O MANÁ: PROVIDÊNCIA NO DESERTO Êxodo 16 Pr. Jorge Luiz Patrocinio EXÓRDIO Em 1931, no advento do movimento modernista (1910) grande novelista britânico Aldous Huxley escreveu uma série de histórias e contos chamada de “Um Novo Mundo Corajoso” (Brave New World) Vislumbrando uma era humanista-tecnológica Huxley afirmava que no futuro a sociedade seria massivamente arquitetada para evitar o sofrimento. E nesta nova sociedade as pessoas, como que numa cadeia industrial, seriam mecanizadas para obter a felicidade sempre. Mas como máquinas as pessoas não sobreviveriam sem receber mensalmente injeções de adrelalina para enfrentar os momentos que estivessem com medo, dor e sofrimento. Sendo assim, todas as intempéries da vida seriam neutralizadas por injeções de adrenalina que imunizariam o sistema nervoso, psiquico e físico do homem, fazendo-o viver num estágio de “eterna alegria”. Em 1836 (Cem anos antes e no final da revolução industrial-1840) outro novelista britânico, Charles Dicken, já havia demonstrado todo o seu descontentamento com a era industrial e o delírio e decepção que esta tinha lançado o homem. Dickens escreveu uma série de histórias com o título “Grandes Expectativas.” O título é uma sátira diante da decepção e o desespero que o homem se encontrava. Nesta série o autor fala da história de uma bela senhorita Havisham que fez cuidadosamente todos os preparativos para o seu grande e tão sonhado casamento. Mas o noivo não apareceu, deixando-a no altar. E desde de aquela decepção a Senhorita Harvisham trancou-se do mundo no mesmo local que a cerimônia deveria acontecer. Décadas depois está ela lá assentada na sua cadeira, vestindo o mesmo vestido de noiva agora amarelado pelo tempo. O bolo do casamento, borolento e cimentado ainda está lá na mesa principal. O
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relógio na parede está parado no exato momento que a cerimônia deveria ter acontecido. A senhorita Harvisham, na visão descrita por Charles Dickens, é uma mulher congelada no tempo, prisioneira na armadilha do seu próprio sofrimento. INTRODUÇÃO Esses dois novelistas pintam duas imagens contraditórias de respostas do ser humano ao sofrimento. De um lado, com uma injeção de adrelanina podemos evitar o sofrimento fingindo que ele não é real. Ou, por outro lado, podemos ficar aprisionados ao sofrimento, congelados na dor dos acontecimentos passados. Provavelmente você conhece alguém que tenha optado por uma dessas situações. Talvez você conheça alguém que sempre está bem, que nunca compartilha uma lágrima e que de alguma forma consegue blindar seu coração e sentimentos de qualquer sofrimento. Mas você deve conhecer alguém que parece estar afogado nas lágrimas dos sofrimentos passados. Pessoas que viveram um trauma, um luto, uma dor e que de alguma forma parecem reviver o evento a cada momento de sua vida. E os sorrisos das novas experiências de alegrias são assolados pela dor antes de chegarem à face. Negação ou Desespero: Mas são esses dois sentimentos os únicos a serem vividos à luz dos problemas da vida? Segundo as Escrituras, há uma terceira forma de responder o sofrimento; a saber, o caminho do crescimento e da maturidade em Deus. Falamos aqui de um caminho de encontrar em Deus uma forma de enfrentar o sofrimento numa visão mais abrangente e aprender e crescer à medida da estatura de Cristo. O Texto
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O capítulo 15 de êxodo termina com o grande episódio na região de Elim com água em abundância e de Elim eles então partem e se afundam no deserto de Sim. E agora, a imagem das fontes de Elim ficam para trás que são imediatamente trocadas pela murmuração diante da fome do povo. Vr. 2 “Toda a congregação dos filhos de Israel murmurou contra Moisés e Arão no deserto.” O resultado é como uma visão histórica do passado. De repente, o Egito se perde no horizonte de sua imaginação ao olhar para trás e não ver mais perdido no horizonte nenhum vestígio de cidade. E agora mais do que o delírio natural do deserto pela fome, o povo murmura pela fala de fé e confiança em Deus, gerando na mente daquele povo a visão de que o Egito era o último resort que tinham vivido. As panelas de carnes tomam a mente do povo fazendo-os apagar por completo as dores da escravidão. E eles reclamam com Moisés que demonstra claramente que eles estavam reclamando contra Deus. Mas curiosamente no início deste capítulo Deus não fala nenhuma palavra de repreensão. Neste estágio inicial da caminhada Deus reconhece a dificuldade da fome, afinal o deserto é sempre um lugar de morte. A palavra “deserto” tem a mesma raiz da expressão de Gênesis 1.2 “a terra estava sem forma e vazia”. É a idéia do caos pela a ausência de vida. E em Gênesis 1 o “caos” é transformado em “kosmos.” Deus fala e o caos é transformado num mundo organizado e habitável. Mas agora em Exodo 16 o “caos” está de volta com o deserto. O deserto é um lugar onde o diabo estava solto, a morte presente, a solidão é a companhia constante. E o deserto passa agora a ser a realidade daquele povo. Não é supresa que o povo reclame. Afinal aquela viagem ao deserto não era bem o que eles esperavam quando tinham se inscrito na odisséia da saída do Egito.
