Paulus Aulus Pompéia foi engenheiro eletricista, físico e educador. Homem de grande cultura científica, foi personagem marcante entre os anos trinta e setenta, décadas de grande efervescência cultural no Brasil, atuando diretamente em pesquisa e na formação de cientistas. Professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, foi um dos fundadores do Instituto Tecnológico de Aeronáutica – ITA, pioneiro nos estudos de física teórica e de raios cósmicos no País. Com visão de longo prazo e ideias muito à frente do seu tempo, Pompéia considerava essencial investir na capacitação de pesquisadores, já que são eles os principais responsáveis pelas inovações e pelo desenvolvimento do País. Educador sereno e visionário, o professor Pompéia contribuiu para que o pesquisador ipeteano descobrisse os seus próprios caminhos. Atuou de maneira brilhante na valorização de profissionais, na produção acadêmica e no trabalho técnico-cientifico, fatores essenciais para o bom desempenho da instituição. Além disso, implementou um plano de carreira no Instituto.
Paulus Aulus (1911 - 1993)
Era um profissional de coração aberto para receber todos que o procuravam. Seu trabalho contribuiu para a busca de novos talentos e o crescimento de vários profissionais que hoje são autoridades no País nas áreas tecnológicas. Contribuiu também para que o Instituto chegasse aos seus 113 anos como uma referência nacional pela capacitação idônea dos seus funcionários. E foi precisamente nesse enquadramento sociocultural e científico que ele atuou por cerca de 11 anos no Instituto. Prof. Pompéia faleceu no dia 10 de fevereiro de 1993, deixando uma herança de peso para a ciência e educação brasileiras.
Em 1911 a Conferência de Solvay, primeira de uma série de reuniões científicas realizadas na cidade de Bruxelas, reúne os mais consagrados cientistas da época para discutir questões relacionadas à física e à química. Os cientistas Ernest Rutherford, Hans Geiger e Ernest Marsden realizam o experimento de Rutherford e provam o modelo atômico com um núcleo pequeno, denso e positivo, rodeado por uma nuvem difusa de elétrons. É nesse ano que nasce Paulus Aulus Pompéia, na cidade paulista de Sorocaba, em 01 de outubro, filho de Maria das Dores Junqueira de Oliveira Pompéia e de Jonas Pompéia, engenheiro civil especialista em estradas de ferro. Caçula de uma família de três irmãos, Paulus aprendeu com seu pai a montar pequenos circuitos elétricos e a utilizar equipamentos eletrônicos. Aos 16 anos mudou-se para a cidade de Batatais para tratamento de saúde em um internato no Colégio de Jesuítas. Terminou o colégio (atual ensino médio) na cidade de Ribeirão Preto em 1928.
Em 1934 é criada a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) da Universidade de São Paulo (USP) e o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT). Influenciado pelo amigo da Politécnica, o futuro físico Mario Schenberg, Paulus começa a assistir aulas de física e matemática na FFCL. Em 1936, ano seguinte à sua formatura, começa a trabalhar no Laboratório de Máquinas e Eletrotécnica da Escola Politécnica como ajudante de laboratório, aferindo instrumentos de medição, e matriculase no curso de Matemática da FFCL. Com a ajuda do Professor Gleb Wataghin, físico experimental ucraniano e um dos fundadores do Depto. de Física da Faculdade de Filosofia da USP, Pompéia decide se transferir para o curso de Física. Em 1939 deixa a Politécnica, conclui o curso de Física e casa-se com Wanda Mattos Pimenta, sua paixão da adolescência. Dessa união nasceram 12 filhos e um amor que durou 54 anos de companheirismo e cumplicidade.
“Meu pai dizia que a prova da infinita imaginação de Deus eram os seus filhos...” Entrevista com os filhos do Prof. Pompéia em 30/05/2012 Déc. de 1940 - Pompéia, sua esposa Wanda e o filho Luiz Antônio
Maria das Dores e Jonas Pompéia, pais de Paulus Aulus No ano seguinte a família muda-se para a cidade de São Paulo e Paulus começa a se preparar para entrar no curso de Engenharia Elétrica da Escola Politécnica, influenciado pelos conhecimentos adquiridos na infância. Em 1930 ingressa na Poli, onde começa a estudar lógica, assunto pendente no colégio, e chega à conclusão de que tinha razão em relação às discussões com seu ex-professor de filosofia. A partir desse momento, Paulus se torna ateu. 1929 - Paulus na cidade de São Paulo, quando se preparava para entrar na Escola Politécnica Déc. de 1950 - Pompéia e família na cidade de São José dos Campos, onde o pesquisador atuava no ITA
Ainda em 1939 passa a integrar o grupo de pesquisa em raios cósmicos do Prof. Wataghin no Departamento de Física da FFCL, no bairro do Bom Retiro, investigando o número e a natureza das partículas que chegam à Terra. Atuou juntamente com os futuros físicos Abrahão de Morais e Marcello Damy de Souza Santos, responsabilizando-se pela construção de equipamentos para medir a radiação cósmica.
