Protecting the Rights of Children: The Role of the Media (Portuguese version)

Page 1

PROTEÇÃO DE DIREITOS DA CRIANÇA: O PAPEL DA MÍDIA LIÇÕES DO BRASIL, ÍNDIA E QUÊNIA


AGRADECIMENTOS Internews Europe thanks the following individuals and organisations for their advice and support in producing this publication. AUTORES E CONTRIBUIDORES

Susan Angle, Conselheira Sênior de Monitoramento & Avaliação e Pesquisa Thomas Baerthlein, Chefe do Programa de Conflito e Estabilidade, Internews Europe Neeti Daftari, Pesquisadora da Internews Europe, Índia Brice Rambaud, Diretor de Projeto, Quênia Niousha Roshani, Diretora de Projeto, Brasil PESQUISADORES

Neeti Daftari, Pesquisadora da Internews Europe, Índia Gabriel Herkenhoff, Pesquisador da Internews Europe, Brasil Lorena Lucas Regattieri, Pesquisadora da Internews Europe, Brasil Shem Sam, Pesquisador da Internews Europe, Quênia Lia Scarton Carreira, Pesquisadora da Internews Europe, Brasil CONSELHEIROS E APOIADORES

Rafiq Copeland, Diretor do Projeto Dadaab, Internews Lucy Cronin, Assistente de Desenvolvimento, Internews Europe Maya Prabhu, Assistente Administrativo de Projetos, Internews Europe Thomas Seropian, Engenheiro de Aplicações para Web, Internews Europe Magali Siaudeau, Assistente Administrativo, Internews Europe Francesca Silvani, Diretora Sênior de Projetos, Internews Europe Aashish Yadav, Diretor de Projetos, Índia EDIÇÃO E DESIGN

Angela Burton, Editora Projeto gráfico original: Luis Vilches, eleuve.carbonmade.com Imagens: Panos photo, Photophilanthropy e UNICEF Layout: www.metaracomunicacao.com.br Para cópias impressas deste relatório, favor entrar em contato através do email communications@internews.eu Data de publicação: Janeiro 2014

Esta pesquisa foi apoiada por:

IMAGEM DA CAPA um jornalista participa de um treinamento da Internews em um projeto que busca aprimorar o diálogo entre cidadãos, mídia e autoridades locais no Paquistão, 2012. © Internews Europe / Imran Babur


1 BRAZIL TRANSFORMING HOW CHILDREN ARE SEEN AND HEARD

3

CONTEÚDO AGRADECIMENTOS

2

SOBRE A INTERNEWS EUROPE

4

INTRODUÇÃO 5 PRINCIPAIS CONSTATAÇÕES E SUMÁRIO DE RECOMENDAÇÕES

6

A TEORIA DA MUDANÇA DA INTERNEWS EUROPE

7

MÉTODO DE PESQUISA

8

ANÁLISE DE SITUAÇÃO E DE SETOR NOS PAÍSES

8

METODOLOGIA

8

ANÁLISE DE CONTEÚDO DA MÍDIA

9

METODOLOGIA

CAPÍTULO 1. BRASIL: TRANSFORMANDO COMO CRIANÇAS SÃO VISTAS E OUVIDAS

9 11

POLÍTICAS E PRÁTICAS GOVERNAMENTAIS PARA OS DIREITOS DA CRIANÇA

11

I. PANORAMA DA MÍDIA BRASILEIRA

12

CRIAÇAS E TV: UMA AUDIÊNCIA INVISÍVEL

14

PRINCIPAIS DESCOBERTAS DO ESTUDO DA INTERNEWS EUROPE ANALISANDO OS CONTEÚDOS SOBRE   DIREITOS DA CRIANÇA NA MÍDIA IMPRESSA, TELEVISIVA, RADIOFÔNICA E DA MÍDIA SOCIAL

15

A RÁDIO E OS DIREITOS DA CRIANÇA: UM POTENCIAL INEXPLORADO

16

INTERNET, TWITTER, CRIANÇA E JOVENS

16

II. A PERSPECTIVA DA MÍDIA

18

AS NOTÍCIAS E OS DIREITOS DA CRIANÇA: AUSÊNCIA DE APROFUNDAMENTO

18

ANONIMATO INFANTIL: UM DIREITO IGNORADO

19

PROGRAMAÇÃO INFANTIL: OFERECENDO UMA ABORDAGEM DIFERENTE

20

ATIVIDADE DA MÍDIA EM PROL DA PROTEÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA

21

RELAÇÕES DA MÍDIA COM ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL E GOVERNO

21

DESAFIOS E OPORTUNIDADES: ENVOLVENDO A MÍDIA NA DEFESA DOS DIREITOS DA CRIANÇA

22

III. A PERSPECTIVA DA SOCIEDADE CIVIL

22

ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL E A MÍDIA TRADICIONAL: ENVOLVIMENTO DIVERSIFICADO MAS LIMITADO

22

ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL E NOVA MÍDIA

25

REDE DE RELAÇÕES ENTRE SOCIEDADE CIVIL E MÍDIA: DESFAZENDO A DESCONFIANÇA

26

PRODUZINDO COBERTURA SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA: PRINCIPAIS AÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL

26

DESAFIOS E OPORTUNIDADES: ATIVIDADES DAS ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL E DA MÍDIA

26

AMPLIANDO AS VOZES DAS CRIANÇAS E JOVENS

28

O CAMINHO A SEGUIR: RECOMENDAÇÕES GERAIS

29


4

PROTECTING THE RIGHTS OF CHILDREN: THE ROLE OF THE MEDIA LESSONS FROM BRAZIL, INDIA AND KENYA

SOBRE A INTERNEWS EUROPE

Internews Europe é uma organização internacional de desenvolvimento especializada no apoio à mídia independente, à liberdade de informação e livre expressão em todo o mundo. A grande maioria de nossos programas são direcionados às populações atingidas pela crise, às democracias emergentes e a alguns dos países mais pobres do mundo. Acreditamos que o acesso à informação e meios de comunicação locais resilientes são fundamentais para um bom governo, para os direitos humanos e para a resolução de conflitos e são a chave para respostas eficazes às crises humanitárias e à compreensão do público sobre questões críticas, tais como as alterações climáticas. Os projetos de desenvolvimento de mídias e acesso à informação mantidos pela Internews Europe capacitam pessoas a pressionar seus governos para que prestem contas, desenvolvam comunidades tolerantes e prósperas e reconstruam vidas e meios de subsistência desestabilizados após desastres humanitários ou conflitos. O poder das novas tecnologias para analisar, distribuir e publicar dados e informações está criando oportunidades significativas de apoio a nossos beneficiários. Nossos programas vêm cada vez mais amplificando o raio de alcance e impacto das mídias locais através da implantação inovadora das novas tecnologias digitais (internet, celular e mídias sociais) para criar sistemas locais de informação local dinâmicos e inclusivos. Todos os anos, nosso trabalho capacita e fortalece dezenas de organizações de mídia independente e centenas de profissionais de mídia local em alguns dos ambientes mais desafiadores do mundo. Estamos criando uma nova geração de profissionais que combinam uma sólida formação com jornalismo ético e competências nas novas tecnologias de comunicação digital para apoiar os cidadãos e consumidores locais.

SOBRE A PESQUISA Este relatório é baseado em pesquisas realizadas no Brasil, na Índia e no Quênia em 2013. O objetivo da pesquisa foi avaliar o papel desempenhado atualmente pela mídia na proteção e promoção dos direitos da criança. Essa pesquisa é a base de um programa de três anos que visa levar os meios de comunicação a exibir reportagens sobre os direitos das crianças, abordando especificamente o abandono infantil e a disponibilização de informação de alta qualidade para mídias, cidadãos e atores políticos.


INTRODUÇÃO

INTRODUÇÃO

Esforços nacionais e internacionais estão sendo implementados em todos os continentes a fim de acabar com o abuso sistemático aos direitos da criança. Ainda assim, níveis assustadores de violações de direitos da criança permanecem. Somente nos três países, Índia, Quênia e Brasil, centenas de milhões de crianças sofrem de fome, de desabrigamento, de analfabetismo, de abusos sexuais e físicos, e são submetidos a trabalho forçado, além de outros riscos diversos e complexos. O número de crianças em risco hoje nesses três países é assombroso – quase 300 milhões de crianças (mais da metade da população infantil) vivem em condições nas quais seus direitos básicos são violados 1 . De modo a confrontar e reduzir os persistentes e altos índices de violação dos direitos da criança, a Internews Europe, com o auxílio da IKEA Foundation, avaliou como o poder da mídia e da comunicação pode exercer um papel nos esforços a mudar de forma fundamental e sustentável a questão da proteção dos direitos da criança na Índia, no Quênia e no Brasil. A Internews Europe acredita que conteúdos da mídia de alta qualidade e debate público que incluem as visões das crianças e dos defensores especialistas e que explicam questões de regulamentação, podem contribuir para esforços mais amplos em melhorar o espaço para proteção e promoção dos direitos da criança. Durante o ano de 2013, a Internews Europe desenvolveu uma intensa pesquisa a fim de providenciar evidências que pudessem contribuir para uma estratégia 1

Esta pesquisa foi realizada na Índia, no Quênia e no Brasil durante agosto de 2013 a fim de fornecer um número indicativo de crianças em situação de risco (sendo crianças aquelas com idade entre 0-12 anos; e jovens aqueles entre 13-18 anos). Não há nenhum dado quantitativo disponível sobre cada país. Ao invés, indicadores relevantes de dados foram organizados pelas equipes de pesquisa de cada país e uma avaliação lógica do percentual total de crianças em situação de risco foi suposta. A pesquisa identificou que mais da metade das crianças na Índia, no Quênia e no Brasil enfrentam fatores de risco complexos e sérios em relação aos seus direitos básicos e bem-estar. A somatória dos números dos três países foi avaliando como sendo de 279 milhões de crianças em risco; e o número por país de: Índia, 236,5 milhões; Quênia, 10,65 milhões; Brasil, 32 milhões.

a longo prazo de melhorar os modos pelos quais os direitos da criança são relatados, debatidos, abordados e defendidos em diferentes contextos. As pesquisas realizadas na Índia, no Quênia e no Brasil foram utilizadas como referências para compreender como aproveitar o poder da mídia tradicional (TV, jornais impressos e rádio) e da nova mídia (Internet e dispositivos móveis) de modo a amplificar as visões dos defensores dos direitos da criança e das crianças, a melhorar a cobertura da mídia e a transformar o cenário de proteção infantil. Pesquisadores locais de cada país conduziram uma abrangente pesquisa primária e secundária de modo a compreender as práticas atuais da mídia e como ela se relaciona com as visões da juventude e dos defensores de forma a criar um “ecossistema informacional” que possa prejudicar ou ajudar na proteção dos direitos da criança. Além disso, foi realizada uma análise aprofundada a respeito dos conteúdos produzidos pela nova mídia e pela mídia tradicional nesses países a fim de compreender a qualidade e a quantidade de cobertura sobre violações de direitos da criança e de debates relacionados sobre políticas públicas. Esse relatório apresenta uma visão geral dos resultados da pesquisa e análise realizadas. Ela apresenta também o conceito do formato de um programa – utilizando a pesquisa como base e enquadrada no contexto dos três países testes – que possa melhorar radicalmente o cenário dos direitos da criança nesses três países e que possa ser adotado para aplicação mais ampla. O conceito do formato do programa está proposto na seção final deste relatório (veja “O caminho a seguir: sumário geral e recomendações”). Trata-se de um abordagem baseada em evidências à atividades que envolvem todos os atores principais: mídia, defensores e sociedade civil, legisladores e governo, e crianças e jovens.

5


PROTEÇÃO DE DIREITOS DA CRIANÇA: O PAPEL DA MÍDIA LIÇÕES DO BRASIL, ÍNDIA E QUÊNIA

6

PRINCIPAIS CONSTATAÇÕES E SUMÁRIO DE RECOMENDAÇÕES Há um enorme potencial e necessidade da mídia e dos meios de comunicação em contribuir para a proteção dos direitos da criança. Contudo, a realidade de se atingir esse objetivo não é tão simples quanto parece. Como descrito por esse relatório, uma larga gama de fatores inibem atualmente a mídia nos três países abordados – Índia, Brasil e Quênia – de exercer sua função plena em promover a conscientização dos direitos da criança, assim como ajudá-las a perceberem seus próprios direitos e a reivindicarem a responsabilidade governamental. As questões cruciais identificadas de forma ampla nos três países incluem:

Ausência das vozes das crianças: Uma atitude condescendente em relação às crianças e aos adolescentes limita severamente o espaço disponível a elas na mídia de massa, excluindo assim sua participação do debate público sobre seus próprios direitos.

Falta de cobertura midiática: Não há uma cobertura midiática ou um compartilhamento de informações a respeitos das questões sobre o direito da criança que seja significativo, realisto e socialmente relevante.

Falta de profissionalismo: Reportagens sobre direitos e questões da criança não são reconhecidas amplamente como um campo específico, e isso significa que não há muitos jornalistas motivados ou até mesmo capacitados a produzirem uma cobertura mais profunda sobre estas questões. Essa negligência tem suas origens na formação jornalística e se estende à praticamente todas às redações.

Falta de cooperação entre mídia e organizações da sociedade civil: Praticamente em todos os cantos, a Internews Europe identificou um alto nível de desconfiança entre mídia e defensores dos direitos da criança. Ambos os lados não compreendem de fato as necessidades e expectativas do outro, e consideram difícil trabalhar juntos.

