Prof. Dr. Antônio Francisco de Paula Souza Antônio Francisco de Paula Souza foi uma personalidade de renome no Brasil e no exterior. Nutria grande amor pela engenharia e contribuiu com os conhecimentos adquiridos na Europa e nos EUA para alavancar o ainda incipiente desenvolvimento urbano e industrial no Brasil. Nascido no Brasil de D. Pedro II, vivenciou intensamente a transição do Império para a República. Engenheiro, político e professor, Paula Souza foi um liberal e lutou pelos ideais republicanos e pela abolição da escravatura. Foi um forte oposicionista da Monarquia e, acima de tudo, um empreendedor. Sua principal motivação era reverter a situação de atraso do país e colocar São Paulo nos trilhos do progresso por meio do conhecimento científico e tecnológico. Foi um grande defensor do ensino público gratuito e fundador da Escola Politécnica de São Paulo, onde implantou o Gabinete de Resistência dos Materiais, embrião da pesquisa tecnológica aplicada que daria origem,
1843 - 1917
Engenheiro, Político e Educador, um homem à frente de seu tempo, trabalhou para o progresso industrial e intelectual do país
mais tarde, ao IPT. Como educador, desejava implantar no Brasil um ensino voltado para a formação de profissionais com habilidades práticas, e não apenas teórica. Com este intuito, convidou especialistas europeus e americanos para lecionar na Poli, onde ocupou o cargo de Primeiro Diretor, de 24 de novembro de 1894 a 13 de abril de 1917, quando faleceu – preparando sua aula para o dia seguinte.
Vida Paula Souza nasceu no Brasil Império em 6 de dezembro de 1843, na cidade paulista de Itu. Filho do médico Antonio de Paula Souza e de
“O trabalho não desonra ninguém”
Maria de Raphaela, filha de Antônio Paes de Barro, Barão de Piracicaba, herdou cedo o gosto pela política com seu pai.
1819 - 1866 Antônio de Paula Souza (pai) foi Deputado Provincial, Deputado Geral, Ministro da Agricultura e elaborou o primeiro projeto para abolir a escravidão no Brasil O País era governado por D. Pedro II, responsável pela introdução da ferrovia no Brasil, além de fundar algumas das primeiras instituições científicas, como o Instituto Baiano de Agricultura, Instituto Agronômico de Campinas, Instituto Histórico e Geográfico do Brasil e a Escola de
1862 | Foto enviada à família enquanto estudante em Zurich
1863 | Grupo Rhenania, em Karlsruhe (Alemanha). Paula Souza entrou para esse clube de estudantes onde ocorriam reuniões para estudos, festas e prática de esportes como esgrima
Minas de Ouro Preto. Promovia ações de fomento com a intenção de aliar ciência à produção agrícola. Contudo, o Estado provincial era limitado frente à crescente demanda do setor agrário exportador. Paula Souza estudou em São Paulo (SP) e em Petrópolis (RJ). Devido à escassez de cursos técnicos de qualidade no Brasil, foi enviado pelo pai à
Em 1870 retorna à Suíça para casar-se com Ada Virgine Herwegh, filha do poeta Georg Herscolgly. Em seguida, volta com a esposa para o Brasil, instalando-se a princípio em Itu, e começa uma proveitosa carreira como engenheiro ferroviário na Companhia Ituana.
Europa para continuar seus estudos. Aos 15 anos (1858), partiu com seus tios para a cidade de Dresden (Alemanha). Década de 1860 | Ada Virgine Herwegh, conheceu Paula Souza por intermédio do seu irmão, o estudante de engenharia Horácio Herwegh
Aos 18 anos, matriculou-se na Polytechnikum da Universidade de Zurich, na Suíça. Em 1863, Paula Souza transferiu-se para a Politécnica em Karlsruhe, Alemanha, realizando trabalhos práticos, como a construção da importante ferrovia Nord-Ost-Bahn. Correspondia-se frequentemente com seu pai, tecendo críticas e reflexões sobre
1862 | Paula Souza e
questões emergentes no Brasil e na Europa,
seus colegas de Zurich
principalmente sobre a figura de D. Pedro II e o descrédito da política brasileira. Formou-se engenheiro em 1867, partindo para os
1891 | Família Paula Souza. O casal teve 14 filhos, mas apenas sete sobreviveram. Em pé, da esq. para a dir, Paula Souza e as filhas Maria Raphaela, Elza e Virginia. Abaixo, sentados: Ada (esposa), as filhas Adinha e Gertrudes, e Geraldo Horácio, o caçula da família
Estados Unidos dois anos depois para ampliar sua formação. Durante a viagem, salva-se de um
1863 | Paula Souza (sentado) e os seus colegas de Karlsruhe
A formação adquirida no exterior influenciou profundamente o trabalho
naufrágio na costa da Martinica e, chegando a
que desenvolveria no Brasil durante sua vida. As leituras de Alexis de
Nova York, depara-se com grandes dificuldades
Tocqueville, o liberalismo e a democracia norte-americana nortearam
financeiras. Conseguiu o primeiro emprego
seu ideário político, levaram-no a escrever o panfleto “A República
como carregador de algodão em St. Louis, no
Federativa do Brasil”, que apontava as falhas do sistema político vigente,
Missouri, e depois como desenhista na empresa
falta de liberdade do cidadão, problemas da escravidão e falta de
Rockford-Rhode-Island & St. Louis.
infraestrutura da província de São Paulo.
