Hematologia Oncologia

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Edição

REVISTA ESPECIALIZADA | ANO 3 | NÚMERO 14 | junho 2016 (TRIMESTRAL) | 3€

novidades terapêuticas em Hemato-Oncologia

27.ª Sabatina de Hematologia do Serviço de Hematologia Clínica do CHUC

Entrevista à Prof.ª Doutora Leonor Correia

Curso Pós-Graduação e Atualização em Hematologia da faculdade de farmácia de lisboa

IPO porto

Serviço de genética com certificação eutos


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Há sensivelmente três anos, o Serviço de Genética do IPO do Porto recebeu a certificação pelo Consórcio EUTOS para monitorização de respostas moleculares (RM4.5) na leucemia mieloide crónica (LMC). O IPO do Porto é, a par do IPO de Lisboa, a única instituição hospitalar do país com este nível de certificação, um motivo que enche de orgulho o Dr. Nuno Cerveira, responsável pela área da Onco-Hematologia Molecular do IPO do Porto e um dos principais impulsionadores deste projeto.

Dr. Nuno Cerveira responsável pela área da Onco-Hematologia Molecular do IPO do Porto

Serviço de Genética do IPO do Porto monitoriza cerca de 400 doentes com LMC de todo o país que “esta prova acabou por ser superada” e que os “resultados obtidos foram excelentes”. Aliás, “foi com base nestes resultados que foi atribuída a certificação pela EUTOS”. Além do IPO do Porto, também o IPO de Lisboa está certificado para monitorização de respostas moleculares de nível 4.5, mas nem sempre houve essa capacidade instalada em Portugal: “Há pouco tempo, alguns doentes com LMC que entravam em ensaios clínicos com inibidores de tirosina cinase eram monitorizados num laboratório em Barcelona. A ideia era inverter esta

tendência e trazer o know-how para Portugal, porque está demonstrado que temos capacidade e conseguimos desenvolver metodologias próprias.” O Dr. Nuno Cerveira esclarece, desde que foram implementadas em 2001, “estas metodologias próprias de trabalho”, permitiram “uma poupança de recursos”: “Estas técnicas certificadas (e desenvolvidas pelos profissionais do IPO) não se baseiam em kits. Deste modo, conseguimos manter a independência face a empresas que comercializam esses kits, por vezes com custos exagerados.”

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O caminho até à obtenção da certificação pela EUTOS para respostas moleculares de nível 4.5 (RM4.5) na leucemia mieloide crónica (LMC) não foi fácil. “Primeiro, porque houve necessidade de dar provas de profissionalismo”, recorda o Dr. Nuno Cerveira, responsável pela área da Onco-Hematologia Molecular do IPO do Porto. “Segundo, tivemos de demonstrar que o laboratório era efetivamente credível e, para isso, tivemos de avaliar uma série de amostras de outros laboratórios. Digamos que foi como uma espécie de exame”, diz o responsável, revelando

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O trabalho “no terreno” O Laboratório de Genética Molecular do IPO do Porto, localizado no piso 6 de um edifício moderno e envidraçado (mais conhecido pelo Edifício dos Laboratórios), é parte integrante do Serviço de Genética, dirigido pelo Prof. Doutor Manuel Teixeira. Além do Laboratório de Genética Molecular, fazem parte do Serviço de Genética outras valências, como a Consulta de Oncogenética e o Laboratório de Citogenética. Quanto ao Serviço prestado pelo Laboratório de Genética Molecular do IPO do Porto, o Dr. Nuno Cerveira esclareceu que “neste local é realizada a monitorização dos doentes de muitos centros nacionais, oferecendo

uma extraordinária resposta, quer em qualidade, quer em rapidez”, sendo este, na opinião do especialista, “um aspeto critico na monitorização dos doentes com LMC”. Com uma cobertura nacional, o Laboratório de Genética Molecular do IPO do Porto dá resposta a vários centros de Portugal Continental e Ilhas. Ao todo, além do próprio IPO do Porto, é preciso responder à demanda de outros centros hospitalares, nomeadamente, Matosinhos, Gaia, Braga, Viseu, Figueira da Foz, São Francisco Xavier (Lisboa), Setúbal, toda a região algarvia, Beja, Ponta Delgada e Horta. “No total, devemos contabilizar cerca de 400 doentes com LMC oriundos de todos esses centros,

