Ed 44: jaa/fev/mar/abr/mai de 2021

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INSTITUTO PSICOLOGIA EM FOCO edição especial

As Psicanalistas


Corpo Editorial Produção: Insitituto Psicologia em Foco Coordenação: Gabriel Arndt, João H. P. Boeira, Vinicius Romagnolli. Revisão: Ana Gabriela B. Monteschio,

Gabriel

Arndt, João H. P. Boeira. Diagramação: Lauren S. S. Carvalho Arte de Fundo: illustração de Patrick Leger (2016)

Jornal Psicologia em Foco. n 44 - edição especial: As Psicanalistas (jan – mai 2021). Maringá, 2021 (on.line). Disponível em: www.institutopsicologiaemfoco.com.br

ISSN 2178-9096

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Autores Aline Sanches: ??? Amanda Boll: Graduanda em Psicologia e membra do Instituto Psicologia em Foco. Bianca Chichetti Nicolini: Acadêmica de Psicologia (UEM). Bruna Bortolozzi Maia: Discente do curso de Psicologia da Faculdade de Ciêncais e Letras de Assis - Unesp-câmpus de Assis. Membro do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicanálise e Vincularidade (Lapsivi). Chiara Ferreira: Psicóloga Clínica (CRP: 08/11928), Mestra em Psicologia (UEM), Professora (FAP), Psicanalista em formação e associada da Associação Ato Analítico de Maringá. Cláudia Ribeiro Minari: Graduanda de Psicologia e Membra do Instituto Psicologia em Foco. Edilene de Lima: Psicóloga Clínica (CRP: 08/06410), Mestra, Especialista em Psicologia Clínica e Professora do curso de especialização da EPPM. Eduardo Chierrito: Psicólogo Clínico (CRP: 08/22624), Mestre e Professor na UNIFCV.

Émily Albuquerque: Psicóloga Clínica (CRP: 08/24208), Professora, Especialista em Psicoterapia Psicanalítica Contemporânea e Mestra em Subjetividade e Práticas Sociais na Contemporaneidade (UEM).


Fernanda Bergamo: Psicóloga (CRP: 08/09960), Doutoranda e Mestra na linha de Psicanálise e Civilização, Especialista em Psicologia da Saúde e Hospitalar, Especialista em Terapia Cognitiva. Gabriela Andrade: Graduanda em Psicologia e membra do Instituto Psicologia em Foco. Guilherme Geha dos Santos: Mestre em Psicologia, Psicólogo clínico (CRP: 08/020587) e Diretor Acadêmico (EPPM). João Henrique Piva Boeira: Psicólogo Clínico (CRP: 08/32732), pósgraduando e membro do Instituto Psicologia em Foco. João Pedro Lubachevski Borges de Sampaio: Graduado em Psicologia e membro do Instituto Psicologia em Foco. Marcia Elisa Chichetti Nicolini: Psicóloga Clínica e Jurídica (CRP: 08/20461), Especialista em Psicologia Jurídica pelo CRP/SP e em Avaliação Psicológica (Uniaselvi), formação em Psicodinâmica Psicanalítica pelo Instituto Sedes Sapientiae. Michelle Cyntia Bacini: Psicóloga Clínica (CRP: 08/10337), Especialista em Psicoterapia Contemporânea e Especialista em Psicoterapia Psicodinâmica e Práticas Institucionais. Nubia Rodrigues Cruz: Psicóloga clínica (CRP: 08/26634) e Especialista em Fundamentos da Psicanálise: Teoria e Clínica. Vinícius Romagnolli: Psicólogo clínico (CRP: 08/16521), historiador e professor universitário. Doutorando em Psicologia pela UNESP.


Índice Anna Freud, 6 Betty Joseph, 13 Françoise Dolto, 16 Janine Puget, 19 Joyce Mcdougall, 24 Karen Horney, 32 Lou Andreas-salomé, 38 Marie Bonaparte, 44 Maud Mannoni, 48 Melanie Klein, 52 Neusa Santos Souza, 58 Rosine Josef Perelberg, 65 Sabina Spielrein, 69 Toni Wolff, 74 Virgínia Bicudo, 81 Referencias bibliográficas, 87


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Anna Freud

Por João Pedro L. B. de Sampaio

Quando se trata das cátedras do protagonismo feminino na história psicanalítica, torna-se impossível não perpassar por nomes de inegável relevância e evidência, mesmo que, por conta disso, ao menos no meio acadêmico e psicanalítico, seus feitos e contribuições já sejam conhecidos, intitulando capítulos de livros, teses de doutorados ou mesmo livros inteiros. Anna Freud é um desses nomes. Junto de Melanie Klein, a psicanalista herdeira do nome fundador da Psicanálise, contracenou um embate dualístico no que diz respeito à prática com crianças, onde duas teorias vanguardistas exploravam e propunham uma leitura e um olhar sobre a infância de modos divergentes, o que por sua vez, criaria um terreno fértil não só para discussões e críticas, mas para que também, futuramente, escolas psicanalíticas diferentes se originassem. Freud, ao longo de sua obra, evidenciou a importância de um olhar para criança, estipulando a importância da sexualidade infantil de modo axiológico para sua obra, além também de se debruçar sobre os sonhos de crianças e ter conduzido a análise do famoso caso do menino Hans, (Zimmerman, 2008). Entretanto, é verdade que Sigmund Freud também se posicionava contrário à uma Psicanálise direcionada à crianças, e, sendo assim, também se colocava de modo contrário aos estudos Kleinianos, indo à favor de


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sua filha, que por sua vez, propunha um atendimento mais pedagógico, voltado para uma adaptação da criança ao ambiente em que se encontrava (Zimmerman, 2008). Nascida em dezembro de 1895, em Viena, seis anos após os primeiros estudos de Freud sobre a histeria, Anna encontrou na Psicanálise uma rival com a qual precisasse disputar a atenção de seu pai, como uma irmã da qual sentisse ciúmes e competisse (Bruehl, 2008). Como última filha de Sigmund e Martha, Anna, cresce em circunstâncias conturbadas, onde seus pais recorriam à abstinência como método contraceptivo, Freud se via em um processo de autoanálise em paralelo à morte de seu pai, Jakob, em 1896, e ainda, tomava-se por pensamentos sobre seu futuro livro, “A Interpretação dos Sonhos”, o qual idealizou em 1897 e praticamente já possuía o rascunho no ano seguinte, (Bruehl, 2008). No início de sua vida adulta, mais especificamente em junho de 1914, antes de se tornar psicanalista, Anna torna-se professora em uma escola primária, até então não tendo em vista quaisquer pretensões à psicanálise. Porém, é verdade que Freud, seu pai, já enxergava a possibilidade de um trabalho psicanalítico com crianças, (diferenciando aqui ‘trabalho psicanalítico’ de Psicanálise),por conta de casos de colegas próximos, como C. G. Jung, Lou Andreas-Salomé e Hilde Hug-Hellmuth. Essa última que teria sido, inclusive, a primeira psicanalista a propor uma psicanálise com crianças, tendo publicado, em 1913, seu primeiro trabalho sobre o tema, “Play Therapy” (Terapia Lúdica), (Bruehl, 2008).


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Tanto Anna, quanto Klein, mais tarde viriam a ser seguidoras de Hug-Hellmuth, e daí nasceriam duas teorias e propostas distintas sobre o atendimento infantil, a de A. Freud, que não entendia a Psicanálise em sua completude como um instrumento capaz de ser aplicado tanto em adultos como em crianças, e a de Klein, que por sua vez, nunca deixou de lado os preceitos Freudianos para atendimento com crianças propondo, assim, uma teoria psicanalítica criativa, onde o atendimento com crianças seguiria o rigor da teoria psicanalítica suas normas, (Zimmerman, 2008). Em 1926, “Annerl”, como Anna era chamada, já não tinha mais a psicanálise como uma irmã rival, mas sim como sua herdeira, a responsável pela sua continuidade e a guardiã de seu espírito. No octogésimo aniversário de seu pai, (1936), ela o entregaria um livro de sua autoria, a saber, “O Ego e os Mecanismos de defesa”, onde elaboraria de maneira mais clara e norteadora os mecanismos de defesa descobertos por Freud. Assim, nessa época a A. Freud já era uma psicanalista e palestrava no Instituto Psicanalítico de Viena a espeito de sua especialidade, a Psicanálise com crianças, (Bruehl, 2008). Entretanto, seguir os passos de Sigmund não foi algo sereno e tenro, Anna teve de, com relutância e até mesmo protestos de seu pai, seguir com um atendimento psicanalítico diverso daquele que Freud propunha, questionando por vezes a maneira como se deu o atendimento com o pequeno Hans, (Bruehl, 2008) o que se coloca em questão por biógrafos não é senão o posicionamento de Anna, ou seja, se teria ou não aderido aos preceitos técnicos e teóricos de seu pai, mas sim como suas próprias limitações, sua auto análise e complexos com a figura paterna se refletiram em


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seus avanços e contribuições, estando estes sempre atrelados à aprovação e “necessidade irracional” de admiração. Entretanto é verdade também que Peter Gay, último biógrafo de Freud, nos presenteia com a frase “toda teoria é uma confissão da subjetividade”, o que talvez relembre à nós leitores que, no final do dia, as grandes teóricas, autoras, e protagonistas no palco da Psicanálise eram, antes de tudo, humanas. Em 1938, por conta do contexto político pré-guerra, a família Freud se muda para Londres, onde em setembro daquele mesmo ano, o câncer de Sigmund reapareceria agressivamente, culminando em sua morte no ano seguinte. Anna, cinco dias após do funeral de seu pai, já estava de volta ao trabalho com nove pacientes, recorrendo ao campo do trabalho para manter sua saúde (Bruehl, 2008). Por consequência, é em Londres que Anna começa a trabalhar com crianças vítimas da segunda guerra e seus traumas subjacentes, como os campos de concentração, orfandade e a fome (Zimmerman, 2008). Em 1941, inaugura a ‘Hampstead War Nursery’ (Enfermaria de Guerra de Hampstead), onde não apenas oferecia um atendimento anti-hospitalocêntricotraumatizante, fugindo à regra de crianças ficarem acamadas e presas a um quarto de hospital, mas também proporcionava treinamento à diversas mulheres que eram inspiradas pela abordagem psicológica do atendimento infantil, envolvendo os pais ao máximo possível no processo (Bruehl, 2008). Na mesma época, já consolidadas na esfera da psicanálise, as teorias de A. Freud e M. Klein, são estimuladas a serem debatidas pela Sociedade Britânica de Psicanálise, em um encontro onde ambas


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as partes permaneceram intransigentes, deixando claro não apenas as diferenças entre as teorias ou qual delas seria a mais ‘Freudiana’, mas também qual era o território em disputa por ambas, onde Anna-Freudianos e Kleinianos partiam de raízes diametralmente opostas para defender suas postulações. Todavia, em 1946, Anna viria a apresentar um discurso de teor mais diplomático, onde consultou Donald Winnicott, colega de Klein, para que então viesse a reconhecer que Klein teria contemplado um conflito necessário na esfera infantil, a saber, as pulsões de vida e de morte. Mais tarde, em 1951, fundaria Hampstead Clinic (Clínica de Hampstead), onde cada detalhe ganha a sua atenção. O endereço de número 21 na rua Maresfield Garden teria seis salas de tratamento, brinquedoteca, escritórios, biblioteca e salas de aula para as candidatas e candidatos aos treinamentos oferecidos no local, (Bruehls, 2008). Em sua clínica, Anna dedicava-se a uma orientação mais voltada para o ego, trabalhando com os mecanismos de defesa que não eram mais vistos como apenas impedimentos, mas como aquisições do ego. Na década 70, a psicanalista se veria envolta de dilemas políticos, éticos e técnicos dentro do âmbito psicanalítico e fora dele. Com o proeminente movimento feminista pós-guerra, crítico de Freud, Anna voltava-se para a própria teoria e as alegações de seu pai à título de rebater críticas, alegando que, apesar de o desenvolvimento masculino ter sido o paradigma para a postulção de teses sobre o desenvolvimento (universal) psicanalítico, Freud afirmara que o território do feminino ainda precisaria de exploraçõ-


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es e estudos feitos, preferencialmente, por mulheres, (Bruehls, 2008). Além disso, também seriam prestados esclarecimentos sobre as diferenças de ênfase e olhar entre ela e seu pai no que diz respeito à castração, já que Sigmund focava no sentimento de castração do sexo feminino, e Anna procuraria uma postura revisionista, fruto de diversas discussões que culminariam em artigos de autoras como Rose Edgcumbe e Marion Burgner. Não obstante, A herdeira de Freud não teria pudores em dizer que em diversos aspectos, percebia a teoria Freudiana como obsoleta, entendendo-a como atrelada em um contexto social onde o feminino era (ainda mais) restrito à determinadas atividades culturais, (Bruehls, 2008). Em março de 1982 Anna sofreria um acidente vascular encefálico em seu cerebelo, acarretando em sua morte em nove de outubro de 1982. O legado que deixou diz respeito à muito mais que a filha de Sigmund Freud, remete à avanços extraordinários no campo da da psicanálise e psicoterapia infantil, trabalhos que tornaram fecundo um solo antes inexplorado. Junto de Melanie Klein gerou discussões e embates calorosos que persistem ainda nos dias de hoje entre os teóricos da psicanálise, onde de um lado estão os membros da Associação Internacional Psicanalítica (IPA), e de outro, aqueles chamados de psicoterapeutas, formados pelo Centro Anna Freud, em Londres, perpetuando ecos do passado da Sociedade Psicanalítica Britânica. O nome de Anna e a história que o sublinha são, portanto, ainda hoje, de extrema relevância não apenas para a abordagem psicanalítica, mas também para a psicologia de modo geral, tendo contribuído para os seus avanços


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enquanto ciência e campo de atuação, sendo indispensável que sejam mencionados quando, em textos como este, haja tentativas de narrar não apenas partículas da história do papel feminino dentro da psicanálise, mas de narrativas da psicanálise como um todo, entendendo-os como ídolos indispensável no olimpo da(s) Psicanálise(s).


