjosa da uretra começa na extremidade distal da parte membranácea e termina no óstio externo da uretra masculina, que é ligeiramente mais estreito do que as outras partes da uretra. O escroto é um saco fibromuscular cutâneo dinâmico para os testículos e epidídimos. A face anterior do escroto é suprida por vasos sanguíneos ramos dos vasos sanguíneos pudendos externos. A face posterior do escroto é suprida por vasos sanguíneos continuações dos vasos sanguíneos pudendos internos. O pênis é formado principalmente por pele fina e móvel que cobre três corpos cilíndricos de tecido cavernoso erétil, os dois corpos cavernosos e um corpo esponjoso que contém a parte esponjosa da uretra. Esses corpos eréteis são unidos pela fáscia profunda do pênis, exceto na raiz, onde se separam nos ramos e no bulbo do pênis. A glande do pênis é uma expansão distal do corpo esponjoso, que tem o óstio externo da uretra em sua extremidade e uma coroa que se projeta do colo da glande. Com exceção da pele próxima da raiz, o pênis é irrigado principalmente por ramos das artérias pudendas internas. As artérias dorsais irrigam a maior parte do corpo e da glande. As artérias profundas irrigam o tecido cavernoso. As artérias helicinais terminais abrem-se para encher os seios de sangue sob pressão arterial, ocasionando a ereção do pênis.
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Em relação ao sexo feminino, a uretra (com cerca de 4 cm de comprimento) segue anteroinferiormente do óstio interno da uretra na bexiga urinária, posterior e depois inferior à sínfise púbica, até o óstio externo da uretra. O óstio externo da uretra feminina está localizado no vestíbulo da vagina. Há glândulas na uretra, sobretudo em sua parte superior. Um grupo de glândulas de cada lado, as glândulas uretrais, é homólogo à próstata. A uretra feminina é irrigada pelas artérias pudenda interna e vaginal. A vagina situa-se entre a uretra anteriormente e o reto posteriormente e está intimamente relacionada com essas estruturas. A maior parte da vagina está localizada na pelve, recebendo sangue pelos ramos pélvicos das artérias ilíacas internas (artérias uterina e vaginal). A parte mais inferior da vagina está localizada no períneo, recebe sangue da artéria pudenda interna. Já em relação aos órgãos femininos externos, consistem em pregas concêntricas (lábios) que circundam o clitóris e os óstios separados dos sistemas urinário e reprodutivo. O monte do púbis e os lábios maiores do pudendo preenchidos por tecido adiposo circundam a rima do pudendo, cobrindo e protegendo seu conteúdo. Os vasos pudendos internos irrigam a maior parte da vulva, e os vasos pudendos externos irrigam uma área anterior menor. Trauma Uretral O trauma uretral é mais prevalente em homens, devido, na maioria das vezes, a iatrogenia relacionada à sondagem vesical e por trauma abdominal contuso. A uretra anterior, distal ao diafragma urogenital, é exposta, aumentando o risco de trauma contuso, principalmente os do tipo ‘’ queda em cavaleiro”. Outro fator causal comum é a lesão de uretra secundária a trauma peniano. As lesões de uretra posterior são quase que concomitante às fraturas de anel pélvico, sendo observada em aproximadamente 19% das fraturas pélvicas em homens. Apresentação Clínica O principal sinal de presunção de lesão de uretra é o sangue no meato uretral, ele se apresenta em até 93% dos casos de lesão posterior e em até 75% nas lesões anteriores. outros fatores de suspeição de lesão uretral são retenção urinária, hematoma perineal/peniano e elevação da próstata ao toque retal. Em se tratando de hematomas, deve-se observar se é restrito ao pênis ou se se estende para períneo e nádegas, o padrão de extensão é determinado a partir do acometimento das fáscias do pênis, do períneo e da parede abdominal. Geralmente as lesões de uretra anterior possuem hematoma limitados ao pênis, já que não violam a fáscia do penis (ou fáscia de Buck). No entanto, quando essa fáscia é rompida, a sufusão hemorrágica se estende pelo períneo, com o ''padrão de borboleta’’, que pode se estender até a parede abdominal.
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Figura 13.1 – Desenho esquemático mostrando o tipo de acometimento nos casos de hematoma perineal. Fonte: Adaptado de THURTLE, et al. 2017.
Abordagem Diagnóstica O método padrão para diagnosticar lesão uretral é a uretrografia retrograda (UR), que é realizada com injeção de 20-30 ml de contraste não diluído através de sonda de Foley 14Fr, com o balão insuflado (1-2ml) na fossa navicular. Logo após, é realizado radiografia com incidência de 30 graus em posição oblíqua. Em paciente com instabilidade hemodinâmica, não é realizada de UR, sendo indicado cistostomia suprapúbica Figura 13.2 - Imagem mostrando Uretrocistografia Retrógrada em paciente vítima de trauma, apresentando falha de enchimento e extravasamento de contraste em uretra peniana. Fonte: Foto retirada do acervo do site: https://pebmed.com.br/
A American Association for the Surgery of Trauma (AAST) elaborou uma classificação para estratificar a lesão ureteral (Quadro 13.1): Quadro 13.1 – Classificação do Trauma Ureteral da AAST Grau I
Descrição da lesão Contusão – sangue no meato uretral; uretrograma normal
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Continuação do Quadro 13.1
II
Lesão por estiramento – alongamento da uretra sem extravasamento na uretografia
III
Ruptura parcial – extravassamento do contraste no local da lesão com visualização do contraste na bexiga
IV
Ruptura completa – extravassamento do contraste no local da lesão sem visualização na bexiga; separação uretral < 2 cm.
V
Ruptura completa - transecção completa com mais de 2 cm de separação uretral ou extensão para próstata ou vagina.
Figura 13.3 – (A) Imagem de uretrografia retrógrada em um paciente do sexo masculino com uma fratura pélvica em "livro aberto" mostrando a uretra posterior (seta), que parece estreita, mas intacta, sem evidência de extravasamento de material de contraste; (B) Imagem de uretrografia retrógrada mostra uma área de extravasamento de material de contraste (branco seta) indicativo de lesão na uretra posterior, com um diafragma urogenital intacto (seta preta). Fonte: INGRAM, et al., 2008.
Figura 13.4 - Imagens de (A) uretrografia retrógrada e (B) uretrografia excretora realizadas com o auxílio de cateter suprapúbico, em um paciente masculino com trauma pélvico evidênciando uma transecção completa da uretra posterior com extravasamento de material de contraste para os tecidos moles perineais (seta em A), bem como ruptura do colo da bexiga com extravasamento de material de contraste extraperitoneal (seta em B). Fonte: INGRAM, et al., 2008. Página 183
Abordagem Terapêutica Quando há suspeita de lesão, a cateterização é aceitável, desde que seja feita por um profissional experiente e capacitado. Porém, se não houver progressão da sonda, deve ser realizado cistostomia e realização de uretrografia, para confirmar lesão uretral. A punção suprapúbica pode ser realizada com um cateter pela técnica de seldinger e guiada por ultrassom ou mesmo por via cirúrgica, com cateterização por sonda de Foley 16Fr. As indicações de correção primária (< 48h) são: ●
Lesão anorretal associada;
●
Desluvamento perineal;
●
Deslocamento importante de bexiga;
●
Trauma penetrante de uretra anterior.
Em caso de alguma das situações acima, deve ser realizado exploração para desbridamento e o reparo pode ser primário, porém se a lesão for extensa ou o paciente não possuir estabilidade hemodinâmica, deve ser realizado cistostomia com uretroplastia em outro tempo cirúrgico e, se necessário, em etapas. A melhora nos métodos de fixação e correção de fraturas do anel pélvico possibilitaram e facilitaram tratamento tardio efetivo, podendo este ser realizado em torno de três meses após o trauma em centro especializado com urologista experiente em cirurgia reconstrutoras. Trauma Genitoescrotal Trata-se de trauma envolvendo órgãos sexuais masculinos e femininos. Apesar de parecer um órgão vulnerável, esse tipo de truma em homens são relativamente raros. Geralmente, essas lesões cursam com dor intensa e, devido a vascularização abundante, sangramento. As principais lesões do trato genitourinário são: fratura de pênis, ruptura testicular e trauma penetrante de penis. Trauma de Pênis A fratura de pênis é definida como a ruptura da túnica albugínea do corpo cavernoso. Pode ser associado à transecção parcial ou total de uretra ou do tecido esponjoso. Possui uma incidência de 0.29-1.36 casos a cada 100.000 pessoas. Lesão uretral associada é rara, sendo descrita em uma frequencia de 10-38% dos casos. Quadro 13.2 – Classificação do Trauma Peniano da AAST Grau I
Descrição da lesão Laceração cutâneo/contusão
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Continuação do Quadro 13.2
II
Laceração da fáscia de buck (cavernosa) sem perda tecidual
III
Avulsão cutânea/laceração através da glande/meato/corpo cavernoso ou defeito uretral < 2 cm
IV
Lesão de corpo cavernoso ou defeito uretral > 2cm/ penectomia parcial
V
Penectomia total
Trauma Peniano Contuso O trauma peniano contuso é o principal mecanismo de fratura peniana. Ela deve ser suspeitado quando há um estalo brusco, geralmente durante relação sexual ou manipulação, associados com dor local e detumescência. Nos casos de hematomas limitados ao subcutâneo, pode ser optado por tratamento conservador com uso de anti-inflamatórios não esteroidais e compressas geladas. Recomenda-se exploração cirúrgica para reparo de túnica albugínea, a fim de evitar disfunção erétil e deformidade peniana. Há uma associação considerável entre fratura de pênis e lesão de uretra, sendo assim, quando necessário, cabe investigar com uretrografia retrograda ou uretroscopia. Se presente a lesão uretral deve ser corrigida na fase aguda, conforme discutido anteriormente. Figura 13.5 - Imagem de orgão acometido por ferimento por arma de fogo com lesão de glande e de corpos cavernosos. Fonte: GARCÍA-PERDOMO, 2014.
Trauma Penetrante Cerca de 20% dos trauma penianos são provenientes de mecanismos penetrantes.5 Traumas penetrantes penianos são identificados apenas com exame físico, cerca de 11-29% dos casos possuem lesão de uretra associada, dessa forma, pode ser realizado
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uretrografia retrógrada para confirmar a lesão ou pode ter a exploração cirúrgica indicada. Nesta última deve ser realizado debridamento e síntese primária da túnica albugínea. 6 Se houver perda de substância importante, pode ser realizado enxerto. Os enxertos de espessura total são preferidos, pois apresentam melhores resultados que os de espessura parcial. Outro trauma penetrante pode acontecer por meio de mordedura de animal, naqual a conduta é semelhante, porém é notório o aumento de incidência de infecção local. Portanto, é recomendável ser realizado lavagem copiosa de lesão, associado a debridamento de partes desvitalizadas e fechamento primário, assim como antibioticoterapia guiada para patógeno mais prevalente, sendo mais indicado beta-lactâmico com inibidor de beta-lactamase (amoxicilina + clavulanato), cefalosporinas, doxiciclina ou macrolídeos (eritromicina) por 10-14 dias e Vacinação antirrábica. Importante lembrar sobre o uso da vacinação para hepatite B e profilaxia pós exposição para HIV, nos casos de mordedura humana Trauma por Constricção Apesar de incomum nas emergências urológicas, o trauma por constrição causa sérios danos ao sistema genital e necessita de intervenção imediata para evitar eventos vasculares e lesões mecânicas. Utilizado, em adultos, por interesses sexuais, psiquiátrico e, em crianças, por acidente, os objetos descritos nesse tipo de lesões são, principalmente, metálicos (anéis e porcas de parafusos) e não metálicos (cabelo, elásticos e garrafas PET). Quanto a classificação das lesões, Bhat et al separou e graduou, por gravidade, as lesões penianas por encarceramento (Quadro 13.3): Quadro 13.3 – Gradação da Lesão Peniana Proposta por Bhat et al Grau
Apresentação
I
Edema
II
Parestesia
III
Lesão de Pele e Uretra, sem fístula
IV
Fístula Uretral
V
Gangrena, Necrose e Amputação
A fisiopatologia deve-se à diminuição da drenagem linfática, ocasionando edema e, consequentemente, menor retorno venoso, irrigação arterial e piora do encarceramento, podendo causar síndrome compartimental e gangrena. Foi relatado também retenção urinária aguda, que pode ser tratada com sondagem ou por cistostomia suprapúbica.
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O tratamento se dá pela retirada do objeto constritor seja com raquianestesia ou anestesia local, além de antibioticoterapia, podendo ter como sequela mais prevalente impotência sexual e, em alguns casos, infecção e amputação do órgão. Figura 13.4 – Constricção na região peniana.
Figura 13.5 - Constricção na região peniana.
Trauma Escrotal e Testicular A genitália externa masculina possui risco maior de trauma, devido sua anatomia. Sendo assim, há mecanismos protetores naturais para o escroto e os testículos. O testículos são móveis na bolsa escrotal, a pele do escroto também é móvel, permitindo que as orgãos se interiorizem devido ao reflexo cremastérico, gerando um mecanismo de proteção. A túnica albugínea serve como uma forte força tênsil, gerando atenuação da energia cinética provocada pelo mecanismo de trauma. Assim como em outros órgãos, as lesões escrotais podem ser divididas em penetrantes e contusas, essas últimas são as mais prevalentes, podendo corresponder até a 85% dos casos. Quanto ao acometimento testicular, a lesão bilateral é encontrada em 1.5% nos traumas contusos e em aproximadamente 30% dos traumas penetrantes Apresentação Diagnóstica Geralmente o exame físico nesses pacientes é dificultado pela intensa dor e edema importantes associados, por esse motivo alguns pacientes têm indicação equivocada de exploração escrotal. Página 187
A ultrassonografia de bolsa escrotal, apesar de no passado não ser tão empregada, atualmente tem importante valor para diagnóstico, com sensibilidade de 100% e especificidade de 65%. Os achados ultrassonográficos que indicam exploração cirúrgicas são: hematocele, perda de definição de contornos, parênquima testicular heterogêneo ou hipoecogênico, hematoma testicular, lesões de epidídimo e avulsão testicular. Quadro 13.4 – Classificação do Trauma Escrotal da AAST Grau
Descrição da lesão
I
Contusão
II
Laceração < 25% do diâmetro escrotal
III
Laceração ≥ 25% do diâmetro escrotal
IV
Avulsão < 50%
V
Avulsão ≥ 50%
Quadro 13.5 – Classificação do Trauma Testicular da AAST* Grau
Descrição da lesão
I
Contusão ou hematoma
II
Laceração subclínica da túnica albugínea
III
Laceração da túnica albugínea com < 50% de perda de parênquima
IV
Laceração importante da túnica albugínea com ≥ 50% de perda de parênquima
V
Destruição testicular total ou avulsão
* Avançar um grau para lesões bilaterais até grau 5.
Figura 13.6 - Imagem de Ruptura de Testiculo Direito pela ultrassonografia. Fonte: RANDHAWA; BLANKSTEIN; DAVIES, 2019.
