Personalidades IPT - Hubertus Colpaert

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Hubertus Colpaert O engenheiro civil Hubertus Colpaert foi um homem sagaz, muito estudioso, poliglota e com grande conhecimento técnico. Seus trabalhos sobre metalografia, desenvolvidos em prol das ferrovias, da metalurgia e da siderurgia no País, fizeram de Colpaert uma referência na área. Ipeteano, com um olhar minucioso e perfeccionista, criou a Seção de Metalografia do IPT e dela fez um importante instrumento de ensino e de desenvolvimento industrial no País, consolidando o IPT nesse campo de atuação. Estava sempre em busca de conhecimento para melhorar a qualidade dos sistemas produtivos, a prevenção de acidentes e o aperfeiçoamento tecnológico. Além disso, dava suporte aos pesquisadores para o desenvolvimento de seus trabalhos científicos e tecnológicos. Colpaert dedicou 28 anos ao IPT, subitamente interrompidos por um acidente que abreviou sua vida, em 16 de janeiro de 1957.

Hubertus Colpaert (1901 - 1957)


VIDA O ano de 1901 foi marcado pelas mudanças na política econômica e inúmeros avanços tecnológicos. As cidades estavam se expandindo no Brasil, as indústrias eram rudimentares, a economia era baseada na agricultura e os meios de transportes precários. As ferrovias cresciam, incrementando o fluxo econômico entre as áreas produtoras de bens primários e os portos exportadores, como a São Paulo Railway Ltda., destinada a ligar o Porto de Santos com o planalto para escoar a produção cafeeira do Vale do Paraíba.

Passou a infância e a adolescência no bairro de Perdizes, na cidade de São Paulo. De personalidade meticulosa e voltada para a precisão, gostava muito de estudar e falava onze línguas, entre elas inglês, francês, flamengo e alemão.

O IPT, na época Gabinete de Resistência dos Materiais – GRM, iniciava estudos para dar suporte às indústrias, ferrovias e construção civil. O então diretor do GRM, Francisco de Paula Sousa, cogitava a possibilidade de implantar a metalografia no Brasil, para fomentar o desenvolvimento tecnológico do País.

Influenciado pela atividade do pai, Hubertus inicia no ano seguinte o curso preparatório da Escola Politécnica de São Paulo, ingressando em Engenharia Civil em 1924.

Nesse ano nasce Hubertus Colpaert, em 01 de abril, na cidade de São Paulo, filho do belga Alfred Colpaert e da austríaca Martha Seidel Colpaert, que vieram para o Brasil no final do século XIX. Seu pai era topógrafo e trabalhava numa empresa belga, especialista em pontes metálicas, que prestava serviços no Brasil para o projeto da construção da Ponte Pênsil de São Vicente (1914) e do Viaduto Santa Ifigênia (1913). Hubertus foi o primogênito da família de quatros irmãos: Oswaldo, Iracema e Guiomar.

Realizou seus estudos primário e secundário no primeiro ginásio da cidade - Ginásio do Estado de São Paulo - onde hoje é a Pinacoteca, formando-se bacharel em Ciências e Letras, em 1921.

Durante a graduação, fazia alguns trabalhos como topógrafo e, em 1926 consegue um estágio não-remunerado no IPT, então GRM, como auxiliar de laboratório. Era a oportunidade para se especializar e aprofundar os estudos sobre metalografia, iniciados por Hippolyto Gustavo Pujol Jr. Na década de 1930, Colpaert continua aprimorando e aprofundando o seu trabalho no Instituto, tornando-se uma referência na metalografia. Também dava aulas e às vezes substituía Ary Torres na cadeira de Materiais de Construção na Escola Politécnica.

“Em 1930 uma revolução que depõe o governo federal e coloca outro no poder. Desde essa época para cá , o ensino, de um modo geral começou a periclitar.” Colpaert em 1953 Na Poli, Colpaert lutava por melhores condições de ensino, criticando o surgimento de várias escolas (ginásios e universidades) com finalidade mais comercial, bem como as reformas no ensino público. Segundo ele, esse quadro refletia-se na qualidade dos alunos que, ao ingressarem na Escola, estavam cada vez menos preparados. Além disso, alertava para a necessidade de contratação de professores a fim de garantir a continuidade das aulas.

Déc. de 1940 - Família Colpaert - à frente, da esq. para dir., mãe, pai e irmã; atrás, da esq. para dir., irmão, esposa, Hubertus e o irmão caçula

“As dificuldades do transporte também têm sua parcela na freqüência dos alunos... chegando demasiado atrasados, não querem entrar na classe e perdem a aula inteira.” Colpaert em 1953 Déc. de 1930 - Colpaert e os colaboradores da Escola Politécnica de São Paulo


VIDA Nos anos 1930, contrata a datilógrafa Maria de Lourdes Prado e, após alguns anos de trabalho juntos, acabam se casando. Dessa união tiveram dois filhos, Hubertus Filho, que se tornaria geólogo, e Flavio, engenheiro mecânico.