Nesse mesmo ano é enviado para aperfeiçoamento na Universidade de Chicago, no laboratório do prêmio Nobel de Física Arthur H. Compton. No final de 1941 o Japão ataca a base militar americana de Pearl Harbor, no Havaí. Os Estados Unidos entram na guerra e o laboratório de Compton abriga o grupo liderado pelo físico italiano Enrico Fermi, para desenvolvimento da bomba atômica. Pompéia é convidado a integrar o grupo, mas não aceita alegando que o Brasil era um País neutro na guerra. Ao regressar ao Brasil, em 1942, o governo tinha aderido aos Aliados, e Compton, por telegrama, convida-o novamente, mas ele recusa. Com a entrada do Brasil na guerra, inicia-se um convênio entre o Ministério da Guerra e o Departamento de Física. O País precisava fabricar pólvora, cuja importação se tornara difícil. Para determinar o poder explosivo do material, era preciso avaliar o alcance do projétil, medindo sua velocidade inicial, cabendo ao Pompéia desenvolver um método eficiente para este cálculo.
1966 - Inauguração do Instituto de Física Gleb Wataghin da Unicamp - da esq. para dir.: Pompéia (2°); Wataghin (4°); Zeferino Vaz (6°) e Marcelo Damy (7°) O grupo desenvolveu trabalhos pioneiros em física de partículas, destacando-se a descoberta experimental dos “chuveiros penetrantes”, em 1940. Esta experiência foi repetida na Inglaterra com técnica diferente e contribuiu para uma das mais importantes descobertas da física do século XX, a das “partículas estranhas”. Nesse ano o Prof. Damy vai se especializar na Inglaterra e Pompéia assume seu lugar no grupo, realizando experiências de detecção de raios em superfície, em profundidade (como o túnel da Avenida Nove de Julho, em São Paulo, ainda em construção, na mina de ouro de Morro Velho em Minas Gerais, a uma profundidade de 200 a 400 metros abaixo do nível do mar), e também em grandes altitudes, a bordo de aviões da Força Aérea Brasileira (FAB).
“O Pompéia foi um dos meus melhores amigos. Era um rapaz de excelente caráter, de formação muito sólida, de modo que era um padrão de dignidade, competência e educação...” Entrevista com o Prof. Marcelo Damy de Souza Santos, em 2002 Déc. de 1930 - Visita de Pompéia ao Observatório Nacional no Rio de Janeiro
Em seguida a Marinha de Guerra solicita ajuda à USP, por causa dos afundamentos das navegações brasileiras por submarinos alemães em nossa costa, cuja presença era preciso detectar. O grupo do Damy e Pompéia é convocado para esse trabalho e é estabelecida uma parceria entre o IPT, o Instituto de Eletrotécnica e a Escola Politécnica para a produção de um sonar brasileiro. Após contornar problemas como a produção de aço inox de boa qualidade, o aparelho fica pronto e a Marinha encomenda 80 unidades. Em 1944 Pompéia assume a disciplina de Física na FFCL e leciona por três anos. Desavenças sobre a criação de um Instituto de Física autônomo dentro da Universidade começam a surgir e Pompéia não concorda com os rumos do projeto, pedindo transferência para a Escola Politécnica em 1947, onde assume a cadeira de “Eletrotécnica”, de “Telecomunicação Elétrica” e o Laboratório de Micro-ondas. Além disso, monta o Laboratório de Microscopia Eletrônica, uma técnica de análise pioneira no País.
“ Engenharia = Física + Bom Senso” Frase que o Prof. Pompéia escrevia na lousa, no início de suas aulas no ITA Na Politécnica o professor Pompéia, querido por todos, incentivou e formou vários cientistas, como o físico Roberto Salmeron – uma referência mundial em Física de Partículas, um dos fundadores da Universidade de Brasília e Diretor de Pesquisa Emérito do Laboratoire Leprince-Ringuet, Ècole Polytechnique, na França. Déc. de 1950 - Pompéia (ao centro) em trabalho de campo com colegas do ITA
Em 1948 Pompéia aceita o desafio proposto pelo Ministério da Aeronáutica de compor a Comissão de Organização do Centro Técnico da Aeronáutica (COCTA), cujo objetivo era a criação de um centro universitário de pesquisa para a aeronáutica brasileira, em São José dos Campos (SP).