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Abordagem Terapêutica A exploração cirúrgica com reparo, se precoce, e associada com melhores taxas de preservação da fertilidade e da função hormonal, além de recuperação mais rápida e retorno precoce às atividades. O objetivo da exploração cirúrgica e o reparo testicular, se possível, hemostasia, prevenção de infecção e melhorar o tempo de recuperação. Em traumas contusos, a ruptura ou fratura testicular é representada pelo rompimento da túnica albugínea, resultado da compressão da bolsa escrotal. Mais de 90% das rupturas de testiculo podem ser recuperadas se abordadas com até 72h. A conduta cirúrgica deve ser realizada se o US mostrar sinais de ruptura testicular ou o exame for inconclusivo. A incisão é feita na rafe escrotal, seguido de abertura da túnica vaginal e evacuação do hematoma e inspeção do testiculo para avaliação da lesão e da viabilidade. Após isso deve ser realizado debridamento de tecidos desvitalizados e o defeito da túnica albuginea corrigido com fio absorvível para que o edema não progrida para os ductos seminíferos. Se o reparo primário não for possível, pode ser utilizado um retalho da túnica vaginal. Sempre que não houver viabilidade do testiculo a orquiectomia deve ser realizada. Os raros casos de deslocamento testicular são mais comuns em acidentes automobilísticos, podendo acometer os testículos bilateralmente em 25% dos casos. O deslocamento pode ocorrer tanto para tecido subcutâneo, quanto para o anel inguinal externo do canal inguinal. Portanto, é necessário abordagem cirúrgica para avaliação de viabilidade do órgão e realização de orquidopexia. A hematocele é o achado mais comum dos traumas escrotais contusos, ela pode ser identificada na US com achado de imagem ecogênica. Uma reavaliação deve ser realizada com 12-24h para verificar provável mudança na ecogenicidade. Hematocele crônicas podem apresentar ao US septações, loculações e calcificações. Geralmente é necessária a evacuação do hematoma no momento da abordagem cirúrgica, coom controle efetivo da hemostasia, pois há um risco considerável de ressangramento. A conduta não cirúrgica pode ser empregada quando a hematocele for 3x menor que o testiculo contralateral, menor de < 5cm ou nao expansivel. Pacientes com hemoceles volumosas se beneficiam de evacuação precoce se não houver ruptura testicular. Isto é devido ao aumento nas taxas de orquiectomia, infecção, dor e atrofia. Em traumas penetrantes da bolsa escrotal deve ser realizado exploração cirúrgica para desbridamento de tecidos desvitalizados, no ato operatório é necessário cuidado com acometimento de estruturas, como funículo espermáticos, incluindo ducto deferente. Ao contrário do trauma contuso, a taxa de preservação do testiculo em trauma penetrante é menor, cerca de 32 a 65%. Lesões térmicas também podem existir e dificilmente são isoladas, sendo necessária abordagem sistêmica do paciente, incluindo ressuscitação volêmica, antibioticoprofilaxia e vacinação antitetânica. A lesões com perda de sensibilidade e de aparência carboni-
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zada podem prejudicar a espermatogênese. As lesões de terceiro grau, na maioria das vezes, necessitam de abordagem cirúrgica para reconstrução. Referências BHAT, A. L. et al. Penile strangulation. British Journal of Urology, v. 68, n. 6, p. 618-621, 1991.
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Tr auma Vascul arCer vi cal
CAPÍ TULO
-JoãoEdi sondeAndr adeFi l ho. -ManoelMessi asCamposJúni or . -Már ci aGr azi el l ySouzaVi ei r a. -AnaOsmi r aCar val hoSal danha. -Bár bar aBezer r aRi cci ar di .
O traumatismo das artérias carótidas e vertebrais representa um desafio ao cirurgião vascular em virtude das elevadas taxas de complicações e óbitos. A maioria das lesões (mais de 90% dos casos) são causadas por ferimentos penetrantes na região cervical. O vaso mais frequentemente lesado é a veia jugular interna, seguida pela carótida comum e então a carótida interna. Os traumatismos iatrogênicos, por sua vez, ocorrem na sua maioria durante a tentativa de inserção de cateter venoso central. Alguns sinais e sintomas sugerem fortemente a presença de lesão vascular cervical e indicam exploração vascular imediata. Os sinais fortes são choque, sopro, hipotensão refratária, sangramento ativo pulsátil e hematoma em expansão. Outros achados que podem estar associados ao trauma cervical são hemoptise, crepitação subcutânea, rouquidão, odinofagia, comprometimento das vias aéreas, além de déficit neurológico contra-lateral e síndrome de Horner. As lesões cervicais penetrantes superficiais que não ultrapassam o platisma não exigem exploração vascular e podem ser tratadas de forma conservadora com limpeza da lesão e sutura. Os pacientes estáveis com sinais leves e que apresentam ferimentos penetrantes no platisma devem ser avaliados sistematicamente devendo-se considerar exames complementares adicionais ao exame clínico. Os sinais leves são história de sangramento na cena do trauma, hematoma estável, lesões de nervo, assimetria de pulso (ou pressão arterial) nos membros superiores e trajeto da lesão na topografia dos vasos cervicais. Deve-se considerar a necessidade de garantir uma via aérea definitiva pelo risco de comprometimento da via respiratória por hematoma expansivo na região cervical. Quanto ao mecanismo de trauma, os ferimentos por arma de fogo são mais propensos a causar grandes lesões vasculares quando comparados aos ferimentos por arma branca. Zonas Anatômicas Monson e colaboradores propuseram em 1969 uma divisão anatômica do pescoço dividida em três zonas. O conhecimento destas zonas é fundamental no estabelecimento da conduta terapêutica do trauma cervical. São elas: Quadro 14.1 Divisão Anatômica do Pescoço em Zonas Descrita por Monson e colabs. Zonas
Descrição
Zona I
Corresponde à base do pescoço e localiza-se abaixo da cartilagem cricóide.
Zona II
Espaço compreendido entre a cartilagem cricóide e o ângulo da mandíbula.
Zona III
Estende-se do ângulo da mandíbula até a base do crânio.
A Zona I compreende a base do pescoço e envolve estruturas como arco aórtico, artérias carótidas comuns proximais, veia inominada, artérias subclávias extratorácicas, veias subclávias, ducto torácico, traquéia, esôfago, plexo braquial proximal e nervo vago. A
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presença de lesão vascular nessa região pode se manifestar por exteriorização hemorrágica ou sangramento intrapleural. Nos pacientes estáveis com suspeita de lesão vascular recomenda-se investigação com angiografia ou angiotomografia, devendo a esofagoscopia e a broncoscopia ser realizadas conforme avaliação clínica individual. A exposição cirúrgica para as lesões na Zona I envolve, na maioria das vezes, a necessidade de esternotomia mediana com extensões cervicais, toracotomia anterolateral alta ou acesso supra clavicular com ou sem excisão da clavícula. Dependendo das condições hemodinâmicas do paciente e da localização da lesão, o controle proximal dos grandes vasos pode ser realizado através da inserção endovascular de um balão complacente pela femoral até que seja possível o clampeamento do mesmo. A Zona II, compreendida entre a cartilagem cricóide e o ângulo da mandíbula, abrange estruturas vasculares como as artérias carótidas comuns e bifurcação carotídea, artérias vertebrais, veia jugulares internas, além da traquéia cervical, laringe, esôfago cervical, medula espinhal, nervos vago e hipoglosso, entre outros. O tratamento das lesões penetrantes da zona II ainda traz algumas controvérsias nos pacientes estáveis. Durante muito tempo se propôs a realização de exploração cirúrgica em todos os ferimentos penetrantes nesta região por considerar que as estruturas aí localizadas são vitais e de fácil exposição, podendo ser reparadas as lesões de artéria carótida, veia jugular interna, esôfago e traquéia. A maioria dos grandes centros de trauma recomenda hoje uma exploração cirúrgica seletiva naqueles casos onde haja evidências clínicas ou radiológicas sugestivas de lesão vascular. É importante ressaltar que caso a conduta inicial seja não cirúrgica, é necessária uma investigação aprimorada através de reavaliação clínica sistemática pela equipe médica e exames de imagem complementares (arteriografia, angiotomografia ou ultrassonografia vascular com doppler). Deve-se considerar também a necessidade de endoscopia digestiva alta ou broncoscopia para investigar lesões esofágicas ou de traquéia, respectivamente. Naqueles pacientes que manifestem hemoptise, crepitação e exteriorização de sangramento via oral oriundo do ferimento cervical a exploração cirúrgica está indicada. As lesões na Zona III, região compreendida entre o ângulo da mandíbula e a base do crânio, podem envolver as artérias carótidas internas, artérias vertebrais, veia jugular interna, faringe ou estruturas nervosas. A exploração cirúrgica desta zona é difícil e a exposição e controle distal dos vasos nesta topografia são limitados, obrigando muitas vezes a realizar a subluxação da articulação temporomandibular. Recomenda-se, sempre que possível, o estudo angiográfico dos vasos desta região e o planejamento cirúrgico para uma possível abordagem endovascular.
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Figura 14.1 - Zonas anatômicas do pescoço para lesões penetrantes.
Traumatismo da Artéria Carótida Lesões Penetrantes As lesões de artéria carótida ocorrem em aproximadamente 6% das lesões penetrantes do pescoço. A artéria carótida comum é a mais frequentemente lesada seguida pela carótida interna. As lesões penetrantes associadas a sinais fortes de traumatismo vascular como sangramento ativo, choque hipovolêmico, sopro e hematomas grandes e em expansão, devem ser submetidas à exploração imediata. Os pacientes estáveis com suspeita de lesão vascular podem ser melhores investigados com ultrassom doppler, angiotomografia ou arteriografia quando necessário. As lesões carotídeas penetrantes sem déficit neurológico devem ser reparadas sempre que possível. Os pacientes neurologicamente assintomáticos com trombose da artéria carótida devem ser conduzidos prioritariamente de forma conservadora sem revascularização carotídea. Nestes casos deve ser considerada a imediata instituição do tratamento anticoagulante para evitar complicações secundárias como a trombose da artéria cerebral média, desde que não haja contraindicação absoluta à anticoagulação. Apesar de controverso, as lesões penetrantes associadas a pequenos defeitos da íntima ou pequenos pseudoaneurismas podem ser conduzidos conservadoramente nos pacientes neurologicamente íntegros desde que rigorosamente acompanhados com USG doppler ou angiografia. Muitos centros, entretanto, recomendam que estes pacientes sejam rotineiramente abordados no intuito de evitar complicações tardias. Naqueles pacientes tratados de forma
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conservadora e que evoluem com persistência de pseudoaneurismas ou dissecção sintomática, deve-se considerar a possibilidade de tratamento endovascular. O acesso cirúrgico das lesões carotídeas vai variar de acordo com a sua porção acometida. Lesões de carótida comum na zona I são abordadas através de esternotomia ou toracotomia anterolateral alta, podendo-se associar outras incisões como acesso supra clavicular com ou sem ressecção da clavícula. Já nas lesões de zona II adota-se habitualmente incisão oblíqua ao longo da borda anterior do músculo esternocleidomastóideo através da qual é possível reparar lesões nas artérias carótidas e na veia jugular interna. Caso haja suspeita de lesão associada de outras estruturas poderá ser realizada cervicotomia exploradora transversal com uma incisão cervical anterior alta e extensões oblíquas bilateralmente. As lesões de zona III são de difícil acesso cirúrgico sendo necessário, na maioria das vezes, realizar a luxação da articulação temporomandibular.
....... Figura 14.2 - Lesão de artéria carótida comum e veia jugular interna submetida a exploração vascular por cervicotomia anterior e rafia primária.
A técnica cirúrgica utilizada para o reparo vai variar conforme a localização e o tipo de lesão, podendo ser realizada rafia primária, ressecção segmentar com anastomose termino terminal, transposição da carótida externa, reimplante da carótida interna, plastia da carótida com remendo (preferencialmente de safena) ou mesmo interposição de enxerto com veia safena ou prótese vascular. Quando a lesão acometer uma porção mais distal da carótida interna poderá ser utilizado um cateter de Fogarty para controle distal do sangramento ativo. Naqueles casos em que o reparo seja mais demorado ou que o refluxo no coto distal da carótida interna seja débil, recomenda-se a utilização de shunt intravascular. É importante ressaltar que durante o período de clampeamento da carótida o paciente deverá estar heparinizado, desde que não haja contraindicação absoluta.
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Figura 14.3 - Lesão em artéria carótida comum por projétil de arma de fogo em zona II visualizada na arteriografia cervical (A e B); Exploração vascular cervical (C).
Com o avanço da técnica endovascular e o crescente aprimoramento dos materiais disponíveis, o reparo endoluminal deverá ser considerado, principalmente no tratamento das lesões das zonas I e III. A abordagem endovascular poderá evitar a morbidade de uma esternotomia mediana, uma incisão torácica alta ou uma difícil dissecção na base do crânio. Lesões mais distais, inacessíveis cirurgicamente, podem ser revascularizadas ou embolizadas por via endovascular sob anestesia local. O uso de stents autoexpansíveis recobertos permite a exclusão endovascular de pseudoaneurismas, fístulas arteriovenosas ou mesmo transecções parciais principalmente nas regiões de difícil acesso. As lesões da zona II devem ser abordadas preferencialmente com o reparo operatório. As lesões simples de carótida externa devem ser rafiadas, ao passo que nas lesões complexas preconiza-se a ligadura ou embolização da mesma. Nos casos de lesões venosas (veia jugular interna) pode ser realizada a ligadura da mesma.
Figura 14.4 - Lesão em carótida comum direita por arma branca (A) em zona I corrigida por técnica endovascular com stent revestido (B).
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Figura 14.5 - Lesão de ramo da artéria carótida externa por arma branca em zona III (A). Embolização da carótida externa por técnica endovascular (B).
Lesões Contusas O traumatismo contuso da artéria carótida tem uma baixa incidência, mas quando presente, pode ser fatal. Mais de 90% das lesões fechadas acometem a artéria carótida interna, geralmente na sua porção distal. São conhecidos três mecanismos principais de lesão carotídea no trauma contuso: (1) hiperextensão e rotação cervical súbita; (2) contusão direta do vaso no pescoço; (3) fratura na base do crânio com laceração do vaso por fraturas ósseas. A hiperextensão ou rotação cervical é o mecanismo mais frequente e resulta de altas velocidades nos acidentes automobilísticos. Ela determina um estiramento da parede arterial promovendo uma lesão na camada íntima com dissecção da carótida podendo evoluir para a trombose arterial. Além de dissecção e/ou trombose arterial, o trauma carotídeo contuso pode evoluir com formação de pseudoaneurismas ou até mesmo com ruptura arterial completa. O diagnóstico inicial das lesões carotídeas contusas é dificultado pela frequente associação com o traumatismo craniano e pela intoxicação por etanol e por outras drogas, limitando o reconhecimento do déficit neurológico secundário ao trauma vascular carotídeo. Além disso, mesmo que não haja TCE associado, nem sempre os sinais neurológicos secundários à lesão carotídea são evidentes no momento da admissão, podendo se manifestar horas ou mesmo dias após o trauma. Pacientes vítimas de trauma cervical contuso apresentando déficit neurológico e sopro carotídeo sem alterações na tomografia de crânio deverão ter alto grau de suspeição de lesão vascular carotídea. Exames complementares como o USG doppler, a angiotomografia e a arteriografia podem auxiliar na confirmação da lesão vascular.