Com 56 anos, Colpaert provavelmente ainda acrescentaria mais alguns feitos aos seus 28 anos de dedicação ao IPT. No dia 16 de janeiro de 1957, após um dia normal de trabalho, dirigia-se ao centro da cidade, onde participaria de um tribunal de Júri, no Fórum João Mendes. Ao atravessar a estrada de ferro para pegar o ônibus na Av. Industrial (atual Av. Jaguaré), foi atropelado por um trem de carga proveniente de Osasco e, por uma ironia do destino, morreu nos trilhos que foram material fundamental para seus estudos e para o crescimento da metalografia no País.

“O encarecimento da vida, que obrigou muitos alunos a trabalharem para se manter impedindoos de assistir certas aulas ou roubando-lhes as horas para estudar” Discurso de Colpaert na formatura dos alunos da Poli, em 1953 Déc. de 1930 - Ensaio de campo em trem fabricado pela American Locomotive Company (Alco)

Déc. de 1930 - Casamento de Colpaert e Maria de Lourdes Colpaert permaneceu no IPT até os anos 1950, realizando diversos trabalhos para as ferrovias e indústrias metalúrgicas, além de dar suporte à implantação da siderurgia nacional. Atuou ativamente na propagação da metalografia no Brasil, tanto para a melhoria da qualidade dos produtos industriais quanto para a formação de profissionais na área. Juntamente com seus colegas ipeteanos – Ary Torres, Miguel Siegel, Vicente Chiaverini, Alberto Pereira de Castro e Tharcísio Damy – participou da fundação da Associação Brasileira de Metais – ABM.

“Era uma pessoa severa que tinha momentos de muita ternura e apesar de ter deixado inesperadamente a família deixou o traço de seu caráter facilitando à sua mulher a tarefa de moldar aos filhos.” Entrevista com Flavio Colpaert, em 2012

Déc. de 1940 - Confraternização da Associação Brasileira de Metalurgia, Materiais e Mineração (ABM)

Déc. de 1940 - Colpaert, a esposa Maria de Lourdes e o filho Hubertus


IPT Em 1926, o Gabinete de Resistência de Materiais - GRM, precursor do IPT, dava suporte à indústria da construção civil e às companhias ferroviárias E.F. Sorocabana, Mogiana, E.F. Noroeste do Brasil, Cia. Paulista de Estradas de Ferro, São Paulo Railway e E.F. Central do Brasil, que ajudavam no crescimento do País tanto no setor industrial quanto agrícola.

O Brasil passa por mudanças na estrutura política e econômica na década de 1930, em consequência da quebra da Bolsa de Nova York em 1929 e da Revolução de 1930, que culmina com Getúlio Vargas governando o País. O setor agrário perde espaço para a indústria crescente. As importações diminuem consideravelmente, forjando políticas de industrialização e estimulando a produção para o mercado interno. Devido ao aumento da importância e ampliação das atividades, o GRM se torna Laboratório de Ensaio de Materiais - LEM, instituído pelo Decreto nº 5064 de 13/06/1931.

Déc. de 1940 - Ensaio de campo em trem da Cia. Paulista de Estradas de Ferro Nesse mesmo ano Hubertus Colpaert, estudante da Poli, começa a estagiar no GRM e, no ano seguinte, é contratado como auxiliar de laboratório. Sob a orientação do diretor Ary Torres, passa a se dedicar à metalografia, área ainda incipiente no País.

Nessa época, a Seção de Metalografia contava apenas com Colpaert e um assistente técnico. Em 1932, ao deflagrar da Revolução Constitucionalista, Colpaert ausenta-se do País em viagem de estudo, visitando centros de pesquisas e empresas na Europa. Os conhecimentos acumulados pela Seção continuam dando suporte à produção bélica voltada ao abastecimento das forças revolucionárias, pelo qual o LEM era responsável.

Forma-se em Engenharia Civil em 1928 e assume a chefia da Seção de Metalografia Microscópica, da qual nunca mais se afastou. Aprimorou e aprofundou em seus trabalhos os estudos iniciados por Hippolyto Pujol, diretor do GRM na década de 1910, realizando análises de material metálico que permitiam identificar aspectos macroscópicos e microscópicos como o tipo de material (aço, ferro, alumínio, cobre), os processos de fabricação (laminado, forjado, fundido), e os defeitos de fabricação do material, com o objetivo de melhorar a qualidade dos produtos, evitando desperdícios, acidentes e falhas. Déc. de 1920 - João Luiz Meiller (sentado), Adriano Marchini e Colpaert em frente ao Laboratório de Ensaio de Materiais - LEM, no bairro do Bom Retiro

1910 - Primeiro banco metalográfico tipo Le Chatelier instalado no Gabinete de Resistência dos Materiais, fabricado pela Casa Pellin (França)

1932 - Carta de despedida de Colpaert a Adriano Marchini, em razão da viagem de estudos para Europa 1942 - Estudo de ruptura de trilhos - exame macrográfico e micrográfico


IPT Em 1934, com a transformação do LEM em Instituto de Pesquisas Tecnológicas, surgem novas demandas de órgão públicos como a Alfândega, e das indústrias Votorantim, Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo, Fábrica de Aço Paulista e Cia Ferroviária, entre outras, exigindo melhorias na seção. Nesse contexto, Colpaert aprofunda as pesquisas em metalografia e tratamentos térmicos em materiais utilizados nas indústrias de construção civil e ferroviária. As atividades de ensino na Escola Politécnica e para empresas, institutos brasileiros e latino-americanos, como Senai, Escola Nacional de Minas e Metalurgia (Ouro Preto - MG), Escola de Engenharia de Santiago do Chile e Faculdade de Engenharia de Montevideo, entre outras, foram importantes para a disseminação dos estudos metalográficos.

