Exposição Virtual - Hans Staden

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Hans Staden e seu livro

No início de março de 1557, foi publicado, em Marburgo, Alemanha, o primeiro livro sobre o Brasil com o seguinte título: Wahrhaftige História und beschreibung eyner Landschaft der Wilden, Nacketen Grimmigen Menschfresser-Leuthen in der Newenwelt America gelegen

Em português: História verdadeira e descrição de uma paisagem de povos selvagens, nus, ferozes e comedores de carne humana no Novo Mundo América

Nessa obra, o autor, Hans Staden, descreveu, além de suas aventuras, a cultura dos indígenas tupinambás que viviam no Brasil.

Escrita como culto No prefácio do livro, Staden declara diversas vezes que escrever constituía seu dever religioso. Por isso, logo após seu retorno do Brasil, teve a ideia de publicar suas experiências. Sem essa convicção religiosa, ele talvez nunca o tivesse escrito. O trauma de um cativeiro de nove meses foi vencido somente por meio de orações e da fé em Deus.

Hans Staden (gravura em madeira 1664)

O fomentador

Philipp, Conde de Hesse

1.1

Desde seu retorno no início de 1555 para Alemanha, Staden narrava com frequência o que tinha vivenciado em suas viagens. Muitos interlocutores impressionaram-se com suas aventuras e ficaram curiosos. Houve, porém, crítica cética. Certos relatos foram considerados exageros, ou talvez até invenções, para se autovalorizar. Essas críticas chegaram aos ouvidos de um fomentador influente de Staden: o professor Johannes Dryander, da Universidade de Marburgo. Este escreveu em um prefácio minucioso que Hans Staden havia sido “examinado e questionado de forma pormenorizada sobre todos os aspectos de suas navegações e cativeiro”, não só por ele, mas também por seu soberano Philipp, conde de Hesse, e outros ouvintes. O professor de Medicina, matemático e cosmógrafo redigiu o texto de Staden antes da publicação e escreveu uma introdução em que justificou por que estava convencido de que ele contava a verdade. O que parece falso para o “homem comum” pode representar a verdade “para os instruídos”. Se Staden relatava experiências até então completamente desconhecidas, elas bem que poderiam ser verdadeiras apesar disso.


A aventura no Brasil

O que vivenciou este homem entre “comedores de carne humana selvagens, nus e ferozes”? O título da obra deveria incitar a curiosidade do leitor. Não se sabia quase nada sobre o Novo Mundo América no século XVI. Agora finalmente uma testemunha ocular tinha algo detalhado a relatar.

A primeira parte do livro narra as experiências de Staden durante as duas viagens ao Brasil. O estilo narrativo é simples, descritivo e geralmente objetivo. A narrativa é cronológica e dividida em 53 capítulos com títulos.

Cerco de Igaraçú

Naufrágio junto a Itanhaém

A primeira viagem

Em 1548, Staden alistou-se como mercenário em um navio comercial português. Em altomar, atravessou tempestades e muita fome, e lá esteve quando foi capturado um navio espanhol. Quando Staden finalmente chegou a Pernambuco, não encontrou tranquilidade. Logo uma colônia vizinha, chamada Igaraçu, precisava ser defendida contra um ataque dos indígenas caetés. Somente um mês depois os indígenas encerraram o cerco do local. A embarcação de Staden continuou viagem para carregar, na Paraíba, pau-brasil e alimentos para seu retorno. Lá foram atacados por uma caravela francesa, que danificou seu mastro principal e matou alguns companheiros. O navio de Staden fugiu e chegou, em outubro de 1549, de volta a Lisboa, em Portugal.

A segunda viagem Em abril de 1550, Staden velejou novamente para o Brasil, dessa vez em um dos três primeiros navios do espanhol Dom Diego de Sanabria. O destino era a região do rio La Plata, em que se situam hoje a Argentina, o Paraguai e o Uruguai. A viagem, porém, foi um completo desastre. Um após outro, os barcos naufragaram – a embarcação de Staden afortunadamente perto do litoral de Santa Catarina, de forma que a tripulação alcançou terra firme. Os náufragos, então – como a personagem de Robinson Crusoé do romance de Daniel Defoe –, tiveram de sustentar-se a si mesmos. Só dois anos depois, Staden alcançaria, mais ao norte, São Vicente, no litoral de São Paulo. A cidade era na época uma das bases mais importantes dos portugueses no Brasil, que precisava ser protegida constantemente dos Bastião de Staden em Santo Amaro ataques dos indígenas vindos do norte. O mercenário Staden, um soldado pago, encontrou uma colocação como soldado armado. Foi o próprio governador-geral do Brasil, Tomé de Sousa, no cargo desde 1549, que o nomeou. Staden foi contratado por dois anos. Depois esperava por ele em Portugal uma recompensa do rei por seus serviços. Uma perspectiva atraente. Staden assumiu uma área na vizinha ilha de Santo Amaro, onde construiu uma casa de pedra, armada com canhões. Ele possuía seu próprio escravo e sabia as horas em que os tupinambás atacavam. Em resumo: ele sentia-se seguro. Essa condição, porém, iria mudar.

1.2


O cativeiro de Staden

Em dezembro de 1554, Hans Staden, desarmado, deixou seu “baluarte” para caçar. Como ele descreve em seu livro: “Repentinamente, foi cercado por ‘selvagens’, flechado e ferido. Despencou no chão, e teve suas roupas arrancadas. Foi arrastado com pressa até a praia. Ali foi espancado, pisoteado e ameaçado de morte. Com cordas em volta do pescoço, preso a um barco, Staden foi levado como prisioneiro dos tupinambás”.