Um jovem fotógrafo. @ AGENCE VEKHA / ISTOCK

tilhadas entre os principais interessados de modo a destacarem a dinâmica positiva e as pressões previstas na teoria da mudança, delineada no nosso capítulo de abertura.

SUMÁRIO DE RECOMENDAÇÕES (CONSULTE A PÁGINA 72 PARA LER TODAS AS RECOMENDAÇÕES): 1. Formar mais jovens jornalistas, ao treiná-los a produzirem ou comandarem programas e estações de rádio, e ao criar centros ou agências midiáticas de jovens. 2. Estabelecer incentivos para jornalistas a se especializarem nos direitos da criança, incluindo programas de treinamento especializados, financiamentos e prêmios de reconhecimento às melhores reportagens sobre questões dos direitos da criança.

Ausência de regulamentações: Recomendações éticas a respeito dos direitos da criança são pouco conhecidas e mal implementadas.

3. Melhorar as relações entre organizações da sociedade civil e mídia por meio de oficinas, redes, visitas de campo e treinamento. 4. Establish and monitor guidelines for reporting child rights.

Devido a essas questões, as informações cruciais sobre os direitos da criança não estão sendo compar-

4. Estabelecer e acompanhar as regulamentações e guias para se abordar os direitos da criança.


INTRODUÇÃO

Material distribuído aos membros da união pela criança Bal Mazdoor na Índia retratando abuso policial de crianças. Mantido por uma ONG chamada Butterflies, a união atua como um fórum por meio do qual crianças podem compartilhar suas preocupações e lutar por seus direitos. © STUART FREEDMAN / PANOS

A TEORIA DA MUDANÇA DA INTERNEWS EUROPE A teoria da mudança que serve de base para nossa crença no poder da comunicação em proteger os direitos da criança (e das ações que sugerimos para atingir tal objetivo) é: Se a mídia, a sociedade civil e as crianças e jovens forem empoderados de modo a fornecerem informações válidas, confiáveis e realistas que sejam amplamente compartilhadas com e entre cidadãos, educando pessoas por toda uma sociedade sobre os direitos da criança como membros plenos e protegidos com base nos padrões internacionais,

e se notícias e informações educativas são também compartilhadas dessa mesma forma sobre reais e contínuas violações desses direitos e dos meios de aprimorar sua proteção – integrando e ampliando as vozes da sociedade civil como defensoras e das crianças e jovens como seus melhores representantes Então uma sociedade compreenderá os padrões adequados para tratamento e proteção de suas crianças; pressões serão exercidas sobre os governos de modo a melhorarem a proteção jurídica (tanto através da codificação das leis quanto da implementação destas); e indivíduos como pais, professores, vizinhos e crianças incorporarão essas normas e sistemas de proteção e as praticarão em seu cotidiano, e assim melhorando radicalmente a

7


PROTEÇÃO DE DIREITOS DA CRIANÇA: O PAPEL DA MÍDIA LIÇÕES DO BRASIL, ÍNDIA E QUÊNIA

8

MÉTODO DE PESQUISA A Internews Europe encomendou uma série de três análises profundas e in loco de situação e de segmento da mídia e dos direitos da criança no Quênia, na Índia e no Brasil em 2013. Além dessas pesquisas, um estudo de análise técnica dos conteúdos da mídia foi conduzido por Douglas Gould & Co,1 , o qual examinou e analisou conteúdos informacionais e de notícia dos principais veículos de comunicação e conteúdos de mídia sociais relevantes aos direitos da criança. Abaixo é apresentada uma breve descrição da pesquisa. Nos capítulos direcionados aos países podem ser encont rados re su lt ados ma i s det a l hados d a pe squ isa re a l i zada.

ANÁLISE DE SITUAÇÃO E DE SETOR NOS PAÍSES A análise de situação e de setor nos países foi primariamente uma pesquisa qualitativa que examinava fontes secundárias existentes assim como informação qualitativa obtidas por fontes primárias por meio de entrevistas e debates em grupos focais realizados. Esta análise investigou o amplo cenário da mídia e da organização da sociedade civil (OSC) e incorporou avaliações gerais sobre os conteúdos de notícias e informacionais produzidos por todas as plataformas midiáticas, assim como sobre os conteúdos e programas dirigidos para crianças; o atual engajamento do setor profissional da mídia nos direitos da criança; e as atividades do setor dos OSCs e dos defensores relacionados aos direitos da criança. Além de organizar, resumir e analisar dados, essa pesquisa também identificou oportunidades e providenciou recomendações para a realização de intervenções potenciais relevantes que possam ampliar o uso da mídia em comunicar sobre os direitos da criança. As análises dos setores nos países foram comissionadas como uma pesquisa de três partes, cujos resultados são apresentados nesse relatório dentro do capítulo de cada país.

METODOLOGIA Parte I desta pesquisa, “A reportagem da mídia e dos direitos da criança”, foi conduzida em agosto de

1

O Missed opportunities: How media in India, Kenya and Brazil present child rights, Douglas Gould and Company (DG&Co.), 2013.

2013 e buscou a compreensão das plataformas e audiências da mídia existente. O objetivo principal dessa seção era identificar e avaliar as plataformas midiáticas usadas por crianças e jovens, por familiares e organizações de direitos da criança, e por elaboradores de políticas e gestores, para compartilhamento de informação, para educação e para entretenimento. Outro objetivo era destacar aqueles setores que providenciam oportunidades para futuras expansões em termos de acesso e cobertura de informação. Parte II desta pesquisa, “A perspectiva da mídia”, foi conduzida em setembro de 2013 e avaliava os modos de abordagem da mídia a respeito dos direitos da criança, isto é, o modo pelo qual as violações, as políticas públicas, os aspectos sociais e políticos dos direitos da criança são geralmente apresentados ao público por meio de uma variedade de plataformas. Foram realizados grupos focais e entrevistas com profissionais da mídia – incluindo proprietários e jornalistas – em várias cidades nos três países a fim de trazer visões a respeito do potencial das atividades da mídia sobre direitos da criança, assim como discutir detalhes do cenário atual da mídia. Além disso, as interações da mídia durante essa fase da pesquisa ajudou a identificar estratégias para melhorar e desenvolver padrões de coberturas, e para melhor envolver as crianças e os seus defensores na cobertura da mídia sobre os direitos da criança. A fase final da pesquisa nos países, a Parte III, “A perspectiva da sociedade civil”, foi realizada em outubro de 2013. Ela envolveu diretamente defensores dos direitos da criança e sociedade civil de modo a compreender como a mídia é usada atualmente pela sociedade civil para apresentar informações e influenciar o discurso sobre os direitos da criança; e de modo a descrever como a sociedade civil pode ser melhor apoiada para se relacionar com a mídia e usar a seu potencial para melhorar a defesa, o engajamento e empoderamento das crianças e dos jovens. Foram realizados grupos focais com a sociedade civil e entrevistas individuais em várias cidades dos três países a fim de discutir as especificações do setor da OSC, as tendências no uso da mídia, e para compilar sugestões dos defensores dos direitos das crianças sobre como a sociedade civil pode ser apoiada para proteger os direitos da criança por meio da mídia. Por meio de uma combinação de revisão documental e entrevistas individuais com funcionários do governo, a pesquisa também analisou as atuais políticas governamentais e discursos públicos sobre os direitos da criança de modo a ajudar a informar como melhor apoiar os defensores da causa, a mídia e o governo em


INTRODUÇÃO

Membros de uma comunidade participante de um projeto que busca criar diálogos entre cidadãos, mídia e autoridades locais no Paquistão, em 2012. © INTERNEWS EUROPE / IMRAN BABUR

uma resposta conjunta para aprimorar políticas governamentais de proteção a crianças e sua implementação.

ANÁLISE DE CONTEÚDO DA MÍDIA O estudo de análise de conteúdo1 avalia a quantidade e qualidade (avaliada em uma escala de 9 pontos – veja quadro na página 9) da cobertura jornalística sobre os direitos da criança e da cobertura de informações e programações infantis, concentrando-se em alguns dos maiores e mais influentes canais de notícias, de informação e de programas da Índia, Brasil e Quênia. Este estudo também mensurou o tráfego das redes sociais associado às violações dos direitos da criança e debates públicos específicos de cada país.

METODOLOGIA Foi selecionado em cada país um conjunto de veículos de televisão e jornais, assim como programas de notícia e informação em rádios, com base no tamanho das suas audiências e na sua habilidade de influenciar políticas públicas e o debate público. Nesta etapa, uma diversidade geográfica e de línguas foi estabelecida. Enquanto que muitos canais de TV eram plataformas nacionais, as 1

Missed opportunities: How media in India, Kenya and Brazil present child rights, Douglas Gould and Company (DG&Co.), 2013.

rádios e os jornais tenderam a serem locais. Os aspectos técnicos relacionados à necessidade dos pesquisadores em obterem acesso aos conteúdos dessas plataformas tiveram um papel relevante em sua seleção final. Especificamente, as mídias impressas e as televisivas selecionadas tinham que ter um site que pudesse ser buscado; enquanto que para a seleção das rádios, era necessário que os programas relevantes para o estudo tivessem transmissão ao vivo. Pesquisadores locais de mídias lideraram os processos de seleção, providenciando conhecimento e experiência local. Em colaboração com os pesquisadores locais, pelo menos sete – e no máximo 10 – mídias por país, tanto de mídia impressa quanto televisiva, foram identificadas. No que tange ao fluxo da mídia social a respeito dos direitos da criança, uma análise da mídia social de alto nível foi conduzida utilizando o banco de dados da ferramenta Radian6, testando o uso da mídia social para comunicar incidentes relativos aos direitos da criança (isto é, em como as plataformas de mídia social são usadas para compartilhar informações sobre questões dos direitos da criança), e para comunicar sobre políticas sobre os direitos da criança (isto é, como os defensores dos direitos da criança, políticos, e etc. usam a mídia social para compartilhar informação relacionada à legislação, às práticas e às políticas públicas dos direitos da criança). A busca por mídia impressa e televisiva foi conduzida em junho de 2013, enquanto que para a cobertura radiofônica

9


PROTEÇÃO DE DIREITOS DA CRIANÇA: O PAPEL DA MÍDIA LIÇÕES DO BRASIL, ÍNDIA E QUÊNIA

10

Jovens Somalis aguardam para entrar no campo de refugiados Ifo em Dadaab, no Quênia, 2011. O acesso à informação, especialmente nos campos de refugiados, é particularmente vital, mas é com frequência difícil. © INTERNEWS EUROPE / MERIDITH KOHUT

a equipe de pesquisadores das mídias escutaram a programas transmitidos ao vivo durante agosto de 2013. A metodologia variou devido ao fato da cobertura de notícia radiofônica não ser, de forma geral, arquivada e, portanto, não havia uma amostra histórica. O período de busca para a mídia social variou de país para país; foram aproximadamente 35 a 45 dias de dados das mídias sociais analisados por país. Uma busca inicial das mídias selecionadas de cada país forneceu um conjunto de dados dos quais uma amostra

de análise foi selecionada aleatoriamente. Do conjunto de dados de cada país, foi coletada uma amostra menor para estudo (100 itens de notícias da mídia impressa/ TV, mais um número variável de notícias de rádio por país). O conteúdo coletado foi então examinado de perto para avaliar o tipo de cobertura, a qualidade da cobertura e o conteúdo sobre direitos da criança, baseado em uma escala de nove pontos; os porta-vozes; a ocorrência dos conteúdos produzidos por crianças e jovens; e os conteúdos produzidos pelos defensores desses direitos.

A ESCALA VARIÁVEL DE NOVE PONTOS Para avaliar a qualidade e a cobertura da mídia a respeito dos direitos da criança, foi criado um sistema de notação de nove pontos com variáveis baseadas na qualidade, e na profundidade e contexto da cobertura. Os fatores de qualidade, retirados do International Federation of Journalists (IFJ) 1, avaliaram a qualidade do conteúdo baseado em quão bem ele: l evita estereótipos sobre a criança, como retratá-las como vítimas indefesas l evita uma cobertura sensacionalista de crimes ou violações dos direitos da criança l protege a privacidade das crianças l amplifica as vozes das crianças l e verifica informações providenciadas pelas crianças. As variáveis mensurando a profundidade e contexto da cobertura2 examinaram a inclusão da discussão: l sobre políticas e legislação relevantes l sobre a possibilidade de melhoria e de modos de solução de um problema l e sobre a informação sobre como crianças e familiares podem proteger os direitos da criança e buscarem ajuda. 1

Em 2011, o International Federation of Journalists (IFJ) adotou 11 diretrizes para apoiar a mídia em atingir esse padrão de qualidade de cobertura. A lista completa das diretrizes do IFJ pode ser encontrada em: http://www.ifj.org/assets/docs/247/254/cf73bf7-c75e9fe.pdf

2

A cobertura sensacionalista é definida como: “Parcialidade editorial em relação a questões dramáticas ou altamente emocionais, provocando deliberadamente controvérsias e distorcendo fatos para aumentar a audiência ou público; exploração de um ou mais elementos em uma história enquanto ignora fatos ou questões contextuais ou políticas importantes; tirando incidentes de proporção ao generalizar as ações de uma minoria em relação ao todo, exagerando, disseminando medo, etc.”