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Workshop de Diagnóstico e Monitorização da LMC

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No dia 30 de abril,decorreu, nas instalações do IPO do Porto, um Workshop de Diagnóstico e Monitorização da LMC, com a parceria da Novartis, no qual participaram 17 jovens hematologistas de todo o país. Esta sessão, com uma componente teórico-prática, permitiu que, ao longo de uma manhã, os participantes pudessem perceber como funciona um laboratório de Genética, na área da LMC, tanto a nível molecular, como em termos de citogenética. “É impossível pô-los a pôr a ’mão na massa’, porque o processamento de amostras, extração de RNA e síntese

de DNA demoram horas, mas, pelo menos, conseguimos transmitir a dinâmica de funcionamento do trabalho que é conduzido num laboratório”, fundamentou o Dr. Nuno Cerveira, um dos quatro “instrutores” neste Workshop. Na foto: Dr.ª Susana Lisboa, Dr.ª Cecília Correia (ambas do Laboratório de Citogenética), Dr. Nuno Cerveira e Dr.ª Susana Bizarro (Laboratório de Genética Molecular) foram os quatro “instrutores” do Workshop de Diagnóstico e Monitorização da LMC, que decorreu no dia 30 de abril nas instalações do IPO do Porto

Alguns doentes com LMC que entravam em ensaios clínicos com inibidores de tirosina cinase eram monitorizados num laboratório em Barcelona. A ideia era inverter esta tendência incluindo o próprio IPO”, afirmou o Dr. Nuno Cerveira, acrescentando que é “um trabalho pesado”, porque acabam por receber dados de cinco a seis doentes por dia. “Temos mais doentes em diagnóstico para monitorizar já que a incidência de LMC é de 1,5/2 casos por cada 100 mil habitantes. Estão cada vez a entrar mais doentes novos e - felizmente - a esperança de vida destes doentes é atualmente muito semelhante à da população em geral. Mas obriga a uma monitorização ao longo de toda a vida. É um volume de trabalho que tem vindo a aumentar, sobretudo, agora, que se equaciona a possibilidade de parar o tratamento de alguns doentes” explicou este especialista, acrescentando que na área molecular este trabalho é repartido com a Dr.ª Susana Bizarro. No Laboratório de Citogenética, onde exercem atividade as Dr.as Cecília Correia e Susana Lisboa, é feito o estudo do cariótipo na área da LMC”, sobretudo à data do diagnóstico. “No fundo, este trabalho procura identificar alterações adicionais que condicionam o diagnóstico. É um trabalho que repetimos, em regra, durante o primeiro ano, até o doente atingir uma resposta molecular major, mas depois dessa altura não há necessidade de submeter o doente a um processo desagradável que é uma colheita de medula óssea”, fundamentou. Após este período, “os doentes deixam de ser seguidos pela citogenética e passam a ser seguidos exclusivamente pela área molecular”, a não ser que haja sinais de progressão da patologia ou evidência molecular de suspeita


perda de resposta citogenética completa. “Nestas situações, fazemos novamente o cariótipo e verificamos se há alguma alteração adicional que sugira progressão”, confirmou. O Dr. Nuno Cerveira explicou que, no Laboratório de Genética Molecular do IPO do Porto, “os profissionais são inflexíveis” e a monitorização molecular durante o primeiro ano é feita com uma cadência de três em três meses. Todos os dados são registados informaticamente, em bases de dados próprias, e para cada doente, existe uma descrição detalhada de toda a evolução genética e clínica. Mas, ao contrário do que se possa pensar, o Dr. Nuno Cerveira frisa a mensagem de que este processo não é uma mera análise molecular: “Não avaliamos amostras, avaliamos doentes. E para qualquer doente novo exigimos uma história clínica detalhada: data de diagnóstico, terapêuticas que fez, quando iniciou, quando terminou, etc…. Com base neste historial vamos