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Betty Joseph Por Fernanda Bergamo

A primeira vez que tive contato com Betty Jospeph foi no Mestrado em Psicologia da Saúde em 2004, estudávamos Técnicas de Atendimento Psicanalítico, e meu encontro com o livro Equilíbrio Psíquico e Mudança Psíquica me marcou de maneira tão profunda que mesmo hoje, 17 anos depois, ainda reverberam na minha prática clínica. O referido livro é a união de vários artigos de Joseph organizados por Michael Feldman e Elizabeth Both Spillius. Os textos selecionados apresentam o modo de pensar e atuar desta psicanalista que, apesar de ter sido analisada e seguidora de Melainie Klein, foi além dela, destacando importantes contribuições, principalmente no "trabalho no aqui-e-agora” durante os atendimentos clínicos, a importância dos detalhes que ocorrem ao longo da sessão, o papel fundamental da contratransferência e das resistências à mudança psíquica. Joseph desenvolveu seus conceitos a partir do atendimento a pacientes que chamou de difíceis e resistentes: aqueles que buscam a análise com um desejo consciente de mudança, mas que não conseguem vivenciar tal abertura para mudar. A partir de tais encontros, Betty foi mudando sua atuação clínica deixando de fazer interpretações de base Kleiniana (globais e explicativas) para destacar aos pacientes os mínimos movimentos que apareciam ao


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longo da sessão na relação entre paciente-analista, tais como: o comportamento do paciente em relação ao analista; a atmosfera da sessão; os mínimos, mas importantes, movimentos que demonstravam as resistências, medos e desejos. Questões, que de outra maneira, não eram antes acolhidos no atendimento psicanalítico. Diante de tais percepções, Joseph contribui para uma psicanálise que privilegia a experiência emocional, o contato íntimo com o paciente e uma atenção apurada da contratransferência como um mapa que os pacientes nos dão de suas próprios emoções, evocando em nós suas próprias angústias e temores. Betty desenvolveu um pensamento que possibilita, na minha opinião, uma grande compreensão da atuação clínica. Pois, se a teoria Freudiana e Kleiniana ofereceu explicações de tantos fenômenos estruturais da mente, a clínica de Joseph possibilitou compreender os entraves técnicos que ocorrem durante um atendimento clínico. Isso para mim, é o grande diferencial desta autora. Compreender o quanto os indivíduos têm a necessidade de manter o equilíbrio psíquico, que mesmo sendo negativo, trazendo sofrimento e prejuízos, ainda assim, pelas vivências serem conhecidas, pela sensação de risco ao status quo, pelo ansiedade violenta que invade de mexer nessa estrutura que traz - apesar de sofrimento - organização, provocam uma sensação de adaptação e é a isto que o paciente tem medo de abrir mão. Para quebrar com tal equilíbrio, Betty Joseph propõe aos analistas um modo de escuta que envolve um olhar apurado para


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o convite que o paciente nos faz a atuar a favor de suas transferências, bem como a observação dos sentimentos que surgem no analista ao longo da sessão, ou seja, a contratransferência. Tais elementos devem fazer parte, ela nos propõe, das interpretações que serão dadas ao paciente. O que em sua teoria foi, também, diferenciada da psicanálise aplicada até então: em interpretações, que até aquele momento costumavam se basear na história de vida dos pacientes, nos seus relatos de experiências atuais e de seus sofrimentos. A grande sacada de Joseph foi sua percepção de que as interpretações deste modelo, poderiam - mesmo que corretas - soarem impessoais, formais e, por isso mesmo, serem ineficazes. Pois o medo da mudança é de tal tamanho, que mesmo as mínimas resistências que surgem ao longo de uma sessão (o silêncio repentino, um rosto contrito, e tantas outras expressões) expressam o medo e é este que precisa ser interpretado. Este temor aparece ao longo da sessão de diversas maneiras se estivermos atentas a suas manifestações. Desta forma, Betty Joseph é uma autora que merece ser relembrada, lida e estudada, ainda mais num momento social em que tantos sentimentos se mostram à flor da pele, que há tanta dificuldade de escuta do outro e que os pacientes se mostram cada vez mais difíceis em sua quase totalidade.


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Françoise Dolto

Por Cláudia Ribeiro Minari

Françoise Dolto, nasceu em 6 de novembro de 1908, numa família de classe média e cristã, em Paris, sendo a quarta dos sete filhos do casal Henri e Suzanne Marrete. Ao longo de sua infância, foi exposta apenas para referenciais dos bons costumes sociais da época. Aos 12 anos, a sua irmã mais velha, que tinha 18 anos, veio a falecer devido a consequência de um câncer nos ossos. Este evento não foi superado pela figura materna, impactando diretamente a relação entre Dolto e mãe, promovendo atrito e um dos principais motivos para o seu início de tratamento psicanalítico. Aos seus 20 anos, diante de uma imensa angústia psíquica, refletia sobre as suas possibilidades de se afastar do seu núcleo familiar e se tornar uma profissional. Françoise tomou como decisão o desejo de tornar-se médica da educação, e foi também, neste mesmo encalço que começou a sua análise, que viria a durar três anos, com René Laforgue. Ali viria a se tornar outra mulher, onde, nas palavras de Roudinesco (2008), “uma mulher consciente de si mesma e não mais alienada, uma mulher capaz de sentir-se sexualmente mulher ao invés de ter si mesma uma imagem infantil e mortífera.” Em 1939, Dolto defendeu sua tese de medicina com temática sobre psicanálise e pediatria, deixando claro o seu talento de escuta infantil revelado pelo seu mestre Édouard Pichon. Nesta


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mesma época conheceu Jacques Lacan (1938), o que resultou em uma aproximação entre ambos. Em 24 de setembro de 1940, Françoise Dolto inaugurou o Hospital Trousseau, que tinha como objetivo um atendimento público para formação de psicanalistas com interesses no campo analítico infantil. Dois anos depois, casa-se com Boris Dolto (18991981), um russo imigrante, também médico, que fundaria um novo método de quinesiterapia. O casal teve três filhos. Em 1949, Françoise Marette expôs o caso de duas meninas psicóticas: Bernadette e Nicole para a Sociedade Psicanalítica de Paris (SPP), onde adotaria o objeto de “boneca-flor” - uma margarita artificial com tecido verde -, com a finalidade de representação do corpo mais próxima de entendimento lacaniano ao que se refere estádio do espelho. Em 1953 e 1963 houve duas cisões no movimento psicanalítico francês. Sendo na primeira, Dolto caminhou juntamente com Daniel Lagache para a criação da Sociedade Francesa de Psicanálise (SFP), onde formou-se diversos alunos e falou sobre a sexualidade feminina tendo como base questões da própria anatomia para compreender a constituição do ser-mulher (1960). Já no segundo momento da cisão, segundo a Roudinesco (2008): “[...] foi criticada, não por causa da duração de suas sessões, como Lacan, mas pelo seu não-conformismo, herdado de Laforgue. Aos olhos da comissão de inquérito da International Psychoanalytical Association (IPA), ela aparecia como um guru, e até o grande Donald Woods Winnicott, que reconhecia seu gênio, a acusou de ter excessiva “influência” sobre seus alunos e não se preocupar suficientemente com as regras da análise didática.”


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Com isso, Dolto foi banida de ensinar e persistiu o seu trabalho sob novas formas, como o Seminário de Psicanálise de Crianças, juntamente com Lacan (1964), na qual quatro anos depois, publicaria a obra O Caso Dominique (pseudônimo), sendo tratado tal sujeito no consultório do Centro Etienne Marcel. Em 1977, Françoise em conjunto ao psicanalítico e editor do jornal La vie, Gérard Sévérin, fez uma releitura dos significados espirituais referentes ao desejo, o que segunda ela mesma, o Cristo seria “a própria metáfora do desejo guiando o homem, do nascimento à morte, para uma grande busca de identidade.” (ROUDINESCO, Elizabeth, 2008). Contudo, em 1981, retomou este diálogo para dizer que Freud não teria executado ou pensado em toda sua teoria se tivesse ficado fechado em sua religião judaica, o que teve como consequência uma série de acusações, dentra elas a de que estaria fazendo uma cristianização da psicanálise. Em 1979, Dolto criou em Paris a primeira “Casa Verde"; uma instituição com objetivo de acolher crianças de até três anos, acompanhadas pelos responsáveis; Conseguiu bastante sucesso com a sua iniciativa, chegando a abrir posteriormente outras filiais: no Canadá, na Rússia, na Bélgica, etc. Já os últimos quinze anos de sua vida foram marcados pela contínua luta em prol das causas infantis, assim como pelas suas atividades realizadas nas principais mídias da época: rádio e televisão. Seguiu popular nos círculos freudianos da França, mas não deixava de constantemente ser criticada pelos psicanalistas do período, que a acusavam de colocar o divã na rua. Em 25 de agosto de 1988, aos 79 anos, Françoise Dolto morreu de uma fibrose pulmonar, em sua casa.


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Janine Puget

Por Bruna Bortolozzi Maia

Nascida na França em 1926, Janine Puget mudou-se para a Argentina ainda durante sua infância, na década de 1930. Foi lá que, mais tarde, junto a Isidoro Berenstein, fundou as bases do que viria a ser conhecido como Psicanálise das Configurações Vinculares, ramo da psicanálise, desenvolvido na França e na Argentina, principalmente, que se ocupa da importância do outro, em presença, para a subjetividade dos sujeitos. É verdade que esses autores o fizeram por serem filhos de seu tempo. Desde meados de 1950, a psicanálise Argentina foi profundamente influenciada pela teoria de Pichon-Rivière (2009), desenvolvendo a ideia de vínculo a partir da psicanálise e do marxismo. O autor definia o conceito como uma estrutura que engloba o sujeito, o objeto e sua interação, num processo grupal e dialético. J. Puget e Isidoro Berenstein partiram, portanto, da noção de vínculo desenvolvida inicialmente por P. Rívière, acrescentando uma visão do contexto sociocultural para a produção de subjetividade, utilizando como base a psicanálise (JAROSLAVSKY, 2019). Em razão disso, foram responsáveis por promover, na América Latina, as diretrizes para uma teoria específica e, para tal, preocuparam-se em definir o significado do termo vínculo com suas experiências instrumentais e epistemológicas.


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Nas palavras dos autores, em seu célebre texto Psicanálise do Casal (1993), podemos definir o termo da seguinte maneira: “chamaremos de vínculo uma estrutura em três termos, constituída por dois pólos, os dois egos (descrito a partir de um observador virtual), ou um ego e outro (visto a partir de si mesmo), e um conector, ou intermediário” (ibid, p. 18). Neste sentido, o vínculo abarca a representação de uma distância entre dois ou mais sujeitos, bem como os mecanismos que fazem funcionar a articulação constante entre eles, formando um laço relativamente estável. Outra concepção importante desses autores, desenvolvida nessa mesma publicação é apresentada em Psicanálise do vínculo: diferentes dispositivos terapêuticos (2008), livro que reúne as mais importantes noções da psicanálise vincular Argentina, salientando a técnica no trabalho de grupos e famílias, é a noção de três espaços psíquicos, que estariam em constante articulação. São eles: o espaço intrassubjetivo, que diz respeito ao self, à marca de identidade que parte de um alicerce inicial de representações. O intersubjetivo, o espaço do vínculo propriamente dito, que depende da presença de outro sujeito e as mudanças trazidas por e sua vez, diz respeito às representações do mundo social. J. Puget, portanto, acompanhava as tendências de seu contexto social e epistemológico. Em 1970 criavam-se, em Buenos Aires, diversos Centros de Assistência à Saúde Mental focados na clínica proveniente de questões familiares, como abuso sexual, adoção, violência familiar, entre outras, num grande movimento ocupandose dos vínculos familiares no país (MOGUILLANSKY, 2011). Nessa


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mesma época, destacavam-se as contribuições de J. Lacan e de Lévi-Strauss e sua influência estruturalista, o que interferiu no desenvolvimento, por I. Berenstein (1988), do conceito de Estrutura Familiar Inconsciente (EFI). Esse ínterim instigou o primeiro período das produções de Puget e Berenstein, no qual se dava destaque à questão estrutural do vínculo e a estabilidade deste enquanto ligação duradoura, bem como se enfatizava a importância da família na constituição subjetiva. Num segundo momento, principalmente a partir dos anos 80, Puget e Berenstein debruçaram-se principalmente na importância da mutabilidade que o vínculo impõe aos sujeitos e aos grupos, bem como para a importância da alteridade e da ajenidad. De acordo com Puget (2000) enquanto a diferença é aquela que pode ser representada e simbolizada, tendo como exemplo a diferença sexual, a ajenidad diz respeito a uma dimensão da diferença que escapa à linguagem, trazendo sempre uma novidade. Para Puget (2003), é sobre esta diferença radical, a ajenidad, que o trabalho do vínculo deve ocorrer. Isso significa que os vínculos se dão, não apenas apesar da diferença radical, mas por causa dela. Essas transformações permitiram a (des)construção de diversos conceitos, como aponta Gomel (2014), já que desta forma possibilitaram que emerja o inédito e, a partir dele, o enriquecimento e a suplementação da teoria psicanalítica. A partir deste momento, as publicações de J. Puget passaram a ser mais autônomas em relação a Berenstein, muito embora os dois autores tenham permanecido em constante contato e articulação teórica


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até a morte de Berenstein, em 2011. Essas transformações permitiram a (des)construção de diversos conceitos, como aponta Gomel (2014), já que desta forma possibilitaram que emerja o inédito e, a partir dele, o enriquecimento e a suplementação da teoria psicanalítica. A partir deste momento, as publicações de J. Puget passaram a ser mais autônomas em relação a Berenstein, muito embora os dois autores tenham permanecido em constante contato e articulação teórica até a morte de Berenstein, em 2011. Neste período, J. Puget desenvolveu diversos conceitos relevantes, debruçando-se principalmente sobre a memória e as grandes rupturas sociais, acompanhando a conjuntura das consequências da ditadura militar argentina (1966-1973), bem como a irrupção do neoliberalismo que se instalava na América Latina e já dava sinais de suas consequências sociais. A partir daí, a psicanalista desenvolve dois conceitos que considero de suma importância: o de traumatismo social e o Princípio incertidumbre. Com a ideia do Principio de Incertidumbre, Puget (2015) nos propõe que sustentamos, ilusoriamente, uma previsibilidade em relação a eventos futuros, o que permite o sentimento de estabilidade e pertencimento social. A incerteza, porém, é uma condição sine qua non da estrutura vincular, já que os vínculos e a consequente ajenidad, imposta pelos outros sujeitos, originam ações completamente imprevisíveis. Daí o desenvolvimento de um princípio teórico que contemple estas indeterminações, entendendo que, apesar de fazerem parte da estrutura vincular, o excesso de incerteza pode fragilizar demasiadamente o sentimento


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de pertencimento social e gerar consequências do ponto de vista do sofrimento psíquico. Disso decorre a ideia de traumatismo social. Um traumatismo é social quando ao afetar um conjunto introduz, de forma imperativa, uma interrupção nas modalidades de intercâmbio, associadas ao sentimento de pertencimento de um conjunto social, fragilizando, por consequência, os vínculos. Para a autora (PUGET, 2000), a possibilidade vinculante só poderia se recuperar quando a partir deste traumático é possível criar novas maneiras de pensar, nomear, num trabalho de simbolização que pressupõe a possibilidade de evocar, na memória social, esses eventos disruptivos. Ao longo de sua jornada acadêmica e psicanalítica, J. Puget foi membro da Associação Psicanalítica de Buenos Aires (APdeBa) e da International Psychoanalytical Association (IPA) sendo co-fundadora da Associação de Psicologia e Psicoterapia de Grupos (AAPPG). Assim, ofereceu-nos importantes contribuições e discussões para a psicanálise até os últimos meses de sua vida, nos quais participou de mesas e discussões virtuais sobre as transformações que a pandemia da COVID-19 nos impôs. Faleceu em novembro de 2020, deixando um valoroso legado ainda pouco explorado pela comunidade psicanalítica.