Ubatuba

Um favorito dos deuses?

Após três dias, o grupo alcançou a aldeia de Ubatuba. Ali Staden deveria ser morto e devorado. Ele sabia o que o esperava. Revoltou-se, porém, contra a perspectiva – logo no início de seu cativeiro. Seu primeiro reflexo diante do ataque inesperado foi uma oração: “Que Deus ajude minha pobre alma”. Essa fé em um Deus prestativo e misericordioso não mais seria abandonada por ele. Continuaria orando, clamando a ajuda de Deus. Assim pôde acalmar-se internamente, e dominar seu medo. Um português havia assassinado o pai do indígena que o tinha atacado primeiro. Isso deveria ser vingado! Por isso os tupinambás queriam matar o suposto português Staden. Este, porém, sabia que os indígenas eram amigos dos franceses. Por essa razão, tentou escapar da situação com uma mistura de verdade e mentira: ele não era português, mas sim, como alemão, um amigo dos franceses. Essa mentira quase lhe foi fatal quando veio um francês, uma vez que Staden não falava francês. Também este o considerou português. O francês até aconselhou que matassem Staden.

Staden, contudo, tinha se tornado importante. Cunhambebe, o poderoso cacique da região, consultava-o. Tinha interesse em descobrir planos de ataque dos tupiniquins, aliados dos portugueses. Aqueles atacavam mais rápido que o esperado. Foram repelidos após duras batalhas. Então se desencadeou uma epidemia na família indígena da qual Staden era prisioneiro. O europeu, que orava diariamente, pareceu ser um xamã bastante eficaz. Alguns dos doentes mais graves sobreviveram – aparentemente graças a Staden. Antes disso, suas preces fariam mudar o mau tempo. Isso os impressionou. Seu deus foi considerado forte pelos tupinambás. Quando o francês reapareceu, explicou que Staden era alemão, um amigo dos franceses. Os tupinambás declararam-se dispostos a libertá-lo em troca de um “navio carregado de mercadorias”. Seu pai e seus irmãos deveriam buscá-lo. O francês prometeu enviar um navio que o levaria à França. Essa foi a virada definitiva no destino de Staden.

1.3

Aprisionamento de Hans Staden

Staden reza em Ubatuba

Staden perante o chefe Cunhambebe

Mortandade em Ubatuba


Libertação e retorno

Quando já havia sido tomado como prisioneiro, os portugueses tentaram libertar Staden. Duas outras tentativas fracassaram, ele mesmo planejou várias vezes sua fuga. Tudo parecia em vão. Nem o capitão de um navio francês conseguiu convencer os tupinambás a libertá-lo. Staden participou ativamente de uma investida militar dos indígenas contra os portugueses. Com mais “milagres do tempo”, ele demonstrava o poder de seu deus. Ele conta em seu livro que, por diversas vezes, foi testemunha do ritual antropofágico de prisioneiros. Sua crítica a respeito não era compreendida pelos tupinambás.

[Em sua acepção original, “antropofagia” designa as práticas sacrificiais comuns em algumas sociedades indígenas do Brasil que consistiam na ingestão da carne dos inimigos aprisionados em combate, com o objetivo de apoderar-se de sua força e de suas energias. Ana de Oliveira, 2010.]

A libertação Certo dia, os indígenas de Ubatuba deram Staden de presente ao cacique amigo de um povoado ao norte. Este o tratou como seu próprio filho. Lá apareceu o navio francês Catherine de Vatteville para comerciar. Staden subiu a bordo com os indígenas, onde fez anunciar que seu pai, na Europa, estava no leito de morte. Seus dez irmãos, que se encontravam todos no navio, deviam levá-lo consigo. Eles não permitiriam que voltasse à terra. O cacique enfureceu-se, mas finalmen-

Retorno à Europa

te concordou em deixar partir o europeu. Ele deveria, porém, voltar com o próximo navio. A fim de acalmá-los, presentearam os tupinambás com diversos artefatos: facas, machados, espelhos e pentes. Com isso, o cativeiro de Staden, de mais de nove meses, chegava ao fim. Ele conta que imediatamente soube a quem deveria agradecer:

Dança das mulheres de Ubatuba

“Assim me livrou o Senhor todo poderoso, Deus de Abraão, de Isaac e Jacó, do poderio dos bárbaros cruéis. A ele louvor, glória e honra, em Jesus Cristo, seu querido filho, e nosso salvador. Amém”. Combate junto a Rio de Janeiro

Os franceses velejaram em direção à base perto do Rio de Janeiro. Um navio português, lá ancorado, foi atacado de imediato. Durante o combate houve mortos e feridos. Staden também foi ferido gravemente. No final de outubro de 1554, após sua convalescença, o navio deixou o porto. Em 20 de fevereiro de 1555, alcançou Honfleur na Normandia (França). Staden, completamente desprovido de meios, foi alimentado, recebeu novas roupas e um passaporte. Narrou suas experiências a Coligny, o almirante da Normandia. Depois chegou de navio a Antuérpia (Bélgica), via Dieppe (França), Londres (Inglaterra) e Zeeland (Holanda). Lá relatou os acontecimentos dos últimos anos a Jaspar Schetz, dono de uma fábrica de açúcar em São Vicente. Dele recebeu dois ducados para pagar sua viagem de volta a Hesse na Alemanha. Honfleur no Norte da França

1.4


O professor Dryander de Marburgo provavelmente aconselhou Staden a acrescentar a seu relato uma segunda parte. Nela foram descritos “comércio e costumes” dos tupinambás. Nenhum europeu tinha vivido por tanto tempo num desses povoados. Staden conhecia bem a língua daqueles indígenas, utiliza cerca de 150 palavras tupi em sua obra.