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O tratamento das lesões contusas da carótida é conservador na grande maioria dos casos, devendo ser instituída anticoagulação sistêmica imediata. É fato que a maior parte das lesões acomete a carótida interna distal e muitas vezes são lesões extensas, dificultando o acesso cirúrgico e limitando a correção das mesmas. Os pseudoaneurismas podem ser abordados cirurgicamente ou por via endovascular, quando factível. Em alguns casos específicos, as dissecções deverão ser abordadas por radiointervenção. A terapia endovascular tem sido reservada principalmente para os casos de dissecção em evolução que são cirurgicamente inacessíveis, para os pseudoaneurismas que persistem mesmo após o tratamento conservador (anticoagulação) ou para pacientes com agravamento dos sintomas neurológicos. É comum que os pseudoaneurismas não regridam com o tratamento clínico; além disso, 33% das dissecções agudas não oclusivas tratadas com anticoagulação evoluem com a formação de pseudoaneurismas na arteriografia de acompanhamento. Apesar do baixo risco de ruptura, esses pseudoaneurismas tendem a ser fonte de eventos embólicos crônicos ou trombose. Diante disso, recomenda-se a terapia endovascular com uso de stents recobertos com baixa morbidade. Se a lesão estiver localizada na base do crânio, a única opção de tratamento pode ser a exclusão endovascular. Quando a lesão está localizada na carótida interna proximal ou na artéria carótida comum, o vaso deve ser abordado por uma exposição anterior e realizada a rafia primária ou, mais comumente, uma plastia com remendo de veia safena magna ou prótese. Traumatismo da Artéria Vertebral O uso crescente dos exames de imagem (tomografia e arteriografia) na investigação dos traumas cervicais tem contribuído para um aumento na incidência das lesões traumáticas de artéria vertebral nos últimos anos. A maioria destes pacientes é assintomática uma vez que o sistema vertebro-basilar promove uma compensação circulatória pela artéria vertebral contra-lateral, o que torna o diagnóstico clínico ainda mais difícil. O tratamento das lesões traumáticas de artéria vertebral deverá ser individualizado conforme os achados angiográficos e a presença de circulação colateral. Pequenas lesões intimais, sem sangramento ou pseudoaneurismas, devem ser conduzidas de forma conservadora com anticoagulação sistêmica, assim como as lesões oclusivas onde ocorre a trombose da artéria vertebral. Nas lesões mais graves, principalmente naqueles casos onde haja sangramento ou fístula arteriovenosa, o tratamento de escolha é a embolização pela técnica endovascular. O reparo da artéria vertebral costuma ser reservado àqueles pacientes com hipoplasia ou ausência da artéria vertebral contralateral onde haja um comprometimento da circulação cerebral posterior. O acesso cirúrgico supra-clavicular permite expor o segmento proximal da artéria vertebral após a sua origem na artéria subclávia. A segunda porção da artéria, entretanto, é de difícil acesso uma vez que ela penetra no forame do processo transverso de C6 e se exterioriza em C1, além de haver uma rica rede venosa no seu trajeto intra-ósseo que pode Página 198
levar a um sangramento de difícil controle. Para acessar o terceiro e quarto segmento da artéria vertebral torna-se necessário a realização de craniotomia. O controle proximal deverá ser realizado, portanto, junto à origem da artéria vertebral na subclávia. Referências ARAUJO, G. R.; MATHIAS, S. B.; FELIPE JÚNIOR, G. Dados epidemiológicos. In: ROSSIM. Trauma vascular. RiodeJaneiro. Revinter, 2005.
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-Már ci aGr azi el l ySouzaVi ei r a. -JoãoEdi sondeAndr adeFi l ho. -ManoelMessi asCamposJúni or . -LucasNunesFer r ei r aAndr ade. -Bár bar aMat osdeCar val ho Bor ges.
O trauma vascular torácico tem se tornado um desafio cada vez maior no tratamento do paciente politraumatizado. O aumento da violência urbana, bem como um número cada vez maior de traumas de alto impacto, tem determinado uma incidência crescente de lesões vasculares graves e complexas no tórax, frequentemente associada a lesões de outros órgãos. A maioria das lesões vasculares no tórax são causadas por ferimentos penetrantes secundárias a arma de fogo (mais comum) ou arma branca. O trauma fechado também pode determinar lesões de grandes vasos no tórax, em especial na aorta, nas veias pulmonares, na veia cava e demais grandes vasos, na maioria das vezes relacionados a acidentes de alto impacto com veículos motorizados. Nos traumas fechados, a aorta descendente logo abaixo da emergência da artéria subclávia esquerda é o local mais frequentemente lesado, com aproximadamente 90% das lesões. O progresso nos métodos diagnósticos e terapêuticos observados nas últimas décadas tem mudado o paradigma do trauma vascular torácico. O uso da angiotomografia e a adoção do reparo endovascular para pacientes anatomicamente favoráveis contribuíram significativamente para essa mudança de paradigma. Uma radiografia em antero-posterior em posição supina deve ser obtida rotineiramente no paciente politraumatizado para pesquisar alterações como pneumotórax, hemotórax e fraturas. Achados como fratura de esterno, escápula, clavícula, primeira costela ou múltiplas costelas à esquerda devem levantar suspeita de lesão contusa de aorta torácica. Outros achados indiretos podem ser obliteração do botão aórtico, depressão do brônquio fonte esquerdo, opacidade da cúpula pleural esquerda, desvio de sonda nasogástrica para a direita, deslocamento lateral da traquéia ou alargamento patológico do mediastino. Considera-se mediastino alargado aquele com mais de 8cm ao nível do botão aórtico ou uma largura do mediastino superior a 25% em relação à largura do tórax. É importante ressaltar que um mediastino normal na radiografia de tórax não exclui lesão aórtica.
...... Figura 15.1 - Radiografia de tórax em paciente com ferimento penetrante por arma branca.
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A Angiotomografia é a modalidade de triagem de escolha na investigação da lesão vascular traumática no tórax. Pacientes com achados clínicos e com mecanismo de trauma sugestivos de lesão vascular devem ser submetidos a investigação tomográfica, assim como aqueles com alterações na radiografia de tórax como descritas acima. Pacientes com história de trauma torácico vítimas de acidentes com desaceleração grave e que apresentem exame clínico ou radiológico suspeito, necessitam de angiotomografia, sempre que possível. Os sinais diretos de lesão vascular na angiotomografia são: 1) extravasamento ativo de contraste; 2) pseudoaneurismas; 3) falhas de enchimento e retalhos intimais. Os sinais indiretos de lesão aórtica são: 1) hematoma periaórtico; 2) hematoma mediastinal. Com o advento da angiotomografia, a arteriografia deixou de ser considerada padrão-ouro no diagnóstico das lesões vasculares torácicas por seu caráter invasivo e pela necessidade de um centro de hemodinâmica, assumindo agora um papel mais terapêutico que diagnóstico na correção endovascular dos traumas vasculares. Em casos onde haja hematoma periaórtico mas sem sinais diretos de lesão aórtica ou quando a Angiotomografia não for totalmente esclarecedora, o ultrassom intravascular (IVUS) poderá ser muito útil. Através de um cateterismo da artéria femoral é inserida uma o sonda de ultrassom que fará uma avaliação em tempo real e em 360 da parede da aorta ou do vaso que se suspeita haver lesão. O IVUS pode ser realizado simultaneamente através da mesma punção utilizada para a angiografia diagnóstica. Apesar da sua limitação nos pacientes com lesão cervical e da sua dificuldade em visualizar lesões da aorta ascendente e dos ramos aórticos, o ecocardiograma transesofágico é uma ferramenta útil na avaliação da lesão traumática da aorta, permitindo o diagnóstico de lesões cardíacas associadas e podendo ser realizado à beira do leito na sala de emergência. Com a maior acessibilidade à angiotomografia, seu uso ficou restrito a alguns casos específicos. Lesão de Aorta Torácica Nos pacientes vítimas de traumas contusos, a lesão de aorta torácica é a segunda causa mais comum de morte, perdendo apenas para o traumatismo craniano. Estudos de autópsia confirmam estes dados e mostram que aproximadamente 85% dos pacientes com rotura traumática da aorta morrem no local do acidente. Os que chegam vivos geralmente apresentam lesões incompletas e não circunferenciais nas camadas média e íntima, de forma que a adventícia e a pleura mediastinal evitam a livre ruptura. O principal mecanismo associado a este tipo de lesão são acidentes com veículos motorizados, seguidos de atropelamento e quedas. O local mais comum da lesão aórtica no trauma contuso é o segmento proximal da aorta torácica descendente, mais especificamente no istmo, imediatamente após a emergência da artéria subclávia esquerda. Isso ocorre porque abaixo dessa região a aorta descendente é fixa pelas artérias intercostais, enquanto o arco aórtico é relativamente móvel, tornando essa área suscetível ao estiramento em uma desaceleração grave, com ruptura da íntima, formação de pseudoaneurismas e possível hemorragia no caso de ruptura. Dados
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mostram que a parede aórtica é capaz de suportar tensões de até 80% antes da sua ruptura. A maioria dos pacientes tem uma única lesão na aorta. De acordo com a extensão da lesão nas camadas anatômicas da parede aórtica, a lesão contusa da aorta torácica pode ser classificada em quatro graus: Quadro 15.1 - Classificação da Lesão Contusa da Aorta Torácica Grau
Descrição
GRAU I
Ruptura da íntima (lesão aórtica mínima)
GRAU II
Hematoma intramural e dissecções
GRAU III
Pseudoaneurismas
GRAU IV
Ruptura da aorta
Figura 15.2 - Classificação das lesões contusas da aorta torácica. Fonte: adaptado de RUTHERFORD, 2016.
A lesão contusa da aorta torácica ocorre mais frequentemente em pacientes jovens e é causada principalmente por acidentes com veículos motorizados (sendo responsável por aproximadamente 80% dos casos) e quedas. A colisão frontal é o mecanismo mais comum, podendo ocorrer também nos impactos laterais e traseiros. O fator de o paciente ser ejetado do veículo, duplica o risco de rotura. As quedas que resultam em lesão aórtica são geralmente de alturas maiores que 3 metros. Durante a avaliação inicial do trauma recomenda-se a realização de uma radiografia do tórax, bem como uma ultrassonografia do saco pericárdico para avaliar hemopericárdio. Se houver suspeita de lesão vascular torácica com estabilidade hemodinâmica, o ideal é que o paciente seja submetido a uma angiotomografia, tentando minimizar ao máximo o tempo de permanência dele no setor da radiologia. Os pacientes com lesão contusa traumática da aorta que se manifestam com instabilidade hemodinâmica têm mortalidade global (envolvendo todas as causas) superior a 90%, ao passo que naqueles hemodinamicamente estáveis a mortalidade é inferior a 25%. Algumas situações sugerem postergar a correção da lesão de aorta e adotar um tratamento clínico conservador inicial (desde que hemodinamicamente estável). São elas: Traumatismo craniano associado (hemorragia ou edema);
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Lesão abdominal grave de órgão sólido e fraturas pélvicas (que contraindiquem temporariamente o uso de heparina); Coagulopatia grave; Lesão pulmonar grave; Risco cardíaco elevado (alterações de contratilidade segmentar ao ecocardiograma, angina e revascularização coronariana por ponte prévia).
O reparo tardio proporciona uma melhor otimização do doente bem como o tratamento de outras lesões graves associadas. Dentre as medidas clínicas adotadas nestes pacientes recomenda-se: 1) rigoroso controle dos níveis pressóricos, mantendo PA sistólica < 100mmHg ou pressão arterial média (PAM) < 80mmHg; 2) controle da frequência cardíaca < 100bpm utilizando betabloqueador venoso associado ou não a um vasodilatador para reduzir o cisalhamento da parede aórtica. Caso haja aumento rápido do hematoma mediastinal ou do derrame pleural, anúria persistente, extravasamento de contraste no tórax, hipotensão ou isquemia de membro, o tratamento conservador deve ser revisto e optado pela correção imediata da lesão. Pacientes com lesões de grau I podem ser tratados conservadoramente (tratamento clínico), com bons resultados a longo prazo, devendo ser realizada angiotomografia de controle em 4 a 6 semanas. Pacientes estáveis com lesões grau II e III podem ser submetidos à correção endovascular da aorta torácica (TEVAR) de forma eletiva, desde que anatomicamente favoráveis ao método. Os doentes com lesão grau IV devem ser submetidos à correção endovascular em caráter de emergência se a anatomia permitir. Pacientes que não são anatomicamente favoráveis ao reparo endovascular, como aqueles com lesões do arco aórtico ascendente ou transversal, podem ser submetidos ao reparo aberto. Correção Endovascular da Lesão de Aorta Torácica A correção endovascular é o tratamento de escolha para as lesões aórticas traumáticas contusas. Para que o procedimento seja viável é necessário, entretanto, que o paciente seja anatomicamente favorável ao implante da endoprótese. As diretrizes da SVS (Society for Vascular Surgery) propõem o reparo endovascular como primeira opção nas lesões grau II a IV, recomendando o manejo expectante nas lesões grau I. Caso não haja outras lesões traumáticas concomitantes graves, recomenda-se a correção já nas primeiras 24 horas. Caso contrário, realiza-se o reparo das outras lesões e a seguir a correção endovascular da lesão de aorta ainda na mesma internação hospitalar. O reparo endovascular deverá ser realizado independente da idade (desde que anatomicamente favorável), com revascularização seletiva da artéria subclávia esquerda, administrando-se heparina intravenosa de rotina, com anestesia geral e por acesso femoral. A drenagem liquórica espinhal deverá ser avaliada caso a caso. O procedimento de correção endovascular da aorta torácica (TEVAR) é realizado em sala de hemodinâmica e consiste no implante de uma endoprótese de aorta torácica de forma a cobrir e excluir toda a lesão. Eventualmente pode ser necessário cobrir a origem da
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artéria subclávia esquerda com a prótese para que haja uma área de ancoragem melhor do dispositivo evitando, assim, vazamentos (endoleak) ou migração da prótese. Nesses casos, deverá ser considerada a revascularização da subclávia esquerda através de um enxerto carotídeo-subclávio ou por meio do uso de enxertos fenestrados durante o TEVAR. O procedimento será realizado sob anestesia geral e com acesso femoral (aberto ou por técnica percutânea). O paciente deverá ser heparinizado no intra-operatório, recomendando-se uma dose menor nos casos de lesões multiorgânicas graves, podendo ser revertida com protamina ao final do procedimento, caso necessário. Cirurgia Aberta na Correção da Lesão de Aorta Torácica Diante da suspeita de lesão contusa da aorta torácica no istmo, o acesso mais recomendado é uma toracotomia póstero-lateral esquerda na topografia do quarto espaço intercostal. Através desta incisão será possível realizar o controle proximal e distal da aorta, bem como da artéria subclávia esquerda. O controle proximal da aorta é realizado geralmente entre a artéria carótida comum esquerda e a subclávia esquerda. O controle distal é colocado o mais proximal possível em relação ao local da lesão (geralmente o clampeamento é realizado na topografia de T6) de forma otimizar a perfusão da medula espinhal. A correção pode ser feita com reparo primário da lesão ou interposição de um substituto (prótese de Dacron). O conhecimento da anatomia esofágica e brônquica, bem como dos nervos frênico e vago, é fundamental para evitar lesões inadvertidas. Em alguns casos pode ser necessário procedimento que proporcione perfusão aórtica distal por bypass ou até mesmo circulação extracorpórea completa, entre eles derivação átrio esquerdo – aorta torácica descendente, by-pass do átrio esquerdo para artéria femoral ou by-pass artéria femoral-veia femoral. O paciente receberá anticoagulação sistêmica com heparina intravenosa com dose entre 100 a 500U/kg (1 a 5mg/kg) de forma a manter um TCA (tempo de coagulação ativado) entre 250 e 480 segundos a depender do tipo de reparo necessário da lesão aórtica. A lesão deverá ser corrigida com Prolene 3-0 ou 4-0. Além da execução de um reparo vascular tecnicamente correto, a proteção da medula espinhal e a proteção distal dos demais órgãos deverão ser uma preocupação predominante durante o reparo operatório da lesão contusa no istmo aórtico ou na aorta torácica descendente. A lesão da medula espinhal poderá ocorrer tanto durante o reparo operatório quanto no período pós-operatório. A interrupção de fluxo arterial com o clampeamento aórtico é o principal responsável pela isquemia da medula espinhal. Além disso, a hipertensão proximal ao ponto de clampeamento aórtico poderá favorecer uma produção aumentada de líquor e diminuir a perfusão da medula espinhal. Os principais fatores relacionados à paraplegia pós-operatória são a duração do pinçamento vascular, nível e extensão do segmento aórtico clampeado, a pressão de perfusão da aorta distal ao clampe, hipotensão arterial sistêmica e número de artérias intercostais ligadas durante a cirurgia. É importante ressaltar que perfusão da medula espinhal é dependente das artérias radiculares, que se originam das artérias intercostais posteriores e
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lombares. O suprimento de sangue colateral para a medula é suplementado por ramos da artéria subclávia esquerda e artérias ilíacas interna. A artéria de Adamkiewicz (que geralmente surge entre T8 e L4) é essencial para a perfusão da medula espinhal torácica inferior devido à descontinuidade da artéria espinhal anterior. Apesar de controversas, algumas medidas podem ser usadas para reduzir a incidência de paraplegia como drenagem do líquido cefalorraquidiano, reimplante das artérias intercostais, hipotermia e uso de esteroides, barbitúricos ou papaverina. A maioria dos estudos tem evidenciado taxas de paraplegia significativamente maiores nos casos de reparo aberto quando comparados à correção endovascular, principalmente quando o tempo de clampeamento foi maior que 30 minutos. Eventualmente algumas lesões traumáticas estáveis da aorta torácica podem não ser identificadas no momento do trauma e serem diagnosticadas de forma mais tardia anos após o evento. Quando presentes, na maioria das vezes se manifestam como falsos aneurismas, geralmente saculares e localizados imediatamente após a subclávia esquerda. Apesar de controverso, alguns autores consideram que lesões diagnosticadas mais de 2 anos após o trauma devem ser conduzidas de forma semelhante aos aneurismas torácicos verdadeiros. Os resultados da correção endovascular estão associadas e menor morbimortalidade que a correção aberta.