“Eu virei metalurgista graças ao Colpaert, porque a minha intenção era fazer minas.” Entrevista de Alberto A. Arantes, ao setor de memória histórica do IPT, em 2003. No final da década, o IPT já domina conhecimentos em Metalografia capazes de atender às necessidades internas do País. A II Guerra Mundial (1939-1945) afeta novamente a indústria brasileira. O esforço de guerra prejudicou as importações e a expansão do setor, mas por outro lado levou à implantação, com apoio dos EUA, da Cia. Siderúrgica Nacional - CSN, responsável pelo fornecimento de aços para a indústria brasileira.

A metalografia de Colpaert voltou-se, nesse período, à substituição de certos tipos de aço e sua melhoria, além dos estudos de peças não facilmente substituíveis. O ano de 1948 marca a criação da Divisão de Metalurgia, dentro da qual Colpaert torna-se responsável pela Seção de Ensaios de Metais, sempre batalhando por melhorias técnicas e financeiras para seus funcionários.

“Só era engenheiro civil, se especializou em técnicas metalográficas e evoluiu bastante, fez um trabalho perfeito na parte de documentação metalográfica... atividade grossa neste período eram o material ferroviário, trilhos, essas coisas”. Entrevista de Alberto A. Arantes, ao setor de memória histórica do IPT, em 2003. Um ano depois, os pesquisadores do IPT transferem-se para a nova sede na Cidade Universitária. Com a possibilidade concreta de expansão, as pesquisas do Instituto diversificam-se, contemplando desde a elaboração de enxadas para lavoura até peças para aviões. Neste período, Colpaert trabalha na aplicação e desenvolvimento do processo de estabilização de aços inoxidáveis, determinação de processo de fabricação de peças de automóvel, fundição de ligas de baixo ponto de fusão, peças de aços-liga, bimetais, matérias ferroviárias e peças de ferro fundido.

1954 - Sala de fornos para tratamentos térmicos da Seção de Metalografia

Déc. de 1940 - Visita das Forças Armadas ao IPT, Colpaert é o quinto da esq. para a dir.

Déc. de 1940 - Equipe do IPT nas instalações do bairro paulistano do Bom Retiro


IPT A partir da década de 1950, Colpaert retoma com maior ênfase sua proposta de disseminar o ensino de metolagrafia no Brasil e ampliar as pesquisas nessa área. Seus trabalhos de aplicação e pesquisa resultaram numa coleção de slides, ampliações fotográficas, gráficos e em um fichário de aproximadamente dez mil macrografias e micrografias, gerando em 1951 o Boletim IPT nº 40 - “Metalografia Macrográfica e Micrográfica dos Produtos Siderúrgicos Comuns”. Em 1959, o boletim é editado como o livro, intitulado “Metalografia dos Produtos Siderúrgicos Comuns”, um marco para a engenharia mecânica e metalúrgica que ainda hoje é utilizado por estudantes e técnicos da área. Dez anos antes, seus diapositivos e diagramas já haviam servido de apoio para as conferências dos professores metalurgistas americanos Allan Bates, da Universidade de Pittsburgh, Robert Mehl, diretor de Metalurgia do Carnegie Institute of Technology e Arthur Phillips, da Yale University.

Déc. de 30 - Colaborador do IPT prepara amostra para análise microestrutural no banco metalográfico Reichert

Sempre atento às novas necessidades da sociedade, Colpaert realiza um importante trabalho sobre microestrutura e tratamentos térmicos de materiais metálicos, que serviu para o desenvolvimento da recém-implantada indústria automobilística brasileira. Seu trabalho, precocemente interrompido, teria continuidade nos estudos dos ipeteanos Rubem Lima Pereira e Alberto de Albuquerque Arantes, consolidando-se em importantes contribuições para a indústria.

“Um livro técnico que servisse de manual aos que se dedicam a problemas referentes a propriedades e aplicações dos produtos siderúrgicos” Alberto A. Arantes, no prefácio da 2ª edição do livro Metalografia dos produtos siderúrgicos comuns”, 1959

1952 - Colpaert em sua comemoração de 25 anos de trabalho no IPT (ao fundo, ao lado da esposa Maria de Lourdes)

Banco metalográfico Reichert adquirido em 1928 por Colpaert, quando assumiu a chefia da Seção de Metalografia


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