Contribuições Em 1871 Paula Souza retornou ao Brasil, passando a se dedicar ao desenvolvimento brasileiro, conciliando três profissões: engenheiro, político e educador.
Engenheiro
Político
Entre 1871 e 1891, Paula Souza ocupou vários cargos administrativos na
Antimonarquista, foi um dos organizadores da Convenção Republicana
Província de São Paulo, atuando intensamente no projeto e construção
realizada em 1873 em Itu, que deu origem ao Partido Republicano
de estradas de ferro, essenciais para os cafeicultores da região.
Paulista (PRP). Paula Souza participou ativamente dos movimentos em
Introduziu no Brasil novos métodos topográficos para traçados férreos,
prol da República e pela abolição da escravidão.
sendo o primeiro a empregar o taqueômetro, que otimizava o tempo de exploração e coleta de dados geofísicos e topográficos. Em 1870
Em 1892, poucos anos após a Proclamação da República, foi eleito
implantou a ferrovia econômica de Paul Decauville, baseada na bitola
deputado estadual, defendendo o desenvolvimento do Brasil pela
estreita, e em 1873 publicou o livro “Estradas de Ferro na Província de
via tecnológica, a exemplo das experiências de países europeus e dos
São Paulo”.
Estados Unidos. Em 1893, no mandato do presidente Floriano Peixoto (1891-1894), foi designado Ministro de Relações Exteriores e Ministro da Agricultura e Viação. No governo estadual, tornou-se Superintendente de Obras Públicas do Estado de São Paulo em 1889. Como deputado, foi autor do projeto da Escola Politécnica. O objetivo era formar profissionais para as atividades industriais e urbanas, com conhecimento multidisciplinar, boas noções de gestão e capacidade de empreender obras civis. Além disso, havia o desafio de produzir uma tecnologia própria para que o Brasil deixasse de depender das importações. Na época, as únicas escolas de engenharia do País eram a Politécnica do Rio de Janeiro (1875) e a Escola de Minas de Ouro Preto (1874), de
1910 | Estudo experimental de galeria para a cidade de Jaú Paula Souza desenvolveu um sistema completo de saneamento básico das cidades paulistas e implantou as redes de água e esgoto na capital, em Santos e no interior
tradição francesa e ênfase teórica e abstrata. Influenciado pela formação alemã, suíça e americana, Paula Souza queria implantar uma escola voltada para a prática e para as necessidades básicas da nação, optando pelo modelo de ensino da Polytechnikum de Zurich, onde estudou.
Atuou também como engenheiro sanitarista, projetando o uso do sistema intermitente por meio de chafarizes automáticos para cidades pequenas. Realizou, em parceria com o engenheiro Theodoro Sampaio (1855-1937), o “Primeiro plano de saneamento para a cidade de São Paulo”; fez o restauro da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Candelária, em Itu (1887), e o projeto do edifício da Escola Normal Caetano de Campos (1890), com o arquiteto Ramos de Azevedo, que se tornou um grande amigo. Década de 1890 | Estruturas metálicas importadas na Serra do Mar, que ligava as fazendas de café da cidade de São Paulo ao Porto de Santos. Obra da The São Paulo Railway Company. Paula Souza projetou e construiu estradas de ferro da Companhia Paulista, Ituana, Mogiana e Sorocabana
1890 | Membros do governo provisório de São Paulo. Paula Souza (terceiro da esq. para a dir.) foi o diretor da Superintendência de Obras Públicas do Estado de São Paulo
Contribuições Educador Inaugurada em 15 de fevereiro de 1894, a Escola Politécnica de São Paulo contava com 31 alunos matriculados e 28 ouvintes. Foi um grande evento político, social e econômico para o País. No discurso de posse, o diretor Paula Souza ressaltou o desejo da transformação nacional por intermédio do ensino científico e a necessidade da industrialização para o progresso brasileiro.
“Sim, Srs., si fossem comesinhos ao nosso povo conhecimentos technicos, teríamos, graças à reconhecida inteligência e natural perspicácia dos filhos desta terra, uma indústria variada, prospera e bem dirigida. Essas riquezas fabulosas, que existem ocultas no nosso solo e sub-solo, nas nossas extensas mattas e campinas, nos nossos caudalosos rios e impetuosos ribeiros, seriam convenientemente aproveitadas; em nosso próprio lar encontramos facilmente o que hoje, com grande dispêndio, necessitamos importar do estrangeiro!”