Figura 15.3 - Enxerto aorto-aórtico com correção aberta de lesão no istmo (A) e acesso por toracotomia póstero-lateral esquerda (B). Fonte: adaptado de RUTHERFORD, 2016.
Lesão de Tronco Braquicefálico A rotura da artéria inominada é a segunda lesão arterial mais frequente no trauma torácico contuso e geralmente acomete o seu segmento proximal. O acesso é realizado através de uma esternotomia mediana sendo necessário, em alguns casos, uma extensão cervical direita. A confecção de um enxerto com prótese de Dacron da aorta ascendente para a artéria inominada distal permite a correção da lesão sem a necessidade de abordar diretamente o ponto de lesão vascular. O clampeamento da aorta pode ser parcial e o coto do tronco braquiocefálico deve ser rafiado cuidadosamente.
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Lesão de Arco Aórtico e Aorta Ascendete As lesões de arco aórtico e aorta ascendente são pouco comuns pois a sua real incidência é mascarada pela grande letalidade destas lesões, na maioria das vezes culminando com o óbito na cena do trauma. Quando presentes, geralmente se manifestam com alargamento de mediastino e tamponamento cardíaco, principalmente nas rupturas de aorta ascendente. A melhor via de acesso para o reparo cirúrgico é através de uma esternotomia mediana com uma rafia primária da lesão ou interposição de enxerto vascular, sendo necessária circulação extracorpórea. Devem ser consideradas técnicas de perfusão cerebral anterógrada e retrógrada nas lesões do arco aórtico.
Figura 15.4 - Enxerto Aorto-Inominada para correção de lesão de tronco braquiocefálico (A). Acesso por esternotomia mediana (B). Fonte: adaptado de RUTHERFORD, 2016.
Lesão de Artéria Carótida Comum Esquerda A lesão da artéria carótida interna esquerda no seu segmento intra-torácico exige uma abordagem diferente do tratamento da lesão cervical. Nestes casos o tratamento deve ser realizado através de uma esternotomia mediana com extensão cervical esquerda, quando necessário. Após controle proximal e distal, procede-se a confecção de um enxerto com prótese evitando-se, sempre que possível, o reimplante com anastomose término-terminal da carótida. A correção endovascular da lesão intratorácica da carótida comum esquerda com implante de stent revestido também é factível e deve ser levada em consideração nos centros que disponham de sala de hemodinâmica além de equipe treinada e material específico para tal. Maiores considerações sobre o trauma carotídeo podem ser observadas no capítulo de trauma vascular cervical. Lesão de Vasos Subclávios As lesões de vasos subclávios ocorrem mais frequentemente em traumas penetrantes, principalmente por arma de fogo. Quando houver acometimento da artéria subclávia esquerda o acesso preferencial se dá através de uma toracotomia anterolateral esquer-
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da sendo necessário, muitas vezes, um acesso supra clavicular (com ou sem ressecção da clavícula) para controle distal da subclávia. Eventualmente pode ser realizada uma esternotomia mediana comunicando estas duas incisões e permitindo um melhor acesso nas lesões complexas. Dessa forma, a suspeita clínica e a investigação pré-operatória com angiotomografia são fundamentais no planejamento cirúrgico destas lesões.
Figura 15.5 - Toracotomia anterolateral esquerda (A) e extensão mediana e supraclavicular da toracotomia (B). Fonte: adaptado de RUTHERFORD, 2016.
Lesões que acometam o segmento proximal da artéria subclávia direita devem ser abordadas preferencialmente através de uma esternotomia mediana com extensão cervical direita ou eventualmente acesso supra clavicular direito. Além do tratamento convencional (cirurgia aberta), bons resultados têm sido descritos com a abordagem endovascular das lesões contusas ou penetrantes das artérias subclávia, carótida comum proximal e artéria inominada.
Figura 15.6 - Lesão de artéria subclávia esquerda por arma de fogo com formação de grande pseudoaneurisma.
Lesão de Veia Cava Superior ou Inferior As lesões traumáticas de veia cava superior e inferior são mais frequentemente decorrentes de traumas penetrantes. Lesão contusa de veia cava é rara e, quando presente, geralmente está associada a mecanismos de rápida desaceleração, ocorrendo na maioria das vezes nos reflexos pericárdicos, onde as cavas são fixas e mais vulneráveis a forças de tensão como no diafragma. A desaceleração descendente do fígado também pode estar relacionada ao mecanismo de laceração da veia cava inferior, assim como o efeito Valsalva com uma súbita compressão abdominal podendo levar à rotura da cava. A associação de lesão de veia cava inferior retro-hepática e veias hepáticas não é incomum.
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As lesões mais comuns de veia cava ocorrem no trauma penetrante podendo ter localização variável. A radiografia de tórax e o ultrassom de saco pericárdico podem oferecer informações iniciais sugestivas como o derrame pericárdico. Nas lesões extensas de veia cava superior ou inferior e de veia cava retro-hepática pode ser necessário uma derivação atriocaval ou cardiopulmonar. A correção das lesões deve ser realizada preferencialmente com o uso de remendos de pericáridio bovino ou nativo para evitar complicações pós-operatórias como síndrome da veia cava superior, estenose ou oclusão da cava inferior. O tratamento endovascular com o uso de stents pode ser considerado em centros com hemodinâmica. Lesão de Vasos Pulmonares A lesão vascular pulmonar é pouco frequente no trauma fechado. Quando ocorre, geralmente está associada a mecanismos de desaceleração brusca podendo causar rotura em pontos fixos como na junção das veias pulmonares e o átrio esquerdo. O trauma vascular pulmonar é mais frequente nas lesões penetrantes. É importante ressaltar que mesmo diante de lesões graves nos vasos pulmonares o paciente pode se apresentar hemodinamicamente estável em virtude de a circulação pulmonar ser um sistema de baixa pressão. Dessa forma, quando preenchido por sangue, o espaço pleural pode promover uma pressão positiva tamponando a lesão e impedindo a persistência do sangramento. Nestes casos, a drenagem torácica, poderá promover um rápido esvaziamento do hemotórax levando à instabilidade hemodinâmica e favorecendo um maior sangramento. Diante desse cenário, deverá ser considerada uma rápida toracotomia para controle do sangramento. Pacientes que se apresentem com hemotórax maciço ou com drenagem contínua e persistente de sangue pelo dreno de tórax com volume maior que 200mL por hora devem ser avaliados quanto à possibilidade de toracotomia. No intra-operatório o sangramento poderá ser rápida e provisoriamente controlado através da compressão dos vasos no hilo pulmonar, permitindo, assim, visualizar o local do sangramento e rafiar as lesões identificadas. Referências ARAUJO, G. R.; MATHIAS, S. B.; FELIPE JÚNIOR, G. Dados epidemiológicos. In: ROSSIM. Trauma vascular. RiodeJaneiro. Revinter, 2005. AMERICAN COLLEGE OF SURGEONS. Advanced Trauma Life Support (ATLS). 10 ed. 2018. AMORIM, J. E. Manual de Angiologia e Cirurgia Vascular e Endovscular. 1 ed. Barueri. Manole, 2020.
BRITO, C. J. S.; ROSSI, M. Cirurgia Vascular: Cirurgia Endovascular, Angiologia. 4 ed. Rio de Janeiro. Revinter, 2020. CRONENWETT, J. L.; JOHNSTON, K. Rutherford: Cirurgia Vascular. 8 ed. Rio de Janeiro. Elsevier, 2016. LOBATO, A. Cirurgia Endovascular. 3 ed. São Paulo. ICVE, 2015.
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MAFFEI, F. H. A.; YOSHIDA, W. B.; LASTÓRIA, S. Doenças Vasculares Periféricas. 5 ed. Rio de Janeiro. Guanabara Koogan, 2016. MATTOX, K. L.; MOORE, E. E.; FELICIANO, D. V. Trauma. 8ed. NewYork:McGrawHill, 2017. RICH, N.; MATTOX, K.; HIRSHBERG, A. Trauma Vascular. 3 ed. Elsevier, 2017.
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Tr aumaVascul ar Abdomi nal
CAPÍ TULO
-JoãoEdi sondeAndr adeFi l ho. -JoséXavi erRodr i guesdeFr ei t as. -Már ci aGr azi el l ySouzaVi ei r a. -Her onKai r oSabói aSant ’ Anna Li ma. -JoséW al t erFei t osaGomes.
A principal causa de morte nos pacientes vítimas de ferimento penetrante no abdome é a lesão vascular. Diante disso, um rápido transporte ao centro de trauma, o reconhecimento imediato das lesões e uma intervenção cirúrgica precoce por uma equipe bem treinada são fundamentais para otimizar a sobrevida destes pacientes. O trauma penetrante é responsável pela maioria das lesões vasculares abdominais e responde por cerca de 90% dos casos. Em pacientes submetidos a laparotomia exploradora por trauma, a incidência de lesão vascular é de aproximadamente 14% para ferimentos por arma de fogo, 10% para ferimentos por arma branca e 3% para traumas contusos São três os principais mecanismos relacionados ao trauma vascular abdominal fechado: rápida desaceleração, lesão direta por fragmentos ósseos e esmagamento. A estratificação da incidência nos diferentes vasos varia conforme estatísticas de diversos centros de trauma. De uma forma geral, o vaso mais comumente lesado é a veia cava inferior (aproximadamente 25% das lesões), seguida pela aorta (21%), artérias ilíacas (20%), veias ilíacas (17%), veia mesentérica superior (11%) e artéria mesentérica superior (10%). Anatomia Cirúrgica Com o objetivo de normatizar a avaliação e o tratamento das lesões vasculares abdominais, o abdome foi convencionalmente dividido em três zonas anatômicas: Quadro 16.1 – Zonas Vasculares Abdominais Região
Estruturas Vasculares
Zona 1
Retroperitônio da linha média estendendo-se do hiato aórtico até o promontório sacral. É subdividida em áreas supramesocólica e inframesocólica.
Zona 2
Região à direita e à esquerda da zona 1 incluindo as goteiras parietocólicas. Retroperitônio pélvico e vasos ilíacos.
Supramesocólica: aorta suprarrenal e seus ramos (tronco celíaco, artéria mesentérica superior e artérias renais); veia cava inferior supramesocólica (VCI) com seus ramos principais e veia mesentérica superior. Inframesocólica: aorta infrarrenal e VCI. Artéria e veias renais; rins.
Zona 3
Artérias e veias ilíacas e seus ramos.
Alguns autores consideram ainda a existência de uma quarta zona na área perihepática e engloba a veia porta, a artéria hepática, a veia cava inferior (VCI) retro-hepática e as veias hepáticas
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Figura 16.1 - Zonas anatômicas para as lesões vasculares retroperitoneais.
Achados Clínicos A manifestação mais comum no paciente com trauma vascular é o choque hipovolêmico. A apresentação clínica vai depender de qual o vaso acometido, do tamanho e tipo da lesão, bem como das lesões abdominais associadas, entre outros. Muitos destes pacientes morrem na cena do trauma e cerca de 15% perdem os sinais vitais no transporte ou na sala de emergência. Eventualmente estes pacientes se manifestam hemodinamicamente estáveis. É o que ocorre quando o retroperitônio promove uma contenção do sangramento ou quando ocorre a trombose do vaso lesado. Dor e distensão abdominal também são sugestivos de lesão vascular, principalmente quando associados à hipotensão. Quando houver lesão de vasos ilíacos, além da manifestação abdominal, o paciente pode apresentar sinais de isquemia nos membros inferiores. Diante da suspeita de lesão vascular no trauma abdominal penetrante, nenhum exame de imagem complementar é necessário uma vez que o estado crítico já justifica a laparotomia exploradora. Nos casos de ferimento por arma de fogo, uma radiografia simples do abdome poderá ser realizada para averiguar a localização do projétil, estimar o seu trajeto e orientar o planejamento terapêutico. Nos casos de trauma contuso, a angiotomografia assume importante papel devendo ser realizada quando houver estabilidade hemodinâmica. Ela possibilitará avaliar presença de hematomas, dissecção, pseudoaneurismas, trombose e a localização precisa das mesmas.
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Tratamento O tratamento dos pacientes com trauma vascular abdominal começa no ambiente pré-hospitalar e a sobrevivência destes doentes dependerá, entre outros fatores, de um rápido transporte ao centro de trauma com imediato controle cirúrgico do sangramento. A ressuscitação volêmica pré-hospitalar é controversa e deverá ser realizada com ressalvas, uma vez que administração vigorosa de fluidos esteve associada a aumento da hemorragia e da mortalidade em algumas séries de pacientes com trauma de aorta abdominal. Dessa forma, sugere-se sempre acesso venoso calibroso com reposição volêmica de forma a manter um grau de hipotensão controlada evitando sangramentos maciços, mas também reduzindo a chance de parada cardíaca por hipovolemia severa. Alguns trabalhos sugerem manter uma pressão arterial sistólica entre 80 e 90mmHg. A intubação endotraqueal deve ser evitada no departamento de emergência porque a indução de sequência rápida muitas vezes está associada à descompensação cardiovascular, exceto para os doentes com risco iminente de parada cardíaca. Diante da suspeita de lesão vascular abdominal, não se deve perder tempo com ressuscitação volêmica ou investigação diagnóstica, exceto a radiografia de tórax simples na sala de reanimação. Cateter intravenoso calibroso deve ser inserido nas extremidades superiores ou nas veias centrais, evitando-se acesso nas veias femorais pelo risco de lesão de veias ilíacas ou veia cava inferior. Os pacientes admitidos em parada cardíaca devem ser submetidos a intubação endotraqueal devendo ser considerada a realização de toracotomia de ressuscitação ântero-lateral no quinto espaço intercostal esquerdo para clampeamento da aorta torácica distal e massagem cardíaca de reanimação. Caso haja sucesso, o procedimento deverá ser concluído na sala cirúrgica. Uma alternativa à toracotomia de reanimação é a inserção endovascular de cateter balão por via femoral para oclusão temporária da aorta torácica distal permitindo uma melhora na perfusão central reduzindo, eventualmente, o sangramento abdominal. Identificada a lesão vascular, a ressuscitação volêmica deverá ser realizada com infusão de hemoderivados. É importante que o preparo do campo operatório seja realizada antes da indução anestésica uma vez que esta pode ocasionar uma rápida descompensação hemodinâmica. Recomenda-se uma laparotomia mediana ampla e imediata, controle temporário do sangramento por compressão direta e pinçamento aórtico, se necessário, no diafragma. Em casos de hematoma retroperitoneal alto (próximo ao hiato aórtico), a exposição infradiafragmática da aorta é difícil e uma toracotomia esquerda para controle proximal pode ser evitada através do acesso endovascular com a oclusão aórtica temporária por balão. A lesão vascular poderá se manifestar por sangramento intraperitoneal, hematoma retroperitoneal ou mesmo a associação de ambos. Eventualmente, nos traumas contusos, poderá ocorrer a trombose vascular sem que haja necessariamente hematoma ou sangramento associado.
