que (RE)existem
Bete NagĂ´
Gritos que (RE)existem
Bete Nagô Luciane Ramos María Sil, Soledad e Victor Sousa Fabrício Dias Natália Brescancini Sobre retrato de M Lyn MC, rapper e poetisa, por Bete Nagô Prefácio: Denise Ramos Textos: Soledad, Gilson Ignácio, Maria Sil, Carolina Iara, Poeta Gabriel, Julie Lua, Victor Sousa, Alê Almeida Revisão: Fê Góis Apoio:
Fotografia: Mentoria: Curadoria: Design gráfico: Capa:
A fotógrafa
Foto: Andrey Haag
Bete Nagô é mulher negra, ativista, fotógrafa, artesã e artista. É fotógrafa do movimento Mães de Maio e, através da sua lente, tem registrado nos últimos anos os principais movimentos políticos, artísticos e culturais da baixada santista. É participante da 2° edição do projeto "A Colaboradora - Artes e Comunidades" do Instituto Procomum, onde pode criar a revista aqui presente.
Apresentação “Em seus registros, ela singulariza a existência! Reside na resistência de encarar, como mulher preta artista, essa sociedade fascista. Fotografar é não pseudo pra ela, fotografar é revelação do sentido de vida. Nas mãos, como artesã, resignifica pedaços... Mulher de muita coragem como é Bete Nagô, afirma que, para existir, é só repassar amor! E é assim que ela vem construindo a sua trajetória, com muita força e amor pelo que ela é! Obrigado Bete Nagô. Exista! Resista! Te amo !!! ”
Alê Almeida Bailarino, coreógrafo, arte-educador.
Agradecimentos
Agradeรงo primeiramente aos meus Orixรกs e toda a minha ancestralidade, as minhas Aliadas e Aliados do front deste e do outro plano, agradeรงo ao projeto "A Colaboradora - Artes e Comunidades" pela oportunidade e ao Instituto Procomum.
Prefรกcio
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Gritos de rua
Gritos de rua
Conjunto de fotos tiradas em movimentos políticos, culturais e artísticos da região da Baixada Santista; Slam’s, ações do Movimento de Mulheres Negras, saraus e espetáculos teatrais de rua, são alguns dos contextos no qual foi composto este ensaio. Esse tópico traduz o trabalho que tenho feito nos últimos 6 anos em que pude participar e observar de perto esses movimentos. Minha primeira exposição foi feita nessa intenção. Entitulada “Mulheres de luta: Força e Pluralidade” realizada em 08 de maio de 2019 na“Estacão da Cidadania de Santos” na Avenida Ana Costa.
PatrĂcia Meira - Cantora, produtora cultural e escritora - Slam da ZN - Santos/SP - Fevereiro/2020
Mari Tito - Compositora e musicista amadora - Slam da ZN Santos /SP-Fevereiro /2020
Mariana Pereira Romano - Bacharel em Serviรงo Social - 14ยบ Cortejo Maracatu Quiloa - Santos/SP- Janeiro/2019
Kleber Fernando - Poeta e Desenhista - 3Âş Marcha Metropolitana da ConsciĂŞncia Negra da Baixada Santista- Santos/SP- Novembro 2019
Jair Moreira - Ator e diretor- Espetáculo "Benjamim o filho da felicidade". Direção Miriam Vieira. Festa 61 - Teatro Guarani- Santos/SP - Agosto/2019
Catharina Apolinรกrio - Jornalista- 14ยบ Cortejo Quiloa Maracatu Santos/SP - Janeiro/2019 - Santos/SP
Poeta BK - Slamer e escritor - Slam da ZN - Santos/SP -Fevereiro/ 2020
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Ressonâncias!
Ressonâncias!
É fruto das minhas experiências e reflexões proporcionadas pelo isolamento em decorrência da pandemia. Este ensaio é intimista e lírico, traz olhares e reflexões acerca da solidão do isolamento social, como também o imposto às mulheres negras desde à diáspora, em uma continuidade histórica que se perpetua até hoje, através do preterimento e violência em diversos níveis. Ressonâncias é sobre o duplo isolamento, involuntário e compulsório imposto à mulheres negras. O primeiro causado por uma epidemia estrutural: O racismo e o machismo. O segundo, por conta de uma pandemia viral, a Covid-19.