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Joyce McDougall

Por Nubia Rodrigues Cruz

Conhecida como a psicanalista da psicossomática e dos “casos difíceis”, Joyce McDougall deixou um legado para pensarmos a clínica contemporânea. Ela nasceu na Nova Zelândia, em 26 de Abril de 1920 e seu primeiro contato foi com o texto de Freud “psicopatologia da vida cotidiana” aos 17 anos de idade, quando então deu início aos estudos em psicanálise e posteriormente a iniciação no curso de psicologia. À procura de novas oportunidades de trabalho, se mudou com seu marido Jimmy McDougall e seus dois filhos para Londres em 1950. Onde iniciou seu percurso na Sociedade de Psicanálise Britânica. Naquele momento, em Londres, ocorria uma cisão entre os grupos “Annafreudianos” e os “Kleinianos”. Uma marca de Joyce foi a não escolha dogmática por uma linha em específica da psicanálise e a crítica a essa necessidade. Então, ao mesmo tempo em que fez formação teórica com Anna Freud, acompanhou Donald Winnicott em visitas hospitalares e também estudava Melanie Klein. O mesmo aconteceu quando precisou de mudar para França em 1953. Estudou na Sociedade Psicanalítica de Paris (SPP) e acompanhava os seminários de Jacques Lacan também. McDougall foi autora de seis livros: “Diálogo com Sammy (com Serge Lebovic) – 1960.”; “Em defesa de uma certa anormalidade.


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Teoria e clínica psicanalítica – 1978.”; “Teatros do Eu – 1982.”; “Teatros do corpo. O psicossoma em psicanálise – 1989”; “As múltiplas faces de Eros. Uma exploração psicanalítica da sexualidade – 1995.”; “Donald Winnicott the man: reflections and recollections – 2003.”. Apenas o último não teve tradução para o português, os demais não só foram traduzidos para o português, como para diversos outros idiomas. Joyce ficou conhecida no meio psicanalítica pela sua forma didática, sensível, empática e autêntica de apresentar e desenvolver seus conceitos, para que as pessoas pudessem realmente compreendê-los. A autora priorizava seus sentimentos e os contratransferenciais que os seus atendimentos lhe despertavam, junto com os relatos das sessões para formular seus conceitos. McDougall baseou sua obra na dimensão traumática que a alteridade e a diferença sexual provocavam na formação identitária do sujeito. Tanto que defendia a tese de que todo sintoma criado era uma tentativa de autocura, era a forma singular que cada um para lidar com a vida, com os conflitos. A partir de seu prévio contato com o teatro, quando era jovem, ela se utilizava dele como uma metáfora para expor suas ideias. Para Joyce, cada pessoa cria um teatro singular para se expor, se expressar, o que a tornou uma psicanalista que acreditava no potencial criativo, tanto dos sintomas como da forma como cada um vivia a própria vida e a própria sexualidade. Essa postura fez dela um dos grandes nomes de destaque na crítica às questões da feminilidade e da homossexualidade descritas por Freud e outros autores. Joyce não via como perversão todas as relações “homos-


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sexuais”; “fetichistas”; “sadomasoquistas” e as diversas outras entendidas como desviantes da norma, o que a fez ser muito criticada nos meios psicanalíticos. McDougall enfatizava a questão do desejo e do consentimento entre ambas as partes. Se fosse algo com quem pudesse consentir com o desejo, o dever do (a) psicanalista seria o de ajudar a (o) paciente a assumi-lo e viver sua vida. Cunhando então o termo de neosexualidade para essas modalidades de relações sexuais, o que a levou compreender de outra forma o conceito de perversão adotado na época vigente, proposto por Freud. Para falar sobre o perverso, Joyce enfatizou a não consideração do desejo da alteridade, submetendo-a a seu próprio modo de satisfação. Segundo a autora, as escolhas que se encaixavam nas modalidades propostas pela neosexualidade eram restringidas aos modos de escolhas na obtenção de prazer sexual que o sujeito pôde realizar, ou seja, dizia da vivência sexual de cada um, às vezes a única possível encontrada em detrimento de outra entendida como “normal”. Revolucionando então a forma como eram vistas as escolhas sexuais diferentes da “norma” vigente. Juntamente com o termo de neosexualidade, ela cria o de “neonecessidade” para indicar o componente da compulsão por formas sexuais na obtenção de prazer, comparando-as às drogas. A vivência dessa compulsão estaria então atrelada a tentativa do psiquismo lidar com a angústia, cunhando o termo “adicção” para falar sobre a compulsão em vez do termo “toxicomanias”.


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Além desses termos, Joyce baseou sua obra em torno da “psicossomática”. Para ela, todo mundo somatiza em algum nível na vida, o que se somatiza é o que a linguagem, as palavras não puderam expressar, algo que o psiquismo ejetou para fora de si. O corpo seria então um palco para a expressão da angústia. McDougall diferenciou essas manifestações das histerias de conversão, os traumas expressos pelo corpo acontecem num período anterior ao da linguagem, portanto o sujeito que sofre com as somatizações é um sujeito desafetado da palavra e não em relação a trama edípica. McDougall, assim como Winnicott, atribuíram relevância a constituição e qualidade do vínculo materno e a instauração da lei paterna no desenvolvimento psíquico primário e psicossexual das crianças. E sua relação com o desenvolvimento de somatizações e adições posteriores. A autora rompeu barreiras com sua forma de encarar a clínica, sendo inclusive convidada por Dalai Lama para palestrar em 1992 em Dharmasala, na Índia, no seminário “Sleeping, dreaming and dying: an exploration of consciousness”, oferecendo contribuições para além dos contextos psicanalíticos. Joyce faleceu em 24 de agosto de 2011 deixando contribuições na psicanálise que são necessárias retomar na contemporaneidade, principalmente no que diz respeito às novas modalidades de relações afetivas-sexuais. Na “era da medicalização” e da “padronização” para as vivências subjetivas, faz se importante a retomada da criatividade no processo de viver e se expressar, pois como afirma McDougall, “[...] se a criança oculta no fundo de todo homem é a causa de seu sofrimento psíquico, também é a fonte da arte e da poesia da existência”.


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Joyce McDougall Por Edilene de Lima

A autora que escolhi para homenagear e apresentar neste breve texto teve sua obra marcada pelos temas da normalidade patológica, da psicossomática, da sexualidade e da criatividade. Seus textos são de uma riqueza de exemplos clínicos, vinhetas e relatos pessoais que convidam o leitor à reflexão e mergulho por seu vigoroso trabalho analítico. Joyce McDougall nasceu em 1920, na cidade de Dunedin, Nova Zelândia. Aproximou-se das artes plásticas e do teatro desde muito cedo, por intermédio do seu avô paterno, pintor e professor, que também organizava autos e apresentações artísticas com seus alunos. (Machado, 2010) Interessou-se pela psicanálise pouco antes da graduação em psicologia, com escritos do próprio Freud. Quando se mudou para Londres iniciou sua formação com Anna Freud e Winnicott. Posteriormente em Paris, na década de 50, acompanhou os seminários de Lacan e conheceu os escritos de Melanie Klein. Não se limitou a uma escola ou autor da psicanálise, levantando questionamentos inquietantes sobre dogmatismo, moralismo, preconceito e os desvios da atitude psicanalítica. McDougall escreveu seis livros[2], cinco deles traduzidos para o português e diversos artigos e capítulos de livros. Destacarei alguns aspectos de sua obra, especialmente descritos


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no seu livro As múltiplas faces de eros: uma exploração psicoanalítica da sexualidade humana (1997), que marcam por sua originalidade e criatividade para colocar em questão e expandir a compreensão psicanalítica da expressão da sexualidade. A autora inicia o prefácio com a frase: “A sexualidade humana é inerentemente traumática” (McDougall, 1997, p. IX), apontando que desde sempre está permeada pelo conflito entre as pulsões primitivas internas e as exigências e limitações impostas pela realidade externa, fundindo libido e mortido, pulsão de vida e de morte, impulso erótico e sádico. Trata-se então de um aspecto fundante e inacabado do ser humano, original e singular, implicado tanto na experiência como na expressão afetiva. As grandes variações do desenrolar psicossexual a levam a pensar em homossexualidades e heterossexualidades. O seu conceito de neo-sexualidades abarca as diversas formas de expressão da sexualidade, caracterizadas como desviantes ou primitivas, tanto em indivíduos com orientação homossexual como heterossexual. Sua ênfase é que as neo-sexualidades são invenções e soluções para obter satisfação libidinal, estabelecer relações e garantir sobrevivência psíquica. Dessa forma, neo-sexualidades é um conceito criado originalmente no plural, desalojando a tendência a uniformizar em categorias e padrões a sexualidade, e acolhendo a singularidade do sujeito e suas neonecessidades, advindas de aspectos sensoriais e fantasmáticos das experiências primitivas. McDougall reserva o termo perversão para as situações de submissão do desejo do outro. “Na minha opinião, o único aspec-


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to de uma fantasia que poderia legitimamente ser descrito como perverso seria a tentativa de impor a imaginação erótica a um outro que não consentisse nisso ou que não fosse responsável.” (1997, p.192). A orientação sexual, homo ou heterossexual, não é tratada como sintoma ou problema a priori, importa a qualidade da relação com o objeto de desejo, com predominância de aspectos libidinais, criativos ou de ataque e destrutividade. Pensar na relação entre sexualidade, sublimação e criatividade, leva a autora a uma das fantasias primitivas, a fantasia bissexual. Reconhecer o desejo de incorporar as qualidades dos dois sexos, ou dos dois pais, elaborar e sublimar os desejos bissexuais irrealizáveis, permite integrar a parte feminina e a parte masculina, viver a criatividade e a sexualidade, usufruindo da potencialidade da fertilidade dos aspectos bissexuais. A criatividade, ligada a soluções sexuais, seria como a capacidade de fecundar-se do elemento captado do exterior, transformar em criação e oferecer como produção, como um produto de valor, penetrante no receptor, integrando aspectos femininos e masculinos. Ainda, a capacidade criativa está ligada à tentativa de integrar o amor e o ódio, este representado pela vontade de engolir/incorporar o objeto amado, e destruí-lo como ser de desejo próprio, separado e diferente. O caráter imperativo da criação, pertence à ordem da autoproteção psíquica, de proteger-se dos impulsos auto destrutivos. A criação requer ainda a escolha do meio para expressão: a palavra, o corpo, a pintura, a escultura, a


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escrita, a música, a tecnologia, e etc, que está sujeito a receber a força das fantasias e angústias, bem como o frescor da semente do novo. Afinal, “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”. (Veloso, 1976) McDougall faleceu na Inglaterra em 2011. Deixa como legado ferramentas para pensar a ética na prática clínica contemporânea, um século depois da criação da psicanálise por Freud, justamente nesse contexto de intensa diversidade sexual LGBTQI+. Essa ética psicanalítica nos convoca a sermos guardiões da sobrevivência psíquica e acompanhar com respeito e esperança as saídas criativas e inventivas para os dramas da individuação e da busca de soluções de equilíbrio para existir.


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Karen Horney Por Michelle Bacini

Karen Clementina Theodora Danielsen, que posteriormente ficaria conhecida como Karen Horney, nasceu em 16 de setembro de 1885 em uma pequena vila chamada Eilbeck, próxima a Hamburgo. Os repetidos quadros de depressão pelos quais passou durante sua juventude a levaram a cursar Medicina, ingressando na Universidade de Freiburg em 1906. Nesta época, diversas universidades alemãs ainda impunham restrições a mulheres. “Como todas as mulheres de sua geração, teve que enfrentar uma luta violenta para ter acesso à liberdade de fazer suas próprias escolhas” (Roudinesco & Plon, 1998, p. 355). Durante esse período, conhece Oskar Horney, com quem viria a se casar. Em 1908 mudou-se para Göttingen, para realizar sua residência médica. No ano seguinte, já instalada em Berlim, casa-se com Oskar, e nos anos posteriores dá à luz a três filhas. Começa a se dedicar ao estudo da psiquiatria na Universidade de Berlim, uma escola emergente na época, logo se interessando pela Psicanálise, mesmo a contragosto de vários de seus professores, formando-se em 1915. Em 1910 passa a ser analisada por Abraham (por cerca de um ano e meio). O processo analítico fora um tanto desastroso, pois Abraham atribuiu os sintomas de depressão de Horney à tese clássica da inveja do pênis, apresentando essa tese no Congresso


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International Psychoanalytical Association (IPA) de Haia em 1920. Isso repercutiu negativamente em sua análise, levando-a a interromper. De acordo com Roudinesco & Plon (1998, p. 355), nas críticas posteriores que Horney fez à obra freudiana, ela “atacava primeiro a maneira selvagem como Abraham a tratara”. Começou a tratar pacientes em 1912 e foi uma das fundadoras do Instituto de Psicanálise de Berlim em 1920, onde lecionou durante quase 12 anos. Foi a primeira mulher a dar aulas neste instituto. Em 1922, no Congresso Internacional de Psicanálise realizado em Berlim, apresentou um trabalho que colocava em questão a forma como os psicanalistas pensavam o complexo de castração, se dirigindo principalmente a Abraham e Freud. Começou a tratar pacientes em 1912 e foi uma das fundadoras do Instituto de Psicanálise de Berlim em 1920, onde lecionou durante quase 12 anos. Foi a primeira mulher a dar aulas neste instituto. Em 1922, no Congresso Internacional de Psicanálise realizado em Berlim, apresentou um trabalho que colocava em questão a forma como os psicanalistas pensavam o complexo de castração, se dirigindo principalmente a Abraham e Freud. Sua apresentação, com o título “Sobre a gênese do complexo de castração nas mulheres", criticava o modo como as mulheres eram tratadas na teoria psicanalítica, embora ainda de maneira discreta. Em 1926, porém, é bastante direta em seu ensaio “The Flight from Womanhood”, publicado em um volume em honra ao aniversário de 70 anos de Freud. Nesse texto, aponta que a Psicanálise é criação de um homem, e que quase todos que contri-


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buíram para seu desenvolvimento são também homens (Silva & Santo, 2015). Segundo ela, por esse motivo seria compreensível que a psicanálise tenha se tornado mais uma psicologia masculina e que seja capaz de explicar melhor o desenvolvimento dos homens do que o das mulheres. Ela prossegue atacando a noção de inveja do pênis e atribui o sentimento de inferioridade experimentado por algumas mulheres a fatores sociais. Por essa razão, alguns autores atribuem a ela a criação da Psicologia Feminista em resposta a teoria de Freud da inveja do pênis. Horney discorda de Freud sobre as diferenças inerentes à psicologia de homens e mulheres, e as atribui a diferenças sociais e culturais e não à biologia. Desse modo, pode-se dizer que a sua contribuição mais relevante consiste em seu questionamento do viés masculino na psicanálise e seus efeitos. A sua refutação sincera das ideias de Freud ajudou a chamar mais atenção para a Psicologia das mulheres. Horney parecia acreditar que seu texto em 1926 desencadearia debates e discussões acirradas, porém nada disso ocorreu. Freud demorou cinco anos para comentar estas proposições em sua conferência sobre a feminilidade, e, nessa ocasião, coloca as proposições de Horney lado a lado com uma série de outras autoras, o que de algum modo diluiu o impacto de seus argumentos. Em 1926, Horney se separa de Oskar e em 1932 se muda para os Estados Unidos. Lá passa a dirigir o Instituto Psicanalítico de Chicago, mudando-se para Nova Iorque dois anos depois e ingressando no instituto dessa cidade. A partir da década de 1930,


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começa a se afastar da psicanálise clássica de forma visível, e após seus trabalhos “A Personalidade Neurótica de Nosso Tempo” (1937) e “Novos Rumos na Psicanálise” (1939) é geralmente vista como pertencendo ao grupo dos chamados neofreudianos, também referidos como “Escola Cultural”. Sua visão de que a repressão e a sublimação de impulsos biológicos não são os determinantes primários do desenvolvimento da personalidade lhe tiraram o posto de instrutora no New York Psychoanalytic Institute, o que levou-a a fundar, em 1941, o American Psychoanalytic Institute, que presidiu até 1952, ano em que morreu de câncer, em 4 de dezembro. Sobre a inveja do pênis, Horney lança a proposição inédita de que os meninos sentiriam igual ou mais intensa inveja com relação à possibilidade de gestar uma criança, de ser mãe, de possuir seios e poder amamentar. Acreditava que a inveja dos homens em relação às mulheres é de fato maior, e que suas ações eram impulsionadas pela necessidade de compensar o fato de que não podem ter filhos. Segundo Horney, os grandes esforços de sublimação que os homens faziam ao tentar compensar, através do trabalho intelectual, seu menor desempenho na reprodução e também pela grande necessidade de desvalorizar as mulheres, que por ser tão explícita e reforçada, mostraria que o impulso que a motiva é muito forte. “Karen Horney diverge da visão aristotélica de que o homem tem papel mais importante na reprodução, positivando na mulher uma capacidade biológica digna de intensa inveja” (SILVA, p. 32, 2019).