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Abordagem Cirúrgica dos Hematomas Retroperitoneais O tratamento dos hematomas retroperitoneais dependerá, entre outras coisas, do mecanismo do trauma vascular. Os hematomas de trauma penetrante deverão, quase que invariavelmente, ser abordados independente do tamanho, salvo raras exceções como os hematomas retrohepáticos estáveis e não expansíveis. Os hematomas retroperitoneais decorrentes de trauma fechado raramente requerem exploração devido à baixa incidência de lesões vasculares subjacentes que requerem reparo cirúrgico. A exploração destes hematomas deverá ser limitada a pacientes com hematomas expansivos, pulsáteis ou com sangramento ativo. Dessa forma, exploração de hematoma de zona 2 devido trauma renal poderá levar a uma nefrectomia desnecessária, assim como a exploração de um hematoma de zona 3 por fraturas pélvicas poderá ocasionar sangramento irreversível. Algumas situações especiais justificam a exploração do hematoma retroperitonial por trauma contuso, sejam elas: 1) hematoma paraduodenal (pelo risco de lesão duodenal subjacente); 2) hematoma zona 3 associado a ausência de pulso femoral (pelo risco de lesão de artéria ilíaca); 3) hematoma na raiz do mesentério associado a isquemia intestinal (possível lesão de artéria mesentérica superior). Nos casos de trauma abdominal vascular contuso em que seja optado por tratamento conservador e não exploração do hematoma, o mesmo deverá ser reavaliado sistematicamente no pós-operatório com USG doppler, angiotomografia ou, eventualmente, arteriografia. O advento da radiointervenção possibilitou uma melhor abordagem destes hematomas estáveis, permitindo não só uma avaliação como também o tratamento das lesões vasculares, evitando, assim, as complicações inerentes ao acesso cirúrgico. No caso de sangramento ativo grave, a lesão deve ser imediatamente contida por compressão direta. A seguir realiza-se a dissecção com controle proximal e distal do vaso para então proceder o reparo da lesão. Nos pacientes com choque hipovolêmico grave poderá ser realizado clampeamento da aorta no hiato aórtico ou a oclusão temporária com balão intra-aórtico. As lesões vasculares de zona 1 supramesocólica são de difícil abordagem em virtude da grande concentração de vasos nobres nesta região (aorta, artéria mesentérica superior, tronco celíaco, veia cava inferior e vasos renais) e do controle proximal na aorta infradiafragmática, algumas vezes sendo necessário toracotomia anterolateral esquerda ou oclusão endovascular da aorta para este controle. A exposição da aorta supramesocolica e seus ramos principais é melhor realizada pela mobilização e rotação medial das vísceras do abdome superior esquerdo. Já as lesões de veia cava inferior supramesocolica são melhor expostas pela rotação medial do cólon direito e flexura hepática, além de manobra de Kocher para mobilização duodenopancreática. A abordagem da zona 1 inframesocólica é realizada acessando a base do mesentério, deslocando-se o cólon transverso para cima e as alças do intestino delgado para a
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direita. Eventualmente, caso necessário, poderá ser realizada a rotação medial do cólon direito ou esquerdo. O hematoma de zona 2, quando do lado direito, é abordado pela mobilização e rotação medial do colon direito, duodeno e pâncreas. No lado esquerdo, realiza-se a rotação medial do cólon esquerdo. Os sangramentos de zona 3 geralmente são abordados através da dissecção direta do peritónio sobre os vasos ilíacos. Quando necessário, poderá ser realizada rotação medial do cólon direito ou esquerdo. Abordagem Endovascular As técnicas endovasculares, apesar de limitadas nos pacientes com sangramento ativo decorrente de trauma vascular penetrante, são úteis no controle temporário do sangramento ou no tratamento definitivo de algumas lesões vasculares, principalmente nos traumas fechados. A abordagem endovascular pode ser utilizada para controle proximal temporário do sangramento através da utilização de balão intra-aórtico a ser insuflado na aorta torácica descendente distal. Em alguns casos o sangramento pode ser corrigido de forma definitiva através da embolização do vaso sangrante ou da interposição de um stent revestido na área de lesão vascular interrompendo instantaneamente a hemorragia. As técnicas intervencionistas por angiorradiologia têm grande utilidade na abordagem dos hematomas retroperitoneais de zona 3 associadas a fratura de bacia, permitindo a identificação do vaso sangrante através da arteriografia e a embolização para controle do sangramento, com excelentes resulatdos. Sabe-se que a abordagem cirúrgica destas lesões está associada a elevadas taxas de sangramento e mortalidade. Cirurgia de Controle de Danos A presença de lesão vascular abdominal muitas vezes se manifesta através de choque hipovolêmico grave com necessidade de múltiplas transfusões. O conceito de controle de danos é de extrema importância nestes pacientes, mas não deve ser considerado com último recurso, sendo recomendado em estágios mais precoces, antes que o paciente apresente quadros irreversíveis de hipotensão e coagulopatia, principalmente em naqueles com idade avançada e outras doenças crônicas associadas. Dessa forma, em pacientes com trauma vascular abdominal grave que apresentem hipotensão, acidose e coagulopatia, tentativas persistentes para reparar e reconstruir todas as lesões abdominais poderá resultar em taxas ainda maiores de mortalidade. Esses doentes se beneficiam com o controle de danos imediato e posterior reconstrução definitiva. As lesões venosas complexas são então ligadas, as lesões arteriais são derivadas temporariamente com shunts e os sangramentos parenquimatosos e retroperitoneais difusos são tamponados com compressas.
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O abdome deve ser fechado temporariamente com material protético ou curativo a vácuo e o paciente é transferido para UTI para estabilização. Após estabilizar, retornará à sala de cirurgia para reparo vascular definitivo e fechamento definitivo da parede abdominal. É importante ressaltar que na cirurgia de controle de danos o abdome nunca deve ser fechado primariamente em virtude da elevada incidência de síndrome compartimental abdominal. Síndrome Compartimental Abdominal A Síndrome compartimental abdominal decorre da hipertensão na cavidade abdominal com pressões acima de 20mmHg associada a disfunção orgânica. A pressão intraabdominal normal em repouso na posição supina é próxima à zero. Pressões acima de 12mmHg já traduzem hipertensão intra-abdominal. A síndrome do compartimento abdominal se caracteriza por tensão abdominal, taquicardia com ou sem hipotensão, disfunção respiratória e oligúria. Os principais fatores de risco relacionados ao desenvolvimento da síndrome compartimental abdominal são: hipotensão prolongada, hipotermia, transfusões maciças, cirurgia de controle de dano, necessidade de clampeamento da aorta e fechamento hermético da parede abdominal. Dessa forma, em pacientes com trauma vascular abdominal grave, o abdome nunca deverá ser fechado sob tensão uma vez que o edema intestinal progressivo frequentemente resultará em síndrome compartimental. O diagnóstico é realizado através do exame clínico e com a medida da pressão abdominal, que pode ser obtida através de um cateterismo vesical. De uma forma geral, pressão abdominal maior que 20 a 30mmHg deve ser considerada para descompressão cirúrgica, podendo ser realizada mesmo com pressões menores caso haja disfunção orgânica. É realizado então o fechamento temporário do abdome com dispositivos de cobertura, ficando o fechamento definitivo para um segundo momento quando houver uma melhora do edema intestinal.
Lesão de Aorta Abdominal A causa mais comum de lesão de aorta abdominal é o trauma penetrante. Lesões contusas são raras e podem estar associadas a fratura na coluna ou lesão por cinto de segurança. Nos pacientes que chegam vivos ao hospital as lesões mais encontradas são dissecção ou trombose, uma vez que a rotura de aorta acaba por determinar o óbito no próprio local do acidente. A apresentação clínica dependerá do mecanismo e tipo da lesão. No trauma fechado o paciente pode manifestar quadro de isquemia visceral, isquemia de membros inferiores ou sangramentos agudos. O diagnóstico poderá ser realizado no intra-operatório de laparotomia ou através da investigação com angiotomografia. Nos pacientes com lesões penetrantes que chegam vivos ao hospital, a maioria apresenta choque hipovolêmico na admissão, podendo estar normotensos quando o hematoma estiver contido no retroperitôPágina 217
neo. Eventualmente estas lesões passam despercebidas e podem ser diagnosticas tardiamente com o achado de pseudoaneurisma na aorta. O trauma penetrante da aorta sempre requer reparo, na maioria das vezes sendo realizada correção cirúrgica aberta. No trauma contuso, pequenas dissecções podem ser tratadas de forma conservadora e acompanhadas com angiotomografia. Nas lesões contusas mais graves com grandes hematomas retroperitoneais, hemorragia na cavidade abdominal ou grandes dissecções, recomenda-se o reparo das lesões por laparotomia ou endovascular. O tratamento endovascular, quando disponível, tem um papel fundamental no tratamento das lesões aórticas infra-renais, principalmente nos casos de hematomas retroperitoneais estáveis contidos, dissecção de aorta, pseudoaneurismas ou mesmo fístulas aortocava. O tratamento é realizado habitualmente com o implante de uma endoprótese de aorta por acesso femoral. A correção cirúrgica aberta é realizada através de laparotomia mediana, podendo ser necessário toracotomia esquerda para clampeamento da aorta torácica descendente nas lesões de zona 1 supramesocólica. Eventualmente, o tratamento híbrido com interposição de balão intra-aórtico por acesso endovascular pode ser realizado para controle proximal das lesões de difícil acesso. Na maioria dos casos a correção aberta é realizada através da arteriorrafia da parede aórtica com prolene 3-0. Lesões mais complexas da parede da aorta podem requerer reconstrução vascular com enxerto protético através da interposição e anastomose termino-terminal entre a prótese e a aorta. Nesses casos, é de extrema importância que a cavidade abdominal seja rigorosamente lavada para remoção de todo material entérico que eventualmente esteja contaminando a cavidade antes de realizar as anastomoses vasculares. Alguns autores sugerem a não utilização de próteses caso haja lesão intestinal associada pelo elevado risco de infecção na prótese.
Figura 16.2 - Lesão de aorta abdominal por arma branca (A) e a correção por arteriorrafia (B).
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Lesão de Veia Cava Inferior A veia cava inferior (VCI) é o vaso mais comumente lesado nos traumas abdominais vasculares, sendo responsável por 25% dos casos. O trauma fechado determina 10% das lesões da VCI e geralmente acontece na sua porção retro hepática. Muitos pacientes morrem no local do acidente e, daqueles que chegam vivos ao hospital, mais da metade apresenta choque hipovolêmico, sendo necessário toracotomia de reanimação em 18% deles. Alguns chegam hemodinamicamente estáveis quando o hematoma se encontra contido no retroperitôneo. Como regra geral, todos os hematomas retroperitoneais decorrentes de trauma penetrante devem ser explorados, exceto os hematomas retro hepáticos estáveis, uma vez que a exploração destes poderá ocasionar destamponamento da lesão com hemorragia incontrolável e morte. A exposição da veia cava inferior infrarrenal e justarrenal é realizada através da mobilização e rotação medial do cólon direito, flexura hepática e duodeno. A exposição da VCI retro-hepática, por sua vez, é desafiadora e exige ampla mobilização do fígado através da divisão dos seus ligamentos. Nestes casos, a adição de uma incisão subcostal direita proporciona excelente exposição e, caso insuficiente, poderá ser acrescida de uma esternotomia mediana. Esta permitirá expor as estruturas lesadas e, caso necessário, a oclusão vascular hepática total ou shunt atriocaval, permitindo acesso ao átrio direito e veia cava supra-hepática. Caso tenha sido optado por uma toracotomia direita, essa incisão deverá ser conectada à laparotomia incisando o diafragma circunferencialmente. Naquelas situações onde mesmo com as incisões adicionais não seja possível realizar o tamponamento da hemorragia ou o reparo adequado da VCI ou das veias hepáticas, poderão ser utilizadas manobras como o isolamento vascular hepático total, o shunt atriocaval ou mesmo a divisão do fígado. O shunt atriocaval consiste no estabelecimento de um shunt entre a veia cava inferior suprarrenal e o átrio direito. Através de uma pequena incisão com sutura em bolsa na aurícula direita é inserido um tudo de toracostomia de grosso calibre ou um tubo endotraqueal e direcionado para a veia cava inferior, sendo posicionado abaixo do local de lesão da cava. São aplicados torniquetes ao redor da VCI suprarrenal e intrapericárdica de forma a impedir a passagem de sangue entre o tubo inserido e as paredes da veia cava. Caso seja utilizado um tubo endotraqueal o balão será insuflado acima das renais e devem ser criados um ou mais orifícios na porção endoatrial do tubo. Apesar de associada a alta mortalidade, essa medida possibilitou salvar vidas em situações extremas. O isolamento vascular hepático total consiste no clampeamento da aorta infradiafragmática, da veia cava inferior (VCI) supra-hepática, VCI infra-hepática acima das veias renais e da tríade portal. É importante ressaltar que o clampeamento da aorta deverá preceder o clampeamento da VCI para evitar parada cardíaca decorrente da grave redução do retorno venoso pós oclusão da veia cava. A divisão do fígado ao longo do plano da vesicula biliar para expor diretamente o fígado deve ser evitada por aumentar o sangramento, devendo ser considerado apenas
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quando o fígado já estiver gravemente lesado permitindo a exposição e dissecção direta da VCI. Na maioria dos casos, a lesão da veia cava inferior poderá ser corrigida através da rafia da lesão com prolene 3-0 ou 4-0. As lesões posteriores são rafiadas girando a VCI, ao passo que nas lesões transfixantes, o reparo da parede posterior pode ser realizado por dentro da VCI ampliando a lesão da parede anterior. Nos pacientes com lesões complexas de VCI infrarrenal em pacientes hemodinamicamente instáveis ou quando o reparo determinar estenose muito significativa, a ligadura da VCI pode ser considerada. A ligadura da VCI suprarrenal, entretanto, está proscrita e a sua realização implicará em insuficiência renal. Nestes casos a reconstrução da VCI poderá ser realizada com o auxílio de em remendo ou de um enxerto protético. Nos pacientes submetidos à ligadura da VCI infrarrenal os membros inferiores deverão ficar em Trendelemburg e deverão ser aplicadas meias de compressão elásticas para minimizar os riscos de síndrome compartimental.