Homens, costumes, animais e plantas Enquanto a primeira parte compreende 108 páginas, a parte etnográfica possui somente 48. Em 38 capítulos, Staden relata, de forma breve e objetiva, aspectos sobre: Situação dos povoados; Aparência dos tupinambás; Como moravam e dormiam os tupinambás; Fogueiras, alimentos, refeições e bebidas; Ferramentas e recipientes de provisões; Noivado, casamento e escolha de nomes para os filhos; Barcos e caça; Adornos para o corpo de mulheres e homens; Ordem social; Mercadorias e juízos de valor; Religião dos indígenas; Animais e plantas da região costeira do brasil.

1.5

Etnografia do Brasil

Indígenas em traje de guerra

Pesca junto dos tupinambás

O choque da antropofagia Ao longo de cinco páginas, Staden descreve em pormenores o ritual mortal e o subsequente consumo da carne humana. Nove xilogravuras ilustram o acontecimento. Os tupinambás apontavam – segundo Staden – só um motivo para sua ação: vingança pelos membros mortos de sua comunidade. Convidavam vizinhos para a cerimônia, que durava dias. Em ritos bem definidos e ações simbólicas, os participantes desenvolviam uma disposição agressiva. A pintura dos corpos e dos objetos fazia parte do ritual. Excitavam-se com a bebida, o canto e a dança. A vítima era presa com uma grossa corda, antes de ser morta com uma violenta cacetada na cabeça. Então seguia a partição do corpo e o consumo pelos presentes. Assim descreve o texto de Staden. Enquanto condena a antropofagia ainda de forma veemente na primeira parte, na segunda Staden a descreve de forma bastante objetiva. Não formula nenhum julgamento moral do acontecimento. O fato de ter sido capaz de fazê-lo é admirável, pois viveu nu entre os tupinambás e ameaçado em um ambiente que lhe era completamente estranho. Assassinato de um prisioneiro


A família Staden O autor da História verdadeira designa-se a si mesmo como Hans Staden de Homberg em Hesse. Contudo, não relata nada sobre sua vida antes do início da primeira viagem ao Brasil. A partir das poucas fontes e indicações disponíveis, podese meramente reconstruir a trajetória de sua vida.

Wetter, Homberg sobre o rio Efze e Korbach A família Staden encontra-se de início em Wetter, perto de Marburgo. Ali cresceu o pai de Hans Staden, Gernand Staden, como amigo do futuro professor Dryander. Nascido por volta de 1500, mudou-se antes de 1528 para Homberg, acima do rio Efze, onde se torna cidadão. Em 1551, adquire finalmente o direito de cidadania em Korbach. À sua cidadania em Homberg, porém, só renuncia em 1558. Hans Staden nasceu provavelmente por volta de 1525. Sobre sua formação em Homberg nada se sabe. Deve, porém, ter ido à escola e recebido uma educação adequada para a época, da qual a instrução religiosa, de acordo com a Reforma Protestante, fazia parte. A confissão luterana fora introduzida em 1526, no sínodo de Homberg, em Hesse.

Lousa de Fogão com apresentação de matança

2.1

Homberg/Efze no século XVI

Mercenário e aventureiro É provável que Staden tenha participado da guerra de Schmalkalden (1546-1547) como soldado hessiano. O conde de Hesse sofreu uma derrota e foi tomado como prisioneiro. Seus soldados foram dispensados. Para Hesse, a derrota significou uma decadência econômica. As perspectivas profissionais para jovens não eram boas. Servir como mercenário a outros países era, nessa época, uma possibilidade profissional. Após 1547, o estado de Hesse foi ocupado durante algum tempo por soldados espanhóis e portugueses do exército imperial. Staden poderia ter ouvido falar, por meio deles, que se poderia enriquecer na Índia. Assim torna-se compreensível porque, no início do seu livro, escreve que se propunha “conhecer a Índia”. Hans Staden também poderia ter lido algo a respeito. Assim como muitos jovens da época do Renascimento, a aventura o atraía. Viajou para Portugal, mas os navios com destino à Índia já tinham zarpado. Por isso Staden alistou-se em um que iria ao Brasil. Em sua primeira viagem, Staden mencionou dois outros alemães como parte de sua tripulação: Hans von Bruchhausen und Heinrich Brand, de Bremen. Eles participaram, como muitos outros alemães, das viagens ao Brasil pelas mais diversas razões.

Lisboa no século XVI


Hans Staden e a cidade de Wolfhagen Hans Staden, nascido como habitante de Homberg, em Hesse, torna-se cidadão de Wolfhagen. Assim, Staden assina, em 20 de junho de 1556, o prefácio para sua História verdadeira. Não se sabe por que Staden, após seu retorno do Brasil (1555), tornouse tão rapidamente cidadão de Wolfhagen.

Wolfhagen no século XVI

Moleiro de pó de pólvora, Hans Staden?

Morto em Korbach ou Wolfhagen?

Em 1555, um certificado licenciava a um cidadão, de nome não mencionado, a construção de uma fábrica de pólvora. Esta deveria ser erguida em Fredegassen, próxima à cidade de Wolfhagen. Aqui se encaixa um outro documento, do ano de 1558. Este confirmava que um Hans Staden, em 1557, aprendia a ferver salitre com um moleiro de Marburgo. O salitre é empregado na fabricação da pólvora como fornecedor de oxigênio, e Staden poderia ter vivido em Wolfhagen como moleiro e fervedor de salitre.