Oração para iansã Rainha do raios. Louvo a ti: Exaltando todas as mulheres, minhas irmãs de luta e coragem. Que teu vento passe por nós, minha mãe, avivando nossas chamas com a tua força e beleza. A mãe se transformando em nove, somos tuas nove guerreiras. Vestidas com teu manto e conchas, cuspimos fogo e torcemos para que tu apareças girando o teu eruexim, afastando o mal e pondo fim à guerra dos homens, para então banharmos nossos corpos com tua espada, libertando-os em paixão. Peço que nos cubra com tua sabedoria, para que aprendamos a nos proteger bem, e que tu ajudes Exu a abrir os nossos caminhos para tocarmos o Fole de Oyá, e que ao som dele, dancemos e libertemos a nós e as nossas ancestrais. Eparrei Oyá Soledad - 14/09/2020
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Avivando nossas chamas com a tua força
153° dia de quarentena #ensaiosdesegunda. "Solidão em lar de Soledad" Agosto/2020
Nagô Filha de Iansã, senhora dos ventos e das tempestades. Ela é valente, tem um temperamento forte e independente. Princesa, não, princesa não, rainha meu pai, Jesus me abana... Ufa! Desculpa, não consegui coragem pra dizer o que passou pela minha cabeça, impróprio para menores apropriado pra você. Meu pai Oxalá, atotô Obaluaê tive medo de sua valentia, dos seus ventos, de sua força, tive medo de sua independência. Mas quer saber, dane-se, vou arriscar Vou encarar pode vim com seu vento pode vim com sua tempestade Não vou te enfrentar, vou contigo pra onde você, Tempestade abençoada me levar. Gilson Ignácio - 16/05/2020
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Filha de Iansã, senhora dos ventos
121° dia de quarentena #ensaiosdequinta - Solidão ébria Maio/2020
Bela mulher de olhos profundos, digo que meu amor por ti cresce platônico, não desejamos ser como qualquer um nesse mundo, pois somos maiores e melhores, irônicos. Desde o nosso primeiro encontro, minha admiração por ti cresceu, temo que não esteja pronto, para ter o que me ofereceu. Saiba que sua beleza é tão grande quanto a própria lua, não há nada que tire sua experiência de vida, ela é sua. Somos como o próprio mar e suas ondas, o simples toque do seu olhar me assombra. A onda toca areia, molha, e volta pronta, não me deixa sedento pelo seu amor, não apronta. Sem mais, estou distante mas trago em mim seu desejo, nesse momento te envio no vento, um abraço e um beijo. Poeta Gabriel - 10/05/2020
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Somos como o próprio mar e suas ondas
58° dia de quarentena #ensaiosdequarta O silêncio que dói, a depressão ecoa. Maio/2020
Substantivo feminino Concreção densa Nácar que sai do teu seio e jorra em pérolas de proteção As velas pelo quarto As mãos em concha O Corpo em selfie Nácar que sai dos teus seios é poesia nos pescoços e paredes do mundo E as guerras e as cestas e a fome a ausência e o amor que chega jorram no preto e branco do teu olhar Maria Sil - 24/05/2020
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Substantivo feminino concreção densa
66° dia de quarentena. #ensaiosdesextas- Em busca de um conforto para uma dor preta. Maio-2020
Inteira Sinto o meu olhar cansado, e ao mesmo tempo compenetrado reparando naquela que todos exigem fortaleza e sabedoria aquela que tem quem chame de deusa Poucos são os que enxergam a subjetividade contraditória e entram na minha afetividade de interconexão Entre altares e solidão racista a complexidade humana em mim habita E reverbera no olhar que vai fixando, lacrimejando clamando por reconhecimento de si, da preta-liberdade que transcende, interconecta, mas incomoda a casa grande Ou talvez além disso, O reconhecer-se o "ser em mim" de carne e osso e veia Carne preta e osso e veia, porque sou inteira e não meia pessoa, e por ser inteira sou forte e fraca, sou vento forte e brisa, como Iansã Eu continuo na teimosia de viver e buscar por respiração De viver a riqueza e beleza dos instantes inconstantes porque o meu olhar, do olhar dentro de mim de questionar até minha lucidez no fundo é utopia e teimosia de viver pro melhor Teimosia de viver no presente, pé no chão, Eu sou uma mulher inteira. Carolina Iara de Oliveira - 11/09/2020
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Da preta-liberdade que transcende 162° dia de quarentena #ensaiosdequintas - As quintas também vestimos o ódio. Minha pele é Preta. Agosto/2020