Lesão Vascular do Sistema Porta A lesão vascular pulmonar é pouco frequente no trauma fechado. Quando ocorre, geralmente está associada a mecanismos de desaceleração brusca podendo causar rotura em pontos fixos como na junção das veias pulmonares e o átrio esquerdo. O trauma vascular pulmonar é mais frequente nas lesões penetrantes. É importante ressaltar que mesmo diante de lesões graves nos vasos pulmonares o paciente pode se apresentar hemodinamicamente estável em virtude de a circulação pulmonar ser um sistema de baixa pressão. Dessa forma, quando preenchido por sangue, o espaço pleural pode promover uma pressão positiva tamponando a lesão e impedindo a persistência do sangramento. Nestes casos, a drenagem torácica, poderá promover um rápido esvaziamento do hemotórax levando à instabilidade hemodinâmica e favorecendo um maior sangramento. Diante desse cenário, deverá ser considerada uma rápida toracotomia para controle do sangramento. Pacientes que se apresentem com hemotórax maciço ou com drenagem contínua e persistente de sangue pelo dreno de tórax com volume maior que 200mL por hora devem ser avaliados quanto à possibilidade de toracotomia. No intra-operatório o sangramento poderá ser rápida e provisoriamente controlado através da compressão dos vasos no hilo pulmonar, permitindo, assim, visualizar o local do sangramento e rafiar as lesões identificadas. Lesão de Tronco Celíaco As lesões do tronco celíaco são raras e quase sempre são decorrentes de trauma penetrante. O acesso cirúrgico é obtido através de laparotomia mediana com dissecção direta sobre a aorta abdominal através do omento menor ou por meio da rotação medial das vísceras do abdome superior. O reparo aberto poderá ser realizado através da rafia da lesão ou interposição de enxerto com veia ou prótese. Caso necessário, o tronco celíaco poderá ser ligado sem que haja complicações isquêmicas para o fígado, estômago ou baço
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em virtude de uma rica circulação colateral para estes órgãos. A ligadura da artéria hepática é bem compensada pelo suprimento proporcionado pela veia porta e pela artéria gastroduodenal. As artérias esplênica e/ou gástrica esquerda também podem ser ligadas individualmente com baixos riscos de complicações. É possível também lançar mão da abordagem endovascular para tratar lesões do tronco celíaco e seus ramos, seja por meio da revascularização com implante de stent revestido ou através da embolização da artéria lesada. Lesões de Artéria Mesentérica Superior Compreender a anatomia vascular abdominal é fundamental para e entender as lesões de artéria mesentérica superior (AMS). Ela se origina da aorta, abaixo do tronco celíaco e atrás do pâncreas, percorrendo trajeto ao longo do processo uncinado do pâncreas e da terceira porção do duodeno, quando entra então na raiz do mesentério. Apesenta os seguintes ramos: artérias pancreatoduodenal inferior, cólica média, arcada intestinal com 12 a 18 ramos, cólica direita e ileocólica. O mecanismo de lesão mais comum é o ferimento penetrante. O trauma contuso é responsável por 10 a 20% dos casos e só perde para as lesões renovasculares em frequência nos traumas vasculares abdominais fechados, podendo ocorrer por esmagamento do abdome, lesão por cinto de segurança ou trauma direto sobre a artéria. É importante entender que nas lesões de alta energia por rápida desaceleração poderá haver tanto uma avulsão da artéria mesentérica na sua origem aórtica quanto uma lesão de íntima, determinando sua posterior trombose. Estes casos podem ter seu diagnóstico mascarado na fase inicial por ser oligossintomático, sendo diagnosticado mais tardiamente quando já houver necrose intestinal. Os pacientes com lesão penetrante na mesentérica superior geralmente se apresentam na admissão com choque hipovolêmico grave, podendo estar normotenso caso o hematoma esteja contido. Os achados clínicos iniciais dependerão do mecanismo de trauma, natureza da lesão vascular e presença ou não de lesões abdominais associadas. Os principais achados intra-operatórios são hematoma retroperitoneal, hematoma ao redor da AMS, hemoperitônio e isquemia intestinal. O tratamento cirúrgico é realizado através de laparotomia e proporcionará não só a correção da lesão vascular, mas também dos demais órgãos acometidos. A exposição da artéria mesentérica superior retropancreática é realizada através da rotação medial do cólon esquerdo, fundo gástrico, baço e cauda do pâncreas. Caso haja sangramento intenso e crítico nessa região, pode ser realizada a divisão colo pancreático com exposição rápida e imediata da AMS e da veia porta. A exposição da AMS infrapancreática é realizada através da raiz do mesentério com incisão à esquerda do ligamento de Treitz. Eventualmente poderá ser necessária uma extensa manobra de Kocher para expor este segmento. No trauma penetrante ou contuso com isquemia intestinal, todos os hematomas retroperitoneais e em torno da AMS deverão ser explorados, o que muitas vezes é uma tarefa difícil e perigosa. Naqueles hematomas contusos estáveis e sem isquemia intestinal,
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recomenda-se não explorar neste momento, devendo ser realizada uma melhor avaliação pós-operatória com angiotomografia ou arteriografia visceral. Lesões parciais por arma branca poderão ser corrigidas por rafia da artéria com prolene 6-0. A restrita mobilidade do segmento proximal da artéria mesentérica superior em virtude do denso tecido neuroganglionar que a circunda limita bastante a realização da reconstrução por anastomose arterial término-terminal. Dessa forma, deverá ser levada em consideração a condição clínica do paciente, o local da lesão na AMS e o grau de perfusão do intestino. Diante disso, definir entre a ligadura do vaso ou a interposição de um enxerto vascular. De um modo geral, a ligadura da artéria mesentérica superior nas zonas 1 e 2 resultará em grave isquemia do intestino delgado e do cólon direito, ao passo que a ligadura nas zonas 3 e 4 determinará isquemia parcial do intestino delgado com necessidade de ressecção segmentar do mesmo. Ligadura da AMS proximal só deverá ser realizada na presença de necrose intestinal A ligadura distal à cólica média está associada a moderado risco de isquemia intestinal. Os 10 a 20cm iniciais do jejuno poderão se manter viáveis através de colaterais oriundas da pancreatoduodenal superior. Dessa forma, a ligadura da AMS deverá sempre ser evitada pelos riscos catastróficos da isquemia intestinal com síndrome do intestino curto. Nos pacientes críticos com choque, hipotermia, acidose e coagulopatia grave deverá ser considerada a interposição de um shunt temporário (de forma a garantir uma adequada perfusão intestinal) e uma posterior reconstrução definitiva. Após a ressuscitação e correção dos parâmetros fisiológicos na UTI, o paciente deverá ser reabordado para reconstrução definitiva da lesão através da revascularização da artéria mesentérica superior. É realizado, então, um enxerto aorto-mesentérico com veia safena ou prótese de PTFE ou de Dacron. A anastomose proximal é realizada na parede anterior da aorta e a anastomose distal no coto da artéria mesentérica superior. Caso haja lesão pancreática associada, recomenda-se que as anastomoses sejam realizadas o mais distante possível do pâncreas e que sejam protegidas com o omento ou tecidos moles adjacentes para evitar exposição às enzimas pancreáticas. O paciente deverá ser rigorosamente monitorado no pós-operatório de forma que a persistência ou piora da acidose metabólica, a despeito das medidas clínicas de ressuscitação adotadas, exige imediata reexploração do abdome para descartar isquemia intestinal. Alguns centros instituem como obrigatória a revisão da cavidade abdominal em 24 a 48 horas para inspeção da perfusão intestinal. A correção endovascular das lesões de artéria mesentérica superior apresenta duas grandes limitações: 1) o implante de stent revestido na área da lesão poderá ocluir os seus ramos; 2) a técnica endoluminal não possibilitará a inspeção da perfusão e viabilidade das alças intestinais. Lesões Renovasculares As lesões contusas da artéria renal são mais comuns à esquerda e acredita-se que isso de deva ao fato anatômico de a artéria renal direita estar protegida das desacelerações Página 222
pelo seu trajeto posterior à veia cava inferior. Nos traumas contusos por desaceleração a avulsão da artéria renal ocorre em cerca de 12% dos casos. Poderá ocorrer também lesão contusa na artéria renal com ruptura e dissecção da íntima e subsequente trombose arterial. As lesões renovasculares penetrantes são habitualmente identificadas no intraoperatório, ao passo que as lesões contusas geralmente são diagnosticadas mais tardiamente através da tomografia com contraste do abdome. O tratamento cirúrgico deverá levar em consideração o mecanismo da lesão, o tempo de isquemia renal, o estado geral do doente e a presença de rim contralateral. A função renal é gravemente afetada após 3 horas de isquemia total e após 6 horas de isquemia parcial, embora em alguns casos a perfusão possa ser mantida por circulação colateral mesmo após isquemia prolongada. De uma forma geral, a revascularização deve ser realizada caso o paciente esteja estável e a lesão tenha sido diagnosticada nas primeiras 4 a 6 horas. Nas lesões bilaterais ou de rim único, alguns autores recomendam revascularização até 20 horas após o trauma. De uma forma geral, todos os hematomas retroperitoneais de zona 2 decorrentes de trauma penetrante devem ser explorados, exceto os hematomas perirrenais estáveis e distantes do hilo renal. Nas lesões penetrantes diagnosticadas durante a laparotomia exploradora poderá ser realizada a reconstrução arterial ou a nefrectomia. Os resultados da revascularização renal são considerados muito precários de um modo geral. São relatadas taxas de sucesso de apenas 28% dos casos de revascularização. Além disso, a literatura evidencia hipertensão arterial em cerca de 12 a 57% dos pacientes revascularizados, exigindo muitas vezes a realização de nefrectomia eletiva. Diante deste cenário, muitos autores têm sugerido que a revascularização renal aberta seja considerada apenas nas lesões renovasculares diagnosticadas no intraoperatório (desde que o paciente se apresente estável o suficiente para tolerar o procedimento) e nos pacientes com rim único ou com lesão renal bilateral. A correção das lesões pode ser realizada através da rafia da artéria renal, da interposição de um patch de veia, da ressecção segmentar com anastomose termino-terminal entre os cotos da artéria renal ou por meio da interposição de um enxerto com veia ou prótese. Poderá ser utilizado enxerto com veia ou prótese. A anastomose proximal poderá ser realizada na aorta ou no coto proximal da artéria renal (quando tecnicamente viável), ao passo que a anastomose distal será realizada no coto distal da artéria renal. Nos casos de reconstrução muito complexas e demoradas, recomenda-se manter o rim perfundido com solução gelada de ringer lactato heparinizado ou soluções próprias para tal. A administração de manitol pós revascularização poderá ser utilizada na tentativa de reduzir lesão por reperfusão. O tratamento conservador poderá ser adotado nos pacientes com diagnóstico tardio, presença de rim contra lateral funcionando normalmente e na presença de outras lesões extra-abdominais graves.
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O tratamento endovascular é considerado padrão-ouro na abordagem da maioria das lesões contusas estáveis com dissecção intimal, pseudoaneurismas ou fístulas arteriovenosas. Através de uma punção femoral é realizado um cateterismo com estudo angiográfico e implante de stent na artéria renal proporcionando uma correção definitiva da lesão arterial. Por ser minimamente invasivo e proporcionar resultados favoráveis, o tratamento endovascular deverá ter tentado quando disponível. As lesões de veia renal devem ser tratadas preferencialmente por venorrafia lateral com fio prolene. Caso a lesão venosa seja complexa ou o paciente esteja hemodinamicamente instável, deverá ser realizada a ligadura da veia renal. A ligadura da veia renal esquerda junto à veia cava inferior é mais bem tolerada em virtude da drenagem venosa proporcionada pelas veias adrenal, gonadal e lombares. Lesão de Artéria Mesentérica Inferior As lesões de artéria mesentérica inferior (AMI) são raras e na maioria das vezes são decorrentes de ferimentos penetrantes. Representam apenas 1% de todas as lesões vasculares abdominais. A AMI irriga o cólon esquerdo, o sigmóide e a parte superior do reto. Ela se comunica com a mesentérica superior através da arcada marginal de Drummond. As lesões da artéria mesentérica inferior geralmente são identificadas apenas no intra-operatório. Quando possível, a correção da lesão pode ser realizada através da rafia da artéria. Na maioria dos casos, entretanto, é realizada a ligadura do vaso. A rica rede de colaterais proporciona a perfusão intestinal e evita a ocorrência de isquemia colorretal. Lesões de Vasos Ilíacos O mecanismo mais comum de lesão dos vasos ilíacos é o trauma penetrante. Estima-se que aproximadamente 10% dos pacientes submetidos a laparotomia exploradora por arma de fogo apesentem lesão nos vasos ilíacos. As lesões contusas não são comuns e quando ocorrem geralmente são decorrentes de lesão direta por fratura pélvica ou por estiramento da artéria ilíaca sobre a parede pélvica. As lesões penetrantes acometem mais comumente os vasos ilíacos comuns enquanto o trauma contuso está frequentemente associado a lesões da artéria ilíaca interna e seus ramos. O achado de hipotensão associado a distensão abdominal em paciente com lesão penetrante no abdome inferior é altamente sugestivo de trauma nos vasos ilíacos. Além disso, ausência de pulso femoral e manifestações isquêmicas no membro inferior em pacientes vítimas de trauma abdominal penetrante ou fratura pélvica devem alertar para a possibilidade de lesão em artéria ilíaca comum ou externa. A angiotomografia desempenha importante papel no diagnóstico das lesões vasculares ilíacas em pacientes estáveis. As lesões dos vasos ilíacos podem se manifestar tanto através de hematoma retroperitoneal em zona 3 quanto pela presença de sangramento livre na cavidade abdominal.
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Os hematomas de zona 3 decorrentes de ferimento penetrante devem sempre ser explorados, ao passo que aqueles hematomas decorrentes de trauma contuso só devem ser explorados se houver sangramento intraperitoneal associado, rápida expansão do hematoma ou ausência de pulso femoral. A exploração vascular é realizada através da dissecção direta sobre o retroperitôneo na topografia dos vasos ilíacos. Eventualmente pode ser utilizada manobra de rotação medial do cólon direito ou esquerdo para melhor exposição. Atenção especial deve ser conferida no momento da dissecção da bifurcação da artéria ilíaca comum para que não haja lesão iatrogênica do ureter que se encontra nesta topografia. Após controle inicial do sangramento ativo por compressão direta, deverá ser realizado controle proximal e distal ao local da lesão vascular. Caso necessário, uma inguinotomia (com ou sem divisão do ligamento inguinal) poderá ser realizada para permitir um melhor controle distal nas lesões de ilíaca externa. As lesões arteriais puntiformes provocadas por arma branca podem ser corrigidas com arteriorrafia simples desde que não promovam estenose significativa. Como forma de minimizar estenoses, poderá ser utilizado um remendo vascular confeccionando-se um pacth de veia ou de material protético (PTFE ou pericárdio bovino). Nos ferimentos contusos ou por arma de fogo não se recomenda a realização apenas da rafia das lesões, mas sim uma reconstrução arterial através da regularização dos bordos vasculares e anastomose término-terminal entre os cotos proximal e distal da artéria lesada ou através da interposição de um enxerto com prótese. A utilização dos enxertos com veia safena, apesar da sua origem autóloga e menor risco de complicações infecciosas, apresenta como desvantagem a desproporção entre o calibre dos vasos ilíacos e da safena. Durante o procedimento de revascularização recomenda-se a heparinização sistêmica ou locorregional e a embolectomia dos cotos arteriais proximal e distal com cateter de Fogart para remoção de todos os coágulos remanescentes. É importante ressaltar que é contra-indicada a ligadura das artérias ilíacas comum ou externa, uma vez que isso implicará em isquemia com perda do membro ou até mesmo grave disfunção orgânica decorrente da síndrome de reperfusão quando se tenta uma revascularização tardia posteriormente. Nos pacientes em estado grave com cirurgia de controle de dano, recomenda-se a realização de um shunt temporário na artéria ilíaca de forma a manter a perfusão do membro inferior e a posterior reconstrução definitiva após a estabilização clínica. Nos pacientes em estágio tardio e que apresentem infecção do enxerto primário ou peritonite purulenta grave, recomenda-se a realização de enxertos extra-anatômicos como a derivação femoro-femoral cruzada ou axilo-femoral. No tratamento agudo do trauma com contaminação entérica da cavidade abdominal existe controvérsias quanto à utilização de enxertos protéticos em virtude do elevado risco de infecção. Caso seja optado pela reconstrução ilíaca com uso de prótese, recomenda-se uma rigorosa lavagem da cavidade peritoneal antes do reparo com enxerto protético. Alguns autores recomendam os enxertos extra-anatômicos ou a mobilização da artéria ilíaca interna nestes casos.