1 BRAZIL: TRANSFORMANDO COMO CRIANÇAS SÃO VISTAS E OUVIDAS

1 BRASIL: TRANSFORMANDO COMO CRIANÇAS SÃO VISTAS E OUVIDAS O forte crescimento econômico e de emprego no Brasil apresentam ao Estado o desafio de traduzir esse crescimento em melhoria de vida das populações mais vulneráveis do país, incluindo a proteção integral dos mais de 63 milhões de crianças e adolescentes que compõem um terço da população do Brasil 45 % dos quais vivem abaixo da linha de pobreza1 . Buscar uma avaliação precisa do número de crianças em risco no Brasil é um desafio, pois a maioria das pesquisas desenvolvidas são baseadas em dados de residências, significando que crianças moradoras de ruas ou de favelas - que enfrentam grandes dificuldades – são subestimadas. Crianças no Brasil enfrentam múltiplos riscos diariamente, incluindo mortalidade infantil, trabalho infantil, exploração infantil, violência, desnutrição, HIV/AIDS, educação deficiente e baixos níveis de matrículas escolares. As estimativas do número de crianças moradoras de ruas varia largamente, com alguns sugerindo taxas até 8 milhões. Exploração sexual de crianças e adolescentes é também uma questão de grande visibilidade no Brasil, e ainda que a sociedade tenha se tornado mais sensível ao assunto, são obstáculos persistentes a impunidade dos perpetradores e a falta de implementação e tradução inadequada da política em ação. Ademais, as altas taxas de prisão de jovens impõe um grande dilema – dos 345.000 jovens e adultos infratores no Brasil, 17,4% são crianças e adolescentes com menos de 18 anos. De acordo com a Secretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, cerca de 70% dos jovens transgressores acabam por cometer novos crimes após saírem da prisão2. A imagem desses jovens na mídia como “um perigo à sociedade” os expõe a outros riscos e coloca suas perspectivas futuras em questão.

1

‘Mais de 27 milhões de crianças vivem na pobreza no Brasil, diz Unicef’, Folha Online, 09 de dezembro de 2004. Disponível em http://www1. folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u79092.shtml . Acessado em 17 de dezembro de 2013.

2

Dimenstein, Gilberto. ‘Menores infratores representam 17,4% da população carcerária do país’, Folha de São Paulo, 24 de Novembro de 2003. Disponível em: http://bit.ly/18xocRA. Acessado em 17 de Dezembro de 2013.

BRAZIL Salvador da Bahia Brasilia

Sao Paulo Rio de Janeiro

POLÍTICAS E PRÁTICAS GOVERNAMENTAIS PARA OS DIREITOS DA CRIANÇA A regulamentação mais importante para os direitos da criança no Brasil é o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), aprovado em 1990 e seguindo a Convenção dos Direitos da Criança e do Adolescente. É um marco na consagração das crianças como cidadãos com direitos e tem sido um instrumento muito importante para instituir diretrizes para a sociedade civil e para legisladores. O Estatuto regulamenta o Artigo 227 da Constituição Federal brasileira, o qual atribui prioridade à proteção dos direitos das crianças. A ECA também criou o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), responsável pela elaboração de diretrizes gerais para políticas dos direitos da criança e por avaliar a eficácia das políticas nacionais de direitos da criança. Outros marcos legais que contribuem para a promoção dos direitos da criança são: Portaria de n. 20 (2001), a qual proíbe qualquer tipo de trabalho infantil com idade inferior à 16 anos ; Portaria de n. 1201 (Junho de 2007) que regulamenta o sistema de classificação etária de programas de TV e a Emenda Constitucional de n. 59 (2009) , a qual torna a educação uma obrigatoriedade para crianças entre 4 e 17 anos de idade.

11


PROTEÇÃO DE DIREITOS DA CRIANÇA: O PAPEL DA MÍDIA LIÇÕES DO BRASIL, ÍNDIA E QUÊNIA

12

20 (2001), prohibiting any kind of child labour under the age of 16;1 Ordinance no. 1201 (June 2007), regulating the TV rating system;2 and Constitutional Amendment 59 (2009),3 making education obligatory for children between the ages of 4-17.

e a elite, mas não entre as classes sociais menos privilegiadas. Os altos preços das taxas de conexão de Internet limitam a inclusão, explicando porquê 80% dos grupos com a renda mais baixa não usaram a Internet, e apenas 10% das residências em áreas rurais têm conexão à Internet7.

I. PANORAMA DA MÍDIA BRASILEIRA

PADRÕES DE AUDIÊNCIA DA TV NO BRASIL

A mídia no Brasil desempenha um importante papel na formação de debates e perspectivas da sociedade sobre os direitos da criança no Brasil, já que possui o potencial de ampliar o escopo do debate para uma grande audiência. No entanto, com a concentração dos veículos de comunicação nas mãos de poucos com poder, é extremamente desafiador discutir e manter um bom debate sobre questões sociais e direitos humanos na mídia. Há, portanto, uma grande necessidade de melhorar os meios de comunicação e a cobertura dos direitos das crianças, como enfatizado por muitos educadores e gestores públicos.

Os padrões de audiência das emissoras de TV nas redes mais importantes, como divulgado pelo Ibope em 2012, são as seguintes: Globo com 14,7%; Record com 6,2%; SBT com 5,6%; Band com 2,5% e RedeTV! Com 0,9% da parcela de audiência. Uma das razões da grande audiência da Globo se deve à importância das novelas na cultura brasileira. No horário nobre, entre 7 e 10 horas da noite, as principais novelas da Globo atingem 35% da audiência8. As novelas frequentemente incluem discussões sobre importantes questões sociais, e são conhecidas por terem um significativo impacto na sociedade brasileira. Assim, é essencial que esta as questões sobre crianças e adolescentes sejam abordadas nesses ou durante esses programas.

A mídia brasileira forma um sistema complexo e multidimensional, com diferentes níveis de poder e estratégias de comunicação. Dados do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) de 2013 mostram que as redes de televisão alcançam 97% dos brasileiros e 90% deles têm acesso à rádio, demonstrando a importância dos meios de comunicação de massa no Brasil4 . De acordo com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), todas as 5.565 cidades brasileiras possuem cobertura das redes de televisão, porém apenas 270 cidades têm acesso à TV a cabo5 . O uso da internet tem crescido rapidamente - de acordo com o Centro de Estudos de Comunicação e Tecnologia da Informação, 49% dos brasileiros têm acesso à Internet6 . Além disso, os brasileiros gastaram em média 27 horas por mês na internet em 2012. É importante enfatizar que a Internet é um serviço utilizado por um grande público entre a classe média 1

Veja em http://www.andi.org.br/sites/default/files/legislacao/p_20010913_20.pdf (acessado em 23 de dezembro de 2013).

2

Veja em http://bit.ly/J87PyX (aessado em 23 de dezembro de 2013).

3

Veja em http://bit.ly/1dpqEqO (acessado em 23 de dezembro de 2013).

4

Ibope, Media Book. Disponível em http://www.mediabook.ibope.com/ (acesso em 17 de dezembro, 2013).

5

Proposta de Novo Regulamento do Serviço de TV a Cabo. Brasília, 29 de junho, 2011. Disponível em http://bit.ly/18TzWvI (acesso em 17 de dezembro, 2013).

6

Sallowicz, Mariana. ‘Acesso à internet no Brasil cresce, mas 53% da população ainda não usa a rede’, Folha Online, de 16 de maio de 2013. Disponível em http://bit.ly/18UAthc (acessado em 17 de dezembro de 2013).

As tendências de audiência da televisão a cabo continuam sendo lideradas pelas grandes emissoras e são as seguintes: a Globo atrai 37%; Record 11%; SBT 6,4%; Band 3,7%; Discovery Kids 3,1%; SporTV 2,6%; Cartoon Network 2,3 %; Disney Channel 1,8%; Nickelodeon 1,5% e RedeTV! 0,9% da audiência. A presença da programação com conteúdo infantil na TV a cabo, comparada com a da televisão aberta, é notável e estes canais capturam um pequeno, mas registrado, segmento da audiência. No entanto, é importante ressaltar que apenas 25% dos brasileiros têm acesso à TV a cabo, comparados com os quase 100% de acesso a TV aberta (Anatel)9.

7

Maciel, Camila. ‘Acesso à internet alcança 40% das residências brasileiras, aponta pesquisa’, Agência Brasil, de 20 de junho de 2013. Disponível em http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-06-20/acesso-internetalcanca-40-das-residencias-brasileiras-aponta-pesquisa (acessado em 17 de dezembro de 2013).

8

Feltrin, Ricardo. ‘Ibope da Globo em horário nobre fica 'estagnado' em 2013’, UOL Notícia, 6 de agosto de 2013. Disponível em http://bit. ly/1fCrS4r (acessado em 17 de dezembro de 2013).

9

‘Cerca de 49 milhões de brasileiros tem TV por assinatura’, Agência Brasil, 8 de agosto de 2012. Disponível em http://bit.ly/1hZJ9Ie (acessado em 17 de dezembro de 2013).


1 BRAZIL: TRANSFORMANDO COMO CRIANÇAS SÃO VISTAS E OUVIDAS

Caixa de Surpresas é uma organização não governamental situada em uma comunidade que busca reduzir a vulnerabilidade dos jovens moradores de Bangú, no Brasil. Muitos desses jovens moram na comunidade situada ao longo da linha de trens. Caixa de Surpresas se apoiam sobre a criatividade e inteligência dos jovens ao engajá-los nas artes musicais e performáticas que os ajudam superar suas dificuldades sociais e psicológicas. © TIANA MARKOVA-GOLD

Em termos de concentração, os jornais são pouco diferentes dos veículos de rádio e televisão, mas ainda continua sendo uma questão. Há muitos jornais de pequena circulação em todo o país, geralmente controlados por um grupo político, e poucos com uma cobertura mais ampla. Os 10 maiores jornais de grande circulação são de propriedade de cinco empresas de comunicação1 . Além disso, é muito comum que as agências de notícias comprem seus conteúdo de jornais maiores, restringindo ainda mais a diversidade de conteúdo publicado. De acordo com relatório do Ministério das Comuni1

Pesquisa do Instituto Verificador de Circulação (IVC). Disponível em http://bit.ly/1fCy3Fx (acessado em 17 de dezembro de 2013).

cações do Brasil, a rádio atinge 88% da população de todas as classes sociais2. No entanto, a audiência das rádios é fragmentada e localizada. Portanto, a pesquisa e a seleção das estações para este relatório foram baseadas nas pesquisas locais realizadas pelo Ibope3 (que revelam as principais estações em cidades específicas) e no seu escopo de coberturas midiáticas. Estações de rádio são identificadas como redes capazes de chegar a diferentes partes do país, classes e grupos sociais. 2

Craide, Sabrina. ‘Rádio está presente em 88% das residências e número de emissoras dobra em 10 anos’, Agência Brasil, 13 de fevereiro de 2013. Disponível em http://bit.ly/JEAE7t (acessado em 17 de dezembro de 2013).

3

Sobre a metodologia do Ibope usada para a pesquisa da audiência das rádios, veja Figueiredo, O. and Ursini, N. ‘O radio em números’, Meio&Mensagem Magazine, 4 de maio de 2012. Disponível em http://bit. ly/18UAcuu (acessaddo em 17 de dezembro de 2013).

13


PROTEÇÃO DE DIREITOS DA CRIANÇA: O PAPEL DA MÍDIA LIÇÕES DO BRASIL, ÍNDIA E QUÊNIA

14

CRIAÇAS E TV: UMA AUDIÊNCIA INVISÍVEL W Ainda que quase todas as crianças e jovens tenham acesso à televisão no Brasil, a limitação de programas destinados às crianças significa que elas vêem pouco conteúdo relativo às suas experiências e circunstâncias - uma situação agravada pela falta de suplementos jornalísticos para crianças e/ou sobre a infância. A não existência de programas midiáticos para o empoderamento de crianças e adolescentes é outro ponto fundamental. Especialistas da mídia destacaram que os projetos e iniciativas com foco nas crianças são escassos, frequentemente enfrentam dificuldades para garantir financiamento e têm pouco impacto sobre o público em geral. O índice de penetração da televisão é de 94.5% entre crianças de 6 a 9 anos, e de 96.3% entre adolescentes com idades entre 10 e 18 anos, de acordo com pesquisa do grupo Interactive Generation Brazil1 . No entanto, a maior emissora de TV, a Rede Globo, fornece apenas um quadro infantil, nas manhãs de sábado. Além disso, os poucos programas que são oferecidos às crianças pela TV aberta são todos nacionais, deixando uma ausência completa de programação infantil regional. Na TV a cabo, entretanto, há alguns canais de desenho animado para crianças, e os mais assistidos em ordem decrescente são: Cartoon Network, DiscoveryKids, Nickelodeon e o Gloob - o canal infantil da TV Globo. Embora haja de forma geral mais programas na TV aberta voltados para adolescentes e jovens do que para crianças, todos carecem de uma discussão mais profunda sobre as questões dos direitos da criança e do adolescente. No entanto, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 78% dos adolescentes assistem televisão por pelo menos duas horas por dia2. Na TV a cabo, os principais canais são aqueles que mostram séries, filmes e esportes, mas há um bom programa semanal produzido pela ONG Afroregae, que discute questões importantes, chamado Conexões Urbanas. Entretanto, alguns dos programas da Globo tocam 1

Passarelli, B, and Junqueira, A.H. Gerações Interativas Brasil: crianças e adolescentes diante das telas. São Paulo: Escola do Futuro/USP, 2012. Disponível em http://bit.ly/1bc9pGL (acessado em 17 de dezembro de 2013).

2

Leal, Luciana N, and Neder, V. ‘Jovens se alimentam mal, se exercitam pouco e vêem TV demais, mostra pesquisa’, O Estado de São Paulo, 19 de junho de 2013. Disponível em http://bit.ly/11VoMPb (acessado em 17 de dezembro de 2013).

Um jovem participante do projeto Quixote que trabalha com crianças moradoras de rua em São Paulo. © EDUARDO MARTINO /

em uma grande variedade de assuntos sociais. Esquenta aborda questões relacionadas à cultura popular e, especificamente, às favelas; Na moral é um programa de entrevistas que aborda temas como aborto, drogas, mercado de trabalho e etc.; Profissão Repórter é um programa semanal de reportagem feito por jovens jornalistas; e Malhação é uma novela diária que aborda assuntos de adolescentes e jovens. Outros canais como a Band oferecem programas como o CQC, em formato de comédia jornalística que discute política e políticos; TV Cultura, através do programa Manos e Minas, explora culturas hip-hop, e também transmite Pedro e Bianca, uma série de TV para adolescentes, e Quem sabe, sabe!, um game show educativo. Ao mesmo tempo, a TV Brasil vai ao ar com o Estúdio Móvel, um programa sobre juventude, arte e cultura.


1 BRAZIL: TRANSFORMANDO COMO CRIANÇAS SÃO VISTAS E OUVIDAS

PRINCIPAIS DESCOBERTAS DO ESTUDO 1 DA INTERNEWS EUROPE ANALISANDO OS CONTEÚDOS SOBRE DIREITOS DA CRIANÇA NA MÍDIA IMPRESSA, TELEVISIVA, RADIOFÔNICA E DA MÍDIA SOCIAL. •

Na pesquisa realizada para este relatório, 25% das notícias selecionadas do Brasil incluíram um contexto mais amplo sobre os direitos da criança. O assunto responsável pelo maior percentual da cobertura, em todos os veículos de comunicação tradicionais, foi a saúde da criança/nutrição (26%), seguido por abuso físico ou sexual de crianças (20%) e trabalho infantil (20%). Destaque para a ausência de histórias sobre casamento infantil, herança, exploração sexual/prostituição infantil e sexualidade/sexo.

A cobertura televisiva sobre questões de direitos da criança foi identificada como sendo significativamente melhor do que a cobertura dos meios impressos ou da rádio.

Histórias no rádio contendo conteúdo sobre direitos da criança somaram 58% do conteúdo de notícias de rádio.

Surpreendentemente 2% das notícias tiveram uma inclinação negativa ou anti-infantil, devido ao intenso debate em meio à comunidade dos defensores das crianças sobre a maioridade penal e criminalização das crianças, enquanto 50% foram positivas / pró-criança e 48% neutras. É interessante notar as diferentes tendências em tópicos de histórias por tipo de mídia. A cobertura televisiva sobre trabalho infantil foi grande, mas não houve nenhuma sobre questões de saúde da criança. Ao mesmo tempo, questões relativas ao tráfico de criança e de saúde foram tópicos significativos na rádio.

1

Enquanto o jornalismo cidadão está em crescimento, especialmente no atual mercado saturado da mídia social, nenhuma das notícias incluídas na amostra aleatória do Brasil pode ser categorizada como de conteúdo desenvolvido por crianças/ jovens, o que significa que não há artigos de jornais, programas de rádio ou segmentos da TV produzidos por crianças ou jovens.

Missed opportunities: How media in India, Kenya and Brazil present child rights, Douglas Gould and Company (DG&Co.), 2013.

A maioria das citações em artigos de jornais ou programas de notícias de rádio, quando aplicáveis, foram atribuídas aos responsáveis pela elaboração de políticas sobre direito da criança, tais como funcionários de governo e legisladores – duas vezes mais frequente que a categoria mais próxima, a de assistente social. Isso mostra que os responsáveis por decisões políticas são vistos como vozes confiáveis e figuras de autoridade – e como pessoas que representam a opinião pública. Por outro lado, 24% das notícias tiveram conteúdos de defensores da causa.

Quase 40% das notícias revelaram a idade da criança, ainda que a mídia não esteja fazendo a mesma distinção de idade que a comunidade dos defensores dos direitos da criança. Elas tendem a usar a idade de uma criança para acrescentar detalhes à história, ao invés de contextualizar sobre os direitos da criança ou políticas públicas, por exemplo no caso de abuso sexual/físico ou de saúde da criança/violações de trabalho infantil. Isso vai de encontro a um debate legislativo que atua como pano de fundo sobre a mudança da idade adulta de 18 para 16 anos, especialmente em relação à criminalização.

O DEBATE SOBRE A REDUÇÃO DA MAIORIDADE CIVIL E PENAL Um editorial do jornal Diário Gaúcho centra-se na questão da política de redução maioridade civil de 18 para 16 anos, e no problema das prisões produzirem crimes violentos. “No centro do debate populista das leis penais, o qual prega de forma confrontante o encarceramento como solução para tudo, temos ouvido, sentido e absorvido dia e noite o lema da redução da maioridade penal, como se isso fosse resolver a criminalidade juvenil. Não que os adolescentes sejam pessoas inocentes, que são incapazes de entender o caráter ilícito dos próprios atos. É exatamente o contrário e está longe disso! Eles podem distinguir o certo do errado e, sim, eles devem ser responsabilizados pelas suas ações. O problema é que as prisões são verdadeiras escolas de criminalidade. Hoje, quase todos os crimes graves foram originados dentro do sistema carcerário, no qual os ofensores coexistem, trocam experiências, planejam e dão ordens de execução para os crimes mais bárbaros. As prisões desempenham o papel de uma universidade (para a criminalidade) até mesmo para adultos, quanto mais para jovens! Com as personalidades deles já em um desvio incipiente, mas ainda assim em (de)formação, eles convivem com ofensores experientes em um ambiente puramente violento, hostil, inóspito e catalisador dessa mesma violência”.

15


PROTEÇÃO DE DIREITOS DA CRIANÇA: O PAPEL DA MÍDIA LIÇÕES DO BRASIL, ÍNDIA E QUÊNIA

16

A correlação entre os dias comemorativos da saúde da criança e de erradicação do trabalho infantil (tais como o Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil, celebrado anualmente no dia 12 de junho, a Campanha Nacional pela Vacinação contra Poliomielite, e a Semana Mundial do Aleitamento Materno), e o nível da cobertura sobre o assunto confirma eventos marcando tal dia, e a publicação de relatórios como gancho de notícias, são uma estratégia bem-sucedida para envolver a mídia brasileira. Estas datas comemorativas podem também ser usadas para aumentar a cobertura editorial e de artigos - 23% dos artigos de jornais impressos estiveram vinculados a alguma data comemorativa, evento ou publicação de relatório. A maior parte desta cobertura foi de notícias diárias, com um editorial e alguns artigos. Notícias sobre saúde da criança (26%) incluiu uma grande variedade de temas, desde a campanha de imunização contra a poliomielite e os benefícios do leite materno à saúde, até obesidade infantil.

A RÁDIO E OS DIREITOS DA CRIANÇA: UM POTENCIAL INEXPLORADO Embora existam iniciativas de rádios comunitárias em todo o país, há uma escassez de programas de rádio para crianças1 . Em geral, a programação da rádio é quase que exclusivamente dedicada a músicas e notícias. No entanto, de acordo com pesquisa realizada em 2003 pelo Instituto Multifocus, 86.5% das crianças ouvem rádio regularmente2. Em 2011, crianças representaram um total de 8% da audiência da rádio, de acordo com pesquisa da Mídia Dados3. Atualmente, existem cinco iniciativas de rádios direcionadas para as crianças4 que são importantes de serem mencionadas: Rádio Brincar, uma iniciativa de rádio web produzida pela Rádio Educativa FM da Bahia; RadioRadinho, uma iniciativa de rádio web que toca música para crianças; Rádio Margarida, uma ONG que produz uma programação educativa para rádio; o programa 1

Riberio, Adriana. ‘Criança ainda ouve rádio?’ In: Revistapontocom, Rio de Janeiro, 19 de outubro de 2012. Disponível em http://www. revistapontocom.org.br/artigos/crianca-ainda-ouve-radio (acessado em 17 de dezembro de 2013).

Viva a Vida, conduzido pela Pastoral da Criança; e o programa Estação Brincadeira, transmitido pela EBC Rio Rádio. Enquanto RadioRadinho está apenas disponível na internet, Rádio Brincar será em breve transmitido em Salvador; e Rádio Margarida e Viva a Vida têm o potencial de serem distribuídos para estações de rádios brasileiras. Estação Brincadeira alcança apenas o Rio de Janeiro. No entanto, a EBC é uma emissora pública que cobre o Norte, Sudeste e Centro-Oeste do país e tem afiliadas por toda parte. Programas que têm adolescentes e jovens como alvo existem, mas eles não se envolvem em discussões profundas sobre os direitos da criança e não possuem conteúdos produzidos por jovens. Estes programas incluem a rede JovemPan, que tem cerca de 70 estações; 20% dos ouvintes têm entre 10 a 17 anos de idade e são principalmente de classes sociais média e alta5. Essa rede cobre vários estados brasileiros e oferece música, notícias e programas de comédia. A leitura de jornal entre crianças e jovens é geralmente baixa, com apenas 5% das crianças entre 10 e 14 anos, de acordo com a Mídia Dados6. Embora haja uma escassez de suplementos específicos para adolescentes e jovens, há seções dedicadas às crianças em jornais como: Folha de São Paulo (São Paulo), Estado de São Paulo (São Paulo), O Dia (Rio de Janeiro), A Tarde (Bahia), O Povo (Ceará), Correio Braziliense (Brasília DF), Diário do Pará (Pará), Jornal do Comércio (Pernambuco) e Zero Hora (Rio Grande do Sul).

INTERNET, TWITTER, CRIANÇA E JOVENS A internet é muito popular entre adolescentes e crianças mais novas, com 60% delas a acessando diariamente; no subgrupo de idade entre 15 e 19 anos, esse número cresce para mais de 70%. Uma pesquisa realizada pelo Interactive Generation Forum, Ibope e Escola do Futuro da Universidade de São Paulo, comparou a quantidade de crianças que possuem computadores por diferentes regiões do Brasil,

contrastando os mais ricos estados do Sul com as regiões menos abastadas do Norte .

5

Barbosa, Alexandre (Coord. executiva e editorial). TIC Kids Online Brasil 2012: pesquisa sobre o uso da Internet por crianças e adolescentes. São Paulo: Comitê Gestor da Internet no Brasil, 2013. Disponível em http:// www.cetic.br/publicacoes/2012/tic-kids-online-2012.pdf (acessado em 12 de dezembro de 2013).

6

Braun, Daniela. ‘Grupo de internautas de 2 a 11 anos cresce 19% em um ano no Brasil’, G1, 13 de junho de 2012. Disponível em http://glo.bo/ MEpTMp (acessado em 17 de dezembro de 2013).

2 Ibid. 3

A Mídia Dados é um instituto que conduz pesquisas sobre o consumo de mídia. A última publicação , ‘Mídia Dados Brasil 201’, está disponível em https://mdb2013.bbi.net.br/ (acessado em 17 de dezembro de 2013).

4

Estudos Marplan research. Disponível em http://issuu.com/jovempan/ docs/portfolio (acessado em 12 de dezembro de 2013).


1 BRAZIL: TRANSFORMANDO COMO CRIANÇAS SÃO VISTAS E OUVIDAS

Crianças usando computadores no Centro Cultural das Crianças (Cecip) na comunidade do Morro dos Macacos, no Rio de Janeiro. © JON SPAULL / PANOS

Propriedade de computador pessoal por criança no Brasil 70 60 50 % de propriedade

40 30 20 10 0 Sudeste

Sul

Norte

Nordeste

17


PROTEÇÃO DE DIREITOS DA CRIANÇA: O PAPEL DA MÍDIA LIÇÕES DO BRASIL, ÍNDIA E QUÊNIA

18

O Facebook, por exemplo, foi utilizado por 61% dos entrevistados. No entanto, seu potencial ainda não tem sido totalmente explorado; o fato das crianças terem seu uso mais limitado à internet do que adolescentes é uma questão: eles não podem ter perfis no Facebook e o uso dessa ferramenta requer um bom nível de alfabetização. Por último, sites frequentados por crianças ou jovens são geralmente visitados por razões de entretenimento. Os mais acessados são os sites de canais de desenhos animados 1 seguidos por alguns sites de jogos educativos. A internet, devido ao intenso uso da mídia social pela classe média e elite brasileira, poderia ser usada para discutir questões a respeito das crianças e adolescentes e para destacar esforços de organizações da sociedade civil nesta área. Além disso, a internet poderia ser utilizada como uma ferramenta para apoiar debates e engajar responsáveis por decisões políticas à influenciar àqueles que possuem interesse na questão. Usando o Radian6, programa líder em análise de mídia social, a equipe de pesquisa analisou o número de menções por palavras-chave relacionadas aos direitos da criança em diferentes mídias social. Verificou-se que o Twitter é a plataforma líder no Brasil em relação a conteúdo de notícias sobre os direitos da criança na mídia social, com uma participação de 55,1% da cobertura sobre o tema; os blogs vieram em seguida com 33,2%; e o Facebook com 11,3%. É interessante perceber que o Orkut, um site de rede social de propriedade e operado do Google, aponta 53% dos usuários como sendo do Brasil2. Identificou-se que, geralmente, incidentes e medidas políticas a respeito das questões de direitos da criança não ressoavam no público das mídias sociais e, portanto, não houve uma conversa real sobre elas. Contudo, as ferramentas das mídias sociais mostraram-se muito eficazes entre crianças e adolescentes – o aumento do debate sobre os direitos da criança através do uso dessas plataformas pode levar a uma maior participação dos jovens no assunto. O uso adequado e a quantidade de mídia social podem ser aumentados ao melhorar e manter perfis de redes sociais das organizações da sociedade civil e de defensores, enquanto estes são treinados para maximizar o uso de ferramentas da mídia social.

II. A PERSPECTIVA DA MÍDIA

1

Braun, Daniela. ‘Grupo de internautas de 2 a 11 anos cresce 19% em um ano no Brasil’, G1, 13 de junho de 2012. Disponível em http://glo.bo/ MEpTMp (acessado em 17 de dezembro de 2013).

2

Veja em http://www.alexa.com/siteinfo/orkut.com.

Os desafios em colocar as questões sobre os direitos da criança e do adolescente na mídia são comumente associados ao baixo nível de compreensão da mídia sobre o assunto e a crescente concorrência pela audiência, levando a uma cobertura sensacionalista que retrata na maioria das vezes crianças e jovens como ameaças para a sociedade. Além disso, profissionais da mídia também perceberam a ausência de uma rede entre defensores dos direitos da criança e mídia que apoiasse coberturas melhores sobre os direitos da criança. Enquanto a mídia tem acesso à sociedade civil como fonte de informação, não há um mecanismo estabelecido para colaborações ou parcerias de longa duração. No entanto, esses desafios também apresentam uma oportunidade para iniciativas que apoiam e engajam profissionais da mídia. Há também oportunidades para se apoiar mídias de comunicação a evitarem violações das diretrizes brasileiras existentes sobre os direitos da criança e do adolescente. Embora algumas organizações tenham tentado implementar tais programas no passado, ainda permanece uma necessidade de uma ação mais ampla e contínua, incluindo a promoção de oficinas e seminários para profissionais e o compartilhamento com a mídia de relatórios sobre a qualidade da cobertura.

AS NOTÍCIAS E OS DIREITOS DA CRIANÇA: AUSÊNCIA DE APROFUNDAMENTO. Nos setores jornalísticos e de informação, o conteúdo sobre os direitos da criança e do adolescente tende a ser limitado à cobertura de fatos, faltando profundidade exceto pela esparsa cobertura de conteúdo educacional e em canais de televisão, estações de rádio e suplementos de jornais para crianças e adolescentes. A questão dos direitos humanos é um tema central no Brasil, devido à sua constante violação em diversos setores. No entanto, de acordo com especialistas da mídia entrevistados para este estudo, veículos de notícias e informações no Brasil tendem a destacar o tema da violência, resultando em uma abordagem demasiadamente sensacionalista sobre questões dos direitos humanos (isto é largamente associado com as redes de televisão Band e Record). Dentro deste contexto, conteúdos melhores sobre os direitos da criança são produzidos quando atrelados à reportagens sobre propostas de novas políticas públicas, projetos do governo ou quando veículos de comunicação escolhem cobrir uma questão específica ou particular dos direitos da criança e do adolescente.


1 BRAZIL: TRANSFORMANDO COMO CRIANÇAS SÃO VISTAS E OUVIDAS

Foram apresentadas diferentes opiniões sobre os motivos principais para as atuais tendências na cobertura midiática sobre os direitos da criança. Alguns profissionais da mídia acreditam que a cobertura atual se deve aos problemas sociais e econômicos do país - significando que a cobertura segue as tendências de criminalidade e violência e apresenta o que as pessoas "querem ver". Outros profissionais da mídia acreditam que isso acontece principalmente devido a própria agenda política e econômica dos veículos de comunicação. Eles argumentam que a agenda parte de crenças ideológicas que beneficiam o status quo da classe alta e que sustentam visões estereotipadas e preconceituosas sobre as classes mais baixas. A violência é, portanto, frequentemente associada à juventude e seu próprio conjunto de características linguísticas. Palavras como 'menor', 'delinquente' e 'menor infrator’ tendem a aparecer com frequência na cobertura da mídia tradicional, reforçando estigmas e estereótipos. Esta abordagem estereotipada sobre uma larga e específica parcela da população pode também ser vista na cobertura midiática sobre os moradores de comunidades/favelas ou de baixa renda, reforçando novamente a desigualdade social. Profissionais da mídia também destacaram que diferentes veículos de mídia produzem uma cobertura direcionada para o perfil de seus consumidores. Assim, diferentes veículos de comunicação adotam estilos que reforçam estereótipos compreendidos como representativos de um grupo específico de sua audiência. Estas práticas não são exclusivas da cobertura sobre os direitos da criança, mas se aplicam a todo conteúdo midiático e influenciam a maneira geral como o conteúdo da mídia é produzido no Brasil. Neste sentido, mudar a forma como a mídia apresenta as questões dos direitos humanos, incluindo os direitos da criança, é um assunto delicado que exige uma mudança não somente na prática, mas também nas convicções e opiniões políticas, requisitando um investimento contínuo e direcionado. Além disso, espera-se que os profissionais da mídia cubram uma grande variedade de assuntos - de economia à esporte - em vez de desenvolver conhecimentos sobre um assunto específico. Os direitos humanos é uma área vasta de conteúdo e tendem a serem apresentados de uma forma mais genérica em vez de serem apresentados através de contextos específicos ou por meio da perspectiva de especialistas. Consequentemente, as questões sobre os direitos da criança são aborda-

dos dentro de um escopo amplo de notícias gerais na mídia brasileira.

ANONIMATO INFANTIL: UM DIREITO IGNORADO A falta de adesão por parte da mídia ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é uma outra questão crítica para a produção de conteúdo sobre os direitos da criança. Por meio do Estatuto, os veículos de comunicação são instruídos a não identificar as crianças e adolescentes sob nenhuma circunstância, protegendo a identidade das crianças em relação às fotografias, qualquer referência ao nome delas (incluindo nome e sobrenome), apelido, filiação, parentesco e residência. No entanto, a mídia frequentemente viola essas diretrizes, às vezes usando iniciais, mostrando o bairro no qual mora a criança e publicando fotos com tarjas pretas sobre seus os olhos (o que não exclui a identificação). Esse tipo de desrespeito ao ECA é especialmente sério em veículos de comunicação pequenos e regionais. Profissionais da mídia destacam, no entanto, que esta situação está atrelada ao fato da mídia ser mal ou ainda não treinada a como lidar com os direitos das crianças e de jovens. Em contraste à produção da mídia tradicional, a internet permite que o conteúdo sobre os direitos da criança seja produzido com pouco ou nenhum custo removendo, portanto, as pressões comerciais e permitindo “patrocínios” individuais ou não comerciais. Como o conteúdo da mídia tradicional é, muitas vezes, baseado em perspectivas políticas, econômicas ou ideológicas, a Internet pode possibilitar a produção de conteúdo sobre questões que em outras circunstâncias são pouco abordadas ou que têm pouco apoio político ou econômico, tal como os direitos da criança. Uma abordagem recente na internet que chamou a atenção da mídia tradicional é o Recontando: um site coordenado pela jornalista Simone Ronzani que reconta o conteúdo de notícias e informações disponível em outros veículos de comunicação. Lançado no início de 2013, o site busca traduzir conteúdo de notícias e informações já produzido para uma linguagem de fácil compreensão para crianças. O projeto de Ronzani foi impulsionado por experiência e interesse pessoais e lançado após a ideia ter sido rejeitada com certa frequência pelos veículos de comunicação tradicionais. Apesar disso, os veículos da mídia social que oferecem grande potencial para melhorar o debate sobre importantes questões dos direitos da criança permanecem subutilizados. Algumas organizações têm um perfil no Twitter e página no Facebook, mas estes permanecem decepcionantes em termos de número e interesse dos usuários, a despeito do relativo alto uso dessas ferramentas pelos jovens.

19


20

PROTEÇÃO DE DIREITOS DA CRIANÇA: O PAPEL DA MÍDIA LIÇÕES DO BRASIL, ÍNDIA E QUÊNIA

Apoiar e promover o Estatuto da Criança e do Adolescente é um passo fundamental em direção à melhoria da compreensão de questões relativas às crianças e à sensibilização dos profissionais da mídia sobre o assunto. Acompanhamento da mídia e produção de diretrizes para a produção de conteúdos também podem ser iniciativas eficazes. Treinamento da mídia sobre como incluir as vozes das crianças e dos jovens em seus conteúdos pode aumentar a conscientização e interesse da mídia em uma produção mais empenhada. A capacitação e promoção de conteúdos produzidos por crianças é outra abordagem importante na amplificação de suas vozes, ao abordar suas opiniões e experiências diárias, especialmente daqueles que são amplamente estigmatizados pela mídia. Iniciativas bem sucedidas incluem conteúdo produzido por meio de projetos educacionais que depois é depois distribuído através de parceira específica, estação de rádio ou jornal, ou que promova este conteúdo diretamente em rede através de meios como o YouTube, Facebook, Twitter, páginas de blogs pessoais ou sites. Investir em projetos educacionais como estes pode ser uma iniciativa importante não apenas para promover o conteúdo produzido para crianças, mas também para promover assuntos sobre os direitos da criança e do adolescente através do seus próprios olhares e linguagens. O treinamento em mídia deve, portanto, não centrar-se apenas em ensinar como produzir e distribuir um determinado conteúdo, mas também apoiar melhores análises e críticas sobre a mídia, propondo uma melhor abordagem sobre os direitos da criança e do adolescente.

PROGRAMAÇÃO INFANTIL: OFERECENDO UMA ABORDAGEM DIFERENTE A programação infantil nas principais plataformas tradicionais brasileiras encontra-se em um estado semelhante ao dos conteúdos de notícias e de informação do país, com pouca ou nenhuma informação ou conteúdo dedicado às questões dos direitos da criança. Quando raramente é apresentado, é como um produto a ser consumido e não um assunto para mobilizar a participação das crianças. No entanto, os conteúdos da TV, rádio e jornal, bem como de revistas e livros infantis, quando inseridos em um contexto educacional, podem oferecer uma abordagem diferente. Esse contexto pode ser incluído ao ensino básico escolar como uma ferramenta central ou auxiliar de aprendizagem. Iniciativas como o projeto Recontando são usadas em atividades em sala de aula e podem abordar variados temas, inclusive os direitos da criança e do adolescente. Programas televisivos como o Telecurso

Filha de Eloi Pereira, Suelen, brinca com o telefone do pai no apartamento obtivo por meio do projeto Cingapura – o apartamento faz parte de um sistema de realocação de famílias moradoras de favelas para conjuntos habitacionais. © EDUARDO MARTINO / PANOS

(tanto na Rede Globo como na TV Brasil) oferecem um conteúdo específico para escolas e podem também ser uma plataforma interessante para se abordar os direitos da criança. Portanto, programas educacionais oferecem uma oportunidade única no aprimoramento de conteúdos sobre os direitos da criança na programação infantil e fornecem uma plataforma para melhor compartilhar notícias e informações sobre os direitos da criança e/ou conteúdo produzido por elas para elas. Para se obterem resultados bem sucedidos, tais iniciativas precisam chegar também até funcionários de escolas, pais e a comunidade como um todo. Além de uma programação educacional, a ampliação da participação das crianças na programação usando uma linguagem de fácil compreensão para a criança e que represente sua linguagem, assim como conteúdos produzidos por crianças, são passos necessários para aumentar e garantir os seus direitos. Outras oportunidades, semelhante à melhoria do conteúdo de notícias e de informação, incluem o apoio e a promoção do Estatuto da Criança e do Adolescente, treinamento da mídia, melhoria das diretrizes existentes, conteúdos direcionados para a internet e conteúdos infantil produzido por crianças. Embora o conteúdo produzido por crianças seja escasso no Brasil, uma exceção que merece ser destacada é a TV Piá (TV Brasil), um programa para crianças que apresenta suas perspectivas por meio de conteúdos criados por elas sobre uma variedade de assuntos. O programa destaca assuntos educacionais, culturais e esportivos e poderia facilmente abordar outros, inclusive direitos da criança.


1 BRAZIL: TRANSFORMANDO COMO CRIANÇAS SÃO VISTAS E OUVIDAS

ATIVIDADE DA MÍDIA EM PROL DA PROTEÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA Diretrizes como o do Estatuto da Criança e do Adolescente e o sistema de classificação etária para conteúdo audiovisual, incluindo filmes, jogos e programas de TV, são medidas importantes para apoiar o direito da criança à privacidade, identidade e imagem. Esta última é conduzida pelo Ministério da Justiça, através do Departamento de Justiça, Classificação, Título e Qualificação (DEJUS) e fortemente apoiado pela Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI). A ANDI lidera outras iniciativas para melhorar o conteúdo midiático relacionado aos direitos da criança, incluindo distribuir livros sobre Políticas Públicas da Comunicação (PPCom) e promover um melhor sistema de regulamentação sobre o conteúdo da mídia. As diretrizes da ANDI reforçam aspectos fundamentais que precisam de mais apoio: treinamento e educação para a mídia, incentivos à produção de qualidade, produção de conteúdo nacional e regional, conteúdo produzido por crianças, direito de imagem e da identidade das crianças, avaliação do impacto de conteúdo, proposições de idade e de horários de programas adequados, regulamentação de publicidade e propaganda, trabalho infantil em veículos de comunicação, e a inclusão e proteção nas novas mídias. O ensino sobre mídias tem sido amplamente explorado por iniciativas das organizações da sociedade civil sobre mídia e direitos humanos no Brasil. Muitos desses projetos centram-se na produção de conteúdo de mídia online, uma vez que é um meio mais democrático e de distribuição mais acessível. Existem três principais projetos que ganharam grande reconhecimento: a Escola Popular de Comunicação Crítica1 da ONG Observatório de Favelas (Rio de Janeiro), a Escola de Jornalismo Cidadão da Bahia e o programa da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM)2 em parceria com a UNESCO . Outra importante iniciativa é o programa de treinamento para jornalistas, cujo foco está na cobertura da mídia sobre os direitos da criança, liderado pela ANDI e pela Universidade Jorge Amado, em Salvador, Bahia. Por último, existem vários prêmios importantes para reportagens sobre os direitos da criança no Brasil, incluindo o Prêmio Jovem Jornalista concedido pela ANDI 1

Veja em http://www.espocc.org.br/ (acessado em 23 de dezembro de 2013).

2

A apresentação do programa está disponível em: http://www.uftm.edu. br/redeci/images/APRESENTACAO.pdf (acessado em 19 de dezembro de 2013)..

para profissionais da mídia que tenham abordado questões sobre crianças; e o Prêmio Tim Lopes e o Prêmio Vladmir Herzog, os quais são concedidos a reportagens de qualidade sobre os direitos humanos.

RELAÇÕES DA MÍDIA COM ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL E GOVERNO Os profissionais da mídia descrevem os defensores dos direitos da criança apenas como fontes, e não os considera como parceiros. A ANDI fornece um mecanismo para fortalecer o diálogo entre mídia e os defensores, mas não providencia uma rede direta para colaboração. Por outro lado, o Observatório de Favelas, organização sem fins lucrativos do Rio de Janeiro, tem servido como um mediador entre mídia e sociedade civil e tem se estabelecido como intermediário e fonte de informação de confiança. O site da organização é frequentemente visitado por profissionais da mídia que busca obter uma perspectiva profissional de especialistas da sociologia, psicologia e dos direitos humanos. Em maioria das vezes, no entanto, a relação entre mídia e organizações da sociedade civil dos direitos da criança é uma via de mão única, servindo às necessidades da mídia. A mídia pode facilmente acessar as organizações através de seus sites e redes sociais, e pode facilmente estabelecer contato sempre que necessário. Por outro lado, o relacionamento no sentido contrário não é fluído ou fácil. Assim, as organizações têm tido grande dificuldades em entrar em contato com veículos e profissionais da mídia, uma vez que falta transparência e responsabilidade de grande parte da mídia e com frequência evitam intencionalmente as aproximações da sociedade civil. Esta aproximação tem criado uma relação tensa entre mídia e organizações da sociedade civil, com os defensores compreendendo a mídia como algo que intencionalmente controla informações e acesso. A internet tem sido frequentemente usada para estabelecer e manter o relacionamento entre mídia e organizações da sociedade civil. Sites de redes sociais são com frequência utilizados pelos profissionais da mídia como um primeiro passo de comunicação, tanto para fazer contato como receber reclamações e relatar sobre violações dos direitos humanos. Assim, a internet é um meio eficaz para melhorar as relações entre organizações da sociedade civil e mídia e, dessa forma, melhorar a cobertura midiática sobre os direitos da criança.

21


22

PROTEÇÃO DE DIREITOS DA CRIANÇA: O PAPEL DA MÍDIA LIÇÕES DO BRASIL, ÍNDIA E QUÊNIA

Infelizmente, não há uma interação permanente ou mútua entre mídia e governo, como também é o caso com as organizações da sociedade civil. A mídia estabelece relações com o governo para, principalmente, obter informações, enquanto o governo se aproxima da mídia para comunicar eventos e campanhas. A relação entre as duas partes é mantida apenas para fins informacionais.

DESAFIOS E OPORTUNIDADES: ENVOLVENDO A MÍDIA NA DEFESA DOS DIREITOS DA CRIANÇA O principal desafio encontrado pela equipe de pesquisa, e corroborado por profissionais da mídia, é a dificuldade de envolver os veículos de comunicação e manter sua atenção e participação em atividades para ampliar e melhorar a área dos direitos da criança. Outro desafio é convencer alguns veículos e profissionais que uma cobertura de qualidade sobre os direitos da criança seria de interesse do público. Nas palavras desses profissionais e pesquisadores, a pressão do mercado pode ser um obstáculo para envolver a mídia nos direitos da criança. Por outro lado, atividades de treinamento e de formação de rede foram identificadas como significativas para os representantes da mídia, ajudando-os a evitar violações de diretrizes e promovendo iniciativas de responsabilidade social. No entanto, durante o período desta pesquisa, houve grandes dificuldades em contatar a maioria dos veículos de comunicação, que demonstraram pouco interesse em participar dos grupos temáticos e se envolver em um diálogo com as organizações da sociedade civil. A Globo, por exemplo, principal veículo de comunicação no Brasil com os maiores números de audiência, recusou convites para participar de nossa pesquisa e claramente revelou uma falta de interesse em atividades externas relacionadas aos direitos da criança, considerando sua própria pesquisa e iniciativas sociais como suficientes. Ademais, os principais veículos de comunicação são frequentemente rejeitados como parceiros pelas organizações da sociedade civil, devido a suas imagens e perspectivas controversas. Inclusive, algumas corporações midiáticas foram acusadas de realizar atividades ilícitas enquanto executavam e promoviam campanhas e atividades de direitos humanos. Como uma observação positiva, vale dizer que o jornal O Dia, do Rio de Janeiro, e o Correio da Bahia, de Salvador, demonstraram interesse em um diálogo inicial e abordam em seus conteúdos questões relativas às comunidades marginalizadas.

III. A PERSPECTIVA DA SOCIEDADE CIVIL ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL E A MÍDIA TRADICIONAL: ENVOLVIMENTO DIVERSIFICADO MAS LIMITADO Organizações da sociedade civil têm formas diversas, mas limitadas de envolver a mídia tradicional em apoiar a defesa dos direitos da criança. A diversidade está nos múltiplos veículos e meios de comunicação para uso, do impresso ao rádio e televisão, enquanto as limitações resultam das ‘restrições’ informais estabelecidas pela mídia sobre o uso de plataformas da sociedade civil. As principais relações estabelecidas entre os defensores dos direitos da criança e a mídia tradicional incluem: •

Promoção, publicação e distribuição de conteúdo: organizações da sociedade civil costumam enviar à mídia seu próprio conteúdo para publicação e distribuição, como artigos ou material audiovisual.

Os defensores dos direitos da criança são frequentemente consultados pela mídia como especialistas em questões específicas em relação aos direitos da criança, mas essas interações raramente se constituem como parcerias de longo prazo.

Sugestão de pautas e conteúdos: as organizações da sociedade civil muitas vezes sugerem assuntos e questões importantes aos veículos de comunicação. Para superar a resistência da mídia ou uma potencial rejeição de ideias por parte da mídia, as organizações da sociedade civil frequentemente sugerem tópicos que são considerados 'tendências' ou atuais.

Ocasionalmente, é concedida a oportunidade para organizações da sociedade civil de analisarem e criticarem o material da mídia, como resultado de parcerias entre organizações da sociedade civil e veículos de comunicação e programas, tais como TV Escola, Telecursos, TV Educativa (EBC) e Canal Futura. para melhor entender as atuais práticas, fraquezas e dar suporte à própria capacitação.

Enquanto organizações da sociedade civil acreditam que a mídia tradicional tem um impacto significativo no público, elas também acreditam que a mídia alternativa – veículos menores com plataformas menos comerciais - podem ser bons parceiros e lhes dão autonomia para estes mostrarem seus pontos de vista sobre a sua própria realidade.


1 BRAZIL: TRANSFORMANDO COMO CRIANÇAS SÃO VISTAS E OUVIDAS

SOCIEDADE CIVIL E MÍDIA: COLABORAÇÕES BEM-SUCEDIDAS Iniciativas colaborativas envolvendo organizações da sociedade civil e mídia tradicional para promover debates diversos sobre as questões dos direitos da criança têm se mostrado bem-sucedidas, mesmo que limitadas: •

1

Como resultado de uma parceria entre Redes de Desenvolvimento da Maré e o Canal Futura, várias reportagens e entrevistas realizadas com a comunidade de Maré, uma das maiores favelas do Rio de Janeiro, foram transmitidas pelo canal destacando as questões dos direitos humanos, tais como saúde pública, educação e segurança. A iniciativa também estabeleceu um diálogo com comunidades que são frequentemente negligenciadas pelas mídias tradicionais e pelo governo e abordou, ocasionalmente, questões sobre os direitos da criança.

O Canal Futura financiou também um espaço multimídia na biblioteca pública da Redes de Desenvolvimento da Maré, a Biblioteca Popular Lima Barreto. A Sala Futura divulga o conteúdo de mídia do Canal Futura, especialmente aqueles sobre questões de direitos humanos para fins educacionais, possibilitando uma estreita relação entre educação e mídia. O conteúdo é frequentemente utilizado no Programa Criança Petrobrás, um projeto educacional na Redes de Desenvolvimento da Maré, o qual promove o empoderamento de crianças e jovens e o diálogo entre a comunidade e instituições públicas. Não Bata, Eduque1 é considerado um programa de sucesso graças ao seu alcance nacional e sua abordagem a respeito da importância da educação infantil sobre o castigo físico. O projeto tem uma campanha bem estabelecida que centra-se na consciência e ação social. Através de parcerias com diferentes organizações da sociedade civil e redes internacionais, como a ANDI, Promundo, Save the Children e CEDECA, o projeto distribui material promocional para a mídia, de jingles de rádio à conteúdo audiovisual, releases, diretrizes, panfletos e manuais. Maré de Notícia, o jornal da comunidade de Maré (produzido pela Redes de

Veja em http://www.naobataeduque.org.br/ (acessado em 23 de dezembro de 2013)

2

Desenvolvimento da Maré) é uma plataforma que apoia o diálogo de organizações da sociedade civil com questões importantes. Esta publicação mensal tem uma distribuição de 40.000 exemplares em uma comunidade com aproximadamente 170 mil habitantes, e aborda questões locais como educação pública, saúde e segurança. Também envolve a comunidade em diálogos com outras instituições públicas e de grande porte, objetivando quebrar barreiras entre diferentes setores sociais ao abordar questões como violência e desigualdade social. Ele difere da mídia comercial no que diz respeito à inclinação em resolver importantes problemas sociais, os quais são com frequência ignorados por outros veículos, utilizando uma linguagem mais adequada - uma linguagem que evita o sensacionalismo e não estigmatiza e condena a população de regiões de baixa renda.

Os projetos de rádio comunitária e audiovisual da Criar Brasil2 também são bem conhecidos e valorizados nacionalmente pela qualidade de produção de seus programas sobre questões que incluem os direitos da criança, e pelas suas atividades de capacitação. Nos últimos anos, eles capacitaram mais de 300 produtores de mídia comunitária de todo o país e tem produzido diversos programas de rádio e de audiovisual, diretrizes para mídia e materiais de apoio.

A Rede ANDI é um bom exemplo de uma organização guarda-chuva que utiliza a mídia tradicional com sucesso. As diferentes organizações da sociedade civil que trabalham dentro do escopo da ANDI têm buscado estabelecer uma boa relação com os veículos de comunicação, abordando a importância das diretrizes sobre reportagem sobre crianças e sugerindo temas a serem explorados pela mídia. A Rede Cipó, uma parceira da ANDI com sede em Salvador, tem sido bem sucedida na promoção de diretrizes e treinamento para jornalistas.

Veja em http://www.criarbrasil.org.br/ (acessado em 23 de dezembro de 2013).

23


24

PROTEÇÃO DE DIREITOS DA CRIANÇA: O PAPEL DA MÍDIA LIÇÕES DO BRASIL, ÍNDIA E QUÊNIA

Jovens estudantes na escola primária na remota Itamatatuba, no Amapá – uma comunidade isolada cujo acesso se dá apenas por meio de seu rio. A Justiça Itinerante Fluvial faz sua parada nessa comunidade uma vez a cada dois meses, trazendo médicos e assistentes sociais para oferecer serviços e apoio comunitário. © EDUARDO MARTINO / PANOS

No entanto, apesar de todas as iniciativas mencionadas acima, ainda há conteúdo e abordagem midiáticos sobre os direitos da criança de má qualidade. Com base nos indicadores de qualidade do sistema de pontuação de nove pontos desenvolvidos pela Internews Europe para análise da qualidade de cada matéria da mídia, a pontuação média para notícias do Brasil foi de 3,9 pontos, bem abaixo da média, deixando espaço considerável para melhorias no modo como os relatos dos direitos da criança são abordados pela mídia. A cobertura televisiva sobre questões dos direitos da criança foi identificada como significativamente melhor do que a cobertura do meio impresso e radiofônico, com uma diferença de dois pontos. Isso pode ser aprimorado parcialmente através da capacitação de profissionais da mídia e através da sugestão de conteúdo à mídia por parte das organizações da sociedade civil, como já o fazem. Esse contexto também pode ser melhorado através da redução do hiato que se encontra nas relações entre comunidades, mídia e serviços públicos. Para melhorar a cobertura da mídia sobre os direitos da criança, é importante que os profissionais e os veículos da mídia se envolvam em uma relação mais próxima com as comunidades que abordam, para melhor compreender seus habitantes e suas necessidades - especialmente aqueles que vivem em comunidades de baixa renda. A mídia precisa começar a abordar questões partindo de dentro das comunidades e não por um ponto de vista externo – um ponto de vista que é frequentemente dominado por noções preconcebidas e por estereótipos. Da mesma forma, uma melhor utilização e compreensão da mídia pelas organizações da sociedade civil e prestadores de serviços públicos podem ser alcançadas, lhes

possibilitando a melhor articular e apresentar conteúdo de mídia de 'boa qualidade' ao refletir sobre a realidade destas comunidades. Outra questão que influencia o uso da mídia é a complexa relação entre organizações da sociedade civil e mídia tradicional, a qual envolve confrontos frequentes resultado de suas diferenças de opiniões e discursos. As organizações da sociedade civil preferem com maior frequência promover seu próprio conteúdo através da mídia alternativa, tais como jornais comunitários e estações de rádio, assim como por meio de seus próprios sites e mídias sociais. Para melhorar o uso da mídia tradicional pelas organizações da sociedade civil, todo projeto sobre os direitos da criança da mídia e a própria mídia devem abordar as complexas perspectivas sociais, políticas e jurídicas, assim como os problemas geralmente as dividem. A principal área de oportunidade é abordar a atual falta de uma rede entre organizações da sociedade civil para empoderar suas próprias ações e projetos ao promovê-las, apoiá-las e conectá-las. Esta iniciativa exigiria a criação de uma plataforma a partir da qual todas as organizações que trabalham com os direitos da criança pudessem colaborar igualmente. A rede proposta também defenderia suas valorações sobre os direitos da criança, estabelecendo um cenário que reflita sobre a importância de seu trabalho e da legislação sobre os direitos da criança, tal como o Estatuto da Criança e do Adolescente. Ademais, a plataforma sugerida permitiria que a produção de conteúdo midiático fosse disponibilizada aos ve-


1 BRAZIL: TRANSFORMANDO COMO CRIANÇAS SÃO VISTAS E OUVIDAS

ículos tradicionais de comunicação para promover suas próprias iniciativas em relação às questões dos direitos da criança. Outra vantagem dessa rede seria o potencial para treinar funcionários do serviço público para lidar com as questões dos direitos da criança –principalmente professores de escola pública, profissionais da saúde e outros funcionários do governo que carecem de uma compreensão básica sobre os direitos da criança e sobre a realidade da comunidade com a qual trabalham. Por último, esta rede poderia apoiar de fato o ensino de mídia para empoderar crianças e jovens a compreender o potencial da mídia e melhorar o uso de suas plataformas na proteção de seus direitos.

INICIATIVAS BEM SUCEDIDAS: N O VA S M Í D I A S E D I R E I T O S D A CRIANÇA •

O programa Radiotube1 da Criar Brasil é um exemplo bem conhecido que vem contribuindo para o desenvolvimento de rede e de produção de mídia. O projeto é uma comunidade online de produtores de mídia, especialmente de rádio, os quais compartilham e promovem seus próprios conteúdos. Através da Radiotube, a Criar Brasil também promove atividades de capacitação, principalmente com crianças, jovens e jovens adultos. Essas atividades resultam em uma diversidade de materiais, da rádio ao texto e conteúdos audiovisuais publicados no site da rede.

Viva Favela2 é um projeto semelhante criado pela Viva Rio, aberto a qualquer um que queira postar seu conteúdo - texto, áudio ou audiovisual - e compartilhá-los com esta comunidade online de produtores de mídia cidadã no próprio site. O conteúdo é frequentemente dirigido ou produzido por cidadãos brasileiros que vivem em comunidades de baixa renda, como favelas, e, portanto, questões dos direitos humanos são frequentemente abordadas.

A Redes de Desenvolvimento da Maré3 e o Observatório de Favelas4 possuem sites bem conhecidos, nos quais o público e profissionais da mídia podem encontrar uma variedade de informações sobre questões dos direitos humanos e também uma lista de contatos para consulta. Como expressado durante um grupo focal com a mídia, organizado pela Internews Europe, esses sites são frequentemente utilizados pela mídia em busca de opiniões de especialistas sobre direitos humanos.

Cipó, em Salvador, Bahia, faz um uso bem sucedido das novas mídias, principalmente por meio do Facebook e do Twitter para abordar os direitos da criança.

O site da Safernet5 é destaque como referência para discussões sobre segurança das crianças na Internet.

ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL E NOVA MÍDIA As organizações da sociedade civil dos direitos da criança utilizam as novas mídias amplamente, principalmente através de sites e redes sociais como Facebook e Twitter. No entanto, sua cobertura de mídia online é bastante limitada dado o pequeno número de usuários e seguidores. Elas usam essas plataformas, principalmente, para compartilhar conhecimento; para estabelecer um diálogo com seu público e com outras organizações e mídia; para denunciar violações de direitos humanos e compartilhar relatórios; para promover o empoderamento de crianças e jovens através do uso de novas mídias em programas educacionais e de produção de mídia; para publicar material próprio, tais como artigos e materiais audiovisuais; para promover campanhas especiais sobre os direitos da criança e promover a conscientização; e para construir uma rede de produtores de mídia alternativa, os permitindo criar, promover e distribuir sua própria produção à baixo custo. Outros tipos de novas mídias, como dispositivos móveis, são frequentemente usados em projetos educacionais para crianças e jovens com o objetivo de empoderá-los com seus próprios meios de produção de mídia e ajudá-los a produzir conteúdos a partir de suas perspectivas. Ainda que algumas organizações da sociedade civil tenham tido sucesso no uso de novas mídias, uma rede forte possibilitaria um melhor compartilhamento de informação e ofereceria atividades de capacitação. Além disso, como mencionado anteriormente, as organizações da sociedade civil geralmente carecem de técnicas para melhorar seu uso de novas mídias, ou seja, em como melhor promover seus projetos e em como envolver outros usuários em abordar as questões sobre os direitos da criança. Assim, uma rede institucionalizada sobre os direitos da criança poderia também atender a essas necessidades enquanto estabelece relações com veículos de comunicação variados.

1

Veja em http://www.radiotube.org.br/ (acessado em 23 de dezembro de 2013)

2

Veja em http://vivafavela.com.br/ (acessado em 23 de dezembro de 2013)

3

Veja em http://redesdamare.org.br/ (acessado em 23 de dezembro de 2013)

4

Veja em http://observatoriodefavelas.org.br/ (acessado em 23 de dezembro de 2013)

5

Veja em http://www.safernet.org.br/site/ (acessado em 23 de dezembro de 2013)

25


26

PROTEÇÃO DE DIREITOS DA CRIANÇA: O PAPEL DA MÍDIA LIÇÕES DO BRASIL, ÍNDIA E QUÊNIA

REDE DE RELAÇÕES ENTRE SOCIEDADE CIVIL E MÍDIA: DESFAZENDO A DESCONFIANÇA Apesar da existência de iniciativas passadas e atuais que buscaram integrar mídia e organizações da sociedade civil de direitos da criança, defensores relataram que esse relacionamento continua permeado por desconfiança. Organizações como a ANDI, Redes de Desenvolvimento da Maré, Criar Brasil e CEDECA têm trabalhado para aproximar organizações e mídia, mas não estabeleceram uma rede, identificada como necessária, composta por todas as entidades de direitos da criança. Há muitas organizações da sociedade civil cobrindo diferentes aspectos dos direitos da criança - por exemplo, em relação à legislação, tanto o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (CEDECA) quanto a Criar Brasil direcionam seus programas à jovens em conflito com a lei e à crianças de rua. No entanto, há a necessidade de uma rede com um enquadramento maior que possa efetivamente apoiar e promover uma variedade de causas. Tal rede ajudará a superar a tradicional falta de interesse sobre as questões dos direitos da criança por parte da mídia e estimular um convite para a ação. A falta de um diálogo c com as organizações da sociedade civil tem sido um grande entrave no estabelecimento da qualidade do conteúdo e envolvimento da mídia sobre os direitos da criança. Um sistema de acompanhamento conjunto da qualidade do conteúdo da mídia que siga diretrizes acordadas pode ser uma iniciativa fundamental para o fortalecimento da colaboração na cobertura de direitos da criança. No entanto, as organizações da sociedade civil enfatizaram que para o acompanhamento seja eficaz, a mídia teria que estar totalmente engajada e disposta a discutir essa necessidade de melhoria. Incluir a perspectiva e participação das crianças em atividades de direitos da criança exigiria dos veículos de comunicação uma ampla compreensão sobre as questões de direitos da criança, bem como sobre a importância de envolver crianças e adolescentes no conteúdo produzido. Assim, atividades de formação podem ser úteis para sensibilizar jornalistas sobre a importância de integrar as vozes das crianças. Além disso, o conteúdo produzido por organizações da sociedade civil que trabalham para o empoderamento das crianças através da mídia precisa ser compartilhado e transmitido através de veículos de comunicação tradicionais. Por último, as organizações da sociedade civil precisam de formação adequada para produzir conteúdos melhores que possam depois ser lançados em plataformas midiáticas.

PRODUZINDO COBERTURA SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA: PRINCIPAIS AÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL Eventos centrados nos direitos da criança oferecem grandes oportunidades para ampliar as vozes das crianças e a dos defensores e para envolver a sociedade civil no debate. No entanto, estas ocasiões carecem de uma participação pública mais ampla e frequentemente envolvem pequenas demonstrações, painéis de discussão e oficinas. Os mais destacados incluem o aniversário do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), celebrado no dia 13 de julho; Dia Mundial contra o Trabalho Infantil, que acontece no dia 12 de junho; Dia Nacional contra a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, que acontece no dia 18 de maio; Prêmio Anu da Central Única das Favelas (Cufa)1 e os Prêmio Tim Lopes e Prêmio Vladimir Herzog destinados aos jornalistas.

DESAFIOS E OPORTUNIDADES: ATIVIDADES DAS ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL E DA MÍDIA As organizações da sociedade civil expressaram um grande interesse em participar de projetos para melhorar a cobertura da mídia sobre os direitos da criança. No entanto, um possível desafio possa ser as limitadas relações que as organizações possuem com veículos de comunicação. Ademais, as organizações da sociedade civil apontaram que há uma necessidade adicional de envolver os prestadores de serviços públicos, incluindo o sistema público de ensino, serviço de saúde para crianças e agências de direitos da criança, em atividades de treinamento e capacitação. As organizações recomendaram a parceria com o governo de projetos sociais e educacionais, tendo estas organizações realizado também esta abordagem, como observado com o projeto Criança Petrobrás da Rede de Desenvolvimento da Maré, ao utilizar uma metodologia semelhante através da implementação de atividades culturais e educativas dentro das escolas públicas. O debate público mais urgente sobre as questões dos direitos da criança envolve a redução da maioridade penal como uma medida de prevenção ao crime, enquanto que a comunidade de organizações da sociedade civil têm resistido fortemente ao que eles consideram um retrocesso para os direitos da criança. A falta de um discurso mais detalhado dos veículos de comunicação sobre o assunto tem dificultado a busca de soluções adequa1

Veja em http://www.premioanu.com.br/ (acessado em 23 de dezembro de 2013).


1 BRAZIL: TRANSFORMANDO COMO CRIANÇAS SÃO VISTAS E OUVIDAS

Simone Nasimento (centre), a young journalist from Brazil, goes online at an adolescent space set up for youth delegates during World Congress III against Sexual Exploitation of Children and Adolescents in Rio de Janeiro, accompanied by youth chaperones from India and Serbia. © UNICEF / PIROZZI

das. Outro debate significativo atual está desafiando o sistema existente de classificação etária da TV perante o Supremo Tribunal, no qual grandes veículos de comunicação a alegam inconstitucional2, especificamente que a regulação restringem a liberdade de expressão. Por outro lado, os defensores dos direitos da criança argumentam que o sistema de classificação etária da TV é importante para evitar a exposição de crianças e jovens a conteúdo impróprio. No entanto, a mera a criação de marcos legais não é suficiente - sua implementação foi identificada como sendo o maior desafio. Por exemplo, embora o ECA seja uma política pública consolidada e que afirma claramente que todas as crianças com idades entre 4 e 17 devem estar matriculadas na escola, há 3,6 milhões de crianças fora das escolas no Brasil, o que representa 8% do grupo nessa faixa etária3. O trabalho infantil, embora claramente proibido no Brasil, é um fenômeno generalizado, especialmente no setor da produção agrícola em cidades pequenas e como trabalhadoras domésticas nas regiões 2

Macedo, A. R. and Haja, L. ‘STF poderá tornar ineficaz classificação indicativa na TV, alerta ministério’, Câmara Notícias, 8 de dezembro, 2011. Disponível em: http://bit.ly/1dpqSyh (acessado em 19 de dezembro de 2013).

3

Rodrigues, Cintía. ‘Brasil tem 3,6 milhões de crianças e adolescentes fora da escola em 2011’, de 6 de março de 2013. Disponível em http://bit. ly/19Vs222 (acessado em 19 de dezembro de 2013).

norte e nordeste. A exploração sexual também continua a ser problemática, principalmente com o turismo sexual e a prostituição no Nordeste4. Por último, nas comunidades urbanas de baixa renda conhecidas como favelas, nas quais políticas governamentais são reconhecidamente falhas, crianças frequentemente se envolvem com o tráfico de drogas e são pegas no fogo cruzado durante tiroteios entre traficantes e polícia. A Internews Europe propõe abordar esses desafios por meio de projetos voltados para a colaboração e a ampliação desta colaboração da mídia, apoiando diretamente as organizações da sociedade civil em como melhor apresentar os conteúdos midiáticos, reconhecendo e premiando iniciativas bem sucedidas que promovem os direitos da criança e apoiando crianças e jovens a utilizar a mídia para melhor expressarem e defenderem seus direitos a partir das suas próprias perspectivas.

4

Turismo sexual estimula exploração sexual infantil no Brasil’, BBC Brasil, 30 de julho 30, 2010. Disponível em: http://bbc.in/IYTS72 (acessado em 19 de dezembro de 2013).

27


28

PROTEÇÃO DE DIREITOS DA CRIANÇA: O PAPEL DA MÍDIA LIÇÕES DO BRASIL, ÍNDIA E QUÊNIA

Jovem delegada Mopoti Nqabeni, de 15 anos, de Lesotho, comparece ao III Congresso Mundial de Enfrentamento Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes no Rio de Janeiro. © UNICEF / PIROZZI

AMPLIANDO AS VOZES DAS CRIANÇAS E JOVENS A ampliação das vozes dos defensores e das vozes de crianças e jovens contribuirá muito para reduzir as violações dos direitos da criança, uma vez que as organizações da sociedade civil possuem acesso à informações atualizadas sobre violações e áreas problemáticas. Essa mudança proporcionaria oportunidade às organizações comunicarem melhor as questões que a mídia e o governo tendem a ignorar ou não enfatizar. Além disso, apoiar uma rede que conecte a mídia e as organizações ajudará a fortalecer as vozes dos defensores, ao mesmo tempo em que melhora discursos públicos e o desenvolvimento de políticas públicas. Isto, por sua vez, melhoraria o intercâmbio de informação e conhecimento sobre os direitos da criança, incluiria as perspectivas das crianças e jovens na formulação de políticas e na concepção e implementação de atividades em matéria de direitos da criança, melhoraria o diálogo entre mídia e as organizações da sociedade civil, e possivelmente apoiaria uma abordagem mais qualificada a respeito da cobertura dos direitos da criança pela mídia. Embora defensores utilizem meios diversos da mídia tradicional para apoiar a defesa dos direitos da criança, seu acesso permanece limitado e ainda há conteúdos e abordagens de má qualidade da mídia no que tange cobrir questões relacionadas aos direitos da criança. Au-

mentar a capacidade dos especialistas em mídia e das organizações da sociedade civil de cobrir as questões dos direitos da criança e de melhorar o conteúdo requer uma relação forte entre comunidades, defensores, veículos de comunicação e serviços públicos. Uma vez encontrada uma correlação forte entre debates de políticas públicas e tópicos relativos aos direitos da criança, há grande necessidade de se trabalhar para produzir mais coberturas especiais e de editorial sobre as questões das políticas públicas e para elevar o debate à constituir-se como um tópico principal na mídia. Além disso, incentivar o uso contínuo de datas comemorativas, eventos e relatórios são táticas úteis para uma maior cobertura de notícias sobre os direitos da criança, por serem uma ferramenta usada para aumentar a conscientização sobre questões chaves, proporcionando ganchos de notícias necessários que possam justificar uma cobertura. A criação de uma rede de organizações da sociedade civil ajudará a fortalecer e redefinir a relação das organizações com a mídia, assim como apoiará os defensores a compartilharem suas notícias com jornalistas, e dessa forma dará mais motivos para que estes cubram questões dos direitos da criança.


O CAMINHO A SEGUIR: RECOMENDAÇÕES GERAIS

O CAMINHO A SEGUIR: RECOMENDAÇÕES GERAIS

Uma jovem usando o microfone em um estúdio de gravação. © ISTOCK / ABALCAZAR

Com base nos resultados da pesquisa resumidos neste relatório (veja página 7), a Internews Europe identificou um conjunto de estratégias para abordar os problemas encontrados e preparar o caminho para a mídia e os meios de comunicação realmente fazerem a diferença na proteção dos direitos da criança. Essas estratégias podem ser resumidas em quatro categorias principais:

1. Mais jovens jornalistas: A melhor maneira de empoderar crianças de modo a apresentarem as suas perspectivas na mídia é contribuir para que mais delas se tornem elas mesmas jornalistas. Isso pode ser feito, por exemplo, em programas de rádio gerenciados por jovens (ou até mesmo uma estação de rádio por inteiro) ou através da criação de agências/ centros de mídia da juventude em várias localidades. A pesquisa da Internews Europe identificou um conjunto de oportunidades excelentes nos três países estudados.

29


30

PROTEÇÃO DE DIREITOS DA CRIANÇA: O PAPEL DA MÍDIA LIÇÕES DO BRASIL, ÍNDIA E QUÊNIA

Kavita, uma jornalista para o jornal Khabar Lahariya , entrevista crianças em uma escola primária no distrito Chitrakoot de Uttar Pradesh. Escrito no dialeto local e produzido por um grupo de sete mulheres de casta baixa, o jornal tem atualmente uma tiragem de 1,500 e é vendido em 200 vilas aproximadamente no mesmo distrito. © AMI VITALE / PANOS


O CAMINHO A SEGUIR: RECOMENDAÇÕES GERAIS

Estes jovens jornalistas deveriam ser filiados, idealmente, à grande mídia. Nos países abordados por este estudo, vários jovens jornalistas já foram treinados, mas suas reportagens não chegam a ser distribuídas fora de impressos de nichos e plataformas online (como as publicações das organizações da sociedade civil, suplementos infantis dos próprios jornais, pequenos sites ou canais do Youtube). Um desafio semelhante pode ser observado nos diversos projetos existentes que ensinam crianças a contarem suas histórias em um formato não-jornalístico. Estes conteúdos dificilmente atingirão um público diferente daquele que já está bastante familiarizado e que já possui interessa pelos direitos da criança. É, portanto, fundamental alargar a abrangência dos conteúdos produzidos por jovens para novos públicos de modo a fortalecer seu amplo impacto no debate público. No Quênia, o rádio parece ser o melhor meio para tais projetos devido ao seu papel dominante. Na Índia, por outro lado, jornais em hindi e em outros idiomas regionais seriam parcerias melhores.

2. Estabelecer incentivos para jornalistas se especializarem em direitos da criança: diversas abordagens, ou combinações de abordagens, serão úteis para encorajar jornalistas motivados a se tornarem especialistas em direitos da criança (assim como seus editores). Essas abordagens incluem: •

Módulos de reportagem sobre direitos da criança em faculdades de jornalismo;

Curso de formação profissional online (ou presencial);

Bolsas de pesquisa para repórteres que desejarem investigar violações dos direitos da criança e que encontram dificuldades em serem financiados para tal por seus próprios veículos de comunicação;

Prêmios anuais para a melhor reportagem sobre os direitos da criança.

Todas estas medidas ajudariam o cenário dos direitos da criança a ser levado tão a sério quanto ele demanda, assim como a criar um grupo de jornalistas de direitos

da criança que, possivelmente, continuarão a incentivar e motivar uns aos outros a fim de melhorar a cobertura midiática. Alguns problemas comuns destacados neste relatório devem ser levados em consideração quando treinando, selecionando ou premiando jornalistas para estes projetos, tais como quando as vozes das crianças são negligenciadas, quando estereotipando crianças como vítimas, e quando há abordagens sensacionalistas e não políticas à violações dos direitos da criança.

3. Estabelecer relacionamento entre mídia e organizações da sociedade civil: há claramente uma necessidade de melhorar a relação de trabalho entre mídia e organizações de defesa dos direitos da criança. As falhas identificadas neste relatório não são raras de ocorrer em outros contextos, e a Internews Europe tem trabalhado em superá-las, com sucesso considerável, em outros locais. Elementos de uma intervenção bem sucedida nesta área deve possivelmente incluir: •

Treinamento em comunicação para as organizações da sociedade civil com a participação de jornalistas;

Oficinas e visitas de campo para jornalistas, com participação das organizações da sociedade civil;

Reuniões regulares para o diálogo entre os dois grupos, em um nível local e nacional, para melhorar a interação pessoal, mas também para elaborar e implementar planos concretos de ação que abordem questões identificadas em conjunto;

Criação de redes institucionais com benefícios concretos para todos os membros.

4. Estabelecer e acompanhar diretrizes: o estabelecimento e acompanhamento conjunto de diretrizes éticas para reportagens sobre os direitos da criança é uma área na qual a melhora do relacionamento entre organizações da sociedade civil e mídia seria particularmente útil. Concordar sobre as diretrizes estas seria, provavelmente, menos controverso, uma vez que

31


32

PROTEÇÃO DE DIREITOS DA CRIANÇA: O PAPEL DA MÍDIA LIÇÕES DO BRASIL, ÍNDIA E QUÊNIA

A mídia pode fazer uma diferença na defesa dos direitos da criança quando o treinamento, as redes e o acompanhamento são priorizados e quando as vozes das crianças na mídia são amplificadas. © MABLACHE / ISTOCK


O CAMINHO A SEGUIR: RECOMENDAÇÕES GERAIS

várias versões já existem. O verdadeiro desafio estaria em garantir que elas sejam implementadas. Sugere-se que aqui, mais uma vez, mecanismos conjuntos precisam ser acordados entre mídia e defensores dos direitos da criança, incluindo o acompanhamento e elaboração regular de reportagens. O acompanhamento puramente externo (e possivelmente a condenação) da mídia por parte da sociedade civil ou até mesmo por órgãos do governo arriscaria provocar uma resposta adversa por parte dos jornalistas. Além destas quatro áreas principais, o apoio ao aprimoramento do uso de plataformas de novas mídias/mídias digitais para comunicar questões referentes aos direitos da criança seria uma outra intervenção útil. Na Índia particularmente, este espaço em expansão parece claramente subutilizado. Tanto as organizações da sociedade civil quanto a mídia manifestaram interesse neste tipo de capacitação, a qual irá provavelmente ser útil para promover um debate público construtivo sobre as violações dos direitos da criança e para promover medidas reparadoras necessárias. Por fim, o campo do ensino sobre as mídias para crianças e jovens tem atraído muita atenção recentemente1. Os novos riscos (e oportunidades) associados à internet e às redes sociais têm fortalecido este ponto em busca de mais ações nesse contexto, tanto nos sistemas escolares tradicionais quanto para além deles. A Internews Europe também tem feito um trabalho pioneiro ao introduzir o ensino sobre o uso das mídias em vários países e está procurando fortalecer esta área de participação. Esse ensino oferece oportunidades singulares quando se trata de reforçar o papel da mídia na promoção dos direitos da criança, uma vez que crianças e jovens podem não só compreender e usar melhor tanto a mídia tradicional quanto a mídia digital, mas também estarão em posição de fazer exigências melhor informadas e importantes para que a mídia mude sua cobertura sobre as questões dos direitos da criança. A combinação do ensino sobre as mídias com o feedback do público jovem aos jornalistas tem um grande potencial de inovação. 1

Veja por exemplo John Burgess, Media Literacy 2.0: A Sampling of Programs Around the World. An Update for the Center for International Media Assistance, Novembro 2013. http://cima.ned.org/sites/default/ files/CIMA-Media%20Literacy%202_0-%2011-21-2013.pdf

Considerando os desafios e as oportunidades identificados por este relatório, a Internews Europe acredita fortemente que a interseção entre a mídia e os direitos da criança merece mais atenção dos financiadores e mais envolvimento tanto da mídia quanto do setor dos direitos da criança.

33


34

Um grupo de crianรงas trabalhando em uma olaria em Lahore, no Paquistรฃo em agosto de 2012. @ SHUTTERSTOCK / GARY YIM


35


“TODOS TÊM O DIREITO À LIBERDADE DE OPINIÃO E EXPRESSÃO; ESTE DIREITO INCLUI A LIBERDADE DE TER OPINIÕES SEM INTERFERÊNCIAS E DE PROCURAR, RECEBER E TRANSMITIR INFORMAÇÕES E IDEIAS POR QUAISQUER MEIOS E INDEPENDENTEMENTE DE FRONTEIRAS.” Artigo 19, Declaração Universal dos Direitos Humanos.

A Internews Europe é uma organização de desenvolvimento internacional, especializada em apoiar a mídia independente e o livre fluxo de informação em Estados frágeis, democracias emergentes e em alguns dos países mais pobres do mundo. A necessidade de proteger os princípios que foram primeiramente consagrados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos há mais de 60 anos continua tão urgente como nunca. A mídia desempenha um papel fundamental na defesa dos princípios da Declaração, mas países com indicadores de direitos humanos ruins são comumente aqueles com liberdade de imprensa limitada. A Internews Europe treina tanto jornalistas profissionais quanto jornalistas cidadãos a analisarem e relatarem de forma mais eficaz os problemas dos direitos humanos. Nós apoiamos a mídia independente a manter o acesso à informação e a promover do acompanhamento de violações de direitos humanos. Apoiamos a liberdade de expressão ao ajudar a manter o fluxo de informações aberto e ao conectar as organizações da sociedade civil com sua mídia local. Através do livre acesso à informação e da capacidade de expressar opiniões, cada cidadão pode melhor compreender seus direitos e contribuir para um debate público significativo sobre questões relacionadas a sociedade na qual vivem. Por sua vez, ele podem cobrar daqueles em posição de poder e autoridade a se responsabilizarem e, assim, aumentar as chances de uma mudança social positiva. Uma mídia livre, plural e profissional, em todas as formas, pode educar cidadãos sobre seus direitos e ampliar o discurso em torno da agenda dos direitos humanos.

www.internews.eu Tel: +44 207 566 3300 New City Cloisters, 196 Old Street, Londres, EC1V 9FR Reino Unido A Internews Europe está registrada na Inglaterra e País de Gales como uma fundação de caridade sob o número 1148404 e como empresa de número no. 7891107. © Internews Europe 2014


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.