1894 | Primeira sede da Escola Politécnica, inaugurada em 15 de fevereiro de 1894, na Mansão dos Três Rios, no bairro do Bom Retiro, em um prédio improvisado. A Escola permaneceu no endereço até 1899
(Paula Sousa no discurso inaugural da Escola Politécnica)
Paula Souza impunha um ritmo de trabalho intenso. Durante o período em que esteve na direção da Politécnica (1894 – 1917), São Paulo se expandia. Chegavam imigrantes de toda parte. O governo apoiava a oligarquia cafeeira, que incentivava o processo de infraestrutura brasileira e a instalação de ferrovias para o escoamento do café.
1900 | Prédio da Escola Politécnica, no bairro do Bom Retiro, construído entre 1895 e 1898. Na foto, aula prática do curso de Engenharia Agrícola. A Poli permaneceu no bairro até 1973, quando foi transferida para a Cidade
A Escola Politécnica de São Paulo desempenhou papel relevante nesse
Universitária, atual localização
processo, introduzindo análises topográficas e de engenharia mecânica, estudos que também estimularam a urbanização e remodelação da cidade, à medida que ruas, pavimentações, calçadas e sistemas de esgoto eram erguidos. Para consolidar a qualidade do ensino oferecido pela Poli, Paula Souza contratou professores estrangeiros como o suíço Roberto Mange para cadeira de Engenharia Mecânica, responsável pela construção, em 1913, das primeiras máquinas de usina de açúcar no Brasil, e Felix Hegg para a cadeira de Termodinâmica. Nos seus discursos de colação de grau aos engenheiros, suas palavras tinham uma preocupação com a educação gratuita e com a formação de “cidadãos que saibam executar e praticar”. Para ele cabia “ao
engenheiro como qualquer outro profissional(...), cumprir rigorozamente com os seus deveres, de proceder sempre com hombridade, lealdade e firmeza.” (Revista Polytechnica, 1918).
1911 | Paula Souza e um grupo de alunos da Escola Politécnica. Ele cuidava do comportamento moral dos estudantes, proibindo assobio e jogos de pelotas. Tal cuidado se estendia até o corpo docente, cujas aulas eram por ele assistidas
Gabinete de Resistência dos Materiais Para viabilizar a parte prática do ensino na Escola Politécnica, Paula Souza cria em 1899 o Gabinete de Resistência dos Materiais (GRM), do qual foi diretor até 1903. O Gabinete foi o embrião do futuro Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), fundado em 1934. No GRM eram realizadas as pesquisas experimentais dos docentes e alunos para a nascente indústria da construção civil. Eram testados materiais como pedras, tijolos, telhas, madeiras, metais, cimentos importados e o primeiro cimento nacional, para definir o quanto
1910 | Vistas internas do Gabinete de Resistência dos Materiais, embrião do IPT: primórdios da metalografia microscópica no Brasil
poderiam resistir sob esforços de tração, compressão, flexão e torção. As pesquisas resultaram na edição do “Manual de Resistência dos Materiais”, publicado em 1905, que compilava informações sobre propriedades físicas, mecânicas e químicas dos materiais utilizados na construção civil. Foi a primeira publicação do gênero na América do Sul.
De laboratório experimental com funções didáticas, o GRM passou a assumir o caráter de instituto normativo, estabelecendo medidas oficiais que se tornaram padrões. Problemas técnicos importantes da época começaram a ser estudados, como os elementos estruturais do Reservatório da Mooca (1907) e da galeria pluvial para a cidade de Jaú (1910). Foram realizados também ensaios metalográficos e de
1904 | Paula Souza, sentado, o segundo da esq. pra dir., e grupo de estudantes e professores que elaboraram o “Manual de Resistência dos Materiais”.
tratamentos térmicos que subsidiaram a fabricação em escala industrial de tubos de ferro fundido centrifugado, utilizados na canalização de água e de gás da cidade de São Paulo, e dos materiais para a construção do prédio Guinle (1913), primeiro grande edifício de concreto armado de São Paulo, construído na rua Direita.
década de1900 | Hippolyto Gustavo Pujol Jr., presidente da comissão responsável pela organização do “Manual de Resistência dos Materiais”, na prensa do Gabinete de Resistência dos Materiais
1907 | Estudo experimental dos elementos estruturais do reservatório de água do bairro da Mooca, São Paulo: ensaio do modelo de uma viga de concreto armado
O GRM introduziu a metalografia no Brasil, que permitiu a análise
A expansão urbana e industrial do Brasil no início do século, aliada
da estrutura microscópica da ligas metálicas usadas na construção
à necessidade de substituição de importações durante a Primeira
civil e em vários tipos de trilhos, e, mais tarde, também usadas na
Guerra Mundial (1914-1918), fizeram do GRM uma entidade de grande
indústria automobilística. Em 1912, o Gabinete contava com um banco
importância e alto conceito, podendo ser comparado aos melhores
metalográfico idêntico ao de Paris, além de fornos e pirômetros para
institutos europeus.
tratamentos térmicos.