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Mas no meio disto tudo o verso 10 fala a maior verdade que mudaria, e muda, completamente a vida no deserto do povo de Deus. É um versículo que deveria estar escrito em letras garrafais. Êxodo 16:10 “Quando Arão falava a toda a congregação dos filhos de Israel, olharam para o deserto, e eis que a glória do SENHOR apareceu na nuvem.” O povo faminto olha de volta para o Egito tentando encontrar no horizonte ao menos a poeira se levantando da cidade da escravidão e de repente enquanto Moisés e Arão estão falando, Deus toma o povo pelos ombros e o faz olhar para frente em direção ao deserto e o que eles vêem vindo do meio do caos? A glória do Senhor. Vamos aguardar que esta visão penetre em nossa alma por um momento. Deus levanta o povo pelos ombros e o faz olhar para o deserto onde deveriam caminhar e a glória do Senhor aparece no deserto. Aplicação Lembre-se que nos momentos mais difíceis de nossa vida, Deus gentilmente nos faz experimentar de Sua presença doce e gentil. Quem aqui não viveu os momentos difíceis de separação, morte, dor e incertezas experimentando uma inconfundível e inexplicável paz que excede todo o entendimento? O deserto, o lugar do caos, agora apresenta a glória de Deus e o cuidado de Deus através do pão. O pão descendo no deserto transforma o lugar do inferno na terra em céu para o povo de Deus. Com isso Deus muda completamente o significado de deserto: O deserto, o caos, não é necessariamente um lugar físico com a falta de água, comida e companhia, mas pode ser um estado emocional e espiritual com a ausência de Deus. Por alguma razão o deserto se tornaria o lugar onde Deus iria alimentar o seu povo em direção à maturidade. Vr. 10 “...os filhos de Israel olharam para o deserto, e eis que a glória do Senhor apareceu na nuvem.” Por quê? O que a experiência do maná (e cordonizes) ensinou o povo de Israel e ensina a nós hoje?
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O maná foi uma forma de Deus sustentar o povo, mas ao fazer isso Deus meticulosamente planejou a descida do maná e como isso aconteceu tem muito a nos ensinar.
O MANÁ: PROVIDÊNCIA NO DESERTO 1. O maná vem para gerar dependência e confiança em Deus Vr. 4 “... o povo colherá diariamente a porção para cada dia...” Para nós que vivemos um contexto brasileiro de tanta fartura é difícil compreender esse episódio. Eles estavam no deserto. Colher a mais para o próximo dia parecia ser uma ação de mordomia e administração. Mas Deus disse: O povo colherá diariamente a porção apra cada dia. Quando todas as nossas estruturas e seguranças materiais são arrancadas debaixo de nossos pés, Deus manifesta a Sua glória para nos fazer crescer em confiança e dependência. Se o povo de Israel tivesse de caminhar em direção ao deserto, ao lugar de caos, eles iriam fazer “unicamente porque Deus estava com eles.” Deus usa os episódios mais difíceis na vida para fortalecer a nossa confiança e dependência. E nesses episódios Deus não nos arranca de lá de forma instantânea e abrupta; pelo contrário, Ele nos guia em providência diária dentro desses episódios. E Deus faz isso para gerar confiança e dependência. Caio Fábio quando tinha a sua mente sã espiritualmente escreveu um livro chamado “oração para viver ou morrer” e ele fez uma afirmação que a dispeito de todos os caminhos errados que acabou tomando na vida ainda se estende para nós. A afirmação vem de um paralelo entre o passado e o presente. Ele está trabalhando a idéia de que os benefícios sociais de hoje acabam nos afastando da oração. E ele diz o seguinte: - Antigamente a mulher grávida orava por um menino ou uma menina, hoje ela recorre a ultrasonografia.
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- Antigamente o chefe de família atrasado na viagem de volta para casa orava por sua família e sua família orava por seu retorno; hoje ele lança mão do celular e avisa. O ponto não é que não devemos usar a teconologia presente, mas que as benesses de nossos dias não podem nos roubar o tempo de oração e dependência de Deus. No deserto Deus demonstrava Sua glória todo dia para que não houvesse nenhuma dúvida do porque eles estavam vivos. Ninguém quer sofrer e ninguém quer andar no deserto. Apenas os masoquistas buscam a dor como forma de prazer. Nenhuma pessoa normal quer sofrer. Mas é preciso entender uma verdade: Deus criou Adão e Eva e os colocou naquele belo Jardim do Éden de felicidade que supostamente seria eterna, mas no mundo pós Edênico a morte, a dor e o sofrimento passaram a existir de forma real e universal. E elas não aparecem como um sinal da ira de Deus ou do abandono de Deus sobre nós. Elas vêm como resultado do curso natural da desobediência de Adão. No entanto, não precisamos vivê-las na negação ou no deserpero; mas podemos, e devemos, confrontar o sofrimento com o sentimento de aprendizagem e crescimento espiritual na presença de Deus. Jesus nos ensiou a orar pedindo a provisão diária e declarando nossa dependência “...o pão nosso de cada dia dá-nos hoje...”