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Considerava que os atributos de passividade e sofrimento não eram biologicamente específicos às mulheres conforme ensinados pelos analistas da sua época e que personalidades masculinas e femininas são, em realidade, culturalmente determinadas. Horney foi revolucionária em diversos aspectos, primeiramente por percorrer um caminho universitário em uma época em que a mulher ficava restrita ao âmbito doméstico. Ela deu voz ao sofrimento feminino da época, defendia que as diferenças de poder de gênero afetavam a saúde mental das mulheres e que, o que as mulheres invejavam, eram o poder e os privilégios masculinos e não o pênis como era proposto por Freud. A importância histórica de Karen Horney à Psicanálise se dá fundamentalmente em relação à feminilidade, pois ela foi a primeira a levantar interrogações de questões fundantes da teoria psicanalítica. A partir de sua clínica e das incongruências teóricas que apontava, trazia essa questão como uma pergunta importante para a teoria e a clínica, indagando como a Psicanálise poderia lidar com essa questão e a partir disso construindo novas perspectivas. Entretanto, apesar da relevância de suas proposições e questionamentos, Karen Horney é uma autora pouco conhecida, eu mesmo não ouvira falar dela em minha formação acadêmica. Sobre este “apagamento” de sua obra, a autora Larissa Silva (2019) afirma que: “a psicanálise carrega consigo, como quase todos os outros campos de saber, a marca do viés masculino e que isso não é sem efeitos. Para pensar o feminino na psicanálise, no princípio era o homem, não por não haver mulheres produzindo também, mas por


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ser o homem detentor do verbo e a mulher, silenciada e esquecida - ou, para seguir a lógica de Karen Horney, negada. A pena nas mãos dos homens escreveu a mulher enquanto outro “negativado”, o que não deixa de ter efeitos, como exposto neste trabalho, na psicanálise. A mulher, enquanto corpo ou enquanto posicionamento frente ao falo, é falada e escrita como ausência do pênis, de um significante que organize e garanta sua pertença a um conjunto” (p.40).

Sem dúvida, a biografia de Karen Horney nos mostra que ela deixou um grande legado, e que seu caminho não foi nada fácil. Viveu muitas lutas, a começar pela luta interna ao longo de sua vida com sua depressão. Do mesmo modo, também travou lutas externas defendendo suas teorias originais, como consequência de ser mulher e da imensa dificuldade de ser ouvida em um mundo marcadamente masculino.


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Lou Andreas-Salomé Por João Henrique Piva Boeira

Filósofa, escritora, poeta, crítica literária, psicanalista e rebelde. Motivos não faltam para que a trajetória de Lou Andreas-Salomé (1861-1937) seja estudada. Caracterizada pela pesquisadora da eroticidade feminina, Anaïs Nin, como “a primeira mulher moderna”, Lou teve uma vida marcada por conquistas e paixões românticas consideradas por muitos, até na atualidade, como imorais. No movimento de transpasse de várias das convenções sociais e religiosas de seu tempo, precisou constantemente se impor, fazendo uso da sua dotada inteligência para conquistar o espaço que queria no mundo, quase sempre reservado aos homens. Nascida em São Petersburgo, no seio de uma família abastada, teve acesso aos melhores tutores, garantindo-lhe a sua alfabetização logo cedo no idioma alemão, no francês e no russo. Aos 19 anos convence a sua mãe, já viúva, a lhe acompanhar até Zurique, onde inicia seus estudos universitários em Filosofia e História das Religiões. Cerca de um ano após a sua chegada a Zurique, Lou adoece do pulmão. Seu médico recomenda que vá para a Itália em busca de melhores ares para a sua recuperação. Em Roma, ainda com sua mãe, passa a frequentar círculos intelectuais e conhece o poeta Paul Rée. Rée se tornaria um estimado amigo que viria a lhe apre-


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sentar, pouco tempo depois, o filósofo Friedrich Nietzsche. A sensibilidade do poeta Rée e a originalidade de Nietzsche acabam influenciando diretamente na sua forma de se colocar no mundo e pensar. Quanto ao último, destacam-se os conceitos de princípio apolíneo (relativo a Apolo, representando a razão como ideal) e de princípio dionisíaco (relativo a Dioniso, representando o caos e as paixões), dualidade desdobrada indiretamente em alguns de seus textos. Em 1885, Lou já havia se distanciado de Nietzsche e finalmente rompe com Rée. Isso ocorre em reflexo das crises de Rée com o sucesso da obra da amiga: “Uma luta por Deus”. Três anos depois, já estabilizada financeiramente, conhece o linguista Friedrich Carl Andreas, com o qual permaneceu casada por 43 anos. Ambos alimentaram uma relação atípica, sem envolvimentos sexuais e com várias paixões extraconjugais. Boa parte dos escritos pré-psicanalíticos de Lou Salomé passam a ser assinados com o pseudônimo masculino “Henri Lou”, em decorrência da dificuldade em se conseguir visibilidade sendo uma mulher em sua época. Desses materiais, dois talvez sejam mais dignos de nota: “Reflexões sobre o problema do amor” (1900) e “O erotismo” (1910). Na primeira obra Salomé explora a sua descrença no alinhamento permanente entre o amor que sentimos por um companheiro e as necessidades sexuais. Para ela, o amor seria usado como ponte entre o universo pessoal e o da pessoa amada. A ferocidade sexual, no entanto, tenderia a forçar um movimento de inclusão do outro no universo pessoal ou de uma invasão ao universo desse alter. O ego seria então violado no pro-


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cesso, o que resultaria, em longo prazo, na impossibilidade de sustentação do ego, por não mais se reconhecer. Isso explicaria o tão comum movimento de pessoas que, logo após um término, passam a “florescer” e se redescobrirem. Para Lou, “Nem tudo precisa ser revelado. Todo mundo deve cultivar um jardim secreto”. Na segunda obra, Lou prossegue em seu raciocínio, demonstrando uma descrença no entendimento da fidelidade conjugal de seu tempo. A sexualidade seria uma via de ascensão para outras conexões vitais, sendo assim, indispensável para a exploração do nosso potencial humano - tão tolhido na forma do casamento religioso monogâmico. Em 1887, Lou, com 36 anos, conhece o ainda jovem Rainer Maria Rilke, com 22 anos, com o qual sustenta, possivelmente, a mais intensa relação amorosa de sua vida. Lou dizia que a feminilidade do grande poeta fora uma das características que mais a marcaram. Rilke, pouco tempo antes do distanciamento de ambos, lhe dedica uma de suas grandes obras: “O livro das horas”. Todavia, na medida em que o seu companheiro entrava em um estado de maior dependência emocional, Lou se via cada vez mais impelida a assegurar a sua independência na mesma proporção. Em 1911, Salomé é convidada a assistir o seu primeiro congresso de psicanálise. Ali encontra, finalmente, um espaço profícuo para explorar todas as ideias que vinha desenvolvendo no passar dos anos. Logo passa a fazer parte das Reuniões de Quarta-feira com os membros da Sociedade Psicanalítica de Viena. Lou foi bem recebida desde o início. Dizia-se que ela passava boa parte do tempo em silêncio, tricotando enquanto escutava os presentes.


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Sempre que dava alguma contribuição, no entanto, exprimia sínteses e opiniões profundas, mostrando compreender com maestria a amplitude dos temas em questão e espantando a todos com a sua assustadora inteligência, a qual o próprio Freud adjetivou como demoníaca – em uma possível referência a Fausto. Em 1916, Lou tem a sua primeira obra publicada na Imago IV, intitulada “O anal e o sexual”. Ali expõem a ideia de que o erotismo anal seria um ensaio ao erotismo genital, principalmente em decorrência à proximidade fisiológica dos dois mecanismos. Um ponto central na fase anal seria a reprodução da luta entre o desejo e o prazer. Parte do conteúdo discorrido viria a ser absorvido por Freud nos “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade" (1905) em notas feitas no ano de 1920. Nos primeiros anos como psicanalista, Lou passa a se relacionar com Victor Tausk (1870-1919). Tausk era um promissor discípulo de Freud que vinha conduzindo uma série de estudos sobre as psicoses de guerra e as ilusões dos esquizofrênicos. Em contato com esses materiais, ela publica em 1919 o livro “Da gênese do aparelho de influenciar na esquizofrenia”, sendo uma das responsáveis por mostrar que a psicanálise teria sim recursos para se debruçar sobre essa modalidade de pacientes graves. Em 1921, Lou Andreas-Salomé publica, possivelmente a sua mais inovadora obra, “O narcisismo como dupla direção”. Para ela, o narcisismo não deveria ser visto como um estágio a ser superado no processo de desenvolvimento psíquico, mas algo presente na vida de todo sujeito, em maior ou menor grau. O conceito é dotado de uma dupla função, positiva e negativa, ao


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abarcar todas as manifestações do psiquismo, e deve ser compreendido como um reservatório de ambivalências, tal como o amor e o ódio pelo objeto. A meta do trabalho analítico, que combateria o patológico ali estruturado, seria, sucintamente, permitir que o Eros se libertasse do fluxo produtor de sofrimento, encontrando novas vias de escape e ressignificações criativas – o próprio processo de sublimação. Em contraste com o pessimismo freudiano, Lou era percebida como uma otimista obstinada por natureza. Seus escritos foram sempre bem recebidos por Freud – o que não significou que abriu mão de toda a sua autenticidade; com o qual trocou correspondências e cultivou uma bela amizade até o fim de sua vida. Como analista, atendia uma média de dez pacientes por dia, até por volta dos seus sessenta anos, época em que começa a adoecer. Poucos dias após a sua morte, aos 76 anos, a Gestapo entra em sua casa na cidade de Gotinga e confisca toda a sua biblioteca, usando por pretexto a sua colaboração com a psicanálise, ou a chamada “ciência judaica”. Lou Andreas-Salomé deixou um pouco de si por toda a psicanálise que conhecemos hoje. Suas contribuições e sensibilidade, de nível poético, foram um reflexo da sua busca pessoal pela felicidade em uma sociedade tão hostil às mulheres. E que ainda assim, mesmo velejando tantas vezes em ventos desfavoráveis, não se deixava retrair, manifestando sempre o seu imenso amor pela vida e a fé que tinha pela ciência que ajudou a construir.


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Curar é Curar um ato é um de amor, ato deé amor, voltar-se é voltar-se para si para mesmo si mesmo com o sentimento comdeo ser sentimento acolhido,dea ser psicanálise acolhido,não a psicanálise cria nada, não ela exuma, cria descobre, nada, ela desvela exuma, até descobre, que a totalidade desvela atévida que sea manifestatotalidade a nossosvida olhos. se manifesta No interiora dessa nossossituação olhos. Noanalítica interior toca-se de dessa muito situação perto aanalítica intimidade toca-se e a vida, de muito descobrindo perto a profundidade intimidade da enatureza a vida, descobrindo humana que a profundidade se abre da ao conhecimento natureza de sihumana mesma que (Lou,seAndreas-Salomé, abre ao conhecimento 1931). de si mesma (Lou, Andreas-Salomé, 1931).


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Marie Bonaparte Por Vinicius Romagnolli

“Os espectros se esvaem à luz do dia. Mas é necessário primeiro ter a coragem de evocá-los em plena luz” (Marie Bonaparte)

Marie Bonaparte (1882-1962) gostava de se chamar “A última Bonaparte”, bisneta de Lucien Bonaparte, irmão de Napoleão, perdeu sua mãe precocemente, por ocasião de seu nascimento o que fez com que ela tivesse uma infância solitária, sendo educado pelo pai geógrafo e pela avó paterna descrita por Roudinesco (2008) como tirana doméstica e ávida por notoriedade. Em 1907 teve um casamento arranjado com o príncipe Jorge (1869-1957), filho de Jorge I da Grécia (1845-1913) com quem teve dois filhos: Pierre (1908-1980) e Eugênia (1910-1989). O casamento de 50 anos foi marcado pela frieza emocional por parte de Jorge (que era homossexual) e infidelidades (de ambos os lados), sendo conhecida a relação de Marie com o então primeiro-ministro da França, Aristides Briand (1862-1932) e seu caso com o psicanalista Rudolph Loewenstein (1898-1976). Como alteza real, Marie sempre esteve coberta de pompa e honrarias, mas levava uma vida infeliz e se preocupava com sua frigidez, tendo inclusive feito uma cirurgia para aproximar o clitóris da vagina a fim de tentar obter prazer. Em meio a uma espiral de conflitos pessoais, Marie escreve para Freud em 1925 e logo inicia


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sua análise com ele. Quando procurou Freud, estava à beira do suicídio, sua análise será feita em etapas sucessivas entre 1925 e 1938. Ao encontrar Freud, Marie ressalta sua “enorme doçura e simpatia pela humanidade”. Freud também se afeiçoou por ela, a ponto de lhe oferecer um dos famosos anéis reservados aos membros do Comitê Secreto, um círculo formado entre 1912 e 1927 composto apenas pelos discípulos mais fiéis de Freud (entre eles estavam: Abraham, Jones, Sachs, Rank, Ferenczi e até então uma única mulher; Lou Salomé). Nos dizeres de Roudinesco (2008), Marie foi a discípula submissa, a admiradora, a embaixatriz devotada. A confiança recíproca entre ambos foi instantânea, como se já fossem amigos de longa data. Num relato de sua biografia, Marie fala de seu amor por Freud que temia se decepcionar com ela como havia se decepcionado com Jung, Adler e Rank. No entanto, isso não acontece e eles seguem estreitando seu laço, prova disso, é que Freud concede a Marie duas sessões diárias a pedido dela. Freud confessa que no alto de seus 70 anos e após duas dolorosas perdas, da filha Sophie e do neto Heinerle, não esperava ter mais alegrias, mas que a chegada da Prinzesin trouxe interesse e esperança de volta em sua vida. Freud renova seu ânimo em propagar seu ensino na França, algo que havia cedido em seu desejo. Marie se mostrará uma discípula fiel que tomou Freud por um pai ideal dizendo que o contato cotidiano com o pai da psicanálise fora “o maior acontecimento” de sua vida. Considera as análises maravilhosas: “Não se pode mais querer outra profissão quando se provou essa” (BERTIN, 1989, p.270) e