Parar ou não parar: eis a questão? A propósito desta temática, o Dr. Nuno Cerveira confessa que, hoje em dia, há uma discussão mais alargada em torno dos critérios de paragem terapêutica em doentes com LCM tratados com TKI de primeira geração. No entanto, o Dr. Nuno Cerveira confessa que “ainda não há possibilidade de identificar com segurança todos os doentes elegíveis para paragem terapêutica” Mesmo depois de cumpridos todos os critérios, há uma percentagem de 40-50% de doentes que recaem. Ainda assim, explicou, “dos estudos publicados, que incluíram mais de 2000 doentes, verificou-se que apenas um

fazer uma avaliação. Os nossos relatórios são interpretativos e fazem recomendações. Todos os relatórios são enviados em formato PDF por

doente progrediu para fase blástica” Nos casos em que ocorre perda de resposta no seguimento da paragem terapêutica, “a reintrodução do tratamento permite que os doentes rapidamente readquiram respostas moleculares ótimas e profundas”. Esta estratégia de paragem terapêutica, que está a ser testada em vários centros, inclusivamente em Portugal (fora do âmbito de ensaios clínicos) para já só inclui suspensão da terapêutica com imatinib. “Idealmente, antes de pararmos o tratamento, o doente devem manter-se em resposta molecular profunda pelo menos durante dois anos.”

correio electrónico para o diretor do Serviço ou para o responsável. Mas exige uma grande análise de dados, um caudal enorme de avaliação de dados.

Flash interview

Quais foram, na sua perspetiva, as principais “lições” que retirou da participação neste evento? O curso foi muito interessante já que teve uma abordagem sobre como

De que modo é que esta participação mudou ou mudará a

sua prática clínica, em termos de conhecimentos? A participação no curso reforçou os meus conhecimentos sobre o diagnóstico da LMC e a monitorização da resposta à terapêutica. Concomitantemente, ao ter uma noção mais clara das metodologias utilizadas, posso ser mais crítica em relação aos resultados apresentados, como por exemplo, procurar sempre o número de cópias do gene-controlo na avaliação da profundidade de resposta ao tratamento. Ao conhecer as rotinas do laboratório e todos os “passos” até à obtenção de resultados, tanto de citogenética como de biologia molecular, consigo perceber as limitações de cada técnica e adaptar os testes pedidos às “dúvidas” que quero ver respondidas. Assim, permitiu-me saber o que esperar de um laboratório de citogenética e de Biologia Molecular e saber o que posso otimizar do meu lado para permitir uma articulação melhor com o laboratório, em benefício do doente.

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A Dr.ª Daniela Alves, interna do 5.º ano de Hematologia Clínica do Serviço de Hematologia e Transplantação de Medula do Hospital de Santa Maria (Centro Hospitalar Lisboa Norte), e uma das participantes deste Workshop, partilhou a sua opinião em relação a este evento.

diagnosticar e monitorizar os doentes com LMC, onde foi explicado os fundamentos de cada técnica utilizada, dando-nos uma perspetiva sobre como é feita esta avaliação a nível laboratorial. Mostrou do ponto de vista prático, como é o funcionamento do laboratório e como este trabalho pode ser otimizado quando bem articulado com a clínica e os restantes serviços de apoio ao diagnóstico, permitindo demonstrar o quão importante é o trabalho integrado entre as várias unidades, para um bom manejo do doente. Julga que este tipo de iniciativas deveria ser mais expandido para divulgar este trabalho? Acho que sim, uma vez que muitas vezes do lado da clínica não temos noção de alguns pormenores mais práticos, desde a colheita de amostras nas condições ideais até à interpretação de relatórios, que pode dar lugar a interferências na decisão terapêutica.

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