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O tratamento endovascular é uma alternativa terapêutica interessante em alguns casos selecionados. Ele consiste em um cateterismo femoral através do qual é implantado um stent corrigindo a lesão na artéria. Deve ser considerado principalmente nos pacientes com lesões contusas de artéria ilíaca comum ou externa que apresentem pseudoaneurismas, dissecções ou fistulas arteriovenosas. A radiointervenção também proporciona a embolização de artéria ilíaca interna com excelentes resultados técnicos.
Figura 16.3 - Pseudoaneurisma pós traumático (ferimento por arma de fogo) na artéria ilíaca interna direita (A). Embolização da pseudoaneurisma com molas (B). Resultado final (C).
As lesões de veias ilíacas são muitas vezes ainda mais desafiadoras que as lesões arteriais em virtude da sua disposição anatômica de mais difícil acesso. As lesões venosas ilíacas devem ser corrigidas por venorrafia lateral, desde que não produzam graves estenoses. Nas lesões que determinem estenoses severas após a rafia, deve ser considerada a ligadura da veia uma vez que existe elevado risco de trombose da veia e embolia pulmonar associada. Eventualmente poderá ser realizada uma reconstrução venosa mais complexa com enxertos protéticos ou venoplastia com patch. Não se recomenda, entretanto, reconstrução complexa em pacientes críticos e com lesões arteriais e venosas combinadas, devendo se proceder a ligadura da veia caso não seja viável uma venorrafia simples. A ligadura de veia ilíaca geralmente é bem tolerada e está associada a edema de membro inferior no pós-operatório. Em alguns casos raros, poderá haver edema severo com síndrome compartimental e necessidade de fasciotomia descompressiva. Apesar de descrita na literatura, a transecção da artéria ilíaca para proporcionar o acesso à veia lesada não é recomendada e só deverá ser realizada em casos extremos. Referências AMERICAN COLLEGE OF SURGEONS. Advanced Trauma Life Support (ATLS). 10 ed. 2018. AMORIM, J. E. Manual de Angiologia e Cirurgia Vascular e Endovscular. 1 ed. Barueri. Manole, 2020.
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Tr aumaVascul ar deExt r emi dades
CAPÍ TULO
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-ManoelMessi asCamposJúni or . -JoãoEdi sondeAndr adeFi l ho. -Már ci aGr azi el l ySouzaVi ei r a. -Her onKai r oSabói aSant ’ Anna Li ma. -Vi ni ci usOl i vei r aCoel hoGar ci a.
Os traumas vasculares em extremidades são responsáveis por 20% a 50% de todas as lesões vasculares, acometendo pacientes jovens, com idade média dentro dos 30 anos, e predominantemente (70%-90%) do sexo masculino. O trauma vascular de extremidade vem aumentando muito ao longo desta última década no ambiente civil. Os agentes responsáveis pelas lesões vasculares das extremidades são: projétil de arma de fogo de média ou alta velocidade, arma branca, trauma contuso e lesões iatrogênicas. Vítimas de traumatismo penetrante possuem três vezes mais chance de apresentarem lesão vascular em comparação com o trauma contuso. O traumatismo penetrante é responsável por 70% a 90% das causas e tem o projétil de arma de fogo de média velocidade responsável por 50% dessas lesões vasculares das extremidades. O trauma penetrante causado por arma branca é responsável por 30% dos casos e é mais comum em área rural. O traumatismo contuso é responsável por 20% dos casos de traumatismo vascular das extremidades, tendo como causas os acidentes automobilísticos, atropelamentos, esmagamentos, acidentes de motocicletas, agressão física, acidente de trabalho, quedas domésticas. As fraturas e luxações aumentam significativamente o risco global de lesão vascular. As lesões iatrogênicas são causadas por procedimentos endovasculares, diagnósticos ou terapêuticos, que têm crescido consideravelmente nos últimos anos. Evoluem mais comumente com fístulas arteriovenosas, pseudoaneurismas e trombose arterial. Podem também ocorrer em procedimentos ortopédicos, como artroscopia de joelho, uso de fixador externo ou ainda durante cirurgia de coluna. A lesão vascular, independente do mecanismo de trauma, é consequente a alguns fatores: lesão direta do vaso por projétil de arma de fogo ou objetos penetrantes; lesão por transferência de calor e energia aos tecidos; lesão por desaceleração ou força de compressão nos casos de traumas contusos e embolização de corpos estranhos, este último conhecido como Embalia. Esses fatores podem ocasionar laceração parcial ou total, fístulas arteriovenosas, pseudoaneurismas, contusões e trombose. A laceração total do vaso leva a trombose proximal e distal à área da lesão com isquemia do membro; já as lacerações parciais causam sangramento persistente com formação de hematoma pulsátil que pode evoluir para pseudoaneurisma. As fístulas arteriovenosas causadas pelos traumas penetrantes comprometem tanto a artéria como a veia, com desvio do fluxo da artéria para a veia. As contusões podem ser acompanhadas de lesões da íntima, podendo evoluir para trombose da artéria e isquemia do membro. As contusões com pequenas lesões de íntima podem não causar comprometimento hemodinâmico e evoluir para cura espontânea. No trauma vascular é importante lembrar do espasmo arterial que é uma situação geralmente reversível. Ocorre com mais frequência em crianças, adolescentes e adultos jovens devendo ser acompanhado com muito cuidado pelo cirurgião vascular. A causa e a
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incidência são desconhecidas. Porém, sinais clínicos de isquemia não devem ser considerados apenas como espasmo arterial. Local da Lesão e Lesões Associadas Análise de grandes séries americanas e europeias aponta o membro inferior como o mais atingido, sendo duas vezes mais acometido que o membro superior. A artéria mais atingida foi a femoral, com mais de 46% das lesões, seguida da artéria poplítea, 35%, e artérias da perna em 21% dos casos. Em relação ao membro superior, a artéria braquial é a mais atingida, 40%, seguida das artérias, radial e ulnar, axilar e, por último a subclávia. O mecanismo de lesão contundente é visto mais frequentemente em membros inferiores do que em lesões arteriais das extremidades superiores. Em geral, as fraturas são vistas com elevada frequência em trauma contuso, com taxas que variam entre 80% e 100% enquanto que nos traumatismos penetrantes as fraturas estão presentes em 15% a 40% dos membros com lesão arterial. Fraturas, especialmente as cominutivas, representam de forma consistente um fator de risco para amputação quando são encontradas em associação com a lesão vascular de extremidade. A lesão venosa concomitante com trauma arterial de extremidade varia entre 15% a 35% na maioria dos estudos. A lesão nervosa periférica associada a trauma vascular na extremidade é difícil detectar na fase aguda, sendo essas lesões, geralmente, subrelatadas. Para o membro inferior, a maioria dos estudos relatam taxas em torno de 10%; enquanto que em extremidade superior há uma associação mais elevada de lesão de nervo: 40% a 50%. Quanto à associação de trauma vascular com lesão de partes moles, a incidência parece ser maior na extremidade superior (40% a 70%) do que na extremidade inferior (30%). Anamnese, Exame Físico e Diagnóstico A avaliação inicial dos pacientes traumatizados com potencial ferimento vascular dos membros inferiores deve ser realizada por meio da sistemática do suporte avançado de vida no trauma (do inglês advanced trauma life support – ATLS), com ênfase no tratamento das lesões por ordem de gravidade (ABCDE); porém, um novo conceito, relacionado aos traumas vasculares maiores, surgiu a partir da experiência com os conflitos do Afeganistão eIraque: trata-se do <C>ABC, que consiste no diagnóstico e no tratamento prioritário das hemorragias catastróficas antes da via aérea. Na história clínica detalhada, deve-se pesquisar: estado clínico do paciente no cenário do trauma, tipo de trauma (penetrante ou contuso), história de sangramento no cenário do trauma (quantidade e o aspecto, se arterial ou venoso), hematoma pulsátil ou sangramento ativo. Deve ser dado atenção especial ao agente etiológico e o estado hemodinâmico do paciente ao chegar. No exame físico é importante identificar as lesões, orifícios de entrada e saída, e a sua localização, se há sangramento ativo, hematomas no trajeto do vasos (pulsátil ou expansivo), presença de frêmitos ou sopros, queixa de dor. No exame físico do membro comprometido avalia os seguintes parâmetros: temperatura, enchimento
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capilar, presença de parestesia ou paralisia, dor à palpação da musculatura, edema, empastamento muscular e identificar e documentar possíveis fraturas e luxações e lesões neurológicas. Quanto à avaliação dos pulsos do membro acometido, sempre comparar ao membro contralateral, embora a presença do mesmo não afaste a lesão arterial, pois 25% dos pacientes com lesão vascular das extremidades podem apresentar pulso palpável. Especificamente durante o atendimento dos traumas das extremidades, deve-se realizar controle imediato das hemorragias com compressão local e aplicação de torniquetes na sala de emergência. Nos casos de lesões em áreas juncionais como a região axilar, inguinal e a fossa ilíaca, deve-se tentar o controle inicial com compressão manual até ser realizado o acesso cirúrgico. É importante adotar a estratégia de hipotensão permissiva, com alvo de PAS <100mmHg até a aplicação de clampes arteriais. Nos pacientes estáveis, nos quais é possível uma avaliação mais detalhada, devem-se buscar os sinais maiores de lesões que caracterizam óbvia lesão vascular (hemorragia ativa, hematoma em expansão, isquemia, instabilidade hemodinâmica) ou sinais menores que caracterizam potencial lesão vascular (história de sangramento no local ou no transporte, hematoma, frêmitos, diminuição de perfusão, diminuição de pulso, déficits motores indicativos de lesão neurológica). Na maioria dos casos com presença de sinais maiores, a conduta é cirurgia imediata, exceto nos casos em que há fatores confundidores, como trauma em múltiplos níveis presentes nos politraumatismos decorrentes de acidentes automobilísticos, atropelamentos, explosões, por exemplo. Nestes casos, pode haver sinais maiores por desvios decorrentes de fraturas, vasoconstrição periférica ou vasoespasmo acentuado, sem alteração da integridade ou trombose arterial. A angiotomografia ou a arteriografia estão indicadas nestas situações. O diagnóstico de lesões em pacientes que apresentam apenas “sinais menores” de lesão vascular é mais desafiador. Com isso, na presença de sinais menores, indica-se o índice tornozelo-braquial (ITB), que deve ser medido no membro afetado e comparado a um membro não afetado, Um índice maior que 0,9 indica baixa probabilidade de lesão arterial grave, devendo-se proceder, então, a reavaliações seriadas durante a internação hospitalar. Nos casos de ITB igual ou menor que 0,9, há possível lesão arterial limitante de fluxo ou fluxo diminuído por outros motivos, como hipotermia ou presença de desvios por fraturas. Diante dessa situação, deve-se repetir periodicamente o ITB após o aquecimento e/ou a redução dos desalinhamentos. A persistência de ITB menor ou igual a 0,9 direciona à realização de complementação diagnóstica por imagem, preferencialmente angiotomografia ou arteriografia intraoperatória se o paciente estiver no centro cirúrgico. A radiografia de tórax pode revelar fraturas dos primeiros arcos costais e clavícula, hemo ou pneumotórax e alargamento mediastino. Deve ser realizado na suspeita de fraturas ou luxações (por exemplo, luxação posterior do ombro, fratura supracondiliana do úmero, fratura fêmur distal, Luxação posterior do joelho, fratura de platô tibial) ou para localizar possível projétil de arma de fogo ou corpo estranho.
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O Doppler bidirecional avalia a presença e caracterização do fluxo arterial à área da lesão. Permite realizar o índice tornozelo-braquial (ITB) que pode revelar assimetria de perfusão, sugerindo possível estenose ou oclusão vascular. O USG c/ doppler é importante na investigação e acompanhamento das lesões vasculares mínimas, pois identifica a presença de trombose, pseudoaneurismas, fístulas arteriovenosas e pequenas lesões da íntima. O uso do USG c/ Doppler no diagnóstico de trauma vascular em extremidade tem sido limitada com o aumento do uso da Angiotomografia Computadorizada (ATC). Nos últimos anos, a ATC tem-se mostrado bastante eficaz para avaliação dos pacientes com trauma vascular de extremidades. A angiotomografia deve ser realizada nos pacientes hemodinamicamente estáveis, podendo diagnosticar o exato segmento lesado, assim como presença de lesões de órgãos e estruturas adjacentes. Com isso, tem largamente suplantado a angiografia por cateter convencional. A ATC vem demonstrando em estudos prospectivos redução de tempo na realização do exame assim como menor custo comparada à angiografia. Porém, a ATC tem algumas limitações na avaliação de trauma vascular em membros: opacificação inconsistente do contraste no sistema arterial se a temporização do bólus intravenoso não for adequada e a presença de artefatos de imagem a partir de fragmentos de metal que podem limitar o diagnóstico. A ATC deve ser considerada a modalidade inicial de diagnóstico e localização de escolha em pacientes com sinais menores de lesão arterial dos membros, especialmente naqueles cujo índice ITB é inferior ou igual a 0,9. Ficando a angiografia convencional reservada para casos específicos e uso intraoperatório. A angiografia convencional é o padrão ouro para o diagnóstico da lesão vascular no trauma. Os achados arteriográficos são extravasamento de contraste, falhas de enchimento, pseudoaneurisma, enchimento venoso precoce, lentidão no enchimento do leito distal como nos casos de espasmo vascular. Porém, nos últimos tempos, a arteriografia evoluiu da indicação sistemática para seletiva. Dessa forma, chegou-se ao consenso que, no trauma vascular das extremidades, penetrante ou contuso, a arteriografia é indicada em caso de dúvida diagnóstica ou na localização da lesão ou quando há intenção de tratamento endovascular ou em conjunto com cirurgia aberta (cirurgia híbrida). Tratamento Manejo Não Operatório Alguns cirurgiões vasculares apoiam o tratamento não cirúrgico para os casos de lesões classificadas como lesões vasculares mínimas: pequenos flaps de íntima, rompimentos da parede arterial (menor que 5mm), pseudoaneurismas (menor que 2cm), estreitamentos segmentares e pequenas fístulas arteriovenosas. Recomenda-se a vigilância serial com uma modalidade de imagem apropriada, tal como ATC ou USG c/ doppler. Terapia Endovascular O uso de técnicas endovasculares para o tratamento de lesões vasculares em extremidade tem sofrido um crescimento significativo com a integração dessas técnicas na
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prática cirúrgica vascular nas últimas duas décadas. A terapia endovascular é atualmente aplicada com mais frequência em trauma contundente do que em trauma penetrante e em extremidade inferior mais do que em lesões de membros superiores. Sendo menos invasiva do que a cirurgia aberta, o tratamento endovascular de lesões arteriais nas extremidades parece mais adequado quando a diferença de morbidade entre os procedimentos abertos e endovasculares é maior. Esse é o caso mais frequente no ambiente de lesões de vasos juncionais (como a subclávia e ilíaca). Anteriormente, apenas os pacientes estáveis poderiam ser submetidos a este procedimento, hoje os pacientes instáveis se beneficiam também, tanto no controle de danos como na abordagem e tratamento temporário ou definitivo com o uso de balão oclusor, stent revestido, embolizações e outros. Dessa forma, em pacientes com lesões de múltiplos órgãos, a técnica endovascular pode ser usada com modalidade de tratamento inicial; em seguida, após a estabilização, uma reconstrução mais definitiva pode ser realizada em condições mais favoráveis. Os resultados de curto prazo relatados são promissores, mas a durabilidade no longo prazo dessas intervenções com stents revestidos ainda não está tão bem definida. Tratamento Cirúrgico Aberto O controle cirúrgico aberto e reparo continuam a ser os pilares do tratamento da maioria dos traumatismos vasculares em extremidades. Os princípios gerais de estabelecer controle vascular proximal e distal e restauração da linha de fluxo para um leito de fluxo apropriado são os mesmos para o tratamento de lesões traumáticas como para qualquer outro defeito vascular. Deve-se realizar amplo desbridamento de tecido contaminado e não viável na lesão vascular. Antes da heparinização locorregional e reparação, o coto proximal e o distal devem ser submetido a embolectomia cuidadosa com cateter balão de Fogarty para confirmar patência e manter fluxo e refluxo. A heparinização sistêmica deve ser evitada no trauma, principalmente nos pacientes com lesões associadas. Quando é definido a extensão da lesão arterial, existem três opções para o reparo: anastomose termino-terminal, angioplastia com patch venoso e interposição de enxerto venoso autólogo. Vale ressaltar que todos os ferimentos traumáticos abertos são considerados contaminados, e a conduta preferencial para reparo de lesões vasculares é a veia safena autóloga colhida a partir de uma extremidade ilesa. Um curto segmento de enxerto protético pode ser considerado para reparar lesões arteriais de vasos de grande porte como subclávia, axilar, ilíaca e femoral comum, onde há uma grande desproporção de tamanho. Se o estado fisiológico do paciente tolerar reparo, as lesões arteriais devem ser submetidas a tratamento cirúrgico a fim de restabelecer fluxo distal. O reparo com sutura direta dos segmentos lesados é indicado quando a lesão for menor que 50% do diâmetro do vaso, porém nas situações em que há lesões maiores que 50%, perda de segmento arterial ou bordas irregulares, é imprescindível a ressecção deste segmento até a identificação de local sem lesão intimal para realizar anastomoses.