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diz ainda: “a análise me deu a tranquilidade de espírito, do coração, a possibilidade do trabalho” (BERTIN, 1989, p.275). Da análise com Freud, Marie guardou inúmeros registros e anotações que posteriormente serviriam de material para a biografia de Ernst Jones sobre o pai da psicanálise. O longo período em que esteve em Viena, fez com que seus jovens filhos sentissem sua falta, Pierre escreve uma carta na qual “lembra a mãe de sua existência” (BERTIN, 1989, p.252), de fato, Marie parecia extasiada a ponto de dizer que a análise era a coisa mais emocionante que fizera em sua vida até então. Seu marido a interpela a abandonar seu trabalho psicanalítico, esperando que ela se portasse como uma “mãe de família”, algo que ela não acata. Passando a fazer parte do círculo familiar de Freud, Marie pratica a psicanálise de um modo nada ortodoxo, defende a análise leiga e se torna uma referência nos estudos sobre o feminino. Em sua obra, destacam-se os textos sobre a obra de Edgar Allan Poe (18091849), um artigo célebre sobre um crime que chocou a França: o caso Marie Lefebvre (que assassinou a nora grávida na frente do filho), seus Cadernos de uma menina, aos quais Freud teve acesso em sua análise e que trazem lembranças de sua infância, bem como os Cadernos negros, espécie de diário de confissões sobre sua vida e sua relação com Freud. Além disso, Marie foi uma das fundadoras da Sociedade Psicanalítica de Paris (SPP) junto de René Laforgue, Loewenstein, Raymond de Saussure entre outros. Traduziu inúmeras obras de Freud e financiou o movimento psicanalítico francês. Na França a psicanálise encontrou muita resistência em sua difusão devido à


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xenofobia, o antissemitismo e o conservadorismo no meio psiquiátrico que mantinha reservas em relação à nova ciência da psicanálise. Foi nesse contexto em que ainda não existia a Sociedade Psicanalítica de Paris, que Marie Bonaparte conheceu Freud. A princesa interveio para que o psicanalista Loewenstein de Berlim pudesse entrar na França. Opositora de Jacques Lacan, por quem não tinha simpatia alguma, lutou contra a reintegração da Sociedade Francesa de Psicanálise (SFP, 1953-1963) à IPA. Negou toda e qualquer concessão diante do nazismo, sendo inclusive a responsável por pagar o resgate de Freud tirando-o das garras da Gestapo e levando-o para viver seu último ano de vida em Londres e morrer de forma digna. Em um elogio à biografia, Marie dizia que elas eram um modo de comunhão com a humanidade que extrapolava a mera curiosidade ou a falsa idealização. Espero que nesse breve texto tenha me aproximado um pouco disso. Para quem se interessou por essa figura riquíssima e complexa indico o livro “A última Bonaparte” de Célia Bertin que foi a única pesquisadora a ter acesso aos arquivos da família ou ainda o romance de FrançoisOlivier Rousseau intitulado “Freud e a princesa Bonaparte”. Marie morre de leucemia, completamente lúcida, em 21 de setembro de 1962 aos 80 anos. Em seu túmulo pediu para que não fosse colocada nenhuma cruz ou mensagem bíblica, mas solicitou que fosse inscrito os versos de Leconte de Lisle: E tu, divina morte, para onde tudo volta e se apaga, Acolhe teus filhos em teu seio estrelado, Liberta-nos do tempo, do número, do espaço E dá-nos o repouso que a vida tirou.


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Maud Mannoni

Por Chiara Ferreira

Maud Mannoni foi uma grande psicanalista francesa que nasceu em 22 de outubro de 1923. Foi influenciada por importantes teóricos, como Françoise Dolto e Jacques Lacan, e ficou reconhecida por contestar o saber psiquiátrico dominante, visando uma maneira diferente de abordar a loucura que não fosse nos muros institucionais e de classificação psiquiátrica. Sua crítica foi em direção aos problemas políticos e ideológicos presentes nas instituições em geral, especialmente as psiquiátricas e pedagógicas. Para a autora, esse campo do saber levava à objetificação das crianças e dos adolescentes. Suas ideias colocaram em questão o lugar do analista e da escuta analítica, almejando ultrapassar posições conservadoras da psicanálise com as crianças, assim como o movimento psicanalítico. Mannoni era psiquiatra de formação e centralizou sua obra no louco e na criança. Ela via nesses dois casos certo parentesco, partindo do pressuposto de que ambos buscavam a análise por meio da demanda do outro, questão que limita o trabalho do psicanalista, pois o confronta em seus próprios entraves, conduzindo interrogações acerca da disponibilidade do analista a r suporte das transferências que são ocasionadas nessas situações. annoni destaca em seu texto “A primeira entrevista em Psicanálise” (1986) que o analista que se deixa interpelar pela lou-


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cura está, na verdade, aceitando se defrontar com seu próprio inanalisado, e, regido pela ética da psicanálise, deve facultar a palavra ao analisante para que possa advir o sujeito e seus discursos. Justamente nesse lugar de escuta dos discursos do analisante onde emerge o sujeito é que deve comparecer a função do analista, de escuta. Essa função tem posição contrária à exclusão, à segregação e às práticas institucionais que são conduzidas por um saber instituído, uma prática de adaptação do sujeito. Com essa discussão, a psicanalista francesa cria uma relação entre instituição e clínica psicanalítica, no que diz respeito à escuta dos discursos subjetivos, pois quando não se permite ao outro seus dizeres, coloca-se a verdade atrelada ao científico, ao conhecimento posto, fecha-se a possibilidade de acesso à verdade inconsciente do sujeito. Para a autora, isso seria tomar o paciente como um objeto, tomar a doença como ponto de visagem e não o doente, seria a busca por encaixar o sujeito em teorias já estabelecidas e generalistas, lugar aquém do sujeito. A influência de Dolto, aquela que também lhe apresentou quem seria seu esposo, Octave Mannoni, fez com que Maud preferisse a escuta do desejo a uma prática adaptativa e de manipulação. Na sua visão, o fazer do analista não deve ser monopólio de seu saber, ao contrário, este deve estar atento ao que se depreende do discurso psicótico, deve-se deixar cair o conhecimento científico para que advenha a própria linguagem do sujeito. Em 1969, junto com Robert Lefort, Maud Mannoni idealizou a Escola Experimental de Bonneuil-Sur-Marne, um lugar desenvolvido


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desenvolvido para acolher crianças e adolescentes de 0 a 20 anos com dificuldades. Com a marca de “instituição estourada”, buscava atender psicoses, autismo e distúrbios de aprendizagem. De acordo com Geoffroy (2004), a Bonneuil é parte integrante de um Centro de Estudos e Pesquisas Pedagógica e Psicanalítica na França e tem como propósito ser uma escola experimental não segregativa. É oficialmente reconhecida desde 1975 como hospitaldia, com alojamentos terapêuticos noturnos, financiado pelo seguro social. Sua marca se dá por diferentes influências histórica, política e teórica, como movimentos antipsiquiátricos, trabalhos de Michel Foucault e Erving Goofman e pela psicanálise lacaniana, sendo essa última a que mais oferece referência para o conceito de instituição estourada. Bonneuil é uma instituição que reflete os questionamentos de sua idealizadora e que, portanto, busca considerar o sujeito formado pela sociedade, mas que vivencia a vida de maneira particular e subjetiva. Essa ótica evidencia a concepção de loucura de Mannoni, a qual não se refere ao “processo patológico”, mas à “reação da personalidade global a uma extraordinária e conflituosa situação de vida” (Mannoni 1988 [1973], p. 244). A noção de instituição estourada apareceu pela primeira vez no livro Educação impossível, escrito por Maud Mannoni, trazendo a ideia de um processo aberto, com diversos "vais e vens" como medida de não engessamento da instituição. As crianças e adolescentes psicóticos, autistas e com distúrbios de aprendizagem são convidados a experimentar, por meio de sua subjetividade, a prática de “se perder” para “se encontrar” a partir de seu próprio


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desejo. Para Escudeiro e Fontele (2015), Mannoni via a criança portadora de doença mental como alguém que estivesse aprisionada ao fantasma parental, por isso, havia a necessidade de retirar a criança dessas amarras, fazendo-a renunciar à identificação absoluta ao Outro por meio de sua inserção em um espaço onde seu discurso fosse livre dos entraves familiares e sociais. Os ensinamentos de Maud Mannoni foram transmitidos em destaque nas obras Educação Impossível (1973); A criança retardada e a mãe (1964); A primeira entrevista em psicanálise (1965); A criança, sua doença e os outros (1967) e em O que falta a verdade para ser dita (1988). Com sua prática e seus métodos, Maud conduziu um olhar crítico para o modo de ver a loucura e dificuldades das crianças e adolescentes, assim como colocou interrogações acerca da escuta e manejo clínico do psicanalista, resultando em uma nova forma de abordagem. Em detrimento de um aprisionamento alienante, buscou incessantemente despertar o sujeito, para que ele pudesse contar sua própria história, com seu saber e através de seus dizeres, garantindo status ao sujeito como tal, e não como objeto de gozo.


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Melanie Klein Por Bianca Chichetti Nicolini e Marcia Elisa Chichetti Nicolini

Marcada por um contexto em que a mulher transita entre a submissão e o desbravamento do seu potencial intelectual, Melanie Klein rompe com os entraves impostos pela sociedade de sua época e encontra na Psicanálise lugar para se afirmar e contribuir ao mundo com suas teorias autênticas e revolucionárias. Nascida em 30 de março de 1882 em Viena, Melanie Reizes cresceu em uma família tradicional burguesa junto com suas duas irmãs e seu irmão mais velho Emanuel, o qual teve grande participação e importância em sua vida. Klein possuía a crença de que seus pais não haviam planejado seu nascimento, o que culminou no fato de sentir-se rejeitada principalmente por seu pai, o qual, segundo sua percepção, favorecia a irmã mais velha. No que tange sua mãe, embora tivesse uma profunda afeição pela mulher forte e trabalhadora que era, sentia-se muitas vezes sufocada, sentimento o qual irá persistir até a morte materna. Como em muitas famílias judaicas, as suas raízes eram profundamente marcadas pelo matriarcado, ponto este que, somado ao fato de ser mulher, estampa profundamente o seu pensamento e as suas teorizações (KIPLAN, 2015). Sua relação com seu irmão era de grande idolatria, visto que o mesmo, além de ser seu confidente a incentivava intelectualmente. Embora Klein sonhasse em ser médica como o


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pai, que faleceu quando tinha cerca de dezoito anos, as imposições femininas da época e as restrições financeiras da família fizeram com que sua mãe a motivasse a se engajar em um relacionamento promissor. De acordo com Grosskurth (1992) a amizade de Emanuel com Arthur Klein fez com que a jovem Melanie se interessasse pelo recém formado engenheiro, o qual, logo a propôs em casamento. Infelizmente, Emanuel veio a falecer no período de noivado de Klein, e o casamento que ocorreu quatro meses após a morte do irmão, foi marcado por uma profunda dor e luto. Melanie relatava infelicidade com o seu matrimônio desde o início. Também temia o sexo, havendo uma acentuada aversão à gravidez, apesar de ter gerado três filhos, Melitta (1904), Hans (1907) e Erich (1914). Após diversas mudanças de cidades, em 1909 a família Klein muda-se para Budapeste. Nos anos seguintes, Melanie Klein encontra-se profundamente deprimida, fato que irá se agravar com a presença de sua mãe que se encarregava dos afazeres da casa e dos netos e não perdia ocasião para culpá-la pelo abandono da família e dela mesmo (NINÕ, 2010). Kiplan (2015) afirma que a maternidade não era uma posição confortável para Klein, uma vez que ela nunca aceitou esta condição que a sociedade lhe impunha. Melanie Klein ansiava por mais, ela ansiava por reconhecimento intelectual. O zeitgeist da Primeira Grande Guerra proporcionou uma nova perspectiva às mulheres com a ocupação de cargos de trabalho que antes cabiam apenas aos homens, “[...] elas não quiseram ser reconduzidas a sua anterior insignificância. Ganharam autoconfiança e provaram que


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poderiam sim ter um outro papel na sociedade” (Molina, 2010 apud Kiplan 2015). Neste contexto e com a morte de sua mãe em 1914, Melanie Klein buscou ressignificar seus traumas e dores por meio do tratamento psicanalítico com Sándor Ferenczi. Através dele, Klein passou a conhecer as obras de Freud as quais a instigaram profundamente e fez com que ela encontrasse um grande sentido para renascer como mulher. Na medida em que desbravava a Psicanálise e seu próprio inconsciente por meio da análise, Klein tentava compreender a vida simbólica infantil por meio da observação de seu filho Erich. Com esses estudos que posteriormente se estenderam aos seus pacientes, Klein tornou-se pioneira em técnicas de análise infantil, o que fez com que chamasse grande atenção da Sociedade Psicanalítica de Berlim, lugar onde passou a morar após a separação de seu marido (NINÕ, 2010). Embora tenha sido aceita por um tempo em Berlim, principalmente devido sua amizade com Karl Abraham, o qual a apoiava emocionalmente e cientificamente. Com o falecimento deste em 1925, Klein passou a ser duramente criticada pelos tradicionais seguidores de Freud. Este fato fez com que, aos 44 anos, ela aceitasse ir para Londres a convite da Sociedade Britânica de Psicanálise, o que resultou em seu primeiro livro, A psicanálise da criança. Conforme Kiplan (2015) Melanie Klein permaneceu até o fim de sua vida em Londres, período de sua vida de muitas produções e marcado por profundos embates, como as discussões da técnica de análise infantil com Anna Freud. Além disso, sua filha Melitta, a qual não cultivava um bom relacionamento e que também era


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psicanalista, fazia questão de colocar a mãe em uma posição de embates na Sociedade Britânica (FEIST, FEIST & ROBERTS, 2015). Apesar de ter gerado inúmeros posicionamentos na sociedade psicanalítica, é inegável o legado de Melanie Reizes Klein para a teoria e técnica da psicanálise, a qual, segundo Hanna Segal (1975), pode ser dividido em três fases distintas. A primeira fase, já em seu período na Inglaterra, foi caracterizada pela publicação da Psicanálise da Criança em 1932. Nesse primeiro estágio em que se encontravam seus estudos, Klein refletia predominantemente a respeito do complexo de Édipo e do superego na análise primitiva do desenvolvimento infantil. Klein aponta uma diferenciação ao complexo de Édipo sistematizado por Freud. A partir de suas observações clínicas com crianças de tenra idade, Klein constatou que o complexo de Édipo ocorria em uma idade muito mais precoce e que o superego se desenvolve juntamente neste processo, invés de ser produto do processo Edípico. Em sua visão, inicia-se ainda na fase oral do desenvolvimento, passando pela fase anal e tendo seu ápice na fase genital, em torno dos três ou quatro anos de vida. Klein reforça a nomenclatura genital ao invés da tradicional fálica ditada por Freud, uma vez que refuta a ideia machista contida no termo (FEIST, FEIST & ROBERTS, 2015). A segunda fase é caracterizada pela formulação do conceito da posição depressiva e dos mecanismos de defesa maníaca encontrados em suas principais publicações entre os anos de 1934 à 1940, enquanto a terceira fase reporta-se à fase mais primitiva do desenvolvimento que ela conceituou como esquizo-paranóide, relatados em seus últimos trabalhos apresentados (SEGAL, 1975). A