Um mundo novo e sem sorrisos Um mundo de máscaras Um mundo através de olhares O modo de se comunicar mudou, Agora é olho no olho Sem apertos de mão para fechar negócios O mundo em home office Sem happy hour Um mundo mais pobre, Porém mais solidário Um mundo conectado De lives Em casa Tudo transmitido ao vivo Vivemos em um mundo em crise Vemos a democracia em risco Pandemia mudou o mundo Revelou caráter e a falta dele E daí presidente? Daí que o mundo não precisa de Messias Precisa da ciência Pessoas vivas! Esperamos em casa um mundo melhor De pessoas melhores De menos consumo e mais família Esperamos um mundo de mesa farta, De empresários que vejam vidas E não números Não esperamos a normalidade Tão pouco embarcaremos nessa loucura Esperamos em casa a derrota do vírus Aguardamos por um mundo mais justo! Julie Lua -13/05/2020
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Agora é olho no olho 58° dia de quarentena. #ensaiosdequinta Vícios em busca de alívio. Maio/2020
Eles nasceram flutuando nas marés do Atlântico e dos rios, mas não foi por milagre. Eles pisaram as tábuas remendadas, desviaram de pregos e valas da exclusão e formaram calos. Depois, pisaram na firmeza do asfalto. Foi aí que os olhos entenderam que a correnteza era injusta e desigual. E eles já cansados dos calos pediram ajuda para as mãos. Um ofício, um ganha pão. E por mais mais firme que parecia a terra, eles ainda sentiam o balançar da maré cheia. E as dores do mundo mareavam e machucavam a menina que nasceu flutuando. É quando a mente percebe que algo está mal, muito mal, por aqui nos marés do sul. E se muita gente não consegue enxergar a dor ou o óbvio, as mãos, os olhos e a mente dela se cansaram. Deu um grito muito alto, mas ninguém escutou. Saiu correndo, mas sentia a dor de pisar em espinhos com o peso de todas, todas as injustiças do mundo em suas costas. Até mesmo a beleza das cores tiveram que desaparecer para a luz, apenas a luz, mostrar o que deve ser mostrado. Victor Sousa -13/09/2020
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Mas sentia a dor de pisar em espinhos
167° dia de quarentena. #ensaiode terça - Reverenciando a minha ancestralidade. Atotô Senhor das palhas que traz a cura ao mundo. Agosto/2020
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Chamado da ancestralidade
Chamado da ancestralidade
Aqui, exponho um pouco do meu anseio em me conectar e reencontrar em minha ancestralidade através do meu trabalho como artesã, que desenvolvo há mais de 20 anos, onde iniciei meus trabalhos de orixás em pedrarias. Xangô, Iansã, Nanã, Omulu e outros orixás são traduzidos em suas cores e signos através de pedras, conchas e palhas, feito para aqueles que pretendem reafirmar a sua fé.
Iansã e Xangô Priscila Ribeiro - Atriz, conselheira tutelar, graduanda em Serviço SocialSantos/SP- Setembro/2020
Oxossi Jorge Henrique - Santos/SP - Setembro/2020
Iemanjรก Helena Pontes- Militante femnista amefricana e candomblecista.Santos/ SP - Setembro/2020
Ogum Maria Sil - Produtora cultural - Santos/SP Setembro /2020
Omolu e NanĂŁ FabrĂcio Dias - Artista visual e tatuador - Santos/SP - Setembro/2020
Oxalรก Victor Sousa - Jornalista e fotรณgrafo - Santos/SP - Setembro/2020
Oxum CauĂŞ Maldonado - Do lar - Santos/SP - Setembro/2020
Foi na abertura de um jogo de búzios que Bete Nagô recebeu o número total de fotos para a série “Gritos que (Re)xistem “. Foi quando pediu licença para publicar as fotos dessa exposição. Omolu apareceu com o número 21 e Bete Nagô o dividiu em três ensaios de sete fotos que abordam sua vida e obra: registros da sua luta e militância com o Movimento Mães de Maio e outros movimentos sociais; autorretratos da solidão, dor e a força da Mulher Negra e artesanatos de orixás confeccionados pelas mesmas mãos que fotografam. Iansã e Xangô , que a reinam artista, abrem os primeiros caminhos; Nanã e Omolu aparecem juntos, apesar da rejeição da Mãe para o filho. A abertura do jogo também mostra Oxum, Iemanjá, Oxóssi , Oxalá e Ogum, que fazem parte de seu enredo, mesmo que de maneira ainda incerta.Talvez porque essa série mostre caminhos que ainda não conhecemos e ainda inéditos para Bete Nagô. Uma Lente Nagô que registra e acompanha a sua luta e a luta dos seus, dos que fortalecem e dos aliados dos seus e dos nossos gritos. Uma Lente Nagô que também olha para dentro, para a dor e para a força. Uma Lente Nagô que aparece como uma verdade transversal, sensível e ancestral. Uma luz para escurecer os fatos, para um novo mundo possível. Oremos e Batquemos, Bete Nagô. Victor Sousa Na capa: retrato de M Lyn MC, rapper e poetisa