Em 1558, Hans Staden de Korbach é mencionado como acusado em um documento. À sua carta a Wolrad II, anexou um pedido: que o conde se empenhasse para que o talentoso filho da pobre viúva Weygand, em Korbach, recebesse uma bolsa. Ele deveria estudar. Em Korbach morava também o pai de Staden. Um Johann (Joseph) Staden, desde 1552 cidadão de Korbach, poderia ser irmão de Hans Staden. Seus filhos ascenderam à classe superior burguesa como comerciantes, conselheiros e acadêmicos. Outros 28 netos estão registrados nos autos estaduais. Não se conhece mais nenhum documento, após 1558, que forneça informações confiáveis sobre o resto da vida de Hans Staden.

Hans Staden de Homberg em Hesse enviava uma carta de recomendação, com sua obra, a um conde von Hanau-Münzenberg. Em outra, sem data, Staden nomeia-se cidadão de Wolfhagen, a qual foi dirigida ao culto conde Wolrad II de Waldeck-Eisenberg. Nenhuma das duas cartas era de próprio punho, Staden somente as assinou. Ambas foram redigidas em 1557 ou em 1558.

2.2

É possível também que ele tenha vivido em Wolfhagen como moleiro e fervedor de salitre e lá tenha se casado e tido filhos. O livro de registro da igreja de Wolfhagen inicia-se somente em 1574. Em 1576, são registrados, entre os

Carta ao conde Wolrad II

mortos de uma epidemia de peste, um fabricante de sabão sem nome e sua esposa. Antes acreditava-se ser Hans Staden. A lenda relaciona também o nome da hospedaria “Zum Schiffchen” (“Ao navio”) em Wolfhagen com o de Hans Staden. Porém, não existem fontes históricas suficientes sobre a morte de Hans Staden.

Korbach no século XVI


Staden e o Cristianismo

Só a Deus todo-poderoso – não à sorte ou a outros homens – ele deveria agradecer sua salvação, segundo o que escreveu numa oração de agradecimento ao fim da primeira parte. Estava convencido, como muitos cristãos de sua época, de que Deus determinava a vida.

Hesse em meio à divisão da fé

Imperador Carlos V em postura de vencedor

Censura e caça às bruxas Entre 1550 e 1580, ocorreu, na Europa, o apogeu de caça às bruxas. Sobretudo na Espanha e em Portugal, a Inquisição, instituição da Igreja católica que investigava crimes contra a fé católica, procedia contra hereges e adep-

Queima de bruxas (folheto de 1555)

2.3

Desde 1517, a comunidade cristã na Europa estava dividida. O estado de Hesse tornou-se protestante após o sínodo de Homberg de 1526. O aumento dos escritos de cunho religioso refletia o grande interesse da época pela Bíblia e pela vida cristã. Em 1548, o conde Philipp foi tomado prisioneiro. Mesmo assim, discutia intensamente com teólogos católicos sobre o papado ou a invocação dos santos. Em 1552, o imperador Carlos V tentou reintroduzir a religião católica em Hesse por meio de um decreto imperial. Fracassou pela resistência do povo e dos membros da Igreja. Quando Staden retornou a Hesse, o parlaIndex da Igreja Romana (1612) mento reunia-se em Augsburgo (Alemanha). Poucos meses depois, em 25 de setembro de 1555, foi anunciada a paz religiosa de Augsburgo. Ela garantia ao príncipe a autonomia de definir a religião em seu estado. O conflito religioso na Alemanha tinha, por ora, chegado ao fim.

tos de outras crenças religiosas. O papa promulgou inicialmente, em 1559, o índex, uma lista oficial dos livros que os católicos estavam proibidos de ler. Em 1562, eclodiu na França uma duradoura guerra entre católicos e os protestantes franceses, chamados huguenotes. A nova ordem dos jesuítas tentou – também no Brasil – difundir novamente a doutrina católica reformada. Por outro lado, o século XVI foi também uma época de ciência. O empirismo e a observação precisa definiam os procedimentos de muitos eruditos. Começou-se a preparar e

reunir o conhecimento de todas áreas da vida em obras enciclopédicas. Graças à técnica da tipografia, novos conhecimentos foram difundidos rapidamente por longas distâncias. A igreja católica buscava manter sua soberania interpretativa sobre o conhecimento do homem. O católico Nicolau Copérnico reconheceu que a Terra girava em torno do Sol. Seu livro, porém, no qual explicava essa descoberta revolucionária, não podia ser lido por um católico – estava no índex. A obra de Staden foi logo traduzida para o holandês, mas não para o espanhol ou o português – o autor era protestante.


A Editora na época do Renascimento

O alemão Johannes Gutenberg inventou a arte da tipografia por volta de 1450, em Mainz. Nos 50 anos seguintes, surgiram tipografias em toda a Europa. Contudo, menos de 5% da então população sabia ler. Por esse motivo, a tiragem dos cerca de 40 mil livros, nesse período, foi pequena. Com o início da Reforma Protestante, aumentou-se o número de livros. Os compradores, porém, interessavam-se não só por escritos teológicos, mas também por clássicos da Antiguidade e literatura de entretenimento. Contos de cunho moral eram igualmente apreciados. Imprimia-se tudo: da obra científica ao livro de receitas.

O mercado livreiro no século XVI

Américo Vespúcio

O mercado livreiro desenvolveu-se rapidamente. Aí se incluíam também cartas e relatos de viagens sobre o Novo Mundo. As cartas do italiano Américo Vespúcio sobre suas viagens à América do Sul tiveram especial sucesso. Até 1551, a literatura “Americana”, com 515 obras, constituía menos de 1% de todas as publicações. Cerca da metade dela foi publicada em latim. Editores e editoras logo eram encontrados em todas as grandes cidades. Tipógrafos, editores e autores se reuniam, a partir de 1480, duas vezes por ano em feiras. Livros eram oferecidos e comprados. Fazia-se a publicidade do próprio produto e podia-se fazer contato com outros autores. Frankfurt situava-se no cruzamento de importantes vias de comércio e logo se tornou a sede mais importante de feiras da Alemanha. A partir de 1564, era possível informar-se com antecedência sobre novas publicações por meio de um catálogo.