2. O maná vem também para criar obediência Vr. 16 “Eis que o Senhor vos ordenou: Colhei disso cada um segundo o que pode comer...” Vimos que o maná deveria ser uma providência diária. E a confiança e dependência deveriam gerar a obediência. Geralmente temos a tendência de ver o “maná” como um presente, mas Deus o vê como “um teste”. O povo poderia continuar dependendo de Deus?
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Veja irmãos a diferença entre a dependência/confiança e a obediência é que “na dependência/confiança não temos nada e aprendemos a olhar para o alto” na obediência temos tudo, mas aprendemos a lançar mão somente daquilo que Deus nos manda tomar. Vrs. 17-18 “Uns tomavam mais outros menos mas medindo com gômer não sobejava ao que colhera muito, nem faltava ao que colhera pouco...” A providência diária visava trabalhar com o mais danoso princípio da fé que está presente na vida do homem desde sempre; a saber, “a ansiedade da vida.” Jesus disse: “Não andeis ansiosos.” A ansiedade destrói a fé e a confiança e arranca os nossos olhos do Deus do maná para nos fazer olhar para o maná de Deus. Vr. 28 “Então disse o Senhor a Moisés: Até quando recusareis guardar os meus mandamentos?” Veja que Deus não fala palavras duras no início do capítulo quando o povo murmurou. Mas agora Ele fica indignado quando o povo colheu no sétimo dia. Quando não temos confiança ou dependência de Deus diante dos problemas e escasses da vida, Ele é paciente conosco. Mas de experimentarmos o cuidado de Deus demonstrarmos desobediência indo além do que Deus dá realmente provoca o descontamento de Deus. É por isso que Samuel afirma que a “desobediência é como o pecado de feitiçaria.” (1 Sm. 15.23) A glória de Deus faz o maná descer dos céus em medidas proporcionais a cada dia e a cada pessoa para movê-los em direção a obediência.
3. O maná é apresentado para criar identificação maiorO apóstolo João, capítulo 6, narra propositalmente Jesus multiplicando e alimentando uma multidão com pão.
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E no mesmo capítulo (6:16-21) João menciona Jesus andando sobre o mar. Ou seja, enquanto o povo de Israel passa pelo mar vermelho a pé enxuto, Jesus caminha no mar de tiberíades a pé enxuto também. E logo em seguida – Vrs. 22-40 – João abre uma discussão entre os judeus e Jesus a respeito da multiplicação dos pães. Nos vrs. 30-31 os judeus dizem: “Que sinal fazes para que creiamos em ti? Nossos pais comeram o maná no deserto...” Jesus responde (Vrs.32-35) “Não foi Moisés quem vos deu pão dos céus. O verdadeiro pão dos céus é meu Pai que vos dá. Porque o pão de Deus é o que desce do céu e dá vida ao mundo... Eu sou o pão da vida; o que vem a mim jamais terá fome; e o que crê em mim jamais terá sede.” Jesus é o pão vivo que desceu dos céus. E o que esse fato nos ensina quando estamos no deserto da vida? O povo de Israel aguardava o Messias que fosse libertador: Estamos escravizados agora, diziam eles, mas quando o Messias chegar nós seremos libertos do poder de Roma. Os quatro Evangelhos narram o batismo de Jesus tamanho a importância deste evento. Marcos narra o batismo de forma resumida do acontecimento com apenas 3 versículos (Mc. 1.9-11). Jesus desce às águas e ao sair das águas acontece o único lugar na Bíblia em que a Trindade se manifesta de forma clara: A voz de Deus aparece e diz: Este é meu filho amado. O Espírito Santo aparece em forma de pomba descendo sobre ele. Mas Marcos é o único que afirma que (1:12) “imediatamente” (a seguir) Jesus foi levado para o deserto. De repente toda a glória Trinitária e o aparecimento lindo da pomba do Espírito no batismo são substituídos imediatamente pelo caos do deserto e a presença da ave de rapida, do morcego negro, do maligno.
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E alí no deserto Jesus é deixado só para ser tentado pelo diabo. Mateus 4:11 “Com isto, o deixou o diabo, e eis que vieram anjos e o serviram” no deserto. O maná no deserto serviu para ensinar aquele povo que o Salvador também experimentou o deserto e Ele que venceu no deserto se tornou o nosso alimento diário para vencermos o deserto da vida.
Conclusão No deserto você não precisa viver a rejeição da dor ou o desespero. Você pode viver com a forma de aprendizado através da confiança, da obediência e da identificação com Cristo.
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