“Decidi ir para São José porque queria mostrar que é possível no Brasil a gente ter uma Escola de Engenharia onde professores e alunos trabalhassem em regime de tempo integral” Entrevista de Paulus Aulus Pompéia no ITA, em 1977
Na década de 1950 cria no ITA o Ano Prévio, um programa intensivo para os alunos menos preparados que ingressavam na escola. Segundo Pompéia, o baixo rendimento dos alunos era causado pela má formação dos professores do ensino médio. A partir de 1952, organiza os primeiros cursos de aprimoramento para professores de física de todo o Brasil, que eram trazidos para o ITA pelo antigo Beechcraft, aeronave que servia à COCTA. Em 1964 Pompéia é convidado a participar da implantação de projeto piloto da UNESCO para o ensino de física na América Latina. Nesse ano lança um filme de longa metragem sob o título: “Luz... é Onda?”, onde demonstrava que era possível ensinar a crianças de 12 e 13 anos os princípios ondulatórios da luz e do som.
Em 1949 defende a tese de doutorado “Problemas Estatísticos das Ocorrências Casuais e os Contadores Geiger-Müller”. Nesse mesmo ano, organiza o Departamento de Física e Química do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), inaugurado em 1950. Adquire os equipamentos necessários e estrutura o quadro docente, com ajuda do professor Mário Alves Guimarães e do técnico Oscar Florentino, responsável pela oficina mecânica, que ele trouxe da Escola Politécnica. No inicio do ano letivo, o Prof. Pompéia dedicava-se totalmente aos alunos, atendendo-os em seu escritório até altas horas. Defendia que as aulas do primeiro ano dos cursos deveriam ser ministradas pelos melhores professores e que os cursos de matemática, física e química deveriam fornecer aos estudantes o embasamento para as matérias especializadas. Além do trabalho administrativo no ITA, continua se dedicando às pesquisas sobre raios cósmicos. O Ministério da Aeronáutica constroe no Pico do Itapeva, na cidade paulista de Pindamonhangaba, um laboratório para detectar a coincidência de “chuveiros” de raios cósmicos em Campos do Jordão e São José dos Campos, cuja estrutura de concreto é hoje um mirante para o Vale do Paraíba. Déc. de 1960 - Pompéia com os professores do ITA - na primeira fila o primeiro da esq. p dir.
Déc. de 1950 - Prof. Pompéia (ao centro) com os alunos do ITA Em 1965 retorna ao ITA, mas fica descontente com o rumo da escola e com o desligamento de alunos e professores a partir da ditadura militar. Frustrado e em desacordo com a direção do Centro Técnico Aeroespacial (CTA), solicita a aposentadoria. Em 1966 assume a cadeira de Física Aplicada, na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (FAU-USP). Foi o primeiro professor da instituição a ser contratado em regime de tempo integral, única forma de dedicação ao ensino superior aceita por ele. Em 1970 deixa a FAU e assume o cargo de Assessor Científico Cultural no IPT. Após 11 anos de trabalho deixa o Instituto para cuidar da empresa do sogro, que havia falecido.
“Não podemos perder jovens que têm potencial, somente porque não tiveram a oportunidade de cursar um bom Colegial.” Frase do Prof. Pompéia Déc. de 1980 - Paulus, na cidade de Caxambú-MG
No final da década de 1960 Dr. Alberto Pereira de Castro assume a superintendência do IPT com um programa de gestão voltado principalmente a atender à crescente industrialização brasileira. Para atender essa demanda era necessária uma equipe de colaboradores capacitados capazes de introduzir inovações tecnológicas em nosso meio e desenvolver knowhow para indústrias. Dada à carência de pessoal especializado no País, em 1969 Dr. Alberto convida-o para ajudá-lo na formação de pesquisadores no Instituto, utilizando sua grande experiência e habilidade em formar cientistas.
“Ele, com a experiência acumulada e a vocação natural para formar gente, sabia receber o jovem e encaminhá-lo para seu aperfeiçoamento”. Entrevista com Dr. Alberto Pereira de Castro no IPT, em 2002 Pompéia ingressa no IPT em 1970, época de muitas pesquisas e trabalhos experimentais, como as construções das grandes hidroelétricas e o Metropolitano de São Paulo (atual Metrô). O Instituto passava de autarquia para empresa pública e contava com cerca de 900 servidores: 234 de nível universitário, 23 mestres e 16 doutores. Nessa nova fase do IPT, é responsável pela adequação da infraestrutura para capacitação de Recursos Humanos visando potencializar as atividades cientificas. Implementa a Assessoria Científico-Cultural para analisar a conjuntura do Instituto e diagnosticar as áreas que necessitavam de mais incentivo. A partir daí, começa a disseminar entre os colaboradores, principalmente os mais tímidos, o senso da importância de se manterem atualizados, de procurarem adquirir novas capacitações e de se desenvolverem intelectualmente.