Editora e autor na época do renascimento Um direito próprio de direito autoral não existia. O imperador e outras autoridades tentavam, no entanto, proibir livros indesejáveis por meio de leis. Até nas cidades havia essa censura. Antes da publicação, as obras deveriam ser submetidas a uma comissão do Conselho. A fim de se proteger contra uma insistência injustificada, o editor podia adquirir do seu soberano um privilégio que se estendesse por vários anos. Isso, porém, não valia para toda a região de fala alemã. Poucos dados existem sobre o valor dos honorários dos autores. A publicação de livros mal garantia um sustento seguro. A pequena tiragem – cerca de 1.500 impressões em média – e a inconstância do mercado não permitiam que o editor pagasse muito. Por meio de dedicatórias a protetores nobres, os autores buscavam receber uma “doação de honra”. Assim também o fez Hans Staden. Se obteve sucesso, não se sabe. Feira de Frankfurt

2.4

Privilégio de tipografia (1532)


A primeira edição de Marburgo Johannes Eichmann, chamado Dryander

Johannes Eichmann, nascido em 1500, formou-se professor de Matemática e Medicina em Marburgo, em 1535. Com suas publicações, sob o nome humanista de “Dryander”, era um dos médicos mais conceituados de sua época. Como médico preferido do conde e de sua família, gozava de grande prestígio. Ocupava-se, contudo, de questões matemáticas, geográficas e astronômicas. Era decano da faculdade de Medicina e, por dois anos, foi também reitor da universidade. Dryander contribuiu, de forma determinante, para que, em 1557, em Marburgo, o livro de Hans Staden pudesse ser publicado. Desde 1548, toda obra impressa devia ser submetida, antes de sua publicação, ao vice-chanceler da universidade, ao reitor e a um professor competente. O prefácio detalhado de Dryander para a obra de Staden deixa entrever um interesse intenso por essa publicação.

Johannes Dryander

2.5

Em 1521, os soberanos receberam, no Édito de Worms, o direito de regularizar em sua região a formação e instrução referentes a questões religiosas. A partir disso, o conde Philipp de Hesse planejou, desde 1524, fundar uma universidade em Hesse. Em 1527, foi inaugurada a instituição de ensino em Marburgo, com 106 estudantes e 12 professores. Constituíam o centro de formação os idiomas e os cursos de Teologia, Direito e Medicina.

Cidade Universitária Marburgo no século XVI

A tipografia universitária Kolbe em Marburgo Com a abertura da universidade, fundou-se, em Marburgo, uma tipografia. Entre 1527 e 1566, foram editadas 404 obras, das quais somente 66 eram de autores estrangeiros. Cerca da metade de todas as publicações era escrita em latim. Em 1539, Andreas Kolbe inicia sua atividade na tipografia universitária em Marburgo. O diretor era Christian Egenolff, que, desde 1530, trabalhava em Frankfurt e considerava Marburgo somente uma filial. Em 1543, vendeu a tipografia a Kolbe, que agora era a quinta gráfica em Marburgo. Até 1566, Kolbe completou ali cerca de 150 obras. Kolbe publicava em média 10 livros por ano em pequenas tiragens. Desde 1548, porém,

seus pedidos diminuíram. A contenção de gastos gerou uma qualidade de impressão inferior, o que logo provocou repreensões por parte do governo em Kassel. A obra de Hans Staden representou um êxito especial para ele. Ainda no primeiro ano, pôde imprimir uma segunda edição.

Marca da tipografia de Andreas Kolbe


Marketing e publicidade

Conde Philipp de Hesse

Título de página da obra “História verdadeira“

Dryander relata, no prefácio para a História verdadeira, que Staden expôs suas “viagens marítimas e seu cativeiro” na presença de seu soberano e de outros ouvintes. Antes disso, já havia contado suas aventuras. Portanto, era de se esperar que também o livro despertasse grande interesse. Hans Staden tinha pedido a Dryander que “lesse, corrigisse e, onde fosse necessário, fizesse emendas” em sua obra. Para o cientista era importante que Staden relatasse, de forma objetiva, a sociedade dos tupinambás.

Marketing O tipógrafo Andreas Kolbe estava à beira da falência. O relato de Staden precisava vender bem. Por isso, apelou para todos os recursos de marketing disponíveis. Já naquela época, ilustrações eram uma garantia de venda. Kolbe enfeitou a narrativa com o número incomum de 52 xilogravuras. Estas foram feitas a partir de esboços ou desenhos do próprio Hans Staden. O título deveria incitar a curiosidade. Uma testemunha ocular relatava algo completamente desconhecido e novo, mas o título deveria também causar certo ar-

2.6

repio. Tratava-se de “comedores de carne humana, selvagens, nus e ferozes”. Algo tão monstruoso tinha de estimular a venda do livro.