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fim de compreender as posições propostas por Klein, é necessário apontar que existe uma predisposição herdada do ego, presente desde o nascimento, com a finalidade de reduzir a ansiedade consequente dos conflitos gerados pelos instintos de vida e de morte e que tais instintos produzem fantasias ativas, ou seja, imagens inconscientes de “bom e mau”. Diante disso, quando supridas suas necessidades imediatas de amor, afeto e alimentação, o bebê percebe o seio (primeira relação objetal) como bom, enquanto do contrário, é sentido como seio mau. Na fantasia do infante, quando sua fome não é suprida, ele chora e esperneia, como se estivesse atacando o seio materno. De acordo com Laplanche e Pontalis (1983) na posição esquizo-paranóide o infante, a fim de lidar com a dicotomia entre o seio que nutre e o seio frustrante, realiza a clivagem entre o bom e o mau, de forma introjetiva, projetiva, persecutória e parcial. Desta forma, o ego ainda muito pouco integrado tem limitada capacidade de suportar a angústia uma vez que possui uma imagem dual do próprio self. No que se refere a posição depressiva, Klein a define como a fase do desenvolvimento em que o bebê reconhece e interage com o objeto de forma total, integrando o que antes era percebido de forma cindida, tanto sua percepção com relação à mãe, quanto ao próprio ego. Essa integração do ego e do objeto ocorre de forma simultânea e percebe-se a diminuição dos processos projetivos e os objetos são percebidos como menor deformação (SEGAL, 1975). Nisso a criança passa a se culpabilizar por em um momento anterior ter destinado impulsos destrutivos ao objeto amado, e por este motivo Klein denomina esta fase de posição depressiva. De


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acordo com Feist, Feist e Roberts (2015) nas condições normais do desenvolvimento a resolução desta posição ocorre quando o sujeito, buscando reparar as transgressões anteriores, consegue internalizar a ambivalência que existe nas pessoas. Por conseguinte, passa a perceber que o bom e o mau fazem parte de forma integrada da complexidade do objeto e ao mesmo tempo, a introjeção de um objeto cada vez mais total promove a integração do ego (LAPLANCHE & PONTALIS, 1983). Considerando toda a trajetória de vida de Melanie Reizes Klein em que foi preciso que ela estabelecesse um profundo senso de resiliência entre as ambivalências da vida, é plausível compreender as suas motivações em suas teorizações. É inegável que Klein encontrou na Psicanálise motivo para seu viver, e é possível afirmar, sem exageros, que ela assume um lugar único em que se verifica os progressos desta ciência. Suas descobertas evidenciam de forma inovadora o funcionamento da vida mental em seus estágios mais primitivos, e sua repercussão na vida futura dos indivíduos.


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Neusa Santos Sousa Por Émily L. A. Albuquerque

É a autoridade da estética branca quem define o belo e sua contraparte, o feio, nesta nossa sociedade classista, onde os lugares de poder e tomada de decisões são ocupados hegemonicamente por brancos. [...] 'O negro é o outro do belo' (Neusa Santos Souza, 1983).

Não conheci Neusa Santos Souza com os professores durante o percurso da graduação em psicologia. Naquela época só se estudava de autora mulher Melanie Klein (e, bem pouco). Nem no período que mergulhei no processo de mestrado na universidade percebi que não líamos mulheres nas grades curriculares. Me deparei com Neusa quando estava em um processo pessoal de questionar o porquê de a teoria psicanalítica não trazer discussões em suas teorizações sobre raça (ou, eu achava que não trazia até esse momento). Foi então que numa busca por sentidos mais amplos, na tentativa de trazer para minhas alunas o que sentia que não tive na época em que estava na academia que conheci as teorizações de Neusa. Ler seus livros foi e ainda tem sido um acalento. Ela abraça o sofrimento humano que está imerso em um contexto brasileiro. Praticamente todos os conceitos que aprendi acerca da psicanálise, a começar por Freud, tratavam de compreender os pacientes a partir de uma visão de mundo universalizante, como se


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todas as principais teorizações pudessem ser passíveis de analisar qualquer sujeito, ou seja, qualquer inconsciente atravessado por contextos sociais altamente diversificados. Afinal, o inconsciente, assim como o sofrimento, é único, devendo ser analisado e escutado em cada caso. E, realmente é sim. Porém, Neusa Souza levantará a questão de que as teorias eurocentristas foram escritas por uma lente que seria, inicialmente, apenas a do homem branco (colonizador), e que, por ainda vivermos as consequências da escravidão na nossa sociedade e cultura, nós enquanto analistas do sofrimento humano - deveríamos levar em consideração que para as pessoas negras alguns processos e noções conceituais acerca dos sofrimentos psíquicos não funcionariam da mesma forma que para as pessoas brancas. E, não é à toa que Neusa Santos está preocupada com essas questões, afinal ela se vê imersa nesse contexto brasileiro em que o racismo é tão presente quanto negado, inclusive dentro da psicanálise. Assim, diante das omissões do sofrimento negro nas teorizações psicanalíticas, a autora escreverá seu primeiro livro: Tonar-se negro: as vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social, publicado em 1990, cujo prefácio é do Jurandir Freire Costa. Na introdução, Neusa coloca que:

Ele é um olhar que se volta em direção à experiência de ser-se negro numa sociedade branca. De classe e ideologias dominantes brancas. De estética e comportamentos brancos. De exigências e expectativas brancas. Este olhar se detém, particularmente, sobre a experiência emocional do negro que, vivendo nessa sociedade, responde positivamente ao apelo da ascensão social, o que implica na decisiva conquista de valores, status e prerrogativas brancos. (1983, p. 17)


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E ela acrescenta ainda que a pessoa negra que se empenharia na conquista da ascensão social pagaria caro, o preço seria o massacre de sua identidade, pois se viria afastado de “seus valores originais, representados fundamentalmente por sua herança religiosa, o negro tomou o branco como modelo de identificação, como única possibilidade de ‘tornar-se gente’” (1990, p. 18). Nesse sentido, Jurandir Costa escreve para o prefácio do livro Tornar-se Negro que Neusa denuncia a violência racista criada pela classe dominante branca, cuja tendência seria destruir a identidade do sujeito negro. Este, por meio da internalização compulsória e brutal de um Ideal de Ego branco se vê obrigado a formular para si um projeto de identificação incompatível com as propriedades biológicas de seu próprio corpo. “Entre Ego e seu Ideal cria-se, então, um fosso que o sujeito negro tenta transpor, as custas de suas possibilidades de felicidade, quando não de seu equilíbrio psíquico” (p. 3, 1990). Por esse caminho, a autora estudará os processos identificatórios normativos ou estruturantes que perpassará a vida de cada bebê escrito nas teorizações psicanalíticas, e que, em contrapartida do que ocorreria no branco, a violência racista submeteria o sujeito negro a uma lógica de opressão desumana antes mesmo de seu nascimento. O que resultaria, por exemplo, em formas diferentes no sentido de estruturações egóicas. Para Neusa Santos (1990) a noção de narcisismo primário desde o estágio do espelho se daria pela negritude de maneira diferente. Afinal, como se identificar com a imagem de um bebê, uma criança negra em um espelho social que permite o traço identificatório a-


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penas das pessoas brancas como um corpo possível? Para a autora as forças estruturantes do psiquismo têm como desempenho na produção do sujeito negro apenas significantes de assujeitamento, no qual a imagem introjetada é a identificação apenas com o que considerado belo na sociedade, ou seja, o branco. O sujeito negro, estaria sendo regido pelo Ideal de Ego branco que é e ainda continua sendo a manifestação legítima herdeira da Ideia, da Razão do progresso e do desenvolvimento do homem. Visto que, seriam os brancos a cultura, civilização, ou seja, a “humanidade” (COSTA, 1872). E caberia as mulheres e homens negros se perceberem e se verem, muitas vezes, impelido a desejar, invejar e projetar uma existência de embranquecimento. E assim, o negro ao desejar se embranquecer, desejaria sua própria extinção. Assim, foi trazendo uma ampliação dos conceitos e processos psíquicos psicanalíticos, bem como os atravessamentos de uma cultura colonizadora eurocentrista que se faz presente inundando o inconsciente, as fantasias latentes e, logo, o sofrimento psíquico das pessoas negras que Neusa escreveu mais dois livros, um deles intitulado A psicose: um estudo lacaniano que foi publicado em 1991, servindo de referência para a saúde pública brasileira. E em 2005, juntamente com outras organizadoras, Neusa publica também o livro “O objeto da angústia”, em que ampliará as teorizações feitas por Lacan no Seminário X: A angústia (1962-1963). Por esse caminho, não fica difícil percebermos que o pensamento de Neusa Santos é um legado para a compreensão


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humana no Brasil. Pois, além de romper com as fronteiras dos territórios circunscritos, ela amplia em seus escritos contribuições psicanalíticas que são para o mundo todo um presente de reconhecimento e elevação da consciência negra. Ao abordar as dores do sofrimento do exílio, das exclusões sociais, do desejo da inexistência do corpo negro - a anti-negritude, os trabalhos de Neusa tiveram como direção em seus estudos clínicos psicanalíticos a aproximação das ideias de Fanon. Visto que ambos compreenderam a clínica do sofrimento psíquico a partir das implicações do escravismo e colonialismo europeu no Brasil e no mundo. “Seus escritos observam o problema da mestiçagem, a força da desigualdade na experiência cotidiana afro-brasileira e a segregação racial distinta do contexto americano ainda presente na historicidade do povo negro em nossa sociedade” (OLIVEIRA, p. 55, 2020) Assim, nascida na Bahia a psiquiatra, psicanalista e escritora Neusa Santos foi, juntamente com a psicanalista Virgínia Bicudo, vanguardistas pioneiras da psicologia e da psicanálise no Brasil. Porém, suas teorizações foram invisibilizadas pelas academias científicas. A filósofa Sueli Carneiro (2020) afirma que a noção de epistemicídio consiste na prática da ciência de limitar, excluir, desvalorizar fontes de saberes que não sejam da cultura branca/ocidental: “Nós produzimos uma forma de ciência que não foi capaz de coexistir harmonicamente” (CARNEIRO, 2020). Podemos pensar que o epistemicídio sofrido por Neusa Santos dentro da psiquiatria e da psicanálise atrelado a todas as outras práticas racistas que a nossa sociedade brasileira se nega a enxergar,


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mas que acontecem diariamente podem ter corroborado para o sábado do dia 20 de dezembro de 2008. Em que mais uma mulher negra é morta pela violência do racismo estrutural no Brasil. Neusa Santos, aos sessenta anos, se despediu de uma vida de muitos estudos – contrariando as estatísticas de acessar o conhecimento vindo de um berço pobre – se dedicou muito a estudar medicina e psicanálise. Entretanto, às vésperas da comemoração dos 120 anos da Abolição da Escravidão com a Lei Aurea, se atirou do alto de uma imponente construção onde vivia no bairro de Laranjeiras- RJ, deixando apenas uma pequena mensagem pedindo desculpas pela sua decisão aos poucos amigos que lhe eram próximos (HERKENHOFF, 2016). O não reconhecimento de seus estudos na psicanálise, bem como de sua existência ainda nos dias de hoje nas sociedades psicanalíticas diz muito não só sobre o epistemicídio dos textos da autora, mas de uma sociedade estruturalmente pautada no silenciamento das pessoas negras, principalmente, das mulheres pretas. Talvez devêssemos seguir como Jurandir tão bem colocou no prefácio de uma das maiores obras contra o racismo que, por sinal, é psicanalítica, mas é conhecida apenas pelos grupos antirracistas e não pela própria psicanálise: Mais difícil ainda, talvez, é entender a flácida omissão com que a teoria psicanalítica tratou até então este assunto. Pensar que a psicanálise brasileira, para falar do que nos compete, conviveu tanto tempo com esses “crimes de paz”, adotando uma atitude cúmplice ou complacente ou, no melhor dos casos, indiferente, deve conduzir-nos a uma


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outra questão: Que psicanálise é esta? Que psicanalistas somos nós? (COSTA, 1982, p. 16)

Que nos próximos anos que virão possamos não mais silenciar corpos, pessoas, teorizações que colocam outras formas de compreender a psicanálise. Muito pelo contrário, estudar ainda mais mulheres psicanalistas pretas que ampliam a compreensão do aparelho psíquico, refletindo em potencialidades de uma escuta e transferência psicanalítica que possa contribuir a partir do encontro com as singularidades e diferenças.


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Rosine Josef Perelberg

Por Guilherme Geha dos Santos

Rosine Jozef Perelberg é uma psicanalista nascida no Brasil, analista didata e supervisora, membro e presidente eleita da Sociedade Psicanalítica Britânica*. Possui livros publicados majoritariamente na língua inglesa, no entanto, há alguns traduzidos para o português, como “Freud: uma leitura atual” (Artmed, 2011). Mais recentemente, ocorreu o lançamento de seu livro “Pai assassinado, pai morto: revisitando o complexo de Édipo” (Blucher, 2021), em que analisa a função paterna, apresentando caminhos diferentes que participam na construção de psicopatologias distintas. Gostaria de trabalhar aqui com seu artigo sobre a angústia, “O enigma da angústia: entre o familiar e o não familiar” (Perelberg, 2018), publicado recentemente no Jornal Internacional de Psicanálise. Vamos ao artigo. Perelberg (2018) afirma, amparada em dizeres freudianos, haver uma grande dificuldade em se definir a angústia e, não obstante, a grandiosa contribuição que seria compreender este fenômeno. Há duas teorias freudianas da angústia. Na primeira, trata-se de um excesso de excitação que não é simbolizado, expressando-se em sintoma. Segundo Perelberg (2018), mesmo na primeira teoria, há referências de Freud ligando a angústia às fantasias e, portanto, colocando-a como um processo que ocorre no inconsciente.