Nesse mesmo ano, colabora na criação de um plano de classificação de funções e de definição do quadro de pessoal do Instituto. Para o pessoal de nível universitário, é criado um plano de carreira, a partir da complementação de salários por meio de prêmios de produtividade, prevista no decreto estadual n° 52.644 de 3/2/1971. Da mesma maneira que incentivava a capacitação, Pompéia preocupava-se em criar estratégias para evitar a fuga de cérebros. Quanto a isso, porém, tinha uma mentalidade aberta: considerava a excelência na formação de pesquisadores um papel fundamental do IPT, mesmo quando eles não permaneciam no Instituto – era de qualquer modo uma contribuição para o desenvolvimento do País. Para incentivar os colaboradores, em 1971 promove no IPT um importante congresso reunindo laboratórios do Brasil inteiro. Incentivava os funcionários a dedicarem parte de seu tempo a leitura de revistas, à pesquisa de bibliografias, à preparação de trabalhos para publicação, à participação em seminários e congressos e à produção de patentes. Além do trabalho de mapeamento de competências, Pompéia dedicava boa parte de seu tempo à orientação dos pesquisadores quanto a seus rumos profissionais e às possibilidades de capacitação, no Brasil e no exterior. Dava sempre atenção a todos que o procuravam, orientando-os individualmente.
“Ele era revolucionário, implantava na cabeça das pessoas desafio constante” Pesquisador Jose C. Zanutto no IPT, em 2012.
Déc. de 1970 - Paulus em seu escritório no IPT
Mapeou a situação dos engenheiros, químicos, geólogos e outros pesquisadores e técnicos para ingresso em cursos de aperfeiçoamento e de pós-graduação em instituições brasileiras e estrangeiras, identificando as universidades e instituições no exterior mais interessantes para cada capacitação. Sua meta era manter dez por cento do pessoal do IPT fora do País.
1971 - Curso sul-americano de treinamento Uster realizado no IPT para determinação do quociente de qualidade de fios - Pompéia é o terceiro da esq. para dir.
Déc. de 1970 - Pompéia (à dir) e Gleb Wataghin em visita ao IPT
Na época, a maior parte dos pesquisadores buscava aperfeiçoamento na Escola Politécnica da USP e na Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Alguns já possuíam bolsa de estudos em outras instituições nacionais e internacionais. Pompéia dava total assistência aos pesquisadores, estudando, caso a caso, a melhor instituição para a especialização. Além disso, auxiliava na obtenção das bolsas e no encaminhamento aos orientadores. Quanto ao pessoal que já estava no exterior, Pompéia mantinha contato por meio de cartas e os auxiliava com suas pendências financeiras no País, uma vez que a pós-graduação frequentemente exigia a permanência de 3 a 4 anos no exterior.
Pompéia manifestava uma preocupação especial com a propriedade intelectual da produção tecnológica do Instituto, incentivando técnicos e pesquisadores a patentearem as inovações. Em 80 anos de existência, o IPT só havia depositado três patentes. Mas no período de 1973 a 1981, esse número subiu para 38.
Entre os vários pesquisadores que foram incentivados e hoje são referencias em suas áreas de conhecimento estão: Marcio Nahuz (University College Of North Wales Bangor Gwynedd - Inglaterra); Francisco B. Nigro (University of Waterloo - Canadá); Toshi-ichi Tachibana (Japão) e Claudio Sbrighi Neto, (Laboratório Nacional de Engenharia Civil Portugal). Pompéia deixa o IPT em meados de 1981, para cuidar dos negócios da família. Nesse período, o Instituto contava com uma equipe de 53 pesquisadores com doutoramento e 101 mestres num quadro de 849 pesquisadores com nível universitário. Cerca de 145 pesquisadores faziam cursos de pós-graduação na época, 14 deles em universidades estrangeiras. Foram cerca de 11 anos no IPT incentivando a coragem intelectual, pois sem ela é impossível fazer uma ciência de alta qualidade.
“Pompéia gostava de ser “the man behind the gun”, o homem atrás do canhão. Não gostava de ser o canhão.” Entrevista Dr. Alberto P. Castro, 2002.
Pesquisadores incentivados pelo Prof. Pompéia: Em sentido horário: Marcio Nahuz; José Carlos Zanutto; Claudio Sbrighi Neto (no detalhe) e Francisco B. Nigro