Publicidade e edições clandestinas Não é certo se Staden arcou sozinho com as despesas da impressão de sua obra – como se afirma no texto. Mas, como muitos outros autores livres de sua época, ele esperava o auxílio financeiro de protetores nobres. Por isso, dedicou o

Carta pedido a um conde em Hanau

relato de viagem a seu soberano. Enviou sua obra a outros dois príncipes com uma carta de recomendação. Certamente o professor Dryander também ajudou na divulgação do livro. Logo após a primeira impressão, cerca de 1.500 exemplares da História verdadeira esgotou-se. Ainda em 1557, houve uma reimpressão em Marburgo. O sucesso espalhou-se com rapidez. Isso levou, ainda no mesmo ano, a duas impressões não autorizadas da gráfica Weygand Han em Frankfurt. Na época, as “edições clandestinas” ainda não eram proibidas, pois não havia legislação quanto a isso. Não sabemos nem se Staden contava com esse êxito, nem se lucrou com o livro. De qualquer forma, não atingiu fama durante a sua vida.


O começo do livro

Desde a invenção da técnica de impressão, surgiram oficinas gráficas em toda a Europa. Os baixos custos de fabricação possibilitavam a vários círculos da burguesia a aquisição de livros baratos. A demanda correspondia à nova consciência do Renascimento. As disputas religiosas da Reforma Protestante após 1517 trouxeram uma enxurrada de publicações. Importantes editoras surgiam. Marburgo, contudo, pertencia aos locais de impressão menos prestigiados.

Preparo da impressão Dryander tinha revisado o manuscrito “Warhaftige Historia” no fim de 1556. O tipógrafo Andreas Kolbe agora preparava a publicação. Como tipo de letra, o tipógrafo escolheu uma variante da difundida letra “Schwabacher”. Um talhador de madeira produziu quadros a partir dos esboços de Staden. Os tipos, fundidos de chumbo, foram dispostos no texto. Em seguida, ajustou-se as xilogravuras.

Um impressor no século XVI

O tipógrafo posicionava no prelo as páginas montadas para a impressão. Agora eram multiplicadas manualmente, uma a uma. Depois disso, as páginas eram unidas em “camadas”, de acordo com a tiragem. Estas geralmente eram entregues aos livreiros em barris. A encadernação do livro era feita só após a venda, de acordo com as preferências pessoais do comprador.

A impressão da primeira edição

Transporte de livros em pipas

2.7

Kolbe e seus ajudantes não foram muito cuidadosos. No final da obra, aponta-se um erro de impressão, mas há ainda muitos outros. Cinco ilustrações foram impressas invertidas. Quais, porém, não se sabe. Na numeração dos capítulos, o número 33 foi esquecido. Passagens obscuras no capítulo 11 dão a entender que um trecho existente não foi impresso. O sumário se refere somente à primeira parte – à segunda, nenhuma palavra. Referências na primeira parte que remetem à segunda comprovam, porém, a unidade da obra. A primeira tiragem somou de 1.000 a 1.500 exemplares. A obra foi oferecida na maior feira do livro da época, em Frankfurt. Vendeu bem. O preço era provavelmente tão baixo que era acessível a qualquer leitor. Esse sucesso de vendas pode ter dado origem à edição clandestina de Frankfurt. A demanda continuou também nos anos seguintes, como demonstram as tiraA errata da primeira edição (1577) gens em várias línguas.


A “Americana” no século XVI

No século XVI, a produção de livros aumentou consideravelmente. Estima-se que o total das publicações na Europa nesse século varie de 140.000 a 150.000. Dessas, 90.000 foram publicadas em regiões de língua alemã, sendo que aproximadamente 4.300 pertencem à categoria “Americana”, ou seja, obras que informam sobre o Novo Mundo. Até 1551, foram publicadas pelo menos 515 obras sobre a América, a metade em latim. Além disso, houve também impressões baratas de uma página, brochuras, panfletos e mapas. Sobre a América do Sul e a costa brasileira saiu, em 1509, a tradução alemã do relato epistolar Mundus Novus, de Américo Vespúcio. Novas tiragens e edições dessa obra dominaram o mercado por alguns séculos, mas o título alemão de Novo Mundo é até hoje uma referência.

América – o Novo Mundo Para o cartógrafo Martin Waldseemüller, a obra era tão importante que, em 1507, em seu Livro de Vespúcio “Mundus Novus” mapa-múndi, atribuiu ao novo continente o nome de seu descobridor: de Américo, tornou-se América. Testemunhas que relatavam suas experiências eram valorizadas. Em geral, salientavam já no título do livro que seu relato era verdadeiro. Queriam apresentar algo novo e desconhecido. Pela perspectiva europeia, os indígenas eram descritos de forma misteriosa. Atribuíam-se a eles características positivas; condenavam-se, porém, sua agressividade, seu ateísmo e a antropofagia.

“Europeu culto” versus “americano selvagem” Como os relatos de viagem eram lidos e compreendidos? Autores e leitores compartilhavam de um sentimento de superioridade sobre os “povos nativos”. Um convívio com eles só seria possível se estes se submetessem. Os europeus aceitaram com demasiada prontidão a mensagem velada dos relatos: os indígenas nus, que viviam sem uma forma reconhecível de governo, deveriam ser aculturados e convertidos para o cristianismo. Eles serviam como mão de obra, como escravizados. Frequentemente eram obrigados com brutalidade a trabalhar. Na época, houve

3.1

poucas críticas, com quase nenhuma influência. Desde cedo, houve autores eruditos na Europa que reuniam, interpretavam e publicavam relatos de viajantes. Também eram populares coletâneas de textos, geralmente reunidas por editores. Uma das primeiras foi publicada em 1508 na Alemanha: Newe unbekanthe landte... (Nova terra desconhecida), tradução de Jobst Ruchamer da obra italiana de Fracanzano da Montalboddo. Esse tipo de publicação tem seu apogeu cerca de um século depois, nas coletâneas de relatos de viagens de Theodor de Bry e Levinus Hulsius.