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Em situações de maior gravidade, como acidose, hipotermia e choque, os shunts arteriais podem ser usados para se obter restabelecimento do fluxo temporário e, com isso, controle da isquemia dos membros. Em casos excepcionais, a ligadura de uma artéria da extremidade lesada é a opção imediata mais viável. O shunt é uma medida temporária, permitindo a perfusão distal durante a estabilização da fratura antes do reparo vascular formal ou como opção de tratamento para paciente sem condições clínicas de ser submetido a reparo definitivo. O uso de shunts está associado a menor mortalidade e menores taxas de amputação quando comparados à ligadura arterial segundo algumas séries. Considerações Especiais Reparo Venoso Versus Ligadura A decisão para reparar ou ligar uma grande veia em extremidade lesada deve ser feita no contexto do estado fisiológico global do paciente. Se é seguro tomar o tempo necessário para reparar uma lesão, é razoável tentar fazê-lo. Anastomose termino-terminal, venorrafia lateral, venoplastia com patch e enxerto interposto são todas as opções viáveis para reparo. Deve-se realizar ligadura se a condição do paciente não tolerar o tempo operatório adicional. Porém, ainda é um assunto controverso. Não houve nenhuma associação consistente entre ligadura venosa maior e eventual amputação. É de conhecimento geral que os reparos de veia são altamente suscetíveis a trombose aguda. O desenvolvimento de edema de membros é visto como resultado adverso principal quando uma grande lesão venosa em extremidade principal é ligada. Porém, por outro lado, quase todos os pacientes, independentemente do estado da veia lesionada, experimentam quase completa resolução do edema por ocasião da alta hospitalar ou logo após a mesma. O edema é muito menos comum após a ligadura das veias principais da extremidade superior do que as da extremidade inferior. O tromboembolismo venoso é também um risco após lesão venosa na extremidade, e a taxa de trombose venosa profunda em pacientes submetidos a grande ligadura venosa parece ser aproximadamente o dobro da dos pacientes submetidos a reparo. Cuidados Pós-Operatórios É Imprescindível o acompanhamento multidisciplinar e boa comunicação entre as equipes. Cuidados intensivos com observação de persistência de hemorragia, controle do estado hemodinâmico, controle de complicações relacionadas à síndrome inflamatória sistêmica e, obviamente, o acompanhamento de outras lesões traumáticas. Em relação ao acompanhamento vascular, reavaliações horárias são obrigatórias, para verificar a perviedade das derivações, avaliara progressão para síndrome compartimental e verificar a perfusão distal e a presença de sangramento, tanto nos locais do trauma como nos acessos cirúrgicos. Na presença de alteração do exame físico ou mesmo de rotina, a ultrassonografia com Doppler pode ser usada para avaliar a perviedade das reconstruções; se o resultado for duvidoso, pode-se lançar mão de angiotomografia ou arteriografia. Deve-se utilizar compressão pneumática no membro não afetado e profilaxia para tromboembolismo venoso (TEV). Nos casos de ligaduras venosas, está indicada a manutenção dos pacientes com os
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membros inferiores elevados. Cuidados com infecção, como vigilância das secreções, atenção a febre e alteração dos exames laboratoriais, devem estar presentes, pois esta complicação pode ser causa de morte tardia. Complicações Pós-Operatórias Trombose das derivações são complicações importantes no pós-operatório, principalmente das derivações distais em pacientes com escoamento prejudicado. O diagnóstico precoce permite a correção imediata e melhora o prognóstico do membro. Infecção precoce pode acontecer nos traumas com extensas lesões de partes moles e, este quadro é mais grave quando há derivações com próteses, muitas vezes sendo necessária a remoção destas e a reconstrução por via extra-anatômica com veia safena. Nos casos de reconstrução ou ligaduras venosas e lesões ortopédicas graves, não é infrequente a presença de trombose venosa profunda (TVP). A taxa de amputação é alta, em torno de 15 a 35%, e está relacionada aos traumas de maior energia associados a choque, idade mais avançada, isquemia grave e extensas lesões de partes moles. A razão desse predomínio de amputação nesses pacientes não está relacionada à própria lesão vascular, mas, principalmente, a maior quantidade de lesões associadas (ossos, nervos, veias e partes moles). Síndrome Compartimental e Fasciotomia O diagnóstico da síndrome compartimental é clínico. Os sinais diagnósticos classicamente descritos como cinco “P’s”: dor com movimento passivo, palidez, poiquilotermia, parestesia e ausência de pulso representam sinais tardios de síndrome compartimental e estão frequentemente ausentes ou obscurecidos em pacientes de trauma por causa de lesões atordoantes e de estado mental alterado. O tratamento para este quadro é a fasciotomia, que deve ser indicada se houver tensão no compartimento ao exame físico ou preventivamente, nas seguintes situações: tempo > 4 a 6 horas do trauma até a revascularização; lesões combinadas de artéria e veia; mecanismos de alta energia; lesões por esmagamento; pós-reparo vascular; ligadura arterial e venosa e pacientes comatosos ou com alteração de sensibilidade no membro afetado. Lesão Vascular Na Extremidade Esmagada As extremidades lesionadas com trauma grave a vários tipos de tecido são um problema clínico difícil de tratar. A decisão sobre se é necessário executar amputação primária ou a tentativa de salvamento do membro tem sido fonte de debate ao longo de décadas. O Escore mais conhecido e utilizado é o Mangled Extremity Severity Score (MESS) (Quadro 17.1) foi concebido como uma ajuda para a tomada de decisão. Destinam-se a diferenciar entre os pacientes nos quais o esforço para salvamento do membro teria sucesso e os casos em que a amputação primária seria a medida mais racional a ser adotada. O MESS leva em consideração o grau de destruição tecidual relacionado ao grau de energia
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envolvida no trauma, à presença de isquemia do membro afetado, à presença de choque e à idade do paciente, sendo que alguns itens podem ter pontuação dobrada, caso o tempo decorrido do trauma até o tratamento ultrapasse 6 horas. Um MESS de 7 ou superior se correlaciona bem com a amputação primária da extremidade superior ou inferior. Ou seja, as pontuações mais altas são preditoras de que o benefício da amputação primária supera a possibilidade e os riscos envolvidos na tentativa de salvamento do membro. Quadro 17.1 - ESCORE DE GRAVIDADE DE EXTREMIDADE MULTILADA (MESS) ESQUELETO
ISQUEMIA DE MEMBRO CHOQUE
IDADE
BAIXA ENERGIA (fratura simples, puntiforme, arma de fogo média velocidade) MÉDIA ENERGIA (fraturas expostas ou múltiplas, luxação) ALTA ENERGIA (espingarda de curto alcance, arma de fogo de alta velocidade, lesão por esmagamento) ENERGIA MUITO ALTA: lesões de alta energia com contaminação grosseira e avulsão de partes moles Pulso reduzido ou ausente, mas perfusão intacta Ausência de pulso; parestesias;enchimento capular diminuído Ausência de pulso; frialdade; paralisia; insensível Pressão sistólica acima de 90mmHg Hipotensão transitória Hipotensão persistente < 30 anos 30 – 50 anos > 50 anos
1 2 3 4 1* 2* 3* 0 1 2 0 1 2
* Escore dobrado para tempo de isquemia superior a 6 horas
Outra pontuação utilizada com resultados semelhantes no poder preditor de amputações primárias nos traumas complexos dos membros superiores é o Mangled Extremity Syndrome Index (MESI) (Quadro 17.2). Esse índice foi inicialmente proposto para traumas dos membros superiores, enquanto que o MESS foi validado sobretudo para ferimentos dos membros inferiores. Quadro 17.2 – ÍNDICE DA SÍNDROME DE EXTREMIDADE MULTILADA (MESI) ESCORE DE 0-25 GRAVIDADE 25-50 DA LESÃO > 50 TEGUMENTO Guilhotina Esmagamento/queimadura Avulsão/desenvulamento NERVO Contusão Transecção Avulsão VASCULAR Transecção de artéria Trombose de artéria Avulsão da artéria Lesão venosa
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1 2 3 1 2 3 1 2 3 1 2 3 1
OSSO
Fratura simples Fratura segmentar Fratura segmentar-cominutiva Fratura segmentar-cominutiva com perda óssea inferior a 6 cm Fratura segmentar intra-extra articular Fratura segmentar intra-extra articular com perda óssea superior a 6 cm Perda óssea superior a 6 cm TEMPO DE ESPERA IDADE
40 – 50 anos 50 – 60 anos 60 – 70 anos DOENÇA PREEXISTENTE CHOQUE Pressão arterial sistólica inferior a 90
Continuação do Quadro 17.2 1 2 3 4 5 6 Adicionar 1 Acrescenta 1 ponto para cada hora superior a 6 horas 1 2 3 1 2
Lesão Vascular de Extremidade em Pediatria A incidência de mecanismo penetrante e contuso na infância é aproximadamente igual. As lesões na extremidade superior são responsáveis por aproximadamente três quartos das lesões arteriais na população pediátrica. A artéria braquial é a artéria de extremidade superior mais frequentemente lesada em crianças. O dano a este vaso está frequentemente associado à fratura de úmero supracondiliana, especialmente em crianças mais jovens. As artérias femoral e poplítea são as mais frequentemente lesadas nas extremidades inferiores de crianças e estão associadas a uma fratura de fêmur em metade dos casos. Existem algumas considerações específicas para o tratamento de lesão arterial em pacientes pediátricos. As artérias são pequenas o que torna delicado o reparo por anastomose primária ou por interposição de enxerto. Os vasos são bastante propensos a vasoespasmo, o que pode imitar uma lesão real ou ocasionar oclusão precoce de reparos arteriais. De um 1/3 a metade das lesões arteriais pediátricas são tratadas sem reparo. Isso é mais viável em crianças menores cujos vasos podem ser pequenos demais para serem reparados de forma confiável. A recuperação do pulso distal em muitos desses pacientes ocorre dentro de 6 semanas. O tratamento da insuficiência arterial associada a fraturas do úmero supracondiliana em crianças é controverso, mas a tendência recente é a exploração cirúrgica de tais lesões se um pulso radial não for restaurado após redução fechada da fratura. Vale ressaltar que a suturas das anastomoses em criança em crescimento deverá ser realizada com pontos simples a fim de permitir o crescimento radial dos vasos. Referências BHAT, A. L. et al. Penile strangulation. British Journal of Urology, v. 68, n. 6, p. 618-621, 1991.
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Desde a sua fundação em 1936, o Instituto Dr. José Frota (IJF) tem evoluído no contexto de estrutura física e recursos humanos. A implantação da residência médica em cirurgia geral em 1984 foi essencial para consolidar o tratamento multidisciplinar do trauma, vocação maior dessa instituição. Desde então, dezenas de cirurgiões gerais foram aqui formados, atuando com destaque em diversos hospitais do Ceará e de outros Estados. A recente inauguração do IJF 2, com novo centro cirúrgico e uma unidade de hemodinâmica em conclusão, permitirá intervenções percutâneas através da radiologia intervencionista, hoje uma realidade no tratamento mini-invasivo de alguns tipos específicos de trauma. Acompanhamos de perto essa evolução, quando admitido como cirurgião geral do IJF em 1985. Tivemos a honra de contribuir por mais de 33 anos na assistência e no ensino, inclusive como chefe do serviço. Em 1994, na gestão do então Superintendente Dr. Marcos Antônio Alves, fomos ao Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (HC/USP), ocasião em que completamos o curso Advanced Trauma Life Support (ATLS), de acordo com as normas do Colégio Americano de Cirurgiões. No mesmo ano, coordenamos com uma equipe de cirurgiões do HC/USP, o o 1 curso de ATLS no IJF, marco importante na padronização do atendimento multidisciplinar do paciente politraumatizado. Em seguida, o Dr. Grijalva Otávio, com competência e determinação, coordenou dezenas de cursos, essenciais para complementar a formação dos jovens cirurgiões. Dando continuidade, Dr. Rommel Araújo mantem a qualidade desses cursos periódicos. Durante as sessões clínicas semanais do serviço de Cirurgia Geral, com a presença dos cirurgiões, residentes e internos, eram frequentemente discutidos a implantação de protocolos de condutas nos diversos tipos de trauma. Para coroar essa história de sucesso, surge agora, na gestão do Dr. Ricardo Sá Barreto como chefe do serviço, o livro Cirurgia do Trauma – Manual de Condutas do Instituto Dr. José Frota. Em 17 capítulos redigidos por cirurgiões e residentes do corpo clínico do IJF, são abordados os principais tópicos do trauma, de maneira concisa e com ilustrações adequadas, tornando a leitura muito agradável. Estão de parabéns os organizadores e colaboradores por propiciarem um manual atual e de qualidade, que certamente será consultado com frequência, padronizando as condutas do trauma no IJF. José Huygens Parente Garcia Prof. Titular da Faculdade de Medicina da UFC Chefe do Serviço de Cirurgia Digestiva e Transplante de Fígado do HUWC / UFC Presidente da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO)