Veja redesign

Page 1

EDIÇÃO ESPECIAL

Editora ABRIL Edição 2238 - ano 44 - nº 41 12 de outubro de 2011

ww om

.c eja w.v

Steve Jobs 1955 2011

770100712004

R$ 9,90

Exclusivo + Leia um capítulo da biografia definitiva de Jobs antes do lançamento mundial




Índice 16 | Carta ao leitor 19 | Entrevista Roberto Podval 26 | Lia Luft 38 | Leitor 60 | Blogosfera PANORAMA 63 | Imagem da Semana 64 | Datas 66 | Holofote 68 | SobeDesce 68 | Conversa com Wando 69 | Números 70 | Radar 74 | VEJA ESSA

Edição 2238 | Ano 44 | Nº 41 Tiragem 1.251.575 exemplares

136 | Educação Enem: sai a literatura, entram os quadrinhos 142 | Espaço O risco de um asteróide se chocar com a Terra 144 | Vida digital As novidades do iPhone 4 (e meio) 146 | Realeza A bela princesa saudita que luta pelas mulheres 150 | Automóveis O híbrido da Toyota vem aí GUIA 152 | Alimentos O poder das pimentas 154 | O leite socorre os intolerantes amenizando o ardor

BRASIL 78 | Governo Casa Civil sabia do superfaturamento na reforma do Palácio 82 | Congresso Polícia Legislativa investiga sem-terra que acusaram petista INTERNACIONAL 86 | Itália Americana Amanda Knox é inocentada da morte de colega GERAL

Artes&Espetáculos

87 | Ciência Grupo de Miguel Nicolelis cria o tato virtual 88 | Gente 92 | Especial Como as ideias de Steve Jobs podem mudar o seu mundo 116 | Gustavo Ioschpe 120 | Crime As mães do tráfico 130 | Medicina Nascimento programados para salvar

156 | Televisão A Barra da Tijuca na novela Fina Estampa 160 | Livros Uma biografia de Bismarck 162 | Cinema A Hora do Espanto 166 | Perfil Ruth Escobar 168 | Veja recomenda 169 | Os livros mais vendidos 170 | J.R. Guzzo

04 | 12 DE OUTUBRO, 2011 |


Editado por Iohana Pereira iohana.cristina@gmail.com.br

VEJA.com

STEVE JOBS www.veja.com/stevejobs A seção Tema em Foco, no site de VEJA, traz a página Steve Jobs e Apple, com todas as informações, fotos e vídeos sobre a trajetória do gênio que revolucionou segmentos a indústria e colocou a tecnologia na palma da mão do consumidor. Entre os destaques: • Reportagens: as três revoluções de gênio – o computador pessoal, a nova era dos celulares, um novo modelo de reprodução e venda de MP3 • Depoimentos: pessoas que conviveram com Jobs. “Ele fez a Apple ser o que é”, diz Steve Wozniak, amigo e confundador da empresa • Quis: “Inovação distingui o líder de seguidor”. Vote na melhor frase do criador da Apple • Vídeos: os grande lançamentos de produtors, a vida privada e as lições dadas aos jovens • Repercurssão: fãs prestam homenagem nas redes sociais • Infográfico: todas as criações de Steve Jobs à frente da Apple A VEZ DOS ADOLESCENTES

AULAS FINAIS PARA O ENEM

Pela primeira vez, a Sociedade Brasileira de Pediatria lança uma obra voltada aos pais de adolescentes. Organizado pelos pediatras Fabio Ancona Lopez e Dioclécio Campos, o livro Filhos – Adolescentes de 10 a 20 Anos de Idade traz orientações sobre como cuidar da saúde e lidar com temas como sexualidade e drogas nessa fase da vida. Em entrevista ao site de VEJA, os autores explicam a importância da obra. “É um período de mudanças corporais fundamentais, de conflito e insegurança. Por isso, é preciso que os pais estejam bem informados para ajudar os filhos”, diz Ancona Lopez.

Faltam apenas duas semanas para a realização da edição 2011 do Exame Nacional de Ensino Médio (Enem). Mas os mais de 5 milhões de estudante que vão participar podem aprimorar seus conhecimentos. Em vídeo, professores do Anglo Vestibulares destrincham as principais características do exame, apresentam temas que podem ser cobrados na avaliação deste ano e respondem a dúvidas de leitores. Neste fim de semana, entram no ar os vídeos com professores das disciplinas de física, história e inglês. Durante a semana é a vez de biologia, geografia, literatura e artes, matemática, português, química e redação. A orientação dos especialistas pode fazer a diferença na reta final dos estudos.

PRESO NA REDE O americano David Kirkpatrick ficou famoso pelo livro O Efeito Facebook, em que narra a fundação da rede social com auxilio de seu criador, Mark Zuckerberg. Em entrevista a VEJA, Kirkpatrick analisa as mudanças a ser adotadas pelo site em breve, que devem estimular susários a compartilhar mais e mais conteúdos.

GALERIA DE FOTOS As melhores imagens da semana

| 12 DE OUTUBRO, 2011 | 05


Carta ao Leitor

VEJA e a vida digital O mundo que Steve Jobs ajudou a criar e moldou à sua maneira tem sido acompanhado de perto por Os trabalhos de Jobs VEJA. Do primeiro Do mouse com o Lisa, em computador pessoal ao mais 1983, à edição de VEJA no recente e ousado salto da iPad desta semana Apple rumo à computação em nuvem como o iCloud, essa fabulosa e rápida evolução foi diligentemente retratada nas páginas da revista. Em fevereiro de 1983, a propósito do lançamento do Lisa, um dos poucos fracassos de Jobs na Apple, a revista falava de uma revolucionária maneira de interagir com o computador, o “mouse”, descrito como um -pequeno artefato com uma esfera na parte de baixo que o usuário deslizava sobre a mesa, fazendo mover-se na tela uma seta chamada “cursor”. Logo feito por encomenda para a leitura instantânea e remota de os aparelhos digitais iriam se revistas. A edição do iPad de Veja desta semana faz uma popularizar, musando a homenagem à altura d o seu criador. A equipe da revista cultura, o comportamento e recriou digitalmente algum dos produtos de maior sucesso da dando um choque de história da Apple, entre eles o primeiro iPod. Na versão de produtividade sem VEJA no iPad, o leitor poderá relembrar como o primeiro iPod precedentes nas economias funcionava, escolher músicas efetivamente e ouvi-las. A edição avançadas. impressa de VEJA traz uma extensa e inspirada cobertura da VEJA agora é pioneira vida de Steve Jobs, planejada e escrita elo editor executivo também no iPad, contribuição Fábio Altman. Fecha a reportagem um capítulo inédito e de Jobs para a civilização exclusivo da biografia de Jobs, escrita por Walter Isaacson, com tecnológica, idealizada por ele lançamento mundial marcado para o próximo dia 24 e que quando já estava sofrendo da VEJA antecipa para seus leitores. Perfeccionista, focado e doença que o mataria na obcecado pela forma que segue à função, Jobs certamente semana passada. O iPad é aprovaria nosso conjunto de reportagens impressas e digitais uma tablet digital que parece sobre ele. Boa leitura e boa diversão. 06 | 12 DE OUTUBRO, 2011 |



Especial

AS IDEIAS DE JOBS PARA MUDAR O SEU MUNDO 08 | 12 DE OUTUBRO, 2011 |


O legado de um dos grandes inovadores da história é incontornável – e não apenas porque as criações da Apple inventaram o século XXI. Entender como funcionava a mente de um gênio instintivo, e como ele tomava decisões, serve de aprendizado, vale como lição de vida. Nas próximas páginas, VEJA relata a aventura das criações de Jobs, e como seu processo de trabalho pode fornecer ótimos atalhos para o cotidiano pessoal e profissional.

| 12 DE OUTUBRO, 2011 | 09


Especial

2

1 Faça aquilo de que você gosta – mesmo que no começo pareça que não vai dar certo “Muitas vezes, as pessoas não sabem o que querem até que alguém lhes mostre.” (Steve Jobs, em entrevista à revista Business Week, em 1998) Em 1972, Jobs – então com apenas 17 anos – conheceu Steve Wozniak, cinco anos mais velho, obsessivamente fascinado por radioamador e por circuitos integrados. Juntos, intuíram que havia espaço para um computador pessoal completamente montado (e não vendido por peças, como era praxe entre os fanáticos por informática daquele tempo pósBeatles e pré-internet). Jobs vendeu sua minivan Volkswagen. Wozniakse desfez de uma calculadora científica HP. Juntaram 1 300 dólares para fundar a Apple, em 1976, na garagem dos pais (adotivos) de Jobs, na Califórnia. O resto é história. No ano seguinte, logo depois do lançamento do Apple II – primeiro PC com cara de PC, associado a um mouse e disco rígido interno – os dois Steves divulgaram um documento para atrair financiamento privado que, lido hoje, tem a relevância visionária das grandes cartas fundadoras de nações. O Preliminary Confidential Offering Memorandum tinha 47 páginas. Dizia o texto a antecipar uma revolução: “A principal característica distintiva do verdadeiro mercado de computação residencial é a relativa falta de interesse técnico, matemático ou científico do usuário. Além disso, devido à falta geral de conhecimento dos benefícios oferecidos pelo computador, os clientes mais prováveis não têm quase nenhum desejo de comprar um equipamento hoje em dia. Portanto, será necessário educar o mercado com respeito aos benefícios resultantes da posse. Espera-se que, de fato, em 1985, uma unidade doméstica que utilize um computador terá vantagens significativas em relação a uma que não utilize”.

1977 Com Steve Wozniak, ao apresentar o Apple II, o pai de todos os computadores pessoais – a gênese de tudo

10 | 12 DE OUTUBRO, 2011 |

Aprenda com os erros – e jamais pare de errar “ Se continuam correndo o risco de fracasso, eles ainda são artistas. Dylan e Picasso sempre corriam o risco de fracasso.” (Em reportagem na revista Fortune, 1998) Poucos meses antes do lançamento do Macintosh (cujo nome faz referência a um tipo de maçã), em meados de 1983, Jobs interrompeu uma demonstração da máquina para perguntar, em voz alta: “Que barulho é esse?”. Não havia ruído algum, à exceção da respiração dos presentes e do quase inaudível bater de pás de uma discreta ventoinha. Jobs mandou tirá-la, queria “silêncio total” em seu computador, relata Jay Elliot, ex-vice-presidente da Apple, no livro The Steve Jobs Way. Os técnicos, irritados e desordenados, com a ordem insana, voltaram para os laboratórios. A decisão de Jobs ia contra todas as leis da física. O Macintosh chegou às lojas, em janeiro de 1984, com cinco meses de atraso. Não demorou para que o apelidassem de “torradeira bege” em decorrência ao superaquecimento provocado pela ausência de ventilador, apesar da presença de uma fonte de alimentação diferente das que existiam. Nas edições seguintes, Jobs voltou atrás e admitiu a instalação da peça que refrescava o sistema, ao mesmo tempo banal e vital. Mas a expressão “torradeira bege” entrou nos dicionários como sinônimo de Macintosh. Na fase de elaboração do Mac original, Jobs também cismou que a placa-mãe era feia e precisava ser esteticamente remodelada, com nova distribuição de chips e circuitos. Redesenhá-la, contudo, poria em risco a passagem de cargas elétricas. Os engenheiros fizeram mudanças – depois abandonadas, quando Jobs percebeu que exagerava – a contragosto, dizendo que jamais teria interesse em abrir o computador para ver a placa-mãe. Jobs retrucou: “Um grande carpinteiro não vai usar madeira ordinária para a parte de trás de um armário, ainda que ninguém a veja”.


3

4

Trabalhe com equipes pequenas

Faça as perguntas certas – e pense diferente do que você pensa

“É difícil imaginar que uma empresa de 2 bilhões de dólares e mais de 4 300 pessoas não pudesse competir com seis pessoas vestindo jeans.” (Em 1985, depois de deixar a Apple, ao comentar os primeiros anos de embate com a IBM) Para Jobs, o mundo sempre foi dividido entre pessoas de dois tipos: as que faziam “porcarias absolutas”, imensa maioria, e as outras, muito poucas, raríssimas, que poderiam trabalhar na Apple. Ele associou essa postura elitista, de pura meritocracia, ao zelo por grupos de trabalho reduzidos. O time do Macintosh tinha apenas 100 pessoas, da ideia inicial à campanha de publicidade. Se era o caso de contratar alguém, dava-se um jeito de demitir outro, friamente. O grupo pioneiro, montado a partir de 1980, usava uma camiseta em que se lia: “É melhor ser pírata do que se juntar à Marinha”. E por que 100? “Porque é difícil saber o nome de mais de 100 pessoas”, dizia Jobs.

1984

“Você quer passar o resto da vida vendendo água com açúcar ou quer ter a chance de mudar o mundo?” (Em 1983, ao convidar John Sculley, então executivo-chefe da Pepsi, para trabalhar na Apple) Quando chamou John Sculley, da Pepsi, para dirigir a Apple, um pouco antes do lançamento do Macintosh, Job fez a desconcertante pergunta – e a Sculley só restou aceitar o convite, com efeito de um xeque-mate. A parceria duraria apenas dois anos, quando Jobs seria afastado de empresa pelo próprio Sculley por divergir das táticas de vendas. A companhia criada por Jobs depois de sair da Apple, a NeXT, fracassou – mas ele nunca parou de pôr pontos de interrogação nos lugares corretos. Para Jobs, o motor da inovação era um só, apostar no inexistente, no que as pessoas ainda não conheciam. Nas diatribes, com Bill Gates, o arqui-inimigo da Microsoft, a quem acusara de plagiar no Windows a interface gráfica do Macintosh (com razão), ele sempre explorava a dificuldade de Gates em pensar diferente. “O único problema da Microsoft é que eles não têm gosto. Não no sentido restrito, mas no sentido amplo, o que significa que eles não estimulam ideias originais e não inserem muita cultura em seu produto”, disse em 1996. “Não tenho nada contra o sucesso deles – em grande parte, eles merecem esse sucesso. Mas lamento o fato de só fazerem produtos de terceira categoria”. Era provocação (evidentemente a Microsoft fez muita coisa de primeiríssima categoria), mas ajudou a colar na Apple a marca da criatividade inigualável. “Pense diferente”, não por acaso, é o mais conhecido e bem-sucedido slogan publicitário da empresa sediada em Cupertino, no Vale do Silício.

Ao lado de Bill Gates, o cordial inimigo que copiou no Windows os recursos gráficos do Mac

O Macintosh: sem ventilador interno, foi apelidado de “torradeira bege”

| 12 DE OUTUBRO, 2011 | 11


Especial

6

5 Crie uma cultura corporativa – mesmo na administração doméstica

Simplifique – e diga não ao supérfluo

“À medida que aumenta a “A inovação não tem nada a ver com a complexidade da tecnologia, também quantidade de dólares que você investe em pesquisa e desenvolvimento. Quando cresce a demanda pela força básica da Apple de tornar compreensível para a Apple lançou o Mac, a IBM estava meros mortais recursos tecnológicos gastando no mínimo cem vezes mais em muito complexos.” (Em entrevista ao New P&D. Não é uma questão de dinheiro. É a York Times, em 2003 equipe que você tem, como você lidera e A forma deve seguir a função, defendiam os arquitetos quanto você entende da coisa.” (Em entrevista para a Fortune, em 1998)

modernistas da primeira metade do século XX. Com Steve Jobs, essa ideia atingiu patamar quase inalcançável. Forma e função, nos produtos da Apple, são palavras idênticas. O bege do Macintosh foi estudado delicadamente ao longo de três anos porque a ideia era fugir do lugar-comum. As embalagens eram tratadas com o mesmo afinco dedicado aos computadores. Para familiarizar os novos usuários com o mouse do Macintosh, então inédito, conta o escritor e jornalista Leander Kahney, Jobs fez questão que ele fosse embrulhada em compartimento separado. No desenvolvimento do iPod, Jobs e o chefe de design da Apple, o inglês Jonathan Ive, decidiram que não haveria botões, nem mesmo o de ligar e desligar. O resultado foi a roda de rolagem, na frente do aparelho original, que é sua marca mais conhecida, imitada à exaustão. Jobs e Ive, fascinados por processos de fabricação e materiais, alimentaram uma incessante busca por novidades industriais. As primeiras gerações de iPod tinham uma película fina e transparente colada por cima de seu corpo plástico. O revestimento dava ao iPod uma aparência de “maior peso e profundidade sem, no entanto, acrescentá-los”, diz Kahney. Para Ive, “agora podemos fazer coisas com plástico que antes seriam impossíveis”.

A mania de Jobs de Jobs pelos detalhes dos produtos e pela boa gestão da Apple bebeu da fonte de um dos grandes personagens americanos da história da administração de empresas, embora pouco citado: Alfred Sloan (1875-1996), executivo-chefe da General Motors da década de 20 ao anos 50, período no qual a montadora teve de se adaptar ao consumo de massa. Sloan foi quem inventou os sucessivos lançamentos de modelos (como faz a Apple de Jobs). Sloan era exigente com o belo desenho a serviço de uma utilidade (idem para a Apple). No cotidiano empresarial, Sloan se inspirou nos métodos de gestão do Exército e da Igreja para montar equipes de sucesso – nada acontecia sem planejamento prévio, sem claro conhecimento dos fornecedores e distribuidores. A Apple faz assim – e soa injusto, em perspectiva, manter viva a imagem de Jobs como mau administrador. Não, não era. Em seu primeiro período na Apple, de 1976 a 1985, predominou o gênio vocacional que levou ao Macintosh. Depois em seu retorno, a partir de 1997, brotou o administrador detalhista e excepcional que anteviu a nova indústria criada pelo iPod e pelo iPhone. Na Pixar, comprada de George Lucas – que em 1995 lançou Toy Story, o primeiro longa-metragem de animação feito integralmente com computadores –, Jobs levou a gestão aos moldes de Sloan ao paroxismo. Tudo ali funciona como uma linha de montagem de excelência – a partir de Jobs, enquanto sua saúde permitiu, passando pelo executivo-chefe, Ed Catmull, por John Lasseter (diretor de Toy Story), até o mais novato dos desenhistas. Para 2001 Brad Bird, diretor de Os Incríveis, a santíssima O iPod e a sua hoje mítica trindade funciona impecavelmente. Disse ele roda de rolagem, no apogeu certa vez: “Refiro-me a esses três como sendo o Pai, o do bom design Filho e o Espírito Santo. Ed que inventou essa mídia fantástica e é o projetista dessa máquina humana que é a Pixar, é o Pai. John, a força criadora que a move, é o Filho. E você sabe quem é o Espírito Santo”.

ALFRED SLOAN A inspiração como administrador e criador de novos produtos 12 | 12 DE OUTUBRO, 2011 |


7 Guarde segredo e os alimente “A jornada é a recompensa” (Aos criadores do Macintosh, em 1982) Jobs dominava como ninguém a arte de criar expectativas – com a certeza de que não decepcionaria. “E tem mais uma coisa...”, a frase com a qual encerrava suas apresentações, antecipava o anúncio de um novo produto e, ao mesmo tempo, revelava um segredo. Era o ápice de meses de trabalho escondido, com a arrogante convicção de que um bando de gênios preparava algo que mudaria as regras do jogo. E assim era. Nenhum produto foi guardado com mais sigilo que o iPhone, apresentado em janeiro de 2007. Jay Elliot, que foi vice-presidente da Apple, narra no livro The Steve Jobs Way como uma sucessão de reuniões rápidas, das quais participavam poucos engenheiros, moldou a cara do primeiro iPhone. Jobs decidira que o aparelho deveria ter um único botão – na contramão dos modelos de celular de marcas concorrentes. Como ocorrera outras vezes, diziam-lhe que seria impossível ligar e desligar, aumentar e baixar o volume, acessar a internet e outras funções com um único botão. Não houve modo de demovê-lo. A Apple – secretamente – fez contato com empresas que ajudaram no desenvolvimento da tecnologia de múltiplos toques. O iPhone nasceu, como queria Jobs, com um solitário botão, porque todo o restante era comandado pelos dedos na tela. Na apresentação oficial, ao som de Beatles e Dylan, Jobs fez a plateia ovacionar o objeto, quando ele despontou em suas mãos, como se tivesse presenciado o mais espetacular truque do mágico Houdini. Ao iPhone estavam atreladas 200 patentes, todas elas contratadas na surdina de outras empresas.

1995 Debaixo da luminária que simboliza a Pixar, empresa na qual Jobs fez funcionar todos os seus conhecimento e idiossincrasias como administrador

8 Ouça os outros – mas não tenha medo de tomar decisões sozinho “Não fazemos pesquisa de mercado. Não contratamos consultores...Só queremos fazer produtos ótimos.” (Na CNN, em 2008) Certo que antecipara ondas de comportamento como nunca ninguém fizera, Jobs tinha um mantra a guiá-lo na criação de produtos: impedia a realização dos chamados grupos de foco, técnica administrativa por meio da qual os consumidores são ouvidos detalhadamente antes dos lançamentos. “Como é que eu posso perguntar às pessoas como um computador baseado em uma interface gráfica deveria ser quando elas não têm a menor ideia do que seja um computador baseado em uma interface gráfica?”, costumava dizer. “Ninguém jamais viu algo assim.” Jobs tinha uma carta na manga em forma de retórica sempre que lhe indagavam a respeito das consultas preliminares com possíveis compradores. Citava Henry Ford, logo depois de pôr o modelo T na linha de montagem: “Se eu perguntasse a meus clientes o que eles queriam, teriam respondido que era um cavalo mais rápido”. Se Jobs tivesse feito consultas antes de anunciar o iPad, teria ouvido que se tratava de um iPhone gigante, e desistiria.

2001

| 12 DE OUTUBRO, 2011 | 13


Especial

9

10

É sempre melhor pegar um caminho Um pouco de autossuficiência é alternativo do que correr onde todos já bom – valorize sua própria marca estão “Eu valia mais de 1 milhão de dólares “Leonardo da Vinci era um grande artista e quando tinha 23 anos, mais de 10 um grande cientista. Michelangelo milhões quando tinha 24, mais de 100 conhecia a fundo o corte de pedras em milhões quando tinha 25, e isso não pedreiras. Edwin Land, da Polaroid, um dia era importante, porque nunca fiz nada disse: ‘Quero que a Polaroid se situe na por dinheiro.” (Em 1996, no documentário intersecção da arte e da ciência’ – nunca para a televisão O Triunfo dos Nerds) me esqueci disso.” (Na Time, em 1999) Jobs tinha um herói: Edwin Land (1909-1991), cientista e inventor, o pai da câmera fotográfica Polaroid. Chegou a visitá-lo algumas vezes. Irritou-se quando soube que Land fora demitido da Polaroid depois de um único fracasso – o Polavision, um sistema de visualização instantânea de filmes que sugou 7 milhões de dólares. John Sculley, ex-executivo da Apple, lembra que Jobs e Land tinham um pensamento comum sobre a invenção. “Os dois diziam que alguns produtos revolucionários sempre existiram, mas ninguém os havia visto. Para eles, tanto o Macintosh quanto a Polaroid estavam em algum canto – apenas foram descobertos.” Descobertos, a rigor, a partir de raciocínios lógicos que até então ninguém havia feito. Na criação do iPad, conta Carmine Gallo no livro Inovação – A arte de Steve Jobs, ele abriu uma reunião perguntando aos presentes por que não havia uma categoria intermediária de aparelho entre um laptop e um smartphone. “E se desenvolvêssemos uma?”. Assim nasceu o iPad, de uma provocação inteligente.

2011 No derradeiro ato, ao anunciar o iClound, o sistema de armazenamento nas “nuvens”

12 | 12 DE OUTUBRO, 2011 |

Em seu derradeiro ato, a apresentação do iCloud, o sistema que armazena todos os arquivos dos aparelhos da Apple, anunciado em junho deste ano, Jobs brincou de Deus ao dizer que “o centro de nossa vida digital estará nas nuvens.” As nuvens, no caso, são imensos servidores remotos aos quais se tem acesso por meio da internet. É como se Jobs, depois de ter reinventado o mundo com máquinas – o Mac, o iPod, o iPhone e o iPad –, tivesse decidido eternizar-se como o rei do conteúdo. Rico e famoso aos 20 e poucos anos, com o nascimento da computação pessoal, ele virou mito ao pôr nas mãos das pessoas toda a informação e diversão do mundo em aparelhos portáteis, cujo conteúdo agora anda nas nuvens. Uma missão de tamanha envergadura exigiria um ego de proporção igual – e também nesse aspecto Jobs foi campeão. A um jornalista que o indagou a respeito de seus hábitos de consumo (tinha pouquíssimos móveis em casa; virou lenda a sala de estar com apenas uma luminária e uma foto de Einstein na parede), Jobs respondeu: “Acabo não comprando muitas coisas porque eu as acho ridículas”. Ele viveu 56 anos para tentar provar o contrário às pessoas. Provou.




Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.