Indígenas (século XVI)

Escravizados em uma fábrica de açúcar


Hans Staden

O mundo indígena

passou cerca de nove meses na costa brasileira e, embora não conhecesse o idioma dos tupinambás, graças a seus conhecimentos linguísticos, pôde falar com eles, o que lhe permitiu dar declarações sobre a vida espiritual e a sociedade daqueles indígenas. Não está claro, porém, se Staden no início falava apenas guarani, a língua das tribos ao sul, e aumentou seus conhecimentos só mais tarde, durante o cativeiro.

A mais antiga descrição dos indígenas do Brasil Certamente Staden relatou somente aquilo que compreendia. Apesar de descrever caciques, pouco entendia sobre a ordem social dos tupinambás. Sua orientação cristã-europeia o impedia de compreender a crença tupi. Quando descreveu a atuação dos xamãs, reconheceu somente superstição e fraude. Por outro lado, foi-lhe possível, por meio de suas orações, tornar-se ele mesmo um xamã eficaz. Com sua vida em risco, atuou de forma instintiva. As extensas observações e descrições do universo dos tupinambás eram, porém, muito precisas em vários aspectos. Isso se verifica de forma impressionante na comparação com outras descrições posteriores. Por isso, o relato de Staden representa a fonte mais antiga sobre os indígenas tupinambás, sendo, assim, de grande importância para a história do Brasil. Feiticeiros em uma dança ritual

Antropofagia A descrição pormenorizada feita por Staden do ritual antropofágico ocupa uma posição central na pesquisa histórica. Ele descreve cada fase: desde a preparação da vítima e sua execução até o momento em que é devorada. Essa parte do texto é ilustrada com nove xilogravuras. As descrições divergem daquelas de autores posteriores somente em alguns detalhes, o que fez com que alguns cientistas das últimas décadas manifestassem dúvidas quanto à veracidade desses relatos. Interpretaram as semelhanças na descrição do antropofagismo como sendo copiadas de outras publicações. Acreditava-se que tais relatos serviam para inventar e divulgar uma imagem negativa dos indígenas, por isso a similaridade entre eles. Dessa forma, deviam ser mostradas aos europeus a crueldade e a inferioridade dos indígenas do Brasil, o que servia de motivo para sua submissão e escravidão pelos colonizadores. Hoje a maior parte dos cientistas nega essa teoria. As semelhanças ocorreram porque fenômenos iguais ou semelhantes foram observados e descritos. Além disso, muitos relatos foram publicados ao mesmo tempo e em diferentes idiomas, de modo que fazer uma cópia já teria sido impossível simplesmente por razões técnicas.

3.2

Cenas de antropofagia


Relatos sobre o Brasil após Staden

Muitos alemães vieram ao Brasil e à América do Sul como mercenários. Porém, no século XVI, além de Hans Staden, só Ulrich Schmidl, de Straubing, descreveu suas experiências.

Ulrich Schmidl (1510-1579)

André Thevet

Ulrich Schmidl chegou à América do Sul em 1534 com uma expedição espanhola e vivenciou algumas conquistas na região do La Plata durante o período em que lá permaneceu. Quando seu irmão o chamou de volta à Baviera, em 1552, retornou via São Vicente. Logo após sua chegada, redigiu um relato manuscrito sobre suas experiências e o divulgou apenas entre seus amigos, já que não pretendia publicá-lo. Por volta de 1567, porém, o editor Sigmund Feyerabend leu o manuscrito em Frankfurt e o publicou sob o título Warhaftige und liebliche Beschreibung etlicher fuernemen Jndianischen Landschafften... (Descrição verdadeira e amena de alguns aspectos de paisagens indígenas...). Porém, só uma parte da obra é dedicada ao Brasil. Além disso, é importante destacar que Schmidl descreve os indígenas a partir do ponto de vista de um soldado.

(1504-1592) Em 1556/57, o franciscano André Thevet tomou parte na expedição do almirante Nicolas Durand de Villegagnon, que planejava fundar uma colônia francesa na região que viria a ser o Rio de Janeiro. Porém, após dez semanas, Thevet adoeceu e voltou à França. Em 1557/58, publicou, em Paris, a obra Singularitéz de Ia France antarctique (Singularidades da França Antarctica), primeiro livro em língua francesa sobre o Brasil. Assim como a obra de Staden, a de Thevet também foi muito lida e logo traduzida para o inglês e o italiano. Thevet transmitiu os mitos religiosos dos tupinambás de modo especialmente detalhado. Como teólogo culto, avalia os “indígenas pagãos” de forma bem negativa. Para ele, são pouco mais que “animais selvagens”. A antropofagia era condenada por ele. Em 1556, um outro francês chegou a essa colônia: Jean de

Ulrich Schmidl

André Thevet

3.3

& Jean de Léry

(1534-1611) Léry, de Borgonha. O sapateiro huguenote logo teve uma grave desavença religiosa com o almirante Villegagnon. Por isso, ele e outros correligionários refugiaram-se com indígenas no continente. Ali viveu até que, oito meses depois, retornou à França. Léry também escreveu sobre suas experiências em meio aos tupinambás, relato publicado só em 1578 como Histoire d’un voyage faict dans Ia terre du Brésil (História de uma viagem feita na terra do Brasil). Esse livro, assim como o de Staden, até hoje é uma fonte importante sobre os indígenas da costa do Brasil. Muitas das descrições estão em conformidade com as de Staden, inclusive a do ritual antropofágico. Na obra, embora Léry não poupe críticas ao comportamento dos tupinambás, também expressa compreensão por seu modo de vida e faz elogios.

Título da obra de Jean de Léry


O livro torna-se um best-seller

Ainda em 1557, o livro de Staden foi reimpresso em Marburgo. A folha de rosto foi reformulada; e erros, eliminados. Falta aqui, porém, o lema do conde de Hesse. E a procura pelo livro persistiu.