A segunda teoria freudiana acerca da origem da angústia trataa como um sinal evocado pelo ego frente a uma situação de perigo. Este perigo seria fruto de algo já ocorrido no passado, o que dá lugar à noção de compulsão à repetição. A autora apresenta um caso clínico que lhe promoveu diversas reflexões sobre as “múltiplas definições de significado que estão presentes na angústia” (Perelberg, 2018, p.3, tradução nossa). No caso, o paciente apresentava sintomas de vertigem. Durante o primeiro ano de análise, sua vertigem o levou a várias quedas ao caminhar na rua, que resultaram em fraturas ósseas. Havia conteúdos conscientemente protegidos da analista pelo paciente, mas também a identificação de relações de objeto que não podiam aparecer, especialmente as que diziam respeito ao pai, em razão da emergência da própria agressividade. A sexualidade do próprio paciente é tema que passa a figurar como protagonista com o avanço da análise. É digno de nota, aqui, o fato de que a analista iniciou o trabalho com uma sessão semanal e, após um período de avaliação inicial, passou a três sessões por semana. O paciente iniciou a análise insatisfeito com um relacionamento heterossexual e, após terminá-lo, passou a se interessar por mulheres transexuais, especialmente as que não haviam feito cirurgia de retirada do pênis. As atuações (acting outs) do paciente, por exemplo as suas quedas, seus sintomas sem representação, a sensação de vertigem, seus diversos conflitos com a sexualidade e outros conteúdos da análise fizeram a autora pensar a angústia como algo que se apresenta em diversas dimensões. Diz-nos ela: “eu sugiro que a angústia é inserida em uma rede de outros conceitos


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que constituem pontos de referência em uma estrutura” (Perelberg, 2018, p.11, tradução nossa). Sigamos com estes pontos de referência. 1) Temporalidade: a angústia enquanto sinal mistura as dimensões temporais de passado, presente e futuro, por exemplo, sendo uma antecipação de um possível trauma e uma repetição de um trauma anterior. 2) A dimensão de que a angústia não tem um objeto. 3) Há um vínculo intrínseco entre angústia e agressão (dirigida a si e ao outro). 4) Há uma alienação da própria subjetividade ao ser enlaçado pelo narcisismo materno e paterno. 5) A angústia se liga à perda, por exemplo, do objeto ou do amor do objeto. Liga-se aqui à castração, evento que coloca o sujeito em uma posição específica na triangulação edípica, onde há uma renúncia dos desejos incestuosos, marcando o início da cultura (Perelberg, 2018). 6) A característica da angústia estar ligada à perda e a um objeto incompleto aparece na clínica, via transferência, na imagem de que o analista é um ser completo. 7) Na contratransferência, a angústia pode ser sentida pelo analista tão intensamente quanto no analisando. Isso pode ser um sinal da primitividade dos mecanismos utilizados pelo analisando. A partir do caso analisado e das múltiplas dimensões da angústia observadas pela analista, foi possível identificar que a análise oferece um meio para representar algo que ainda não tinha sido


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possível adquirir representação. Algo, este, estranho, no sentido de que permanecia escondido e que, por meio da representação, pode aparecer. No caso analisado, o estranho escondido era a fusão das figuras parentais, representada na transexualidade. Conteúdos desta ordem aparecem progressivamente, em camadas, e envolvem angústia tanto para o paciente quanto para o analista. Podem, também, ser acompanhados de sintomas significativos, como a desorientação, fragmentação do corpo e da imagem do corpo. “O objetivo do trabalho analítico é transformar sintomas e atuações em palavras que criam uma narrativa sobre a história do paciente, transformando delírios em cena e vazio em falta” (Perelberg, 2018, p.16, tradução nossa). A partir deste texto e desta breve resenha, é possível compreender que Rosine Perelberg se insere em uma psicanálise contemporânea, pensada sob um direcionamento da complexidade, o qual pode organizar não somente os aspectos psicopatológicos envolvidos em cada caso, mas a estrutura sob a qual pensamos as psicopatologias. Dentro da contemporaneidade, a psicanálise adquire movimento e cor, o que Rosine faz uso tanto no campo clínico quanto no da escrita. Convido os leitores a conhecer esta psicanalista e seu trabalho, o qual está relacionado a temas diferentes, como sexualidade, representação, violência e suicídio. * Disponível em: www.rosineperelberg.com. Acesso em: 22 de março de 2021


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Sabina Spielrein

Por Aline Sanches

Acabo de participar de um evento em que a psicanalista Renata Cromberg e a tradutora Renata Mundt comentam sobre a nova edição do mais famoso artigo de Sabina Spielrein, intitulado “A destruição como origem do devir” (1912). As duas Renatas, que curiosamente têm o mesmo nome da filha de Spielrein, são também mulheres que nos inspiram, pela paixão com que se dedicaram à pesquisa e à introdução da obra desta pioneira da psicanálise no Brasil. Afinal, trata-se de uma tradução repleta de dificuldades, pois embora Spielrein fosse fluente em várias línguas e habilidosa com as palavras, era de origem russa, o que dá ao seu alemão um acento peculiar. Além disso, imaginem o exercício de traduzir vinhetas clínicas plenas de conteúdos psicóticos e delirantes, analisadas sob a ótica de conceitos psicanalíticos ainda nascentes e experimentais! Sinto orgulho por termos em nosso país mulheres como essas Renatas, que nos permitem ter acesso ao pensamento dessa outra mulher, genial, porém ainda bastante desconhecida na história da psicanálise. As razões para seu ostracismo podem ser várias: o fato de estar envolvida na ruptura entre Freud e Jung, de ser russa durante o terror político de Stalin e judia durante a ascensão de Hitler; mas o fato de ser mulher certamente teve peso considerável. Afinal, alguém aí já ouviu falar de uma tal amante de


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Jung? É mais imediato identificá-la a esse episódio amoroso do que à sua inteligência e atuação no movimento psicanalítico. Descobri Sabina Spielrein em 2012, assistindo ao filme italiano Jornada da alma (2002). Fiquei fascinada pela sua história, mas minhas pesquisas de então não me levaram muito adiante. Em 2013, eu partilhei uma mesa de conferências com a Fátima Caropreso – professora do departamento de Psicologia da UFJF, outra mulher inteligentíssima! – em que eu abordava o instinto de morte segundo Deleuze e ela apresentava o instinto de morte segundo Spielrein. Ficamos impressionadas com as ressonâncias entre ambos. Fátima me passou os artigos de Sabina em inglês, e a partir daí decidimos escrever um artigo sobre essa aproximação conceitual entre Deleuze e Spielrein. Comprei então o livro Diário de uma secreta simetria, de Carotenuto (1984), que contém correspondências de Sabina com Freud e Jung e trechos de seu diário pessoal. Este analista junguiano foi o primeiro a tentar reconstruir a história de Sabina e de sua trajetória na psicanálise, depois de ter caído em seu colo, ao acaso, os documentos dela que estavam esquecidos em um porão de Genebra. Sabina nasceu em 1885 em uma família russa abastada e muito culta. Durante sua adolescência, desenvolveu uma série de sintomas e crises nervosas. Foi então internada na clínica Burghöltzli na Suíça, ambiente de grande reputação por seus tratamentos inovadores. Encabeçada por Bleuler, esta clínica era um dos poucos lugares que levavam a sério as propostas de Freud.


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O ano é 1904 e Sabina passa a ser acompanhada por um jovem médico fascinado pela psicanálise: Carl Jung, aos 30 anos, analisa Sabina, então com 19, e a incentiva a dar continuidade aos seus estudos e ao seu desenvolvimento intelectual, tornando-se também seu interlocutor. Aos 26 anos, Sabina tornou-se médica e foi convidada pelo próprio Freud a integrar a Sociedade Psicanalítica de Viena. Estamos agora em 1911 e se parássemos aqui, já teríamos uma biografia fascinante, em que é notável a força dessa jovem diagnosticada com “psicose histérica”. Sabina não apenas se recuperou deste grave quadro, como publicou uma tese pioneira sobre a esquizofrenia, termo proposto por Bleuler desde 1908. O fato de Sabina analisar o caso de uma paciente esquizofrênica meses antes do próprio Bleuler oficializar o termo em uma publicação demonstra a parceria e confiança no trabalho dela. Lembremos que, até então, utilizava-se a expressão demência precoce, palavra fatalista e estigmatizante, associada a uma degeneração irreversível. Já a esquizofrenia, que significa “mente dividida”, pressupõe possibilidades terapêuticas e compreende que partes saudáveis da mente podem conviver com partes doentes. A tese de Sabina é uma das primeiras teses sobre psicanálise, a partir de um centro psiquiátrico respeitado, numa época em que o próprio Freud ainda sofria com a rejeição nos meios médicos e acadêmicos. Impressionado com o feito, Freud convidou Sabina a frequentar a Sociedade Psicanalítica de Viena. Sua tese (Spielrein, 1911) foi publicada na revista oficial do movimento psicanalítico, o


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Jahrbuch, na mesma edição em que Freud publicou seu texto sobre o caso Schreber. Ainda em 1911, Sabina apresenta seu artigo A destruição como origem do devir aos psicanalistas. Ela propõe a existência de um “instinto de morte” (Todesinstinkt) no funcionamento psíquico, assim como outras ideias que se tornariam fundamentais na teoria freudiana a partir de 1920: a suposição de um funcionamento psíquico mais primitivo do que aquele regido pelo princípio do prazer e o masoquismo originário. Mas o seu legado não para por aqui: entre 1912 e 1914, Sabina publicou 11 trabalhos nas revistas de psicanálise. Mantendo afinidades intelectuais com Freud e Jung, acaba sendo bastante afetada pela ruptura deles, a ponto de receber a hostilidade e rejeição de alguns psicanalistas. Morou em Berlim, em Zurique, em Lausane e em Genebra, fugindo da guerra e do antissemitismo. Em 1921, em Genebra, foi analista de Piaget e ambos faziam parte do mesmo Instituto de Psicologia Experimental e de Investigação do Desenvolvimento Infantil, chefiado por Clarapède (Cromberg, 2014, pp. 40-41). Nos anos 20, engajou-se na tradução de textos psicanalíticos para o russo. Em 1923, Sabina retorna à Rússia. Colabora com Vygotsky e Luria nas investigações sobre pensamento e linguagem (Cromberg, 2012). Coordena a fundação de uma associação e de um instituto psicanalítico, que dura poucos anos, já que a política repressiva de Stalin começa a proibir esses e outros movimentos, considerados subversivos. Entre 1937 e 1938, os três irmãos de Sabina, que tam-


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bém eram professores e cientistas, foram presos e fuzilados pela perseguição stalinista. Sabina nunca deixou de ensinar e praticar a psicanálise, de teorizar e de analisar crianças e adultos, de atuar na educação e no desenvolvimento infantil, deixando um grande legado. Além de cerca de 34 ensaios publicados, sua atuação próxima de Freud, Jung e dos primeiros psicanalistas, de Piaget, Vygotsky e Luria, de Bleuler e Clarapède, dão mostras de sua forte presença entre os principais nomes da área psi do século XX. Foi executada em 1942, em um grande extermínio em massa de judeus, em sua cidade natal. Esse meu pequeno texto é um convite para celebrarmos e mantermos vivo o espírito de Sabina Spielrein, deixando-nos fecundar pela sua sensibilidade, sua resistência ética e sua força.


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Toni Wolff

Por Eduardo Chierrito

A Psicologia Analítica, mais conhecida como Psicologia Junguiana, possui diferentes nomenclaturas ao longo de seu desenvolvimento histórico, entre elas “Psicologia Complexa” e “Psicologia Profunda”. De fato, a obra de Carl Gustav Jung (1875-1961) possui diferentes matrizes e linhas de pensamento que a norteiam, não apenas em seus métodos, mas na própria construção epistemológica desse saber. Pode soar um mero preciosismo, no entanto, as nomenclaturas sugerem muitos percursos distintos que essa abordagem possui, afinal, o termo “Junguiano” se manifestou nas tradições clínicas e aplicadas, que chegou ao Brasil com grande influência das contribuições de Nise da Silveira e teve um aprofundamento com sua conexão com Marie Louise Von-Franz, amiga íntima e colaboradora de Jung, analista e supervisora de Nise. Outro detalhe é que o termo “Profunda” ainda é muito comum na Itália e alguns países de centro europeu, revelando a busca constante de sair da “superfície”, da mera adaptação social e da transformação dos sintomas, ou seja, algo mais existe na alma: o processo de individuação. Contudo, algo que não é mero detalhe é a necessidade de distinção entre método e aplicação dessa perspectiva. Algo que é evidente quando se faz um resgate histórico de uma das mulheres mais influentes na construção dessa abordagem: Antonia Wolff,


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mais conhecida como Toni Wolff. Afinal, nesse caminho, é feita uma distinção entre Psicologia Complexa e Psicologia Analítica, sendo que a primeira é a base metodológica e a segunda a aplicação dessa matriz científica, como acontece com o Behaviorismo e a Análise do Comportamento. E é esse resgate epistemológico que se urge, cada vez mais, a importância de compreender que, muito provavelmente, não se pode falar de determinados conceitos e proposições teóricas da Psicologia Analítica sem a referência ou a colaboração ativa e dinâmica dela, talvez, em um futuro breve iremos nos referir a conceitos-chave com a citação: Jung & Wolff, e aqui, para uma leitura mais crítica, esse ponto já é suficiente para entender o papel dela na síntese e construção da psicologia analítica. O termo “colaboração” é o mais adequado e seu uso coloca um marco importante no resgate histórico da construção da psicologia analítica, ora, pode-se dizer que Jung chegou sozinho em suas contribuições tão vastas e simbólicas sobre o psiquismo? A resposta parece óbvia, não! Principalmente quando ele se vê em crise frente ao próprio psiquismo, que será comentado mais à frente. Um fato curioso é que ele teve em sua vida muitas pessoas que construíram e alimentaram, de forma original, seu pensamento, contudo nem todas pessoas possuem o seu devido crédito nessa colaboração e não é difícil entender os atravessamentos que levaram às "negligências" de certas pessoas, como a Sabina Spielrein, já citada nesta coletânea, que trouxe um impacto interessante, não apenas como amante de Jung, mas também como alguém que somou intelectualmente com ele.


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É curioso, como o nome "paciente" e “amante” aparece antes do nome “colaboradora” e "pesquisadora", ou até mesmo “analista”. Aqui os adjetivos que direcionam a mulher para um local de inferioridade e subserviência ao homem é uma agressão. No caso de Toni Wolff, não foi diferente, em muitos textos, bibliografias ou materiais documentais, sua lembrança permanece com as expressões que a distanciam de seu verdadeiro legado. Muitas coisas podem ser destacadas nesse momento, o machismo estrutural e consequentemente sua expressão cultural na Suíça e na sociedade europeia. Outra dor é perceber que tais expressões permaneceram por muito tempo em uma teoria que desde sua base se mostrou mais “maternal” do que “paternal”, em sentido freudiano. A centralidade fálica e outras expressões comuns a narrativa simbólica edípica são destituídas de valor central na leitura analítica, um exemplo é a ampliação simbólica iminente na narrativa simbólica da Grande Mãe, presente e amplificada em várias leituras da Psicologia Analítica. Com licença para sair do escopo teórico, o que venho ilustrar é que esse caminho revela um cenário de abertura às mulheres e sua interlocução, que apesar de promissora, o impacto acontece anos depois. Inicialmente aquelas que ousaram em seus primeiros passos para a desconstrução de narrativas exclusivamente masculinas tiveram seus textos “acoplados” aos nomes de homens, por exemplo, trechos e capítulos da obra “Tipos Psicológicos” associados a Jung e que na verdade foram escritos por Toni Wolff. Enfim, mesmo em uma escola predominantemente de psicólogas e pesquisadoras, ainda os reflexos históricos das estruturas patriarcais predominavam em seu escopo.