Edições clandestinas e novas tiragens A tipografia de Frankfurt, Weygand Han, publicou ainda em 1557 duas “edições clandestinas” de História verdadeira. Em sua segunda tiragem, tentou simular uma primeira edição inserindo o ano de 1556. Faltavam-lhe, porém, as xilogravuras da edição de Marburgo. Então recorreu às que tinha ao seu alcance: as imagens da indígena de um livro de Ludovico de Varthema. Assim aconteceu o fato curioso de encontrar um elefante perdido em um livro sobre o Brasil. Após esse início auspicioso, houve mais edições. A obra de Staden foi publicada em 1561 em baixo-alemão (Niederdeutsch). Em 1567, 1613 e 1624, seguiram outras edições em alemão clássico (Hochdeutsch). Em 1593 e em 1605, o texto foi publicado por Theodor de Bry e seus filhos, em Frankfurt, como coletânea de relatos de viagens. As gravuras em cobre nesse volume, de formato grande, originaram-se das xilogravuras da primeira edição. Na Historia Antipodum, de Johann Ludwig Gottfried, 1630/31 e 1655, foram publicados somente fragmentos da obra de Staden. Por fim, em 1664, Hans Just Winckelmann lançou em Oldenburgo uma reprodução de trechos do livro. Nela saiu pela primeira vez o conhecido retrato de Hans Staden. Winckelmann deve tê-lo encontrado em Kassel. O elefante em impressão furtada

Traduções e edições estrangeiras O latim era a língua comum dos eruditos. Assim, saiu em 1592, pela editora De Bry, a primeira tradução latina de História verdadeira, que foi reimpressa em 1605. Staden figurava também na coletânea de relatos de viagem, edição latina, de Gottfried, dos anos de 1630, 1634 e 1655. Uma fábrica de açúcar (século XVII) Hans Staden, após seu retorno, tinha relatado sua história ao mercador holandês Jaspar Schetz na Antuérpia (Bélgica). Como esse mercador havia investido algum capital em usinas de açúcar brasileiras, não é de se estranhar que, já em 1558, tenha sido publicada a primeira tradução holandesa. Uma nova edição veio em 1595. A partir de 1624, explodiu a demanda. Entre 1625 e 1736, o livro de Staden foi publicado 16 vezes. O motivo é conhecido: desde 1624, os holandeses tentavam ocupar a região norte do

3.4

Brasil. Por volta de 1640, o príncipe Maurício de Nassau fundou ali uma colônia em Pernambuco, mas que teve de ser abandonada já em 1654.

Theodor de Bry


O redescobrimento de Staden

Após a Guerra dos Trinta Anos (1648), Staden caiu quase completamente no esquecimento. Só em 1729, foi publicado em Frankfurt o livro “Curieuses und besonders Gespraeche in dem Reiche derer Todten zwischen Christophoro Columbo... und Johan Staden” (Conversas curiosas e especiais no Reino dos Mortos entre Cristóvão Colombo... e Johann Staden). No diálogo fictício com Colombo, Staden relata, como narrador, suas viagens. A reprodução resumida do texto é complementada com dados incorretos.

Título da edição portuguesa, 1892

Redescobrimento na Alemanha Em 1859, Karl Klüpfel publica, em Stuttgart, a primeira “nova” edição alemã – sem as xilogravuras. Em 1871, Robert Avé-Lallemant publica em Hamburgo uma reprodução de História verdadeira. AvéLallemant já havia publicado antes seus próprios relatos de viagem sobre o Brasil. Ele ressaltava o aspecto religioso da salvação de Hans Staden por meio de oração e fé. No século XIX, surgiram também as traduções para outras línguas. Em 1837, aparece a primeira tradução para o francês. Nessa, faltam o prefácio e uma parte das xilogravuras. Um trecho curto da obra já havia sido traduzido em 1822. Em 1874, pôde-se adquirir em Londres a primeira tradução inglesa. Outras se seguiram: em 1928, em Londres; e, em 1929, em Nova Iorque. Esta última foi a primeira impressão da obra de Staden na América do Norte. Após 1945, surgiram traduções para o japonês, o italiano, entre outros idiomas.

Aventuras de Hans Staden, 1927

O “retorno” de Staden à América do Sul Hans Staden escrevia sobre o Brasil. Só em 1892, porém, foi publicada a primeira edição de Warhaftigen Historia. A tradução baseava-se na edição francesa de 1837! Antes disso, o brasileiro que quisesse ler Staden tinha que recorrer a edições alemãs ou francesas. Não se sabe se motivos religiosos impediram uma tradução anterior para o português. De qualquer forma, Dryander faz, no prefácio, uma dura crítica

3.5

aos padres e ao comportamento hipócrita dos católicos. Em 1900, por ocasião das comemorações dos 400 anos do descobrimento do Brasil, foi publicada em São Paulo uma edição completa e comentada de História verdadeira. Pouco tempo depois, foi lançada a conhecida edição, uma adaptação voltada para o público infantil, de Monteiro Lobato, que publicou, em 1925, Meu cativeiro entre os selvagens do Brasil e, em 1927,

Aventuras de Hans Staden, narradas pela famosa Dona Benta. Destaca-se também a edição de 1942, com tradução de Carlos Fouquet, feita pela Sociedade Hans Staden, que, no ano anterior, havia publicado uma edição alemã. Somente em 1927 apareceu uma tradução parcial da obra de Staden para o espanhol. Uma edição comentada, segundo o texto original, foi publicada em 1944 em Buenos Aires.


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