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Até o momento, muito foi discutido do ponto de vista histórico ou contextual, mas afinal, quem é Toni Wolff? Essa mulher das travessias. Antes de comentar sobre ela, quem sabe para gerar uma expectativa, mas vale destacar o que é travessia, segundo o dicionário é ação de ir de um lugar para o outro. Porém de acordo com Milton Nascimento, travessia é uma canção e sem deixar uma fala específica sobre isso, deixo aqui pequenos trechos para quem sabe compor com a vida e os momentos de travessia de Toni Wolff. Forte eu sou, mas não tem jeito Hoje eu tenho que chorar Minha casa não é minha e nem é meu este lugar Estou só e não resisto, muito tenho pra falar

Ela nasceu em 1888 e faleceu em 1953, filha de uma família da elite mais alta em Zurique, desde o começo de sua vida buscava espaço para suas expressões criativas e intelectuais, contudo, o ingresso na universidade foi negado por seus pais, ora, não era adequado para uma mulher ter formação neste período. Ela buscou constantemente cursos e participar de aulas em universidades como ouvinte, com interesse particular em mitologias, filosofia e história. Solto a voz nas estradas, já não quero parar Meu caminho é de pedra, como posso sonhar Sonho feito de brisa, vento vem terminar Vou fechar o meu pranto, vou querer me matar

Segundo Santos (2020), desde então ela desenvolve uma melancolia que possui maior expressividade com a morte de seu pai, quando o episódio depressivo atingiu um ponto maior, ela já


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não conseguia sair de sua casa. Nesse contexto, ela chegou a Carl Gustav Jung, como paciente. Com resistência ao processo analítico, em uma sessão, Jung comentou sobre mitologia Grega, comparando a dor de Toni Wolff com jornadas mitológicas, sendo que ela repreende Jung e comenta que seu método era informal e depois apresenta novas concepções sobre os mitos, já que ela era grande estudiosa. Vou seguindo pela vida me esquecendo de você Eu não quero mais a morte, tenho muito o que viver Vou querer amar de novo e se não der não vou sofrer Já não sonho, hoje faço com meu braço o meu viver

Ao trazer tais cenários, ela contribui ativamente para as novas leituras de Jung, inicia um mergulho para entender melhor sobre as narrativas e analogias entre mito e psique. Consequentemente, ela melhora significativamente, consegue atravessar seu sofrimento e construir uma nova ponte para sua existência. Assim, se faz a mulher de travessias, que me faz recordar neste momento, não apenas a canção já citada, mas também a fala de James Hillman: “Precisamos hoje de mergulhadores, heróis do aprofundamento, e não mestres da negação; precisamos de mentores da maturidade, que possam suportar a tristeza, que vejam o envelhecimento com amor, que mostrem sua alma sem ironia nem constrangimento. Mentores, não animadores de torcida; mentores, não entusiastas ou filisteus.Todos os heróis legendários do mundo antigo: Ulisses, Enéias, Psiquê, Perséfone, Orfeu, Dionísio, desceram ao inferno para aprender valores diferentes dos que regem os negócios da vida ao sol; voltaram com olhos menos brilhantes, capazes de enxergar em tempos sombrios"


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No rompimento de Jung com Freud, ele fica imerso em um processo de grande dor emocional e psicológica, nesse momento ele mergulha em um processo depressivo intenso em que buscava forças para manter sua estrutura egóica. Constantes invasões e fantasias do inconsciente coletivo lhe afligia e trazia um risco eminente de psicose. Nesse momento crucial, Santos (2020) argumenta que foi Toni Wolff que conferiu suporte e auxílio para amplificar os conteúdos de Jung, auxiliar na travessia desse processo penoso e promover novamente sua integridade emocional e psicológica, não apenas com a busca constante de atividades que apresentassem uma conexão com sua rotina, trabalho, mas também na produção de uma de suas obras mais impactantes, sim, é isso, ela foi analista de Jung e esteve ao seu lado como função continente. Tais processos são sintetizados no Livro Vermelho. Nesse momento, a mulher das travessias, tinha olhos menos brilhantes que ajudavam Jung em meio a suas sombras. A maturidade de quem aprendeu a amar de novo, sem negar sua dor. Após esse período, Jung com auxílio de Wolff, Emma Jung (esposa) e outras pessoas, restabelece sua alma, encontra um caminho criativo e original que iria compor sua ampla escrita e síntese teórica. Nesse percurso, inicia-se uma grande cooperação entre ele e Toni Wolff, em particular, de acordo com o Zurich Club (2020), Wolff criou o termo Psicologia Complexa, assim como participou assiduamente de grupos e associações para o desenvolvimento dessa abordagem. Destaca-se ainda percursos que até hoje são inéditos, como as primeiras intervenções psicoterapêuticas em grupos e seus textos sobre o feminino. Ou-


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tros conceitos importantes elaborados por Toni Wolff, segundo Santos (2020) são: Anima/us em colaboração com Emma Jung, Persona e a Função Sensação dos tipos psicológicos. Temas bem conhecidos pela comunidade junguiana e que representam conceitos-chave para a prática clínica. Muitos de seus textos originais ainda não foram publicados, mesmo com o esforço de Jung para o fazê-lo, apenas agora seus materiais começam a ser resgatados e seu legado a produzir novas concepções, somando novamente para compor a Psicologia Analítica. Vida, obra e travessias são temas que trazem o impacto de Wolff e revelam as sutilezas e a força da mulher que não obstante, auxiliou, não apenas o resgate de Jung, nem as construções teóricas e técnicas, mas que compôs com alma, a busca de um caminho psicológico que vai além, no constante desejo pela manifestação da vida psíquica que se faz urgente. Que tais aspectos impactam também as trilhas individuais de quem busca contribuir com a prática de ser um agente de travessia na vida das pessoas.


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Virginia Bicudo

Por Amanda Boll, Émily Albuquerque, Gabriela Andrade

A primeira mulher a fazer análise na América Latina foi uma mulher negra. A primeira pessoa a escrever uma tese sobre as relações raciais no Brasil foi uma mulher negra. A primeira psicanalista não médica a se habilitar no Brasil também foi uma mulher negra. Mas, por que então não lemos Virgínia Leone Bicudo (1910-2003) nas teorizações psicanalíticas? O apagamento, suposto esquecimento e não reconhecimento das obras de Virgínia contribui para a perversidade do racismo. Essa prática é nominada de epistemicídio conforme coloca a filósofa Sueli Carneiro (2005) sobre o banimento, ocultamento e a negação da história e teorizações de autoras e autores negros, produzindo um aniquilamento não só do patrimônio cultural, mas afetando diretamente a confiança intelectual e a própria condição material e subjetiva das pessoas negras. Esse processo discriminatório de Virgínia no campo psicanalítico incidiu sobre a não disseminação de sua história e teorizações como um todo. Segundo Lélia Gonzalez (1983), o duplo fenômeno do racismo e do sexismo são sintomas sociais que caracterizam a neurose cultural brasileira, produzindo inúmeras violências sobre a mulher negra em particular. É na tentativa de compreender e de denunciar tais violências que Virgínia voltará parte de seus estudos psicanalíticos e sociais. Como


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ela bem coloca em uma entrevista para Verônica Mautner, publicada na Folha de São Paulo (2000): Para não ser rejeitada, tirava nota boa na escola. Desde muito cedo, desenvolvi aptidões para evitar a rejeição. Você precisa tirar nota boa, ter bom comportamento e boa aplicação, para evitar ser prejudicada e dominada pela expectativa de rejeição, diziam meus pais. Por que essa expectativa? Por causa da cor da pele. Só pode ter sido por isso. Eu não tive na minha experiência outro motivo.

Pelos relatos de vivências da autora, os estudos foram, desde muito cedo, uma tentativa para compreender as práticas racistas que sofreu. Nascida em São Paulo no ano de 1910, foi filha de Giovanna Leone e Theophilo Bicudo, sendo sua mãe uma imigrante italiana e seu pai um brasileiro negro – neta, portanto, de uma mulher que viveu a escravidão e fora alforriada. Ao longo da infância, Virgínia trabalhou como babá até ter acesso e iniciar os seus estudos na Escola Normal Caetano de Campos. Em 1932, tornou-se funcionária da Diretoria do Serviço de Saúde Escolar do Departamento de Educação. Nessa época, lecionou em várias escolas de São Paulo, passando a se interessar por questões sociais, área na qual buscou se aprofundar no seu ensino superior, em 1936. Cursou Ciências Políticas e Sociais da Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo (ELSP), foi a única mulher em uma turma de oito alunos, se formando em 1938. Logo depois, iniciou o mestrado ainda na ELSP, onde foi a pioneira ao escrever sua dissertação sobre questões raciais e sociais no Brasil. Cujo título de sua tese defendida intitula-se “Estudo de atitudes raciais de pretos e mulatos em São Paulo”, publicada em 1945. Nessa pes-


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quisa ela entrevistou 31 pessoas, dentre homens e mulheres que pertenciam às classes mais baixas e intermediárias, com o objetivo de investigar as atitudes raciais dentro dos casos entrevistados. Ao ler os escritos teóricos de Bicudo, percebemos que sua trajetória como socióloga deixou muito evidente a temática das questões sociais/raciais, justamente em virtude dos episódios de bullying e racismo que geraram vivências dolorosas para ela ao longo da vida. Por este motivo, Bicudo relata que buscou na psicanálise uma forma de aliviar seu sofrimento a respeito dos ataques referidos a sua cor desde a infância. Como ela coloca nesse depoimento à Marcos Maia (1955): Lá na USP eram os grã-finos e eu não era grã-fina […] Lá não era meu lugar […] Eu queria me aliviar de sofrer. Imaginava que a causa de meu sofrimento fosse problemas sociais, culturais […] desde criança eu sofria preconceito de cor […] no segundo ano do curso encontrei a psicologia do inconsciente de Sigmund Freud. Aí disse: É isso que estou procurando.

Partindo desse interesse, Virgínia começou a participar de um grupo direcionado para o estudo e aprofundamento das ideias psicanalíticas, tendo Durval Marcondes como orientador. Porém, durante o I Congresso Latino Americano de Saúde Mental (1954), que Virgínia ajudou a organizar com Marcondes, foi acusada de charlatanismo por ser psicanalista e não ter formação médica. Conforme revelou em entrevista à SBPSP (1989): Eu estava sentada e todos os médicos de pé, todos gritando: ‘Absurdo! Psicanalistas não médicos!’. Foi horrível! Olha que eu quase me suicidei por isso. Você ouvir outras pessoas dizendo: ‘Você é charlatã!’. Ah! Você não fica de pé! Você vai pra casa e quer morrer.


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Conforme as críticas e acusações de charlatanismo foram crescendo, Virgínia Bicudo foi buscar mais estudos, visando ainda mais seu aperfeiçoamento profissional na Inglaterra, onde na época era a principal referência da psicanálise mundial. Residiu em Londres no período de 1955 e 1959, mesma época em que publicou o resultado de um projeto da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco): “Atitudes dos alunos dos grupos escolares da capital em relação à cor de seus colegas”. No qual foi a única mulher negra dentre os pesquisadores do projeto que participou. Ainda em Londres, Bicudo intensificou seus estudos acerca da psicanálise infantil, onde conhece Melanie Klein, Anna Freud e Winnicott. Quando retorna ao Brasil, em 1959, escreve para Winnicott desejando aprimorar a sua formação como analista. Logo depois, a partir de 1960 publicará inúmeras teorizações psicanalíticas. Como o texto “Comunicação não-verbal como expressão de onipotência e omnisciência” de 1967 em que a autora atribuirá a angústia como um norte clínico na constituição da criança e na experiência clínica em casos que não há verbalização, cabendo ao analista compreender e interpretar outras formas de expressões do sofrimento psíquico, como os gestos e as mímicas. Ao escrever o texto “Relação econômica entre splitting e sintomas obsessivos” de 1967 a autora mergulhará a partir de um caso clínico em vários mecanismos psíquicos encontrados em pacientes neuróticos obsessivos. Dentre eles o isolamento e a anulação a partir de uma perspectiva freudiana, porém Bicudo introduz outros mecanismos na tentativa de explicar a integração


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do eu cindido nos pacientes obsessivos, como, por exemplo, os mecanismos de defesa splitting e deslocamento. Na mesma direção, em 1968, Bicudo escreve “Falso luto e falsa reparação através de recursos paranóide e maníaco”, no qual discorre sobre os pacientes que apresentam recursos defensivos ao entrarem em análise, regredindo a angústias esquizo-paranóides durante o processo psicoterapêutico. Bicudo escreve inúmeros textos com teorizações inéditas, muitas até então desconhecidas no contexto brasileiro. Segundo Santo et al. (2018) outro tema que Bicudo se dedicou em estudar no final da década de 1960 foi a regressão. No qual ela publicou dois trabalhos, intitulados “Mito, instinto de muerte y regresion en el proceso analitico” (1968) e “Regressão no processo analítico” (1969), defenderá a ideia de que os mecanismos regressivos, se conduzidos com habilidade, são importantes para que o paciente entre em contato com conteúdos muito primários. Sendo que, ao expandir a psicanálise brasileira, enfatiza tanto em sua prática, técnica e teoria como uma maneira de contribuir para a sociedade a análise de figuras poderosas e de influência social como presidentes, governadores e homens em posição de poder. Acreditava que se as figuras de poder fossem analisadas seriam “mais capazes de amar, reparar e construir, influenciando assim diretamente a vida de muitas pessoas.” (Santo et al., p. 96, 2018) Sendo assim, ao introduzir as ideias kleinianas e winnicotianas em São Paulo, Bicudo se destaca no ensino da psicanálise adulta e infantil no Brasil, introduzindo essa especialidade na SBPSP, onde atuou por 14 anos.


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Após alguns anos, Bicudo apresentou também um programa na Rádio Excelsior intitulado “Nosso Mundo Mental”, que tinha como intuito, além de propagar a psicanálise, tornar o conhecimento sobre as necessidades emocionais da criança no seu desenvolvimento mais acessível aos pais e educadores, tratando de diversos assuntos como: inconsciente, agressividade, inveja, ciúme, culpa, fantasia, amor, ódio etc. Pode-se dizer que ela foi uma precursora ao aliar as mídias de sua época com a divulgação de seus conhecimentos psicanalíticos. Além disso, Virgínia iniciou a análise de vários grupos de psiquiatras que gostariam de fazer formação psicanalítica em Brasília. Segundo Abrão (2014), as análises conduzidas por Virgínia Bicudo foram oficialmente admitidas como análises didáticas e o Instituto de Psicanálise da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, que reconheceu o grupo de Brasília como uma sede avançada, que ficou conhecida como Sede Brasília da SBPSP. No decorrer dos anos passou a lecionar na Universidade Nacional de Brasília, onde mais tarde, no ano de 1993 volta para São Paulo a fim de realizar trabalhos clínicos e, em 2003 vem a falecer aos 92 anos. Percebemos que Virgínia Leone Bicudo, no âmbito profissional foi uma socióloga e psicanalista de muita importância para o Brasil, visto que há uma enorme contribuição de sua parte para a construção teórica e para a institucionalização da psicanálise no país. No entanto, através de pesquisas, notamos, ainda, uma escassez de artigos relacionados às suas contribuições. Que a sua história e teorizações sejam lidas, estudadas e, principalmente, difundidas. Virgínia Leone Bicudo, presente!


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